Silêncio ensurdecedor e comprometedor. O director da CMTV, Carlos Rodrigues, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) remetem-se ao silêncio sobre os polémicos contratos do canal de televisão da Cofina e 10 autarquias, que envolveram o pagamento de entrevistas e reportagens de promoção dos municípios em noticiários, com jornalistas como Francisco Penim a servirem de mestres-de-cerimónias. Apenas o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas reagiu, acabando por emitir um comunicado. Mas fala em “cebolas”, quando se perguntou por “alhos”.
À pergunta sobre “alhos”, o Conselho Deontológico dos Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) deu uma resposta sobre “cebolas”.
Se em abono da verdade botânica, cebolas e alhos até pertencem à mesma família (Alliaceae) – sendo ambos bulbosos subterrâneos comestíveis –, a resposta da estrutura sindical que aborda as questões éticas dos jornalistas acabou por não responder ao PÁGINA UM sobre se iria debruçar-se sobre os contratos da Cofina com autarquias que resultaram em alinhamentos em programas de informação e com jornalistas a servirem de mestre-de-cerimónias de promoção dos municípios.
E optou antes, “em resposta às perguntas” do PÁGINA UM, por emitir um comunicado público em que, afinal, se debruça somente nas deliberações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que identificou 14 jornalistas comerciais e instaurou sete processos de contra-ordenação a empresas de media. Recorde-se que as deliberações da ERC foram divulgadas pelo PÁGINA UM no passado dia 3, ou seja, há mais de duas semanas.
No decurso da investigação do PÁGINA UM ao contratos entre 10 autarquias e a Cofina – que colocou os municípios a interferirem até nos alinhamentos noticiosos da CMTV, com jornalistas (como Francisco Penim, antigo director de programas da SIC) a publicitarem os concelhos e a entrevistarem autarcas –, foram colocadas questões às três entidades com poderes de regulação: ERC, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e CD-SJ. Somente a estrutura sindical dedicada à deontologia reagiu até agora, mas começou por fazer considerações genéricas sobre os deveres dos jornalistas.
Convidada ontem a explicitar se, em concreto, no caso dos contratos entre os municípios e a Cofina, “o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer”, o CD-SJ respondeu esta manhã informando que “relativamente à sua pergunta de ontem, o CD vai emitir esta manhã, via site do Sindicato, uma posição, que enviamos desde já em anexo.”
Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim foram os recorrentes “mestres-de-cerimónia” dos programas de informação da CMTV que executaram contratos de prestação de serviços, onde autarquias indicaram entrevistados e definiram alinhamentos.
O comunicado, entretanto publicado, é, contudo, completamente omisso em relação aos contratos entre a Cofina e a CMTV, nem se debruça sobre eventuais medidas contra os jornalistas envolvidos na execução de parcerias comerciais que envolveram entrevistas pagas e alinhamentos de telejornais.
Nesse comentário, sem nomear qualquer órgão de comunicação social e muito menos qualquer jornalista, o CD-SJ remete para as deliberações da ERC, divulgadas há duas semanas pelo PÁGINA UM, questiona-se se “ainda estamos a falar de jornalismo” nas situações em que “os temas das notícias são definidos em primeiro lugar por critérios comerciais” e também se verifica, “como tem sido noticiado, a definição prévia de perguntas e de entrevistados”.
Na sua posição, o CD-SJ reconhece que a criação de notícias pagas “parece cada vez mais comum em muitas redações”, repudiou a “tendência crescente de as empresas jornalísticas transformarem os jornalistas em produtores de conteúdos, num processo que compromete um modelo de negócio que tem por base a credibilidade dos seus profissionais e da informação que divulgam”.
ERC e CCPJ mantém-se silenciosos perante um caso de reportagens e entrevistas pagas em noticiário da CMTV.
O comunicado também “sublinha o papel de diretores e editores de informação”, a quem cabe “em primeira instância a responsabilidade de não permitir que estes tipos de solicitações sejam feitas dentro das redações que dirigem”. No entanto, mostra-se claro que são os próprios directores de diversas publicações que participam activamente em eventos comerciais, não ignorando, pelo contrário, que há cobertura noticiosa sem aviso aos leitores de se tratar afinal de publicidade redigida.
O tom geral do comunicado do CD-SJ acaba por ser, na verdade, extremamente genérico sobre os perigos do “jornalismo comercial”, a precariedade dos jornalistas e a situação financeira complexa dos órgãos de comunicação social e de recomendações à resistência, salientando que “o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”.
Porém, em termos de acção concreta, para além do inócuo comunicado, nada o CD-SJ adianta. O PÁGINA UM reiterou ao CD-SJ que a pergunta que lhe foi colocada era muito específica e “não foi respondida”, acrescentando que “o vosso comunicado nada tem a ver com a ‘pergunta de ontem’” sobre a Cofina e a CMTV.
E, por isso, o PÁGINA UM insistiu, no início desta tarde, na pergunta: “face a esta situação em concreto (contratos da Cofina com autarquias, com alinhamento de noticiário e indicação de entrevistados pelo adjudicante, e sua execução por jornalistas da CMTV), o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer?”. E acrescentava-se que a pergunta era “simples, aceita três tipos de resposta, todas noticiáveis: sim, não e silêncio.”
O regulador dos media recebeu 120 queixas de telespectadores por a RTP3 ter emitido no noticiário “3 às 19”, de 25 de Março deste ano, declarações do ministro do Interior francês com legendas erradas, em que traduziu “extrême gauche” por “extrema direita” e “utra gauche” por “ultradireita”. Apesar de o canal ter corrigido as legendas, o regulador condena que o facto de que a pivot não ter corrigido de imediato a óbvia tradução errada que induziu os telespectadores em erro e também o facto de o erro ter sido mantido na emissão da RTP3 e na plataforma online RTP Play. Além disso, a ERC critica a RTP3 por nunca ter pedido desculpas aos telespectadores pelo erro. Apesar de algumas das queixas acusarem a RTP3 de fazer a tradução errada de propósito, a ERC diz não ter provas de que o objectivo fosse induzir em erro a opinião pública para culpar a extrema direita de violência que afinal foi levada a cabo por grupos de extrema esquerda.
O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a actuação da RTP3 por ter emitido uma notícia em que traduziu erradamente declarações do ministro do Interior francês, sem que tenha depois feito a devida correcção adequadamente nem admitido o erro, pedindo desculpas aos seus telespectadores.
Numa deliberação de 27 de Junho, publicada no seu site, o regulador dos media também ordenou a RTP a corrigir a notícia que mantém a tradução errada na plataforma RTP Play. No entanto, o PÁGINA UM confirmou que a ligação original do programa de informação foi desactivada entretanto, apagando assim o erro.
Em causa está uma notícia emitida no noticiário “3 às 19” na RTP3, no dia 25 de Março, com declarações do ministro do Interior francês sobre protestos nacionais contra o decreto presidencial que alterou a idade de reforma dos 62 para os 64 anos de idade. Na notícia, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, condena os protestos e a violência, que causaram feridos, e nas suas declarações no original em francês, aponta responsabilidades a manifestantes da “extrême gauche“, por duas vezes, e “ultra gauche“. Nas legendas, a RTP3 traduziu as declarações por “extrema direita” e ultradireita”.
Nas legendas podia ler-se, recorda a ERC: “(…) milhares de pessoas deslocaram-se ao local, mais de 1 milhar das quais extremamente radicalizadas, extremamente violentas; entre as quais do movimento Black Bloc, membros da extrema-direita, da ultradireita, que atacam fisicamente os polícias”.
Lia-se ainda: “E hoje, perante as imagens de extrema violência que sofrem os agentes policiais da república, quero, evidentemente, transmitir-lhes o meu apoio total e absoluto, dizer-lhes que estamos do seu lado e que esta demonstração de violência é absolutamente indesculpável, organizada claramente, como disse, por grupo de extrema direita”.
No total, chegaram ao regulador 120 queixas de telespectadores pela tradução errada da RTP3, que se defendeu junto da ERC admitindo o erro e definindo-o como “um a[c]to falhado”.
A ERC diz, na sua deliberação, que “Não existem elementos disponíveis que sustentem as alegações presentes em algumas das participações de que o erro terá sido intencional e com o propósito de manipular a opinião pública”.
O regulador refere que, “ainda que padecendo de rigor, a ERC não dispõe de evidências que contrariem a justificação da RTP3”.
O que é certo é que, apesar de o canal ter indicado à ERC que a sua direcção de informação “dete[c]tou de imediato o erro e solicitou, também de imediato, a sua correção nesse momento”, o regulador sustenta que “a RTP3 não logrou indicar de que forma corrigiu a informação em causa”.
De facto, a ERC aponta que na plataforma RTP Play do serviço público de televisão, “e à semelhança do que aconteceu na emissão linear da RTP3, as legendas que traduzem as declarações do ministro permanecem incorretas, traduzindo “extrême gauche” por “extrema direita” e “ultra gauche” por “ultradireita””.
O regulador destaca que “o serviço RTP Play não se constitui, nem assim deve ser visto, como um mero arquivo audiovisual”, estando registado na ERC “como um operador de serviço audiovisual a pedido, com o número de registo 800013”.
O PÁGINA UM consultou hoje a plataforma RTP Play, e constatou que o vídeo referente à notícia em causa, emitida a 25 de Março, encontra-se visível no catálogo de vídeos disponíveis mas, quando se clica no mesmo, não é possível visualizá-lo.
A ERC frisa que “por outro lado, até ao fim da emissão do noticiário “3 às 19″ daquele dia, não foi identificada a correção do erro, fosse pela pivô, fosse em peça editada”. “Tal atuação colide, sem margem para dúvidas, com o dever profissional constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista (EJ)3, que dispõe ser dever dos jornalistas “proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis”, lembra a ERC.
O regulador salienta que “a retificação dos erros constitui um importante mecanismo de autorregulação à disposição dos órgãos de comunicação social e uma meritória prática jornalística em prol do dever de informar o público «com rigor e isenção» (alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do EJ”.
Aponta também que foi “possível identificar no noticiário da RTP3 “24 Horas”, do mesmo dia, disponível na plataforma digital RTP Play, a mesma peça jornalística com as declarações do ministro francês já corrigidas, onde se traduz “extrême-gauche» por «extrema esquerda” e “ultragauche” por “ultraesquerda””.
Contudo, “apesar de o noticiário “24 Horas” apresentar já a legendagem correta das declarações do ministro – ao contrário do que foi feito no bloco informativo “3 às 19″ -, não existiu, em momento algum, uma admissão do erro por parte da RTP3 perante o seu público”.
A ERC conclui que “a RTP3 não fez uso do mecanismo de autorregulação à sua disposição, no sentido de corrigir e, sobretudo, admitir perante o público, um erro evidente que, no caso em apreço, induzia a uma leitura desajustada e errónea pelos telespectadores”. Indica que, “assim, a RTP3 insistiu na manutenção do erro, não observando o dever de informar com rigor e isenção, nem o dever de retificação”.
O regulador deliberou então “instar a RTP a proceder à correção da notícia, que ainda se encontra na plataforma digital RTP Play” e “instar a RTP3 ao escrupuloso respeito pelas exigências de rigor informativo e pelos deveres deontológicos da profissão, bem como à utilização dos mecanismos de autorregulação ao seu dispor, no sentido de corrigir e admitir os erros perante os telespectadores, promovendo a transparência junto dos seus públicos”.
A Direcção-Geral da Saúde quis garantir a cobertura do lançamento de um plano estratégico governamental sobre literacia em saúde, e achou que seria boa ideia pagar a um jornal, o Expresso, mesmo se houve outros órgãos de comunicação social que acorreram ao evento em Mafra. Mas, além da ilegalidade da compra de notícias, Graça Freitas, a ainda directora-geral da Saúde, assinou o contrato público já depois do evento, com um prazo de execução de 19 dias. O falso contrato pode ser considerado nulo pelo Tribunal de Contas.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) pagou 12.000 euros à Impresa para que o Expresso fizesse a cobertura noticiosa, incluindo filmagens, do lançamento do Plano Nacional de Literacia em Saúde. Mas utilizou um contrato forjado, assinado duas semanas depois com um prazo de execução de tarefas que, afinal, já se tinham concretizado. Contratos desta natureza são, geralmente, considerados nulos pelo Tribunal de Contas.
O evento oficial deste plano estratégico do Governo alegadamente de combate à desinformação ocorreu no passado dia 14 de Junho, no Palácio de Mafra, sendo transmitido pelas redes sociais do Expresso, e contou com a cobertura noticiosa da generalidade da imprensa nacional generalista, nomeadamente da Antena Um, Público, Jornal de Notícias, Observador e Novo.
Graça Freitas, directora-geral da Saúde. Pagou ao Expresso para a cobertura de evento oficial, fora do prazo.
Mas enquanto os outros órgãos de comunicação social terão feito as suas notícias sem contrapartidas financeiras, o Expresso beneficiaria de um contrato no valor de 12.000 euros respeitante à “aquisição de serviços para apresentação do Plano Nacional para a Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030”, de acordo com o contrato publicado na passada segunda-feira no Portal Base.
Embora o caderno de encargos esteja ausente – para se perceber quais os compromissos editoriais do Expresso a executar para promoção de um plano estratégico do Governo socialista –, o contrato foi assinado por Graça Freitas (embora o seu nome tenha sido apagado) no dia 26 de Junho, ou seja, 12 dias após o evento, estipulando-se também, falsamente, que o prazo de execução seria de 19 dias. Portanto, terminaria hoje.
Porém, o PÁGINA UM detectou três notícias – todas publicadas na ambígua secção Projectos Expresso, da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes – sobre o objecto do contrato. A primeira notícia paga pela DGS ao Expresso foi publicada no dia 12 de Junho, com o título “Três em cada dez portugueses têm baixo nível de literacia em saúde”, e além de remeter para o evento de Mafra, antecipava resultados de um estudo sobre os conhecimentos nesta temática.
Evento em Mafra, no dia 14 de Junho, teve cobertura de vários órgãos de comunicação social, mas Expresso teve brinde de 12 mil euros para escrever notícias favoráveis.
A segunda notícia com base num pagamento da DGS ao Expresso – sem o qual não haveria a garantia de ser publicado – consistiu na cobertura do evento propriamente dito, no dia 14, tomando o título “Mais informação não significa mais prevenção. É preciso outra linguagem”
Por fim, a terceira notícia mercadejada entre a DGS e o Expresso foi publicada em 16 de Junho, sendo uma compilação em texto e vídeo das declarações dos protagonistas do evento sobre literacia em saúde, contando com intervenções do subdirector-geral da Saúde, André Peralta-Santos e de duas técnicas superiores desta entidade estatal.
Saliente-se que o jornalista Francisco de Almeida Fernandes é uma das 14 pessoas identificadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social por ter escrito conteúdos comerciais com carteira profissional de jornalista. Almeida Fernandes é, aliás, um dos mais requisitados jornalistas na escrita daquilo que se denomina de “publicidade redigida”, ou seja, textos que surgem à luz da compreensão dos leitores como notícias mas que são, afinal, pagas por um interessado, que pode mesmo ser, por vezes, o Governo ou farmacêuticas.
A publicidade redigida ou outras formas de comercialização de textos jornalísticos é ilegal perante a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Porém, apesar de ser uma prática cada vez mais frequente, e feita à descarada, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista mostra-se impávida e serena.
O PÁGINA UM tentou obter o comentário da directora-geral da Saúde, Graça Freitas, sobre a ilegalidade do seu contrato e sobre a necessidade de pagar notícias sobre um tema que, previsivelmente, teria cobertura, como teve, de outros órgãos de comunicação social. Não chegou ainda qualquer resposta.
Em 2020, o actual “homem forte” da Media Capital, Mário Ferreira, fez um memorando de entendimento com a Prisa que, para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, deveria ter sido antecedida de autorização. O regulador concluiu que foi Mário Ferreira, e não a Prisa, que colocou Manuel Alves Monteiro como administrador da Media Capital, e que isso constituía uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão. Resultado: três coimas de 350 mil euros, mas que pode descer para metade por bom comportamento. A deliberação da ERC, de Fevereiro deste ano, esteve escondida cinco meses, e também revela as circunstâncias do regresso de Cristina Ferreira à TVI e a demissão de Sérgio Figueiredo da direcção do canal de Queluz de Baixo.
São 42 violações à Lei da Rádio e três violações à Lei da Televisão – e três coimas milionárias de 350 mil euros aplicadas à Prisa, à sua subsidiária Vertix e à Pluris, do empresário Mário Ferreira, que actualmente domina a Media Capital, dona dos canais de televisão TVI e CNN Portugal.
Este é o desfecho de uma das maiores coimas aplicadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre empresas de media. A deliberação, apenas ontem colocada no site da ERC, mas datada de 1 de Fevereiro deste ano, acaba porém por suspender metade da coima de cada empresa (175 mil euros) por um período de dois anos, sob a prestação de caução de boa conduta de 250 mil euros. Ou seja, se não houver novas condenações, cada empresa pode acabar por pagar apenas 175 mil euros.
Mário Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Media Capital, ao lado de José Eduardo Moniz, director-geral da TVI.
Os factos remontam a Abril de 2020, quando a Pluris Investments, detida a 90% pelo empresário Mário Ferreira, e a Vertix – que no início daquele ano esteve para ser adquirida pela Cofina – celebraram um acordo com vista à aquisição, pela primeira, de uma participação de 30,22% no capital social da Media Capital.
Esse acordo implicava a preparação de um novo plano de negócio, um compromisso de financiamento da Media Capital pela Pluris, de até de cerca de 14 milhões de euros, da cooperação adquirir a participação então detida pela Prisa.
Além disso, ficou estabelecido o direito de a Pluris indicar, “imediatamente após a execução” do acordo um observador que “deve ser autorizado a estar presente em todas as reuniões do conselho de administração da Media Capital e a receber informação completa e precisa de todos os trabalhos do conselho de administração» e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o Conselho de Administração da Media Capital, na proporção da sua participação”.
Controlo da TVI sem aviso prévio da ERC “valeu” coimas milionárias a Mário Ferreira, à Prisa e à sua subsidiária Vertix.
Na altura, a Media Capital era detentora das empresas TVI Televisão Independente – dona da TVI e da CNN Portugal – e ainda da Rádio Comercial em diversas rádios locais – entretanto vendidas no ano passado à alemã Bauer –, envolvendo um serviço de programas de televisão e de vinte e nove serviços de programas de rádio.
Em 9 de Outubro de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiria que estes “acordos celebrados entre a Vertix/ Prisa e a Pluris/ Mário Ferreira e a conduta das partes instituída na sequência dos mesmos configura[va] o exercício concertado de influência sobre a Media Capital, manifestado, entre outros, na (re)composição do seu órgão de administração, na redefinição do plano estratégico da sociedade e na tomada de decisões relevantes na condução dos seus negócios.”
E a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não gostou, por causa dos “fortes indícios da ocorrência de uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão a operar sob licença que compõem o universo da Media Capital.” E abriu um processo de contra-ordenação, porquanto a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão sem a necessária autorização da ERC constitui uma contraordenação, punível, no caso da Lei da Rádio com coima até 100.000 euros, e no caso da Lei da Televisão até 375.000 euros.
Deliberação da ERC sobre processos de contra-ordenação esteve cinco meses “escondida”. Só ontem foi revelada.
O processo de contra-ordenação, com um total de 183 páginas, foi aprovado em 1 de fevereiro, mas estranhamente só ontem foi disponibilizado no site da ERC, com a referência que por “obrigações legais em matéria de proteção de dados e de preservação do sigilo comercial, foram ocultados alguns elementos nominativos e montantes envolvidos, sem prejuízo para a compreensão dos factos e dos fundamentos subjacentes à presente Deliberação.”
O regulador conclui que o acordo entre a Prisa e a Pluris deveria ter implicado autorizações prévias, e que Mário Ferreira assumiu antes do tempo um papel determinante dos destinos da Media Capital, sobretudo através da colocação de Manuel Alves Monteiro no Conselho de Administração a partir de Abril de 2020.
Apesar de formalmente convidado pela Prisa como administrador não-executivo, Manuel Alves Monteiro foi considerado pela ERC como um “homem de mão” (não nestes termos) de Mário Ferreira.
“A cooptação de Manuel Alves Monteiro pelo Conselho de Administração da Media Capital, cinco dias após ter sido celebrado o MoU [memorando de entendimento], amigo de longa data e pessoa da confiança de Mário Ferreira, em cujo grupo económico exercia, há vários anos, funções de administrador [Mystic Invest], nos exatos termos em [que] se dispunha no MoU a nomeação de um (ou dois) observador(es).”
Saliente-se que Alves Monteiro viria a ser o novo CEO a partir de Julho de 2020, para defender os interesses da Pluris que, na prática, segundo a ERC, dominava já a Media Capital.
Aliás, a ERC chega também a intuir que o afastamento de Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, decidido em 10 de Julho de 2020, “terá sido a expressão da vontade de Mário Ferreira”.
A deliberação da ERC também luz sobre a pouco pacífica passagem da apresentadora Cristina Ferreira da SIC para a TVI, revelando uma evidente mentira.
O regulador dos media diz que Cristina Ferreira começou por confessar na CMVM ter falado com Mário Ferreira que lhe propôs “ser accionista e possível administradora” caso abandonasse a SIC e regressasse à TVI, esquecendo as incompatibilidades com o actual director da CNN Portugal, Nuno Santos.
ERC diz que Cristina Ferreira entrou em contradição sobre o convite em 2020 que recebeu de Mário Ferreira para regressar à TVI como apresentadora, accionista e administradora.
Porém, mais tarde, “no âmbito do procedimento administrativo”, Cristina Ferreira disse ter afinal falado com Manuel Alves Monteiro. “Não podemos, contudo, deixar de estranhar a contradição existente entre os dois depoimentos de Cristina Ferreira”, expõe-se na deliberação da ERC, “e questionar a razão que a levou a adotar posturas completamente divergentes”. Independentemente disso, o regulador conclui que “daqui resulta que Mário Ferreira teve intervenção ativa na definição e condução das políticas de gestão estratégica e respetivas decisões da Media Capital” antes de oficialmente estar mandatado.
As coimas agora aplicadas pela ERC ainda poderiam ter sido muito mais elevadas. De acordo com a lei, “a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão com serviços de programas licenciados sem a necessária autorização do regulador constitui contraordenação, prevista na Lei da Rádio com coima entre 10.000 e 100.000 euros e na Lei da Televisão com coima entre 75.000 e 375.000 euros e com suspensão da licença pelo período de um a 10 dias.
Para cada uma das três empresas, a ERC aplicou uma coima de 120.000 euros pela violação da Lei da Televisão, abrangendo o operador TVI (ainda não existia a CNN Portugal), duas de 45.000 euros por violação da Lei da Rádio, abrangendo a Rádio Comercial e a Rádio Regional de Lisboa, e 12 coimas de 16.000 euros para outras tantas empresas radiofónicas então detidas pela Media Capital, entretanto vendidas à alemã Bauer.
Em cúmulo jurídico, a ERC decidiu reduzir para 350.000 euros (o somatório de todas as coimas daria 402.000 euros), justificando o valor pelo “desvalor da conduta e a sua gravidade” e pelo facto de “as arguidas [Pluris, Prisa e Vertix] não mostrarem qualquer arrependimento ou compreensão do desvalor e, de modo a evitar um juízo de impunidade relativamente à prática das infrações e da culpa, ponderados e valorados os fatores que presidem à determinação da coima”.
Ainda não foi possível ao PÁGINA UM saber se a Media Capital e a Prisa – que detém também a Vertix, e que contestou a aplicação de um duplo processo – recorreram das coimas para os tribunais. Não foi, porém, feita pela Media Capital qualquer informação ao mercado sobre a coima, através da CMVM.
O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, tentou esconder que só sobrevive por conta da parceria com o Facebook, que já lhe entregou mais de 1,3 milhões de euros nos últimos três anos. No mês passado, o Polígrafo andou a “fugir” às perguntas do PÁGINA UM sobre a evolução dos seus rendimentos e o suspeitoso desaparecimento da empresa de Zuckerberg como cliente relevante nas contas do ano passado. Só depois da intervenção da Unidade de Transparência dos Media da ERC, a empresa gestora do Polígrafo “corrigiu” a sua declaração, assumindo que 456 mil euros vieram afinal do Facebook. As receitas de outras fontes foram mínimas (19 mil euros), não cobrindo sequer 10% das despesas com pessoal. Ou seja, sem o Facebook, para o qual já foram feitas quase 700 verificações de factos, o Polígrafo entraria em colapso financeiro.
A empresa Inevitável e Fundamental, proprietária do Polígrafo, omitiu no Portal da Transparência dos Media a sua dependência financeira quase em exclusivo da rede social Facebook, que lhe pagou, na verdade, 456.000 euros durante o ano passado para fazer verificação de factos e controlo de alegada desinformação, que incluiu censura e a prática de shadow banning, ou seja, invisibilidade de conteúdos.
Ao longo do mês passado, como denunciou o PÁGINA UM, o Polígrafo não declarou a existência de quaisquer clientes relevantes no seu registo no Portal da Transparência, que exige que sejam identificados os clientes que tenham representado mais de 10% dos rendimentos anuais e as entidades que tenham direitos superiores a 10% do valor do passivo.
E, apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking – nem sequer respondeu aos três pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, feitos em 14 de Junho, em 16 de Junho e em 19 de Junho, dirigidos ao seu director, Fernando Esteves, que agora também acumula funções de publisher na MediaNove, o grupo criado por N’Gunu Tiny, que detêm também 40% da empresa Inevitável e Fundamental. Os restantes 60% são detidos por Fernando Esteves.
O PÁGINA UM, antes de escrever o seu artigo de 19 de Junho passado, efectuou cópia certificada por advogado, em 14 de Junho, que garante que, naquela data, de acordo com a informação financeira completa da empresa Inevitável e Fundamental, relativa ao ano de 2022, “não existem registos” sobre clientes relevantes.
Essa assumpção da inexistência de dependência «relevante para o ano de 2022 contrastava com os dois anos anteriores, quando o Facebook inundou os fact checkers supostamente independentes com financiamentos extraordinários para controlar, independentemente da credibilidade científica dos autores, conteúdos que contrariassem a narrativa mainstream sobre a gestão da pandemia. Em 2020 e 2021, o Polígrafo admitiu que recebeu mais de 860 mil euros da empresa de Mark Zuckerberg.
Além do jornal digital, o Polígrafo tem uma parceria semanal com a SIC.
Em 14 de Junho, o PÁGINA UM questionara a Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre a estranha evolução dos clientes relevantes do Polígrafo, sobretudo porque até houvera um aumento dos rendimentos entre 2021 e 2022, e se existiam mecanismos de verificação independente.
Cerca de uma semana mais tarde, no dia 23 de Junho, a Unidade da Transparência dos Media prometeu que iria “questionar diretamente a empresa visada [Inevitável e Fundamental] no sentido de esclarecer as dúvidas colocadas”, acrescentando que “a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção no reporte é passível de responsabilidade contraordenacional.”
Certo é que, após as diligências da ERC, a empresa do Polígrafo veio agora acrescentar a referência à participação do Facebook nos rendimentos do ano passado, e afinal mantém-se uma dependência quase absoluta: 96% dos rendimentos. Ou seja, como os rendimentos totais foram de 474.994 euros em 2022, significa que Zuckerberg “passou um cheque” de cerca de 456.000 euros. Em suma, sem o Facebook (que entregou uma média mensal de 38.000 euros), as receitas mensais da Inevitável e Fundamental seriam de apenas 19.000 euros, pouco mais de 1.500 euros em cada mês. Destaque-se que, apenas em gastos com pessoal, a empresa do Polígrafo contabilizou em 2022 quase 248.000 euros.
Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.
Assim, com a generosa ajuda do Facebook – na verdade, quase um “sugar daddy financeiro”, tendo em conta a sua imponência económica, mas que precisa de “agentes locais” com um (suposto) estatuto de independência para controlo da dita desinformação –, a empresa do Polígrafo conseguiu resultados operacionais de 102.964 euros e um lucro líquido acima dos 71.000 euros.
O valor do financiamento do Facebook ao longo do ano passado, que o Polígrafo tentou não revelar, acaba assim por mostrar que as relações comerciais entre as duas partes estão bem cimentadas. Consultando a informação do portal da ERC, o Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas).
Com os 456 mil euros de 2022, o Polígrafo recebeu do Facebook no último triênio mais de 1,3 milhões de euros. No mesmo período, as receitas de outras fontes pouco ultrapassaram os 100 mil euros, e foi de apenas 35 mil euros em 2021 e 2022.
Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.
Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.
Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.
Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.
Registo (de hoje) financeiro de 2022 da empresa Inevitável e Fundamental, onde já consta o Facebook como cliente relevante, com um peso de 96% do total dos rendimentos.
A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.
Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, tem um poder ilimitado de classificar como “falso” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.
O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.
O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.
O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, comunicou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, em 2022, o Facebook deixou de ser um cliente relevante, ou seja, teve um peso inferior a 10% dos rendimentos do ano. Como as receitas de 2022 até aumentaram face a 2021, significa que houve novos financiamentos, de novas e diversas proveniências, mas o Polígrafo não quer revelar quem são. Além de Fernando Esteves, o Polígrafo tem como sócio N’Gunu Tiny, um empresário africano que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo em aquisições no sector da comunicação social, tendo criado um grupo (Media9Par) que integra já a Forbes Portugal, o Jornal Económico e o semanário Novo. Fernando Esteves acumula agora a função de director do Polígrafo com a de publisher da Media9Par.
Apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português que está dedicado em exclusivo ao fact checking – recusa-se a esclarecer se o Facebook deixou mesmo de financiar maioritariamente a sua actividade, ou se apenas omitiu essa informação do Portal da Transparência dos Media da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
De acordo com a informação constante no portal do regulador dos media referente ao ano de 2022, o jornal digital fundado e dirigido por Fernando Esteves deixou de fazer qualquer menção ao financiamento pela rede social de Mark Zuckerberg. Em 2020 e 2021, o Polígrafo recebeu mais de860 mil euros do Facebook.
O portal da ERC impõe que as empresas de comunicação social identifiquem os clientes que representem um volume de receitas superior a 10% do total, o mesmo sucedendo para o caso dos detentores de mais de 10% do passivo. O objectivo é mostrar dependências financeiras que possam colocar em causa a liberdade editorial.
Como no ano passado, a empresa detentora do Polígrafo – a Inevitável e Fundamental, Lda. – registou rendimento de 474.994 euros, sem qualquer menção ao Facebook, significará assim, em princípio, que as transferências da rede social detida por Zuckerberg ficaram aquém dos 47 mil euros.
Essa redução do financiamento do Facebook, a confirmar-se – o PÁGINA UM pediu, por três vezes, esclarecimentos ao Polígrafo, sem qualquer reacção –, é muito significativa e surpreendente, porque os rendimentos deste jornal especializado em fact checking até aumentaram ligeiramente entre 2021 e 2022, passando de 421.173 euros para 474.994 euros.
Consultando a informação do portal da ERC, 0 Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas). Como em 2022 as receitas atingiram quase 475 mil euros – e um lucro de 71 mil euros –, seria fundamental, face à política de transparência propalada pelo Polígrafo, conhecer quais foram as fontes alternativas ao Facebook.
Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.
Certo é que os sócios que detêm a empresa gestora do Polígrafo, que sempre se quis caracterizar como um órgão independente, têm estado cada vez mais envolvidos em negócios na área económica e, em particular, da comunicação social. Um dos principiais financiadores do Polígrafo é o empresário N’Gunu Tiny, através da Emerald Group, que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo na aquisição de órgãos de comunicação social em Portugal.
De origem são-tomense, filho um antigo embaixador em Portugal (Carlos Tiny), mas com cidadania angolana, N’Gunu Tiny esteve intimamente associado tanto a negócios da família de José Eduardo dos Santos – aliás, comprou a Isabel dos Santos a licença da Forbes Portugal e PALOP em 2021 – como também a Manuel Vicente (ex-CEO da Sonangol e vice-presidente de Angola no período 2012-2017).
Entre Setembro de 2006 e Março de 2018, N’Gunu Tiny ocupou o cargo de Chairman e CEO do Banco Postal de Angola, que viria a ser encerrado por ordem do Banco de Angola no início de 2019. Essa instituição teria como accionista Eduane Danilo Santos, filho do ex-presidente. N’Gunu Tiny foi também consultor jurídico da Sonangol e colaborou com o Banco Privado Atlântico, tendo sido testemunha no julgamento da Operação Fizz, que culminou na condenação do procurador Orlando Figueira.
N’Gunu Tiny, empresário de origem são-tomense, mas com fortes ligações aos poderes angolanos do tempo de José Eduardo dos Santos, tem surgido bastante activo na criação de um novo grupo empresarial de media, através de uma empresa financeira sedeada no Dubai.
Saliente-se também que N’Gunu Tiny teve também uma efémera empresa, denominada E&D Capital Partners Limited, entre Maio de 2013 e Outubro de 2015, de intermediação financeira, com Pedro Pinto Ferreira, considerado testa-de-ferro de Manuel Vicente. Em Setembro de 2018 entrou como sócio na Optimal Investments, uma consultora que tem à frente, entre outros, José Maria Ricciardi (ex-BESI) e Jorge Tomé (ex-BANIF).
No ano passado, N’Gunu Tiny – que detém 40% da Inevitável e Fundamental, sendo que Fernando Esteves controla 60%, através de uma empresa pessoal (Episódio Inédito) com um capital social de apenas 1 euro) – criou uma empresa de media, a Media9Par, para onde tem estado a concentrar as suas novas aquisições: além da Forbes, o Jornal Económico, o Económico Madeira e o Novo.
Neste grupo económico controlado por N’Gunu Tiny, Fernando Esteves acumula agora as funções de director do Polígrafo com as de publisher das publicações, colocando-se assim numa situação de grande ambiguidade. Até porque o Polígrafo, bem como o Viral (dedicado à verificação na área da saúde), se mantêm fora do novo grupo de comunicação social de N’Gunu Tiny, embora sejam apresentados como “parceiros”.
No novo grupo Media9Par, de N’Gunu Tiny, onde Fernando Esteves é publisher, o Polígrafo surge como parceiro.
Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.
Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.
Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.
Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.
A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.
Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, têm um poder ilimitado de classificar como “falsa” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.
O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.
O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.
O PÁGINA UM tentou também saber junto da ERC se, ao invés de ter havido uma redução do financiamento do Facebook ao Polígrafo, a publicação pediu confidencialidade dos dados económicos no Portal da Transparência, mas ainda não obteve resposta. O PÁGINA UM também procurou saber, sem sucesso, se o regulador faz qualquer tipo de fiscalização sobre a veracidade das declarações dos periódicos.
O Público vai contestar nos tribunais a decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de lhe aplicar uma coima de 2.500 euros por um artigo que configura ser uma “publireportagem” a promover uma campanha do Banco Santander. Esta intenção do diário da Sonae foi expressa num pedido de direito de resposta exigido ao PÁGINA UM pela publicação do artigo “Jornal Público multado por publicidade ‘travestida’ de notícia”, no passado dia 1. O pedido foi satisfeito, apesar de ser dúbio esse direito, de acordo com a Lei da Imprensa, por uma simples razão: a notícia do PÁGINA UM era exacta, factual e até favorável à jornalista visada, porquanto até se analisou o seu histórico de artigos.
“Injusta e errada” – é assim que o director do Público, David Pontes, reage à coima de 2.500 euros aplicada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao jornal do Grupo Sonae por causa de uma notícia publicada em 2019 sobre uma campanha do Banco Santander.
De acordo com um texto ontem enviado pelo Público ao PÁGINA UM, invocando direito de resposta, de acordo com a Lei da Imprensa, a coima será alvo de recurso judicial para o Tribunal Administrativo de Lisboa. David Pontes, na sua missiva, enviada em correio registado, alega que a notícia do PÁGINA UM “afecta o seu bom nome [Público], embora esta se baseie numa deliberação pública da ERC, se tenha divulgado a posição do Público no processo e se tenha auscultado a jornalista autora do artigo de 2019, Rosa Soares. Apesar disso, o PÁGINA UM – até para se diferenciar das práticas do Público sobre o exercício do direito de resposta – decidiu publicar o texto de David Pontes.
Campanha do Santander era notícia para o Público. Para a ERC foi publicidade, mesmo sem se conseguir provar pagamento imediato.
Recorde-se que, em causa, na aplicação desta coima – bastante rara para situações deste género, tendo já sido aplicada uma coima similar ao Observador – estava a notícia sobre uma campanha do Banco Santander que o regulador considerou que era “conteúdo publicitário, no sentido promocional”, devendo por isso ter sido identificada como tal, cumprindo o preceituado na Lei de Imprensa.
David Pontes, director do Público, vem agora repetir os argumentos então usados pela direcção editorial aquando do processo de contra-ordenação instaurado pela ERC, afirmando que a peça jornalística em causa “foi suscitada, única e exclusivamente, pelo interesse editorial de identificar uma tendência comercial de um sector – os bancos – dando conta de uma alteração da forma como em concreto o Banco Santander estava a actuar”.
O texto jornalístico do Público vinha, contudo, acompanhado de uma imagem promocional da campanha, e destacava tratar-se da “última oportunidade” para obter um financiamento de 25 mil euros com uma taxa anual nominal (TAN) de 6,99%.
ERC aplicara já uma coima similar ao Observador em finais de 2022.
Além disso, conferia detalhes sobre simulação para um empréstimo de 7.500 euros, ressaltando que “o crédito ao consumo tem crescido de forma muito expressiva em Portugal e [que] os ‘saldos’ do Santander são um exemplo da aposta que os bancos fazem, na contratação de empréstimos online”. Na peça, não se fazia referência a nenhuma outra campanha de qualquer outro banco.
Mas David Pontes alega que, “de forma alguma, o jornal violou (…) a Lei da Imprensa, que, em concreto, estipula que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante.”
O articulado na Lei da Imprensa diz que se considera “publicidade redigida e publicidade gráfica todo o texto ou imagem cuja inserção tenha sido paga, ainda que sem cumprimento da tabela de publicidade do respectivo periódico”.
Prinscreen da campanha do Santander, com o endereço do site, que acompanhava a notícia do Público.
Apesar de não ter provas de contrapartidas financeiras, a ERC entendeu que o artigo do Público teve a intenção de promover uma campanha de saldos em taxas de juros do Santander. Somente dois anos depois, em 2021, é que o diário da Sonae veio a estabelecer uma parceria comercial com o banco espanhol, que inclui o pagamento de conteúdos para a secção “Estúdio P”.
Saliente-se, no entanto, que nem os conteúdos comerciais do Estúdio P cumprem a Lei da Imprensa , uma vez que não fazem constar a palavra ‘Publicidade’ ou as letras PUB em caixa alta, “no início do anúncio”. Geralmente, os conteúdos do Estúdio P, escritos num estilo jornalístico, apenas colocam uma discreta referência de se tratar de um conteúdo publicitário no final dos textos, apondo as letras PUB em tamanho diminuto.
N.D. O direito de resposta de David Pontes, director do Público, pode ser lida aqui.
Por causa do seu protagonismo na contestação às políticas de Educação, a imprensa tem escrutinado o passado do líder do STOP, André Pestana, colocando-o como de “extrema-esquerda” e com alusões nada abonatórios. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”. Para pôr tudo em pratos limpos, o Polígrafo meteu-se na querela, compondo um fact checking. Saiu “chamuscado” na tarefa: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que, afinal, a análise não foi nem rigorosa nem isenta nem fundamentada. Em artigos académicos, estes partidos são classificados, na verdade, como esquerda radical, no sentido de ruptura política, sem qualquer conotação depreciativa.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que o verificador de factos Polígrafo “não cumprir as exigências de rigor informativo” numa análise feita em 6 de Fevereiro deste ano ao passado político de André Pestana, o líder do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP). No artigo, assinado pelo jornalista Carlos Gonçalo Morais, o mote em questão centrava-se sobretudo no alegado ponto de diferenciação deste sindicato face aos restantes: a sua independência face a um directório político partidário, algo que acabava por nem sequer ser abordado.
No mesmo dia, no programa SIC Polígrafo, apresentado por Bernardo Ferrão, director-adjunto de informação do canal televisão do Grupo Impresa, foi emitida uma peça similar, que considerava como “Verdadeiro” que “o professor que coordena o STOP tem passado na extrema-esquerda”. Em concreto, concluía-se que “o currículo de André Pestana é vasto em experiência politico-partidária, especificamente ligada a movimentos de extrema-esquerda”.
André Pestana, líder do STOP.
Note-se, contudo, que em órgãos de comunicação generalistas, a tentativa de colagem do STOP a movimentos denominados de extrema-esquerda foi frequente na imprensa generalista, como se pode observar em notícias do Diário de Notícias, da Sábado e do Observador. Aliás, neste último periódico, mostra-se evidente o sentido depreciativo do uso do termo, quando a jornalista Ana Kotowicz cita “um dirigente sindical [que não identifica, pelo que pode ser inventado] que tem acompanhado o STOP nas reuniões com o ministro da Educação, onde considera que as suas atitudes são sempre muito extremadas”.
Nessa notícia do Observador é colocada na boca desse ignoto sindicalista, sem nome nem filiação, a seguinte afirmação: “Além da extrema-direita do André Ventura ficávamos com a extrema esquerda do André Pestana”, sobre uma possível candidatura à autarquia de Lisboa.
Até nos sectores ideologicamente mais à esquerda do Governo, o protagonismo de André Pestana e do seu STOP na contestação dos professores tem sido cada vez mais criticado, sobretudo por estar fora da esfera de influência política dos sindicatos tradicionais. E não se perde oportunidade para o atacar. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou categoricamente que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”, aludindo ao caso dos cartazes contra o primeiro-ministro António Costa, mesmo se o seu autor é professor afiliado na FENPROF.
Porém, na deliberação hoje divulgada no seu site – que apenas é incidente no Polígrafo, em reacção a uma queixa não identificada –, a ERC considera que, apesar de se comprovar que André Pestana foi (mas já não é) militante da Juventude Comunista (JCP), Bloco de Esquerda (BE) e Movimento Alternativa Socialista (MAS), a análise do Polígrafo “não cuida de fundamentar a razão pela qual tais partidos pertencem a um espectro ideológico-partidário de extrema-esquerda”, mais grave por se estar perante um fact checking.
Polígrafo (e SIC Polígrafo) fizeram fact checking sobre passado de André Pestana, e não tiveram dúvidas em classificar Partido Comunista, Bloco de Esquerda e Movimento Alternativa Socialista como partidos de extrema esquerda. Sem rigor nem fundamentação, concluiu ERC.
Mesmo dizendo que não cabe a si catalogar os partidos referidos num espectro político, o regulador dos media conclui que “a notícia do Polígrafo aqui visada não logrou comprovar o que sustenta a classificação daqueles partidos políticos [JCP, BE e MAS] como sendo de extrema-esquerda, inexistindo factos no texto que sustentem tal conclusão”, lê-se na deliberação, acrescentando ainda que “ao invés, a total ausência de fundamentação padece não só de rigor informativo, como também parece resultar de uma avaliação subjetiva de quem escreve a notícia e, portanto, não cuidando de demarcar os factos da opinião”.
O jornal dirigido por Fernando Esteves – que, curiosamente, proíbe os seus colaboradores de serem militantes de partidos e assume não possuir “uma agenda político-ideológica” – ainda argumentou que aquela denominação “não é uma originalidade do Polígrafo”, acrescentando que “há várias esquerdas e que nem sempre é fácil categorizá-las com rigor quase científico”, e defendendo ainda que “não é esse o papel dos jornais”.
A ERC, contudo, não concordou com essa argumentação, criticando mesmo o Polígrafo por este fact-checker – que tem um poder quase ilimitado no Facebook para tachar publicações como fake news, com repercussões gravosas para os seus autores – promover a simplificação. “A simplificação no discurso, embora atendível em certa medida, não pode fazer perigar o rigor jornalístico, muito menos em trabalhos jornalísticos que se apresentam como verificadores de factos, que, enquanto tal, criam a expetativa de um cumprimento acrescido do dever de rigor”, salienta-se na deliberação do regulador.
Incómodo com acções do STOP, fora das estruturas sindicais tradicionais, associadas à CGTP e à UGT, são evidente, mesmo no espectro político de esquerda. A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, na sua coluna de opinião na SIC, já “colou” André Pestana a André Ventura, líder do Chega.
Refira-se que, como facilmente se pode encontrar em trabalhos académicos – que devem ser usados como fonte na verificação de factos –, os partidos de esquerda em Portugal como o PCP, BE e o MAS são classificados como “esquerda radical”, no sentido de ruptura, e não de violência.
Por exemplo, num artigo científico publicado em 2016 por José Santana Pereira, investigador do Instituto de Ciências Sociais, sobre a esquerda radical no período pós-2009, considera-se a existência de três grupos de partidos de esquerda radical: um formado por PCP e BE, já com décadas de presença no parlamento nacional e europeu; outro formado pelos “novos partidos, criados após a crise das dívidas soberanas (MAS e Livre)”; e um terceiro por “micropartidos de esquerda radical, com décadas de existência e incapacidade reiterada de obter representação”, exemplificando com o maoista PCTP-MRPP, mesmo usando slogans mais virulentos. O uso por académicos de termos como “extrema-esquerda” quase sempre se aplicam em ambientes políticos de violência ou de atitudes não-democráticas.
Esta é a quarta vez que a ERC considera que o mais conhecido verificador de factos português, o Polígrafo, falha no rigor das suas análises. Nesta deliberação, hoje publicada, o regulador destaca a gravidade da actuação do Polígrafo “por se tratar de conduta reincidente”, remetendo para a deliberação ERC/2021/362 e a deliberação ERC/2021/151.
Contudo, além destes dois casos, a ERC também já este ano relembrou ao Polígrafo – e, neste caso, também à sua parceira SIC, com quem tem um programa televisivo (Polígrafo SIC) –, “o dever de informar com rigor e isenção”, uma obrigação “ainda mais premente nos conteúdos jornalísticos que têm como missão a verificação dos factos (fact check)”, após queixas dos secretários de Estado da Natureza e Florestas e das Pescas.
Mas além destes casos, há três anos, por causa da emissão de imagens chocantes sem aviso prévio no Polígrafo SIC, a ERC aplicou mesmo uma multa de 30.000 euros à Impresa. A parte irónica desta coima está no facto de a emissão dessas imagens, ao longo de um minuto e 20 segundos de corpos a boiar, ter servido para corrigir um erro de fact checking: ao contrário do que SIC e Polígrafo tinham dito em programa anterior, aquelas imagens não eram da passagem por Moçambique do furacão Idai em Março de 2019, mas sim de uma outra tragédia ocorrida no Paquistão em 2017.
A ADENE, uma agência de energia controlada por entidades tuteladas pelo Ministério do Ambiente, pagou à TSF a emissão de 12 podcasts em ajuste directo por 19.995 euros. O contrato foi assinado por Nélson Lage, antigo adjunto de João Galamba na Secretaria de Estado da Energia, e por Bruno Veloso, ex-deputado socialista. O primeiro convidado foi o próprio ministro Duarte Cordeiro, que esta terça-feira teve um “direito de antena” de 35 minutos na TSF para promover o seu trabalho. A entrevista foi conduzida por Paulo Tavares, que apesar de ser apresentado pela ADENE (e por si próprio) como jornalista, não tem carteira válida por ser proprietário de uma empresa de consultoria política e assessoria de imprensa. Este é mais um lamentável episódio das promiscuidades e atropelos legais e deontológicos na imprensa mainstream, sob a cúmplice apatia da ERC, CCPJ e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.
“Obrigado por ter aceitado o nosso convite” – foi assim que o entrevistador Paulo Tavares, presumido jornalista, agradeceu ao ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, a concessão de uma entrevista à TSF, emitida esta terça-feira, integrada num conjunto de podcasts desta rádio da Global Media, e apresentada como uma parceria com a ADENE.
Tudo fake. De facto, a entrevista, ou melhor, uma conversa descontraída com palco para exposição das políticas ministeriais, não foi conduzida por um jornalista acreditado. Não houve também propriamente um convite, porque a “parceira” do podcast da TSF, a ADENE é indirectamente tutelada por Duarte Cordeiro. E chamar “parceria” é abusivo, porquanto a relação entre a TSF e a ADENE é similar à aquisição de um serviço de relações públicas: a ADENE apenas deu dinheiro para, em contrapartida, ser-lhe feitos e emitidos os podcasts que desejava.
Verdadeiro, assim, apenas uma conversa de promoção das políticas do Ministério do Ambiente e da Acção Climática, mesmo se, aos ouvidos dos ouvintes, possa ter parecido que se tratou de uma entrevista com liberdade editorial – um pleonasmo, porque entrevista pressupõe a existência de liberdade editorial.
Mas comecemos por saber quem é a ADENE, suposta parceira da TSF.
Embora seja uma associação – que integra como sócios, por exemplo, a Galp e a EDP –, esta agência de energia é um dos braços da política energética do Governo, tendo como sócios principais a Direcção-Geral de Energia e Geologia (25,1% de participação), o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (24,71%), a Agência Portuguesa do Ambiente (11,67%) – todas tuteladas pelo Ministério de Duarte Cordeiro – e as suas contas estão integradas no perímetro do Orçamento do Estado. Ou seja, apenas por entidades por si tuteladas, Duarte Cordeiro “controla” mais de 60%. Acrescentando a participação da Direcção-Geral das Actividades Económicas (11,67%) tem o Governo um controlo acima de 70%.
A ADENE assegura ainda a gestão da Academia ADENE, que “promove formação especializada na certificação energética de edifícios e reforço de competências nos domínios da eficiência energética, das energias renováveis, da eficiência hídrica e da mobilidade eficiente”.
Mas, na verdade, aquilo que poderá ter parecido, aos ouvintes, um conteúdo editorial independente, até porque a ADENE refere ser apresentado por um jornalista, é afinal mais um programa de conteúdos pagos.
Nélson Lage, presidente da ADENE, foi adjunto de João Galamba, quando o actual ministro das Infraestruturas era secretário de Estado da Energia. Transitou para a agência de energia, nomeado pela tutela, em Agosto de 2020.
Com efeito, em 18 de Abril, o actual presidente da ADENE, Nelson Lage – licenciado em Ciências Políticas e antigo adjunto de João Galamba, na secretaria de Estado da Energia – e o seu vice Bruno Veloso – ex-deputado socialista – assinaram um contrato com Marco Galinha, administrador da Global Media, no valor de 19.995 euros para a “aquisição de serviços associados ao desenvolvimento, produção e dinamização do ‘Podcast ADENE, Toda a Energia”. Acrescente-se que o valor de 19.995 euros não é um acaso: a partir de 20.000 euros os contratos deste género não podem ser feitos por ajuste directo.
Apesar do caderno de encargos não constar, como deveria, no Portal Base, em comunicado ontem divulgado a ADENE refere que serão transmitidas “12 emissões, cada uma com cerca de 15 minutos”, sob o comando do “jornalista Paulo Tavares”. Ou seja, 1.666 euros pagos por cada episódio.
Nesse comunicado era logo transmitido que o ministro Duarte Cordeiro seria o primeiro participante, no qual se abordaria “o significado da Política Energética, as suas diversas dimensões e a importância para o desenvolvimento do país”, acrescentando-se ainda que “ser[ia] explicado como os cidadãos podem contribuir para o sucesso e implementação da política energética.” O episódio foi, efectivamente já emitido ontem, tendo o ministro um bónus: a conversa ocupou um espaço de antena de 35 minutos e 34 segundos.
Duarte Cordeiro é “reincidente” ao beneficiar de cobertura mediática favorável em eventos que, afinal, envolvem prestação de serviços.
Além do pagamento de quase 20 mil euros por podcasts financiados por uma entidade associada ao Ministério do Ambiente, a entrevista – e depreende-se que a totalidade dos outros episódios – foi assumida por alguém que, na verdade, já não é jornalista, embora publicamente usurpe essas funções.
Com efeito, apesar da ADENE identificar Paulo Tavares como jornalista – e o próprio também o fazer na rede LinkedIN –, o entrevistador deste podcast não tem carteira profissional activa, tanto mais que exerce agora funções como consultor de comunicação, actividade incompatível de acordo com o Estatuto do Jornalista.
Apesar disso, Paulo Tavares continua a manter-se ligado à comunicação social de uma forma ambígua (assumindo-se como jornalista), através da sua empresa unipessoal, a PTS (iniciais de Paulo Tavares Sardinha), constituída em Dezembro do ano passado para a “prestação de serviços de consultoria política e assessoria de imprensa, e de consultoria editorial”, bem como “produção, gestão e apresentação de eventos” e ainda “produção e realização de programas de rádio e televisão” e ainda “edição de revistas e outras publicações não periódicas”.
Paulo Tavares conduziu “entrevista” ao ministro do Ambiente no podcast pago pela ADENE. Apesar de se apresentar como jornalista, não tem carteira válida por ser proprietário de empresa de comunicação, mas continua com ligações ambíguas com a Global Media.
No ano passado, Paulo Tavares – que foi efectivamente jornalista na TSF entre 1993 e 2016 e, mais tarde, director-adjunto do Diário de Notícias, entre 2016 e 2018 – chegou a exercer uma função ambígua (e inexistente) num evento pago (MobiSummit) por uma empresa municipal de Cascais à Global Media: “curador editorial”, ou seja, responsável pela cobertura mediática pelos órgãos de comunicação social do grupo de Marco Galinha.
Esta situação ilegal não teve qualquer intervenção conhecida da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.
Ouvindo a “entrevista” a Duarte Cordeiro, ressalta logo, pelas questões, a abertura de caminho para que o ministro do Ambiente pudesse publicitar e promover, sem quaisquer perguntas incómodas, as políticas em curso.
Aliás, não é a primeira vez que Duarte Cordeiro beneficia de entrevistas ou notícias feitas no âmbito de alegadas parcerias de entidades associadas ao Ministério do Ambiente com órgãos de comunicação social, mas que são, na verdade, prestação de serviços envolvendo publicidade travestida de conteúdos noticiosos.
Em Maio do ano passado, o PÁGINA UM relatou que o Instituto da Conservação da Natureza pagou 19.500 euros para a cobertura de um evento, tendo uma notícia escrita por um jornalista com carteira profissional sido colocada numa ambígua secção (Projetos Expresso), onde empresas públicas e privadas adquirem “serviços de jornalismo”.
Uma semana após o primeiro evento, o ministro teve direito a uma entrevista descontraída por três jornalistas do Expresso, onde até posou, sorridente, sentado na escadaria do edifício da Rua do Século.
Também no MobiSummit, em Setembro do ano passado, Duarte Cordeiro esteve envolto em polémica por recusar prestar declarações a determinados órgãos de comunicação social alegando ter exclusivo com os media partner do evento, os três periódicos do grupo empresarial da Global Media: Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Dinheiro Vivo.
Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas continuam a “fechar os olhos” a sistemáticas violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.
Também nestes casos não houve intervenção conhecida da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, apesar das evidentes violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.
O PÁGINA UM contactou o gabinete de Duarte Cordeiro questionando se o ministro do Ambiente “já concedeu outras entrevistas pagas a outros órgãos de comunicação social”, e se sim a quais, e também se considerava “esta prática aceitável, ou seja, financiar podcasts ou outros eventos através de entidades públicas tendo como contrapartida entrevistas ou artigos noticiosos favoráveis”. Não obteve ainda resposta.
Em Abril do ano passado, o Público anunciou uma forte aposta nos temas ambientais, destacando seis jornalistas, numa equipa de 10 pessoas, supervisionados por duas editoras de Ciência, e através de um modelo assente em parcerias ao estilo de mecenato. Assim nascia o Azul. Mas o único contrato que, entretanto, veio a público com um dos parceiros iniciais (Biopollis) é afinal uma prestação de serviços, envolvendo 90 mil euros em seis meses. Entretanto, na semana passada, o Público alargou os serviços do Azul: vai fabricar conteúdos editoriais para organismos estatais. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) é o primeiro cliente e vai pagar 31 mil euros. E ainda trata o Público como “prestador de serviços”, exigindo prévia revisão dos podcasts a produzir.
Azul – assim se chama o projecto editorial do Público apresentado, em Abril do ano passado, como um modelo de jornalismo independente dedicado em exclusivo ao Ambiente.
Considerando “a crise climática como a grande causa política das novas gerações”, na verdade o Azul também mostra uma outra crise: a do jornalismo a transformar-se numa plataforma de conteúdos prêt-à-porter, onde se mercadejam “conteúdos comerciais” como informação, e onde até institutos públicos, como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), podem garantir, através de pagamentos, a execução de conteúdos controlados com prévia validação.
Desde a sua fundação, integrado na edição digital do Público, os responsáveis do Azul diziam, no respectivo estatuto editorial, ser um projecto de jornalismo de causas ambientais – com a biodiversidade, a sustentabilidade e a crise climática como bandeiras –, e que, estando aberto à sociedade civil, contava “com o apoio de parceiros comprometidos com agenda do ambiente para financiar a sua equipa e a sua operação”.
Na linha da frente, como parceiros, foram então destacadas quatro entidades: a Fundação Calouste Gulbenkian, a Biopolis – um consórcio da Universidade do Porto, da Porto Business School e da Universidade francesa de Montpellier –, a Lipor – a empresa pública de tratamento de resíduos do Grande Porto, cuja central de incineração é um dos focos mais importantes de emissão de dioxinas em Portugal – e a Sociedade Ponto Verde – uma das empresas gestoras de resíduos de embalagem.
Para garantir a execução do Azul, a direcção editorial do Público – então comandada por Manuel Carvalho – destacou, além de duas experientes jornalistas da área da Ciência, como editoras (Teresa Firmino e Andrea Cunha Freitas), uma equipa de 10 pessoas, das quais seis jornalistas, o que implicaria a impossibilidade de elaboração de conteúdos comerciais ou a subordinação a entidade externas.
Porém, apesar de o Público ter garantido que o Azul seguiria “um modelo de cooperação e mecenato cada vez mais frequente em projectos jornalísticos na Europa e nos Estados Unidos”, e que “os parceiros e o jornal reconhecem que uma condição crítica para o sucesso” deste projecto editorial “passa[ria] pela transparência e pelo respeito integral das regras profissionais e deontológicas do jornalismo consagradas na lei”, a realidade mostra-se bem diferente.
Com efeito, embora ainda sejam desconhecidos os protocolos com três dos alegados mecenas conhecidos do Azul – apesar de solicitados pelo PÁGINA UM à direcção editorial do Público –, sabe-se agora que a Biopolis fez afinal um contrato de prestação de serviços com a administração do jornal, pelo menos no período compreendido entre Março e Agosto deste ano.
Assinado nos primeiros dias de Março passado, este contrato estabelece a entrega pela Biopolis de 90 mil euros, mais IVA, a troco da “aquisição de serviços de divulgação e promoção da cultura científica, através da promoção de conteúdos subordinados aos temas da biosfera, sustentabilidade e crise ambiental”.
A questão polémica nem estará tanto na imposição – como “obrigações gerais do Público”, de acordo com a cláusula 4º do contrato – de o jornal, perante o parceiro (uma entidade externa à linha editorial) ter de identificar temas e elaborar artigos noticiosos temáticos.
Na verdade, o contrato transcende a Lei da Imprensa – o próprio Estatuto do Jornalista – porque considera, como obrigação, “a publicação de 26 (vinte e seis) artigos editoriais, nos termos e condições definidos no Anexo I ao Caderno de Encargos [que não consta no Portal Base nem foi disponibilizado pelo Público]”.
O articulado desta obrigação é, aliás, muito sui generis, pois acrescenta que os 26 artigos obrigatórios, devem resultar “de uma escolha independente e sem qualquer condicionalismo ou ingerência por parte da Biopolis”, mas acrescenta a seguir que essa escolha tem de ser feita “entre os projectos científicos disponibilizados por esta [Biopolis], a fim de lhes ser dado o tratamento e enquadramento jornalístico necessário para posterior divulgação ao público” Ou seja, se a Biopolis indicar ao Público apenas 26 temas para artigos, o jornal assume que a sua escolha é completamente independente.
Mesmo que um editor do Azul até considere que todos os temas propostos pela Biopolis não têm interesse jornalístico, e que seria mais interessante que os jornalistas dedicassem tempo e recursos a outros assuntos, o Público tem sempre a obrigação de pegar em 26 temas indicados pelo consórcio universitário.
Saliente-se que um dos critérios das avaliações de projectos de investigação nas universidade é o impacte mediático e social. Portanto, a independência editorial do Azul logo aqui aparenta ser uma miragem.
O contrato ainda acrescenta que os textos publicados no âmbito deste contrato terão como referência o serem “promovidos pela Biopolis”, mas também aqui se usa uma falácia: um pagamento sob a forma de contrato, estipulando um número pré-definido de artigos, jamais pode ser rotulado como conteúdo “promovido” ou “patrocinado”. E, se assim fosse, existem fortes dúvidas de legalidade sobre se poderá ser escrito e assinado por um jornalista, uma vez que lhe estar vedado por lei a possibilidade de contribuir para a execução de contratos comerciais.
Além disso, o contrato da Biopolis estabelece o cumprimento de prazos – ou seja, se o consórcio universitário desejar que saia publicado determinado artigo em certo dia, tal terá de se verificar – e também a obrigação de o Público “prestar as informações e esclarecimentos solicitados pela Biopolis sempre que esta assim o requeira”. Em suma, fica assumida uma linha aberta entre um jornal e quem lhe paga serviços.
Na semana passada, quando contactada pelo PÁGINA UM, a direcção editorial do Público – então ainda liderada por Manuel Carvalho – garantiu, apesar do exposto, a independência do Azul, acrescentando ainda que a Biopolis é uma rede de cientistas, e que “em causa não está uma empresa vocacionada para finalidades comerciais”. Em todo o caso, saliente-se que a Universidade de Montpellier está associada à Agência Nuclear de Energia – ligada à OCDE – e à Agência Internacional de Energia Atómica, numa altura em que está em crescendo o lobby que apresenta a energia nuclear como “energia limpa” numa perspectiva de descarbonização da Economia.
Manuel Carvalho assegurou também que “nenhum dos outros contratos” com os outros parceiros “incluem qualquer tipo de obrigação”, embora o PÁGINA UM não tenha conseguido, até agora, ter acesso nem constem no site do Azul.
David Pontes, director do Público desde 1 de Junho deste ano.
Mas se este contrato com a Biopolis já é polémico, pior ainda é aquele assinado no passado dia 25 de Maio com a CCDR-N, e detectado na passada sexta-feira pelo PÁGINA UM no Portal Base. Além de ser uma “parceria” com um instituto público sob administração directa do Estado – tutelado pelo Ministério da Coesão Territorial em coordenação com o Ministério da Modernização do Estado –, as cláusulas constantes do caderno de encargos constituem, sem margem para eufemismos, um despudorado atropelo às elementares regras deontológicas e de independência jornalística.
De facto, a troco de 31.000 euros pagos pela CCDR-N no prazo de 60 dias, o Público obriga-se, de acordo com o caderno de encargos, a “produzir uma série de conteúdos editoriais [leia-se, conteúdos jornalísticos e feitos por jornalistas] relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, de os publicar “nos websites Azul e Publico.pt e no podcast Azul”, mas com uma condição especial: o Público tem de proceder à entrega prévia dos conteúdos para a “respectiva validação” pela CCDR-N.
Aliás, na cláusula 5ª do caderno de encargos, a CCDR-N trata o Público como se fosse um mero departamento burocrático de comunicação, uma vez que exige, como “forma de prestação do serviço”, que “para o acompanhamento da execução do contrato, o Prestador de Serviços [o Público] fica obrigado a manter, sempre que solicitado, reuniões de coordenação com os representantes da Entidade Adjudicante [CCDR-N], das quais deve ser lavrada acta a assinar por todos os intervenientes da reunião”.
Isto para além de o Público ficar “também obrigado a apresentar” à CCDR-N, “sempre que solicitado, um relatório com a evolução de todas as operações objecto dos serviços e com o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato”. E até há a nota de que todos os relatórios, registos, comunicações, actas e demais documentos “devem ser integralmente redigidos em português”.
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero – que integra o conselho consultivo do Azul, e que, no ano passado, tinha elogiado a independência do projecto do Público, afirmando ser este factor “um elemento a valorizar” – diz-se surpreendido com este tipo de contratos. “Levanta-me dúvidas ver a existência de contrapartidas”, afirma este professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, para quem “se mostra fundamental haver uma clarificação”.
Por sua vez, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, mostra-se estupefacto tanto com a tipologia dos contratos como com os termos usados. “A nossa prestação, como jornalistas, é para os nossos leitores, e não pode ser para entidades externas, através de prestação de serviços”, diz, acrescentando que “o mecenato é um instrumento fundamental no jornalismo, mas não pode é surgir depois sob a forma de contratos em que se exigem contrapartidas”. Para Luís Simões “há uma necessidade de reflexão sobre este tipo de contratos”.
O PÁGINA UM tentou, especificamente sobre o contrato do Público com a CCDR-N, ouvir David Pontes, o novo director do jornal do Grupo Sonae, desde o início do presente mês, mas não obteve resposta.
Também se expôs à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) os contratos assinados pelo Público, no âmbito do projecto editorial Azul, para obtenção de um comentário, mas apenas foi acusada a “boa recepção da sua mensagem”, com a promessa de ser dado “seguimento coma brevidade possível.”
Recorde-se que em Maio do ano passado, o PÁGINA UM compilou 56 contratos com sinais de promiscuidade e ilegalidades assinados entre grupos de media e entidades públicas mas não existe, até agora, conhecimento da conclusão de diligências.
Esta notícia foi objecto de um direito de resposta publicado a 24 de Outubro de 2023 por determinação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cujo texto pode ser lido aqui.