Etiqueta: Pedro Almeida Vieira

  • A sacanice e a filhaputice entram num bar… para me abrirem o segundo processo disciplinar (com a bênção da IURD)

    A sacanice e a filhaputice entram num bar… para me abrirem o segundo processo disciplinar (com a bênção da IURD)


    Nunca se perde pela demora, e ‘quem vai à guerra, dá e leva’. No dia 13 escrevi um editorial no PÁGINA UM, intitulado “Da hipocrisia de quem cava o ‘buraco negro’ do jornalismo“, criticando de forma corrosiva a hipocrisia da alegada jurista de mérito Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), por ela defender que “nunca seremos livres se os poderes não forem escrutinados”, quando, na verdade, a CCPJ é um dos organismos públicos mais obscuros e corporativistas (e cultores do ‘amiguismo’), razão pela qual o PÁGINA UM tem em curso um processo de intimação no tribunal administrativo para aceder a documentos, entre os quais simples actas das reuniões do seu Plenário (que integra nove jornalistas).

    Também criticava a postura da CCPJ – e particularmente do seu secretariado, que tem Licínia Girão e Jacinto Godinho como ‘autocratas’ – em deixar impunes as promiscuidades cometidas por uma infindável lista de jornalistas, alguns dos quais responsáveis editoriais.

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    Não é a primeira vez que ‘mimo’ a CCPJ (e não será a última, prevejo), que é uma das principais responsáveis pelas vergonhas que cobrem o jornalismo português nos últimos anos. Mas também sei que, com gente desta, ‘cá se fazem, cá se pagam’. Ou pelo menos, a CCPJ quer-me fazer pagar a ousadia de ser um ‘outsider’ crítico, dando-me ‘ocupação’ ao melhor estilo do SLAPP – acrónimo de strategic lawsuit against public participation –, que consiste em abrir acções estratégicas de litígio destinadas a censurar, intimidar e silenciar críticos. E a dar-lhes trabalho, porque tem ao seu dispor recursos financeiros e mão-de-obra administrativa e jurídica.

    Não contente com um processo disciplinar aberto no ano passado por eu ter denunciado um esquema de vantagem indevida e desvio irregular de vacinas contra a covid-19 perpetrado pela dupla Gouveia e Melo & Miguel Guimarães – cuja fase de instrução, sem decisão de acusação ou arquivamento, anda a ‘vegetar’ há oito meses –, a dupla ‘ccpjiana’ Girão & Godinho voltam ao ataque: abriram-me anteontem um segundo processo disciplinar porque, escrevem eles, eu fiz “acusações sem provas sobre a atuação da ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social] e da IURD [Igreja Universal do Reino de Deus]”, a respeito de pedidos de confidencialidade relacionados com a transparência dos media. Vamos relembrar o que fiz…

    As notícias em causa foram publicadas nos dias 15 (ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação) e 17 de Setembro (Absurdo: ERC “corrige” registo da IURD a um sábado, colocando afinal todos os indicadores financeiros). Também escrevi outro artigo, intitulado “Inferno financeiro: IURD tem empresa de media em falência técnica com dívida colossal de 58 milhões de euros“, sobre o ‘império’ da Global Difusion, ligada à igreja evangélica, que gere 12 rádios locais, mas sobre este aparentemente não vislumbraram problemas (Girão & Godinho ainda vão a tempo)

    Licínia Girão, presidente da CCPJ, alegada jurista de mérito: detém o ‘pequenino’ poder de abrir processos disciplinares ao jornalismo incómodo. Mesmo com base em acusações absurdas, o objectivo é moer (ou ‘moer-me o juízo’).

    As duas notícias – acreditem, que é verdade – têm origem numa deliberação da própria ERC de 30 de Agosto que concedia confidencialidade a determinados dados da IURD no Portal da Transparência dos Media, sendo que a primeira destas referia que duas semanas depois naquela plataforma mantinha-se a indicação de confidencialidade para todos os dados financeiros. O artigo salientava também que a ERC considerava de “acesso reservado” aquele pedido de confidencialidade da IURD.

    Recorde-se que houve uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa, favorável ao PÁGINA UM, que considerava que os processos concluídos relativos a pedidos de confidencialidade deveriam ser públicos, mas a ERC recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, aguardando-se uma decisão há mais de um ano. O simples recurso mostra uma atitude obscurantista do regulador, ainda mais numa matéria tão sensível como a transparência das empresas detentoras de órgãos de comunicação social.

    Quanto à segunda notícia do PÁGINA UM, revelava-se a alteração feita durante UM fim-de-semana (sábado) por parte da ERC do registo da IURD no Portal da Transparência dos Media, nomeadamente os dados financeiros. Onde, até ao dia anterior, estava a referência a “pedido de confidencialidade em apreciação” passaram a constar valores. Portanto, aquela referência comprovava que elementos financeiros tinham estado em apreciação pela ERC. Os novos elementos então colocados no Portal da Transparência sobre a IURD passavam a revelar também uma situação absurda: a serem verídicos (e esses dados são transmitidos pela própria entidade), duas concessionárias automóveis (Gamobar e Soauto VRGP) eram considerados clientes relevantes da IURD.

    person pouring liquor in clear drinking glass

    Apesar de as notícias se terem baseado numa deliberação da ERC e de uma base de dados oficial e pública (que, no caso dos registos da IURD são preenchidos pela própria IURD e supostamente validados pela ERC), Girão & Godinho – arautos da disciplina da CCPJ – dizem que eu fiz “acusações sem provas sobre a atuação da ERC e da IURD, sem que, aparentemente, os visados tenham sido ouvidos, sendo que a audição das partes com interesses atendíveis [dizem eles] é um dos deveres fundamentais do jornalista”.

    E isto, pasme-se, quando as posições das partes estão expressas numa deliberação e em registos numa base de dados.

    Claro que (mais esta) pulhice, passe este eufemismo, da dupla Girão & Godinho – que estão empenhadíssimos, acredito, em conseguirem punições suficientes para me retirarem a carteira profissional –, só foi possível com a ‘ajudinha’ de uma senhora da ERC que dá pelo nome de Tânia de Morais Soares, directora do Departamento de Análise de Media, que fez o favor de enviar, sem mais qualquer enquadramento, um chorrilho de queixas da sociedade Abreu Advogados, a mando (ou mandato) da IURD.

    Aparentemente, a Dra. Morais Soares, que tem dado mostras de não apreciar o jornalismo do PÁGINA UM – atitude legítima, e que, aliás, é recíproca, sobretudo quando ela se põe em considerações contabilísticas para salvar o coiro do almirante Gouveia e Melo – terá ficado desiludida porque dois procedimentos “de queixa contra a publicação Página Um, sob a instrução da signatária, para avaliação do cumprimento das regras legais e éticas que regem a actividade jornalística”,  tiveram de ser arquivados por caducidade dos prazos de apresentação de queixa pela IURD.

    Sede da ERC: o regulador tem tempo de enviar cartas à CCPJ para desencadear processo disciplinares a jornalistas que não aprecia, mas anda há meses aos papéis para regular um sector em falência (financeira e de reputação).

    Ora, mas para a Dra. Tânia de Morais Soares seria uma pena perder-se essa ‘oportunidade’ de me filar; mas como a fome pode juntar-se à vontade de comer, enviou o caso à CCPJ ainda a tempo de se abrir um processo disciplinar, isto enquanto decorre ainda, noutro departamento da ERC, uma simples análise (habitual e corriqueira) relativa a uma simples denegação de direito de resposta, por causa do uso de palavras desprimorosas que a IURD exige usar no seu texto.

    Em suma, a ‘acusação’ que pende sobre mim neste caso da IURD – “formular acusações sem provas e respeitar a presunção da inocência” – encaixa-se numa desavergonhada estratégia de me ocupar, ameaçar e condicionar. Esta gente faz um péssimo mal à democracia – estarem eles no ‘poiso’ constitui a prova do deplorável estado da imprensa, que para eles deve ser sossegadinha. E irrelevante. Como eles.


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  • Da hipocrisia de quem cava o ‘buraco negro’ do jornalismo

    Da hipocrisia de quem cava o ‘buraco negro’ do jornalismo


    Escreveu anteontem Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), uma espécie de manifesto panfletário que intitulou “O jornalismo caiu num buraco negro”, ao melhor estilo farisaico.

    Licínia Girão é jornalista e tem o direito e o dever de opinar em matérias de jornalismo, embora tenha muitas dúvidas se o deve fazer a título de presidente da CCPJ, colocando as suas opiniões (pessoais) no site de uma entidade que tem, exclusivamente, funções de atribuição de títulos de acreditação e de disciplina dos jornalistas. E já não é pouco, se fosse feito, e bem feito, o que, infelizmente, não é o caso.

    Mas, enfim, mal não viria ao mundo se a doutora Licínia Girão, nomeada por alegadamente ser “uma jurista de mérito” (apesar da escandalosa ausência de currículo científico, académico ou técnico na área, a par do insucesso no estágio de advocacia e da candidatura para acesso à formação de magistrados), não tivesse composto um hino à hipocrisia. E isso não pode ser deixado passar impune. Já na semana passada vimos demasiados ‘coveiros do jornalismo’ a chorarem lágrimas de crocodilo nas audições sobre a Global Media na Assembleia da República. Cito dois nomes: Domingos de Andrade e Rosália Amorim, expoentes dos ‘vendilhões do templo’ com as suas mercantilizações do ‘produto jornalístico’ como forma de prestar serviços a quem melhor pagar.

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    Lendo o texto de Licínia Girão – que faria mais sentido ser exposto no site do Sindicato dos Jornalistas (e eu sou sindicalizado), e não na CCPJ (que é uma entidade de natureza pública) -, cheio de lugares-comuns e analogismos de trazer por casa (com buracos negros, terras movediças e abismos), não consegui deixar de me enjoar (é o termo correcto) com a pureza da sua hipocrisia.

    Escreve a dita doutora, presidente da CCPJ: “Nunca seremos verdadeiramente livres se os poderes não forem escrutinados. Se os jornalistas, em observância ao indissociável compromisso com a verdade, de forma isenta, rigorosa e independente não desempenharem o seu superior dever de garantir que todo e qualquer cidadão aceda a informação livre e credível”.

    Ora, a CCPJ é a exacta entidade que recusou pedidos de acesso às actas das suas reuniões de plenário pedidas pelo PÁGINA UM, estando agora em curso uma intimação nos tribunais administrativos.

    Ora, a CCPJ é a exacta entidade que recusou pedidos de acesso aos seus relatórios e contas, escondendo gastos e receitas, incluindo pagamentos aos seus membros, apesar de ser uma entidade pública.

    Ora, a CCPJ é a exacta entidade que não quer sequer revelar se abriu ou não processos disciplinares aos ‘jornalistas comerciais‘ identificados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ.

    Ora, a CCPJ é a exacta entidade que recusa mostrar como conduz e conduziu processos de averiguação contra jornalistas conhecidos e que, aparentemente, foram beneficiados (i.e., esquecidas as suas tropelias) por razões de ‘companheirismo’.

    Ora, a CCPJ é a exacta entidade que fecha os olhos às maiores promiscuidades de certos jornalistas e direcções editorais, que mercantilizam notícias e influências através de supostas parcerias com entidades públicas e privadas, que mais não são do que prestações de serviços incompatíveis com a profissão, e que degradam a credibilidade de toda a imprensa.

    Mas, por outro lado, a CCPJ é a exacta entidade que acolheu uma queixa do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e fez um inédito parecer a censurar as minhas investigações que, hélas, resultaram na suspensão do dito presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia de consultor do Infarmed e na aplicação de um processo de contra-ordenação pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    A CCPJ é também a exacta entidade que acolheu uma queixa contra mim do almirante Gouveia e Melo, e lesta me abriu um processo disciplinar em fase de instrução desde Maio ano passado (sem acusação ao fim de oito meses, tendo como relator um jornalista do Correio da Manhã), antes mesmo de serem concluídas as averiguações instauradas pela IGAS em resultado de investigações jornalísticas publicadas pelo PÁGINA UM há mais de um ano. Ah, e depois teve a lata de me querer conceder uma amnistia venenosa.

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    E a presidente da CCPJ é, de igual modo, a exacta pessoa que mexeu os cordelinhos para que o Conselho Deontológico me fizesse um parecer censório, ao melhor estilo crápula, sem sequer considerar a minha argumentação, mas depois não teve coragem de responder ao meu repto: accionar um processo disciplinar no seio da própria CCPJ para que as ‘regras do jogo’ fossem as que constam das leis da República Portuguesa. Passaram seis meses desde esse ‘pedido’ e a resposta não veio, apesar das várias insistências para uma resposta.

    Enfim, tem sido a inacção intencional e a acção enviesada da CCPJ que muito tem contribuído para descredibilizar o jornalismo aos olhos dos leitores, ouvintes e telespectadores. Se a crise da Global Media (e também da Trust in News) se deve, em grande parte, à falta de intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a crise reputacional dos jornalistas deve-se sobretudo a uma postura de corporativismo aceite intencionalmente pela CCPJ, onde todos os desvarios e deboches são permitidos se se for amigo, e onde todas as ‘perseguições’ são promovidas se houver um outsider a clamar que o rei, coitado, vai nu, e ainda por cima anda feio como o caraças.

    No texto de Licínia Girão há apenas duas frases que, na verdade, fazem sentido na sua boca: “O Jornalismo caiu num buraco negro. E os jornalistas estão ancorados em terras movediças a um passo de tombarem também para o abismo”. De facto, ela e os outros membros que compõem a CCPJ são a prova de que esse ‘buraco negro’ existe, até porque eles andam a cavá-lo há muito.


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  • Global Media: o cemitério está cheio de má e promíscua imprensa (e ainda bem!)

    Global Media: o cemitério está cheio de má e promíscua imprensa (e ainda bem!)


    Sendo eu de ‘esquerda’, aquilo que mais me irrita e faz sair do sério é quando alguém, supostamente de ‘esquerda’, se mete a culpar a ‘direita’ de algo que nada tem a ver com ideologias. Percebe-se a estratégia – criar uma clivagem, identificar um suposto inimigo ideológico, para que haja uma decisão política favorável –, mas isso é passar um atestado de indigência e sobretudo retirar a responsabilidade aos verdadeiros culpados. E não permitir uma reflexão e discussão sérias.

    Hoje, a jornalista e antiga directora-adjunta do Público Ana Sá Lopes veio defender a nacionalização da Global Media. Veio tratar de fazer a ‘cama’ para deitar os desejos de políticos – e.g., Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Moreira, Carlos Moedas e Pedro Adão e Silva – em se meter dinheiro dos contribuintes (porque não há ouvintes e leitores suficientes) para assim simplesmente se salvarem empregos de jornalistas que, durante anos, contribuíram para a degradação do seu ‘produto jornalístico’ a ponto de hoje ser já um ‘produto comercial’ sem interesse nem préstimo.

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    Ao contrário daquilo que defende Ana Sá Lopes – que funciona aqui como ’porta-voz’, porque sei que o seu ponto de vista é comungado pela generalidade da corporativa classe jornalística –, não vivemos “um momento totalmente crítico na imprensa”. De facto, vivemos sim um momento de clarificação.

    Por exemplo, um jornal como o Diário de Notícias – por mais que simpatizemos com a sua vetusta idade (foi fundado em 1864) – não pode sobreviver se atrai apenas 1.500 pessoas para comprarem a sua edição diária contando com uma equipa de três dezenas de jornalistas e sucessivas direcções editoriais (e conselhos de redacção) permeáveis a interesses políticos e mercantis.

    Veja-se, aliás, que na Global Media chegámos a ter directores editoriais do Diário de Notícias (Rosália Amorim), Jornal de Notícias (Inês Cardoso) e TSF (Domingos de Andrade) no Conselho de Administração nos tempos de Marco Galinha. A promiscuidade e cumplicidade começa aqui, quando jornalistas passam de ‘geradores de notícias’ credíveis – para que, trazendo público haja interesse externo em anunciar – para gestores comerciais a vender banha da cobra, ainda por cima usando estratégias capciosas para fazer com que marketing seja perceptível como notícias baseadas em interesse editorial.

    Aliás, a hipocrisia de supostas virgens inocentes do jornalismo, que se comportaram como autênticas megeras nos anos mais recentes, ficou bem patente na audição desta semana de Domingos de Andrade na Assembleia da República.

    Domingos de Andrade, durante a audição esta semana no Parlamento, foi administrador da Global Media durante três anos, mantendo-se jornalista e director editorial, e assinando contratos de prestação de serviços com entidades privadas e públicas, algumas das quais sob suspeita do Ministério Público.

    Com a carteira profissional de jornalista activa, Domingos de Andrade assumiu durantes vários anos funções de responsável editorial de diversos órgão de comunicação social da Global Media (DN, JN e TSF), ao mesmo tempo que era administrador da holding – sendo o braço direito executivo de Marco Galinha até ao ano passado –, e era também, de acordo com o Portal da Transparência dos Media, gerente da TSF – Rádio Jornal Lisboa, da TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, da Difusão de Ideias – Sociedade de Radiodifusão, da Pense Positivo – Radiodifusão e ainda vogal do conselho de administração executivo da Rádio Notícias – Produções e Publicidade.

    Domingos de Andrade foi um jornalista meigamente multado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) em Janeiro do ano passado por ter andado a assinar contratos comerciais com empresas que financiavam os periódicos da Global Media, e agora vem dizer que “não estamos apenas a assistir ao fim de marcas, estamos a assistir à destruição reputacional de marcas e redacções”? Está a fazer auto-crítica ou está a fazer lavagem de imagem?

    Que eu saiba, “a destruição reputacional de marcas e redacções” sucede quando se fica a saber, através de um despacho do Ministério Público, que “Eduardo Vítor Rodrigues, na qualidade de autarca, solicitou a Domingos Portela de Andrade, vogal do Conselho de Administração do Grupo Global Media, que os meios de comunicação pertencentes a tal Grupo, nomeadamente o Jornal de Notícias e TSF, elaborassem notícias e cobrissem conferências promovendo a atuação da Câmara de Vila Nova de Gaia e do seu presidente”. É o jornalismo de Domingos de Andrade que queremos que o Estado financie? É a credibilidade de Domingos de Andrade que deve ser atendida quando falamos do fracasso da Global Media?

    Rosália Amorim, durante a audição esta semana no Parlamento, tornou-se conhecida pela constante promoção e moderação de eventos pagos por empresas públicas e privadas ao Diário de Notícias. Assumiu em Novembro passado, o cargo de directora da TSF, mesmo apesar da oposição do Conselho de Redacção da rádio, que não a considerava capaz de uma “política editorial independente”.

    Quando vejo, por exemplo, pessoas como Rosália Amorim, ex-directora do Diário de Notícias, manifestar “tristeza” pela situação da Global Media, sabendo como funcionavam as parcerias comerciais naquele diário, estamos não apenas perante hipocrisia; há uma desfaçatez terrível. Como pode uma “marca” ter alguma reputação se o próprio Conselho de Redacção da TSF se opôs à nomeação de Rosália Amorim – levantando “legítimas dúvidas quanto à sua real capacidade de manutenção de uma política editorial independente” – e ela mesmo assim aceitou o cargo?

    De facto, vivemos um momento de clarificação.

    Jornalismo mercantilista, sem qualidade, com personagens munidos de carteira profissional de jornalistas mas de ética mais do que questionável, permeáveis ao poder político e ao poder económico, que enganam os leitores e ouvintes através de contratos de prestação de serviços que resultam em supostas notícias, entrevistas e eventos independentes – esse jornalismo não pode sobreviver.

    As empresas que o praticam, não podem sobreviver. Não podem ser ajudadas pelo Estado. Além de tudo, é imoral.

    A ‘morte’ de projectos jornalísticos baseados na falta de ética é mesmo bem-vinda – é mesmo essencial, não apenas para que o crime não compense, não apenas para evitar o uso imoral de impostos dos contribuintes para insuflar e alimentar procedimentos errados e nefastos para uma sociedade, mas sobretudo por ser necessário dar espaço a projectos credíveis e sem vícios, que provem que os leitores, perante a credibilidade, valorizam economicamente o jornalismo.

    Mais do que nunca, a pluralidade e diversidade da comunicação social, essencial como alicerce da defesa da democracia – que em Portugal está podre, em parte pelas promiscuidades sustentadas por jornalistas (sobretudo directores editoriais, os tais que vão defender no próximo Congresso dos Jornalistas formas de financiamento) com o poder político e económico – baseia-se na credibilidade de projectos, e não na sua história.

    O PÁGINA UM foi o primeiro órgao de comunicação social a identificar Clement Ducasse como o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ainda não teve capacidade para saber se este francês é um mero ‘testa de ferro’.

    Quando o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias nasceram, nos idos do século XIX, existiam largas dezenas de periódicos, alguns com largos anos, como o Açoriano Oriental, que ainda hoje se mantém a caminhar para os 200 anos. Todos viram nascer outros, muitos, quase todos foram ‘morrendo’, e sendo substituídos por outros, alguns tiveram várias vidas até sucumbirem, independentemente de terem sido, em tempos, instituições de prestígio, como os casos de O Século, o Comércio do Porto, a Capital, o Diário Popular ou o Diário de Lisboa.

    Os ‘cemitérios da imprensa’ estão cheios de jornais que nasceram cheios de esperança, alguns se mostraram pujantes, mas por ‘causas naturais’, que incluíram sempre inadaptação ao mercado ou a erros próprios, claudicaram. Mas a sua ‘morte’ nunca significou a morte do jornalismo. Pelo contrário: na imprensa, a morte de um jornal permite o nascimento de outros (ainda) sem vícios.

    Os jornais (ou as rádios, ou as televisões) morrem, mas o jornalismo não morre se extirparmos a tempo o mau jornalismo. Se se persiste na manutenção de um mau produto, artificializando a sua sobrevivência, ainda mais com dinheiros público, salvam-se a prazo (a curto prazo) empregos, mas traça-se uma ameaça para a credibilidade de todo o jornalismo, nega-se a possibilidade de nascerem outros projectos mais sérios, mais credíveis… e mais economicamente viáveis.

    Por isso, para mim – e sem prejuízo de ser apoiante de um modelo de apoio social pelo Estado aos desempregados de empresas falidas, incluindo as do sector dos media –, nada mais saudável e natural do que a morte de (maus) órgãos de comunicação social, até porque, ao fim e ao cabo, são apenas títulos – que, aliás, anos mais tarde podem ser recuperados para novos projectos editoriais sérios.

    José Paulo Fafe, CEO da Global Media indicado pelo obscuro World Opportunity Fund, deixou a empresa gestora do Tal&Qual em falência técnica e está agora no ‘olho do furacão’ da crise no JN, DN e TSF.

    [o próprio PÁGINA UM foi um título inicialmente fundado em 1976 por Isabel do Carmo e Carlos Antunes, de ideologia de extrema-esquerda de apoio a Otelo Saraiva de Carvalho; tornou-se mais tarde, entre 1995 e 1997, um boletim informativo da Associação Académica da Universidade do Minho, e antes de se tornar este jornal digital independente, tomou o nome de um programa da católica Rádio Renascença… ou seja, nomes leva-os o tempo, e simplesmente, no caso do PÁGINA UM, o aproveitámos por estar disponível]

    Quando Fernando Alves, um histórico jornalista de rádio e fundador da TSF, afirma hoje no Público que “o departamento comercial comeu a cabeça de todas as redacções que conheço”, não se refere apenas àquela rádio da Global Media nem a outros órgãos de comunicação social deste grupo. Falará, mesmo que não queira englobar, de praticamente todos os grupos de media que, à conta de uma crise (que é muito de credibilidade), querem fazer-nos crer que os problemas são de hoje e que se salvam com a prostituição do jornalismo (através de parcerias comerciais) ou com dinheiros públicos.

    O problema da Global Media – e também da Trust in News, que lhe vai seguir, em breve, as pisadas – não é de hoje. Uma empresa que desde 2017 soma prejuízos consecutivos, que já ultrapassavam os 42 milhões de euros em 2022, que tinha uma dívida ao Estado de 10 milhões no final desse ano (sem que o regulador soubesse), e que via os seus activos imobiliários serem ‘chupados’ pelos accionistas, não pode vir agora carpir pela salvação com dinheiros públicos como se lhe tivesse sucedido um terramoto imprevisível. E o mesmo se diz em relação aos actuais e antigos responsáveis editoriais e jornalistas.

    Sede da Entidade Reguladora para a Comunicação Social: uma regulação que ‘anda a ver navios’.

    E também não se mostra admissível que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social tenha uma atitude de irresponsável passividade a ponto de defender, como fez há cerca de dois meses em resposta a perguntas do PÁGINA UM, que não tem capacidade para sequer pedir e analisar os relatórios e contas da Global Media.

    O fraco papel do regulador, mais a sua plataforma de Transparência dos Media, para evitar entrada de empresas e pessoas com interesses suspeitos, seria anedótico se não fosse grave. Foi o PÁGINA UM – e não o regulador – que detectou no ano passado falsas declarações de diversas empresas de media, incluindo ocultação de dívidas ao Estado (Global Media e Trust in News), de falência técnica (empresa do Tal & Qual) e de dependência financeira (empresa do Polígrafo).

    Na verdade, tem sido o PÁGINA UM que, com as suas denúncias e já com uma seccção própria (pela relevância num sistema democrático), mais tem revelado as promiscuidades entre jornalismo e empresas (públicas e privadas, e até Governo, o que, aliás, tem merecido a devida reacção corporativista dos visados, razão pela qual a generalidade dos órgãos de comunicação social mainstream ignora as nossas investigações, e os ‘órgãos reguladores’ (ERC, CCPJ e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas) se mostram tão favoráveis a atender os nossos críticos.

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    Salvar empregos (e má imprensa) ou salvar o jornalismo, eis a questão.

    Por tudo isto, e regressando ao início, se vamos para “pactos de regime”, como defende Ana Sá Lopes, para salvar empregos de más empresas jornalistas, fazendo com que passem a ser controladas pelo Estado, não vejo como isso pode ser bom para a democracia – diria antes: será péssimo para o jornalismo e para a democracia. Nacionalizar empresas de media, ou entregá-las a empresas do regime, é o ‘sonho húmido’ de quem está no poder. Não nos bastou as tentativas de Sócrates de controlar a TVI e como foram nomeados alguns directores da Lusa e da Global Media nos tempos do seu Governo?

    Por tudo isto, são uma ofensa as palavras de Ana Sá Lopes – que é apenas um peão com o objectivo de colocar uma clivagem ideológica num problema meramente empresarial e de ética jornalística – a defender que quem contestar uma salvífica entrada de capitais públicos (dinheiro dos contribuintes) especificamente na Global Media é alguém de ‘direita’ a qualificar o Estado como um “diabo”, que é “mau, horrível, [que] come criancinhas ao lanche e por aí fora”, como escreve no seu artigo de opinião no Público de hoje.

    Estou saturado deste tipo de paleio, sobretudo por jornalistas, sobre um assunto que exige debate sério, e sem estar contaminado por pessoas que compactuam ou compactuaram com um ‘modelo de negócio’ da imprensa que descredibilizou o jornalismo português nos últimos anos.

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    Melhor regulação – não necessariamente mais (acho que a ERC dedicou mais horas de trabalho a analisar queixas contra o PÁGINA UM do que a analisar a crescente e evidente degradação da Global Media) –; maior participação e independência dos jornalistas nas redacções; outra seriedade na anedótica Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (que deixa impune claríssimas incompatibilidades e promiscuidades); e um debate sério sobre a definição de critérios apolíticos (sem intervenção conjuntural dos Governos ou da Assembleia da República) para o financiamento público dos media (por constituírem um bem público, na concepção económica do termo), são temas fundamentais para definir o futuro da imprensa escrita (em papel e online), radiofónica, televisiva e multimédia.

    Mas esse debate deve ser feito à margem do que está a suceder com a Global Media, que antecipa o caso similar da Trust in News, dona da Visão. Aliás, por mim, seria saudável e até útil que se discutisse o futuro da imprensa em Portugal depois da concretização da queda destes dois grupos à força das leis do mercado, da oferta e da procura e da boa gestão da res publica (dinheiros públicos), porquanto assim a análise da sua ‘morte’ constituiria ensinamentos para não se cometerem os mesmos erros e nos vermos livres de pessoas que conspurcam a nobre profissão de jornalista.


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  • Em Lisboa, só o Papa merece ruas limpas

    Em Lisboa, só o Papa merece ruas limpas


    Confessando que a amostra não cumpre o nível de rigor, por exemplo, das sondagens da Aximage para para os periódicos da Global Media – como aquela que, em Agosto de 2021, a quatro semanas das eleições autárquicas, dava 51% a Medina e uns míseros 27% a Moedas… –, as ruas de Lisboa neste primeiro ano da graça de dois mil e vinte e quatro da era de Cristo estão uma imundície. Uma porcaria. Uma estrebaria, que só se mostrará “fermosa”, parafraseando o Cavaleiro de Oliveira, se morarmos a cidade, de cima para baixo, com miopia, de um miradouro, como por exemplo o da Graça, bairro de onde tirei as fotografias que aqui apresento.

    Não são diferentes de outros dias, e de outros bairros, como é o caso do Bairro Alto e Santa Catarina, por onde mais perambulo, exemplos tristes de falta de higiene e asseio, apesar dos recursos dos impostos dos contribuintes e das taxas de turismo. Não é dinheiro que falta.

    Mas todos os anos, que me recorde, Lisboa anuncia-se ao primeiro dia de Janeiro, sempre com a mesma cara: suja. Começa a ser uma tradição. Uma péssima tradição.

    Já escrevia o médico e escritor português Guiilherme Centazzi, em meados do século XIX, que “Lisboa, que todos nós estamos vendo, e que os estrangeiros e os vindouros hão-de julgar pelo que lerem… Lisboa (não se faça do preto branco, nem se queira embutir gato por lebre), examinada em globo é uma coisa; em detalhe, é outra. Em globo, ninguém lhe negará aparato, beleza, opulência, grandeza, etc., etc.. Em detalhe, de fora para dentro, é tal e qual como esse famigerado siciliano que, no domingo, se paramentava com luzentes vestiduras, sem despir a camisa com que tinha andado a mariscar os anzóis durante a semana. Lisboa, em síntese, é majestosa; em análise, é um covil lastimoso de miséria e lama.“

    E cá temos Lisboa no primeiro dia do Novo Ano igual ao ano anterior. Feriado que haja em Lisboa, é dia santo na loja, o que significa lixo a transbordar em tudo o que é canto, e em tudo aquilo que não é canto.

    Aguentamos um dia com lixo? Claro que sim.

    Aguenta-se, se a compreensão for desmesurada. Aí aguenta-se tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.

    Se aguentamos que, por exemplo, Carlos Moedas, o edil de Lisboa, gaste dinheiro público com um vídeo de promoção pessoal ao estilo de estrela pop norte-americana, mangas de camisa branca arregaçadas, a subir a escadaria dos Paços do Concelho como um ‘salvador’ – aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.

    Se aguentamos ver Carlos Moedas prometer, no Twitter, que “em 2024 vamos continuar a construir memórias, a alcançar vitórias, mas sobretudo a fazer Lisboa”, mas logo no primeiro dia temos um “Feliz 2024” com ruas imundas, e não há problema – aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.

    Se aguentamos ver Carlos Moedas, no dito vídeo promocional, sugerir (porque está ele sempre presente) que quem deu as casas a carenciados, concedeu transportes públicos gratuitos, pagou as obras de drenagem e mais uma série de outras coisas, foi ele e não os dinheiros públicos (e todos nós) – então aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.

    Se aguentamos ter pagado mais de 614 mil euros a uma empresa de trabalho temporário para suposto reforço da limpeza de ruas durante a estadia do Papa na Jornada Mundial da Juventude por duas semanas, mesmo se não houve qualquer necessidade, mas aceitamos que todos os anos comecem com as ruas imundas – de facto, então, aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.

    A gestão de uma Câmara, sobretudo de Lisboa, não pode continuar a servir somente como trampolim político, como a história recente nos tem demonstrado, de que são exemplos Jorge Sampaio, Santana Lopes e António Costa, que atingiram depois lugares de topo no poder.

    Moedas tem legitimidade para aspirar a outros voos, se assim desejar e fizer por isso. Mas, até lá, faça também o básico: e o básico é ter as ruas de Liosboa decentes todos os dias do ano. E se não houver funcionários públicos para o primeiro dia de cada ano, então aí sim justifica-se a contratação de empresas de trabalho temporário por um dia. Afinal, como munícipes, não somos menos do que o Papa.

    Ou para Moedas seremos?


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Tivemos 478 leitores a fazer o PÁGINA UM em Dezembro. Quantos serão em 2024?

    Tivemos 478 leitores a fazer o PÁGINA UM em Dezembro. Quantos serão em 2024?


    Este mês, o PÁGINA UM fez o seu segundo aniversário, e registou o seu mais elevado número de visualizações de notícias. Este é um projecto inovador, porque, pela primeira vez, se aplica na imprensa portuguesa um modelo de ‘willingness to pay’ – ou seja, o leitor dispõe da liberdade de contribuir com o valor máximo que assim desejar (ou poder), sendo que, independentemente disso, acede às notícias e conteúdos.

    Essa modalidade tinha, tem e terá, do ponto de vista económico, todas as condições para fracassar, pois não há aqui qualquer rede: o PÁGINA UM assume que não tem (nem quer) publicidade, não realiza parcerias comerciais nem é suportado por misteriosos fundos das Bahamas ou de outras quaisquer paragens exóticas ou não. Vive – ou sobrevive – apenas com os donativos dos seus leitores – e cresce ou não em função desse fluxo, que constitui um barómetro da qualidade do nosso trabalho.

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    Nessa medida, o PÁGINA UM tem uma redacção ‘minúscula’ e grande parte dos colaboradores (não jornalistas) contribuem pro bono ou com muito simbólicas contrapartidas monetárias. Isso implica que tenhamos uma produção pequena, mesmo se com produtividade elevada, tendo em conta as abordagens que fazemos, sobretudo em áreas ou temas que órgãos de comunicação social não tocam ou temem tocar. Com este modelo, o PÁGINA UM jamais entrará em ‘aventuras’, e crescerá (ou não) sem dívidas, sem empréstimos e sem compromissos financeiros ou de outra natureza que possam colocar em causa a sua independência. Antes a morte deste projecto do que a sua sobrevivência comprometida.

    Todos os meses (ou dias) do PÁGINA UM – e falo como director do jornal mas também como gerente da empresa (que se criou por uma questão de transparência de contas) – são assim um desafio, porque em simultâneo com as investigações, as notícias, as opiniões, as entrevistas e outros tantos textos (e acreditem ou não, por um acaso, este será o texto 2.000 publicado neste nosso/vosso jornal digital), temos de apelar, de forma honesta, para que os primeiros leitores não se esqueçam da génese deste projecto e para que os novos leitores o compreendam.

    Viver supostamente de donativos – e ainda mais numa sociedade como a portuguesa e num mundo empresarial dos media assente na acumulação de prejuízos suportados pelos bancos, obrigacionistas, autarquias, empresas públicas e Governo – tem merecido, aqui e ali, um certo desdém e tentativas de menorização deste projecto.

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    Por exemplo, ainda este mês, em duas ocasiões, dois visados por notícias do PÁGINA UM tomaram a decisão de, em resposta a notícias a si desfavoráveis, darem uma ‘esmola’ via MBWAY. Um deles foi José Paulo Fafe, CEO da Global Media, após este meu texto; o outro foi o cantor e empresário André Sardet, depois desta notícia. A ambos devolvi o dinheiro, com acréscimo. Ao CEO da Global Media acrescentei 1,80 euros, o preço de uma edição em papel do Diário de Notícias; a Sardet (cujo apelido verdadeiro não tem o T) acrescentei 0,96 euros, o custo de uma embalagem de passas no Continente, indicando que serviam para que os seus lucros de 2023 não fossem afectados, até porque o mais recente ajuste directo que recebeu (de uma empresa municipal de Lisboa) foi ‘só’ de 248 mil euros.

    Além deste tipo de boutade demonstrar o quão necessário se mostra a existência de um jornal independente – a ‘esmola’ é fruto da surpresa porque pessoas como Fafe e Sardet se surpreendem por jornalistas não acharem ‘naturais’ as suas negociatas –, há nisto sobretudo uma ignorância sobre o passado do jornalismo e sobretudo sobre o papel da imprensa e da forma como deve ser valorizado e remunerado pelos seus leitores – que são, na essência, o destinatário e a causa.

    Tal como sucedia no passado, em que os editores e até administradores de jornais sabiam que a sua remuneração e a sua sobrevivência (e até aceitável lucro) advinham exclusivamente da valorização individual feita pelos leitores, que depositavam diariamente a moeda correspondente ao preço do matutino (ou vespertino), o PÁGINA UM também olha assim para os seus leitores. Com respeito individual.

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    Sabemos que o PÁGINA UM existe porque todos os meses há pessoas que compreendem que este projecto, de acesso livre, só é livre e aberto porque tem jornalistas profissionais independentes e sem agendas escondidas mas que precisam de ser valorizados e remunerados – para fazer mais. Aqui não há ‘esmolas’, porque prestamos um serviço, ainda mais nobre por sabermos que está disponível mesmo para quem não quer ou não pode contribuir.

    Mas também sabemos que somente poderemos informar mais, incomodar mais, tornar as nossas notícias mais impactantes, se tivermos cada vez mais força, mais receita, maior capacidade de crescimento com mais jornalistas. Nós representamos o modelo de um jornalismo que quer recuperar a credibilidade de outrora.

    Desde o início do PÁGINA UM são incontáveis as pessoas que apoiaram financeiramente este projecto jornalístico. Este mês, de forma individual, até ao dia de hoje, contamos 478 apoiantes, com montantes diversos e periodicidades distintas (pontuais ou regulares), atingindo uma média a rondar os 9 euros por pessoa. Aquilo que fazemos com esta (pequena) receita mensal (basta multiplicar 9 por cerca de 500), com oscilações ao longo destes dois anos, sem nos endividarmos, tem sido quase um milagre. E continuaremos a fazê-lo acontecer, enquanto tivermos capacidades.

    Editorial

    Mas também temos consciência das potencialidades deste projecto se o número de apoiantes crescesse, porque isso implicaria, de imediato, aumentarmos de forma proporcional o nosso trabalho. Muitos assuntos temos de ‘abandonar’ por manifesta incapacidade humana de os abordar, e isso custa-me pessoalmente.

    Por isso, o nosso objectivo (e desejo) para 2024: atingirmos, em média, pelo menos os 1.000 apoiantes mensais. Mostrámos já, nos últimos dois anos, não apenas pelo jornal mas também pelas iniciativas no Tribunal Administrativo de Lisboa em prol do acesso à informação, quais são os nossos objectivos, aquilo que valemos e aquilo que desejamos fazer como jornal independente. Mas sabemos que os leitores são soberanos – e é neles, sempre nos leitores (e não nas empresas ou nos Governos), que depende o PÁGINA UM.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

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  • A cunha como instituição

    A cunha como instituição

    Título

    Salazar confidencial

    Autor

    MARCO ALVES

    Editora (Edição)

    Ideias de Ler (Maio de 2023)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    Os documentos históricos têm uma enorme virtude para os investigadores, em comparação com a actualidade (objecto dos jornalistas): enquanto na actualidade, o poder tende a esconder e a manipular, depois da sua ‘queda’, tudo aquilo que se fixou no crivo obscurantista e manipulatório, e se não foi destruído, passa a ser matéria útil para caracterizar o passado. À posteriori, é certo.

    Por isto, fazer História, aparentando ser mais fácil porque baseado em documentos, nem assim revela(rá) toda a verdade. Por exemplo, daqui a uns anos podemos continuar sem saber se o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa fez ou não a ‘ponte’ – leia-se, cunha – entre o seu filho, o doutor Nuno, e o Ministério da Saúde para se usar um medicamento de dois milhões de euros em gémeas luso-brasileiras. Ora porque se destruíram provas que confirmariam para a posteridade quer porque se manipularam provas para desmentir a realidade.

    O mesmo se aplicará, por exemplo, à pandemia da covid-19, que curiosamente foi um tema muito abordado por Marco Alves, autor deste Salazar confidencial. Enquanto como investigador andava ele na Torre do Tombo a ler os calhamaços que a queda do Estado Novo lhe (nos) deixou, zurzia em simultâneo, como jornalista, naqueles que procuravam obter informação, questionar o Poder e propor medidas racionais de gestão da Saúde Pública. 

    Esqueceu Marco Alves, neste período, que apesar de serem tarefas muito distintas, tanto jornalistas como historiadores ‘amassam’ a mesma farinha – os factos –, apenas em períodos diferentes, mas onde ‘cohabitam’ duas características essenciais: a curiosidade e a desconfiança, que os obrigaria a conferir supostos factos, questionando a sua veracidade. Aliás, a História tem mostrado que os ‘factos’ na actualidade podem ser bem diferentes dos ‘factos’ na realidade, por causa da influência do Poder.

    Mas esqueçamos as ‘obras’ do jornalista Marco Alves, repórter da revista Sábado, que, disparatando, disparava a palavra ‘chalupa’ a qualquer um que questionasse a ‘narrativa oficial’, como o cão de Pavlov salivava a cada pedaço de carne, e dediquemo-nos ao seu objecto de interesse histórico, que deu neste livro: as cunhas no Estado Novo, tendo como óbvia figura central António de Oliveira Salazar. E podemos já adiantar que se saiu ele muitíssimo melhor como historiador do Estado Novo do que como jornalista da pandemia, o que convenhamos não seria difícil perante a fraca figura que nos ofereceu entre artigos e comentários nas redes sociais durante os dois primeiros anos da crise sanitária em 2021 e 2022. A História o julgará; não propriamente a ele, mas ao jornalismo.

    Passemos à frente.

    A figura de Salazar, como ditador é, convenhamos apetecível para qualquer historiador por várias razões, mas nem tanto por ter estado no poder tanto tempo: 36 anos. Se formos por aí, houve portugueses no poder com maior duração e com um domínio ainda mais absoluto: os reis D. João I (48 anos), D. Afonso Henriques (46 anos), D. Dinis (43 anos), D. João V (43 anos), Afonso V (42 anos) e D. Maria I (39 anos, embora grande parte dos quais sob regência do filho D. João VI). Mas naquelas épocas não se escrevia tanto, não se expunha tanto, e destruía-se muito mais. 

    Por isso, Salazar é um ‘objecto’ histórico apetecível sobretudo por ser um governante que, além de ser ditador ‘contemporâneo’, “recebia, aliás, correspondência sobre todos os assuntos, o que só era possível numa sociedade fortemente reverencial, hierarquizada e pequena, onde o presidente do Conselho ocupava o lugar cimeiro, incontestado, temido e ao mesmo tempo próximo e paternal”, como bem salienta Marco Alves (pg. 59).

    Ora, é exactamente por isso – por haver extensíssima correspondência, nunca destruída – que Marco Silva, tal como outros jornalistas e investigadores, possuem hoje matéria-prima riquíssima para contar detalhes mais ou menos picarescos sobre uma das principais ‘instituições’ lusitanas, que está longe de ser um exclusivo do salazarismo (antes fosse): a cunha, que inclui favorecimentos e outras ajudas por quem está no centro do poder, e que é tanto mais intenso quanto mais afastado nos encontramos da democracia (plena).

    Usando assim o ‘espólio’ de 2.466 processos individuais, onde se destacavam cartas, relatórios, currículos e fotografias, Marco Alves relata profusamente casos singulares que, se cometidos hoje (e revelados) dariam pena de prisão, onde se salientam episódios de peculato de uso, de pequenas ofertas (que poderiam ser agora classificadas de corrupção), de casos de infidelidade, de ‘jobs for the boys’, de favorecimentos, de veneração para obtenção de favores, etc., etc., etc..

    Ao longo das páginas, os casos são muitos, talvez demasiados – e se o objectivo principal era mostrar um Salazar ao estilo de um frei Tomás (‘bem prega frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz’), Marco Alves mais do que nos convence; comprova. Desde logo na introdução, quando refere que cerca de seis mil pessoas escreveram ao governante desde que entrou em funções públicas, como ministro das Finanças em 1928, até à queda da cadeira em 1968.

    O livro de Marco Alves, como documento – e elogia-se o seu trabalho de investigação, bem protegido nas ‘catacumbas’ da Torre do Tombo durante os dois primeiros anos da pandemia – está mais próximo de um estilo de História, até pelos detalhes das transcrições das cartas e pelos pormenores cronológicos, com datas e horas precisas.

    Pessoalmente, talvez preferisse – e porventura teria ele mais leitores – que Marco Alves tivesse optado por uma selecção de casos exemplares, e os usasse como crónicas. Há ali uma boa trintena de casos apetecíveis que, em cada um, daria até para outros tantos romances. E haverá, como já houve muitos sobre uma personagem histórica muito similar a Salazar: o marquês de Pombal.

    Em suma, Marco Alves deveria dedicar-se mais à investigação histórica, e menos a assuntos de Ciência (que mostrou nunca saber dominar), até porque sobre assuntos do passado (ou seja, em temas não actuais) ele até demonstra capacidade de isenção, de rigor e de honestidade. Neste Salazar confidencial não se vislumbra, como deve sempre fazer um historiador (e um jornalista), qualquer tipo de ‘ideologite’, e por isso esta obra consegue apresentar-nos a figura de Salazar como era perante o povo e como este (infelizmente, diremos agora) então o via: “seu dono e senhor, como uma figura tutelar, acima dos outros, que tanto podia ser um pai, um chefe, um mestre, ou o próprio Deus”.

  • PÁGINA UM: dois anos de jornalismo independente

    PÁGINA UM: dois anos de jornalismo independente


    Sem publicidade, sem parcerias comerciais, de acesso livre, apenas com o apoio dos leitores e com um jornalismo incisivo, incómodo e independente, com rigor, sem mesuras e reverências. Esta tem sido a linha condutora do PÁGINA UM desde o seu nascimento em 21 de Dezembro de 2021.

    Quase duas mil notícias, artigos de opinião, entrevistas e outros textos em apenas dois anos com um pequeno mas bom punhado de jornalistas e outros colaboradores. É obra, mas é obra porque ainda não finalizada, e por isso é para continuar. E continuaremos. Para os leitores, e pelos leitores.

    Farei ao final da tarde uma melhor avaliação daquilo que foram estes dois anos de PÁGINA UM, e aquilo que se perspectiva para os seguintes. Isto porque, entretanto, tenho outros afazeres neste dia, ossos do ofício, como o de ir ao Forte do Alto do Duque, à PSP, pela tarde, prestar declarações (ou nada acrescentar) a pretexto de uma queixa de Sua Excelência o Chefe de Estado Maior da Armada Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, que acha que o jornalismo, com base em documentos, não pode dizer que ‘mercadejou’ vacinas com a Ordem dos Médicos para se administrar em médicos não-prioritários, contra as normas em vigor e sem competências para tal, pouco depois de assumir o cargo de coordenador da task force, em Fevereiro de 2021.

    Mais do que parabéns ao PÁGINA UM, estão de parabéns os leitores que valorizam o jornalismo independente.

  • Global Media & José Paulo Fafe, ou o pedantismo da caloteira imprensa

    Global Media & José Paulo Fafe, ou o pedantismo da caloteira imprensa


    O ex-jornalista José Paulo Fafe, alcandorado a “testa de platina” de um fundo das Bahamas – do qual o único rosto conhecido, sob a forma de “beneficiário efectivo”, é um francês que vive da especulação financeira – que controla a Global Media, mimoseou-me numa entrevista de ontem no Eco, identificando-me como “um tipo de um site”, apenas porque, enfim, fui o primeiro jornalista a identificar que a proprietária do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias deve 10 milhões de euros ao Estado, a escalpelizar o World Opportunity Fund e o senhor Clement Ducasse, a relevar os calotes à Lusa, a destacar os estranhos movimentos financeiros da Páginas Civilizadas, e a falar até das relações entre o antigo director do jornal Tal & Qual e a Páginas Civilizadas.

    Enfim, para Fafe, eu sou “um tipo de um site” – ou melhor, diz ele que “há aí um tipo de um site” –, porque destaco, incomodo e atrapalho negócios obscuros que, ao longo dos anos, inexoravelmente tornaram dois centenários jornais em decrépitas publicações, que obrigam os trabalhadores até a irem pedinchar não sei bem já o quê ao gabinete do ministro da Cultura de um governo demissionário.

    José Paulo Fafe, CEO da Global Media e ex-gerente da Parem as Máquinas.

    Enfim, para Fafe, eu sou “um tipo de um site”, porque sou um jornalista independente.

    Tem Fafe mais oito anos do que eu, o que lhe dará mais vida e um certo estatuto, podendo isso dar-lhe o benefício da arrogância. E, por regra, a arrogância vem com a petulância, mais grave ainda se acompanhada de calotes.

    Ora, José Paulo Fafe deveria ser o último dos administradores de uma empresa de media, e ainda mais sendo ele antigo jornalista, a desrespeitar um jornalista chamando-o “um tipo de um site”. Se um jornalista como eu – que esteve em órgãos de comunicação social onde ele até também passou (e.g. Grande Reportagem e Expresso) – pode ser por ele tratado por “um tipo de um site”, como podem os seus agora ‘subordinados’ da Global Media, muitos dos quais jornalistas, esperar respeito?

    Eu até compreendo – se bem que a coloque ao nível dos crápulas – a postura de José Paulo Fafe, e a sua estratégia de descredibilizar o PÁGINA UM, para assim minimizar ‘estragos’. Afinal, o PÁGINA UM é ‘apenas’ um jornal digital que se assumiu independente, e por isso não faz fretes, não tem publicidade nem parcerias comerciais… nem dívidas. Vive da qualidade que os leitores lhe atribuem, ainda mais sabendo-se que o acesso é livre.

    Trecho da entrevista ao ECO onde José Paulo Fafe se refere a mim como “há aí um tipo de um site”

    O PÁGINA UM vai terminar o seu segundo ano de existência com zero dívidas e sem prejuízo, porque a ideia sempre foi ser apenas aquilo que os leitores acharem que pode ou deve ser este projecto jornalístico. Costumo, aliás, dizer que, tendo ambas as empresas o mesmo capital social (10 mil euros), aquilo que mais se diferencia entre o Página Um Lda. (empresa gestora do PÁGINA UM) e a Trust in News Unipessoal (a dona da Visão e de outros 16 títulos) é um passivo de 27,2 milhões de euros.

    Seria apenas risível, se não fosse grave, ver um projecto editorial da natureza do PÁGINA UM ser desprezado por um ex-jornalista agora CEO de uma empresa que acumulou dívidas de 42 milhões de euros entre 2017 e 2022, que tinha no final do ano passado um passivo de quase 55 milhões de euros, dos quais 10 milhões ao Estado, e que ‘vampirizou’ os seus activos, ao ponto de aquele que contabilisticamente aparenta ter mais valor (um goodwill de quase 30,6 milhões de euros) ser afinal ‘fumo’, é nada.

    Mas Fafe nem sequer sabe olhar para o umbigo, ou então conseguiu ‘vender-se’ muito bem ao especulador Ducasse. Com efeito, José Paulo Fafe, antes da sua ‘aventura’ – que temo venha a ser desventura – na Global Media, estava a dirigir o jornal Tal & Qual (que é um título registado pela Global Media), através da empresa Parem as Máquinas, Edições e Jornalismo, Lda.

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    Até à sua saída em Outubro do Tal & Qual, Fafe detinha 80% do capital desta empresa de apenas 5.000 euros, quer a título pessoal (70%) quer através de uma empresa por si detida denominada Pressco (10%). Corrijo: na verdade, a Pressco é detida pela Fernandes Fafe Consultoria Estratégica Unipessoal, mas para quem pense que Fafe é um Citizen Kane escondido, desengane-se.

    Na verdade, tanto uma como outra das suas empresas tem um capital social de 1.000 euros. E acrescento também, para justificar a pesquisa, que a Pressco já tem capitais próprios negativos (-4.136,03 euros) e passivo de quase 55 mil euros, enquanto a sua empresa unipessoal sempre tem capital próprio positivo (pouco mais de sete mil euros), mas segue já com um passivo de 67.415,69 euros.

    Mas vejamos se José Paulo Fafe – o CEO da Global Media, que quer endireitar uma empresa de media ‘limpando’ mais 200 trabalhadores, enquanto menospreza um jornalista com um jornal independente sem dívidas titulando-o de “um tipo de um site” – é ou não um ‘Mourinho dos Media’, com direito e autoridade para chamar nomes a jornalistas.

    Parem então já as máquinas para verem a performance da empresa Parem as Máquinas Lda, em 2022, quando José Paulo Fafe era não apenas seu gerente mas também director do periódico Tal & Qual, antes da sua entrada arrogante e pedante na Global Media com direito a tratar-me por “um tipo de um site”. Pois bem: resultado líquido negativo – leia-se, prejuízo – de 147.008,32 euros, um capital próprio negativo de 134.027,32 euros (falência técnica), dívidas aos fornecedores de 121.121,78 euros, mais dívidas de financiamentos de 130.569,61 euros, que compunham um passivo total de 334.283,10 euros.

    O francês Clement Ducasse é o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media, mas não se sabe quem são os financiadores.

    Nada mau, Fafe, para uma empresa onde investiste 4.000 euros…

    E és tu que tens nas mãos, ou na testa, os destinos de um grupo de media… Desgraçados pela ‘amostra’ de pedantismo.

    E depois “há aí um tipo de um site”… a dizer verdades inconvenientes, não é?

    Pedantismo e água benta cada um toma a que quer. Mas água benta eu até suporto; pedantismo é que não; e ainda mais se vier com calotes.


    P.S. E já agora, convinha à empresa Parem as Máquinas Lda. fazer a declaração das demonstrações financeiras no Portal da Transparência dos Media, da ERC, que estão em falta desde sempre. Se calhar é para esconder a vergonha.

  • O que é reconhecido mérito? Em Espanha sabem; em Portugal perguntem à ‘polícia’ dos jornalistas

    O que é reconhecido mérito? Em Espanha sabem; em Portugal perguntem à ‘polícia’ dos jornalistas


    Ontem, o Supremo Tribunal de Espanha anulou a nomeação de Magdalena Valerio como presidente do Conselho de Estado daquele país, porque considerou válida uma acção da fundação Hay Derecho. Em causa estava a exigência legal de Magdalena Valério ter de cumprido dois requisitos: “prestigio jurídico y conocimiento experto de los asuntos de Estado”. E ela não cumpria um. A sentença é exemplar, e vale a pena ser lida na íntegra.

    Que Magdalena Valerio, nascida em 1959 e licenciada em Direito pela Universidade Complutense de Madrid, detinha um currículo invejável em conhecimentos do Estado, não suscitou dúvidas ao Tribunal espanhol. Depois de exercer como professora de Direito do Trabalho e Segurança Social, teve passagem por cargos de gestão pública nos anos 90, foi vereadora do município de Guadalajara em dois mandatos (1999-2005 e 2011-2015), foi presidente da Associação Águas del Sorbe, ocupou vários ministérios no Governo autonómico de Castela-La Mancha entre 2005 e 2019, foi ainda deputada no Congresso em três legislaturas, e entre 2018 e 2020 foi Ministra do Trabalho, Migração e Segurança Social do Governo de Pedro Sánchez. Sintetizei-lhe o currículo, saliente-se. Pode ser lido aqui na íntegra.

    Nomeada em Outubro para a presidência do Conselho de Estado de Espanha, Magdalena Valerio Cordero viu o Supremo Tribunal de Espanha retirar-lhe o cargo por considerar que não tinha “prestígio jurídico”.

    Porém, faltava a Magdalena Valerio cumprir o segundo requisito: “prestígio jurídico” – que, traduzindo para português, também significa “mérito”. Ora, aquilo que o Supremo Tribunal espanhol concluiu é que os dois requisitos “são duas as condições que quem assumir a presidência deste órgão deve cumprir. Não há exceção, nem matização, nem preferência de uma sobre a outra. E a razão de ser de ambas é diferente, mas concorrente: garantir que quem estiver à frente do Conselho de Estado reúna a dupla qualificação desejada pelo legislador. Ou seja, prestígio jurídico e conhecimento especializado em assuntos de Estado.”

    E nessa medida, o Supremo Tribunal de Espanha concluiu que “a notória e destacada trajetória de Magdalena Valerio Cordero – ministra, deputada, conselheira, vice-prefeita, vereadora, entre outras responsabilidades públicas – certamente atesta sua profunda experiência em assuntos de Estado, mas não serve para considerá-la uma jurista de reconhecido prestígio. O seu currículo mostra uma carreira meritória no serviço público, mas dela não se pode deduzir a estima pública na comunidade jurídica que implica o prestígio reconhecido. Certamente, nada consta no expediente nesse sentido, e também não há qualquer indicação no procedimento sobre o assunto.

    Li esta notícia com um sorriso. Mas um sorriso irónico, por via da perseguição, que tive e tenho, desde que no ano passado, escrevi que Licínia Girão, a actual presidente das Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, não preenchia os critérios legais para aquele cargo, que por lei exige ser ocupado por “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

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    Licínia era, à data da sua ‘entronização’ na CCPJ, em Maio de 2022, uma advogada-estagiária cinquentenária (eu também sou cinquentenário). Tinha tirado uma licenciatura recente em Direito (2015-2018) e dois turbo-mestrados – em Jornalismo (2019) e em Direito (2021), já na casa dos 50 anos. Seria um motivo de aplauso – eu próprio, embora com uma licenciatura finalizada em 1993, retomei estudos universitários a partir de 2015 e ‘coleccionei’ no currículo mais duas licenciaturas, um mestrado e uma pós-graduação –, mas isso não a fazia “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

    Até porque, enfim, nem sequer conseguiu Licínia Girão ter artes para concluir o estágio de advogada e teve um ‘chumbo’ sonante numa candidatura ao curso de magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Quanto a artigos jurídicos ou de outra natureza, Licínia Girão vale zero, porque zero são as suas obras na componente jurídica e até jornalística.

    Mas sucedeu alguma coisa a Licínia Girão? Claro que não. A sua mediocridade – no sentido de mediania, de pouco mérito – contrastava de forma escandalosa com a exigência legal (de ter de ser “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”), mas quem se ‘crucificou’ foi o mensageiro – ou seja, eu –, até porque Licínia Girão não se elegeu sozinha: foi cooptada por oito jornalistas (já membros da CCPJ) e teve os empenhos do próprio Sindicato dos Jornalistas, no qual integra (e continua a integrar) o Conselho Geral.

    Ao invés do mundo jurídico, Licínia Girão, a actual presidente da CCPJ, tem tido mais “reconhecimento” nas artes. Por exemplo, em Junho de 2021, obteve a Menção Honrosa na categoria Ensaio/ Prosa no âmbito dos 13º Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana.

    Na verdade, os problemas vieram na minha direcção, sujeito que tenho estado às ‘fúrias’ de hipócritas zelotas, como os que se encontram no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e na própria CCPJ. Fui até acusado de andar a perseguir maldosamente a senhora e a cometer as maiores vilanagens deontológicas, num ‘processo’ que fica para os anais da filhaputice da imprensa nacional.

    Assim anda o Mundo.

    Por um lado, temos ali, na nossa vizinha Espanha, o exemplar caso de Magdalena Valerio: apesar de um forte currículo público, não pode ocupar o cargo de presidente do Conselho de Estado, após anulação da sua nomeação pelo tribunal, por não preencher a parte do prestígio jurídico que é premissa da lei.

    E aqui em Portugal, no nosso cantinho, 383 anos após a defenestração de Miguel de Vasconcelos do Paço da Ribeira, temos uma Licínia Girão – de currículo jurídico menos que paupérrimo (porque vale zero) e sem que ninguém lhe reconheça prestígio jurídico – no cargo de ‘polícia’ do Jornalismo, assumindo aquilo que objectivamente não é: “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

    E são os jornalistas portugueses os únicos com responsabilidade por esta vergonha, por alcandorarem a mediocridade como símbolo do descrédito da imprensa em Portugal. De facto, como pode o Jornalismo defender a meritocracia em cargos públicos, se entre portas tem uma Licínia Girão?

  • Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, um burocrata a torcicolar a transparência e os tribunais

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, um burocrata a torcicolar a transparência e os tribunais


    Victor Herdeiro. Melhor. Escrevo em maiúsculas – e a nominata completa para apurar o destaque: VICTOR EMANUEL MARNOTO HERDEIRO.

    Para a esmagadora maioria dos leitores, esse nome nada dirá. Se acrescentar que é presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), já haverá alguns, talvez poucos, que saberão de quem se trata. E, aliás, muitos pouco sabem o que é isso da ACSS, e para que serve.

    Eu elucido melhor quem é, adiantando já ser ele um burocrata. Mas um burocrata especial. Victor Herdeiro é a personificação do burocrata que qualquer político adora, porque é daqueles dirigentes da Administração Pública que, caninamente – no sentido figurado do termo, mas no sentido literal da eficácia –, tudo fará para esconder o que houver por conveniente e que possa ser sensível politicamente, porque é daqueles que não está ao serviço dos cidadãos, antes se expressa um servidor dos governantes.

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro: o burocrata que aguenta uma sentença e dois acórdãos, e mantém a recusa em ceder a consulta de uma base de dados que não identifica as pessoas nos registos informáticos.

    Victor Herdeiro é, para trazer à memória dos leitores do PÁGINA UM, o amigo de longa data da ex-ministra da Saúde Marta Temido que, em Julho de 2022, fez desaparecer a base de dados da Morbilidade e da Mortalidade Hospitalar no Portal da Transparência. Por aquelas coincidências, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamento e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia.

    Victor Herdeiro é também o burocrata que recusou ceder a consulta, a um jornalista, dos dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH), que inclui toda a informação dos internamentos, sem qualquer identificação de pessoas. Uma possibilidade que não só existe como está, há muito, prevista nas próprias competências da ACSS.

    Mas para Victor Herdeiro, defensor-mor de ministros da Saúde, seria um horror que um jornalista com capacidade de análise de dados, independente, pudesse pegar em informação tão sensível politicamente.

    E vai daí que se anda há quase ano e meio a tergiversar tribunais, para trás e para a frente. A cada derrota, mais serpenteia para o litígio seguinte – sempre socorrendo-se de uma sociedade de advogados paga a peso de ouro, a BAS, que aliás tem ligações a Lacerda Machado, como há dias escrevi – e aproveitando-se da morosidade e letargia dos tribunais.

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    Vem Victor Herdeiro aqui agora à liça porque nos últimos dias tenho estado, com alguma lentidão, a complementar e actualizar a secção da Transparência, aqui no PÁGINA UM, com a informação mais relevante das cerca de duas dezenas de litígios que temos (concluídos e em curso, em diferentes fases) no Tribunal Administrativo, ou seja, intimações para a consulta de documentos e base de dados.

    E eis que esta madrugada consegui completar a ‘ficha’ relativa à ACSS, que foi, até agora, a mais morosa e trabalhosa – e compreenderão, assim, a minha ‘fúria’ por me encontrar num país supostamente em democracia que admite um Victor Herdeiro como burocrata. Ou então admite por não ser uma democracia.

    Senão vejamos, e podem acompanhar por aqui a cronologia mais relevante (sem os muitos requerimentos, pois em Direito Administrativo quase só há texto escrito).

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho de 2022, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa pela entidade presidida por Victor Herdeiro, que nunca mostrou de quem veio a ordem. A BD-GDH, pedida pelo PÁGINA UM, tem um potencial informativo muito superior.

    Depois de uma recusa formal ao meu pedido de acesso à base de dados dos internamentos, alguns meses mais tarde, em 24 de Novembro do ano passado, uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa a uma intimação deu razão ao PÁGINA UM, mesmo depois de a ACSS, através da sociedade BAS – a tal à qual Lacerda Machado está ligado – ter tentado convencer a juíza da impossibilidade técnica da anonimização da base de dados.

    Que fez o burocrata Victor Herdeiro despois da sentença?

    Recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, usando o dinheiro dos contribuintes.

    E levou sopa. Em Março deste ano, um acórdão deste Tribunal manteve a decisão da primeira instância sobre o acesso à base de dados dos internamentos.

    E que fez o burocrata Victor Herdeiro, muito zeloso de proteger o ‘coiro’ do Ministério da Saúde?

    Recorreu, mais uma vez, para a (suposta) derradeira instância, o Supremo Tribunal Administrativo, onde, por ordens de Víctor Herdeiro – ou sob o seu respaldo – se tentou convencer os conselheiros de que o meu pedido era “manifestamente abusivo”. Notem: num país democrático, um burocrata considera que um pedido de acesso a uma base de dados da Administração Pública por um jornalista seja considerado “manifestamente abusivo” para, assim, ser legítimo o impedir de informar.

    Perdeu terceira vez. Repito: o burocrata Victor Emanuel Marnoto Herdeiro perdeu em primeira instância, perdeu em segunda instância e perdeu em terceira instância.

    Entregou a base de dados?

    Não. Mandou um ficheiro Excel, mal-amanhado, com uma suposta password que nunca sequer chegou a abrir o que quer que fosse de relevante, e argumentando que teria de apagar e mutilar dezenas de variáveis da base de dados, a tal ponto que nem sequer se poderia ficar a saber quantos internados em concreto houve em determinado ano, quanto mais fazer qualquer avaliação digna desse nome. Basicamente, mandou sentença e dois acórdãos às malvas, e começou novo circo, porque, infelizmente, mesmo com sentenças e acórdãos em Portugal há sempre formas de o poder ignorar ordens de tribunais – o que mostra bem o (des)nível da nossa democracia.

    Desde Junho, de uma forma diplomática, tenho tentado obter acesso à base de dados – um direito que a Lei me consagra e três decisões de tribunais confirmaram.

    Mas o burocrata Víctor Herdeiro já sabe as águas onde se move.

    Sabe que a sua recusa, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos, não teve repercussão pública significativa. Raramente uma entidade pública é obrigada a dar documentos da importância de uma base de dados sobre os internamentos em Portugal – com a potencialidade de detectar lacunas ou problemas de Saúde Pública. Mas isto nenhum eco teve na imprensa mainstream, pois, enfim, esta não aprecia o que o PÁGINA UM faz (e que ela, com muitos mais meios, é incapaz de fazer somente por falta de coragem, porque existem muitos mais jornalistas tão bons ou mesmo muito melhores do que eu). Portanto, como burocrata, que protege o seu ‘amo político’, ignora-me e ignora o PÁGINA UM, porque ignora qualquer caso que não o belisque na opinião pública.

    Para ter acesso a uma base de dados da Administração Pública, e se houver um ‘Victor Herdeiro’ já não é suficiente ter uma sentença do Tribunal Administrativo, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul e um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Eis a força e o poder de um burocrata em Portugal.

    Sabe também o burocrata Víctor Herdeiro como funcionam os Tribunais deste triste país, mesmo se os processos de intimação são classificados de “urgentes” – e assim de, repente, mesmo com uma sentença e dois acórdãos, e com o auxílio de uma sociedade de advogados paga pelos contribuintes, assim se entretém agora a tentar ludibriar a juíza responsável pela execução da sentença entretanto solicitada pelo PÁGINA UM no passado mês de Julho, depois de esgotada a paciência.

    Mas isto está longe de terminar, e acho que a ACSS, através da sociedade BAS – a tal do Lacerda Machado – já fez entretanto três ou quatro requerimentos, incluindo a inclusão de uma pen com ficheiros que, segundo me diz o meu advogado, não aparecem ainda no Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (SITAF).

    O mais recente episódio é do início deste mês, e inclui uma tentativa de convencer a juíza, num processo que já foi decidido, a ouvir uma digníssima testemunha sobre a impossibilidade de anonimização de uma base de dados que já está per si anonimizada: “o Senhor Professor Doutor Luís Antunes, [que] exerce, entre outras, as funções de Encarregado de Proteção de Dados na Comissão Nacional de Eleições, de assessoria ao Encarregado da Proteção de Dados no Banco de Portugal, e é Diretor do Centro de Competências em Cibersegurança e Privacidade da Universidade do Porto”, como refere o requerimento da sociedade BAS, a tal que, a mando do burocrata Víctor Herdeiro, anda a receber bons pecúlios dos contribuintes portugueses para esconder informação a jornalistas incómodos.

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    Quem tem medo que se saiba do que padecem, e porque padecem, os portugueses, e como são tratados nos diversos hospitais portugueses?

    E querem saber a parte gaga desta bufa e lamentável opereta?

    A digníssima testemunha indicada pelo burocrata Víctor Herdeiro, o tal “Senhor Professor Doutor Luís Antunes” (que terá concordado na inclusão do seu nome), é sócio da HealthSystems, uma empresa de cibersegurança e protecção que só este ano já ultrapassou um milhão de euros de facturação em contratos públicos, sobretudo com hospitais tutelados pelo Ministério da Saúde, que tutela a ACSS, presidida pelo burocrata-mor e protector-mor Víctor Emanuel Marnoto Herdeiro. São ‘artistas’ destes, comprometidos até ao tutano, que vão dizer algo isento, não é?

    Enfim, depois de mais de 16 meses de batalha, incluindo passagem (teoricamente) favorável por três instâncias da Justiça portuguesa, ainda hoje não sei se vou ter acesso a uma base de dados vital para uma independente avaliação do sistema de Saúde Pública em Portugal.

    Neste momento, mesmo após três decisões favoráveis em tribunal, já não me surpreende absolutamente nada que haja mais um ‘golpe de asa’ do burocrata Victor Herdeiro, e/ ou mais uns empenhos da sociedade de advogados BAS, e/ ou mais um juiz que acordou estremunhado e decide dar o dito por não dito, e que tudo fique como um Governo quer: a parecer democrático, mas impedindo que um cidadão, e em particular um jornalista, tenha em concreto o direito de escrutinar a Administração Pública e as políticas públicas.

    Mas se esse dia ocorrer, se ficarmos perante a evidência de que somos um fracasso projecto de democracia, onde burocratas como Victor Herdeiro servem como barreira protectora dos políticos, vai custar-me imenso, horrores, até porque têm sido meses de luta extenuante (e quase nunca visível) na companhia do nosso advogado Rui Amores – que, aliás, não recebe tão bem como os advogados pagos pela ACSS com o dinheiro dos contribuintes.

    Mas, acreditem também: só desistirei de todas estas lutas se os leitores desistirem de um projecto jornalístico como o PÁGINA UM. Por isso, é tão importante ter os leitores ao lado deste jornal, até poque tem sido esse apoio, através do FUNDO JURÍDICO, que municia as batalhas de um David contra os Golias.