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  • PÁGINA UM começou a denunciar promiscuidades entre Gaia e Global Media em 2021

    PÁGINA UM começou a denunciar promiscuidades entre Gaia e Global Media em 2021

    As investigações ao mundo dos negócios dos media mainstream por parte do PÁGINA UM, desde a sua criação, revelaram cedo as ligações entre a Gaiurb, o município de Gaia, a Global Media e Domingos de Andrade, o jornalista-administrador globetrotter da Global Media. O processo em curso instaurado pelo Ministério Público, no âmbito da Operação Babel, por favorecimento em abordagens noticiosas, arrisca mudar o panorama dos contratos promíscuos entre a imprensa e entidades públicas, até agora sem controlo do regulador dos media (ERC) e dos jornalistas (CCPJ).


    A promiscuidade entre a Global Media – detentora dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF – e a autarquia de Vila Nova de Gaia, agora alvo de um processo intentado pelo Ministério Público, começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Dezembro de 2021.

    De acordo com notícia de hoje da Lusa, um despacho do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto (DIAPRP) revelou que o Ministério Público acusa o presidente da edilidade socialista, Eduardo Vítor Rodrigues, de ter determinado “a outorga pelo Conselho de Administração da Gaiurb, de modo arbitrário, sem qualquer requisição de despesa, manifestação de necessidades ou proposta de contratação de serviços e/ou fornecimentos de bens emanada pelos respetivos serviços, contratos públicos com o Grupo Global Media“.

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia.

    O objectivo: garantir a chamada “boa imprensa”, como se pode constatar na leitura do Jornal de Notícias que incidem sobre Gaia e o seu presidente. Aliás, Eduardo Vítor Rodrigues é um colunista regular daquele diário nortenho, tendo começado a publicar artigos de opinião desde Junho de 2020. Já escreveu 60 artigos.

    A atenção do PÁGINA UM sobre os interesses de Gaia na contratação em particular da Global Media – há também contratos com o Público e a Cofina, mas de muito menor dimensão – começou em 26 de Dezembro de 2021, numa investigação intitulada “Gaia paga mais de meio milhão de euros em contratos com grupos de media através de empresa com dívida astronómica”.

    Revelava-se então que a Gaiurb – com competência na gestão urbanística e habitacional de Gaia – realizara três contratos com empresas da Global Media (num total de 465.000 euros). Todos os contratos tinham sido realizados por ajuste directo, sem visto prévio do Tribunal de Contas, e contra o código de contratos públicos.

    Com a Global Media, a Gaiurb estabeleceu um primeiro contrato ainda em Dezembro de 2020 para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros num processo instaurado (mas escondido) pela CCPJ, mantendo-se como jornalista acreditado.

    No dia 3 de Dezembro de 2021, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. No ano de 2020 ainda se apontavam os motivos para o ajuste directo: “não existe alternativa ou substituto razoável” e “inexistência de concorrência”. No segundo contrato nada se refere.

    Estes dois contratos comerciais foram assinados por Domingos de Andrade, então simultaneamente administrador e director de conteúdos da Global Media e director da TSF, algo que o Estatuto do Jornalista considera incompatível. Este administrador e também director de diversas publicações da Global Media viria a ser alvo de um processo de contra-ordenação por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – por assinar contratos comerciais ao mesmo tempo que era director editorial e jornalista –, mas que redundou apenas numa multa de 1.000 euros.

    O PÁGINA UM tem tentado aceder ao processo instaurado contra Domingos de Andrade desde o ano passado, mas o Secretariado da CCPJ – constituído pelos jornalistas Licínia Girão e Jacinto Godinho – têm ostensivamente recusado, numa clara violação da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.

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    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/ Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões, mas sem liberdade editorial.

    De facto, este contrato comercial – que possui, em nome da Global Media, a assinatura do jornalista Afonso Camões, o que constitui uma função incompatível nesta profissão – estipulava, na prática, uma subordinação editorial da TSF perante a Gaiurb.

    Por exemplo, o ponto 1 da cláusula 5ª determinava que “o prestador de serviços obriga-se a entregar à Gaiurb, EM [empresa municipal] os produtos, serviços e conteúdos informativos a aplicar na execução do contrato, de acordo com as características, especificações e requisitos previstos no anexo ao Caderno de Encargos, que dele fazem, parte integrante”.

    Mais recentemente, em Dezembro passado, houve novo contrato para a promoção das festas natalícias de Gaia, subindo o valor para 215.000 euros. Sempre por ajuste directo.

    Mas as relações promíscuas entre a Global Media e entidades públicas, sobretudo autarquias, não se circunscrevem a Vila Nova de Gaia.

    No ano passado, o PÁGINA UM detectou uma dezena e meia de contratos com entidades públicas assinados pela Global Media desde 2020. De entre estas estão, além da de Vila Nova de Gaia, as autarquias (ou empresas municipais) de Lisboa, Cascais, Valongo, Barreiro, Feira, Matosinhos, Aveiro, Viana do Castelo, Setúbal, Estarreja, Gondomar e Amarante, conforme o PÁGINA UM revelou em Maio do ano passado.

    Embora estes contratos tenham, quase sempre, como objecto a promoção de eventos, na verdade acabam por ser uma oportunidade de promover políticos, uma vez que são publicados textos ou programas onde não fica absolutamente nada claro que se está perante uma prestação de serviço.

    Em muitos casos detectados pelo PÁGINA UM, os jornalistas escrevem notícias condicionadas ao cumprimento dos cadernos de encargos, e até os directores editoriais da Global Media participam activamente nos eventos, sobretudo através da moderação de conferências que também estão estabelecidas nos contratos e onde os convidados são previamente indicados por quem paga. São os casos de Domingos do Amaral, como director da TSF, de Rosália Amorim, como directora do Diário de Notícias, de Joana Petiz, directora do Dinheiro Vivo, e de Inês Cardoso, directora do Jornal de Notícias.

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    Estas promiscuidades são já sobejamente conhecidas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas e pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mas sem consequências. A intervenção do Ministério Público pode vir a mudar este modus operandi que mina a credibilidade do jornalismo – até por não ser um exclusivo da Global Media.

    Apesar das evidências, em comunicado divulgado hoje, a administração da Global Media garantiu que os seus profissionais “exercem as suas funções com total respeito pelas normas deontológicas do jornalismo, preservando a independência e a separação dos compromissos comerciais assumidos com entidades externas, honrando a importância das suas marcas já centenárias no panorama dos media em Portugal”.

    E ainda dizem que “dentro da Comissão Executiva da GMG [Global Media] são claras as separações de funções entre as áreas comercial, financeira e editorial”, o que não corresponde à verdade.

    De acordo com o Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Domingos de Andrade é director tanto da TSF como da Rádio Jovem de Évora e da Rádio Caldas, tendo também uma crónica regular no Jornal de Notícias. Surge também nas fichas técnicas dos jornais O Jogo e Jornal de Notícias como director-geral editorial. Até Julho do ano passado ainda acumulava o cargo de director-editorial do Diário de Notícias.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias. Responsáveis editoriais da Global Media colaboram activamente na execução de contratos comerciais por vezes com cláusulas de subordinação e de confidencialidade.

    No entanto, apesar de deter estas responsabilidades jornalísticas de topo, que implicam a definição das linhas editoriais e a coordenação de equipas de jornalistas, Domingos Andrade ainda se ocupa, qual globetrotter dos media, em funções de gestão executiva, incluindo obviamente as áreas comerciais, sendo gerente de quatro empresas (Difusão de Ideias, Lda.; Pense Positivo, Lda.; Rádio Comercial dos Açores, Lda.; TSF – Rádio Jornal Lisboa, Lda.) e de vogal do Conselho de Administração em mais outras quatro empresas (TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve; Açormédia – Comunicação Multimédia e Edição de Publicações; Global Notícias – Media Group; e Rádio Notícias – Produções e Publicidade). Todas são do universo do Grupo Global Media.

    Mas o comunicado da Global Media, querendo ignorar estes factos públicos, ainda acrescenta que “os diretores das respetivas marcas (…) têm, como não poderia deixar de ser, total autonomia editorial e de gestão de recursos”.

  • Nos últimos três anos, Câmara de Gaia pagou mais de 800 mil euros a grupos de comunicação social

    Nos últimos três anos, Câmara de Gaia pagou mais de 800 mil euros a grupos de comunicação social

    É uma modalidade cada vez mais usada por empresas privadas, mas agora também por autarquias: as parcerias comerciais com grupo de comunicação social. Consegue-se cobertura mediática, sempre favorável, e até entrevistas e convites para integrar conselhos estratégicos. E talvez mesmo a parte mais apetecível: acabam-se com as notícias negativas e com investigações jornalísticas aos sempre nebulosos processos de autorização urbanística. O PÁGINA UM mostra como, nos últimos três anos, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia usou contratos com três grupos de media para transmitir uma mensagem idílica do urbanismo daquele concelho nortenho. Não é caso único, como o PÁGINA UM revelará nas próximas semanas.


    Nos últimos anos, a autarquia de Vila Nova de Gaia tem sido uma das mais activas na contratação de serviços aos grupos de comunicação social, através de parcerias comerciais com a participação de jornalistas numa promiscuidade que põe em causa a independência na cobertura noticiosa. E, obviamente, na descoberta e denúncia de processos de legalidade duvidosa, que sempre foram o apanágio de uma comunicação social independente.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, desde 2020 o município liderado pelo socialista Eduardo Vítor Rodrigues, sobretudo através da Gaiurb – que tem a gestão do sector da habitação, do urbanismo e do planeamento, incluindo a revisão do Plano Director Municipal – assinou oito contratos de parcerias jornalistico-comerciais com três grupos de media: Público, Global Media (Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF) e Cofina (Correio da Manhã e Jornal de Negócios).

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia.

    O montante de maior dimensão foi entregue à Global Media, de Marco Galinha. Em 2020, a Gaiurb – que em finais de 2021 fechou as contas com um passivo de 7,1 milhões euros – estabeleceu um primeiro contrato para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    Um ano mais tarde, no dia 3 de Dezembro de 2021, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. Em Dezembro passado, novo contrato, subindo o valor para 215.000 euros. Sempre por ajuste directo.

    Mas houve mais contratos da Gaiurb fora do âmbito deste evento natalício. Em Novembro de 2021, foi feito por 19.990 euros, e também por ajuste directo, uma “aquisição de serviços de comunicação”. Nada mais se sabe porque nem sequer foi reduzido a escrito o contrato, através de uma interpretação muito abrangente do Código dos Contratos Públicos.

    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões (CP 4707), mas sem liberdade editorial.

    Quanto ao Público, foi estabelecido em Abril de 2021 – mas apenas publicado sete meses depois no Portal Base – um contrato para o desenvolvimento de um projecto jornalístico de podcasts denominado “Conversas Urbanas”, no valor de 64.500 euros.

    Este contrato concretizou-se através de 16 podcasts numa rubrica intitulada “Conversas Urbanas”, assumida pelo Público como tendo o “apoio da Gaiurb”. Saliente-se, contudo, que esse apoio, em concreto, foi exclusivamente monetário, ou seja, uma prestação de serviços de âmbito comercial. Este programa, financiado pela Gaiurb, consistiu sobretudo em entrevistas com especialistas em urbanismo, conduzidas pela jornalista Ana Isabel Pereira e pelo director-adjunto David Pontes, que no próximo mês assume a função de director do jorna detido pela Sonae.

    Por fim, os contratos da Cofina. O primeiro foi assinado em 10 de Novembro de 2020, e o único pormenor conhecido, além do valor do ajuste directo (53.000 euros), é que serviu para promover o projecto Meu Bairro, Minha Rua durante 20 dias.

    A única referência que o PÁGINA UM encontrou em órgãos de comunicação social da Cofina sobre este projecto foi um vídeo, já inactivo, no Correio da Manhã, na secção de conteúdos pagos denominada C-Studio CM. Na sua página do Facebook, a Gaiurb informa que existiriam quatro vídeos, mas apenas divulgou o primeiro, em 3 de Julho daquele ano.

    Mais recentemente, em 19 de Outubro do ano passado, a Cofina assinou um contrato de 19.900 euros denominado “aquisição de serviços de promoção de Gaia Município Sustentável para o Município de Vila Nova de Gaia, no âmbito da atribuição do Prémio Nacional de Sustentabilidade”.

    Para além de custear a realização de um ciclo de três conferências temáticas, uma das quais obrigatoriamente em Vila Nova de Gaia, este contrato serviu para se conseguir um “convite ao Presidente da Câmara de Gaia [Eduardo Vítor Rodrigues] para integrar o Conselho Estratégico do Negócios Sustentabilidade]”, bem como uma entrevista que acabou por ser transformada num depoimento e artigo noticioso do Jornal de Negócios de 25 de Outubro do ano passado.

    Extracto do caderno de encargos

    A aquisição de serviços pelas autarquias para a elaboração de conteúdos editoriais ou eventos com uma componente de divulgação noticiosa, tem sido uma fórmula cada vez mais seguida pelos media nacionais, como alternativa financeira à queda do mercado publicitário e à “fuga” de leitores.

    Porém, a forma como muitos destes contratos são estabelecidos, e as suas cláusulas, levantam fortes suspeições sobre a equidistância necessária entre actividades de marketing e independência jornalística.

    Em diversos contratos com cadernos de encargos publicados no Portal Base – o que não sucede com todos – constam claramente cláusulas de confidencialidade. Por exemplo, no caderno de encargos do contrato da autarquia com a Cofina, assinado em Outubro do ano passado, saliente-se que “o prestador de serviços [que engloba os seus jornalistas] deve guardar sigilo sobre toda a informação e documentação, técnica e não técnica, comercial ou outra, relativa ao Município de Vila Nova de Gaia, de que possa ter conhecimento ao abrigo ou em relação com a execução do contrato.”

    Acrescenta-se ainda que “a informação e a documentação cobertas pelo dever de sigilo não podem ser transmitidas a terceiros, nem objeto de qualquer uso ou modo de aproveitamento que não o destinado direta e exclusivamente à execução do contrato”, excluindo-se apenas informações que “comprovadamente [sejam] do domínio público à data da respetiva obtenção pelo prestador de serviços ou que este seja legalmente obrigado a revelar, por força da lei, de processo judicial ou a pedido de autoridades reguladoras ou outras entidades administrativas competentes.” E determina mesmo um prazo deste estranho dever de sigilo que engloba jornalistas: dois anos.

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    Mas além da participação de jornalistas em eventos, e o compromisso de cobertura noticiosa e de entrevistas a autarcas, sempre numa linha muito favorável e até por vezes encomiástica, este tipo de contratos com peso comercial levanta questões éticas muito relevantes, porque pode levar a ponderar sobre a publicação ou não de notícias desfavoráveis sobre uma determinada autarquia.

    Não por acaso, ainda recentemente, duas jornalistas do Conselho de Redação do jornal Público que “as dúvidas sobre a separação entre o que são conteúdos jornalísticos e conteúdos comerciais seriam por si só suficientes” para chumbar o nome de David Pontes para director daquele periódico. Saliente-se também que há mais de um ano a Entidade Reguladora para a Comunicação Social está alegadamente a investigar mais de meia centena de contratos entre grupos de media e entidades públicas, em especial autarquias.

  • Partido Socialista pagou ao Diário de Notícias da Madeira para promover actual governante

    Partido Socialista pagou ao Diário de Notícias da Madeira para promover actual governante

    Em Julho de 2019, pouco depois de abandonar as funções de liderança na autarquia do Funchal para se candidatar ao cargo de presidente do Governo Regional da Madeira, Paulo Cafôfo fez propaganda política usando a página oficial no Facebook do Diário de Notícias daquele arquipélago. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social concluiu, quase quatro anos após uma queixa, que a propaganda feita pelo actual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas foi mesmo uma “parceria remunerada”, o que coloca em causa a independência do jornal. Ironicamente, dois dos proprietários do periódico madeirense estão agora envolvidos em suspeitas de benefícios ilegítimos pelo Governo Regional da Madeira, presidido pelo social-democrata Miguel Albuquerque. Neste caso, a queixa veio do Partido Socialista.


    O Diário de Notícias da Madeira recebeu contrapartidas financeiras do Partido Socialista para promover o seu candidato às eleições regionais de 2019, Paulo Cafôfo, actual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

    Esta é a conclusão de uma investigação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), iniciada em Julho daquele ano, que acabou por confirmar que as publicações de propaganda política ao candidato socialista no Facebook constituíam uma “parceria remunerada” entre o Diário de Notícias da Madeira e o PS Madeira.

    Paulo Cafôfo, ontem, em visita ao Canadá como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

    A ERC, em deliberação de Abril passado mas apenas esta semana divulgada, acrescenta que, apesar de não se ter verificado uma violação da Lei Eleitoral – por as acções terem ocorrido antes da marcação oficial do sufrágio –, este acto “configura, no mínimo, uma falta de isenção e independência por parte do Diário de Notícias Madeira, na medida em que os vídeos do PS Madeira publicados como ‘parceria remunerada’ surgem, aos olhos dos leitores, como uma ‘adesão’ do jornal àqueles conteúdos de propaganda política”, conflituando assim com os princípios da Lei da Imprensa.

    O regulador relembra também que “a credibilidade dos órgãos de comunicação social de cariz informativo depende, em grande medida, da sua independência” e que face ao estatuto editorial daquele periódico madeirense, “é expectativa dos seus leitores o distanciamento do jornal face aos partidos políticos”.

    Apesar de o regulador não justificar as razões para uma decisão tão demorada – quase quatro anos, pois o processo iniciou-se por queixa entrada em 8 de Julho de 2019 –, a deliberação refere dúvidas sobre o enquadramento jurídico, a natureza dos conteúdos, a entidade competente e as respectivas competências. Contudo, também destaca que essas dúvidas foram sanadas em 2020.

    Paulo Cafôfo em carpool na campanha para as eleições do Governo Regional da Madeira divulgada como parceria remunerada na página do Facebook do Diário de Notícias da Madeira.

    Certo é que, na sua investigação, a ERC confirmou que “a página de Facebook do Diário de Notícias Madeira possuía em Julho de 2019, “quatro anúncios ativos, três deles lançados a 11 de Julho e um a 12 de Julho”, e que “todos eles se relaciona[va]m com o candidato de Paulo Cafôfo”. E concluiu que “em termos de anúncios ou parcerias remuneradas, o jornal, na sua página de Facebook, promovia apenas publicações de uma única entidade, sendo ela Paulo Cafôfo, o candidato do PS Madeira a presidente do Governo Regional.”

    A deliberação da ERC remete mesmo para uma ligação ao Facebook, com anúncios do Diário de Notícias da Madeira, mas que já não se encontra activa.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM conseguiu confirmar que, pelo menos uma desta acções de propaganda política paga pelo Partido Socialista ao jornal madeirense está activa, vendo-se Paulo Câfofo ao estilo de carpooling a conduzir a “Senhora Celina”, de 78 anos, entabulando conversa sobre maleitas e o estado da saúde, com o candidato a prometer que “vão meter mais médicos quando nós formos Governo”.

    A acompanhar o curto vídeo, de 1 minuto e 24 segundos, surgem diversas mensagens políticas. O vídeo conta com 63 mil visualizações e 587 reacções – um número extremamente elevado para os padrões daquele periódico. Cerca de uma semana após a emissão deste vídeo, o jornal publicou um longo e favorável perfil de vida de Paulo Cafôfo, no decurso de uma conversa com o próprio director do periódico.

    Porém, a ERC não analisou os contornos globais desta “parceria remunerada”, não fazendo referências ao perfil publicado nem à abordagem noticiosa em redor da campanha a Cafôfo nem conseguiu apurar os montantes envolvidos. Na verdade, o Diário de Notícias da Madeira não respondeu ao regulador quando questionado sobre esta parceria com o Partido Socialista.

    Saliente-se, aliás, como também refere a ERC, que este modelo de parceria para propaganda política já não se enquadra nas “políticas de conteúdos de marca” do Facebook, que se destinam agora sobretudo aos chamados influencers digitais para promover produtos. Em termos de analogia, o regulador diz mesmo que, “aplicando esta lógica ao caso em apreço, resulta que o Diário de Notícias Madeira apresentou-se como ‘criador’ de conteúdo que promovia uma ‘marca’ – o PS Madeira – junto dos seus seguidores a troco de algum tipo de compensação por parte da marca promovida”.

    No período em que houve “parceria remunerada”, o Diário de Notícias da Madeira entrevistou o candidato socialista Paulo Cafôfo, publicando um perfil de vida, onde o político se assumia como “reikiano”.

    Se no caso dos influencers digitais, “esta compensação pode assumir as mais variadas formas – produtos, serviços, e em casos de maior sofisticação, contratos entre influencers e marcas)”, a ERC diz que teria sido útil o jornal ter esclarecido qual o tipo de compensação obtida.

    O PÁGINA UM contactou o director do Diário de Notícias da Madeira, Ricardo Miguel Oliveira (CP 1792), mas não obteve resposta. Também se enviou um pedido de comentário ao secretário de Estado das Comunidades Portuguesa, Paulo Cafôfo, solicitando que fosse também transmitido qual o valor da compensação concedida pelo Partido Socialista ao periódico madeirense. Até agora, também não houve resposta.

    O Diário de Notícias da Madeira é um dos mais antigos periódicos portugueses, fundado em 1876, com uma tiragem média de cerca de 5.500 exemplares, quase quatro vezes mais do que o homólogo Diário de Notícias (de Lisboa). Aliás, actualmente, o periódico madeirense – que registou um lucro de quase 250 mil euros no ano passado – tem uma participação da Global Media de 11%, sendo Marco Galinha um dos seus gerentes.

    Paulo Cafôfo e António Costa em Setembro de 2021, na Madeira, durante a campanha para as eleições autárquicas.

    Curiosa e ironicamente, os dois “homens fortes” do Diário de Notícias da Madeira são os empresários Luís Miguel Sousa (que detém 40% do capital do jornal, através da Newspar) e Avelino Aguiar Farinha (com 37%, através da Verbum Media).

    Ambos os empresários foram ouvidos recentemente na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre “o favorecimento dos grupos económicos pelo Governo Regional, pelo Presidente do Governo Regional e Secretários Regionais e ‘obras inventadas’, em face da confissão do ex-secretário regional Sérgio Marques, em declarações ao Diário de Notícias (de Lisboa), suscetível de configurar a prática de diversos crimes”, conforme pedido feito pelo grupo parlamentar do Partido Socialista.

  • “Erro informático” apagou informação sobre multa ao director da TSF

    “Erro informático” apagou informação sobre multa ao director da TSF

    O jornalista Domingos de Andrade, com funções de topo na definição editorial de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media, foi multado em 1.000 euros pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) por acumular também cargos de gestão executiva. Quando o PÁGINA UM começou a fazer perguntas, desapareceu a referência à sanção no site do regulador. Afinal, terá sido, alega a CCPJ, um “erro informático”. Na verdade, acrescenta o PÁGINA UM, um estranho erro informático.


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) alega “erro informático” para a retirada do site daquele regulador da informação relativa à multa aplicada a Domingos de Andrade por “atos de cariz comercial” enquanto se mantinha como jornalista, agravado pelas suas funções de director de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media.

    Conforme divulgado pelo PÁGINA UM na passada sexta-feira, a CCPJ decidiu aplicar a Domingos de Andrade uma multa de apenas 1.000 euros, sem qualquer sanção acessória, que terá sido devida à sua participação na assinatura de contratos comerciais como administrador da Global Media.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros, mantendo-se como jornalista acreditado.

    Embora a CCPJ nunca tenha disponibilizado detalhes sobre o processo instaurado durante o ano passado contra este jornalista – considerando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e que todas as notícias que publicámos eram “sensacionalistas”–, no site deste órgão regulador e disciplinador da classe jornalística esteve até quinta-feira a informação sobre a aplicação da sanção ao director da TSF, que terá sido tomada em 25 de Janeiro deste ano.

    Porém, na sexta-feira passada, curiosamente depois do contacto do PÁGINA UM a Domingos de Andrade – que não prestou qualquer comentário –, desaparecera esse documento com as quatro decisões em processos instaurados contra jornalistas em 2022.

    Além do caso de Domingos de Andrade, nesse documento original – consultado e descarregado pelo PÁGINA UM antes do “apagão” – constavam referências a processos contra Maria Moreira Rato (coima de 1.000 euros por prestação de falsas declarações, que foi impugnada judicialmente) e dois arquivamentos por pagamento voluntário de coima de 200 euros: uma a Luís Almeida por “publicidade em jornal digital” e outra a Luís Branco (por exercício de funções de “técnico de multimédia de grupo parlamentar” não identificado).

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) modificou a síntese dos processos de contra-ordenação referentes ao ano de 2022 (original em cima), exactamente no momento em que o PÁGINA UM pediu comentários a Domingos de Andrade. Na informação constante no site da CCPJ na sexta-feira passada (original em baixo) não correspondia à verdade. A CCPJ repôs o primeiro documento e diz agora ter havido um “erro informático”.

    Em seu lugar passou a constar apenas um documento com referência aos processos de Luís Almeida e Luís Branco. Ou seja, caso o PÁGINA UM não tivesse descarregado o ficheiro original, inexistia uma prova no site da CCPJ da multa aplicada a Domingos de Andrade em 25 de Janeiro passado, e que fora por ele impugnada em 13 de Março. Até porque, nesse documento surgia a informação de que só tinham sido concluídos dois, e não quatro, processos de contra-ordenação.

    Tendo o PÁGINA UM contactado a CCPJ para justificar o “apagão” do documento, a reacção surgiu apenas esta tarde.

    Em mensagem de correio electrónico, o Secretariado desta entidade presidida por Licínia Girão diz que “, por erro informático, a atualização operada numa outra tabela na área dos Processos de Contraordenação não terá sido realizada com sucesso, tendo provocado a recuperação, pelo sistema, da informação anterior relativa aos anos de 2021 e 2022.”

    O PÁGINA UM confirmou que o documento original, relativo ao ano de 2022 – com a referência ao processo de Domingos de Andrade – já foi reposto. Em todo o caso, a justificação de “erro informático” aduzido pela CCPJ surge estranho, porquanto os registos dos procedimentos contraordenacionais instaurados por aquela entidade são apresentados por ano desde 2010.   

    Recorde-se que o PÁGINA UM ainda aguarda, após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que a CCPJ disponibilize um conjunto de documentos administrativos daquela entidade, incluindo o processo contra-ordenacional levantado a Domingos de Andrade.

  • Negócios: Director da TSF multado em 1.000 euros mas mantém cargos empresariais

    Negócios: Director da TSF multado em 1.000 euros mas mantém cargos empresariais

    Jornalista, colunista e com funções de topo na definição editorial de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media, Domingos de Andrade não tinha problemas em assumir também tarefas executivas de marketing e parcerias comerciais em oito empresas de media, chegando mesmo a assinar contratos. Em Julho do ano passado, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) ameaçou retirar-lhe a acreditação, mas a “montanha de promiscuidades pariu um rato”: uma multa de mil euros. Assim, Domingos Andrade mantém carteira profissional, liderança e coordenação de redacções e todos os cargos de gestão empresarial, tendo apenas deixado de assinar contratos. Além disso, impugnou judicialmente a multa.


    O director da Rádio TSF, Domingos de Andrade, também administrador de várias empresas do Grupo Global Media, foi multado em 1.000 euros pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCCPJ), num processo iniciado após denúncias do PÁGINA UM de que aquele jornalista estaria a definir estratégias de marketing, assinando até contratos comerciais.

    Apesar da gravidade da situação, a CCPJ não lhe aplicou qualquer sanção acessória, prevista pelo Estatuto de Jornalista, pelo que Domingos de Andrade manteve incólume a sua acreditação como jornalista e como director editorial de diversos órgãos de comunicação social do Grupo Global Media. Em simultâneo, continua em todos os cargos de administração e gerência de empresas do Grupo Global Media.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros, mantendo-se como jornalista acreditado.

    De acordo com o Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Domingos de Andrade – que não quis prestar quaisquer declarações ao PÁGINA UM – é director tanto da TSF como da Rádio Jovem de Évora e da Rádio Caldas, tendo também uma crónica regular no Jornal de Notícias. Surge também nas fichas técnicas dos jornais  O Jogo e Jornal de Notícias como director-geral editorial. Até Julho do ano passado ainda acumulava o cargo de director-editorial do Diário de Notícias.

    Apesar de deter estas responsabilidades jornalísticas de topo, que implicam a definição das linhas editoriais e a coordenação de equipas de jornalistas, Domingos Andrade ainda se ocupa, qual globetrotter dos media, em funções de gestão executiva, incluindo obviamente as áreas comerciais, sendo gerente de quatro empresas (Difusão de Ideias, Lda.; Pense Positivo, Lda.; Rádio Comercial dos Açores, Lda.; TSF – Rádio Jornal Lisboa, Lda.) e de vogal do Conselho de Administração em mais outras quatro empresas (TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve; Açormédia – Comunicação Multimédia e Edição de Publicações; Global Notícias – Media Group; e Rádio Notícias – Produções e Publicidade). Todas são do universo do Grupo Global Media.

    Embora a CCPJ nunca tenha disponibilizado detalhes sobre o processo instaurado durante o ano passado contra Domingos de Andrade – considerando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e que todas as notícias que publicámos eram “sensacionalistas”–, no site deste órgão regulador e disciplinador da classe jornalística esteve até ontem a informação sobre a aplicação da sanção ao director da TSF, que terá sido tomada em 25 de Janeiro deste ano.

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    No documento inicial que o PÁGINA UM consultou ao longo desta semana no site da CCPJ surge a referência a Domingos Andrade ser “administrador com funções executivas”, e que terá praticado “atos de cariz comercial”, o que constitui um “exercício de actividade incompatível” com o jornalismo. Nesse documento, onde também constam outros quatro processos, informava-se também que a decisão da CCPJ tinha sido impugnada judicialmente no dia 13 do mês passado.

    Mas, entretanto, de forma inopinada, esta informação das sanções aplicadas a jornalistas em processos iniciados em 2022 foi retirada pela CCPJ, curiosamente após o contacto do PÁGINA UM a Domingos de Andrade, sendo substituída por outra. Na nova ligação desapareceu as referências ao processo de contraordenação de Domingos de Andrade e da jornalista Maria Moreira Rato, ambas impugnadas. Saliente-se que, por exemplo, as contraordenações e deliberação tomadas pela ERC contra jornalistas e órgãos de comunicação social são publicadas na íntegra, independentemente de eventuais impugnações. Somente por decisão judicial podem aqueles ser anuladas.

    Este “apagão” promovido pela CCPJ acaba, porém, por transmitir uma falsidade, involuntária ou intencional. No documento original, com referências aos processos de Domingos de Andrade e de Maria Moreira Rato, havia a indicação da aplicação de duas coimas e dois arquivamentos por pagamento voluntário de coima ao longo de 2022; agora, o regulador presidido por Licínia Girão – e que integra outros oito jornalistas – transmite uma mentira, porque somente destaca a existência de dois arquivamentos por pagamento voluntário da coima.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) modificou a síntese dos processos de contra-ordenação referentes ao ano de 2022 (original em cima), exactamente no momento em que o PÁGINA UM pediu comentários a Domingos de Andrade. A informação agora constante no site da CCPJ (original em baixo) não corresponde à verdade.

    O PÁGINA UM contactou a CCPJ para conhecer os motivos da retirada da informação pública sobre a multa aplicada a Domingos de Andrade, e quem ordenou o expurgo, mas, por agora, só houve a seguinte resposta lacónica: “Agradecemos o seu e-mail, cujo conteúdo receberá a nossa melhor atenção.”

    Apesar da escassez de informação e do (já habitual) secretismo e obscurantismo da CCPJ, o PÁGINA UM sabe que este processo instaurado contra Domingos de Andrade está relacionado com o regime de incompatibilidades do Estatuto do Jornalista – uma lei de 1999 – que impede os jornalistas de exercerem “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”. A preparação, assinatura e execução de contratos comerciais constitui, sem margem para dúvidas, funções de “planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM começou por detectar dois contratos comerciais assinados por Domingos de Andrade como administrador da Global Media, designadamente com a Câmara Municipal de Valongo (para a produção de reportagens, no valor de 74.000 euros) e com a Comunidade Intermunicipal da Beira Alta (para aquisição de serviços de publicidade e divulgação turística para o período do Verão de 2021, no valor de 25.000 euros). Domingos de Andrade não estava, como administrador, impedido de assinar contratos, mas deveria ter suspendido a sua carteira profissional, além de as suas funções de direcção editorial ficarem assim feridas do ponto de vista deontológico.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ, anda há meses a recusar o acesso ao processo de Domingos de Andrade, e de outros documentos administrativos, alegando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e as suas notícias têm “conteúdo inteiramente sensacionalista”.

    Mesmo depois de a CCPJ, então ainda presidida pela jornalista do Público, Leonete Botelho, ter levantado um “processo de questionamento” a Domingos de Andrade, o multifacetado jornalista-gerente ainda assinou novo contrato comercial.

    Em Julho do ano passado, o Correio da Manhã ainda divulgou uma alegada intenção da CCPJ, presidida por Licínia Girão, em não renovar a carteira profissional de jornalista a Domingos de Andrade. Essa intenção jamais se concretizou. Hoje, o director da TSF e de mais duas rádios consegue manter-se como jornalista (com a carteira profissional 1723) e a gerir oito empresas da Global Notícias. Apenas deixou de assinar os contratos, pelo menos com entidade públicas, conforme consulta no Portal Base.

    Para a CCPJ, aparentemente, o caso ficaria bem encerrado a troco de 1.000 euros de multa, com 40% do montante a reverter para este órgão, mesmo se, discretamente – apenas com o cuidado de não apor a sua assinatura em contratos –, este jornalista continua a dirigir outros jornalistas enquanto em simultâneo negoceia e participa na execução de parcerias comerciais com entidades públicas e privadas.

    Com o seu recurso ao Tribunal Administrativo, Domingos de Andrade mostra que acha que nem uma singela multa merece a sua atitude de promiscuidade entre jornalismo e marketing.

  • Nove jornalistas da CCPJ acham que há pedidos de jornalistas “manifestamente abusivos”. Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que não

    Nove jornalistas da CCPJ acham que há pedidos de jornalistas “manifestamente abusivos”. Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que não

    O órgão regulador e disciplinador dos jornalistas a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – tem sistematicamente recusado o acesso a informação ao PÁGINA UM sobre a sua actividade. A recusa é uma postura já clássica: entidades governamentais e da Administração Pública têm cultivado o obscurantismo, razão pela qual correm processos em Tribunal Administrativo. Mas a CCPJ, liderada por Licínia Girão, cooptada por ser uma “jurista de mérito”, e que integra nove jornalistas usou um inusitado argumento de peso: os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos”. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que isso não é argumento válido segundo a lei.


    São nove os jornalistas da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – o órgão regulador e disciplinador desta classe – que defenderam que os quatro pedidos do PÁGINA UM para acesso a documentos administrativos, relacionados com o funcionamento e actividades daquela entidade, não deveriam ser disponibilizados. Motivo: os pedidos eram “manifestamente abusivos”, defenderam os membros do Plenário da CCPJ, no processo aberto pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Tanto na recusa do pedido do PÁGINA UM como na argumentação no processo levantado pela CADA, a CCPJ defendeu que a “finalidade do acesso aos documentos [por parte do director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, jornalista acreditado desde 1995] é, em si, manifestamente abusiva”, alegando que “o requerente tem vindo, ao longo do último ano, a mover sucessivos pedidos de acesso aos mais variados documentos na posse da CCPJ, acabando por fazer um uso abusivo dos mesmos quando a eles tem acesso”.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tem sede no Palácio Foz, em Lisboa.

    Na semana passada, a CADA – presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira – acabou, como se esperava, por esclarecer num parecer demolidor que a “alegação de que a finalidade de acesso à documentação é ’abusiva’ [como defendiam os nove jornalistas que conjunturalmente ocupam a CCPJ], por o requerente [director do PÁGINA UM] ter vindo a fazer uso abusivo da documentação que vai obtendo, (…) não constitui fundamento de indeferimento do pedido de acesso, tratando-se de documentação livremente acessível”.

    Para a CADA, “a responsabilidade quanto ao uso de informação livre recai sobre cada qual, não podendo uma entidade administrativa [como é a CCPJ] condicionar o acesso pelo conhecimento do que tem vindo a ser feito e ou a antevisão do que dela será feito”.

    Após este parecer da CADA, que não é vinculativo, a CCPJ tem agora 10 dias para dar uma resposta ao PÁGINA UM. Uma nova recusa levará o caso ao Tribunal Administrativo de Lisboa, bem como queixas junto do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Licínia Girão é presidente da CCPJ desde Maio do ano passado. Recusa-se sistematicamente a dar acesso a qualquer documento desta entidade ao PÁGINA UM com argumentos “perigosos” para a classe.

    Os documentos administrativos da CCPJ que estão na base desta inusitada querela são, na verdade, básicos, integrando a gestão normal desta entidade dirigida agora por Licínia Girão, coadjuvada por um histórico do jornalismo português, Jacinto Godinho, que acumula o emprego de repórter da RTP enquanto é também professor de Comunicação Social na Universidade Nova de Lisboa.

    Entre os documentos a que o PÁGINA UM pretende ter acesso estão as actas das reuniões do Plenário da CCPJ e ainda documentos que atestam os valores recebidos a título de remunerações e/ ou senhas de presença dos membros desta entidade.

    Neste último caso, os membros da CCPJ nem sequer quiseram assumir que são uma entidade de direito público – obrigada, por exemplo, a fornecer os valores definidos pelo Governo quanto ao valor das senhas de presença e outras regalias –, alegando que as receitas provêm dos emolumentos dos jornalistas. A CADA não lhes dá a mínima razão. E mesmo que não fosse uma entidade pública, os jornalistas que integram a CCPJ mostram serem pouco adeptos da transparência perantes os seus pares.

    Exemplo de uma notícia do PÁGINA UM classificada pela CCPJ como sendo “sensacionalista” para justificar que os pedidos agora feitos são “manifestamente abusivos”. Todo o conteúdo desta notícia é factual, tal como todas as outras publicadas pelo PÁGINA UM.

    Além destes documentos, o PÁGINA UM teve de requerer novamente os pareceres do Secretariado da CCPJ desde a sua criação, bem como os processos supostamente abertos em finais de 2021 aos directores do Público e de publicações da Global Media por participação na execução de contratos públicos. Nos dois últimos casos, a CCPJ já havia recusado este acesso no ano passado, não tendo a situação sido analisada pelo Tribunal Administrativo por um lapso processual da parte do PÁGINA UM.

    Relativamente a esses dois últimos casos (pareceres e acesso a processos disciplinares contra directores de órgãos de comunicação social mainstream), a interpretação da CADA é de que a CCPJ não tem obrigação agora de responder ao director do PÁGINA UM, porque já recusou anteriormente há menos de dois anos, mas tal não significa que este tenha perdido o direito de acesso. Mesmo sendo interpretação questionável, que poderá ser dirimida no Tribunal Administrativo, na verdade bastará que outro jornalista do PÁGINA UM (ou de outro órgão de comunicação social) faça similar pedido para que o direito de acesso a esses mesmos documentos seja juridicamente inquestionável.

    Saliente-se que, apesar de o director do PÁGINA UM ter abordado por mais de uma dezena de vezes casos de promiscuidade na imprensa mainstream e questionado em artigos jornalísticos e de opinião as qualificações da presidente da CCPJ – as causas para que esta entidade considerasse que os pedidos deveriam ser vistos como “manifestamente abusivos” –, não existe em curso qualquer processo disciplinar contra si.

    Trecho do parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Note-se que qualquer processo disciplinar contra um jornalista pode ser oficiosamente levantado pela CCPJ, seguindo trâmites específicos do Direito Administrativo, quando estiver em causa a suspeita de qualquer delito ético ou profissional. Não existe também qualquer conhecimento de uma queixa por difamação ou outro qualquer crime por causa das diversas notícias sobre estas matérias por parte do PÁGINA UM nem tão-pouco qualquer pedido de direito de resposta ou rectificação – que, aliás, a existir seria imediatamente publicado, em acordo com o estipulado pela Lei da Imprensa.  

    Os membros da CCPJ são, além de Licínia Girão (CP 1327), os jornalistas Jacinto Godinho (CP 772), Anabela Natário (CP 326), Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), Isabel Magalhães (CP 1024), Cláudia Maia (CP 2578), Paulo Ribeiro (CP 1027), Luís Mendonça (CP 1407), Pedro Pinheiro (CP 1440). Juntam-se assim a responsáveis políticos e da Administração Pública que se têm recusado a disponibilizar documentos administrativos ao PÁGINA UM. Em diversos casos acabaram já por ser obrigados a fornecer esses documentos em processos de intimação no Tribunal Administrativo.

    Em todo o caso, até agora, nenhum responsável político ou da Administração Pública recusou fornecer documentos ao PÁGINA UM alegando explicitamente que poderia implicar a publicação de notícias eventualmente desfavoráveis. Foi necessário nove jornalistas para que esse argumento fosse agora usado. Histórico: no mau sentido.

  • Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Em casa de ferreiro, espeto de pau. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) recusa ceder documentos administrativos aos próprios jornalistas sobre o seu funcionamento, mesmo se esta entidade é pública. Em causa estão as decisões tomadas desde 2020 pelo órgão regulador e de acreditação de uma profissão que está em polvorosa, com um abaixo-assinado de 1.400 jornalistas, por causa da subida da taxa obrigatória para o exercício da profissão. Num pedido do PÁGINA UM, pretende-se saber a remuneração da presidente da CCPJ, Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado. como “jurista de mérito”, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020.


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) recusa o acesso às actas do plenário daquele órgão regulador, bem como aos documentos que comprovem as remunerações dos seus membros, numa altura em que se avolumam as críticas contra a entidade reguladora da classe. Este mês, a CCPJ aumentou os emolumentos para o exercício da actividade jornalística, levando à criação de um abaixo-assinado de cerca de 1.400 jornalistas.

    A entidade presidida por Licínia Girão – uma jornalista freelancer cooptada por oito jornalistas que integram o Plenário da CCPJ por ser considerada uma “jurista de mérito”, apesar de nem sequer ter conseguido concluir o estágio de advocacia – decidiu subir os encargos pela aquisição e renovação bianual da carteira profissional, subindo os emolumentos de 66,5 euros para os 76 euros.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tem sede no Palácio Foz, na Praça dos Restauradores, em Lisboa.

    A CCPJ – um organismo independente de direito público para a acreditação e disciplina dos jornalistas, embora sem qualquer semelhança com uma Ordem – alegou que os emolumentos são “a única base fundamental do [seu] orçamento (…) para efetuar a sua missão legal, nomeadamente o processamento e a emissão física dos próprios títulos, pagar os salários aos cinco colaboradores que asseguram o serviço diário da Comissão e as despesas inerentes à manutenção deste organismo”.

    Nesse comunicado, o Secretariado da CCPJ – composto por Licínia Girão e Jacinto Godinho, que é jornalista da RTP e professor na Universidade Nova de Lisboa – acrescentou ainda que “a receita anual proveniente dos valores pagos a título de emolumentos pelos jornalistas e equiparados, não são suficientes para a total autonomia financeira da Comissão”.

    Contudo, nem o Orçamento nem o plano de actividades nem tão-pouco os encargos dos funcionários e também dos diversos membros da CCPJ são divulgados no site da entidade nem são revelados, quando pedidos pelos próprios jornalistas.

    Licínia Girão é, desde Maio do ano passado, presidente da CCPJ por ser considerada “jurista de mérito”, mas quando assumiu cargo estava a desenvolver estágio de advocacia, que foi incapaz de concluir, e “chumbou” ainda no acesso ao curso de magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Da sua actividade jornalística actual sabe-se pouco: consta apenas na “Ficha Técnica” do jornal Sinal Aberto, surgindo identificada na “Redação” ao lado de pessoas que não possuem carteira profissional, o que não é permitido por lei.

    Em 6 de Fevereiro passado, o PÁGINA UM, no âmbito de outros pedidos, requereu a Licínia Girão “o acesso a presencial de todas as actas do Plenário da CCPJ desde 2020” e ainda “o acesso presencial ao documento administrativo original onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”.

    Desde Maio do ano passado, a CCPJ é presidida por Licínia Girão, uma jornalista freelancer que vive em Coimbra, não lhe sendo conhecida qualquer ocupação além do cargo no órgão regulador. No seu perfil do LinkedIn, a sua experiência como “Jurista” e “Jornalista Jurista” estão dadas como encerradas em Junho de 2022, sendo assim sensato pensar que estará a ser remunerada como funcionária da CCPJ, o que seria aceitável mas inédito nesta entidade.

    Em resposta ao legítimo requerimento do PÁGINA UM – formalmente apresentado ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos por assim obrigar a uma resposta no prazo máximo de 10 dias –, o Secretariado da CCPJ invocou uma norma da LADA para prorrogar uma resposta por dois meses, mas ainda avisando que desse adiamento “não resulta qualquer assunção expressa ou tácita de que é devido o acesso requerido”. Ou seja, daqui a dois meses, a resposta pode ser não.

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    Além de ser uma justificação bizarra – e ainda mais sendo feita por jornalistas que ocupam cargos públicos perante um pedido de acesso a informação por um colega de profissão –, o Secretariado da CCPJ nem sequer fundamenta, como exige a legislação, a necessidade de um prazo tão alargado para disponibilizar actas e documentos tão simples.

    De facto, a norma alegada pela CCPJ somente é usada, por uma questão lógica de espírito da lei, depois de assumido o direito de acesso, quando é necessário despender muito tempo para agregar os documentos requeridos.

    Ora, a disponibilização de actas e de um documento sobre remunerações dos membros da CCPJ – que devem estar devidamente arquivadas – não aparenta ser tarefa hercúlea que necessite de 60 dias, até porque Licínia Girão foi considerada, pelo seus pares, que a cooptaram, uma “jurista de mérito”.

    Além de Licínia Girão, compõem o Plenário da CCPJ os jornalistas Jacinto Godinho (CP 772), Anabela Natário (CP 326), Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), Isabel Magalhães (CP 1024), Cláudia Maia (CP 2578), Paulo Ribeiro (CP 1027), Luís Mendonça (CP 1407) e Pedro Pinheiro (CP1440).

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    Anteontem, três dos membros da CCPJ foram ouvidos na comissão parlamentar de Cultura sobre o modelo de financiamento e os indispensáveis ajustes dos diplomas que regulam a atividade jornalística. Nessa audição, citado pelo ECO, Jacinto Godinho terá dito que “o trabalho jornalístico mexe directamente com liberdades, direitos e garantias de todos”.

    E, de facto, a recusa da CCPJ em disponibilizar ao PÁGINA UM o acesso à informação (e a documentos) é, efectivamente, algo que mexe indubitável e directamente com liberdades, direitos e garantias.


    N.D. Além dos dois pedidos destacados nesta notícia, o PÁGINA UM solicitou outros dois pedidos de acesso a documentação já solicitados à CCPJ, e recusados. Essa recusa fez com que o PÁGINA UM apresentasse uma intimação no Tribunal Administrativo, mas teve de se voltar à estaca zero (novo pedido formal) por um lapso nos prazos. Com esta postura da CCPJ, o PÁGINA UM não vê outra alternativa que não seja a intimação judicial, o que se lamenta, porque não é aceitável esta postura obscurantista numa “casa de jornalistas”. O ponto 3 do Código Deontológico dos Jornalistas diz o seguinte: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos” – e por isso mesmo aqui o fazemos. Saliente-se, por fim, que não assinei, nem como jornalista nem como director do PÁGINA UM, o abaixo-assinado referido na notícia.

  • ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    O programa Falar Global da CMTV é o paradigma da actual promiscuidade entre negócios e jornalismo: o apresentador, Reginaldo Rodrigues de Almeida, é professor universitário e detém carteira profissional de jornalista, mas em paralelo é gerente da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, que vai assinando contratos de prestação de serviços de comunicação e publicidade. O à-vontade é tão grande que, no último programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida até trata a presidente da Ciência Viva, com quem já estabeleceu quatro contratos com dinheiros públicos, por “minha querida”. Não se sabe se a relação com Isaltino Morais é assim tão calorosa, mas a Kind of Magic tem já uma espécie de avença anual com a autarquia de Oeiras para garantir promoção e publicidade no programa da CMTV. O Estatuto do Jornalista, se fosse cadáver, estaria agora a dar voltas na tumba.


    “Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!” – foi assim que o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, por entre efusivos cumprimentos a quatro mãos, se despediu de Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, no seu mais recente programa televisivo, transmitido na segunda-feira passada na CMTV.

    Se essa excessiva informalidade num jornalista pode parecer estranha, mesmo num programa de divulgação de Ciência, acaba por se compreender num facto: Reginaldo Rodrigues de Almeida – que é jornalista com carteira profissional 5887, mas também administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social – tem um larga relação de negócios com a Ciência Viva, presidida por Rosalia Vargas desde 1996.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida, jornalista, professor e empresário, cumprimentando Rosalia Vargas. O apoio da Ciência Viva à CMTV vai para além da divulgação científica. Há, por ali, negócios que são incompatíveis com o jornalismo.

    Quer através da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, quer a título pessoal, Reginaldo Rodrigues de Almeida tem somado nos últimos anos contratos com a Ciência Viva, sempre por ajuste directo, para a produção de conteúdos e apoio à comunicação institucional. O Estatuto do Jornalista proíbe estas práticas, exactamente para evitar aquilo que Reginaldo Rodrigues de Almeida faz depois: promover sistematicamente Rosalia Vargas, através do seu programa Falar Global.

    Apresentado em nota final do programa como tendo o apoio da Ciência Viva, da Vila Galé e da INOV INESC, não existe no Portal Base qualquer contrato entre a Cofina, dona da CMTV, e a Ciência Viva, pelo que se deve concluir que esse apoio anunciado não será financeiro para o canal televisivo.

    Na verdade, de acordo com consultas ao Portal Base, tem sido apenas a empresa Kind of Magic Unipessoal – apenas detida por Reginaldo Rodrigues de Almeida – que tem beneficiado economicamente desta relação: Desde 2015 foram já assinados três contratos com Rosalia Vargas, sempre por ajuste directo.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas.

    O primeiro no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.

    No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.

    Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com Rosalia Vargas para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.

    Programa da CMTV, com ficha técnica reveladora de ser de informação, está inundado de promiscuidades: apresentador, que é jornalista, detém empresa unipessoal que assina contratos de comunicação com entidades públicas que surgem nas reportagens.

    Mas não tem sido apenas com a Ciência Viva – e com a sua “eterna” presidente – que Reginaldo Rodrigues de Almeida tem feito negócios com a sua carteira de jornalista sempre presente. No penúltimo episódio do seu programa Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi, como jornalista, o cicerone do programa dedicado sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro.

    Mas, em paralelo, o mesmo Reginaldo Rodrigues de Almeida, através da sua Kind of Magic, sacou 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.

    Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação Falar Global, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, no programa Falar Global, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.

    No programa, o próprio Reginaldo Rodrigues de Almeida entrevista, ao longo de mais de três minutos a comissária do evento, Helena Vieira. O plano de comunicação traçado pela Kind of Magic parece coincidir com a cobertura do programa da CMTV apresentado pelo jornalista e gerente da Kind of Magic.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida esteve na Universidade de Aveiro como jornalista, para o programa de informação da CMTV, e como gerente da Kind of Magic, exercendo o papel de produtor de conteúdos para o plano de comunicação do evento, tendo facturado 24.000 euros por esta segunda função.

    Mas há ainda uma terceira entidade que se destaca nas relações comerciais do jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida: a autarquia de Oeiras.

    Nos últimos três anos, a Kind of Magic tem conseguido, desde 2020, uma espécie de avença anual por ajuste directo para “prestação de serviços de emissão de conteúdos” de promoção do conceito Oeiras Valley no próprio programa Falar Global – que, saliente-se, é um programa de informação da CMTV, onde na ficha técnica consta os nomes dos responsáveis editoriais da televisão da Cofina: Carlos Rodrigues (director), Paulo Oliveira Lima (director executivo), João Ferreira, Pedro Carreira e Rui Quartin Costa (subdirectores).

    Embora não se conheçam todo os pormenores por não terem sido publicados no Portal Base os cadernos de encargos, os três contratos – cada um no valor exacto de 49.999,82 euros, assinados em Setembro de 2020, em Setembro de 2021 e em Dezembro 2022 – mostram similaridades.

    Por exemplo, no contrato do final do ano passado, Reginaldo Rodrigues de Almeida, gerente da Kind of Magic, garantiu à autarquia liderada por Isaltino de Morais a produção de “26 conteúdos publicitários para divulgação da marca Oeiras Valley, no programa ‘Falar Global’ da CMTV”, que é apresentado pelo jornalista… Reginaldo Rodrigues de Almeida. Note-se que os programas de informação não podem ter conteúdos publicitários, e muito menos através de jornalistas.

    Printscreen do registo como jornalista de Reginaldo Rodrigues de Almeida, retirado hoje da base de dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas, mas ignora-se se existem contrapartidas financeiras, uma vez que apenas em contratos com entidade públicas é obrigatória a sua publicitação. Em todo o caso, a maioria dos trabalhos da Kind of Magic serão para empresas privadas. No ano passado, apenas terá sido assinado um contrato público de cerca de 50 mil euros, com a autarquia de Oeiras, e a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida facturou 284.427 euros.

    Saliente-se que o objecto social da Kind of Magic é vasto, mas incompatível como o Estatuto de Jornalista, uma vez que inclui a “assessoria de imprensa, marketing e comunicação” e ainda “consultoria de imagem, comunicação e de gestão”, bem como “formação nas mesmas áreas”.

    O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos e comentários de Reginaldo Rodrigues de Almeida sobre as actividades incompatíveis entre jornalismo e negócios, ainda mais num programa de informação, mas não obteve qualquer reacção.

  • Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Gravar som e/ ou imagens de sessões públicas de órgãos autárquicos, para transmitir online, pode expor a vida privada de quem nem sequer piou. Por isso, tem de ser pedida autorização expressa sem a qual nada feito. Esta é a visão redutora de uma orientação da Comissão Nacional de Protecção de Dados, mas que entra em conflito com uma deliberação praticamente da mesma data da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para quem as restrições para usar equipamentos de gravação se equipara à denegação do exercício do direito a informar.


    Dois pareceres com poucos dias de distância – o primeiro da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e o segundo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – ameaçam causar interpretações antagónicas para a captação de imagens e sons de reuniões de órgãos autárquicos quer por parte do público quer por parte sobretudo dos jornalistas.

    Em Abril passado, uma orientação da CNPD, a pretexto de vários pedidos de esclarecimento sobre a transmissão na Internet das reuniões camarárias e de Juntas de Freguesia considerou que “a transmissão áudio e vídeo em direto e online das reuniões dos principais órgãos autárquicos corresponde a um tratamento de dados pessoais (…) por implicar a recolha e divulgação de informação relativa a pessoas singulares identificadas ou identificáveis”.

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    Para este organismo, com uma visão extremamente lata sobre o conceito de dados nominativos, em causa está “não apenas a imagem das pessoas, o que revela ainda o local e contexto em que se encontram em determinado momento, como também o conteúdo das suas declarações, as quais podem expor, entre outros dados pessoais, aspetos da vida privada dos declarantes ou de terceiros e revelar convicções políticas, filosóficas ou de outra natureza.”

    A CNPD considera que a transmissão dessas imagens e mesmo das opiniões que possam ser transmitidas durante uma reunião autárquica “pode ainda promover ou facilitar a estigmatização e discriminação das pessoas cujos dados sejam assim divulgados, tendo em conta o risco de reutilização dos dados pessoais expostos na Internet”, concluindo que “a exposição da vida privada é irreversível”.

    Na orientação, a CNPD defende que as reuniões autárquicas são distintas das sessões na Assembleia da República, uma vez que naquelas os participantes “não o fazem na qualidade de cidadãos para expor as suas necessidades ou as suas perspetivas pessoais quanto às necessidades públicas”, mas sim “em termos que facilmente resultam na exposição da vida privada e familiar”.

    Fotografia: Médio Tejo

    Nessa medida, a CNPD considera que deve ser obtido “o consentimento prévio e expresso de todos as pessoas abrangidas pela filmagem e transmissão”, devendo todos serem alertados “especificamente para o facto de as imagens e som, uma vez disponibilizados online, serem suscetíveis de reutilização e difusão por terceiros”.

    A interpretação da CNPD vai não apenas a quem faça declarações como aqueles que lá estejam a assistir, incluindo os “trabalhadores que prestem apoio durante a reunião”.

    Esta visão absolutamente restritiva – que acabará por abranger a captação de imagens e sons por profissionais da comunicação social, quer para transmissão em directo quer para uso noticioso – entra assim em conflito com o direito de acesso à informação por parte dos jornalistas, que inclui captação de som e imagem sem autorização específica nas reuniões autárquicas por se realizarem em locais públicos.

    man in black suit jacket standing in front of people

    E é nesse contexto que a ERC se debruça numa deliberação aprovada em 27 de Abril, mas apenas divulgada esta semana, a pedido de esclarecimento do jornal regional Notícias LX sobre se “será legítima a proibição de recolha de sons e imagens em reuniões públicas de órgãos autárquicos”.

    Na sua deliberação, a ERC defende que, “como princípio de ordem geral, e no âmbito das reuniões públicas de um órgão autárquico, será inadmissível o estabelecimento, por iniciativa do órgão promotor da reunião, de toda e qualquer limitação que objetivamente contenda com o regular desempenho da atividade profissional aí exercida por um jornalista, e que, simultaneamente, não se revele estritamente necessária ou adequada a assegurar o normal funcionamento de tais reuniões.”

    Na sua exposição, este regulador acrescenta que “por princípio, não devem ser colocadas quaisquer restrições injustificadas à captação, reprodução e divulgação do conteúdo com relevo informativo derivado da realização de uma reunião pública de um órgão autárquico”, acrescentando que “restrições ou proibições de recolha de sons e imagens (…) apenas em circunstâncias excecionais e devidamente justificadas será de tolerar, por contender com aspetos essenciais da própria cobertura informativa do evento em causa”.

    E diz mesmo que existe sim “o direito que os órgãos de comunicação social têm de utilizar os meios técnicos necessários ao desempenho da sua atividade (…) para efeitos de efetivação do exercício do seu direito de acesso a locais públicos para fins de cobertura informativa”, pelo que “vedar a jornalistas o acesso ou a permanência a locais públicos para efeitos de cobertura informativa ou proibir-lhes a utilização nesses mesmos locais dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade, representam condutas juridicamente equiparáveis, pela negativa, do ponto de vista de denegação do exercício do direito a informar e, em última instância, da própria liberdade de informação.”

    Aliás, o Conselho Regulador da ERC recorda até que “preenche o tipo de crime de atentado à liberdade de informação ‘quem, com o intuito de atentar contra a liberdade de informação, apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da atividade jornalística pelos possuidores dos títulos previstos na presente lei ou impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa’, que pode ser punido com prisão até um ano ou com multa até 120 dias”.

    E, por fim, a ERC até reitera “a particular valorização conferida, no contexto apontado, à obediência estrita ao imperativo constitucional de ausência de discriminações em matéria de direito de acesso, frequentemente violado através da imposição de condicionamentos arbitrários, intuitu personae, a agentes de informação considerados hostis pelos organizadores de eventos abertos à comunicação social.”

  • Onze “puxões de orelhas” e seis coimas depois, a ERC ainda faz “descontos” à SIC por infracções reiteradas

    Onze “puxões de orelhas” e seis coimas depois, a ERC ainda faz “descontos” à SIC por infracções reiteradas

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social demorou mais de 44 meses para decidir aplicar uma coima à SIC por não colocar intérpretes gestuais nos debates televisivos para as eleições europeias em 2019, após uma queixa do então deputado André Silva, porta-voz do PAN. O Grupo Impresa tem sido reincidente em infracções (17, no total, desde 2011), mas até agora só apanhou admoestações e seis coimas, das quais quatro já transitaram em condenações nos tribunais.


    Tudo começou em Maio de 2019. E termina agora, quase quatro anos depois, com uma coima de 45 mil euros à Impresa, mas com um estranho e apreciável desconto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) à dona da SIC e SIC Notícias.

    Em 9 de Maio de 2019, o então porta-voz do PAN, André Silva, insurgiu-se por a SIC, no debate para as eleições do Parlamento Europeu, não ter contado com intérprete de língua gestual. Queixa à ERC, e o regulador haveria de confirmar o desrespeito pelas regras das emissões televisivas que estipulavam que os “debates entre candidatos aos diversos atos eleitorais que ocorram durante os períodos de pré-campanha e campanha deverão ser integralmente objeto de interpretação por meio de língua gestual”.

    Debate de André Silva (PAN) e de António Costa (PS), em 11 de Maio de 2019, já contou com intérprete de linguagem gestual. Dois dias antes, o dirigente político queixara-se à ERC de falhas que levaram agora à aplicação de uma coima de 45 mil euros.

    A decisão de abrir um processo de contra-ordenação foi extremamente rápida para os padrões da ERC: entre a queixa, em 9 de Maio, e a deliberação a confirmar a ilegalidade passaram apenas 32 dias, uma vez que a deliberação foi tomada em 10 de Junho daquele ano. No total foram detectadas quatro infracções à Lei da Televisão, considerada, cada uma, “contraordenação grave punível com coima mínima de 20.000 euros e máxima de 150 000 euros”.

    Porém, depois disto, como habitualmente o Conselho Regulador da ERC presidido pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, andou a marinar o processo de contra-ordenação, que somente foi agora concluído no passado dia 4 de Janeiro, embora divulgado apenas esta semana. Confirmando todos os factos, a ERC aplicou quatro coimas de 30 mil euros, que assim totalizariam 120 mil euros. No limite, se aplicado o limite máximo, a Impresa sujeitava-se a uma coima de 600 mil euros.

    Mas a ERC acabou por ser ainda mais benevolente com a dona da SIC, aplicando-lhe o regime de cúmulo jurídico, que acabou assim numa coima única de 45 mil euros, ou seja, um “desconto” de 62,5% pela prática de quatro infracções reiteradas em dias distintos por ocasião de quatro debates políticos.

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    Embora o cúmulo jurídico seja uma norma bastante usual em processos contra-ordenacionais – e também até em processos penais –, na avaliação da “multa” a pagar é também ponderado se as infracções cometidas são pontuais ou não. Ora, no caso concreto dos canais da Impresa, a ERC até acaba por elencar todas as admoestações e infracções cometidas anteriormente por falhas e lacunas deste género.

    E, por isso, acaba por ser algo surpreendente que, após 11 admoestações por infracções à Lei da Televisão (quatro em 2011, duas em 2012, três em 2013 e duas em 2015), mais duas coimas (no valor total de 23.750 euros) e mais quatro condenações em tribunal com trânsito em julgado (com pagamento de mais de 67 mil euros, no total), o Grupo Impresa ainda beneficie de um desconto por reiteradas infracções. Ainda por cima nas “barbas de políticos”, porquanto a falta de intérprete de linguagem gestual ocorreu em debates políticos.