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  • Hospital de Braga: contratos de sete milhões de euros escondidos durante mais de dois anos

    Hospital de Braga: contratos de sete milhões de euros escondidos durante mais de dois anos

    A Administração do Hospital de Braga “esqueceu-se” de publicar no Portal Base, durante mais de dois anos, e em alguns casos até mais de três anos, dezenas de contratos de aquisição de equipamentos de protecção individual e de materiais relacionados com a pandemia. O PÁGINA UM identificou 32 contratos acima de 100 mil euros, envolvendo 17 empresas, que tiveram um custo total de 7 milhões de euros para os cofres do Hospital de Braga. A legislação obriga que sejam publicitados na plataforma da contratação pública no prazo máximo de 20 dias úteis, mas detectaram-se sete contratos que demoraram mil ou mais dias até serem conhecidos. O atraso, que curiosamente só atinge aquisições associadas à covid-19, não é um mero pormenor burocrático. Ao fim deste tempo todo, mostra-se agora quase impossível averiguar as condições de aquisição e se as entregas foram mesmo realizadas pelos fornecedores, tanto mais que, como se estava num regime de excepção, tudo foi combinado por ajuste directo e sem redução a escrito.


    O Hospital de Braga demorou mais de dois anos, e por vezes até mais de três anos, a disponibilizar pelo menos 32 contratos no Portal Base relacionadas com aquisições de equipamentos de protecção individual e materiais relacionados com a pandemia.

    Como a generalidade desses contratos foi feita por ajuste directo, sem sequer serem reduzidos a escrito – beneficiando de um regime de excepção instituído pelo Governo – não existem quaisquer documentos de suporte nem referências, na maior parte dos casos, às quantidades compradas nem comprovativos idóneos que atestem as quantidade efectivamente entregue pelos fornecedores escolhidos a dedo, e sem critério objetivo, pela administração hospitalar.

    São 32 contratos acima de 100 mil euros que acabaram “esquecidos” pelo Hospital de Braga durante mais de dois anos, dificultando agora qualquer verificação da sua execução. Todos associados a aquisições no âmbito da pandemia.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM, foram estabelecidos, sem documentação, 32 contratos superiores a 100 mil euros pelo Hospital de Braga durante 2020 – e em grande parte nos primeiros meses da pandemia – e os primeiros meses de 2021 (até Maio) para a compra sobretudo de máscaras, luvas de nitrilo e outros equipamentos de protecção individual, bem como de zaragatoas e testes. Só estes contratos totalizaram 7.013.105 euros. Existem mais contratos com valores abaixo da fasquia dos 100 mil euros, a generalidade por ajuste directo sem redução a escrito.

    Cinco destes contratos ascendem aos 400 mil euros, tendo sido estabelecidos por ajuste directo entre Março e Agosto de 2020, embora a informação no Portal Base apenas tenha começado a surgir a partir de Janeiro deste ano. Três destes contratos milionários de 2020, esquecidos nos corredores do Hospital de Braga, só foram introduzidos no mês passado, em Maio deste ano. Segundo a portaria que regula o funcionamento e gestão do portal dos contratos públicos (Portal Base), as entidades públicas têm a obrigatoriedade de entregar informação sobre os contratos, mesmo daqueles que sejam por ajuste directo e sem redução a escrito, até 20 dias úteis após a sua celebração. Atente-se também que sem o regime de excepção seria impossível a aquisição deste tipo de materiais por ajuste directo, sem contrato escrito, envolvendo tão avultados montantes.

    Sendo certo que nem sempre as entidades públicas cumprem o prazo de 20 dias, mostra-se, contudo, completamente inaudito a ocorrência de atrasos tão elevados nestes contratos do Hospital de Braga, até porque somente atingem as aquisições relacionadas com a pandemia ao longo de 2020 e dos primeiros meses de 2021. Numa panóplia de outros contratos, para a aquisição de medicamentos para outras doenças, por exemplo, o Hospital de Braga não apresenta atrasos desta ordem de grandeza, nem pouco mais ou menos, mesmo em aquisições feitas no auge da pandemia. O “problema” foi, de facto, exclusivamente, dos contratos relacionados com a covid-19.

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    Com efeito, dos 32 contratos analisados pelo PÁGINA UM – todos acima de 100 mil euros, dos quais 28 se celebraram em 2020 e quatro em 2021 (até Maio) –, aquele que demorou menos tempo entre a celebração do contrato (sem redução a escrito) e a sua publicação do Portal Base foi para a compra de 4.800 testes PCR à empresa Horiba, em 20 de Maio de 2020, com um custo total de 178 mil euros. Como a sua publicitação ocorreu apenas em 23 de Maio passado, decorreram assim 733 dias até constar no Portal Base.

    No extremo oposto, identificaram-se dois contratos que demoraram 1.140 dias a serem publicitados: um da Teprel, para a aquisição de um número indeterminado de humidificadores com gerador de fluxo, no valor de 106.961 euros – adquiridos logo no início da pandemia (26 de Março de 2020), e que apenas foi colocado no Portal Base no mês passado –, e outro da Colunex, que vendeu em Março de 2020 um número indeterminado de máscaras cirúrgicas e FFP2 no valor de 477.500 euros. Ignora-se o valor unitário de cada tipo de máscara e, obviamente, a quantidade adquirida e efectivamente entregue.

    Aliás, os contratos envolvendo a Colunex, uma empresa conhecida por vender colchões, já tinha merecido uma notícia do PÁGINA UM em 6 de Novembro do ano passado, quando se detectou que tinha facturado 1,3 milhões de euros numa semana no início da pandemia por vendas de máscaras aos hospitais do Tâmega e Sousa, aos dois centros hospitalares do Porto, à Unidade Local de Saúde de Matosinhos e ao Hospital do Santo Espírito da Ilha Terceira. Neste último caso, existe a informação no Portal Base de que “na 1ª entrega todo o material foi devolvido por não corresponder ao adjudicado”, mas não são registadas anomalias nos outros contratos.

    Conselho de Administração do Hospital de Braga, que a partir de 2019 deixou de ser gerido por uma parceria público-privada. Em primeiro plano, o presidente, João Porfírio Oliveira, responsável máximo pelas aquisições e pelos atrasos na publicitação dos contratos no Portal Base.

    Como em Novembro do ano passado ainda não constavam as vendas da Colunex ao Hospital de Braga – dois contratos por ajuste directo, um no valor de 477.500 euros e outro de 414.000 euros –, agora sabe-se que a empresa de colchões terá facturado, em contratos sem redução a escrito, cerca de 2,3 milhões de euros. Isto se não houver mais contratos “escondidos” do Portal Base. Note-se que antes da pandemia as vendas da Colunex a entidades públicas foram de zero.

    No caso destas compras do Hospital de Braga, a Colunex – que, portanto, facturou nos dois contratos 891.500 euros – nem foi a empresa que mais facturou. O pódio vai para a Alfagene, uma empresa de comercialização de produtos laboratoriais, que conseguiu três chorudos contratos em 2020, que só agora em 2023 acabaram plasmados no Portal Base, embora sem qualquer documento associado, porque também foram por ajuste directo sem redução a escrito.

    O mais elevado foi assinado em 6 de Agosto de 2020 para a aquisição de 30.000 testes e custou 573.900 euros. Demorou 900 dias a aparecer no Portal Base. O segundo contrato mais valioso da Alfagene envolveu a compra de “kits de estracção e detecção de SARS-CoV-2”, sem indicação da quantidade. Celebrado em 15 de Janeiro de 2021, com um valor contratual de 426.762 euros, a informação da sua existência apenas surgiu no Portal Base 840 dias depois. O terceiro contrato foi assinado em 12 de Maio de 2021, para mais kits em número indeterminado, tendo o Hospital de Braga desembolsado mais 426.762 euros. A informação sobre este contrato demorou 744 dias a chegar ao Portal Base. No total, a Alfagene facturou ao Hospital de Braga 1.427.424 euros em contratos escondidos durante mais de dois anos. Quantos kits entregou? Não se sabe.

    A Colunex, com sede numa freguesia de Paredes, fundada em 1986, vende sobretudo colchões de gama alta, mas facturou 2,3 milhões de euros em equipamentos de protecção individual nos primeiros meses da pandemia, sempre por ajuste directo.

    Além da Colunex e da Alfagene, o Hospital de Braga celebrou contratos, “esquecidos” durante mais de dois anos, com a Teprel (quatro contratos no valor total de 697.977 euros), a PTTEX (três contratos no valor total de 569.500 euros), a Interhigiene (dois contratos no valor total de 440.000 euros), a Intehigiene (dois contratos no valor de 397.500 euros), a Bastos Viegas (dois contratos no valor total de 393.646 euros), a A Menarini (dois contratos no valor total de 316.000 euros), a Fapomed (dois contratos no valor de 255.000 euros) e ainda, com um contrato cada, as seguintes empresas: Clinifar, Intersurgical, Roche, Horiba, Quilabam, PHM, Medicinália Cormédica, Batist Medical Escala Braga (para remodelação dos serviços de urgência) e Enerre.

    Note-se que fora deste período (a partir de Maio de 2021), e com outros produtos (ao longo de todo o período da pandemia), os prazos entre a celebração dos contratos e a sua publicitação são incomensuravelmente mais curtos. A título de exemplo, um contrato assinado entre o Hospital de Braga e a empresa Raclac para a aquisição de luvas de nitrilo em 22 de Julho do ano passado, no valor de 127.594 euros, demorou apenas cinco dias a surgir no Portal Base. Ou seja, um contrato assinado mais de um ano depois dos primeiros é publicitado em cinco dias; os outros, na primeira fase em que tudo era permitido com o argumento da urgência em salvar vidas demoraram, por vezes, mais de 1.000 dias, ficando esquecidos mesmo quando a calma ressurgiu.

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    No passado dia 2, o PÁGINA UM contactou à Administração do Hospital de Braga, presidido por João Porfírio de Oliveira, pedindo diversos esclarecimentos e documentos. Questionou-se sobre como se comprovava a verdadeira aquisição dos materiais e a veracidade das entregas dos materiais, quem foi responsável pelas aquisições e quais foram as razões para a demora da publicitação da informação dos contratos no Portal Base. Também se perguntou se o Hospital de Braga informava alguma entidade tutelada pelo Ministério da Saúde sobre as aquisições feitas no âmbito da pandemia.

    Também se questionou se ainda existem mais contratos relativos aos anos da pandemia (2020 a 2022) não colocados no Portal Base e quais os montantes efectivamente gastos pelo Hospital de Braga em equipamentos de protecção individual e em testes e outros materiais no âmbito da pandemia.

    Solicitava-se, de igual modo, que fossem enviados as facturas e os documentos de entrega (guias de remessa) dos materiais.

    Hoje, em nota enviada ao PÁGINA UM, que pode ser lida aqui na íntegra, a Administração do Hospital de Braga nada esclarece de forma considerada plausível sobre os motivos do atraso na publicitação dos contratos escondidos por mais de dois anos – e que, saliente-se, de novo, apenas atinge contratos relacionados com a covid-19 – nem envia qualquer documento.

    Hospital de Braga passou de novo para a esfera pública em 2019.

    Apesar de ser evidente o tempo em que os contratos e os montantes envolvidos estiveram escondidos, o Conselho de Administração do Hospital de Braga diz que “a priorização dada à situação epidemiológica de Covid-19, bem como as medidas excecionais e temporárias decorrentes, obrigou à aquisição de diverso equipamento de proteção individual e sanitário, tendo sido celebrados para o efeito diversos contratos, todos no cumprimento dos requisitos, procedimentos e transparência exigíveis.” Ou seja, a transparência foi tão grande que, na esmagadora maioria dos contratos, nem sequer se explicita a quantidade adquirida, e portanto nem se sabe o valor unitário e o nível de especulação de preços.

    Mais adiante, na sua nota, o Conselho de Administração do Hospital de Braga diz também que “a excecionalidade da situação, associada a dificuldades relacionados com os recursos humanos, conduziram à publicação desfasada de alguns contratos, encontrando-se, atualmente, os procedimentos normalizados e todos os contratos integralmente publicados”, acrescentando ainda que “a missão e o foco de atuação do Hospital de Braga, EPE passam por privilegiar o acesso, a prestação de cuidados de excelência e a melhoria contínua da Qualidade, da Segurança e Sustentabilidade Financeira e Ambiental, desenvolvendo a sua atividade no cumprimento do enquadramento legal que lhe é aplicável.”

    Por fim, diz ainda que “anualmente, é elaborado, entre outros, o Relatório e Contas, onde se encontra espelhada informação referente à atividade, ao desempenho e às contas do Hospital de Braga, EPE e onde consta, desde 2020, um capítulo dedicado à Covid-19.”

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    Transparência e rigor na gestão dos dinheiros públicos continuam a ser atributos menosprezados. Administração do Hospital de Braga apresenta justificações absurdas para atrasos incompreensíveis.

    Analisado os relatórios e contas do Hospital de Braga de 2020 e 2021, o PÁGINA UM confirmou que os capítulos dedicados à covid-19 nada esclarecem sobre as aquisições, fornecedores e quantidades entregues. Do ponto de vista contabilístico, no ano de 2020 apenas surge um quadro elencando os custos por grandes itens, com um montante total de 20.439.019,77 euros. Para o ano de 2021, o pouco detalhe é similar, apontando-se um custo global de 38.33.071,93 euros.

    Que todo este dinheiro foi gasto, não haverá grande dúvidas. Se correspondeu a material efectivamente entregue e consumido, e a custos justos, aparentemente só com uma investigação policial se encontrará luz. Até porque, face a tantos contratos de elevado montante, por ajuste directo, sem conhecimento de quantidades nem preços unitários, e escondidos durante mais de dois anos do conhecimento público, somente uma instância de investigação policial, ou uma qualquer divindade, conseguirá apurar se estamos perante uma mera negligência ou um esquema ilegal num período onde o dinheiro público era fácil de gastar, aos milhões, sem questionar. Aliás, parecia mesmo mal estar a questionar-se. E houve empresas privadas que agradeceram.


    CONTRATOS DO HOSPITAL DE BRAGA NO ÂMBITO DA COVID-19 ACIMA DE 100.00 EUROS ENTRE MARÇO DE 2020 E MAIO DE 2021

    Alfagene

    Data do contrato: 6/8/2020

    Data da publicação: 23/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 900 dias

    Aquisição de 30.000 testes para SARS-CoV-2 com colocação de equipamentos

    Valor: 573.900 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9727065

    Colunex

    Data do contrato: 26/3/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.140 dias

    Aquisição de máscaras FFP2 e máscaras cirúrgicas

    Valor: 477.500 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9979320

    Alfagene

    Data do contrato: 15/1/2021

    Data da publicação: 5/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 840 dias

    Aquisição de kits de extração e deteção de SARS-CoV-2

    Valor: 426.762 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9962680

    Alfagene

    Data do contrato: 12/5/2021

    Data da publicação: 26/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 744 dias

    Aquisição de kits de extração e deteção de SARS-CoV-2

    Valor: 426.762 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=10017888

    Colunex

    Data do contrato: 4/6/2020

    Data da publicação: 18/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 958 dias

    Aquisição de 200.000 máscaras FFP2

    Valor: 414.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9716785

    Interhigiene

    Data do contrato: 15/10/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 831 dias

    Aquisição de 3.000.000 de luvas de nitrilo

    Valor: 330.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732462

    Medline

    Data do contrato: 1/10/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 845 dias

    Aquisição 300.000 unidades de Bata Impermeável com Manga e Polegar

    Valor: 297.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732204

    PTTEX

    Data do contrato: 15/10/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 831 dias

    Aquisição de batas COVID 19

    Valor: 286.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732285

    Clinifar

    Data do contrato: 2/4/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.133 dias

    Aquisição de equipamentos no âmbito do plano de prevenção do COVID19

    Valor: 279.308 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9979235

    Teprel

    Data do contrato: 2/4/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.133 dias

    Aquisição de 10 ventiladores

    Valor: 277.182 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9979225

    Intersurgical

    Data do contrato: 25/9/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 851 dias

    Aquisição de máscaras

    Valor: 208.037 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9731424

    Bastos Viegas

    Data do contrato: 25/9/2020

    Data da publicação: 9/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 956 dias

    Aquisição de equipamentos de protecção individual

    Valor: 197.646 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9977684

    Bastos Viegas

    Data do contrato: 18/9/2020

    Data da publicação: 8/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 962 dias

    Aquisição de 2.000.000 luvas de nitrilo

    Valor: 196.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9974900

    Roche

    Data do contrato: 18/9/2020

    Data da publicação: 23/1/2023

    Aquisição de reagentes COVID

    Dias entre contrato e publicação: 857 dias

    Valor: 195.923 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9728062

    Horiba

    Data do contrato: 20/5/2021

    Data da publicação: 23/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 733 dias

    Aquisição de 4.800 testes rápidos PCR-COV-2

    Valor: 178.080 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=10006525

    PTTEX

    Data do contrato: 3/12/2020

    Data da publicação: 4/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 882 dias

    Aquisição de batas cirúrgicas esterilizadas: 25000 unidades de batas normais e de 25000 unidades de batas reforçadas

    Valor: 170.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9959217

    A Menarini

    Data do contrato: 6/8/2020

    Data da publicação: 23/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 900 dias

    Aquisição de 4.000 Testes VitaPCR SARS-CoV-2 e colocação de dois equipamentos VitaPCR™ para o período de Setembro a Dezembro de 2020

    Valor: 164.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9727377

    Quilaban

    Data do contrato: 5/11/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 810 dias

    Aquisição de 120.000 zaragatoas

    Valor: 162.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9733586

    Teprel

    Data do contrato: 2/4/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.133 dias

    Aquisição de 30 humidificadores com gerador de fluxo

    Valor: 156.917 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9978883

    Teprel

    Data do contrato: 23/4/2020

    Data da publicação: 18/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.000 dias

    Aquisição de 30 humidificadores com gerador de fluxo

    Valor: 156.917 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9717042

    A Menarini

    Data do contrato: 21/1/2021

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 839 dias

    Aquisição de 4.000 testes VitaPCR SARS-CoV-2 e colocação de 2 equipamentos VitaPCR™ de Janeiro até Abril de 2021

    Valor: 152.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9978909

    Escala Braga – Sociedade Gestora de Edifícios

    Data do contrato: 22/10/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 930 dias

    Aquisição de serviços de reorganização e remodelação dos espaços afetos Serviço Urgência

    Valor: 150.250 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732477

    Fapomed

    Data do contrato: 23/12/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 868 dias

    Aquisição de 60.000 unidades de batas impermeáveis

    Valor: 150.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9980512

    Enerre

    Data do contrato: 15/10/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 831 dias

    Aquisição de luvas de nitrilo

    Valor: 130.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732264

    PTTEX

    Data do contrato: 8/4/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.127 dias

    Aquisição cogulas e de fatos de proteção individual

    Valor: 113.500 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9979054

    Batist Medical

    Data do contrato: 5/11/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 810 dias

    Aquisição de luvas de nitrilo

    Valor: 112.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732423

    Medicinália Cormédica

    Data do contrato: 13/8/2020

    Data da publicação: 8/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 999 dias

    Aquisição de 2.000.000 luvas de nitrilo

    Valor: 111.860 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9975383

    Interhigiene

    Data do contrato: 5/11/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 810 dias

    Aquisição de luvas de nitrilo

    Valor: 110.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9732440

    Teprel

    Data do contrato: 26/3/2020

    Data da publicação: 10/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 1.140 dias

    Aquisição de humidificadores com gerador de fluxo

    Valor: 106.961 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9979391

    Fapomed

    Data do contrato: 23/12/2020

    Data da publicação: 25/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 763 dias

    Aquisição de 60.000 batas impermeáveis

    Valor: 105.000 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9734919

    PHM

    Data do contrato: 18/9/2020

    Data da publicação: 24/1/2023

    Dias entre contrato e publicação: 858 dias

    Aquisição de toalhetes de desinfecção e toalhetes de limpeza

    Valor: 101.100 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9731728

    Medline

    Data do contrato: 17/12/2020

    Data da publicação: 11/5/2023

    Dias entre contrato e publicação: 875 dias

    Aquisição de 150.000 unidades de aventais reforçados

    Valor: 100.500 euros

    https://www.base.gov.pt/Base4/pt/detalhe/?type=contratos&id=9982314

  • Supremo Tribunal Administrativo dá terceira “nega” ao Ministério da Saúde: PÁGINA UM tem direito de acesso a base de dados sobre internamentos hospitalares

    Supremo Tribunal Administrativo dá terceira “nega” ao Ministério da Saúde: PÁGINA UM tem direito de acesso a base de dados sobre internamentos hospitalares

    Não há uma sem duas, e não houve duas sem três: depois de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa e de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, três juízes conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo só precisaram de três páginas para recusar as pretensões da Administração Central do Sistema de Saúde para que fosse negado o acesso ao PÁGINA UM de uma das mais importantes bases de dados de saúde do país, que permite avaliar, de uma forma independente, o desempenho do Serviço Nacional de Saúde e identificar anomalias graves nos hospitais. A luta judicial dura há mais de um ano, entre um “David” e um “Golias” que não se importou, durante o processo, em usar mentiras e argumentos falaciosos. A ACSS começou por alegar a impossibilidade de anonimização de dados, mas quando foi demonstrada a mentira, adiantou que, afinal, o pedido era “manifestamente abusivo” porque demoraria muito tempo a retirar dados nominativos dos registos, apesar de estarmos no século XXI e de um sistema informático fazer essa operação enquanto o diabo esfrega um olho. Esta acção do PÁGINA UM (que só em taxas de justiça já ultrapassou mais de 1.000 euros) foi financiada pelos seus leitores através do FUNDO JURÍDICO. A defesa da ACSS, a cargo da sociedade BAS (que costuma cobrar 60 euros por hora), foi financiada através do Orçamento do Estado.


    Derrota no Tribunal Administrativo de Lisboa. Derrota no Tribunal Central Administrativo Sul. E, mesmo alegando ser “manifestamente abusivo” o pedido de acesso por parte do PÁGINA UM à base de dados anonimizados dos internamentos – que permitirá uma avaliação verdadeiramente independente do desempenho do Serviço Nacional de Saúde ao longo dos últimos anos –, a Administração Central do Sistema de Saúde recebeu terceira derrota, desta vez do Supremo Tribunal Administrativo.

    O Ministério da Saúde, através das entidades tuteladas por Manuel Pizarro, vai ter mesmo de disponibilizar o acesso ao PÁGINA UM da base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos. O acórdão, com data de 1 de Junho, assinada por três conselheiros, com José Veloso como relator, é muito claro e taxativo na análise ao “recurso de revista” apresentado pela ACSS. Em apenas três páginas, os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo decidem “não admitir a revista” das decisões dos outros tribunais.

    Supremo Tribunal Administrativo: em três páginas “concede” terceira derrota ao obscurantismo do Ministério da Saúde.

    “Constatamos desde logo a ‘unanimidade de decisão dos tribunais de instância’, o que não sendo só por si garantia de acerto não deixa de constituir um relevante sinal de bom direito”, salientam os conselheiros do Supremo, acrescentando que “também se constata que tais ‘decisões’ – mormente a consubstanciada no acórdão recorrido – embora abordem matéria de algum melindre, face à dimensão e à relevância dos direitos com que contende, não se mostra, no caso, de tratamento particularmente complexo, e foi apreciada e decidida pelos tribunais de instância de forma suficientemente consistente, e aparentemente correcta, não se vislumbrando nelas a ocorrência de erros manifestos que imponham a revista em nome da clara necessidade de melhor aplicação do direito”.

    Além de tudo isto, seguindo o texto do acórdão exarado pelo conselheiro José Veloso, as alegações da ACSS não imputam qualquer “erro de julgamento de direito”, mas sobretudo “a dificuldade de execução da intimação, mormente no que respeita à concretização dos dados pessoais que devem ser expurgados, facilitando, e esclarecendo, a fase executiva que lhe compete”.

    Mas essa alegada dificuldade – uma completa falácia porque a anonimização de dados, num sistema informático do século XXI, é um procedimento que exige ordens muito simples e seguras –, acrescenta o acórdão do Supremo, concordando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, “não deverá ser desvirtuado o reconhecimento do direito na fase declarativa mediante a antecipação das dificuldades da fase executiva.”

    Em suma, a ACSS – que já defendia, em desespero, que o pedido do PÁGINA UM (um órgão de comunicação social, cujo acesso à informação constitui um direito consignado na Constituição da República) deveria ser recusado por ser “manifestamente abusivo” – terá 10 dias para fornecer finalmente o acesso e cópia digital da BD-GDH

    A importância da informação contida nesta base de dados é enorme, podendo revelar mesmo informação com consequências políticas significativas, quer durante a pandemia, quer antes, quer depois.

    Esta base de dados (BD-GDH), gerida sem influência governamental, integra todos os doentes internados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, identificando o diagnóstico principal (aquele que, após o estudo do doente, revelou ser o responsável pela sua admissão no hospital), os diagnósticos secundários (todos os restantes diagnósticos associados à condição clínica do doente, podendo gerar a existência de complicações ou de comorbilidades), os procedimentos realizados, destino após a alta (transferido, saído contra parecer médico, falecido) e, no caso de recém-nascidos, o peso à nascença.

    Embora também constem dados de identificação (nome, idade e sexo), o sistema informático possibilita o expurgo dessa informação – neste caso, como se tratam de milhões de registos, basta substituir o nome do doente por um código – a base de dados é perfeitamente anonimizável.

    Em todo o processo judicial, iniciado a 21 de Julho do ano passado, a ACSS – ainda presidida por Victor Herdeiro, um amigo próximo da ex-ministra Marta Temido –, esteve sempre em discussão se a base de dados continha ou não informação nominativa, como defendia o Ministério da Saúde, que é aliás argumento recorrente da estratégia de obscurantismo do Governo em matérias sensíveis politicamente.

    Victor Herdeiro, presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (quarto a contar da esquerda, ao lado da ex-ministra da Saúde): há quase um ano a tudo fazer para esconder uma base de dados politicamente sensível. O Supremo Tribunal Administrativo é a terceira instituição judicial a dar razão ao PÁGINA UM sobre o direito de acesso a informação anonimizável.

    No entanto, no caso da BD-GDH, a falácia dos dados nominativos facilmente caiu por terra e nem os diversos magistrados que tiveram o processo de intimação em mãos – desde a primeira juíza do Tribunal Administrativo até aos três conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, passando pelos três conselheiros do Tribunal Central Administrativo Sul – foram insensíveis às alegações capciosas dos advogados da ACSS, pertencentes à sociedade BAS, que chegaram a afirmar ser tecnicamente impossível a anonimização.

    Porém, a mentira tinha a perna curta. A anonimização da BD-GDH é um procedimento corriqueiro e bem conhecido da ACSS, tanto assim que esse expediente administrativo costuma estar expressamente delegado num dos vice-presidentes para conceder acessos a investigadores. Por exemplo, no presente conselho directivo da ACSS, Victor Herdeiro delegou na sua vice-presidente Sandra Brás a competência “para autorizar o fornecimento de dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH)”, através da Deliberação 835/2021 publicado em Diário da República em 9 de Agosto de 2021.

    Na verdade, o receio do Ministério da Saúde passa pela possibilidade de se fazer uma análise independente a uma das bases de dados fundamentais de avaliação do desempenho do Serviço Nacional de Saúde, que permitirá detectar situações anómalas nos hospitais, escondidas aos cidadãos e até aos próprios doentes e familiares.

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    PÁGINA UM quer saber o que se passa nos hospitais públicos. O Ministério da Saúde não quer que o PÁGINA UM tenha acesso a uma base de dados que revela o que se passa nos hospitais públicos.

    Por exemplo, através da BD-GDH conseguir-se-á avaliar, por indicadores de internamento, a evolução de doenças e outras afecções, como enfartes ou tumores, ou mesmo a ocorrência de acidentes ou outras falhas médicas em unidades de saúde, uma vez que se mostra possível comparações cronológicas e por hospital. Conseguir-se-á também, por exemplo, esclarecer afinal se a incidência de internamentos durante a pandemia por covid-19 ou com covid-19, e mesmo a sua prevalência como infecção nosocomial (ou seja, “apanhada” durante um internamento por outra causa). Por isso, esta base de dados é politicamente sensível, mas de fundamental acesso para uma sociedade de princípios democráticos.

    Aliás, no ano passado, antes de o PÁGINA UM ter solicitado acesso à BD-GDH, a informação tratada e acessível no Portal da Transparência do SNS permitira a revelação de um conjunto de situações escamoteadas pelo Ministério da Saúde durante a pandemia. Com efeito, usando a então base de dados da Morbilidade e Mortalidade – uma simplificação da BD-GDH –, o PÁGINA UM revelara que, até Janeiro de 2022, houvera menos 51 mil hospitalizações de crianças durante a pandemia por todas as doenças; apurara que a variante Ómicron tinha indicadores de letalidade inferiores aos da gripe; identificara problemas graves (com aumento de taxas de letalidade mesmo em alas não-covid); determinara que a taxa de mortalidade da covid-19 foi evoluindo ao longo da pandemia e em função dos hospitais, sendo 30% superior à das doenças respiratórias; desmistificara a alegada elevada pressão durante a pandemia, até porque houve menos 280 mil doentes por outras causas não-covid; e também identificara estranhas descidas na mortalidade por cancros e outras doenças, bem como colocara dúvidas sobre a mortalidade por covid-19 nos hospitais.

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    No decurso dessa investigação, Victor Herdeiro terá ordenado a suspensão da divulgação daquela base de dados, para a “análise interna”, restaurando passado algumas semanas, mas completamente mutilada. Apenas a repôs depois do PÁGINA UM ter decidido, face às evidentes manipulações, solicitar formalmente o acesso à BD-GDH, a base de dados primitiva, que também serve para determinar os financiamentos a receber pelos hospitais públicos.

    Contudo, a prioridade do PÁGINA UM passou a ser o acesso à BD-GDH por ser uma base de dados com  elementos em bruto, e que a serem manipulados politicamente já configuram actos criminosos, uma vez que a informação ali constante tem relevância financeira, uma vez que parte do financiamento dos hospitais públicos provêm desses registos.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Vírus sincicial respiratório: as promíscuas relações para um negócio de 22 milhões de euros por ano (só em Portugal)

    Vírus sincicial respiratório: as promíscuas relações para um negócio de 22 milhões de euros por ano (só em Portugal)

    De doença banal, com casos clínicos de rara gravidade, e já com imunoprofilaxia existente para bebés de risco, a Sanofi e a AstraZeneca conseguiram, num passe de mágica, que o vírus sincicial respiratório (VSR) ficasse nas bocas do mundo, enquanto aceleravam a aprovação de um novo fármaco. Nos últimos meses, a estratégia é convencer a Direcção-Geral da Saúde e o Infarmed para que a administração do novo fármaco (nirsevimab) abranja todos os bebés (e não apenas os grupos de risco), um negócio que multiplicará em mais de 20 vezes a receita anual do anterior fármaco. Para esse objectivo, as farmacêuticas contam com a “colaboração” da imprensa e também de médicos e da Sociedade Portuguesa de Pediatria, que viu os “cheques” da Sanofi no ano passado superarem o montante recebido nos cinco anos anteriores. Uma investigação do PÁGINA UM aos meandros da promiscuidade entre farmacêuticas, imprensa e médicos.


    Esta é a história de mais um novo fármaco – um dos muitos que salvam vidas, evitam sofrimento, concedem melhorias. Mas é também a história de um, mais um, novo fármaco que tem de percorrer a fase seguinte ao sucesso da investigação e ao calvário das aprovações, depois de ensaios clínicos, pelos reguladores. Custe aquilo que custar, muito foi o custo de investigação, e muito dinheiro há para ganhar, não apenas para compensar os encargos dos fracassos de outras investigações, como para gratificar (e bem) os accionistas.

    Mas esta é também, na verdade, a história de um novo fármaco no novo mundo da comunicação social onde já campeia, sem escrúpulos, a promiscuidade entre indústria farmacêutica, médicos e sociedades médicas e agora a imprensa, nas barbas do reguladores, que se concertam para um único objectivo: criar um ambiente favorável na opinião pública e convencer os Estados a abrirem os cofres da Fazenda Pública, porque, assim deve aparentar ser, fundamental para a saúde pública ou para a saúde individual dentro de um colectivo, um determinado fármaco, qual Santo Graal.

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    Esta é, portanto, a história cheia de marketing, de agenda setting, de lobbies, agora com media partners à mistura – esqueçamos o obsoleto advertising, até porque as leis do medicamento proíbem, na generalidade, com poucas excepções, a publicidade.

    Portanto, vamos ao que interessa – e ao osso.

    Na passada quinta-feira, em primeira página, bem por baixo da evocação da rainha do rock’n’roll Tina Turner, titulava o Público: “Pediatras sugerem uso de novo fármaco para vírus respiratório, indicando-se, antes de apontar para a notícia nas páginas 14 e 15, que a “Sociedade Portuguesa de Pediatria defende os benefícios de trazer para Portugal novo medicamento contra o vírus sincicial [respiratório, conhecido por VSR] e de o usar em bebés”.

    No corpo da notícia explicava-se que a dita Sociedade Portuguesa de Pediatria defendia “num parecer técnico enviado à Direcção-Geral da Saúde (DGS)” – que, oh! admiração, é “confidencial”, e nem o Público se mostrou interessado em o conhecer, e só depois disso fazer o artigo – que “parecem existir benefícios em introduzir em Portugal um fármaco recentemente aprovado pela Agência Europeia do Medicamento (…) à base de uma nova substância activa que previne a infecção e o desenvolvimento de doenças provocadas” pelo VSR.

    Chamada de primeira página do Público da edição de 25 de Maio, anunciando que a Sociedade Portuguesa de Pediatria recomendava junto da DGS a administração universal de um fármaco da AstraZeneca. A notícia omitia então o interesse directo da Sanofi, uma das principais financiadoras daquela sociedade médica, e que tivera um conteúdo pago no Público sobre o vírus sincicial respiratório há cerca de um mês.

    E, em seguida, explicitava-se que o dito fármaco é um anticorpo monoclonal denominado nirsevimab, da farmacêutica anglo-sueca AstraZeneca – aliás, a mesma empresa que já produzia um fármaco semelhante administrado a bebés prematuros ou com comorbilidades muito específicas, o palivizumab, usado em Portugal pelo menos desde 2008, de acordo com contratos consultáveis no Portal Base.

    Omissão na notícia publicada originalmente: o nirsevimab não é um fármaco da AstraZeneca, aprovado em finais de Outubro do ano passado pela Agência Europeia do Medicamento, sob a forma comercial de Beyfortus. É um fármaco também da francesa Sanofi e, de uma forma mais marginal, da sueca Sobi.

    A omissão no Público pode parecer irrelevante, mas não é. Pelo contrário, como sói dizer-se: o diabo está nos detalhes. Tendo sido intencional ou não – já lá iremos, nesse aspecto –, a falta de referência à Sanofi – que foi entretanto acrescentada pela direcção editorial do Público, após o PÁGINA UM a ter questionado – escondeu mais uma vez, aos olhos dos leitores, as emaranhadas relações de promiscuidade entre farmacêuticas, sociedades médicas, médicos e imprensa com o fito de promover fármacos.

    A história do nirsevimab e sobretudo da ascensão do RSV como problema de Saúde Pública susceptível de fazer manchetes é um case study. Sendo case study está muito longe de ser caso único – pelo contrário.

    Começa então em Março de 2017, quando a MedImmune – a biotecnológica da AstraZeneca – e a Sanofi Pasteur – a divisão de vacinas da Sanofi – anunciaram um acordo para desenvolver e comercializar um anticorpo monoclonal, então baptizado de MEDI8897. O objectivo era desenvolver um fármaco na mesma linha de um outro anticorpo monoclonal – o palivizumab, comercializado sob a forma de Synagis desde 1998 – para prevenção de doenças do trato respiratório inferior causado pelo VSR.

    A empresa com a “massa” para desenvolver o MEDIU8897 era a Sanofi: o acordo de 2017 estabeleceu que esta farmacêutica francesa faria um adiantamento de 120 milhões de euros à AstraZeneca, podendo o pagamento total atingir, em função de objectivos, os 495 milhões de euros. De igual modo, entrou também em jogo a farmacêutica sueca Sobi – especializada em doenças raras – que ficou com os direitos de comercialização do Synagis (o anterior anticorpo monoclonal para prevenir o VSR) nos Estados Unidos, e uma parcela futura nos lucros do MEDI8897. Tudo isto envolveu muitos milhões. Na verdade, à cabeça a AstraZeneca recebeu da Sobi 1,5 mil milhões em dinheiro e acções, e ficaram outros montantes a aguardar novas decisões.

    Na altura, o fármaco MEDIU8897 ainda estava na fase IIb dos ensaios clínicos, em bebés prematuros não elegíveis para tomar Synagis. E acrescentava então um comunicado da AstraZeneca que estava previsto na fase III dos ensaios clínicos testar-se o medicamento em bebés saudáveis. Em 2017 já estava plenamente definido que a Sanofi seria a responsável pela comercialização do fármaco, quando fosse aprovado pelos reguladores. Dir-se-ia que o novo anticorpo monoclonal tinha grande chances de sucesso comercial, porque substituiria um produto similar mais antigo, a começar por ser de apenas uma dose, ao contrário do palivizumab.

    O marketing para promover mediaticamente o tema do vírus sincicial respiratório começou no final de 2021 com um evento pago pela AstraZeneca ao Público. A partir do ano passado, os eventos, também em outros media (como o Expresso) começaram a ser promovidos pela Sanofi, que tem a área comercial de um novo fármaco (com a AstraZeneca e a Sobi) aprovado na Europa. As notícias sobre o VSR e o novo fármaco aumentaram substancialmente a partir do ano passado na generalidade da imprensa.

    Esse update – chamemos-lhes assim – permitiria a criação de um novo monopólio, contornando a perda da patente – e a possibilidade de venda como genérico – do palivizumab, um fármaco com duas décadas de existência.

    Contudo, o mercado para os anticorpos monoclonais para o VSR era, em 2017 – como antes, e até 2020 –, bastante reduzido, circunscrevendo-se aos bebés prematuros e com determinadas patologias cardíacas e respiratórias.

    Embora causando mortalidade relevante em países subdesenvolvidos – mas aí as simples diarreias mostram-se mortíferas –, o RSV sempre foi sobretudo um problema clínico de nicho nos países mais desenvolvidos, pela quase nula letalidade. Além disso, com o surgimento do palivizumab, mesmo os grupos de risco ficaram substancialmente protegidos.

    Os bebés saudáveis têm, por regra, virtualmente uma baixa mortalidade e uma baixíssima morbilidade, ou seja, reduzido grau de hospitalização. Tanto assim que, por regra, antigamente eram raros os exames (testes PCR) para identificar se era o VSR o responsável por casos de bronquiolite, traqueobronquite, pneumonia viral, conjuntivite ou otite, mesmo se se sabia que mais de 90% das crianças até aos dois anos são infectadas por este vírus. A razão de não se fazer testes chamava-se pragmatismo: a identificação do VSR em caso das doenças acima referidas “não vai alterar a terapêutica instituída”, como o próprio site da Direcção-Geral da Saúde admite.

    Notícia do Público de 25 de Maio omitia referência ao interesse directo da Sanofi. E incluía a opinião da pediatra Teresa Bandeira, que também emitia opinião num conteúdo pago (pela Sanofi) inserido no Estúdio P, uma secção comercial mas com textos de estilo jornalístico deste diário.

    Quando se refere que o VSR era um problema clínico de nicho não significa que fosse negócio despiciendo para as farmacêuticas, e em particular para a AstraZeneca e o seu palivizumab. Muito pelo contrário. As farmacêuticas fazem-se pagar bem por medicamentos destinados a poucos clientes, sobretudo se, para salvar a vida a esses poucos clientes, os custos – leia-se, custos hospitalares, além de mortes – são relevantes.

    Por exemplo, nos Estados Unidos estima-se que entre 58 mil e 80 mil crianças com menos de cinco anos sejam internadas em cada ano, até porque virtualmente todas acabam mais tarde ou mais cedo por serem infectadas. Pode parecer um valor muito elevado, mas não é: com menos de 5 anos vivem 22,9 milhões de crianças, naquele país, o que o significa uma taxa de internamento que ronda os 3 em cada 1.000 crianças.

    Entre 1% e 2% dos menores de seis meses infectados por VSR acabam por necessitar de hospitalização, e uma pequena minoria pode ainda necessitar de oxigénio, fluidos intravenosos e, em casos mais graves, ventilação mecânica. Mas a mortalidade é, em países desenvolvidos, bastante rara. Aliás, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) nem  sequer apontam uma taxa de letalidade e muito menos de mortalidade.

    AstraZeneca criou um anticorpo monoclonal em 1998 para imunoprofilaxia de bebés de risco contra o vírus sincicial respiratório. A pandemia da covid-19 “hipersensibilizou” a opinião pública para as infecções respiratórias. Com a investigação de um novo anticorpo monoclonal (niservimab), a AstraZeneca e a sua parceria Sanofi viram na possibilidade de administração universal um negócio fabuloso.

    Contactado pelo PÁGINA UM, Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Especialidade da Ordem dos Médicos, recusando debruçar-se sobre a questão das terapêuticas, salienta que as doenças associadas ao VSR são, efectivamente, “muito comuns, embora tenham ocorrido alguns surtos fora de época durante a pandemia” da covid-19. Para este pediatra, tendo em conta que já existe a administração de um anticorpo monoclonal a grupos de risco, o alargamento para o universo dos recém-nascidos terá de ser “uma decisão política”.

    Recorde-se que, em entrevista ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado, Amil Dias defendia que “o ideal seria que ninguém ficasse doente, e todos gostávamos que nenhum de nós, nem os nossos filhos, ficasse doente, mas isso é simplesmente impossível. Se nós erradicássemos todos os micróbios que causam infecção, provavelmente nós também desaparecíamos. A nossa relação de há milhões de anos com o ambiente em que vivemos, e com os micróbios, foi estabelecendo equilíbrios do sistema imunitário, de convivência e de organização que nos permitiu evoluir. Quando desequilibramos essa relação, acontece o que vemos este ano: com o confinamento nestes últimos dois anos, de repente apareceram doenças que, em algumas crianças, tiveram uma gravidade excessiva. Foi o caso das hepatites.”

    Contudo, mesmo causando doenças muito raramente graves, sabe-se que, sobretudo em idades tão tenras, não se olha muito a gastos na hora de pagar facturas às farmacêuticas. Ou melhor, olha-se mas apenas se houver alarme público e os holofotes da imprensa estiverem a pressionarem os poderes políticos. E as farmacêuticas sabem disso – e sabem bem as regras e como devem jogar bem. E definem quase sempre os preços de venda não tanto pelos custos de investigação e de produção, mas pelo estado financeiro do país e pelos custos que supostamente poupam pela eficácia do seu medicamento.

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    Até agora, a DGS apenas recomenda anticorpos monoclonais em bebés com determinados factores de risco. Sociedade Portuguesa de Pediatria, que recebeu 108 mil euros da Sanofi no ano passado (mais do que nos cinco anos anteriores), considera que a administração deve ser universal a todos os recém-nascidos.

    Por mais loas à Humanidade que façam, o objectivo principal de uma farmacêutica é sacar o máximo possível num monopólio antes de se perder a exclusividade da patente ou que surja uma alternativa mais apelativa da concorrência. Resultado: por vezes, o negócio é ruinoso para os Estados sem grandes vantagens em termos de Saúde Pública. Um milhão a salvar uma vida pode significar muitas mais mortes porque não se alocou esse milhão para o tratamento de outra doença com fármacos mais baratos. Não são análises nem decisões fáceis de se fazerem, mas necessárias.

    Por exemplo, em 2011, um artigo científico apontava que na Flórida “o custo da imunoprofilaxia com palivizumab excedeu em muito o benefício económico de prevenir hospitalizações, mesmo em lactentes com maior risco de infecção por VSR”. Isto porque o preço por tratamento era extremamente elevado. Por exemplo, em prematuros com menos de seis meses de idades, a imunoprofilaxia com este anticorpo monoclonal da AstraZeneca custava entre 3.092 mil e quase 915 mil euros.

    No Canadá, onde o fármaco é comercializado pela AbbVie – devido a um acordo comercial –, o preço de venda atingia há poucos anos os 15.000 dólares por grama, sendo esta farmacêutica acusada de tácticas de vendas agressivas. Segundo uma notícia da CBC, no período de 2015-2016, o Canadá gastou 43,5 milhões de dólares para imunizar 6.392 crianças, o que significa, em média, à cotação actual, um custo de quase 4.700 euros por criança.  

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    Mais de 90% dos bebés são infectados pelo RSV nos seus primeiros anos de vida. Em Portugal, a taxa de letalidade é irrelevante, mesmo havendo algumas centenas de internamentos por ano, porque os grupos de risco já beneficiam de imunoprofilaxia.

    Em Maio de 2019, uma revisão sistemática publicada na revista científica Pediatrics, analisando 28 avaliações económicas ao palivizumab, concluiu que os elevados preços e a eficácia do fármaco apenas justificava o seu uso em prematuros – que representam cerca de 8% dos recém-nascidos –, e em lactentes com cardiopatia congénita, displasia broncopulmonar e doença pulmonar crónica. Mesmo que seja aparentemente um lote minoritário de pacientes, os valores são muito significativos.

    Por exemplo, nos Estados Unidos, a farmacêutica Sobi – que tem o monopólio do palivizumab nos Estados Unidos, bem como interesses comerciais para o novo anticorpo (nirsevimab)  – facturou no ano passado quase 302 milhões de euros apenas para este fármaco, uma subida de 32% face a 2021, de acordo com o seu relatório e contas.

    Em Portugal, desconhece-se o número exacto de crianças a quem é administrado o palivizumab nem se sabe o preço médio de cada tratamento, mas a norma da DGS em vigor recomenda o fármaco apenas a bebés com comorbilidades específicas graves. Por agora, o negócio para este medicamento em concreto não é muito chorudo. Pela consulta dos contratos no Portal Base, desde 2008 foram comprados 9,1 milhões de euros deste anticorpo monoclonal, sendo que em 2014 se registou o maior gasto: quase 2,2 milhões de euros. No ano passado despendeu-se 713 mil euros – mesmo se houve supostamente surtos graves – e este ano já se investiu 185 mil euros.

    As campanhas de marketing da Sanofi incluem produção de eventos pagos a grupos de media para promoção da prevenção contra o RSV, ou seja, de promoção de um medicamento desta farmacêutica. Os eventos têm cobertura noticiosa (travestida de conteúdo comercial), um deles contando mesmo com a presença do CEO da Impresa.

    Mas entretanto, surgiu a pandemia da covid-19 e, embora num a primeira fase a gripe e outras infecções respiratórias tenham ficado em segundo plano por algum tempo – por força de uma menor prevalência dos outros microorganismos, em parte também pelas restrições físicas –, as farmacêuticas viram na hipersensibilização pública uma excelente janela de oportunidades para aumentar o negócio.

    Daí que sobretudo a partir de 2021, as infecções causadas pelo VSR tenha sido catapultadas para um patamar de gravidade inimaginável. Assim, sobretudo a partir de finais de 2021 – e também depois de se anunciarem ensaios para vacinas por parte da GlaxoSmithKline, Pfizer e Moderna –, o interesse noticioso pelo VSR aumentou significativamente. E daí até se “falar” da premente necessidade de se fazer imunoprofilaxia a todos os bebés foi um passo.

    Para se ter uma melhor percepção dessa mudança, vejam-se as notícias do Público sobre o RSV. Entre os anos de 2010 e 2020 encontram-se apenas três notícias sobre o VSR, sendo que apenas uma aborda especificamente este vírus. No entanto, o foco estava equilibrado: destacava-se um estudo que comprovava ser a síndrome de Down um factor de risco, tal como sucedia “nas crianças potencialmente vulneráveis, isto é, os bebés prematuros ou com doenças crónicas, em especial do foro cardíaco”.

    No Expresso, os conteúdos pagos pela Sanofi foram escritos por jornalistas, apesar de ser proibido pelo Estatuto dos Jornalistas. Mas, além do conteúdos pagos, proliferaram, a partir sobretudo do final de 2021, as notícias (com suposta independência editorial) sobre a gravidade do VSR. Uma coincidência.

    A esta notícia do longínquo dia 21 de Março de 2010, junta-se outra de 28 de Fevereiro de 2012, sobre as mortes acima do esperado então detectadas. O então director-geral da Saúde, Francisco George garantia, como porta-voz dos “especialistas”, que não havia razões para alarme, informando que, além da estirpe da gripe que estava a circular ser a A (H3N2), mais letal para os idosos e mais vulneráveis, havia ainda outros vírus em circulação, apontando especificamente “o coronavírus [não o SARS-CoV-2, obviamente], o adenovírus, o metapneumovírus e o vírus sincicial respiratório”.   

    A terceira notícia sobre VSR em 11 anos saiu em 14 de Janeiro de 2020, poucos meses antes do surgimento da covid-19 em Portugal. Porém, o foco era a habitual gripe.

    Foi já em finais de 2021, estando a covid-19 ainda omnipresente, mas após um anormal pico fora de época de doenças associadas ao VSR em pleno Verão, disparou uma “epidemia de notícias” sobre o tema na generalidade da imprensa. Por coincidência – ou não – vieram com o surgimento de conteúdos comerciais à boleia de uma conferência na Culturgest, em Lisboa, organizada em 20 de Novembro desse ano pela AstraZeneca sobre, claro, o VSR. Tanto a AstraZeneca como a Sanofi estavam numa corrida contra o tempo para obterem a autorização da Agência Europeia do Medicamento (ENA) antes das vacinas desenvolvidas pela concorrência.

    Conteúdo pago pela Sanofi em Abril deste ano, apresentando o VSR como “uma ameaça à saúde dos mais novos”. Não era referido especificamente o niservimab (comercializado pela Sanofi), mas surgia o pediatra Luís Varandas a falar de que “há um novo anticorpo monoclonal, já autorizado pela Agência Europeia de Medicamentos, de administração única, a recém-nascidos e lactentes, no início da estação do VSR”. A Sociedade Portuguesa de Pediatria fez entretanto lobby a favor desse anticorpo monoclonal.

    Nos meses seguintes, e ao longo de 2022, a AstraZeneca seria substituída pela sua parceira Sanofi na promoção do debate em redor do VSR, tanto no Público como no Expresso. Esses eventos tiveram sempre a participação de diligentes médicos, membros de sociedades médicas, investigadores e também associações, destacando-se a Associação Portuguesa de Economia da Saúde e a Associação Portuguesa de Apoio ao Bebé Prematuro. Esta segunda associação recebeu no ano passado da AstraZeneca um apoio de 12.000 euros para as suas actividades, conforme se observa no Portal da Transparência do Infarmed.

    Em paralelo, a Sanofi criou um think tank com médicos que se destacaram mediaticamente, como é o caso de Ricardo Mexia, antigo presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública e actual presidente da Junta de Freguesia do Lumiar.

    O ano de 2022 teve efectivamente um boom de notícias sobre VSR em toda a imprensa portuguesa e mundial. Em Portugal, registam-se 14 no Diário de Notícias, no Observador 12, na CNN Portugal 22, e no Expresso aparecem 25 notícias, se incluirmos os conteúdos comerciais denominados Projetos Expressos – que são escritos por jornalistas isentos de processos disciplinares por esses actos pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

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    Aliás, nesses eventos – apresentados como parcerias – nunca se assume que se trata de uma prestação de serviços do Expresso nem se informa os leitores que a Sanofi pagou todo o evento e que existe a obrigação de acompanhamento mediático. A farmacêutica também não coloca o valor que paga por esta operação de marketing – que indirectamente promove um seu medicamento – no Portal da Transparência do Infarmed. Os reguladores – tanto da imprensa (ERC) como das farmacêuticas (Infarmed) fecham os olhos. Aliás, o presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, já participou em eventos do Expresso patrocinados por farmacêuticas. E não foi apenas em um, isolado. Nem em dois. Esteve bem presente, pelo menos, em três.

    Numa dessas conferências sobre RSV feitas pelo Expresso, em Novembro do ano passado, coberto para a edição semanal em papel do jornal, diz-se que “o Expresso associou-se à Sanofi para promover um debate sobre os principais vírus respiratórios que afetam as crianças, nomeadamente o vírus sincicial respiratório (RSV), que é responsável por 285 internamentos – desde outubro do ano passado até agora – e que pode causar doença respiratória grave nas crianças”.

    Note-se que nessa altura já a AstraZeneca e a Sanofi tinham alcançado a aprovação do niservimab pela Agência Europeia do Medicamento, e o evento, grandioso, contou com a presença do próprio CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, e a moderação da jornalista da SIC Ana Patrícia Carvalho e até da apresentadora Carolina Patrocínio. A directora-geral da Sanofi prometia então, em declarações ao Expresso, ir “trabalhar com as autoridades portuguesas e com a DGS para que seja possível percebermos a necessidade e a possibilidade de fazermos uma imunização para o RSV”.

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    Conteúdos comerciais da Sanofi no Público sobre RSV também houve. E também muitas notícias. Só durante o ano passado foram 15 – e para que não se diga que se atirou um número ao calhas, aqui seguem os títulos e ligações:

    Covid-19 poderá passar a ser vigiada como a gripe depois desta vaga, em 28 de Janeiro

    DGS suspende medicamento para vírus respiratório que afecta crianças, em 9 de Fevereiro

    Crianças. Há vírus respiratórios a surgir em alturas do ano que não são habituais, diz pediatra, em 19 de Junho

    Covid-19: máscara em ambientes fechados com muitas pessoas deve ser “novo normal”, em 20 de Setembro

    Programa de vigilância da gripe recruta dezenas de unidades de saúde sentinela, em 30 de Outubro

    Aumentam casos de crianças internadas com infecções respiratórias. Pediatras preocupados, em 9 de Novembro

    Quem é mais afectado? E quais os sintomas? Oito perguntas e respostas sobre o vírus sincicial respiratório, em 9 de Novembro de 2022

    Vírus da gripe A detectado em 94,6% dos casos, em 10 de Novembro

    Vírus sincicial responsável por 6,7% das hospitalizações de crianças até cinco anos, em 29 de Novembro

    Helena Freitas, director-geral da Sanofi em Portugal. Eventos pagos a grupos de media têm sido excelentes formas de marketing para estabelecer contactos com a imprensa, médicos e até reguladores, como o Infarmed.

    Depois de França e Espanha, infecções respiratórias em bebés levam hospitais alemães ao limite, em 2 de Dezembro

    Governo aconselha recurso a centros de saúde – mas há 1,4 milhões de pessoas sem médico de família, em 6 de Dezembro

    Mais de 170 crianças hospitalizadas em Portugal devido ao vírus sincicial, em 12 de Dezembro

    Mortalidade acima dos 85 anos superior ao esperado para esta época do ano, em 16 de Dezembro

    Vírus sincicial provoca 254 internamentos de crianças, mas tendência é decrescente, em 17 de Dezembro

    Hospitais a rebentar pelas costuras na Alemanha com mistura de covid, gripe e VSR, em 20 de Dezembro

    Se considerarmos as notícias que saíram no Público desde a aprovação do niservimab (da AstraZeneca, Sanofi e Sobi) pela Agência Europeia do Medicamento – ou seja, nos últimos sete meses –, contam-se então 19 artigos, considerando os seguintes oito já publicados ao longo dos primeiros cinco meses de 2023:

    Covid-19. “Flurona” não é uma mistura de genomas de dois vírus, avisa especialista, em 4 de Janeiro

    Menos casos de gripe e infecções respiratórias na primeira semana de 2023, em 12 de Janeiro

    Vacinas, uma nova esperança no combate ao vírus sincicial respiratório, artigo de opinião de Miguel Prudêncio, em 18 de Fevereiro

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, tem participado em diversos eventos pagos pelas farmacêuticas ao Expresso, como em Maio do ano passado, numa conferência promovida pela GlaxoSmithKline.

    Actividade gripal estável e há excesso de mortalidade acima dos 85 anos, em 24 de Fevereiro

    Portugal já conseguiu vacinar contra a gripe 75% das pessoas com mais de 65 anos, em 19 de Março

    Peritos alertam para infecção por virus sincicial respiratório, em 27 de Março

    Primeira vacina contra vírus sincicial aprovada na Europa e nos Estados Unidos, em 8 de Maio

    Vírus sincicial respiratório em crianças foi uma epidemia “fora de época” e durou três vezes mais, em 11 de Maio

    E, claro, a manchete do passado dia 25 de Maio, intitulada “Pediatras dão parecer favorável a novo medicamento contra o vírus sincicial em bebés. DGS e Infarmed avaliam”.

    Em abono da verdade, a notícia de primeira página do Público da semana passada era a sequência de um take da Lusa de 27 de Março – disseminado, como convém, pela generalidade de imprensa mainstream –, onde se anunciava que “um grupo de especialistas de diversas áreas alertou esta segunda-feira para a elevada carga em Portugal da infeção por Vírus Sincicial Respiratório (RSV), que provoca bronquiolites, defendendo que é preciso definir um método preventivo universal para todas as crianças.”

    Toda esta parafernália noticiosa em redor da RSV foi sendo acompanhada pelos famigerados conteúdos comerciais. Discretos mas eficazes. E sem se ficar a saber os valores envolvidos, e sem também se ficar a saber se os contratos dispõem de cláusulas que obrigam os órgãos de comunicação social a fazer notícias para “manter a chama acesa”. Ou se o jornal mantém com notícias a “chama acesa” na esperança de serem contratados mais conteúdos comerciais da farmacêutica.

    Conteúdos pagos do Público (e de outros media mainstream) são classificados como notícias pelo Google News.

    Em todo o caso, o conteúdo comercial da Sanofi publicado pelo Público em finais de Abril deste ano merece uma análise cuidada. Primeiro, surge identificada como notícia no Google News. Depois, dá largas ao necessário alarmismo, usando o título: “Vírus sincicial respiratório – uma ameaça à saúde dos mais novos”.

    No corpo do texto, num estilo completamente jornalístico – que induz a certeza de ter sido escrito por um actual ou antigo jornalista –, trata-se de se expor os supostos perigos críticos das doenças causadas pelo VSR em todos os bebés, e não apenas os prematuros ou com comorbilidades. Grande parte deste conteúdo comercial serviu também para divulgar os benefícios da rede de vigilância do VSR (VigiRSV), que passou a integrar 20 hospitais.

    A divulgação por uma empresa farmacêutica da iniciativa de um instituto público (INSA) e de uma sociedade médica (Sociedade Portuguesa de Pediatria) para medir a incidência do RSV é mais do que óbvia: a Sanofi tinha um interesse directo em manter o tema como assunto, e sobretudo quantificando-o para assim ajudar a criar alarme social. Não por acaso, o INSA passou a divulgar, a partir do ano passado, os dados quantitativos da RSV juntamente com os da gripe – como se o grau de gravidade fosse semelhante. Aliás, muitos “especialistas”, alguns deles cronicamente associados a farmacêuticas, foram mesmo entranhando o VSR no contexto da covid-19.

    Capa da edição de 4 de Novembro de 2022 do Diário de Notícias. O pneumologista Filipe Froes e outros médicos “colaram” o VSR à covid-19 e à gripe, tornando-o assim, artificialmente, um problema de Saúde Pública. Grande parte destes médicos têm fortes ligações à indústria farmacêutica.

    Depois de Filipe Froes ter introduzido em Portugal a possibilidade de “uma pandemia tripla no Inverno” – covid-19, gripe e VSR, o que jamais ocorreu – , outros “opinion makers” da pandemia se juntaram, sempre colocando a VSR num nível de grave problema de Saúde Pública. Por exemplo, numa notícia da CNN Portugal em 29 de Novembro do ano passado, surgem a falar numa “epidemia tripla”, que incluiria o VSR, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, Gustavo Tato Borges, o investigador no Instituto de Medicina Molecular Miguel Castanho, o diretor do Centro Materno Infantil do Norte, Alberto Caldas Afonso, e ainda Bernardo Gomes.

    Entre linhas, a publicidade encapotada. A notícia da CNN Portugal, escrita pela jornalista Daniela Costa Teixeira, dizia ainda que “para já, não há nenhum tratamento específico para a doença causada por este vírus, mas a Agência Europeia do Medicamento (EMA, na sigla inglesa) deu luz verde à comercialização na União Europeia (UE) do fármaco Beyfortus para a prevenção da doença do trato respiratório inferior causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR).”

    Além da publicidade por promoção de um fármaco, ainda por cima um erro crasso e grave: a notícia da CNN Portugal omite que o Beyfortus (o nome comercial do nirsevimab, da AstraZeneca, Sanofi e Sobi) não é o primeiro fármaco para prevenir as doenças associadas ao RSV; existe já o Synagis (o nome comercial do palivizumab).

    Não é caso único nem se justifica por ignorância do jornalista – a ignorância no jornalismo não é aceitável. As notícias de “promoção” do VSR como problema grave de Saúde Pública e da “promoção” explícita ou implícita do nirsevimab como solução miraculosa e necessária para todos os bebés estão intimamente ligadas. No marketing farmacêutico não há coincidências. Ou então assistimos a dezenas largas de coincidências.

    Notícias “favoráveis” associadas a contratos com os media para a realização de conteúdos comerciais e “eventos em parceria” passaram a ser, na verdade, peças fundamentais de marketing mascarado de publicidade. E melhor ainda se essa publicidade encapotada foi feita por médicos. Por exemplo, no texto da Sanofi de Abril passado inserido no Público como conteúdo comercial, consta o seguinte: “Mas, graças à evolução da ciência, é possível que nos cheguem boas notícias em breve, nomeadamente em termos de soluções para prevenir a doença. Segundo Luís Varandas, ‘há um novo anticorpo monoclonal, já autorizado pela Agência Europeia de Medicamentos, de administração única, a recém-nascidos e lactentes, no início da estação do VSR, e prosseguem estudos com vacinas para grávidas, com o objectivo de transmitir anticorpos ao bebé através da placenta, à semelhança do que já acontece com as vacinas contra a tosse convulsa, gripe e a Covid-19’.

    Ora, nem mais: uma das “boas notícias em breve” é, segundo o pediatra Luís Varandas, o anticorpo monoclonal da AstraZeneca… e da própria Sanofi – que é quem paga o conteúdo comercial.

    Mas até a chamada de primeira página da semana passada do Público sobre a elaboração de um parecer sobre o nirsevimab da Sociedade Portuguesa de Pediatria – enviado para a DGS aceitar a sua administração universal em bebés – tem água no bico.

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    Manuel Carvalho, director do Público, declarou por escrito ao PÁGINA UM que “o PÚBLICO e os seus jornalistas não se arrogam no direito de determinar se a administração de um medicamento, seja o nirsevimab ou qualquer outro, é cientificamente recomendada ou economicamente viável”, acrescentando que “na notícia em causa, o que se fez foi apenas noticiar que a Sociedade Portuguesa de Pediatria assumiu uma opção sobre essa questão através do envio de um parecer à DGS, no âmbito de um processo de avaliação que está em curso”. E ainda referiu que “a infecção por VSR tem, como é sabido, causado grande debate pelo elevado número de casos e de hospitalizações e, por isso, o facto de a EMA ter aprovado recentemente uma nova substância que previne a infecção, e de existir um processo de avaliação em Portugal garante a maior pertinência jornalística.”

    E concluiu: “havendo posições contrárias proveniente de entidades ou personalidades credíveis, trataremos de as divulgar em nome de um debate público aberto e saudável.”

    Ora, mas faltou ao Público – que refira-se, novamente, tem recebido dinheiro da Sanofi para promover o RSV como questão premente de Saúde Pública e em consequência o niservimab – informar os leitores sobre as relações comerciais entre a Sociedade Portuguesa de Pediatria e a Sanofi. E acrescentar que se intensificaram muito. E que isso até se vê numa base de dados pública: o Portal da Transparência.

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    Vejamos então. Em 2017, por diversos eventos, a Sanofi concedeu 21.500 euros à Sociedade Portuguesa de Pediatria, e suas “subsecções”, valor que desceu cerca de 3.000 euros em cada um dos anos de 2018 e 2019. No ano da pandemia aumentou para 23.520 euros e situou-se nos 19.602 euros em 2021. No ano passado – já em pleno funcionamento da rede de vigilância da infecção pelo RSV (VigiRSV), promovida pela Sociedade Portuguesa de Pediatria e o Instituto Nacional de Saúde (INSA), ferramenta vital para manter mediaticamente o tema em ebulição –, o fluxo financeiro da Sanofi para esta sociedade médica subiu para os 108.461 euros, o valor mais elevado de uma farmacêutica num só ano a esta associação presidida pela pediatra Inês Azevedo.

    De uma forma directa, nem a Sanofi (nem a AstraZeneca) financiam a VigiRSV – pelo menos nada consta no Portal da Transparência do Infarmed –, mas a farmacêutica francesa decidiu fazer generosos donativos à SPP para os seus congressos: no de 2021 foram 27.382 euros; no de 2022 mais 58.254 euros.

    Neste último caso estamos perante o mais elevado patrocínio individual, desde 2013 (ano em que começaram os registos na plataforma do Infarmed), recebido pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, que tem como outros importantes financiadores a Pfizer, que este ano já transferiu cerca de 54 mil euros. A AstraZeneca, que não tem ingerência na comercialização do novo fármaco, deu apenas 6.000 euros à Sociedade Portuguesa de Pediatria para ter um stand no congresso do ano passado.

    Inês Azevedo, presidente da Sociedade Portuguesa de Pediatria, em Outubro do ano passado, no congresso desta agremiação de médicos. A Sanofi concedeu um patrocínio directo de 58.254 euros. No total, ao longo de 2022, a farmacêutica francesa deu um apoio total superior a 108 mil euros.

    Uma coisa é certa: se estas promiscuidades envolvendo imprensa, sociedades médicas (e médicos) sucedem com todo este esplendor – e sem denúncia pela própria comunicação social que dela agora está a beneficiar –, imagine-se noutros países de maior dimensão e poder económico.

    No caso específico do niservimab, e de acordo com a Airfinity, garantir a administração deste fármaco a todas as crianças é um negócio verdadeiramente apetecível. Como o preço estimado será de cerca de 280 euros por criança na Europa (e 600 euros nos Estados Unidos), só em Portugal estamos a falar de mais de 22 milhões de euros por ano, considerando o nascimento de cerca de 80 mil bebés anualmente.

    A Airfinity previu, aliás, uma receita potencial para a AstraZeneca e a Sanofi da ordem dos 1,1 mil milhões de dólares por conseguir a aprovação da imunoprofilaxia contra o VSR antes da concorrência.

    Sanofi e AstraZeneca procuram vantagem de serem os primeiros a tentar convencer Governos a administrarem imunoprofilaxia contra o VSR a todos os recém-nascidos, e não apenas aos grupos de risco como sucedia com o primeiro anticorpo monoclonal.

    No comunicado desta consultora, em vésperas da aprovação do nirsevimab pela Agência Europeia do Medicamento, citava-se mesmo um analista em ciências biológicas, Sam Campbell, que informava das vantagens em ser a primeira empresa a entrar no mercado, e que a concorrência, quando apresentasse os seus fármacos, teriam de apresentar já uma “vantagem significativa em termos de preço, logística ou eficácia”.

    Por tudo isto se compreende como a imprensa mainstream não parou de falar de RSV enquanto a Sanofi e a Astrazeneca (e, de uma forma secundária, a Sobi) trabalhavam na aprovação do medicamento e implementavam uma forte campanha de marketing, envolvendo médicos e a Sociedade Portuguesa de Pediatria.

    O primeiro que se levanta, abre o cofre. Sempre foi este o lema das farmacêuticas. Mas, agora, com as sociedade médicas e sobretudo a imprensa a escovarem as ditas pantufas…


    Esta notícia foi objecto de um direito de resposta publicado a 26 de Outubro de 2023 por determinação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cujo texto pode ser lido aqui.

  • Monkeypox em Portugal: OMS indica zero mortes; Ministério da Saúde aponta uma

    Monkeypox em Portugal: OMS indica zero mortes; Ministério da Saúde aponta uma

    Ainda em plena pandemia da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma nova emergência sanitária em redor do surto de uma doença viral já conhecida desde 1957. Em Portugal, os primeiros casos foram detectados em 18 de Maio do ano passado. Um ano depois, a “montanha pariu um rato”: 953 casos; e apenas uma morte, segundo o Ministério da Saúde, ou nenhuma morte, segundo a OMS.


    Foi apresentada como uma ameaça pandémica, ainda longe estava a pandemia da covid-19 da fase de “rescaldo”. Há um ano, no dia 18 de Maio de 2022, o vírus causador de uma doença denominada Monkeypox (varíola-dos-macacos) – entretanto rebaptizada como Mpox – causava apreensão, e a Direcção-Geral da Saúde (DGS) começava a apresentar relatórios diários sobre a evolução dos casos em Portugal, na linha das preocupações transmitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Por exemplo, nesse dia, a CNN Portugal salientava que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos afirmava que os relatos chegados de África indicavam que “a varíola dos macacos causou a morte a uma em cada dez pessoas que ficaram doentes”, acrescentando ser “uma taxa alta [10% de letalidade], mas ainda assim bastante abaixo da varíola comum, que antes de ser considerada erradicada, por meio da vacina, matava cerca de 30% dos doentes, segundo dados da Organização Mundial de Saúde”.

    Mas, na verdade, a evolução mundial da Mpox – mesmo se apenas há uma semana deixou de ser emergência internacional de saúde pública – ficou muito aquém das previsões mais catastrofistas. De acordo com o mais recente relatório da OMS, foram reportados 87.377 casos positivos de Mpox até 8 de Maio deste ano, envolvendo 111 países, que resultaram em 140 óbitos. Ou seja, uma taxa de letalidade de 0,16%.

    Contudo, mesmo sendo globalmente já bastante baixas, as taxas de letalidade foram muito distintas entre continentes e países. Em África registaram-se 18 mortes em 1.587 casos positivos, uma taxa de letalidade de 1,13%, enquanto na Europa essa taxa foi de 0,02%, que correspondeu a seis óbitos decorrentes de 25.891 casos positivos.

    Os cinco países com maior número de óbitos foram os Estados Unidos (com 42 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,14%), México (com 26 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,65%), Peru (com 20 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,53%), Brasil (com 16 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,15%) e Nigéria (com 9 óbitos e uma taxa de letalidade de 1,08%). Apesar do alarme global, apenas houve registo de mortes em 20 países, dos quais oito contabilizando um óbito.

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    De acordo com este relatório da OMS, na Europa (incluindo Israel) apenas foram reportadas três mortes em Espanha, duas na Bélgica e uma na República Checa. Sobre Portugal, a OMS aponta zero mortes em 953 casos.

    Esta informação não coincide, porém, com a transmitida ao PÁGINA UM por fonte oficial do Ministério da Saúde, que salienta ter ocorrido “em Abril de 2023, um caso fatal num indivíduo com comorbilidade a condicionar imunodepressão grave, que apresentou uma evolução rara da Mpox para uma forma progressiva e disseminada”.

    Ontem, o Ministério da Saúde destacou que “o controlo desta epidemia só foi possível pela pronta resposta a nível nacional, nomeadamente em termos de diagnóstico clínico e laboratorial da infeção, reforçando-se a cooperação entre os organismos do Ministério da Saúde e as associações de base comunitária.”

    No comunicado do Ministério da Saúde, é apresentada uma citação da secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, que destaca que “o trabalho com as comunidades em maior risco e a rápida partilha de informação e boas práticas entre os países mais afetados foi crucial”, acrescentando que isso “permitiu dar novos passos na preparação dos sistemas de saúde para a vigilância e intervenção face a doenças infeciosas emergentes, realidade que as alterações climáticas e maior circulação de pessoas torna hoje mais premente”.

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    O Ministério da Saúde diz também que “foi possível interromper as cadeias de transmissão, através do diagnóstico, sensibilização e, posteriormente, através da vacinação”. Segundo o Ministério da Saúde, “numa primeira fase, a vacina foi oferecida a pessoas que tinham tido contacto com alguém infetado, com posterior alargamento a outros indivíduos em maior risco”, abrangendo até ao final da semana passada 3.554 indivíduos, a maioria na região de Lisboa e Vale do Tejo.

    Esta operação não terá tido encargos públicos. Fonte do Ministério de Manuel Pizarro informou o PÁGINA UM que “Portugal recebeu até à data um total de 11.460 doses da vacina, todas doadas no âmbito da aquisição conjunta por parte da Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias”.

  • Mortalidade infantil: na verdade, nunca estivemos tão bem

    Mortalidade infantil: na verdade, nunca estivemos tão bem

    Desde 2019, em cada ano, morreram menos de três bebés com menos de um ano em cada 1.000 nascimentos. Apesar de uma ligeira subida entre 2021 e 2022, nunca em Portugal se registara quatro anos consecutivos com a fasquia abaixo deste nível. Em 1970, a taxa de mortalidade infantil era 22 vezes superior. Médicos ouvidos pelo PÁGINA UM confirmam desempenho que coloca Portugal no Primeiro Mundo, mas lançam alertas para o futuro, sobretudo com a comunidade estrangeira ainda sem acompanhamento médico adequado e com a opção de partos fora dos hospitais.


    Quatro anos consecutivos com menos de três mortes de bebés com menos de um ano de idade por cada 1.000 nascimentos – este é o melhor desempenho de sempre do indicador da mortalidade infantil em Portugal, de acordo com a série de dados entre 1970 e 2022, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

    O primeiro ano em que Portugal conseguira ficar abaixo dos três óbitos por mil nascimentos foi em 2010, tendo repetido em 2013, 2014, 2015, 2017 e depois, paulatinamente, a partir de 2019. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) até se conseguiram os melhores desempenhos: 2,44 e 2,43, respectivamente.

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    Sendo certo que a mortalidade infantil em 2022 subiu ligeiramente face a 2021, não existem, na verdade, motivos para fazer soar os alarmes, porque será humana e tecnologicamente impossível reduzir indefinidamente a mortalidade infantil.

    Actualmente, os valores colocam Portugal no pelotão da frente a nível mundial neste importante indicador que, além de representar vidas humanas, separa indelevelmente os países desenvolvidos daqueles que estão bastante atrasados em termos de desenvolvimento.

    Além disso, este indicador mostra uma evolução extraordinária numa geração: em 1970, a mortalidade infantil era cerca de 22 vezes superior: morriam então mais de 55 bebés em cada 1.000 nascimentos, ou seja, 5,5%. A partir da década de 80 do século passado, o indicador passou a estar abaixo dos 20, descendo para menos de 10 em 1.000 nascimentos nos anos 90. No presente século, apenas num ano (2002) se superou os 5 óbitos por 1.000 nascimentos, estando os valores da última década entre os 2,44 (em 2020) e os 3,24 (em 2016).

    Vários factores têm contribuído para o caminho que levou o país a uma redução tão acentuada da mortalidade infantil. “Melhorou o acesso a cuidados de saúde primários; houve uma maior vigilância de grávidas; e mais partos no hospital” destacou, ao PÁGINA UM, Miguel Oliveira e Silva, ginecologista-obstetra no Hospital de Santa Maria e professor catedrático de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

    Evolução da taxa de mortalidade infantil (óbitos por mil nascimentos) entre 1970 e 2022. Fonte: INE.

    Este médico considera que os actuais indicadores são “positivos e encorajadores”, mas, apesar de acreditar que se pode reduzir ainda mais a mortalidade infantil em Portugal, defende que “não se pode esperar uma redução a zero”. “Haverá sempre algumas mortes”, apontou.

    Para este especialista, que também já foi presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, há porém questões fundamentais a resolver no sector da Saúde Pública. “Preocupa-me que 1,5 milhões de portugueses não tenham ainda acesso a cuidados de saúde primários, não têm médico de família. Isso pode afectar a vigilância de grávidas por terem dificuldade de acesso a cuidados de saúde.”

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    Este problema incide, em particular, à comunidade imigrante, sobretudo os que são oriundos de países asiáticos, como a Índia, o Bangladesh ou o Paquistão. “Além da questão da língua, porque não falam português e alguns mal falam inglês, não têm também acesso a cuidados de saúde primários; e, aliás, estamos muito longe disso”, lamenta Miguel Oliveira e Silva.

    Também Maria Paula Arteaga, directora do serviço de obstetrícia do Hospital dos Lusíadas, está preocupada com as perspetivas futuras. Sendo especializada em Medicina Materno-Fetal e Obstetrícia de Alto Risco, releva o aumento da mortalidade infantil em 2022 face a 2021, mas também de mães.

    Esta responsável salienta que, desde a década de 70, “a medicalização dos partos fez melhorar muito” o nível de mortalidade de mães e bebés, bem como a universalização do Plano Nacional de Vacinação. E considera que, apesar de tudo, se assiste actualmente a algum retrocesso que pode resultar num aumento futuro dos níveis de mortalidade infantil e materna.

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    “Por um lado, há muito mais mulheres de risco (a serem mães), mais velhas e com mais comorbilidades. A média de idades das mães nos partos ronda os 37 anos. Há mais mães com patologias e, portanto, mais gravidezes com patologias.”, destaca Maria Paula Arteaga.  

    Além disso, a médica obstetra lamenta que estejam a “aumentar os partos não medicalizados, os partos em casa”, considerando-os “um risco enorme”. “O parto em si é um risco. Uma mulher pode morrer de hemorragia pós-parto”, relembra ao PÁGINA UM. “Se antes, havia um excesso de medicalização do parto, agora caiu-se no extremo: temos telemóveis, Internet e Chat GPT, mas quer-se fazer partos como em África. Não faz sentido”, desabafa.

    Para Maria Paula Arteaga “devem existir normas e deve haver um meio-termo: não é medicalizar os partos, nem é cair no outro extremo”.

  • Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

    Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

    O secretismo tem sido a base do negócio das vacinas contra a covid-19. Contratos com claúsulas confidenciais, assumidas pela Comissão von der Leyen, custos unitários e totais escondidos pelos Governos, e cada vez mais lotes a serem deitados para o lixo por perda de validade. Mas agora que a pandemia foi dada como “extinta” pela Organização Mundial da Saúde, estando agora a covid-19 em fase endémica, os negócios chorudos das farmacêuticas anunciam-se ruinosas para as contas públicas na área da Saúde. Desde 2020, o Governo português já autorizou, através de Resoluções de Conselho de Ministros, gastos de quase 877 milhões de euros para a compra de 40 milhões de doses. Mas, pelas contas do PÁGINA UM, terá de pagar mais 66 milhões de doses, atendendo ao número estimado para Portugal nos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), feitos em nome dos Estados-membros pela Comissão Europeia.


    Portugal já gastou quase 877 milhões de euros com o processo de vacinação contra a covid-19, mas a factura total deverá superar os 1,6 mil milhões de euros, independentemente de as doses virem a ser administradas.

    Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros, a última de 15 de Dezembro do ano passado, desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo gás nos últimos meses.

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    Na última semana com dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde, entre 15 e 21 de Abril, foram apenas vacinadas 187 pessoas por dia. Na época de Inverno de 2022-2023 apenas se vacinaram cerca de 30% da população total, mas apenas 1% dos menores de 50 anos decidiu tomar a dose de reforço.  

    Com o final do período de emergência da pandemia, recentemente decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), será previsível que a administração das vacinas se circunscreva à população mais vulnerável – os maiores de 65 anos e/ ou pessoas com comorbilidades, tal como sucede com a vacina da gripe –, mas as compras terão de se manter por força dos acordos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.

    Ainda antes da aprovação de qualquer vacina, a Comissão Europeia, através de acordos específicos – os denominados Advance Purchase Agreements (APAs) – negociou contratos com cláusulas confidenciais, embora se saiba que foram assumidas compras de até 4,6 mil milhões de doses de vacinas a um custo total estimado próximo de 71 mil milhões de euros, de acordo com o Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu. Ou seja, um custo médio de 15,4 euros.

    Ursula von der Leyen estabeleceu acordos secretos e principescos para as farmacêuticas.

    Mesmo estando os compromissos assumidos pelo Governo português através da Comissão von der Leyen ainda no segredo dos deuses, como a população do nosso país representa 2,3% da população da União Europeia, a Direcção-Geral da Saúde deverá ter de adquirir um total de cerca de 106 milhões de doses.

    Ora, de acordo com informações transmitidas pelo Ministério da Saúde ao jornal Público, entre 2020 e este ano, as farmacêuticas – sobretudo a Pfizer e a Moderna – entregaram apenas cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.

    Deste modo, Portugal terá ainda de encomendar um pouco mais de 44 milhões de doses, mesmo se não tiver população suficiente a querer vacinas antes daquelas perderem a validade.

    Seja como for, e apesar do Governo, ao arrepio de um Estado democrático, esconder intencionalmente os contratos e os compromissos financeiros com as farmacêuticas, sabe-se que, até agora, e pela consulta das diversas Resoluções de Conselho de Ministros, o Governo consignou para a compra de vacinas e aquisição de consumíveis (agulhas, seringas e solventes) um total de 876.892.973 euros.

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    Ainda durante o ano de 2020, o Governo de António Costa disponibilizou uma verba de 215,5 milhões de euros, através de três diplomas. Ao longo de 2021 foram aprovados pelo Governo mais dois reforços muito substanciais – o primeiro de cerca de 241,5 milhões de euros e o segundo de um pouco mais de 291 milhões de euros.

    Por fim, no ano passado, houve mais dois reforços que totalizaram os 128,4 milhões de euros. Estes montantes não incluem os gastos que muitas autarquias tiveram com arrendamento de espaço e contratação de pessoal de enfermagem para os centros de vacinação.

    Mas há ainda mais incógnitas: não se sabe quantos dos 877 milhões de euros consignados para o programa vacinal se destinaram especificamente para a compra das vacinas, e se somente estarão pagas as 40 milhões de doses entregues ou também as 21,7 milhões de doses já encomendadas mas não entregues.

    Governo já consignou 877 milhões de euros para o programa vacinal contra a covid-19. Ainda vai ter de gastar muito mais mesmo que não haja procura dos portugueses por mais vacinas.

    Contudo, certo é que, confirmando-se que Portugal terá de adquirir o equivalente a 2,3% das doses assumidas pela Comissão von der Leyen, proporcional à população comunitária, o custo apenas das vacinas contra a covid-19 deverá ascender aos 1,6 mil milhões de euros. Ou seja, tanto quanto o Governo já autorizou gastar, até agora, na execução do programa vacinal.

    Porém, com uma diferença: enquanto até finais de 2022 apenas se deitou ao lixo, uma percentagem pequena de vacinas – o Ministério da Saúde fala numa taxa de inutilização de 8,5% –, a partir de agora, a menos que haja uma renegociação – que nunca poderá a prazer ser desfavorável aos vendedores –, as doses inutilizadas podem superar largamente aquelas que forem administradas. E começa a renascer o espectro do que sucedeu há uma década, com o Tamiflu.

  • Enquanto o Expresso noticia que não há dados… há uma base de dados cujo acesso está nas mãos do Supremo Tribunal Administrativo

    Enquanto o Expresso noticia que não há dados… há uma base de dados cujo acesso está nas mãos do Supremo Tribunal Administrativo

    É falso que não haja dados sobre enfartes ou sobre outras quaisquer doenças que afectam os portugueses, e que se mostra impossível saber a evolução. Mesmo se essa “informação” é garantida pelo Expresso, pois trata-se de misinformation. Na verdade, não só há informação detalhada sobre enfartes como de todas as outras doenças na Base de Dados dos Grupos Homogéneos de Diagnóstico, que o Ministério da Saúde está a lutar até ao Supremo Tribunal Administrativo para não permitir o acesso ao PÁGINA UM. Após duas decisões desfavoráveis, no Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, e no Tribunal Central Administrativo Sul, o Ministério de Manuel Pizarro luta agora convencer os desembargadores do Supremo Tribunal Administrativo, a derradeira instância, de que o pedido do PÁGINA UM é “manifestamente abusivo”. Repete 11 vezes este argumento para contestar o direito constitucional à informação de um jornal independente.

    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


    Uma notícia da última edição de Abril deste ano do semanário Expresso era taxativa: “Portugal sem registo do número de enfartes”. No corpo da notícia, Hélder Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explicava que “em Portugal, o registo de casos de enfarte no Registo Nacional de Síndromes Coronários Agudos feito pelos hospitais é voluntário. “Nem metade dos enfartes que acontecem estão registados”, sublinhava.

    É assim?

    Não, não é verdade. Sendo certo que este registo, gerido pela SPC, peca por defeito, por não ser obrigatório, existe um registo oficial, este sim obrigatório, onde constam todos os doentes admitidos nos hospitais públicos quer sejam por enfartes quer por outros problemas de doenças coronárias. E, enfim, de todas as doenças, acrescido da evolução ao longo do internamento.

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    Chama-se Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, servindo também como forma de cálculo para financiamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Os dados, que são anonimizados, permitiriam facilmente – cruzando ainda com as causas da morte do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – contabilizar ao dia, à semana, ao mês e ao ano a totalidade dos enfartes, e aliás de toda e qualquer doença e afecção.

    A quantidade e qualidade da informação presente na Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos é, porém, simultaneamente de enorme utilidade para uma adequada política de saúde pública mas sensíveis, se tornados públicos, para um Governo, porque se consegue detalhar, ao pormenor, o desempenho de cada hospital do Serviço Nacional de Saúde. Permite, ao pormenor, detectar evoluções anómalas de determinadas doenças. Permite, ao pormenor, encontrar indicadores de eventuais negligências médicas ou deficientes desempenhos. Permite saber muito.

    E é esse “permite saber muito” que faz com que esteja na “mira” do PÁGINA UM há quase um ano, e faz com que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), a entidade responsável pela gestão da Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, lute encarniçadamente para evitar o seu acesso integral e livre.

    Expresso noticiou que não há registos do número de enfartes. Não só dos enfartes como de todas as outras doenças na Base de Dados dos Grupos Homogéneos de Diagnóstico, que o Ministério da Saúde está a lutar até ao Supremo Tribunal Administrativo para não permitir o acesso ao PÁGINA UM.

    Mas uma coisa é a vontade política, e a cultura de obscurantismo, e outra a Lei.

    A “luta” vai, neste momento, já no Supremo Tribunal Administrativo. Esta semana, o PÁGINA UM teve de contra-alegar no recurso apresentado pela Administração Central do Sistema de Saúde, depois desta entidade tutelada pelo ministro Manuel Pizarro ter tido já duas decisões desfavoráveis. A primeira, em 24 de Novembro do ano passado, através da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. A segunda, mais recente, em 23 de Março deste ano, através do acórdão de três desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul.

    Mas o Ministério da Saúde não desiste. Nunca desiste nem desistirá da sua cultura de obscurantismo. O chamado “recurso de revisão”, que apresentou através da sociedade de advogados BAS – a mesma que defende o Infarmed a não conceder outra base de dados anonimizada, o Portal RAM (reacções adversas de medicamentos) – é uma peça de antologia, onde se explana a última cartada para convencer a Justiça da bondade de uma entidade que somente quer afastar dos olhos dos cidadãos sobre aquilo que sucede dentro dos hospitais e no interior dos gabinetes das autoridades de saúde.

    Neste recurso, entenda-se, está muito em jogo – e a própria Administração Central do Sistema de Saúde não tem papas na língua em assumir: fala até da relevância de uma decisão numa “dimensão social” – uma forma de dizer “dimensão política”, se o Supremo Tribunal Administrativo confirmar a legitimidade do acesso à base de dados.

    Victor Herdeiro, presidente da ACSS, quarto a contar da esquerda, durante a sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS em 7 de Julho do ano passado.

    Atente-se, por exemplo, a esta passagem crucial no argumentário usado pela sociedade de advogados que defende esta entidade tutelada pelo Ministério da Saúde:

    A capacidade de repercussão social da questão que subjaz aos presentes autos é evidente, designadamente pelo facto de, atualmente, ser possível identificar um vasto número de pedidos de acesso a documentação administrativa que contêm, em regra, dados pessoais, especificamente dados pessoais de natureza clínica, não sendo a ACSS a única entidade objeto de pedidos desta natureza, conforme tem vindo a ser objeto do conhecimento público. Ou seja, os contornos da questão a apreciar nos presentes autos indiciam que a solução a adotar poderá servir de bússola para a apreciação de casos análogos, extravasando, por isso, a esfera das partes aqui envolvidas. Deste modo, a questão a apreciar no presente recurso revela uma especial capacidade de repercussão social, termos em que a utilidade da decisão a proferir por este Supremo Tribunal extravasa tanto os limites do caso concreto como as partes envolvidas no litígio, impondo-se, por isso, um crivo mais exigente na solução a alcançar, justificando-se, nesses termos, e também por tais razões, a admissibilidade do presente recurso de revista.”

    Por outras palavras: o Ministério da Saúde está preocupado com os outros processos de intimação em curso intentados pelo PÁGINA UM, sobretudo relacionados com bases de dados de saúde, mesmo se estes são anonimizados ou anonimizáveis – ou seja, impossibilitam a identificação de qualquer pessoa.

    Brande um argumento político associado ao argumento da protecção da intimidade das pessoas – que está já protegida pela anonimização – para que, com isso, fiquem protegidos pela sindicância do desempenho do Serviço Nacional de Saúde e das políticas de saúde por parte de uma imprensa independente.

    Sentença de Novembro de 2022 e Acórdão de Março deste ano concedem legitimidade ao PÁGINA UM a aceder a uma base de dados anonimizada. ACSS argumenta agora basicamente que o pedido é “manifestamente abusivo”.

    No argumentário para “sensibilizar” os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, a Administração Central do Sistema de Saúde não se cansa de reputar e repetir, por 11 vezes, que o pedido de acesso à base de dados – que é susceptível de anonimação, conforme um despacho assim o admite – é “manifestamente abusivo”.

    Por 11 vezes, não vá, pensará o Ministério da Saúde, os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo estarem desatentos na leitura de algumas das 26 páginas.

    Sim, são 11 vezes, a saber:

    1 – “Ora, a realização do interesse público que incumbe à Administração Pública e, neste caso, à ACSS nos termos que vêm previstos na sua Lei Orgânica, determina que não deve a Administração executar tarefas que visem satisfazer pedidos manifestamente abusivos e que, em rigor, contendem diretamente com a prossecução das suas efetivas missões e atribuições, conforme sucede in casu.” (pg. 11)

    2 – “A questão basilar, neste caso, é, portanto, a seguinte: será razoável e conforme aos princípios gerais da atividade administrativa, concluir que a Administração Pública e, neste caso, a ACSS, deve ser condenada a satisfazer pedidos manifestamente abusivos que, para além de o serem, se afiguram prescindíveis por já terem sido previamente, in totum, satisfeitos? A resposta parece ser, necessária e indubitavelmente, negativa, à luz, uma vez mais, do princípio da proporcionalidade.” (pg. 11)

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    3 – “Neste sentido, assume uma inegável relevância social fundamental a delimitação das verdadeiras funções da Administração Pública, sob pena de se admitir, levianamente, que a Administração deve satisfazer todo e qualquer pedido, ainda que manifestamente abusivo e desrazoável, o que não se pode admitir.” (pg. 12)

    4 – “A desrazoabilidade da decisão do TCA Sul, inclusive, motivo de espanto da Recorrente, uma vez que, sendo os órgãos jurisdicionais conhecedores diretos do número limitado de meios e da dificuldade inerente à prossecução e concretização das missões e atribuições dos órgãos e entidades que integram a Administração Pública, deles se esperaria um mais adequado juízo acerca da (des)proporcionalidade e (des)razoabilidade de pedidos de acesso a informação que, por se revelarem abusivos e, e[m] rigor, desnecessários, impedem uma eficaz prossecução das aludidas missões e atribuições.” (pg. 13)

    5 – “Em suma, tais questões, incidem, fundamentalmente, sobre os seguintes aspetos, manifestamente contrários ao princípio da proporcionalidade: i) o pedido de informação subscrito é manifestamente abusivo, atenta a sua dimensão, bem como a dimensão da anonimização dos dados pessoais que dela constem; ii) o prazo de dez dias concedido à Recorrente para o fornecimento daquela informação com o consequente expurgo dos dados pessoais é manifestamente incompatível com o esforço, os meios e os recursos que aquela tarefa implica; e iii) a informação constante do Portal da Transparência já satisfaz, in totum, a pretensão do aqui Recorrido. Em face do exposto, é cristalina a relevância jurídica e social fundamentais da apreciação do caso dos presentes autos, sendo ainda tal apreciação necessária para uma melhor aplicação do direito, estando, assim, preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade consagrados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.” (pg. 15)

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    6 – “Mais acrescenta o n.º 3 do artigo 15.º do mesmo diploma que «[a]s entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente». Em face do que antecede e da circunstância de consubstanciar um facto notório que a base de dados GDH contém uma vastidão de informação, designadamente atenta a janela temporal desenhada pelo Recorrido, a conclusão de que tal pedido é desproporcional, desrazoável e excessivamente oneroso para a ACSS decorre, em todo o caso, das regras da experiência comum, conforme já referido em sede de análise da admissibilidade do presente recurso.” (pg. 18)

    7 – “Em síntese, a violação do princípio da proporcionalidade manifesta-se na circunstância de não ser razoável condenar a Recorrente na satisfação de um pedido que é, por natureza, manifestamente abusivo, bem como pela circunstância de, mesmo que assim não se entenda, se ter condenado a ACSS a satisfazer tal pedido no prazo reduzido de dez dias e, ainda, na circunstância de tal pedido ter sido já cabalmente satisfeito por via da publicação dos dados no supramencionado Portal.” (pg. 20)

    8 – “Determina o princípio da proporcionalidade que não deve, sem mais, ser admitido o sacrifício desproporcionado de interesses próprios da Administração. É, no entanto, precisamente isso que se verifica in casu, uma vez que a decisão do douto Tribunal a quo se revela manifestamente desproporcional ao considerar procedente um pedido de informação manifestamente abusivo, concedendo, nesse quadro, um reduzido prazo de dez dias para a sua satisfação, não atendendo, contudo, ao facto de tal pedido já estar integralmente satisfeito atenta a informação publicamente disponível no Portal da Transparência do SNS.” (pg. 22)

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    9 – “Nesta ótica, o presente recurso assume um papel fundamental na resposta à questão de saber qual é, afinal, o papel da Administração Pública (em concreto, da ACSS) e, nesse caso, se lhe deve ser exigida a satisfação de pedidos manifestamente abusivos, desproporcionais e desrazoáveis, em detrimento do desempenho de todas as funções que efetivamente lhe incumbem nos termos da lei.” (pg. 23)

    10 – “Dito isto, refira-se que a violação do princípio da proporcionalidade pelo TCA Sul consubstancia-se, em síntese, no facto de o pedido formulado pelo Recorrido ser manifestamente abusivo atenta a dimensão da informação requerida, bem como pela circunstância de o prazo fixado pelo tribunal para a satisfação de tal pedido ser absolutamente insuficiente e incompatível com as circunstâncias do caso concreto, e, ainda, pelo facto de não se compreender em que medida pode a Recorrente ser condenada a satisfazer um pedido já satisfeito, conforme fica demonstrado por via da consulta e análise dos dados publicados no Portal da Transparência do SNS.” (pg. 24)

    11 – “Atentas as regras da experiência comum e o facto de a excessiva onerosidade inerente ao pedido do Recorrido consubstanciar um facto notório, mesmo que tal não tivesse sido alegado ou o tivesse sido imperfeitamente, sempre se alcançaria a conclusão de que a anonimização do vasto número de dados aqui em causa representa uma violação do princípio da proporcionalidade, consubstanciando um pedido manifestamente abusivo e, por isso, inaceitável.” (pg. 25)

    E, no entanto, o PÁGINA UM somente está a fazer jornalismo num país que, dentro de meses, comemora os 50 anos de Democracia. Tem agora a palavra o Supremo Tribunal Administrativo.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Petição quer referendo sobre adesão portuguesa ao novo Tratado Pandémico

    Petição quer referendo sobre adesão portuguesa ao novo Tratado Pandémico

    Depois da covid-19, muitos Governos e a Organização Mundial de Saúde (OMS), e também outras organizações, algumas com ligações ao lucrativo sector farmacêutico, consideram fundamental um acordo internacional que agilize a implementação de medidas globais de saúde pública. Mas há quem veja no previsto Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias uma janela de oportunidades para impor restrições de direitos em países democráticos. Uma petição, lançada na semana passada, está a tentar obter 60 mil assinaturas para a realização de um referendo por iniciativa popular. Além de questionar a aceitação de um tratado nos moldes conhecidos, o documento que acompanha a petição coloca mesmo em causa a manutenção de Portugal no seio da OMS, se este organismo não garantir a sua independência.


    Deve Portugal manter-se como membro da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto esta agência subordinada às Nações Unidas arrecadar a maioria do seu financiamento através de fundações e entidades privadas? Esta é uma das três questões que uma petição, lançada na passada quarta-feira pela médica-dentista Marta Gameiro, pretende levar a referendo.

    De acordo com a lei, um referendo por iniciativa popular necessita de juntar 60 mil assinaturas num prazo máximo de seis meses, mas a última palavra cabe sempre aos deputados na Assembleia da República. Até esta tarde, a petição contava ainda com apenas 668 assinaturas.

    Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS.

    Ao PÁGINA UM, Marta Gameiro, dinamizadora da petição e autora do texto enquadrador intitulado “Referendo pela autodeterminação em Saúde – Portugal e a OMS”, defende que o principal objectivo é a “promoção de um debate“, admitindo porém que pôr em causa a permanência de Portugal na OMS “foi um risco“.

    A petição, segundo Marta Gameiro, servirá sobretudo para “auscultar” a opinião dos portugueses sobre o controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias – que, a avançar, será juridicamente vinculativo para os 194 Estados-membros integrantes da OMS–, bem como sobre as alterações que poderão ser feitas ao Regulamento Sanitário Internacional.

    Os críticos deste novo Tratado salientam que, a ser aprovado, concederá poderes ilimitados à OMS, que não é uma entidade com responsáveis eleitos democraticamente, e que, em caso de nova pandemia, podem ultrapassar as directrizes dos Governos e até as Constituições dos países.

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    Além disso, está prevista a introdução de cerca de três centenas de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional, incluindo a suspensão de direitos humanos em situações de crise de Saúde Pública. Em suma, com estes normativos globais, fica ainda mais limitada a capacidade de os países tomarem decisões de forma autónoma numa futura emergência de saúde pública, e ainda mais a forma dos cidadãos se defenderem contra medidas discricionárias que afectem direitos humanos.

    Marta Gameiro considera ser fundamental que discutam estas questões. “Aquilo que está em jogo é a possibilidade de uma elite tomar conta de uma organização que supostamente é independente“, salienta, fazendo alusão às ligações da OMS ao sector farmacêutico e a fundações privadas com interesses comerciais.

    Apesar destes receios, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom, garantiu em 17 de Março passado, numa conferência de impresa, que as propostas em estudo jamais eliminarão a soberania dos países em caso de nova pandemia.

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    Na pandemia de covid-19, cientistas de topo que se opunham às posições da OMS foram censurados e perseguidos.

    “É essencial enfatizar que este acordo está a ser negociado por países, para países, e será adotado e implementado pelos países, de acordo com suas próprias leis nacionais”, enfatizou o antigo ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros da Etiópia, acrescentando que “a afirmação de alguns de que este acordo constitui uma violação da soberania nacional é manifestamente errada”. “Os países, e só os países, decidirão o que está no acordo, não o pessoal da OMS”, concluiu.

    Em todo o caso, os receios de perda de soberania e suspensão de direitos humanos em caso de novas pandemias mantêm-se. No texto da petição dinamizada por Marta Gameiro considera-se que a OMS “está a promover um tratado pandémico e alterações ao Regulamento Sanitário Internacional existente, para aumentar o seu poder durante as emergências sanitárias”. Adianta ainda que “estas propostas também alargam o âmbito das emergências de modo a incluir danos potenciais em vez de danos reais”, além de sugerir “uma definição de ‘One Health’ que engloba qualquer ocorrência na biosfera que possa ter impacto no bem-estar humano”.

    Por outro lado, também se critica o excessivo “poder de decisão [que] será colocado nas mãos de uma única pessoa, o director-geral da OMS”, receando-se que a intenção também seja “a de suprimir e censurar as vozes daqueles que questionam os ditames do director-geral“.

    Marta Gameiro, autora da petição foi também organizadora do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima em Outubro do ano passado.

    Recorde-se que Marta Gameiro é também a promotora de uma outra petição similar, mas que não questionava a adesão portuguesa à OMS, tendo agregado 7.317 assinaturas. Esta petição foi já abordada, numa primeira fase, em audição da Comissão de Saúde da Assembleia da República no passado dia 16 de Fevereiro.

    A comissão parlamentar responsável pela apreciação daquela iniciativa ainda não concluiu o processo, e todo o processo tem sido tratado com fraca relevância pelos deputados dos diversos partidos. Esta petição, aliás, nem sequer tem marcado agendamento previsto em plenário.

  • Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

    Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

    Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, o Ministério de Manuel Pizarro jurou que não havia contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que tudo fora negociado pela Comissão von der Leyen. Hoje, cerca de quatro meses depois, ao jornal Público, o Ministério da Saúde informa que afinal celebrou 14 contratos com seis farmacêuticas. O processo de intimação, ainda em análise, envolve também manipulação do Portal Base, onde quatro contratos estiveram durante dois anos online, mas foram suprimidos. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


    O Ministério da Saúde garantiu ao jornal Público que “entre 2020 e este ano Portugal celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas e que foram entregues cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses [de vacinas contra a covid-19] encomendadas e adquiridas para o período até 2023”, de acordo com a notícia de manchete da edição de hoje.

    A assumpção da existência de 14 contratos, assinados pela Administração Pública, constitui assim uma confissão de ter o Ministério da Saúde mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa no âmbito da intimação do PÁGINA UM apresentada no último dia do ano passado.  

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    No decurso dessa intimação, ainda em análise judicial – em que o PÁGINA UM pretende ter acesso aos contratos assinados por entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, bem como as guias de transporte e comunicações com as farmacêuticas –, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam sequer contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

    Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como nas alegações ao processo de intimação, o Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

    E no ponto 13 dessa alegações, na página 4, o Ministério da Saúde é taxativo: “Tudo isto para concluir que este Ministério da Saúde não possui os documentos solicitados [negrito no original] sendo certo que cada entidade requerida [de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos] só tem de facultar informação ou documentação que detenha ou possua”.

    Com a informação transmitida agora ao jornal Público, cai assim por terra esse argumento, ou seja, o Ministério da Saúde mentiu a uma instância judicial.

    Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, o Ministério da Saúde garante que não tem contratos. Cerca de quatro meses depois, ao Público, o Ministério da Saúde diz que celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas contra a covid-19.

    Aliás, conforme o PÁGINA UM também já tinha destacado, durante cerca de dois anos, chegaram a constar quatro contratos no Portal Base de compra de vacinas contra a covid-19, todos assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se, contudo, já guardados no servidor do PÁGINA UM.

    Porém, estes quatro contratos – que abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo – foram apagados do Portal Base em Janeiro passado, poucos dias após a interposição na intimação pelo PÁGINA UM, sendo substituídos por folhas em branco.

    O Ministério da Saúde pretendeu assim manipular a juíza do processo, fazendo crer que estavam em causa documentos confidenciais, algo que não encontra respaldo na legislação de contratação pública.

    O Ministério da Saúde tem, no âmbito dos contratos das vacinas contra a covid-19, cultivado uma postura de absoluto obscurantismo e manipulação.

    Recorde-se que se ignoram ainda os custos totais dos contratos são ainda desconhecidos, mas as contas ainda não estão fechadas. Ao nível da União Europeia apenas foram administradas cerca de 60% das vacinas contratualizadas pela Comissão von der Leyen no ano de 2020, o que significa que poderão ter de ser pagas muitos milhões de doses que nunca serão utilizadas, numa altura em que a procura pelos cidadãos é extremamente escassa.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, negociou contratos com cláusulas de confidencialidade que podem ser ilegais e redundar em compras supérfluas. O obscurantismo da Comissão Europeia alastra até Portugal.

    A postura do Ministério da Saúde perante o Tribunal, não respondendo sequer às solicitações da juíza do processo, Telma Nogueira, a par da manipulação do Portal Base, levou mesmo o PÁGINA UM a apresentar uma queixa por litigância de má-fé.

    De acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Efeitos adversos: este ano, há quase nove mortes por dia associadas às vacinas da covid-19 na Europa

    Efeitos adversos: este ano, há quase nove mortes por dia associadas às vacinas da covid-19 na Europa

    A Organização Mundial da Saúde declarou hoje o fim da pandemia da covid-19, mas as contas continuam por encerrar. Numa altura em que se prepara um acordo internacional para próximos “embates pandémicos”, há muitas questões ainda em aberto, a necessitar de esclarecimentos e de informação. A começar pelos efeitos adversos das vacinas. O PÁGINA UM actualizou a consulta à base de dados da EudraVigilance e constatou que só este ano, entre 1 de Janeiro e 1 de Maio, já foram contabilizadas 1.045 mortes associadas às 11 vacinas nos países abrangidos pela Agência Europeia do Medicamento, de entre um total de 70.789 reacções adversas.


    Oficialmente terminada hoje, por decisão burocrática da Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia da covid-19 deixa, até hoje, e de forma oficial, um rasto de mais de 687 milhões de casos positivos e um total de um pouco menos de 6,8 milhões de mortes.

    A OMS e os mais distintos Governos, incluindo o português, invocam as vacinas contra a covid-19 como o grande contribuidor para que o SARS-CoV-2 se tornasse endémico, menorizando o papel da variante Ómicron e a imunidade natural (dos infectados), mas esquecem de debater um dado sombrio: os efeitos adversos das vacinas.

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    Apesar dos pedidos insistentes do PÁGINA UM para aceder aos dados nacionais das reacções adversas às vacinas contra a covid-19 terem sido recusados pelo Infarmed – que conseguiu através de artimanhas ludibriar o Tribunal Administrativo de Lisboa, estando agora a sentença em recurso –, a informação disponibilizada, de pouca facilidade de consulta, pela Agência Europeia do Medicamento mostra que os problemas existem. Melhor, continuam a existir, neste momento. E deveriam ser enfrentados.

    Numa análise do PÁGINA UM à base de dados da EudraVigilance, gerida pela Agência Europeia do Medicamento, apenas às notificações dos reguladores e das farmacêuticas no presente ano, até 1 de Maio, constam no sistema um total de 70.789 reacções adversas, das quais 35.947 graves. Destas, 1.045 resultaram em morte. Ou seja, em cada dia, são quase nove mortes suspeitas de estarem associadas às vacinas contra a covid-19.

    Embora a inclusão dos casos letais notificados na EudraVigilance não signifique inapelavelmente que as vacinas sejam a causa de morte, as suspeitas são muito relevantes, tanto mais que, em grande parte das situações, são as próprias farmacêuticas que enviam os registos individuais anonimizados.

    Número de registos de mortes associadas à administração de vacinas contra a covid-19 entre 1 de Janeiro e 1 de Maio de 2023. Fonte: Eudravigilance.

    De acordo com a informação compilada pelo PÁGINA UM, uma das vacinas bivalente da Pfizer (Tozinameran) é aquela que está associada, este ano, a um maior número de mortes (486), seguindo-se a vacina da AstraZeneca (140) e a primeira versão da vacina da Moderna (Elasomeran, com 131).

    No entanto, não existem dados – por recusa das autoridades e também das farmacêuticas –, que permitam aferir as diferentes incidências de reacções adversas das vacinas por tipo. Para isso, seria necessário conhecer o número de vacinas administradas de cada vacina, e também ter em consideração os grupos etários.

    Além disso, também se desconhece se os efeitos adversos notificados este ano se devem à administração recente ou mais antiga, porque nada é indicado sobre esta matéria no sistema da EudraVigilance.

    Contudo, aparentemente, haverá já um número significativo de efeitos adversos de médio prazo, tendo em conta o número ainda elevado de reacções adversas associadas às primeiras versões das vacinas da Moderna (Elasomeran) e da Pfizer (Tozinameran) e às vacinas da AstraZeneca e da Jannsen, que praticamente deixaram de ser administradas a partir da segunda metade do ano passado, ou mesmo antes.

    Número de registos de reacções adversas na Europa de vacinas contra a covid-19 entre 1 de Janeiro e 1 de Maio de 2023. Fonte: EudraVigilance.

    Um outro aspecto que nunca é destacado pelas autoridades – que têm colocado as reacções adversas como um tema tabu, enquanto destacam excessivamente os efeitos secundários da covid-19 (long covid) – refere-se aos distintos desempenhos de segurança das vacinas aprovadas. Não há estudos sobre essa matéria.

    Apesar de não ser possível calcular a incidência de reacções adversas – número por doses administradas por cada grupo etário, porque esses dados actualizados não existem –, mostra-se possível estimar, através dos dados da EudraVigilance, a percentagem de mortes por reacções adversas. Ou seja, não sendo perfeito, constituiu um indicador aceitável para início de debate.

    E as diferenças aparentam ser marcantes, conforme o PÁGINA UM confirmou na análise aos dados (pouco detalhados) disponibilizados pela Agência Europeia do Medicamento.

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    Por exemplo, no caso da vacina da Jannsen, 5,3% dos casos de reacções adversas resultaram em morte, um valor que é mesmo assim inferior a uma das vacinas da Moderna (Elasomeran-Davesomeran), que é de 6,2%.

    No extremo oposto, e não incluindo as vacinas das farmacêuticas com vacinas recentes (Novavax, Valneva e Sanofi, que não foram usadas em Portugal), as duas vacinas primitivas da Moderna e da Pfizer apresentaram um menor rácio de morte por efeitos adversos (1,2%).