Em Janeiro, depois de vários escândalos políticos, o primeiro-ministro António Costa quis mostrar publicamente que não aceitaria nenhum governante com problemas na Justiça, mas a Resolução do Conselho de Ministros que instituiu um inquérito prévio aos candidatos a membros do Governo coloca uma “cortina de obscurantismo” sobre todo o processo, porque coloca um selo de “secreto”. Mas há um problema: a classificação de “Secreto Nacional”, escolhido pelo primeiro-ministro, para impedir o acesso público não se encaixa nos pressupostos exigidos por lei. E introduz, além disso, a possibilidade futura de o Governo começar a classificar a eito, como secretos, assuntos politicamente sensíveis por simples reuniões de ministros. O PÁGINA UM tomou a decisão de apresentar uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, após a recusa tácita da Presidência do Conselho de Ministros em ceder o inquérito preenchido no mês passado pelo novo secretário de Estado da Agricultura Caleia Rodrigues. Este é o 16º processo de intimação – uma ferramenta fundamental à liberdade de informação e à defesa da democracia – que o PÁGINA UM apresenta, desde Abril do ano passado, no Tribunal Administrativo de Lisboa, através do seu FUNDO JURÍDICO, com o apoio exclusivo dos seus leitores.
Em concreto, está em causa o pedido de consulta requerido pelo PÁGINA UM ao inquérito já preenchido pelo único governante que entrou em funções desde a Resolução do Conselho de Ministros de 13 de Janeiro: o novo secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Caleia Rodrigues, que tomou posse há menos de um mês, em 15 de Fevereiro.
António Costa cumprimentando Gonçalo Caleia Rodrigues na tomada de posse. O secretário de Estado da Agricultura foi o primeiro, e até agora único, governante a preencher um inquérito que o primeiro-ministro quer secreto, apesar da Resolução do Conselho de Ministros invocar a transparência.
Logo no dia seguinte, em 16 de Fevereiro, o PÁGINA UM requereu ao primeiro-ministro António Costa um pedido de acesso a esse inquérito prévio, expurgado de eventuais dados nominativos, e não tendo havido resposta em 10 dias úteis, entrou ontem com um processo de intimação.
Recorde-se que a Resolução do Conselho de Ministros elenca um conjunto de 36 perguntas, incluindo algumas que já são alvo de escrutínio pelo Tribunal Constitucional, mas especificando outras com aspectos politicamente sensíveis, designadamente a ocorrência de processos judiciais ou contraordenacionais, ou de insolvência, e também o passado empresarial ou de ligações familiares com áreas a tutelar.
Em todo o caso, saliente-se que, apesar do melindre das questões, exceptuando endereços, as respostas ao inquérito não configuram matérias secretas ou pessoais. Por exemplo, se uma empresa detida por um candidato a governante tiver ficado insolvente, ou se a mulher de um secretário de Estado for sócio de uma empresa, essa informação consta em documentos públicos, embora necessitando de pesquisas nem sempre fáceis. O passado criminal (ou mesmo de simples arguido) acaba também por não ser matéria propriamente secreta.
Governo já foi notificado para responder à intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.
Apesar da Resolução do Conselho de Ministros – que surgiu depois de várias demissões no seio do Governo – ter instituído um inquérito prévio como “ferramenta de avaliação política”, de modo a “realça[r] a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, António Costa tratou, porém, de tornar todo o processo secreto e obscuro.
Com efeito, o diploma em causa – uma simples Resolução de Conselho de Ministros – estipula que “uma vez preenchido, o questionário [preenchido pelos candidatos a membros do Governo] tem a classificação de Nacional Secreto”, e que haverá lugar à sua destruição “caso a personalidade que o preencheu não seja nomeado membro do Governo ou no momento em que cesse funções.”
A classificação especial de documentos administrativos – que são todos aqueles que caem na esfera da Administração Pública – carece, na maioria dos casos, de leis da Assembleia da República, além de que a restrição de acesso a estes inquéritos, colocando-os como “Nacional Secreto”, se mostra completamente abusiva, porque os equipara a “segredo de Estado”.
Ora, de acordo com a Lei Orgânica nº 2/2014, o regime do segredo de Estado abrange somente “os documentos e as informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado”, sendo que esses se encontram explicitamente explanados, a saber: “interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional.”
Na mesma linha seguem também até as instruções para a segurança nacional, a salvaguarda e a defesa das matérias classificadas, designadamente as credenciações do Gabinete Nacional de Segurança, onde melhor se explicita que a classificação de Nacional Secreto abrange apenas “as informações, documentos e materiais cuja divulgação ou conhecimento por pessoas não autorizadas possa ter consequências graves para a Nação ou nações aliadas ou para qualquer organização de que Portugal faça parte”.
Em concreto, diz-se que essa classificação de Nacional Secreto – que implica fortes restrições de acesso – só se verificam se fizerem “perigar a concretização de empreendimentos importantes para a Nação ou nações aliadas ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “comprometerem a segurança de planos civis e militares e de melhoramentos científicos ou técnicos de importância para o País ou seus aliados ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “revelarem procedimentos em curso relacionados com assuntos civis e militares de alta importância.”
O preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros diz, logo na primeira frase que ” O Programa do XXIII Governo Constitucional realça a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, acrescentando depois que “tal aconselha que o escrutínio a que aqueles titulares devem ser sujeitos para integrarem o Governo, no âmbito do processo de avaliação política que precede a respetiva nomeação, seja reforçado.” Mas classifica o inquérito como “Nacional Secreto” sem enquadramento legal.
Em suma, a menos que o Governo consiga convencer as instâncias judiciais de que o conhecimento público do inquérito preenchido pelo secretário de Estado Gonçalo Caleia Rodrigues faça perigar “interesses fundamentais do Estado”, designadamente a própria independência de Portugal ou de outros Estados, não parece que o conhecimento do conteúdo das respostas ao inquérito preenchido por Gonçalo Caleia Rodrigues – que era professor do Instituto Superior de Agronomia antes de entrar em funções governativas – possa vir a ter tamanhas consequências, atendível o teor das questões e informações aí expostas.
Além disto, a Resolução do Conselho de Ministros – que, repita-se, invoca o reforço da transparência e o controlo da integridade do sistema democrático – introduz um risco no regime: a possibilidade de uma classificação de documentos administrativos, incluindo a sua destruição, poder ser feita de forma completamente arbitrária e casuística por um Governo.
Ou seja, se diplomas desta natureza vingarem, como forma expedita de governar, um qualquer Governo pode passar a classificar qualquer decisão, plano, projecto ou até mesmo empreitada como “Nacional Secreto”. E, a partir daí, o público, em geral, e os jornalistas, em particular, ficam impedidos de aceder a informação relevante ou politicamente sensível. No limite, podem “decretar” a destruição de todos os documentos quando saírem de funções.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 16 processos de intimação intentados desde Abril do ano passado, além de outras diligências, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
Embora a imprensa mainstream portuguesa continue sem querer mostrar aos seus leitores o que se passou na Inglaterra durante a pandemia – a partir das revelações das mensagens de Whatsapp do antigo ministro da Saúde Matt Hancock, que têm estado a ser notícia no The Telegraph –, o PÁGINA UM continua o seu serviço público. E com o seu espírito de missão: informar sobre a realidade quando os outros órgãos de comunicação social deformam: por deturpação ou omissão. Siga aqui as outras notícias que já publicámos sobre os Lockdown Files. Recordamos que o PÁGINA UM tem em curso nos tribunais administrativos vários processos de intimação, colocados no ano passado, para a obtenção de documentos administrativos, embora, infelizmente, não incluam as mensagens de WhatsApp de Marta Temido ou de Manuel Pizarro, ou até de Graça Freitas.
A cada dia de revelações dos Lockdown Files que está a abalar a Inglaterra, mais se confirma que a Ciência – sempre invocada ao longo dos últimos três anos para justificar restrições e imposições – foi sequestrada e substituída por uma sósia: a política.
Em novas revelações do jornal The Telegraph, mostra-se que o antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, rejeitou o conselho de Chris Whitty, director médico da Inglaterra, para substituir a quarentena de 14 dias de isolamento por um período mais curto de cinco dias, porque isso “implicaria [assumir] que estamos errando”.
Matt Hancock, ex-ministro da Saúde britânico, e Isabel Oakeshott, a jornalista no centro dos Lockdown Files.
De acordo com as mensagens de WhatsApp gravadas por Hancock, o ministro foi informado em 20 de Novembro de 2020 por Chris Whitty que seria “muito bom” – isto é, bastaria – um período de cinco dias para os casos suspeitos (por contacto com infectados) “em vez” de isolamento de quinze dias. Nas mensagens, os dois concluem que o período de quarentena de 14 dias provavelmente foi “muito longo o tempo todo”. Até então, de acordo com o The Telegraph, quase um milhão de ingleses tinham sido instruídos, sob pesadas multas, a se auto-isolarem por quinze dias inteiros, mesmo que não apresentassem sintomas, se tivessem tido algum contacto de risco.
Embora o Governo de Boris Johnson tenha acabado por reduzir o período de auto isolamento para 10 dias em Dezembro de 2020, a medida não tinha qualquer sustentação científica. Somente em Agosto de 2021 alguns grupos populacionais ficaram totalmente isentos da exigência.
Hancock também não desejaria mudar as regras, até porque, estando em processo a compra de vacinas, este político estava então, em finais de 2020, a montar uma campanha de medo para assustar as pessoas até “borrarem as calças”.
Esta guerra psicológica do “Project Fear” – a estratégia usada pelo Governo de Boris Johnson agora revelada pelos Lockdown Files – jamais pode ser repetida. Pelo menos é esta a garantia que diversos políticos, sobretudo da ala conservadora, e também já alguns especialistas, desejam para o futuro, à medida que são reveladas mais mensagens entre o ex-ministro da saúde Matt Hancock, os seus assessores e diversos membros do Governo britânico e altos quadros de Saúde Pública.
Um dos mais críticos tem sido o parlamentar Charles Walker, destacado membro do denominado Covid Recovery Group – que se mostrou angustiado com os comportamentos de Matt Hancock que, no final de 2020, sem qualquer base científica, aproveitou o surgimento de uma variante (que seria baptizada de Alfa) para montar uma campanha de medo e justificar assim mais confinamentos e a obediência popular.
“O que me deixa tão furioso são os malefícios e a guerra psicológica que desenvolvemos contra os jovens e a população, em geral, com todos esses psicólogos comportamentais”, disse Charles Walker ao The Telegraph, acrescentando ser preciso haver agora “um ajuste de contas”.
Este político conservador lamentou que o Parlamento inglês tenha estado “perdido em combate”, permitindo dezenas de restrições com pouco debate. “As vozes discordantes foram catalogadas de anti-lockdown e de extrema-direita; e, na verdade, querer fazer as coisas direitas não é ser da extrema-direita”, lamentou este parlamentar ao The Telegraph, salientando ainda que “fizemos coisas terríveis aos jovens; fizemos coisas terríveis a um grande número de pessoas; e precisamos de ter a certeza de que nunca mais fazemos isso novamente”.
Na mesma linha, Craig Mackinlay, outro parlamentar conservador que também integrava o Covid Recovery Group, disse também ao The Telegraph que o “clima artificial de medo” resultou naquilo que “nos preocupava” quando as restrições foram implementadas: “problemas negativos contínuos de saúde, problemas de educação, e não menos importante, a destruição da nossa economia, à medida que ideias malucas, umas atrás das outras, foram sendo aprovadas”.
Mas não é apenas do lado dos Tories que têm surgido críticas às revelações de um escândalo de graves contornos políticos que, de forma clara, demonstra os perigos de a Saúde Pública ficar sob responsabilidade absoluta em sectores pouco controlados, como se verificará se avançar o tratado internacional sobre prevenção e preparação para pandemias.
O The Telegraph citou ontem até um ex-ministro – não identificado – do governo de Boris Johnson, durante a pandemia, assumindo ser “claro agora que muitos erros foram cometidos”. E defende ainda ser “muito importante que nos certifiquemos de que, caso qualquer evento como este aconteça novamente, tomamos todas as medidas possíveis para preservar o máximo de liberdade possível, em vez de adoptar uma abordagem avessa ao risco e à segurança em primeiro lugar”, acrescentando ainda que o encerramento das escolas foi “diabólico”.
Diversos especialistas começam também a reagir aos conteúdos dos Lockdown Files, que mostram uma absoluta falta de bases científicas na tomada de muitas decisões, e que tiveram consequências desastrosas. Em declarações ao The Telegraph, Karol Sikora, médico especialista em oncologia, diz mesmo que “não há dúvida” de que alguns pacientes com cancro ficaram tão assustados com a pandemia que nem procuraram tratamento para as suas doenças. “Fiquei horrorizado quando li as mensagens do WhatsApp. Estou realmente ansioso pelo inquérito público, mas será uma lavagem de dinheiro”, acrescentou o especialista.
Por sua vez, um professor de Ciência Comportamental na London School of Economics, Paul Dolan, culpou aquilo que diz ser uma mistura de “desvio intencional de missão” e “desvio intencional de especialidade” para dar uma resposta dominada pelo “monopensamento de grupo”. Este especialista exemplifica com as imposições às crianças e jovens, com grande impacte no seu desenvolvimento.
“Foi errado em todos os sentidos deixar os jovens com medo de um vírus que sabíamos muito cedo ser de risco muito limitado para eles”, disse ainda este especialista ao The Telegraph. Com efeito, a taxa de letalidade dos menores foi estimada em cerca de 0,0003%. O risco de vida causado pelo SARS-CoV-2 em jovens saudáveis é irrelevante.
Paul Dolan afirmou ainda não ser “aceitável mentir activamente, alimentando o medo”, defendendo que, embora seja “impossível fazer uma análise de custo-benefício completa de imediato, se deve garantir que os processos estejam em vigor para que diferentes vozes sejam ouvidas.” Algo que não sucedeu; pelo contrário.
Os Lockdown Files revelam não apenas uma gestão casuística e uma completa ausência da Ciência na gestão da pandemia. Revelam sobretudo como, em democracia, é intolerável que um “bando de políticos” detenham tamanho poder sem serem escrutinados em contínuo. E deixa também no ar uma pergunta necessária: se foi assim na Inglaterra, que motivos nos levam a crer ter sido diferente em Portugal? O PÁGINA UM promete continuar a acompanhar este dossier bombástico, até porque para a imprensa mainstream lusitana nada se passa em Terras de Sua Majestade. Leia aqui a primeira parte deste dossier.
O Governo britânico definiu politicamente – e não com base em qualquer critério científico – uma estratégia de divulgação pública da variante Alfa, que fora sequenciada em Setembro de 2020 na região de Kent, para criar artificialmente uma “campanha de medo” que amedrontasse qualquer pessoa.
Esta é uma das novas revelações do Lockdown Files, do jornal The Telegraph, a partir do vazamento de mais de 100 mil mensagens de WhatsApp entre o antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, e membros da cúpula governamental de Boris Johnson.
The Telegraph promete divulgar muitas mais mensagens comprometedoras sobre a gestão da pandemia no Reino Unudo.
A veracidade das mensagens é inquestionável, porque foram directamente disponibilizadas pelo ex-ministro – que renunciou ao cargo após ter sido apanhado a violar as regras de distanciamento em Junho de 2021 – à jornalista Isabel Oakeshott, que ajudou o político a preparar uma auto-biografia. Face à gravidade das mensagens, a jornalista decidiu torná-las públicas.
Nas revelações deste fim-de-semana, pelo The Telegraph, fica evidente que Matt Hancock pretendeu, no final de 2020, capitalizar ao máximo uma nova e decisiva campanha de medo que assustasse qualquer pessoa. Em Dezembro daquele ano, em conversas entre Matt Hancock e os seus assessores foi sugerido que a variante B.1.1.7 – que viria a ser baptizada pela Organização Mundial da Saúde como Alfa – seria bastante útil na preparação do terreno para um novo bloqueio.
Numa conversa no WhatsApp em 13 de Dezembro, obtida pelo The Telegraph, Damon Poole, um assessor de comunicação de Hancock – informou o seu chefe que os deputados conservadores já estavam “furiosos com a perspectiva” de medidas mais rígidas, pelo que a solução poderia passar por aproveitar uma nova estirpe que fora detectada na região de Kent.
Matt Hancock, ex-ministro da Saúde britânico, e Isabel Oakeshott, a jornalista na origem dos Lockdown Files.
Refira-se que, ao longo da pandemia, foram sequenciadas mais de um mihar de variantes, mas a Organização Mundial da Saúde é que determinava, em função das informações que lhe fossem transmitidas, aquelas que passavam a ser consideradas de preocupação, com direito a nome de baptismo com letra grega.
Perante a ideia de se aproveitar essa nova variante, Hancock respondeu de forma coloquial: “We frighten the pants off everyone with the new strain”, que, se fosse dito por um político português, seria do género “Com a nova variante, assustamos toda a gente até borrarem as calças”. E Poole concordou: “Sim, é isso que vai gerar uma mudança de comportamento adequada”.
O plano avançou, e foram decretados mais rígidos confinamentos nesse Natal. Hancock apenas expressou sua preocupação de que as negociações sobre o Brexit dominassem as manchetes e reduzissem o impacto dessa campanha de medo.
Trecho da conversa via WhatsAPP entre Matt Hancock e o seu assessor Damon Poole.
Mas se, por um lado, o antigo ministro da Saúde compôs uma campanha de medo, por outro escondeu dados comprometedores para esconder efeitos de medidas de políticos trabalhistas. Por exemplo, a iniciativa do actual primeiro-ministro Rishi Sunak – então Chanceler do Tesouro – de incentivar o regresso aos restaurantes – com a implementação da campanha Eat Out to Help Out foi acompanhada por uma manipulação de dados que “manteve fora das notícias” que se estava a registar um aumento de casos positivos de covid-19.
Os Lockdowns Files também já revelaram as lutas de bastidores da política britânica, onde mais do que uma preocupação com a Saúde Pública, se digladiavam diversos actores da política. Nas mensagens divulgadas revelam-se as tenazes tentativas de Hancock liderar a campanha de vacinação para receber os louros públicos, confrontando e mesmo conspirando contra altos quadros.
Mostra-se também revelador que, desde Abril de 2020 – no início da pandemia – as vacinas, quaisquer que fossem, sempre se consideraram como a forma mais eficaz para as populações perdoarem os confinamentos e outras restrições, e ficarem gratos aos políticos. Porém, sobretudo a partir do final de 2020, com a chegada das vacinas, diversas mensagens dos Lockdown Files mostram a irritação e frustração de Hancock por não estar a receber os créditos políticos que esperaria.
Apesar de Matt Hancock ter sido afastado do Governo britânico em Junho de 2021, os abalos dos Lockdown Files estão a colocar em causa a credibilidade dos trabalhistas na gestão da pandemia.
As relações entre Hancock e a responsável pela task force britânica das vacinas, Kate Bingham, também são abordadas nas mensagens de WhatsApp. A responsável pelo programa de vacinação advogava em Outubro de 2020, em entrevista ao Financial Times, que a vacinação de toda a população “não iria acontecer” e que “só precisamos de vacinar as pessoas em risco”, ou seja, menos de metade da população, o que não terá sido do agrado do Ministério da Saúde.
Além disso, Kate Bingham opôs-se à compra de dezenas de milhões de vacinas da Índia. As tensões entre estes dois responsáveis, numa autêntica luta de galos, já eram conhecidas no Reino Unido desde, pelo menos, finais do ano passado.
Mas Hancock também teve péssimas relações com outros responsáveis da Saúde Pública, conspirando para tentar derrubar Simon Stevens, director do National Health Service (NHS) na Inglaterra – entidade homóloga da Direcção-Geral da Saúde –, com a ajuda de Dominic Cummings, o polémico conselheiro-chefe do então primeiro-ministro Boris Johnson.
Lockdown Files também ajudam a compreender as lutas de bastidores por razões financeiras. Em Outubro de 2020, a responsável da task force britânica para a vacinação contra a covid-19, defendia a vacinação apenas para grupos vulneráveis, mas Matt Hancock estava mais interessado em fazer compras avultadas, incluindo à Índia.
No último lote de mensagens de WhatsApp, divulgados hoje no Sunday Telegraph , mostra-se também que o antigo ministro da Saúde tentou remover Jeremy Farrar de membro do Grupo Consultivo Científico para Emergências, porque este cientista havia criticado a forma como o governo estava a lidar com a pandemia.
Neste primeiro pacote de mensagens encontram-se muitos outros pormenores, por vezes perturbadores, sobre a forma jocosa como os políticos lidavam com o impacte da gestão da pandemia, como seja os confinamentos em hotéis, as multas aplicadas a transgressores ou mesmo piadas em torno da figura de Bill Gates.
Uma organização criada no último ano da presidência de Barack Obama, o Global Engagement Center (GEG), que visa alegadamente o combate a desinformação estrangeira, está no centro da nova polémica revelada pelos chamados “Twitter Files” – Parte 17. Aquela entidade, habitualmente classificada como departamento estatal, financia diferentes organizações em vários países para o alegado combate a desinformação. Entre as organizações que financia, está alegadamente uma britânica que “classifica” órgãos de comunicação social por níveis de “risco”, o que gera menos receitas publicitárias para os media considerados com pior classificação. Mas há mais. Os Estados Unidos financiaram, através do GEG, organizações que criaram listas negras de contas no Twitter, incluindo de cidadãos norte-americanos comuns.
É mais uma polémica a juntar às que já foram criadas com a divulgação dos chamados “Twitter Files”, que têm vindo a expor as antigas práticas de censura da rede social Twitter.
Na edição número 17 dos “Twitter Files”, o jornalista Matt Taibbi revela que uma organização criada no último ano da presidência de Barack Obama para alegadamente combater a desinformação estrangeira, Global Engagement Center (GEC), mantinha listas “negras” de contas a censurar naquela rede social que incluíam utilizadores que eram norte-americanos comuns.
Uma das entidades financiadas pelo GEC, um laboratório de investigação forense digital, pediu ao Twitter que censurasse 40 mil contas por alegado comportamento suspeito e apoio ao partido do primeiro-ministro indiano Narendra Modi, o Partido do Povo Indiano, e ao nacionalismo hindu.
Em Junho de 2021, Andy Carvin, um analista da Atlantic Council’s Digital Forensic Research Lab (DFRL), enviou à plataforma tecnológica a lista dos utilizadores, que julgava ser de “funcionários pagos ou voluntários” do Partido do Povo Indiano [BPJ, na sigla em inglês].
No entanto, Taibbi revelou que, entre as contas supostamente duvidosas, constavam apenas muitos cidadãos americanos comuns sem conexões à Índia e alheios à política do país.
Na altura, Yoel Roth, então responsável do departamento de Confiança e Segurança do Twitter, respondeu a Carvin: “verifiquei uma data de contas, e quase todas parecem ser de pessoas reais”. O Twitter acabaria mesmo por manter muitas das contas activas.
O DFRL é financiado com o dinheiro dos contribuintes americanos através do GEC, cujo mandato consiste em “reconhecer, compreender, expor e combater desinformação estrangeira”. No entanto, Taibbi argumenta que a missão de limitar o alcance e influência de organizações terroristas se transformou, a partir das eleições presidenciais de 2016, numa luta contra o “fantasma” da desinformação nas redes sociais, banindo as contas de pessoas comuns.
Como Taibbi adianta, inicialmente o GEC teve como parceiras várias agências de inteligência que incluem o FBI, a CIA e a NSA.
Segundo Matt Taibbi, o GEC chegou a solicitar ao Twitter que colocasse 499 contas na sua lista negra devido a desinformação estrangeira. Os motivos do pedido? Algumas utilizavam a aplicação Signal para comunicar e faziam publicações acompanhadas da hashtag #IraniansDebateWithBiden [IranianosDebatemComBiden].
O GEC também suspeitava que 5500 contas alegadamente chinesas estavam a incorrer em “manipulação coordenada” em nome do Estado chinês. Curiosamente, a lista continha várias contas de governos ocidentais e pelo menos três membros da CNN fixados no estrangeiro.
Tal como outras informações divulgadas pelos “Twitter Files” já tinham dado conta, a Rússia é um dos países que mais preocupação tem merecido das agências americanas de informação e segurança.
Taibbi cita um relatório especial do GEC que circulou em 2020, intitulado Russian Pillars of Desinformation and Propaganda, em que a organização defendia que, para além de intervenientes diretamente ligados ao Estado, grupos independentes não deviam ser excluídos de suspeitas de um “ecossistema” de propaganda.
Matt Taibbi adianta que um dos relatórios que o GEC enviou ao Twitter, sobre a França, “atribui a participação no movimento dos coletes amarelos a um alinhamento com a Rússia”, de acordo com uma afirmação de Aaron Rodericks, um funcionário da rede social.
Além disso, Rodericks terá ainda dito que o relatório do GEC relativo à China “igualava tudo o que fosse pró-China, mas também tudo o que fosse contra a China em Itália, como parte da estratégia russa”.
Encontrando pouco respaldo no Twitter, o GEC terá tentado instrumentalizar a comunicação social para que pressionassem a gigante tecnológica sobre contas suspeitas de semear desinformação a mando da Rússia.
O jornal Politico, por exemplo, deu eco a um relatório da New Knowledge, uma agência constituída por antigos funcionários da NSA, que visava cinco contas alegadamente russas. Algo que o Twitter contrariou, esclarecendo que duas das contas eram apenas de “spam comercial”, e uma delas era americana e não era de todo suspeita.
Taibbi refere ainda que seguir contas de diplomatas chineses ou partilhar memes iranianos a favor da libertação da Palestina pode ser suficiente para fazer soar os alarmes das agências de inteligência no que toca à desinformação. E comprova-o com uma mensagem que Samaruddin Stewart, Conselheiro Técnico Senior do GEC, enviou a uma funcionária do Twitter.
As revelações dos “Twitter Files” surgiram da vontade de Elon Musk, que concluiu em Outubro de 2022 a compra do Twitter, de divulgar documentos e mensagens internos da empresa que demonstram as antigas práticas de censura que eram praticadas na rede social pela anterior equipa de executivos. Musk decidiu confiar a análise e divulgação dos “Twitter Files” a jornalistas independentes.
Dois dos jornalistas que têm estado a divulgar os “Twitter Files”, Matt Taibbi e Michael Shellenberger, vão testemunhar na Câmara dos Representantes norte-americana, no dia 9 de Março, numa audiência sobre a conduta do FBI durante a administração anterior da rede social.
Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.
O jornal The Telegraph teve acesso a mais de 100.000 mensagens de WhatsApp do ex-ministro da Saúde britânico Matt Hancock. É uma das maiores fugas de dados oficiais do país. As revelações do jornal geraram um escândalo de enormes proporções ao expor os bastidores das tomadas de decisão do governo de Boris Johnson na pandemia de covid-19. O que as mensagens revelam é que o Executivo britânico tomou medidas que não estavam fundamentadas na evidência científica e nos dados disponíveis. Além disso, fica demonstrado que o governo trabalhou com órgãos de comunicação social para alarmar a população. Entretanto, a jornalista que divulgou os chamados “Lockdown Files”, e que foi co-autora da biografia de Hancock, publicou uma declaração em resposta a acusações de “traição” por parte do antigo governante e diz que foi ameaçada por Hancock após a publicação das mensagens.
A divulgação de mensagens de WhatsApp do antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, pelo jornal The Telegraph, gerou um terramoto com várias réplicas sucessivas. O “chão” ainda não parou de tremer para o antigo governante que liderou a resposta do governo de Boris Johnson à pandemia de covid-19, nem para os seus colegas do Executivo da altura, que foram “apanhados” nas mensagens agora tornadas públicas.
Ao todo, são mais de 100.000 mensagens trocadas via WhatsApp obtidas pela jornalista freelance Isabel Oakeshott, co-autora da biografia de Hancock. O jornal começou a publicar os chamados “Lockdown Files” ontem e o caso está a gerar várias ondas de consternação e choque.
As mensagens revelam os bastidores da gestão da pandemia pelo governo britânico, em 2020 e 2021, e mostram que decisões foram tomadas sem qualquer fundamentação científica, como a medida de fechar as escolas ou de ordenar o segundo confinamento, por exemplo. Mas as mensagens também evidenciaram que o governo trabalhou de perto com órgãos de comunicação social para alarmar de propósito a população e conseguir alcançar certas metas.
Entre as revelações destes “Lockdown Files”, uma das que mais tem causado maior perplexidade é a de que Hancock rejeitou o conselho de Chris Whitty, director-geral de Saúde, no sentido se fazerem testes nos lares para proteger os idosos. O antigo governante já veio entretanto rejeitar esta acusação.
Outra revelação que está a causar polémica é a que aponta que Boris Johnson sabia que não existiam dados que justificassem um segundo confinamento (lockdown) da população, mas mesmo assim o governo implementou a medida, que teve um forte impacto negativo na economia e condicionou a liberdade e os direitos civis de todos os residentes no país.
Também a decisão de fechar as escolas, foi, segundo as mensagens obtidas pelo The Telegraph, tomada sem existir fundamentação científica ou dados que a suportassem.
Em outras mensagens, fica a saber-se que Matt Hancock e restantes membros do governo deram à polícia as suas “ordens de marcha” para aplicar o lockdown, poucos dias antes do Executivo celebrar uma festa em Downing Street. Hancock também defendeu “usar a polícia em força” para reprimir a população durante a pandemia.
Ficou também patente que o governo trabalhou com os media para alarmar a população. Entre as mensagens divulgadas, fica a saber-se que Matt Hancock pediu a um então editor do Evening Standard que o ajudasse a atingir metas de testagem, porque a procura estava baixa. O editor respondeu “claro que sim”, na condição de que o ministro desse ao jornal declarações exclusivas no dia seguinte.
O antigo ministro da Saúde britânico acusou Isabel Oakeshott de “massiva traição e quebra de confiança” por a jornalista ter divulgado as mensagens, depois de ter sido paga para escrever a biografia do ex-governante.
Matt Hancock, ex-ministro da Saúde britânico, e Isabel Oakeshott, a jornalista autora dos “Lockdown Files”.
Em resposta, Isabel Oakeshott emitiu um comunicado, no qual defendeu a divulgação das mensagens a que teve acesso quando trabalhou na biografia de Hancock, considerando que têm um “esmagador interesse nacional”.
A jornalista, que foi uma voz crítica dos confinamentos, tem estado a sofrer alguns ataques e críticas por ter divulgado as mensagens, nomeadamente por parte de órgãos de comunicação social. A estatal BBC, por exemplo, publicou um artigo depreciativo sobre a jornalista. A BBC chega ao ponto de mencionar no texto o facto de, antes de a jornalista ter tido uma relação com um promotor do Brexit, Richard Tice, já ter três filhos de um anterior casamento, num caso claro de misoginia num texto jornalístico.
Este caso vem somar-se a outras polémicas envolvendo o antigo ministro da Saúde britânico.
Matt Hancock foi obrigado a renunciar ao cargo que ocupava no governo em junho de 2021, depois do jornal The Sun ter divulgado imagens de câmaras de vídeo-vigilância em que se via o então responsável pela pasta da Saúde no seu escritório a beijar a sua assessora Gina Coladangelo, com a qual tinha um caso.
Recorde-se que, na altura, estava em vigor a medida imposta pelo governo de haver distanciamento social, que apenas permitia reuniões de duas pessoas ou mais em situações de trabalho.
Este caso vem dar razão aos críticos das respostas da maioria dos governos à covid-19, que apontavam que as medidas que estavam a ser tomadas careciam de fundamentação na evidência científica e nos dados disponíveis, como foi o caso de confinamentos e o fecho das escolas, os quais causaram mais danos do que se nada se tivesse feito.
O actual governo britânico está agora a tentar defender o inquérito oficial que decorre à forma como o país respondeu à pandemia de covid-19.
As revelações prometem não ficar por aqui, com o The Telegraph a prosseguir com a divulgação de mais mensagens comprometedoras para Boris Johnson e a sua equipa.
Ao contrário do que sucedeu com os “Twitter Files”, que revelaram como os anteriores executivos do Twitter aplicaram censura, nomeadamente a críticos da gestão da pandemia, os principais órgãos de comunicação social dão alguma atenção às revelações feitas pelos “Lockdown Files”. Apesar de estarem a noticiar algumas das revelações, evitam dar grande destaque ao tema e fazem uma selecção criteriosa das revelações, para não dar a conhecer os casos mais comprometedores do ponto de vista político.
Os media mainstream, em geral, alinharam-se com a “narrativa” oficial dos governos, adoptando uma postura de alarmismo, para assustar a população e levá-la a cumprir as medidas impostas, e também censurando, condenando e difamando críticos das políticas covid-19.
Nas últimas semanas, vários conceitos que serviram de base à “narrativa” oficial, e foram usados para justificar a adopção de medidas controversas e sem precedentes, foram demolidos, ficando comprovado, por exemplo, que o uso de máscaras faciais não protege contra a covid-19 e que a imunidade natural é forte e duradoura contra a doença.
Vários órgãos de comunicação social chegaram a difamar desde 2020 cientistas e académicos que defendiam a imunidade natural e alertavam que as máscaras não tinham eficácia no caso da covid-19. Do mesmo modo ajudaram a denegrir a imagem dos cientistas e investigadores que defendiam que o vírus SARS-CoV-2 teve origem num laboratório, o que acaba de ser dado como o mais provável por parte do Departamento de Energia dos Estados Unidos e o FBI.
Aviso: todos os ministros são proprietários imobiliários, embora alguns detenham apenas um mais ou menos “modesto” apartamento. Outros andam a pagar empréstimos bancários. Mas há um punhado de governantes que, além do próprio António Costa, possuem um património susceptível de vir a ser “cobiçado” pela ministra da Habitação, caso avance a peregrina ideia do arrendamento coercivo.
Confira em baixo uma síntese da “busca” do PÁGINA UM ao património imobiliário dos principais governantes em funções, de acordo com as últimas declarações entregues no Tribunal Constitucional, e que escondem mais do que revelam, tantas são as rasuras justapostas para os jornalistas não verem e o público não saber.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação
A responsável pelo pacote legislativo é apenas proprietária de uma fracção autónoma em Cristelo, no concelho de Caminha, de onde é natural, que pelo valor patrimonial (96.144,61 euros), deverá ser uma moradia.
Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência
A ministra da Presidência apenas detém um apartamento para habitação com três divisões e 67 metros quadrados. Frugal, portanto.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.
João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros
Proprietário de duas fracções urbanas em Lisboa – uma na freguesia de Santa Maria Maior e outra em Arroios –, o ministro João Gomes Cravinho, não declarou rendimentos prediais. Assumindo que vive num dos dois apartamentos, o segundo pode vir a ser “cassado” pela colega Marina Gonçalves para avolumar a oferta no mercado de arrendamento.
Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional
Sem indicação sequer da freguesia, a ministra da Defesa Nacional é proprietária de um único prédio urbano na cidade de Lisboa, com o valor patrimonial de 128.138 euros, o que indicia ser um apartamento.
Mariana Vieira da Silva é o membro do Governo com propriedade mais “exígua”.
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna
O ministro da Administração Interna consegue que o Tribunal Constitucional lhe conceda direito a completo segredo sobre a sua propriedade predial. Apenas se sabe que tem um prédio urbano, mas não se sabe onde nem o seu valor patrimonial.
Catarina Sarmento e Castro, ministra da Justiça
Embora grande parte da informação da última declaração não seja transparente – ou seja, está rasurada –, a ministra da Justiça apresenta uma panóplia patrimonial, distribuída por Lisboa, Peniche e sobretudo Marinha Grande. Neste concelho do distrito de Leiria, Catarina Sarmento e Castro possui uma moradia T4 e mais uma garagem autónoma, enquanto em Peniche tem um T1 e outro apartamento da mesma dimensão em Carnide, na cidade de Lisboa. Além destes imóveis, tem um terço da herança indivisa de um T4 e de um T2 na Marinha Grande, além de um escritório de dimensões desconhecidas e três garagens autónomas. Como não apresenta rendimentos prediais, algumas destas propriedades são candidatas a integrarem a bolsa de arrendamento coercivo da ministra da Habitação.
Se a peregrina ideia do arrendamento coercivo (sob a aura de inconstitucionalidade) avançar, e então se houver justiça, alguns das propriedades da ministra da Justiça serão as primeiras a entrarem no mercado…
Fernando Medina, ministro das Finanças
O antigo presidente da autarquia alfacinha detém um apartamento T4 nas Avenidas Novas, em Lisboa, mantendo uma dívida bancária de 351.855 euros. De resto, tem espalhados pelo Norte do país uma mão-cheia patrimonial que as rasuras do Tribunal Constitucional não permitem conhecer em detalhe: ½ de um prédio urbano em Vila real, ¼ de um prédio (não se sabe se rústico ou urbano) em Ribeira de Pena, mais ½ de três prédios rústicos em Celorico de Basto, e mais ½ de um prédio urbano em Muxões (Celorico de Basto), além de 1/6 de uma herança indivisa herdada do pai que o Tribunal Constitucional não considera merecedor de ser discriminada.
Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
Proprietária de uma fracção – presume-se que apartamento – na freguesia lisboeta da Misericórdia, Ana Catarina Mendes detém ainda 50% de umas outras fracções na capital, ambas na freguesia de Campo de Ourique. Divorciada do ex-ministro Paulo Pedroso, a sua declaração não indica quem é detentor da outra metade destas duas fracções. Certo apenas que na declaração de 2019, Ana Catarina Mendes reportou um rendimento predial de 18.000 euros, mas na declaração de Março de 2022 – já separada de Pedroso – não indica qualquer rendimento deste tipo.
Com duas casas de férias, António Costa Silva “livra-se” do arrendamento coercivo gizado pela sua colega da Habitação.
António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar
Sendo porventura o ministro com maior património financeiro – e com o maior rendimento anual antes de entrar em funções governamentais (384.936 euros), António Costa Silva indica a propriedade de uma fracção em local desconhecido (apenas existe a referência ao artigo matricial 1344 e ao registo número 2099), além de um prédio urbano em Sobral da Lagoa, no concelho de Óbidos. Terá concluído a compra em Novembro de 2022 de uma fracção (não discriminada) na Quarteira, no concelho de Loulé.
Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura
Proprietário de um apartamento na zona das Amoreiras, sob a qual tem um empréstimo de 465.656 euros, o ministro da Cultura apresenta-se como titular de uma fracção autónoma em Vila Nova de Milfontes (com valor patrimonial de 85.219 euros), a que acresce outra em Alvor (com valor patrimonial de 49.765 euros) e 1/24 de uma outra fracção na Praia do Alvor (com valor patrimonial de 77.495 euros).
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, à esquerda de António Costa, tem um apartamento em Lisboa, e outro em Sintra, que já aluga.
Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Proprietária de uma fracção na Charneca da Caparica, provavelmente uma moradia, a atender ao valor patrimonial (160.339,55 euros), a ministra da Ciência detém ainda um prédio urbano em Vila Real de Santo António (com valor patrimonial de 7.875 euros) e 1/2 de uma outra parcela na mesma localidade.
João Costa, ministro da Educação
O ministro da Educação indica apenas uma moradia na Quinta do Anjo, sem mais qualquer indicação.
Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Proprietária de um apartamento de 148 metros quadrados em Moscavide e de um T4 na Portela com 136 metros quadrados, a ministra do Trabalho é forte “candidata” a incorporar um destes prédios urbanos no pacote do arrendamento coercivo da Habitação, porque não apresenta rendimentos prediais. Tem ainda uma moradia na Silveira, no concelho de Torres Vedras, com 132 metros quadrados, integrado num terreno 750 metros quadrados, além de dois prédios urbanos, aparentemente em más condições, em Vila Nova de Foz Coa.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde
Proprietário de um apartamento na freguesia portuense de Ramalde, bem como de duas outras fracções na mesma zona, uma das quais será o escritório onde funcionava a sua empresa de consultoria.
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática
Com ½ de um T3 em Lisboa, em freguesia desconhecida, o ministro do Ambiente indica a propriedade de uma fracção autónoma para habitação em Sintra, sem outra qualquer indicação. Apresentou um rendimento predial anual de 2.800 euros.
João Galamba, ministro das Infraestruturas
Proprietário de um apartamento em Arroios (com valor patrimonial de 87.077 euros), o novo ministro das Infraestruturas detém ainda um prédio urbano em Cascais com um valor patrimonial de 135.030 euros. Deve ser um bom senhorio, porque os rendimentos prediais declarados num ano foram apenas de 333 euros.
João Galamba declara uma segunda habitação em Cascais e um rendimento predial anual de 333 euros.
Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial
Excluindo o património do marido, a ministra da Coesão Territorial é proprietária de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal em Coimbra, sem se conhecer detalhes para além do artigo matricial urbano (nº 4277). Não tem rendimentos prediais.
Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação
A antiga presidente da autarquia de Abrantes, apenas indica a propriedade de um prédio naquela cidade, sem outra referência além do artigo matricial (nº 7771).
Uma das medidas mais polémicas – e eventualmente inconstitucional – do plano do Governo para aumentar a oferta de casas é o arrendamento coercivo, ou seja, o Estado obrigará os proprietários com alojamentos desocupados a alugarem. A ministra Marina Gonçalves já veio descansar emigrantes e proprietários com casa de férias, mas ficarão assim eventualmente elegíveis apartamentos que não apresentem rendimento predial e se situem próximo da habitação permanente. O primeiro-ministro António Costa tem dois apartamentos nestas condições, um na Penha de França e outro em Odivelas.
Dois dos apartamentos do primeiro-ministro António Costa na região de Lisboa não lhe estão a dar qualquer rendimento predial nem podem ser consideradas segunda residência, pelo que eventualmente ficarão abrangidos pela mais polémica medida prevista pelo pacote legislativo do Ministério da Habitação: o arrendamento coercivo.
De acordo com a consulta feita pelo PÁGINA UM à última declaração de património e rendimentos do primeiro-ministro no Tribunal Constitucional, António Costa declarou a posse de cinco fracções autónomas em Portugal: três em Lisboa – na freguesia de Benfica, onde oficialmente mora, de Santa Clara e de Penha de França –, uma em Odivelas, e uma ainda no Carvoeiro, onde passa férias quando está no Algarve, embora neste caso detenha apenas uma parte indivisa de herança. Além dessas, sabe-se que António Costa detém ainda uma fracção – que ele próprio desconhece as características – na cidade de Margão, em Goa, por herança.
Estrada do Desvio, junto à Calçada de Carriche, na freguesia de Santa Clara, onde António Costa é senhorio de um apartamento.
No entanto, nessa declaração – feita em 21 de Novembro passado, que consistiu num esclarecimento exigido pelo Ministério Público sobre uma declaração anterior, datada de 30 de Março de 2022 –, António Costa explicita que os seus rendimentos prediais, num total de 7.300,80 euros por ano, “provêm do arrendamento da fracção sita na freguesia de Santa Clara, devidamente identificada no campo próprio, e ainda da permilagem correspondente às rendas do condomínio sito na freguesia de Benfica”, dizendo que “não há qualquer outro rendimento a declarar”.
Apesar desta última declaração ter sido rasurada pelos serviços do Tribunal Constitucional – alegadamente por permitir a identificação individualizada de residências, mas em que se expurgou indevidamente a tipologia e área das fracções –, o PÁGINA UM sabe que esse apartamento de António Costa na freguesia de Santa Clara se localiza num segundo andar de um prédio da Estrada do Desvio, junto à Calçada do Carriche. Não se divulga o endereço completo por não ser, por agora, relevante.
Rua Estácio da Veiga, à esquerda, na freguesia de Penha de França, onde António Costa é proprietário de um apartamento sem rendimento predial.
Desta forma, assumindo António Costa que as outras duas fracções não têm rendimento predial, nem são casas de férias, significa que o primeiro-ministro pode ser considerado, segundo os critérios do Ministério da Habitação, um proprietário elegível para arrendamento coercivo, caso não prove inequivocamente que aquelas têm uma ocupação frequente ou permanente.
O apartamento da Penha de França, localiza-se também num segundo andar da Rua Estácio da Veiga, num prédio de três pisos em boas condições. O primeiro-ministro já possui este apartamento pelo menos desde 2015, como noticiou o Observador em Março daquele ano, quando António Costa assumiu o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.
Já o apartamento em Odivelas, na Rua da Paiã, situa-se também no segundo andar, neste caso de um prédio em más condições de conservação. O apartamento foi dado como vendido em 21 de Outubro de 2016 numa notícia do Observador, de há quatro anos, que revelava os intensos negócios imobiliários de António Costa. Mas o PÁGINA UM pode garantir que é esse o apartamento que ainda está declarado pelo primeiro-ministro como pertencendo a si e à mulher Fernanda Tadeu.
Rua da Paiã, em Odivelas. No edifício verde, ao lado esquerdo, está o apartamento de António Costa.
Pode, em todo o caso, haver mais uma confusão na declaração de António Costa. Nos esclarecimentos transmitidos pelo primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional surge mesmo a informação de que ele desconhecia que uma conta bancária não identificada, por rasurada pelos serviços daquele órgão de fiscalização e controlo dos políticos e da democracia, e que ele repetidamente indicava como sua, afinal, para sua “surpresa”, nem sequer era titular. O primeiro-ministro prometeu vir a rectificar a situação.
ATENÇÃO: Este texto revela detalhes sobre o conteúdo da peça teatral Catarina e a beleza de matar fascistas, pelo que coloca em causa o efeito de surpresa a potenciais espectadores que ainda não viram esta representação. O texto foi escrito para servir de reflexão ao conteúdo da peça e relata o que o repórter assistiu do que se passou em palco e também fora dele. Se ainda não viu a peça e tem planos de o fazer, terá então de ter em conta este esclarecimento e decidir se quer mesmo prosseguir com a leitura. Se deseja saber o que provoca a discussão sobre a peça e é-lhe indiferente conhecer antecipadamente detalhes da mesma, poderá ler à vontade e ficar na posse de informação que lhe será útil na medida daquilo que pretender depois fazer com ela.
Devemos matar um fascista uma vez por ano? Este é o mote da peça de teatro Catarina e a beleza de matar fascistas, que regressou à cena no Centro Cultural de Belém (CCB), entre 4 e 7 deste mês, depois já aí ter estado em 2020 e ter percorrido várias salas em outras cidades portuguesas, de Espanha, França, Bélgica, Itália, Noruega e Suíça. Com texto e encenação de Tiago Rodrigues, este trabalho tem vindo a suscitar diversas reacções, nomeadamente no que diz respeito a críticas de incentivo à violência. Fomos ver e contamos o que vimos.
Os actores já se encontram em palco à medida que os espectadores entram na sala. O cenário está iluminado e à vista de todos. Os artistas conversam em surdina entre si e observam os passos de quem entra, procura lugar e senta-se. Vê os que encontram amigos enquanto outros, sentados no lugar errado, têm de trocar de fila quando chegam os possuidores do bilhete certo.
Quem se sentou nas pontas, tem de levantar-se para deixar passar aqueles que ocupam o meio da fila. Falam depois entre si, olham para quem entra e comentam o nome de alguma personalidade pública que, entretanto, apareceu. Apontam para detalhes no palco e há ainda os que tiram a fotografia para a sua rede social, informando uma audiência privada. É um espectáculo que só pode ser visto de cima do palco pelos actores.
Talvez os espectadores ainda não se tenham apercebido nesse momento, mas dá para intuir que, ao longo da peça, algo vai mudar na ordem natural das coisas.
Temos vista ampla para o cenário onde a acção se irá desenrolar: uma casa de madeira e uma mesa preparada para uma refeição. Visto da audiência, os actores movimentam-se no lado extremo esquerdo do palco, enquanto no lado extremo direito, onde está a mesa, permanece sentado à cabeceira da mesma apenas um actor. Veste fato e gravata e depreendemos, sem que seja necessário que nos digam, que aquele é o fascista que, fazendo jus ao título da peça, está ali para ser morto.
A toalha que cobre a mesa tem escrito, na parte lateral virada para o público, a frase “Não passarão” – um lema cuja origem remonta às tropas francesas durante a I Guerra Mundial, mas tornado célebre na versão castelhana “¡No pasarán!” durante a Guerra Civil de Espanha por Dolores Ibárruri Gómez, dita “La Pasionara” e uma das fundadoras do Partido Comunista Espanhol. Saberemos depois que estamos no Alentejo, na propriedade de uma família, e que a história se passa num futuro próximo, com um governo de extrema-direita no poder.
É tradição desta família matar um fascista por ano. E isso tem uma origem que remonta a 1954, ano em que a ceifeira Catarina Eufémia, de apenas 26 anos, foi assassinada pela GNR durante uma greve em Baleizão, Alentejo. Uma amiga de Catarina, casada com um guarda da GNR, discutiu nessa noite com o marido por ele não ter impedido aquela morte. O diálogo tornou-se violento e culminou com a mulher a matar o marido e pai de seus filhos. Por ser fascista. Foi o primeiro fascista a ser morto e acabou enterrado debaixo de um chaparro.
A partir daí, essa mulher pediu, em carta deixada aos seus descendentes, que todos os anos se reunissem e mantivessem a sua tradição – embora na carta não especificasse que deviam matar um fascista (como será referido mais tarde ao longo da representação).
Os protagonistas – à excepção do fascista – vestem-se todos de ceifeiras, seguindo as instruções da carta, homens incluídos – figurinos de José António Tenente. É-lhes ainda pedido que, enquanto estiverem juntos, tratem-se todos pelo nome de “Catarina”. Homens incluídos.
O actor António Fonseca faz de tio. É o mais velho da família, sendo que seria filho do primeiro fascista morto, pois a primeira Catarina de todas era a sua mãe. Beatriz Maia é a Catarina que vai matar o seu primeiro fascista, enquanto Carolina Passos Sousa interpreta o papel da irmã mais nova, a Catarina que ainda tem de esperar pelo dia em que terá oportunidade de matar o seu fascista. Isabel Abreu é a mãe de Catarina, que já matou sete homens. Homens, não. Eram fascistas… Os outros três actores, todos Catarinas, são interpretados por Marco Mendonça, António Afonso Parra e Rui M. Silva.
Depois, é claro, há o fascista, interpretado por Romeu Costa.
E hoje é o dia em que uma Catarina, que cumpriu 26 anos – a mesma idade de Catarina Eufémia quando morreu –, vai matar o seu primeiro fascista.
Ela está contente e mostra-se empenhada. Sente-se motivada para disparar a pistola, depois de ter raptado o fascista, tendo para isso criado um perfil falso nas redes sociais e, a pretexto de uma reunião secreta para a mudança da Constituição, leva-lo até uma cilada. Só que há algo que não corre como nas vezes anteriores. Como aconteceu todos os anos, desde 1954:
Catarina tem dúvidas no momento de disparar e anuncia que não consegue matar o fascista.
Começa então, em família, de uma forma mais ponderado, mas também exaltada, toda uma discussão filosófica e política sobre a necessidade e a beleza de matar fascistas. Saltam imensa citações e palavras como “a cadela do fascismo está sempre com cio” (isto é Brecht) ou ainda Karl Popper e o seu “Paradoxo da Tolerância”, que diz: “Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles”.
E Catarina, aquela entre eles que tem dúvidas sobre matar fascistas, será ainda colocada face ao dilema sobre para que lado puxar uma alavanca de modo a desviar um comboio desgovernado: para o lado onde está uma aldeia e causar a morte a centenas de pessoas ou para o lado onde existe apenas uma casa, mas é nela que se encontra a sua mãe? Ela prefere uma terceira via, nada original e de duvidosa exequibilidade, mas que não satisfaz a resolução do dilema. E este permanecerá a pairar na sua essência.
Ao contra-argumentar com a mãe, Catarina pergunta se matar fascistas não será também uma forma de impor uma ditadura. Claramente, na ficção que serve de pano de fundo à peça, a tradição de matar um fascista por ano durante sete décadas – são 70 anos –, não impediu que eles chegassem ao poder.
O fascista destinado a ser executado é o autor dos discursos que levaram um líder da extrema-direita a ser agora o primeiro-ministro de Portugal. E tem um cão chamado “Kaiser” – que significava “Rei” em alemão. Para Catarina, a solução não é matar os fascistas, mas falar com as pessoas que os elegeram e compreender os motivos que os levaram a votar neles. A mãe diz que o problema é “opiniãozinha” e o facto de os fascistas terem voz.
Conforme explicou o autor Tiago Rodrigues, num texto datado de 25 de Abril de 2020, esta peça estava pensada para ser sobre o rapto de “um juiz ultraconservador e machista que proferiu várias sentenças favoráveis a homens que agrediram mulheres”.
Embora Tiago Rodrigues não o mencione pelo nome, acrescenta que o magistrado “citou textos religiosos para condenar a vítima pelo seu comportamento adúltero”, sendo esse o caso de 2017, do juiz Neto de Moura, e que acabou por ter um castigo disciplinar pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Tiago Rodrigues gosta de juntar a vida contemporânea à ficção que cria. Isso viu-se com o seu trabalho de 2011, “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas”, peça teatral depois adaptada ao cinema por Tiago Guedes, cuja acção decorre durante o governo da Troika e onde o próprio autor do texto interpreta o papel de um primeiro-ministro inspirado na figura de Passos Coelho.
“Não se trataria de uma história de justiça ‘olho por olho’ feita pelas próprias mãos, mas de um caso de justiça ‘olho real por olho teatral’”, explica o autor da peça “Catarina e a Beleza de Matar Fascistas”. Mas em 2019, quando estava a trabalhar no texto, a realidade em Portugal ofereceu-lhe mais material: “Em Outubro, as eleições legislativas em Portugal traduziram-se numa vitória expressiva da esquerda e de forças progressistas.
No entanto, também resultaram na eleição de um deputado de extrema-direita pela primeira vez em 46 anos de democracia. De uma paisagem política em que a extrema-direita tinha uma expressão tão residual que quase parecia ridícula, passámos para um contexto em que o populismo de tendência fascizante passa a ter representação parlamentar”, registou.
E acrescenta: “Dir-me-ão que estamos ainda longe do perigo ameaçador da ascensão dos populismos de extrema-direita em muitos países europeus, mas não podemos negar que se trata de uma alteração drástica e traumática da vida política portuguesa. Além disso e infelizmente, não parece ser um fenómeno passageiro”.
É neste contexto que, enquanto Catarina discute com todas as outras Catarinas da sua família, o fascista permanece calado, tal como sempre esteve desde o início da representação. Sem voz. Há um momento em que é interrogado sobre a posse de um telemóvel, mas só responderá com abanos de cabeça para indicar “sim” e “não”. Permanecerá à vista do público durante toda a peça, com cara de assustado, de condenado à morte. É levado de um lado para o outro e tenta resistir, mas sem sucesso. Vai sendo exibido consoante algumas mudanças de cenário.
Diga-se ainda, do ponto de vista cénico, a peça proporciona efeitos técnicos eficazes, como quando as paredes da casa criam cenários, movendo-se ao sabor dos protagonistas. Também os momentos em que se escuta música são acompanhados da acção em que os personagens colocam auscultadores – e ouvem-se composições de Hania Rani, Joanna Brouk, Laurel Halo e Rosalía.
Entre conversas sobre a vida das andorinhas e a sua felicidade e liberdade, Catarina decide-se a, finalmente, matar o fascista. Já é quase noite e a cova está preparada. O fascista será sepultado, tal como todos os outros antes dele, debaixo de um chaparro. E a cortiça nunca será retirada. Espera-se que Catarina dispare o seu revólver e todas as outras Catarinas têm também um revólver na mão.
Só que Catarina volta a ter dúvidas e defende que o fascista não deve ser morto. A irmã mais nova não aceita e avisa que, nesse caso, ela matará o fascista. Catarina mete-se à frente dele, defendendo-o. A seguir, passa-se tudo muito rápido… E é aqui que uma das Catarinas assume uma posição de maior relevo.
O actor Marco Mendonça, por ser de origem moçambicana, destaca-se no elenco dos protagonistas que interpretam os descendentes da ceifeira alentejana. Ele interpreta uma Catarina pouco comunicativa em palavras. Fruto de um trauma por matar fascistas. Ele fala, e de forma assaz eloquente, mas apenas quando mete os auscultadores e o público entra no seu mundo interior. É ele que, em algumas situações, guia o público como um narrador.
Será esta Catarina que dispara sobre Catarina e, então de forma muito rápida, sem se perceber de onde, todas as outras Catarinas são abatidas a tiro. O ruído do primeiro disparo, aquele que atinge Catarina enquanto tenta proteger o fascista, assusta-nos. Os outros disparos, nem tanto. Mas sente-se mesmo o cheiro a pólvora vindo da arma.
Silêncio. Só há duas pessoas vivas em palco e uma delas é o fascista. A outra é a Catarina de Marco Mendonça. O fascista olha para ele e percebe que está livre. A Catarina viva não parece que o vá matar como fez às outras. Então, o fascista veste o casaco e prepara-se para ir embora. Abandonar aquele local e dar graças por estar vivo.
Só que, obviamente, tendo estado calado durante toda a peça, o actor tem de mostrar que também tem voz. E um texto para dizer. O fascista vai à boca de cena e começa a falar. A falar sobre liberdade e o que aprendeu com a experiência. E o discurso do fascista usa palavras que nos parecem familiares. Daquelas que ouvimos às vezes na televisão ditas por quem defende o trabalho dos polícias, por exemplo. Não incentiva à invasão de países, mas diz defender o seu.
Instala-se nesse momento a confusão da parte do público. Ouve-se um grito contra o actor e as suas palavras, vindo lá de cima, da zona das galerias. Seria um actor extra, alguém contratado para iniciar o momento que se seguiu ou foi mesmo uma reacção emocional genuína? Isso é para ser respondido por quem quiser um dia explicar como aconteceu. Agora, a seguir a esse primeiro grito de revolta, começou um coro de protestos à medida que Romeu Costa dizia o discurso do fascista.
O discurso dura bem mais de 10 minutos – esta informação é apenas uma estimativa pessoal –, mas é difícil de captar os argumentos do fascista, pois agora o espectáculo está nos protestos que se ouvem vindos da plateia e galerias. As Catarinas “mortos” levantam-se e colocam-se em fila, no lado esquerdo do palco, atrás da Catarina viva, a olhar quer para o fascista que discursa, quer para o público que se manifesta.
Canta-se o “Grândola Vila Morena”, mas não estamos na vida real, em 2013, quando, por exemplo, se interrompiam os discursos de Miguel Relvas com o mesmo cântico. Há legendas em inglês num discreto ecrã no topo da casa de madeira. É por elas que nos podemos guiar em relação a algumas das palavras do actor que representa o fascista enquanto o público não se cala e não deixa ouvir o que ele está a dizer. Pois o que ele diz também faz parte do texto de Tiago Rodrigues.
A dada altura do discurso, percebe-se que o fascista fala das andorinhas. As mesmas que tanto agradavam às Catarinas. Só que, para ele, as andorinhas são pássaros que chegam, fazem ninho onde querem, sujam tudo à sua volta e vão embora sem dizer “obrigado”. Menciona ainda como uma minoria não pode impor a sua vontade a uma maioria – mas, sem lembrar que a legitimidade de uma maioria, vê-se na forma como esta trata as minorias.
Há um espectador que tenta subir para o palco, mas é impedido por um segurança. No fim da peça, o segurança explica que não foi o primeiro a ter esse tipo de reacção: “Costuma acontecer também nas outras sessões”. Numa outra sessão há o registo de uma mulher que atirou um sapato contra o actor.
Será que essas pessoas que apupam e não deixam ouvir o discurso do fascista sabem que o actor Romeu Costa, aquele que até tentaram agredir, é um profissional da interpretação e que, no início de 2022, tinha em cena no Teatro D. Maria II um monólogo autobiográfico intitulado “Maráia Quéri“, onde relatava a sua experiência de vida como homossexual na cidade de Aveiro? [O título é uma versão aportuguesada do nome da artista Mariah Carey].
A peça termina com o fim do discurso: “Viva Portugal”. E o fascista sai de cena. Vivo. Ninguém lhe deu um tiro. As luzes apagam-se e há, finalmente, aplausos do público. Várias chamadas de actores ao palco para os aplausos, onde eles agradecem de forma colectiva, deixando-nos a pensar como seria se fossem um a um, até ao actor fascista.
Tiago Rodrigues escreveu ainda: “Se, como defende o historiador Federico Finchelstein, os populismos contemporâneos são ‘uma reação autoritária a uma prolongada crise de representação democrática’, então não será precisamente no território dos sub-representados – esses que os líderes populistas manipulam para efeitos eleitorais, mas que continuam a oprimir com mecanismos de exploração – que podemos imaginar uma história de resistência violenta?”.
Haverá alguma moral a retirar desta representação para além da manipulação das emoções dos espectadores a desejar a morte do fascista, mas que Catarina quis defender com o custo da sua própria vida? A moral será então pensar como, a caminho dos 50 anos do 25 de Abril, quantas mais Catarinas precisam de se matar entre si até que o fascismo deixe de ter razão para existir.
Não foi apenas a negociar a indemnização de 500 mil euros por rescindir com a TAP que os caminhos do advogado Pedro Rebelo de Sousa e da ex-secretária de Estado do Tesouro se cruzaram. Três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis para liderar a NAV, esta empresa pública contratou a sociedade do irmão do presidente da República para prestar serviços jurídicos na área do trabalho. Em todo o caso, já se sabia desde Abril passado que a agora ex-secretária de Estado do Tesouro iria para aquela empresa pública de gestão da navegação aérea. Quanto a Pedro Rebelo de Sousa, apesar do seu irmão, o presidente da República, defender que tem já pouca influência na gestão do sociedade de advogados que fundou, imagine-se então se tivesse muita: o PÁGINA UM revela aqui a evolução dos contratos públicos sacados pela SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados, na esmagadora maioria por ajuste directo.
A sociedade de advogados de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do presidente da República, conseguiu ganhar um contrato de prestação de serviços à Navegação Aérea de Portugal (NAV), no valor de 66.861 euros, apenas três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis como presidente do conselho de administração daquela empresa pública. O despacho de nomeação, assinado pelo ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo demissionário ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos tem data de 24 de Junho deste ano; o contrato entre a NAV e a SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados é de 27 de Junho, embora tenha entrado em vigor retroactivamente, em 14 de Junho daquele mês.
Embora Alexandra Reis não tenha estado directamente envolvida no contrato – terá sido assinado por dois vogais em funções, uma vez que só assumiu a presidência formal em 1 de Julho –, há muito era conhecida a sua indigitação para liderar a empresa de gestão do tráfego aéreos. E as suas ligações a Pedro Rebelo de Sousa eram óbvias: o advogado negociara, no início deste ano, a famosa indemnização de 500 mil euros pela rescisão do cargo de vogal do conselho de administração da TAP.
Pedro Rebelo de Sousa, como surge no site da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados
Alexandra Reis saíra da companhia aérea estatal em Fevereiro passado – em rota de colisão com a CEO Christine Ourmieres-Widener –, mas em 11 de Abril já estava o seu currículo em análise pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração (CReSAP).
O contrato de prestação de serviço, disponível no Portal Base, não identifica sequer quem assinou o contrato de ambas as partes – o que é uma situação ilegal e de pouca transparência, uma vez que a protecção de dados não se aplica aos nomes das pessoas envolvidas na sua assinatura –, e apenas refere, de forma muito abstracta, o objecto: “serviços de assessoria jurídica no âmbito da área de prática de Direito do Trabalho”, remetendo para um caderno de encargos não disponibilizado (o que também não é legal). Sabe-se apenas que a sociedade de Rebelo de Sousa foi a escolhida, ignorando-se os critérios, depois de uma consulta prévia a outros três conhecidos escritórios de advogados: PLMJ, Garrigues e Vieira de Almeida.
Alexandra Reis foi nomeada para liderar uma empresa que três dias depois contratou o advogado que negociara a sua indemnização pela rescisão na TAP.
Este contrato de Rebelo de Sousa acaba por ser, porém, apenas mais um dos muitos que a sua sociedade tem conseguido nos últimos anos.
Apesar de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, ter já tentado desvalorizar o papel do irmão na sociedade SRS (que fundou e onde é manager partner), dizendo que tem “uma posição simbólica” –, na verdade os contratos com entidades públicas e similares têm estado a aumentar nos últimos três anos. E este ano bateu já mesmo um recorde: contabilizam-se 10 contratos com o valor total de 471.216 euros, sem IVA incluído.
Este ano, o contrato mais elevado foi assinado com a Secretaria de Estado Regional da Economia da Madeira (100.000 euros). Aliás, no arquipélago madeirense, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu seis contratos nos últimos dois anos no valor de 234.950 euros.
Acima do valor do contrato com a NAV, a SRS obteve também um contrato de 70.000 euros com a ATEC, uma academia de formação nascida de um acordo entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional e empresas alemãs (Volkwagen, Autoeuropa, Siemens e Bosch).
No lote de entidades públicas com contratos este ano com Pedro Rebelo de Sousa conta-se ainda a Fundação Centro Cultural de Belém (15.000 euros), os municípios de Sever do Vouga (50.000 euros) e do Porto (44.955), a própria Ordem dos Advogados (20.000 euros), a Ordem dos Contabilistas Certificados (59.400 euros), a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira (25.000 euros) e a Transtejo (20.000 euros).
Uma evidência dos negócios da sociedade de Pedro Rebelo de Sousa estarem de vento em pompa é a evolução da facturação. Nos últimos três anos (2020-2022), a SRS concretizou contratos públicos no total de 1.286.751 euros, quando no triénio anterior facturara, em contratos deste género, apenas 455.378 euros.
Evolução do valor total dos contratos públicos da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados. Fonte: Portal Base.
Se se considerar a média dos 10 anos anteriores a 2020, a SRS registara apenas um valor anual de 158.054 euros, que contrasta com os 428.917 euros de média anual do triénio 2020-2022. Ou seja, um aumento de 171%.
Além disto, nos últimos três anos, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu também angariar 17 novos clientes entre as entidades públicas, ou seja, antes de 2020 nunca com estas estabelecera contratos. E também desde 2020, grande parte dos contratos obtidos foram concretizados apenas pela “linda cor dos olhos” do irmão do presidente da República: 73% do montante nestes últimos três anos foi obtido em ajustes directos, sem concorrência, apenas por contactos privilegiados.
Note-se que alguns dos contratos entretanto assinados nos últimos anos podem não estar ainda no Portal Base.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social aceita que um humorista pode, em plena campanha eleitoral, convidar quem achar por bem, mas que o canal televisivo tem de compensar eventuais desequilíbrios em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas. A deliberação do regulador foi espoletado por duas queixas junto do regulador, uma das quais por causa da ausência de André Ventura no programa de Ricardo Araújo Pereira (RAP) em que entrevistou nove dirigentes políticos. RAP tem assumido que nunca convidará o líder do Chega para o seu programa por razões ideológicas. Mas o regulador também mostra que o tempo dedicado por RAP a cada dirigente foi muito distinto: António Costa foi aquele que teve mais “tempo de antena” em “Isto é gozar com quem trabalha”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) aceita que um humorista pode, em plena campanha eleitoral, convidar quem achar por bem, mas que o canal televisivo tem de compensar eventuais desequilíbrios em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas. O caso foi espoletado por duas queixas junto do regulador, uma das quais por causa da ausência de André Ventura no programa de Ricardo Araújo Pereira (RAP) em que entrevistou nove dirigentes políticos. RAP tem assumido que nunca convidará o líder do Chega para o seu programa por razões ideológicas.
Ricardo Araújo Pereira (RAP) pode ser um excelente comediante, mas a ERC não achou piada ao facto de o humorista ter beneficiado alguns partidos políticos no seu programa na SIC “Isto é gozar com quem trabalha” em plena campanha eleitoral das últimas legislativas.
Por razões ideológicas, Ricardo Araújo Pereira recusa sentar André Ventura è mesa do seu programa.
Entre 17 e 28 de Janeiro deste ano, o humorista decidiu, de forma explícita, excluir o líder do partido Chega, André Ventura, quando fez uma série de entrevistas diárias a dirigentes de partidos então com assento parlamentar (Bloco de Esquerda, PCP, PSD, Iniciativa Liberal, PAN, CDS e Partido Socialista) no seu programa especial dedicado às eleições legislativas.
RAP apenas convidou dirigentes de dois outros partidos então sem assento parlamentar Rui Tavares, do Livre (que deixara de ter deputados com a “desfiliação” de Joacine Katar Moreira) e Vitorino Silva, do RIR). Já em 2020, RAP boicotara André Ventura nas Presidenciais de 2020, brincando com o facto de que o líder do Chega “não aguentaria a experiência”.
Em deliberação divulgada na sexta-feira passada, a ERC até achou que RAP tem, como “célebre comediante” e “protagonista central” de um “programa de autor”, o direito a “uma maior discricionariedade na forma como é abordado o período eleitoral”, mas que não vale tudo em plena época eleitoral. E que, por isso, a SIC deverá, em futuras ocasiões, “compensar, na restante programação, os desequilíbrios gerados num determinado programa em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento de candidaturas”.
António Costa foi o dirigente político com mais “tempo de antena” no programa humorístico de RAP em plena campanha eleitoral.
Saliente-se, aliás, que de acordo com a contabilização da ERC, António Costa foi, nas entrevistas de RAP, o político com mais “tempo de antena” com 19 minutos e 16 segundos, enquanto Catarina Martins teve direito a apenas a 10 minutos e 52 segundos e Inês Sousa Real a 11 minutos e 12 segundos. Rui Rio teve menos 6 minutos e 4 segundos do que o líder do PS. Os restantes entrevistados (Vitorino Silva, Rui Tavares, João Oliveira, João Cotrim Figueiredo, Inês Sousa Real e Francisco Rodrigues dos Santos) estiveram sentados defronte a RAP entre 13 e 16 minutos.
Na sua análise, a ERC considerou que “num programa em que a política se cruza com o entretenimento e em que os candidatos convidados para o programa beneficiam de grande visibilidade para apresentar os seus programas eleitorais, convicções e personalidade, a escolha de determinados entrevistados, com a exclusão de outros, deve ser objeto de especial ponderação, de modo a respeitar os princípios que enformam a atividade dos órgãos de comunicação social durante o período eleitoral”.
O regulador não acolheu assim quaisquer dos argumentos da SIC que defendeu que o programa de RAP era “entretenimento de cariz humorístico” e que o autor tem “total independência”, pelo que, não se tratando de “um programa informativo, não está adstrito ao cumprimento das normas da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido e das leis eleitorais dirigidas a programas de atualidade informativa e serviços noticiosos”. O canal do Grupo Impresa advogou que “o critério de escolha dos convidados [era] também, por isso, do humorista, o qual tem total liberdade de conformação em relação a quem deseja [e a quem não deseja] receber no seu programa”.
Catarina Martins teve pouco mais de metade do “tempo de antena” de António Costa.
Admitindo que o boicote a Ventura e ao Chega foi intencional, a SIC defendeu RAP, dizendo que “o humorista tem total liberdade para não querer dar espaço, num programa de humor da sua autoria, à defesa de ideias que, do seu ponto de vista, atentem contra a dignidade da pessoa humana, igualdade e direitos, liberdades e garantias”.
Esta defesa acabou mesmo por ser duramente criticada pela ERC: “O argumento aduzido pela SIC parece não ter cabimento, uma vez que, no que respeita aos vários partidos sem representação parlamentar, o programa apenas privilegiou o Partido RIR, não parecendo crível” que todos os partidos excluídos – num total de 12, uma vez que participaram 21 partidos nas legislativas deste ano – “atentam contra a dignidade da pessoa humana, igualdade e direitos, liberdades e garantias”.
Quanto ao argumento de que o programa de RAP não é informativo, pelo que não tem de cumprir os mesmos preceitos legais dos programas informativos no que toca às campanhas eleitorais, a ERC também destrói a defesa da SIC, lembrando que a lei não circunscreve “o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas à cobertura jornalística da campanha ou a programas de atualidade informativa e a serviços noticiosos”.
ERC defende que canais de televisão devem compensar desequilíbrios, mesmo se causados por programas de entretenimento.
Assim, o regulador defende que “num programa em que a política se cruza com o entretenimento, em que os candidatos convidados para o programa beneficiam de uma visibilidade para apresentar os seus programas, convicções e personalidade, o operador não pode deixar de fazer uma reflexão sobre a escolha de determinados entrevistados, com a exclusão de outros, nos seus diversos programas”.
Mais. A ERC frisa que “um programa de entretenimento, apesar de beneficiar de uma maior margem de discricionariedade na forma como aborda o período eleitoral, não pode – atento o seu potencial para conferir visibilidade aos candidatos e influenciar o sentido de voto –, deixar de ser objeto de avaliação de acordo com os princípios que enformam a atividade dos órgãos de comunicação social durante o período eleitoral”.
O regulador recorda “que a SIC, enquanto serviço de programas televisivos, está obrigada a assegurar o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas e a garantir o pluralismo político-partidário”.
Por isso, conclui que “o facto de se optar por não convidar determinadas candidaturas para o programa ‘Isto É Gozar Com Quem Trabalha’ imporia à SIC um especial cuidado em compensar desequilíbrios surgidos em virtude de opções editoriais no âmbito dos seus programas de entretenimento”.