Etiqueta: Imprensa

  • ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    O programa Falar Global da CMTV é o paradigma da actual promiscuidade entre negócios e jornalismo: o apresentador, Reginaldo Rodrigues de Almeida, é professor universitário e detém carteira profissional de jornalista, mas em paralelo é gerente da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, que vai assinando contratos de prestação de serviços de comunicação e publicidade. O à-vontade é tão grande que, no último programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida até trata a presidente da Ciência Viva, com quem já estabeleceu quatro contratos com dinheiros públicos, por “minha querida”. Não se sabe se a relação com Isaltino Morais é assim tão calorosa, mas a Kind of Magic tem já uma espécie de avença anual com a autarquia de Oeiras para garantir promoção e publicidade no programa da CMTV. O Estatuto do Jornalista, se fosse cadáver, estaria agora a dar voltas na tumba.


    “Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!” – foi assim que o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, por entre efusivos cumprimentos a quatro mãos, se despediu de Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, no seu mais recente programa televisivo, transmitido na segunda-feira passada na CMTV.

    Se essa excessiva informalidade num jornalista pode parecer estranha, mesmo num programa de divulgação de Ciência, acaba por se compreender num facto: Reginaldo Rodrigues de Almeida – que é jornalista com carteira profissional 5887, mas também administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social – tem um larga relação de negócios com a Ciência Viva, presidida por Rosalia Vargas desde 1996.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida, jornalista, professor e empresário, cumprimentando Rosalia Vargas. O apoio da Ciência Viva à CMTV vai para além da divulgação científica. Há, por ali, negócios que são incompatíveis com o jornalismo.

    Quer através da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, quer a título pessoal, Reginaldo Rodrigues de Almeida tem somado nos últimos anos contratos com a Ciência Viva, sempre por ajuste directo, para a produção de conteúdos e apoio à comunicação institucional. O Estatuto do Jornalista proíbe estas práticas, exactamente para evitar aquilo que Reginaldo Rodrigues de Almeida faz depois: promover sistematicamente Rosalia Vargas, através do seu programa Falar Global.

    Apresentado em nota final do programa como tendo o apoio da Ciência Viva, da Vila Galé e da INOV INESC, não existe no Portal Base qualquer contrato entre a Cofina, dona da CMTV, e a Ciência Viva, pelo que se deve concluir que esse apoio anunciado não será financeiro para o canal televisivo.

    Na verdade, de acordo com consultas ao Portal Base, tem sido apenas a empresa Kind of Magic Unipessoal – apenas detida por Reginaldo Rodrigues de Almeida – que tem beneficiado economicamente desta relação: Desde 2015 foram já assinados três contratos com Rosalia Vargas, sempre por ajuste directo.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas.

    O primeiro no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.

    No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.

    Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com Rosalia Vargas para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.

    Programa da CMTV, com ficha técnica reveladora de ser de informação, está inundado de promiscuidades: apresentador, que é jornalista, detém empresa unipessoal que assina contratos de comunicação com entidades públicas que surgem nas reportagens.

    Mas não tem sido apenas com a Ciência Viva – e com a sua “eterna” presidente – que Reginaldo Rodrigues de Almeida tem feito negócios com a sua carteira de jornalista sempre presente. No penúltimo episódio do seu programa Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi, como jornalista, o cicerone do programa dedicado sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro.

    Mas, em paralelo, o mesmo Reginaldo Rodrigues de Almeida, através da sua Kind of Magic, sacou 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.

    Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação Falar Global, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, no programa Falar Global, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.

    No programa, o próprio Reginaldo Rodrigues de Almeida entrevista, ao longo de mais de três minutos a comissária do evento, Helena Vieira. O plano de comunicação traçado pela Kind of Magic parece coincidir com a cobertura do programa da CMTV apresentado pelo jornalista e gerente da Kind of Magic.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida esteve na Universidade de Aveiro como jornalista, para o programa de informação da CMTV, e como gerente da Kind of Magic, exercendo o papel de produtor de conteúdos para o plano de comunicação do evento, tendo facturado 24.000 euros por esta segunda função.

    Mas há ainda uma terceira entidade que se destaca nas relações comerciais do jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida: a autarquia de Oeiras.

    Nos últimos três anos, a Kind of Magic tem conseguido, desde 2020, uma espécie de avença anual por ajuste directo para “prestação de serviços de emissão de conteúdos” de promoção do conceito Oeiras Valley no próprio programa Falar Global – que, saliente-se, é um programa de informação da CMTV, onde na ficha técnica consta os nomes dos responsáveis editoriais da televisão da Cofina: Carlos Rodrigues (director), Paulo Oliveira Lima (director executivo), João Ferreira, Pedro Carreira e Rui Quartin Costa (subdirectores).

    Embora não se conheçam todo os pormenores por não terem sido publicados no Portal Base os cadernos de encargos, os três contratos – cada um no valor exacto de 49.999,82 euros, assinados em Setembro de 2020, em Setembro de 2021 e em Dezembro 2022 – mostram similaridades.

    Por exemplo, no contrato do final do ano passado, Reginaldo Rodrigues de Almeida, gerente da Kind of Magic, garantiu à autarquia liderada por Isaltino de Morais a produção de “26 conteúdos publicitários para divulgação da marca Oeiras Valley, no programa ‘Falar Global’ da CMTV”, que é apresentado pelo jornalista… Reginaldo Rodrigues de Almeida. Note-se que os programas de informação não podem ter conteúdos publicitários, e muito menos através de jornalistas.

    Printscreen do registo como jornalista de Reginaldo Rodrigues de Almeida, retirado hoje da base de dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas, mas ignora-se se existem contrapartidas financeiras, uma vez que apenas em contratos com entidade públicas é obrigatória a sua publicitação. Em todo o caso, a maioria dos trabalhos da Kind of Magic serão para empresas privadas. No ano passado, apenas terá sido assinado um contrato público de cerca de 50 mil euros, com a autarquia de Oeiras, e a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida facturou 284.427 euros.

    Saliente-se que o objecto social da Kind of Magic é vasto, mas incompatível como o Estatuto de Jornalista, uma vez que inclui a “assessoria de imprensa, marketing e comunicação” e ainda “consultoria de imagem, comunicação e de gestão”, bem como “formação nas mesmas áreas”.

    O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos e comentários de Reginaldo Rodrigues de Almeida sobre as actividades incompatíveis entre jornalismo e negócios, ainda mais num programa de informação, mas não obteve qualquer reacção.

  • Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Gravar som e/ ou imagens de sessões públicas de órgãos autárquicos, para transmitir online, pode expor a vida privada de quem nem sequer piou. Por isso, tem de ser pedida autorização expressa sem a qual nada feito. Esta é a visão redutora de uma orientação da Comissão Nacional de Protecção de Dados, mas que entra em conflito com uma deliberação praticamente da mesma data da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para quem as restrições para usar equipamentos de gravação se equipara à denegação do exercício do direito a informar.


    Dois pareceres com poucos dias de distância – o primeiro da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e o segundo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – ameaçam causar interpretações antagónicas para a captação de imagens e sons de reuniões de órgãos autárquicos quer por parte do público quer por parte sobretudo dos jornalistas.

    Em Abril passado, uma orientação da CNPD, a pretexto de vários pedidos de esclarecimento sobre a transmissão na Internet das reuniões camarárias e de Juntas de Freguesia considerou que “a transmissão áudio e vídeo em direto e online das reuniões dos principais órgãos autárquicos corresponde a um tratamento de dados pessoais (…) por implicar a recolha e divulgação de informação relativa a pessoas singulares identificadas ou identificáveis”.

    black and gray corded device

    Para este organismo, com uma visão extremamente lata sobre o conceito de dados nominativos, em causa está “não apenas a imagem das pessoas, o que revela ainda o local e contexto em que se encontram em determinado momento, como também o conteúdo das suas declarações, as quais podem expor, entre outros dados pessoais, aspetos da vida privada dos declarantes ou de terceiros e revelar convicções políticas, filosóficas ou de outra natureza.”

    A CNPD considera que a transmissão dessas imagens e mesmo das opiniões que possam ser transmitidas durante uma reunião autárquica “pode ainda promover ou facilitar a estigmatização e discriminação das pessoas cujos dados sejam assim divulgados, tendo em conta o risco de reutilização dos dados pessoais expostos na Internet”, concluindo que “a exposição da vida privada é irreversível”.

    Na orientação, a CNPD defende que as reuniões autárquicas são distintas das sessões na Assembleia da República, uma vez que naquelas os participantes “não o fazem na qualidade de cidadãos para expor as suas necessidades ou as suas perspetivas pessoais quanto às necessidades públicas”, mas sim “em termos que facilmente resultam na exposição da vida privada e familiar”.

    Fotografia: Médio Tejo

    Nessa medida, a CNPD considera que deve ser obtido “o consentimento prévio e expresso de todos as pessoas abrangidas pela filmagem e transmissão”, devendo todos serem alertados “especificamente para o facto de as imagens e som, uma vez disponibilizados online, serem suscetíveis de reutilização e difusão por terceiros”.

    A interpretação da CNPD vai não apenas a quem faça declarações como aqueles que lá estejam a assistir, incluindo os “trabalhadores que prestem apoio durante a reunião”.

    Esta visão absolutamente restritiva – que acabará por abranger a captação de imagens e sons por profissionais da comunicação social, quer para transmissão em directo quer para uso noticioso – entra assim em conflito com o direito de acesso à informação por parte dos jornalistas, que inclui captação de som e imagem sem autorização específica nas reuniões autárquicas por se realizarem em locais públicos.

    man in black suit jacket standing in front of people

    E é nesse contexto que a ERC se debruça numa deliberação aprovada em 27 de Abril, mas apenas divulgada esta semana, a pedido de esclarecimento do jornal regional Notícias LX sobre se “será legítima a proibição de recolha de sons e imagens em reuniões públicas de órgãos autárquicos”.

    Na sua deliberação, a ERC defende que, “como princípio de ordem geral, e no âmbito das reuniões públicas de um órgão autárquico, será inadmissível o estabelecimento, por iniciativa do órgão promotor da reunião, de toda e qualquer limitação que objetivamente contenda com o regular desempenho da atividade profissional aí exercida por um jornalista, e que, simultaneamente, não se revele estritamente necessária ou adequada a assegurar o normal funcionamento de tais reuniões.”

    Na sua exposição, este regulador acrescenta que “por princípio, não devem ser colocadas quaisquer restrições injustificadas à captação, reprodução e divulgação do conteúdo com relevo informativo derivado da realização de uma reunião pública de um órgão autárquico”, acrescentando que “restrições ou proibições de recolha de sons e imagens (…) apenas em circunstâncias excecionais e devidamente justificadas será de tolerar, por contender com aspetos essenciais da própria cobertura informativa do evento em causa”.

    E diz mesmo que existe sim “o direito que os órgãos de comunicação social têm de utilizar os meios técnicos necessários ao desempenho da sua atividade (…) para efeitos de efetivação do exercício do seu direito de acesso a locais públicos para fins de cobertura informativa”, pelo que “vedar a jornalistas o acesso ou a permanência a locais públicos para efeitos de cobertura informativa ou proibir-lhes a utilização nesses mesmos locais dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade, representam condutas juridicamente equiparáveis, pela negativa, do ponto de vista de denegação do exercício do direito a informar e, em última instância, da própria liberdade de informação.”

    Aliás, o Conselho Regulador da ERC recorda até que “preenche o tipo de crime de atentado à liberdade de informação ‘quem, com o intuito de atentar contra a liberdade de informação, apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da atividade jornalística pelos possuidores dos títulos previstos na presente lei ou impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa’, que pode ser punido com prisão até um ano ou com multa até 120 dias”.

    E, por fim, a ERC até reitera “a particular valorização conferida, no contexto apontado, à obediência estrita ao imperativo constitucional de ausência de discriminações em matéria de direito de acesso, frequentemente violado através da imposição de condicionamentos arbitrários, intuitu personae, a agentes de informação considerados hostis pelos organizadores de eventos abertos à comunicação social.”

  • Onze “puxões de orelhas” e seis coimas depois, a ERC ainda faz “descontos” à SIC por infracções reiteradas

    Onze “puxões de orelhas” e seis coimas depois, a ERC ainda faz “descontos” à SIC por infracções reiteradas

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social demorou mais de 44 meses para decidir aplicar uma coima à SIC por não colocar intérpretes gestuais nos debates televisivos para as eleições europeias em 2019, após uma queixa do então deputado André Silva, porta-voz do PAN. O Grupo Impresa tem sido reincidente em infracções (17, no total, desde 2011), mas até agora só apanhou admoestações e seis coimas, das quais quatro já transitaram em condenações nos tribunais.


    Tudo começou em Maio de 2019. E termina agora, quase quatro anos depois, com uma coima de 45 mil euros à Impresa, mas com um estranho e apreciável desconto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) à dona da SIC e SIC Notícias.

    Em 9 de Maio de 2019, o então porta-voz do PAN, André Silva, insurgiu-se por a SIC, no debate para as eleições do Parlamento Europeu, não ter contado com intérprete de língua gestual. Queixa à ERC, e o regulador haveria de confirmar o desrespeito pelas regras das emissões televisivas que estipulavam que os “debates entre candidatos aos diversos atos eleitorais que ocorram durante os períodos de pré-campanha e campanha deverão ser integralmente objeto de interpretação por meio de língua gestual”.

    Debate de André Silva (PAN) e de António Costa (PS), em 11 de Maio de 2019, já contou com intérprete de linguagem gestual. Dois dias antes, o dirigente político queixara-se à ERC de falhas que levaram agora à aplicação de uma coima de 45 mil euros.

    A decisão de abrir um processo de contra-ordenação foi extremamente rápida para os padrões da ERC: entre a queixa, em 9 de Maio, e a deliberação a confirmar a ilegalidade passaram apenas 32 dias, uma vez que a deliberação foi tomada em 10 de Junho daquele ano. No total foram detectadas quatro infracções à Lei da Televisão, considerada, cada uma, “contraordenação grave punível com coima mínima de 20.000 euros e máxima de 150 000 euros”.

    Porém, depois disto, como habitualmente o Conselho Regulador da ERC presidido pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, andou a marinar o processo de contra-ordenação, que somente foi agora concluído no passado dia 4 de Janeiro, embora divulgado apenas esta semana. Confirmando todos os factos, a ERC aplicou quatro coimas de 30 mil euros, que assim totalizariam 120 mil euros. No limite, se aplicado o limite máximo, a Impresa sujeitava-se a uma coima de 600 mil euros.

    Mas a ERC acabou por ser ainda mais benevolente com a dona da SIC, aplicando-lhe o regime de cúmulo jurídico, que acabou assim numa coima única de 45 mil euros, ou seja, um “desconto” de 62,5% pela prática de quatro infracções reiteradas em dias distintos por ocasião de quatro debates políticos.

    person in white long sleeve shirt wearing silver ring

    Embora o cúmulo jurídico seja uma norma bastante usual em processos contra-ordenacionais – e também até em processos penais –, na avaliação da “multa” a pagar é também ponderado se as infracções cometidas são pontuais ou não. Ora, no caso concreto dos canais da Impresa, a ERC até acaba por elencar todas as admoestações e infracções cometidas anteriormente por falhas e lacunas deste género.

    E, por isso, acaba por ser algo surpreendente que, após 11 admoestações por infracções à Lei da Televisão (quatro em 2011, duas em 2012, três em 2013 e duas em 2015), mais duas coimas (no valor total de 23.750 euros) e mais quatro condenações em tribunal com trânsito em julgado (com pagamento de mais de 67 mil euros, no total), o Grupo Impresa ainda beneficie de um desconto por reiteradas infracções. Ainda por cima nas “barbas de políticos”, porquanto a falta de intérprete de linguagem gestual ocorreu em debates políticos.

  • ERC leva três anos e meio para decidir que se pode dizer “filho da puta” na TV em horário diurno

    ERC leva três anos e meio para decidir que se pode dizer “filho da puta” na TV em horário diurno

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) arquivou uma queixa contra o Programa da Cristina onde, numa emissão, em Junho de 2019, o comentador Hernâni Carvalho usou a expressão “filho da puta” em duas ocasiões, perante a passividade da apresentadora, Cristina Ferreira. O programa, emitido em directo e durante o dia, está abrangido por regras específicas para proteger públicos sensíveis, como as crianças e os adolescentes. Para o canal de TV do grupo Impresa, “de nenhuma forma pode a SIC admitir que a emissão deste programa é (ou foi) suscetível de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes“.


    Pode-se dizer “filho da puta” na televisão portuguesa sem qualquer risco de se sofrer uma sanção por parte do regulador dos media, mesmo que seja dito num programa emitido durante o dia, e visto por crianças e adolescentes.

    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu arquivar uma queixa contra o ‘Programa da Cristina’ na SIC, de 28 de junho de 2019, no qual o jornalista e comentador Hernâni Carvalho usou por duas vezes a expressão “filho da puta”.

    Hernâni Carvalho, jornalista e comentador.

    O programa, emitido em directo e durante o dia, pertence “à categoria de entretenimento, e destinado a todos os públicos, sem restrições, constitui uma situação que apela necessariamente à avaliação da observância dos limites à liberdade de programação”, segundo a ERC. Está, por isso, abrangido por regras específicas que visam a proteção dos públicos mais sensíveis, em particular crianças e adolescentes.

    O regulador demorou três anos e meio para proferir a decisão de arquivamento. A decisão foi tomada no dia 14 de Dezembro passado, mas divulgada apenas hoje no site do regulador.

    Para a ERC, “a expressão não foi destinada a ninguém em particular, indivíduo ou grupo de pessoas, e constitui uma citação relacionada com uma pronúncia judicial”. O regulador considerou que “a expressão não é, assim, ofensiva, para efeitos da aplicação do normativo legal em causa”.

    A ERC deliberou “arquivar a presente participação, por se considerar que a mera citação de uma expressão vernacular, no âmbito de um debate sobre um tema de interesse geral não pode, em si mesma, ser considerada ofensiva, nem atentatória dos direitos de outrem”.

    Cristina Ferreira, apresentadora.

    Para o regulador, não houve qualquer violação dos critérios para avaliação do incumprimento do disposto nas regras criadas para proteger públicos sensíveis.

    Para a estação de televisão do grupo Impresa, “de nenhuma forma pode[ria] a SIC admitir que a emissão deste programa é (ou foi) suscetível de influir de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”.

    Na base da deliberação, está uma queixa enviada à ERC no próprio dia da emissão do programa. O queixoso alegava que o comentador da rubrica Crónica Criminal, inserida no Programa da Cristina, disse em direto “filho da puta” e que “a autora do programa, Cristina Ferreira, nem reagiu e nem “apresentou um pedido de desculpas às audiências”.

    O primeiro caso apresentado naquela emissão na rubrica dedicada a crimes debruçou-se sobre uma situação de violência doméstica. Hernâni Carvalho disse então que “ninguém é preso em Portugal por causa disso”, e que “até há uma procuradora que diz que chamar filho da puta a um agente da PSP não tem mal nenhum”, concluindo que “é um grito de revolta”.

    Cristina Ferreira questionou então “como é que uma procuradora diz que alguém chamar nomes aos elementos da polícia, ou o que quer que seja, é apenas um ato de revolta”. Mais à frente no programa, Cristina Ferreira afirmou que “às vezes é preciso ter um bocadinho de cuidado com as frases que são ditas”. E Hernâni Carvalho retorquiu: “no meu tempo, quando eu cresci, disseram-me que não se chama filho da puta a ninguém, muito menos a um agente da autoridade”.

    A SIC considerou, em resposta à queixa, que o uso daquela expressão não é negativa nem tem impacto nas crianças e jovens. “Apenas se poderia falar de efeitos negativos para a personalidade de crianças e jovens se a linguagem utilizada o fosse de forma a ofender ou atentar contra os direitos fundamentais de outrem ou se o calão fosse usado de forma frequente e descontextualizada ou gratuita”, o que, segundo a SIC, não sucedeu.

    Os responsáveis do canal da Impresa sustentaram ainda que, “quando enquadradas no contexto e lógica da rubrica, as palavras de Hernâni Carvalho são antes de desincentivo à utilização de linguagem agressiva e de apelo ao respeito pela integridade moral de todos, incluindo e sublinhando a das figuras de autoridade”.

    Defendeu ainda que a postura de Cristina Ferreira, na ocasião, se justificou, defendendo que apresentadora procedeu bem, pois “não interrompeu ou procurou silenciar o convidado, ao contrário do pretendido pelo queixoso”.

    Mas a SIC reconheceu que “a televisão, no contexto social atual, pode e deve, como importante peça da vida pública, contribuir para uma sociedade mais digna, a que não são alheios – antes são fundamentais – o desenvolvimento da identidade e a formação do caráter dos mais jovens”.

    E garantiu que “não deixará de retirar as devidas consequências desta situação, designadamente sensibilizando a produtora do programa para os cuidados a observar relativamente à utilização de linguagem mais agressiva”.

  • Incentivo ao ódio: ERC faz participação ao Ministério Público contra membro da Academia Brasileira de Letras dispensado pelo Diário de Notícias

    Incentivo ao ódio: ERC faz participação ao Ministério Público contra membro da Academia Brasileira de Letras dispensado pelo Diário de Notícias

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) leu literalmente um artigo de opinião irónico e cáustico do escritor brasileiro Ruy Castro, recém eleito membro da restrita Academia Brasileira de Letras, escrito no rescaldo do assalto ao Capitólio em Janeiro de 2021. E decidiu agora enviar uma participação ao Ministério Público por alegado incitamento ao ódio, além de considerar que promove o suicídio. O Diário de Notícias, onde o também jornalista brasileiro de 74 anos colaborava semanalmente desde 2018, não só o dispensou como retirou o polémico texto de linha. Ao PÁGINA UM, Ruy Castro reagiu, dizendo que “nunca me imaginei tão letal – ou que Trump e Bolsonaro fossem tão idiotas.”


    Distinguido em Outubro do ano passado como um dos 40 membros da restrita Academia Brasileira de Letras – na gíria literária, classificados como “imortais” –, o escritor e jornalista Ruy Castro foi acusado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de usar expressões de ódio e de incentivo ao ódio contra Donald Trump e Jair Bolsonaro num artigo publicado no Diário de Notícias há dois anos.

    A deliberação do regulador dos media portugueses foi aprovada por unanimidade em finais de Novembro, mas apenas esta semana divulgada. O Conselho Regulador – presidido pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, que estará de saída de funções – remeteu ainda a deliberação e uma participação ao Ministério Público, “uma vez que a peça [de Ruy Castro] pode eventualmente configurar a prática de um crime de incitamento ao ódio e à violência, nos termos do artigo 240º do Código Penal”, sancionável com pena de prisão de seis meses a 5 anos.

    Ruy Castro, além de jornalista, é autor de mais de duas dezenas de obras, e um dos 40 membros da prestigiada Academia Brasileira de Letras, fundada em 1897 por Machado de Assis.

    Além disto, a ERC recomenda que o Diário de Notícias deveria “doravante exercer um maior cuidado na selecção e edição de artigos de opinião, de forma a acautelar a publicação de textos com as características” do texto do académico brasileiro.

    Em causa está um texto, extremamente acintoso mas também irónico de Ruy Castro – que é actual colunista permanente do Tal&Qual desde este mês –, publicado em simultâneo no Folha de São Paulo e no Diário de Notícias no dia 10 de Janeiro de 2021, intitulado “Conselho a Trump: mata-te”. Este foi, aliás, o último artigo do escritor brasileiro de 74 anos no periódico da Global Media, com o qual colaborava desde 2018. Este polémico texto já nem está, aliás, no histórico da coluna do Diário de Notícias, tendo sido retirado de linha, estando assim apenas disponível em sistema de arquivo.

    Ruy Castro – autor de celebradas biografias sobre Nélson Rodrigues, Carmen Miranda e Garrincha, e de vários romances, tendo mais de 20 obras editadas em Portugal –  confirmou ao PÁGINA UM que a sua “colaboração no Diário de Notícias [foi] encerrada por causa desse artigo”, dizendo ainda sentir-se “maravilhado de saber que um obscuro cronista brasileiro pode induzir o homem então mais poderoso do Mundo, Donald Trump, e seu carbono brasileiro Jair Bolsonaro a se matarem”. E surpreende-se, de forma irónica, com o alcance do seu escrito: ”Nunca me imaginei tão letal – ou que Trump e Bolsonaro fossem tão idiotas.”

    Diário de Notícias dispensou escritor após a publicação de artigo contra Trump e Bolsonaro. Ruy Castro colaborava desde 2018, e este é o único artigo que foi retirado de linha.

    No seu texto escrito há dois anos, no rescaldo ao ataque ao Capitólio de 6 de Janeiro daquele ano, Ruy Castro apontava baterias ao antigo presidente norte-americano, dizendo que Trump instigara “o seu gado a tomar o prédio do Congresso e pressionar os congressistas a dar-lhe a vitória”, e que, perante o insucesso, conjecturava que poderia ainda usar os seus poderes presidenciais para “desfechar uma última vingança contra os adversários que o reduziram àquilo que ele mais temeu desde que nasceu: ser chamado de perdedor.”

    Num estilo corrosivo, mas dentro daquilo que se considerava as balizas alargadas da opinião, Ruy Castro especulava, em tom de desprezo, sobre a possibilidade de Trump, como perdedor, “querer jogar uma bomba nuclear no Irão […] para complicar a vida de Biden”. Mas propunha uma solução, ou melhor apresentava uma recomendação, “a única atitude capaz de fazer dele, aí sim, um ícone, um símbolo, uma bandeira a ser desfraldada para sempre por seus seguidores idiotizados. E essa atitude seria: matar-se.”

    Ruy Castro dizia mesmo que “nós, brasileiros, adquirimos uma certa prática no assunto”, remetendo para o suicídio do então presidente Getúlio Vargas em 1954. O então colunista do Diário de Notícias escreveu que “Trump poderia fazer exatamente como Getúlio”, ou seja, “o tiro na coração, e não na cabeça”, uma vez que “o tiro na cabeça faz uma grande lambança, com sangue, miolos e cacos de osso espalhados pelo aposento”, enquanto “o tiro no peito é absolutamente clean. Mantém o rosto intacto, apto a ser fotografado e servir de modelo para uma máscara mortuária, útil na confeção dos futuros bustos e estátuas – como os que Getúlio tem por todo o Brasil.” E conclui: “Seria uma saída honrosa para Trump, e com a vantagem de nem lhe desfazer o penteado.”

    people walking on sidewalk near white concrete building during night time
    Ataque ao Capitólio em 2021 suscitou artigo de opinião cáustico e irónico do Ruy Castro, levado à letra pelo Diário de Notícias, que o dispensou, e pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que remeteu uma participação ao Ministério Público por incitação ao ódio.

    Os três últimos parágrafos do polémico artigo de opinião – que também suscitou celeuma no Brasil – foi dedicado a Jair Bolsonaro, que Ruy Castro brinda de “genocida”. Castro recomendava-lhe similar solução – o suicídio –, “mas que não esperasse pela derrota na eleição, e sim que fizesse isto já, agora, neste momento [Janeiro de 2021]. Até porque, fechava, “nenhum minuto sem Bolsonaro será cedo de mais para o Brasil”.

    A análise da ERC a este texto aparenta ter sido feita em sentido literal, mesmo nas alusões à questão do suicídio. Na fundamentação, o regulador diz que “tem vindo a acompanhar e a expressar a sua preocupação com a proliferação nos media de mensagens ofensivas e de discriminação étnica e racial, de incitamento ao ódio e à violência, entre outras, seja nas caixas de comentários das diferentes peças editadas online e nas respetivas páginas das redes sociais, seja no contexto da emissão de programas de informação e debate, sobretudo na área do desporto.”

    E acrescenta ainda a deliberação do regulador que “embora a peça em apreço não seja uma notícia, mas sim um artigo de opinião, não deixa de ser relevante, no quadro de uma publicação de um órgão de comunicação social generalista, de cobertura nacional, o especial cuidado que se deve ter aquando da menção a comportamentos suicidas, bem como de discurso que possa ser entendido como enaltecedor do suicídio”.

  • Licínia Girão: a “jurista de reconhecido mérito” sem mérito para concluir estágio

    Licínia Girão: a “jurista de reconhecido mérito” sem mérito para concluir estágio

    A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Licínia Girão, cancelou a sua inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados depois de se mostrar incapaz de concluir o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, e que duraria 18 meses. A este soma-se um “chumbo” nas provas de admissão para o curso de magistrados. Nada de anormal adviria daqui, se não fosse o caso de Licínia Girão, que como jornalista trabalhou sobretudo na imprensa regional, não tivesse sido cooptada para a liderança da CCPJ por, supostamente, ser uma “jurista de reconhecido mérito”.


    A presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, continua a coleccionar “feitos” que contradizem esse estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”, condições legais que terão merecido a sua indigitação em Maio passado para liderar este órgão regulador e disciplinador.

    Licenciada em Direito, a jurista de 57 anos – que completou os estudos numa fase já adiantada da sua vida profissional, tendo trabalhado sobretudo na imprensa regional – já tinha fracassado no Verão passado, logo na fase inicial de provas, o acesso ao curso para magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Licínia Girão “chumbou” em dois dos três exames, todos de carácter exclusivo, com um total de 24,30 valores (em 60 possíveis), colocando-a no lugar 230 em 269 candidatos.

    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista funciona no Palácio Foz, em Lisboa.

    Agora, apurou o PÁGINA UM, a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020. A sua inscrição como advogada-estagiária foi mesmo “cancelada” desde 10 de Outubro do ano passado, conforme confirmou ao PÁGINA UM o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, que não adiantou qual a causa.

    De acordo com os regulamentos, o cancelamento – que é diferente da suspensão (temporária) – pode advir de um pedido do próprio candidato, “que pretenda abandonar definitivamente o exercício da advocacia”, ou por falta de idoneidade determinada pela própria Ordem ou após pena disciplinar de expulsão.

    Apesar de Licínia Girão ter estado a realizar parte do estágio-fantasma num escritório de Santo Tirso, a razão para o abandono do estágio não terá sido, em princípio, esta irregularidade com contornos também éticos. De acordo com a mensagem transmitida pelos serviços administrativos da CCPJ – em reacção a perguntas colocadas pelo PÁGINA UM directamente a Licínia Girão –, “o cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados foi solicitado pela então advogada estagiária Licínia Girão, por motivos profissionais”, adiantando ainda que “o Conselho Regional do Porto se limitou a deferir o pedido”.

    O registo de Licínia Girão na Ordem dos Advogados como estagiária, foi feito em 22 de Fevereiro de 2021, mas foi iniciado em 10 de Dezembro de 2020. Indicava um endereço que corresponde ao da sociedade Rodrigues Braga & Associados, onde fez um estágio-fantasma. A sua inscrição como como estagiária foi cancelada em 10 de Outubro do ano passado. Nunca chegou a exercer como advogada.

    Independentemente da veracidade desta declaração, não comprovada por qualquer documento, certo é que a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no “mundo das leis”, sobretudo para quem chegou à liderança da CCPJ rotulada de “jurista de reconhecido mérito”.

    Com efeito, o cancelamento da sua inscrição como advogada-estagiária ocorreu já depois do prazo normal necessário para os candidatos da sua turma concluírem o processo, incluindo exames e prova de agregação. Licínia Girão começara o estágio em 10 de Dezembro de 2020, numa turma integrando 52 candidatos a advogado, e deveria ter concluído esse estágio em 18 meses, ou seja, em Junho do ano passado, se tivesse sido posteriormente aprovada num exigente exame da Ordem seguido de provas escritas e orais de agregação. Mas tal não sucedeu.

    Na verdade, consultando a lista dos 52 advogados-estagiários, onde estava integrada Licínia Girão, apenas 20 surgem já inscritos como advogados, de acordo com uma consulta minuciosa do PÁGINA UM. Na generalidade, estes antigos colegas de turma de Licínia Girão estão inscritos como advogados desde Setembro do ano passado. Além destas duas dezenas de novos advogados, encontram-se 14 outros que ainda têm o estágio em curso – ou seja, não terão conseguido, após o estágio num escritório, aprovação no exame ou nas provas de agregação. E, por fim, além de Licínia Girão, outros 13 não constam agora em qualquer uma das duas bases de dados da Ordem dos Advogados. Ou seja, terão suspendido ou cancelado a inscrição.

    Ao invés do mundo da magistratura e advocacia, Licínia Girão, a actual presidente da CCPJ, tem tido mais “sucesso” nas artes. Por exemplo, em Junho de 2021, obteve a Menção Honrosa na categoria Ensaio/ Prosa no âmbito dos 13º Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana.

    Os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”.

    Em todo o caso, saliente-se que Licínia Girão continua afincadamente a tentar enriquecer o seu currículo de jurista: o PÁGINA UM confirma que é um dos 18 candidatos admitidos, em 16 de Dezembro do ano passado, para mediadores de conflitos no Julgado de Paz no concelho de Santo Tirso.

  • Expresso beneficia de “preferência” da Biblioteca Nacional

    Expresso beneficia de “preferência” da Biblioteca Nacional

    Contrato assinado em Novembro prevê entrega até Fevereiro do próximo ano de 2.565 edições digitalizadas do semanário da Impresa, fundado em 1973, para substituir microfilmes já obsoletos. Directora-geral da Biblioteca Nacional diz não estarem previstos contratos similares com outros jornais, mas abre essa possibilidade se houver garantias de qualidade. Novo modelo de depósito legal já prevê agora entrega de exemplares digitalizados sem custos para o Estado.

    ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


    A Biblioteca Nacional comprou directamente à Impresa a digitalização de todas as edições do Expresso desde a sua fundação, em 6 de Janeiro de 1973 até finais de 2021 para substituir as suas cópias em microfilme, considerada uma tecnologia já obsoleta. A aquisição, cujo contrato foi assinado em meados do mês passado, englobará um total de 553.010 imagens digitais, correspondentes à versão impressa de todos os cadernos de 2.565 edições daquele semanário, e terá um custo total de 135.990 euros, incluindo IVA.

    Esta opção de aquisição directa ao grupo fundado por Francisco Pinto Balsemão – e que contou com o actual presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como um dos seus directores – será mais onerosa do que a digitalização de fotogramas de cerca de seis dezenas de títulos de jornais antigos, contratada entretanto à RFS-Telecomunicações em Junho passado.

    Sala de leitura principal da Biblioteca Nacional.

    De entre os periódicos antigos abrangidos por este contrato estão os jornais O Século (1880-1990), com 350.439 imagens; Novidades (1885-1974), com 172.597 imagens; Diário da Manhã (1931-1974), com 120.021 imagens; Diário dos Açores (a partir de 1870), com 106.311 imagens, Diário de Luanda (1936-1976), com 134.873 imagens; A Voz (1927-1974), com 101.900 imagens; e A Aurora (1910-1920), com 1.419 imagens.

    Nesse caso, a Biblioteca Nacional comprometeu-se a pagar 171.511 euros por um volume de páginas que variará ente 1.000.000 e 1.162.000 imagens. Ou seja, terá um custo unitário de entre 14,8 e 17 cêntimos. A Impresa receberá – por uma digitalização que, na verdade, já fez – um valor unitário de 24,6 cêntimos, ou seja, cerca de 45% a mais.

    A directora-geral da Biblioteca Nacional, Inês Cordeiro, justificou ao PÁGINA UM a opção por adquirir a digitalização integral em alternativa à digitalização dos microfilmes por “garantia de completude da cópia integral do jornal”, bem como pela “melhor qualidade da cópia digital”, que será a cores (ao contrário do microfilme, que é a preto e branco), e pela rapidez do processo. A Impresa garantiu a entrega das cópias digitais –até finais de Fevereiro de 2023, que depois poderão ser consultadas pelos leitores, mas exclusivamente nos terminais da Biblioteca Nacional, por razões de direitos de autor (que geralmente pertencem aos jornalistas e não aos donos dos jornais).

    Recorde-se que somente a partir de Janeiro de 2022 o Governo passou a permitir o envio de jornais tradicionais (impressos) em formato digital para efeitos de cumprimento da Lei do Depósito Legal, que até então exigia a entrega de 11 exemplares em papel por edição, a serem posteriormente distribuídos por determinadas bibliotecas do país. A legislação não previu a entrega gratuita de versões digitais de forma retroactiva, ou seja, de edições anteriores a este ano.

    A Biblioteca Nacional poderia optar por digitalizar os exemplares em papel que estão no seu acervo, mas essa tarefa arriscava causar algum grau deterioração. Aliás, uma grande parte dos exemplares de jornais antigos que sejam requisitados pelos leitores para consulta são já em microfilmes, que agora serão gradualmente substituídos por cópias digitais.

    O contrato que abrange a compra do Expresso digital abre também a possibilidade de outros grupos de media poderem encaixar receitas extraordinárias no caso de também já possuírem colecções digitalizadas das suas edições. Embora Inês Cordeiro adiante que “neste momento não se encontram previstos contratos similares [ao da Impresa] com outros órgãos de comunicação social”, diz, contudo, que “tal hipótese poderá vir a ser considerada caso se detete que o proprietário/ detentor dos direitos de determinado jornal impresso possui uma cópia digital do mesmo capaz de substituir o microfilme existente na Biblioteca Nacional” com as vantagens apresentadas pelo Expresso.

    Essa possibilidade, porém, terá um custo muito superior ao do Expresso se aplicado, por exemplo, a diários como o Público, que está a completar 33 anos de existência e conta já com quase 12 mil edições.


    N.D. Por lapso, escreveu-se inicialmente que uma empresa contratada pela Biblioteca Nacional se denominava RSF-Telecomunicações, quando, na realidade, se chama RFS-Telecomunicações.

  • Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    A proposta da Comissão Europeia para a criação de uma nova legislação para o setor dos media apresenta-se como benigna, visando a proteção da liberdade de imprensa e a salvaguarda do pluralismo. Mas a proposta, que terá ainda de ser aprovada pelos Estados-Membros e o Parlamento Europeu, está a levar alguns a torcerem o nariz. Entre os receios que existem, surge à cabeça a possível tentativa de Bruxelas de querer, com as novas regras, reforçar o seu poder e obter controlo sobre o setor da comunicação social. A Comissão Europeia negou que tenha essa intenção. Mas, apesar de a proposta ter recebido muitos elogios, as dúvidas sobre as reais intenções de Bruxelas persistem.


    “De boas intenções está o Inferno cheio”. É este ditado que vem à memória quando se ouvem algumas críticas sobre a nova regulação que pode vir a ser adotada para os media europeus.

    As novas regras para o setor dos media propostas pela Comissão Europeia deixam dúvidas, incluindo sobre se se trata de uma tentativa de Bruxelas de obter poder para controlar o setor.

    A proposta da nova legislação denominada “European Media Freedom Act” (EMFA) foi apresentada no dia 16 de Setembro e já mereceu muitos elogios mas também críticas. Sobretudo, fica no ar a questão sobre quais são as reais intenções da Comissão Europeia com este novo pacote legislativo para regular um setor tão crítico e fundamental para a democracia.

    Segundo a Comissão Europeia, “o objetivo da Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação é proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social no mercado único da União Europeia, onde os meios de comunicação social podem operar mais facilmente além-fronteiras sem interferências indevidas”.

    A Comissão considera que “as questões relacionadas com os meios de comunicação social têm sido tradicionalmente da competência dos Estados-Membros, mas tal é a ameaça à liberdade dos meios de comunicação social que se tornou necessária uma acção à escala da União Europeia para proteger os valores democráticos”.

    A proposta de nova legislação visa responder a sinais de ameaças à liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polónia, e pressões sobre jornalistas em países como Malta, Grécia e Eslovénia. A iniciativa vem complementar a recomendação recentemente aprovada sobre a proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e a diretiva para proteger os jornalistas e os defensores dos direitos de litígios abusivos (pacote anti-SLAPP).

    Segundo a Comissão, “os quatro principais pilares da EMFA são: salvaguardar a prestação independente de serviços de comunicação social no mercado interno; reforçar a cooperação regulamentar e a convergência; assegurar um mercado funcional dos serviços de comunicação social; assegurar uma alocação transparente e justa dos recursos económicos”.

    printing machine

    A proposta, que vem acompanhada ainda de um pacote de “Recomendações” sobre “boas práticas”, coloca na mesa a criação de um regulador europeu para o setor. O “European Board for Media Services” (Conselho Europeu de Serviços de Media) composto pelos reguladores nacionais do setor.

    Este regulador, a ser criado, irá garantir a implementação e cumprimento das novas regras europeias e opinar sobre operações de concentração entre empresas de media no espaço europeu. Mas também vai ter um papel “específico na luta contra a desinformação, incluindo interferência externa e manipulação de informação”.

    Para ser adotada, a nova legislação terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e ter luz verde do Conselho Europeu.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar das publicitadas boas intenções deste “European Media Freedom Act” há quem desconfie que a Comissão Europeia possa pretender ter controlo sobre o setor dos media e o jornalismo produzido no espaço europeu.

    Para a Civil Liberties Union for Europe, a proposta da Comissão Europeia, “na sua forma atual, não aborda adequadamente os problemas mais prementes, incluindo ameaças crescentes à independência das autoridades nacionais de media e emissoras públicas, a falta de um banco de dados transparente e disponível ao público sobre a propriedade da media e o papel dos auxílios estatais tóxicos e subsídios estatais”.

    Para empresas do setor, as novas regras cheiram a possível intromissão no setor por parte dos políticos e burocratas de Bruxelas. “Os reguladores de mídia agora podem interferir na imprensa livre, enquanto os editores estão afastados de suas próprias publicações”, disse Ilias Konteas, diretor executivo da European Magazine Media Association e da European Newspaper Publishers Association ao jornal Politico.

    people having rally in the middle of road

    Num comunicado conjunto, um grupo alargado de organizações europeias pela defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos – incluindo o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media e a Federação Europeia de Jornalistas – , considerou que a iniciativa legislativa é bem-vinda.

    Contudo, alertaram que “para que o EMFA se torne eficaz na luta pela garantia do pluralismo dos meios de comunicação social, pela proteção dos direitos dos jornalistas e pela independência editorial do impacto dos interesses comerciais e políticos instalados, deve reforçar os esforços para aumentar a transparência na propriedade dos meios de comunicação social”.

    Segundo as mesmas organizações, o EMFA deve prever “regras para reger todas as relações financeiras entre o Estado e os meios de comunicação social [para além da publicidade] e “garantir a independência dos reguladores nacionais, bem como a independência do Conselho Europeu dos Serviços aos Meios de Comunicação Social”. Defenderam ainda que a iniciativa deve “proteger totalmente os jornalistas de todas as formas de vigilância [além de spyware]”.

    man sitting on bench reading newspaper

    O comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou numa conferência de imprensa – citado pelo Politico – que não houve “absolutamente nenhuma tentativa da Comissão de ter poder” sobre os media.

    Por outro lado, as novas regras visam endereçar a questão dos conteúdos noticiosos divulgados nas redes sociais, incluindo notícias que são eliminadas por irem contra as normas impostas por cada plataforma, como o Facebook e o Twitter.

    Tendo como base a “Lei dos Serviços Digitais”, o EMFA inclui salvaguardas contra a remoção injustificada de conteúdos noticiosos.

    “Nos casos que não envolvam riscos sistémicos, como a desinformação, as grandes plataformas online que pretendam remover certos conteúdos legais de media considerados contrários às políticas da plataforma terão de informar os órgãos de comunicação social sobre as razões” antes de as retirar.

    Além disso, “quaisquer reclamações apresentadas por órgãos de comunicação social terão de ser processadas com prioridade por essas plataformas”.

    space gray iPhone 6 with Facebook log-in display near Social Media scrabble tiles

    Para a Repórteres sem Fronteiras (RSF), a iniciativa é bem-vinda mas precisa de uns “retoques”.

    “A referência explícita no EMFA à “Journalism Trust Initiative (JTI)” como um standard de auto-regulação que permite que os media se identifiquem como tal em plataformas online, beneficiando de proteção específica face às operações de moderação das plataformas, é um passo importante”, apontou a RSR num comunicado.

    Mas ressalvou que os critérios para definir as entidades que são classificadas como “media” não são satisfatórios atualmente. “Se a auto-declaração como um órgão de comunicação social for suficiente para gozar de proteção, então este mecanismo corre o risco de dificultar os esforços que as plataformas devem empreender para combater a desinformação”, avisou.

    Certo é que, notícias verdadeiras têm sido classificadas como “desinformação” devido a erros cometidos por verificadores de factos, os quais operam em parceria com as plataformas de redes sociais, enquanto notícias falsas ou com graves erros escapam a qualquer tipo de escrutínio.

  • Do processo de silenciamento em curso

    Do processo de silenciamento em curso


    Não sou adepto de teorias da conspiração.

    Acredito sim na relação causa-efeito, nas consequências da acção-reacção,

    Ora, perante isto, digo sem qualquer dúvida: o PÁGINA UM está sob ataque.

    Não estou surpreendido, mas apreensivo, porque sinto que se está perante um processo de silenciamento em curso – que esse processo em plena democracia venha a ter sucesso, significará que vivemos (já) afinal em ditadura.

    grayscale photo of woman doing silent hand sign

    Suspeito fortemente da razão desses ataques. Para não dizer que sei.

    Mesmo com meios ridiculamente baixos em comparação com os media mainstream, o PÁGINA UM tem causado dissabores ao status quo e provocado estremeções numa certa podridão que se vive na sociedade portuguesa – e que, infelizmente, não é fenómeno único na Europa, em especial desde 2020.

    Com independência, objectividade e rigor, o PÁGINA UM tem denunciado uma “narrativa mal-contada” durante a pandemia, com sonegação e manipulação de informação, a par de uma promiscuidade institucional no sector dos media – que extravasa a outras sectores fora da Saúde –, englobando a imprensa e órgãos reguladores, como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ).

    Temos também colocado processos de intimação a diversas entidades com funções públicas por recusa de acesso a documentos administrativos. São já 13 casos, a que se adiciona uma providência cautelar. Juntam-se cerca de duas dezenas de queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Não é nada normal este procedimento. Os jornalistas são, na verdade, com poucas excepções muito respeitadores do poder. Aceitam um não. Muitos. Ou nem sequer fazem as perguntas que merecem um não do poder.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Por isso, nunca se poderiam esperar, a não ser através do PÁGINA UM, processos de intimação no Tribunal Administrativo contra entidades como o Conselho Superior da Magistratura, o Ministério da Saúde, o Infarmed, a Ordem dos Médicos, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o Instituto Superior Técnico, etc..

    Mostrámos também, nas últimas semanas, que o PÁGINA UM é capaz, mesmo com parcos meios financeiros, de fazer concorrência à grande imprensa mainstream, tendo feito “cachas” nos casos da ministra da Coesão Territorial e do ministro da Saúde. Faríamos mais, não duvidem, com mais meios financeiros; talvez com a introdução de publicidade ou de conteúdos pagos, mas queremos manter a filosofia da nossa criação. A nossa fragilidade é, na verdade, a nossa força. O PÁGINA UM quer mostrar que mesmo frágil se pode vencer.

    Porém, não somos ingénuos. O PÁGINA UM tem imensas fragilidades, sendo que a principal é estar dependente, para a divulgação das suas notícias e obtenção de apoio dos leitores, das redes sociais como meio de difusão.

    stack of stack of books

    E, de repente, nas últimas semanas, tenho recebido uma sequência inaudita de estranhas sanções provenientes das redes sociais, com destaque para o Facebook, afectando também directa e indirectamente o PÁGINA UM.

    Em 4 de Setembro passado levei um aviso do Facebook, porque escrevi sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, citando um artigo científico publicado na revista Vaccine intitulado “Serious adverse events of special interest following mRNA COVID-19 vaccination in randomized trials in adults”.

    No dia 30 de Setembro, novo castigo do Facebook, desta vez com uma sanção de 24 horas de silenciamento, e ainda avisos de “desinformação” e castigos a quem tivesse partilhado o post do PÁGINA UM. Causa: divulgação de uma notícia baseada em mais um artigo científico na revista Journal of Insuline Resistance intitulado “Curing the pandemic of misinformation on covid-19 mRNA vacines through real evidence-based medicine”.

    A censura do Facebook foi feita num post em que se escrevera o seguinte: “Para ler agora no jornal PÁGINA UM, esperando que a divulgação desta rigorosa notícia de um órgão de comunicação social reconhecido pela ERC e escrito por dois jornalistas com carteira profissional há mais de 25 anos não seja alvo de qualquer tipo de censura ou shadow banning… Testemos também a Democracia em pleno século XXI.”

    Síntese das “castigos” aplicados pelo Facebook.

    E agora, nova sanção, esta madrugada, com a indicação de que a minha “publicação repete informações falsas sobre a covid-19 que desrespeitam os nossos Padrões da Comunidade”. E qual a causa? Um simples post com uma “memória” em que recordava que há um ano a Comissão de Trabalhadores da RTP tinha proposto uma segregação dos funcionários que não se tivessem vacinado, impedindo-os de usar espaços comuns. Apenas escrevi: “Foi há um ano. Alguém sabe se estes senhores jornalistas pediram já desculpa?” Nada mais.

    Foi servido um castigo de três dias.

    Próximo castigo será de sete dias, e depois de 30 dias, e provavelmente o silenciamento absoluto, tachado de “desinformação” ou de “perigo para a saúde pública” ou de “risco para o bem comum”.

    Neste momento, o Facebook faz a mais execrável e cobarde Censura, porque nas ventas de um Estado dito democrático, que nada faz para defender a liberdade de expressão e de imprensa, cometendo tudo isto através de torpes difamações e sem resposta (ainda) possível.

    O Facebook, tal como outras redes sociais, transformaram-se em monstros sem rosto (não há forma sequer de a contactar ou obter uma resposta) que minam a democracia – mas a culpa nem sequer é dele, mas das autoridades.

    Mas o Facebook é mais do que isso. É uma empresa que agora aprecia agradar aos Estados até para evitar mais multas por sucessivos atropelos legais na União Europeia e no Reino Unido.

    Não custa assim a acreditar que esta sequência de castigos – que não devem parar – seja uma manobra concertada para silenciar o PÁGINA UM. Não há coincidências. Se não for com a envolvência directa da empresa, pelo menos por via de um algoritmo que, de repente, se tornou absurdamente sensível na aceitação de denúncias dos haters, culminando em censura e castigos por dá-cá-esta-palha, mesmo quando se citam estudos científicos ou se recorda episódios absurdos de segregação do passado.

    E tudo isto se faz perante um silêncio cúmplice da imprensa mainstream. Acredito até que assistam com alguma satisfação. Compreendo-os: não os tenho também “poupado”, exactamente por, em muitas e variadas situações, não estar essa imprensa a honrar a nobre função do jornalismo. Se eles não denunciam tanta coisa que deveriam denunciar, porque motivo denunciariam um processo de silenciamentos em curso de alguém que os incomoda?

    man standing and walking going on boxing ring surrounded with people

    O PÁGINA UM vai tomar, com os meios possíveis, providências judiciais nem que seja para confirmar que vivemos numa República das Bananas, onde uma empresa pode censurar e difamar cidadãos e jornalistas, e restringir até a liberdade de expressão, sob princípios que nada têm de científico nem de bem comum.

    Até porque, ao longo deste seu ano de existência, o PÁGINA UM soube e quis sempre noticiar com responsabilidade e rigor. E também independência, que é algo que sempre incomodou o poder.

    E faço aqui uma promessa: apenas desistirei quando constatar que vivemos já em ditadura. Aí, confesso-vos, se tal desgraça suceder, emigro merecidamente, porque lutei até ao limite para não viver numa ditadura. E deixo neste rectângulo aqueles que nada fizeram para manter viva a democracia.


    N.D. Para receber a nova newsletter do PÁGINA UM, que em breve será a plataforma por excelência de divulgação, aceda ao formulário AQUI.

    Para apoiar o PÁGINA UM, utilize um dos meios ao dispor AQUI. Para apoio ao FUNDO JURÍDICO, aceda AQUI.

    Lembre-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais. A sua sobrevivência e crescimento dependem exclusivamente dos leitores.

  • Na “guerra de palavras”, o Público mudou de opinião… e a ERC apoia

    Na “guerra de palavras”, o Público mudou de opinião… e a ERC apoia

    Em Junho, a organização da Marcha do Orgulho LGBTI+ (MOL) classificou o embaixador de Israel como persona non grata. Dor Shapira respondeu à letra no Público, mas não houve réplica, porque a direcção do diário não apreciou determinadas expressões. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) veio agora dar razão ao director do Público, e acha mesmo que há mais expressões contra Israel que deveriam ser “proibidas”. Os tempos são agora bem diferentes do que eram, por exemplo, há oito anos… nas páginas também do Público. Confira.


    Em 2014 escrevia-se longo e grosso nas páginas do jornal Público, no auge de uma ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza. No dia 16 de Julho, a embaixadora Tzipora Rimon não poupava nas palavras em artigo de opinião intitulado “Em busca da estabilidade perdida dos cidadãos de Israel”: “Em Israel o valor da vida fica no topo da escala de valores e o Estado dedica todos os seus meios a melhorar a forma de a preservar. Contrária a isto é a actuação do Hamas, internacionalmente reconhecida como organização terrorista, cuja motivação é destruir vidas de israelitas.”

    E continuava sem rodeios nem receios: “O Hamas dirige os seus mísseis para áreas residenciais populosas para, indiscriminadamente, atingir o máximo de civis israelitas – crianças, mulheres, idosos. O Hamas declara abertamente ser seu objectivo atingir centros populacionais, como Telavive, Jerusalém, Haifa e muitas outras cidades, e não alvos militares.”

    man in black and white long sleeve shirt standing near people during daytime

    Nem uma linha fora do contexto. Uma piscadela para passar o parágrafo seguinte, e a embaixadora, que esteve em Portugal entre 2013 e 2017, mantinha a linha sem contemplações: “Esta é uma clara violação do direito internacional e é um crime de guerra. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, declarou: Esta é a diferença entre nós e o Hamas. Usamos um sistema defensivo antimíssil para proteger os cidadãos de Israel e o Hamas está a usar os residentes de Gaza para defender os seus arsenais de mísseis.”

    O artigo de opinião ainda contava mais quatro parágrafos, mas o importante aqui é acrescentar que teve resposta a preceito, três dias depois. Em nome do Comité de Solidariedade com a Palestina, um grupo de cinco pessoas pôde fazer duas coisas simples: contestar a opinião da embaixadora de Israel no próprio jornal que a publicou – então dirigida por Bárbara Reis –, e prescindiu, sem problemas, de ser meigo na escolha das palavras.

    Logo a abrir, o título: “Um artigo racista da embaixadora israelita”.

    Na polémica em 2014 entre o embaixador de Israel e apoiantes da causa palestiniana não se mediram palavras.

    Depois, em apenas quatro parágrafos, os mimos foram constantes: “(…)  as únicas ‘vidas humanas’ que importam ao regime racista israelita são as dos seus cidadãos judeus”; “incrível cinismo” da embaixadora; “campanha israelita de limpeza étnica” e “regime israelita do apartheid”. E ainda, em relação à postura dos israelitas em relação aos palestinianos na Faixa de Gaza, explícitas comparações com o “extermínio dos judeus na Alemanha nazi” e acusações de “lógica genocida” similar ao nazismo.

    Tudo valeu como argumentos – e, independentemente das posições extremadas, fez-se opinião. Chocante? Sim. Mas expôs-se opinião, dura e crua, de ambos os lados. A liberdade de expressão é assim.

    Mas isso foi há oito anos…

    Hoje, aquele texto de André Trassa, Elsa Sertório, João Jordão, Sahd Wadi e Teresa Cabral – os autores do artigo em 2014 em nome do Comité de Solidariedade com a Palestina – jamais seria publicado no Público.

    E não por o actual director do Público, Manuel Carvalho, fosse eventualmente considerar ilegítimo que o Comité de Solidariedade com a Palestina retorquisse (por não ter mandato de representação do Hamas), mas sim porque aquele texto de há oito anos seria agora acusado de “conter expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvem responsabilidade criminal, nos termos do disposto no número 4, do artigo 25º da Lei de Imprensa”.

    Marcha de Orgulho LGBTI+ teve este ano um “condimento especial”, uma polémica entre a organização e o embaixador de Israel.

    E porque se diz isto? Por uma simples razão: a citação do parágrafo anterior consta de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, apenas esta semana colocada no seu site (embora tomada em 31 de Agosto passado). A dita deliberação dá razão ao Público por recusar um direito de resposta à Comissão Organizadora da 23ª Marcha do Orgulho LGBTI+ (MOL) sobre um artigo de opinião do embaixador israelita Dor Shapira.

    Recue-se para contextualizar. No cerne da polémica esteve a recusa da organização daquela marcha, que se realizou em Lisboa no passado dia 18 de Junho, em acolher a participação do embaixador israelita, não por qualquer tipo de discriminação sexual naquele país, mas por razões políticas relacionadas com a Palestina.

    Dor Shapira não gostou e aproveitou a abertura das páginas do Público para opinar, no dia 21 de Junho, sobre a MOL, dizendo não saber se a decisão de o colocar como persona non grata se devia a “ignorância, estupidez ou hipocrisia”. E zurzia mais, acusando a organização de estar “capturada por uma extrema-esquerda com tiques assustadoramente autocratas”, acabando a defender o seu país, atacando a Palestina: “Em muitos dos países vizinhos de Israel – e especialmente na Faixa de Gaza – não há Comunidade LGBTI+ por uma razão muito simples: se alguém o assumir será sumariamente punido. Na melhor das hipóteses, com a prisão e na pior com a execução. Israel acolhe estas pessoas.”

    Ao contrário da sua antecessora em 2014, o embaixador de Israel não teve de receber resposta ao seu artigo de Junho passado.

    Uma polémica é sempre boa para dirimir com palavras, duras que sejam; antes isso do que usarem-se somente armas, pensar-se-á. Mas o director do Público não deixou. E a novela passou para outro patamar.

    Primeiro, no dia 23 de Junho, a organização do MOL quis publicar um artigo de resposta, alegando até a Lei da Imprensa, mas Manuel Carvalho, o director do Público, não deixou. Havia uma frase terrível no texto dos organizadores do MOL: “Um estado que se vangloria da sua democracia e respeito pelos DH [Direitos Humanos] enquanto desenvolve um dos mais longos genocídios da história da humanidade.”

    Segundo consta da deliberação da ERC, andou a direcção do Público a contar palavras – e achou “exagerada [a] dimensão do texto [da organização da MOL], por comparação com a do artigo respondendo“ [do embaixador]. E alegou também existirem “referências que não tinham relação directa e útil com o teor do artigo de Dor Shapira”, além de constarem “expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolviam responsabilidade criminal”.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social só divulgou esta semana a polemica deliberação votada em finais de Agosto.

    Dois dias mais tarde, após a recusa inicial, a organização da MOL reduziu o texto, mas continuou a encravar no director do Público, que pretendeu ver retirada a expressão “campanhas de genocídio”, porque, segundo conta a deliberação da ERC, era “contrária ao Estatuto Editorial do Público e desproporcionadamente desprimorosa ou implicando responsabilidade criminal”. Com a expressão “campanhas de genocídio”, Manuel Carvalho não publicava; sem a dita expressão, publicava…

    E, então, foi o caso parar à ERC. E o resultado ainda foi mais restritivo quanto ao uso de certas expressões. Na deliberação, o regulador (ainda) presidido pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas defende que a “acusação a Israel de levar a cabo campanhas genocidas, e sendo o genocídio um dos crimes mais graves que pode ser imputado a um Estado” pode “mesmo ser fonte de responsabilização para o jornal caso o texto de resposta fosse publicado”, concluindo assim pela legitimidade da recusa do director do Público.

    Mas a ERC acabou por ainda ir mais longe, considerando que seria suficiente, para a recusa legítima de publicação de um texto de resposta ao abrigo da Lei de Imprensa, que se acusasse Israel de práticas de “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” e de desrespeito por “inúmeras resoluções” das Nações Unidas sobre o conflito na Palestina.


    N.D. Há momentos em que o jornalista não consegue decidir se deve informar ou se deve opinar, manifestando a sua repulsa. Este é um deles. Todo este episódio – e sobretudo o contraste de hoje com um passado tão recente na aceitação do debate duro – mostra a lamentável e miserável mudança social nos últimos anos.

    Se este episódio nos revela algo, não é tanto as raízes e ramificações do conflito israelo-palestiniano – que esse vai durar; é sim a perda (recente) da nossa capacidade como sociedade em saber discutir aberta e tenazmente um qualquer assunto. O politicamente correcto anda a ser imposto; prevalece o respeitinho; censura-se a palavra mais dura, mesmo se discutível a sua essência e justeza. A Censura is the new black.

    Confesso que me encontro (lamentavelmente) impreparado para poder concordar com todas as acusações contra Israel de práticas de “políticas segregacionistas e de apartheid”, de “colonização”, de “crimes de guerra”, de “violações de direitos humanos” e de desrespeito por “inúmeras resoluções” das Nações Unidas sobre o conflito na Palestina.

    white and black printed paper

    Mas sei, e isso sem pestanejar, ser lamentável que haja quatro pessoas que lamentavelmente serpenteiam pelos corredores de uma entidade que foi criada pela Constituição para defender a liberdade de expressão achem que, no espaço público, de debate, não se possa usar aquelas expressões considerando-as “desproporcionadamente desprimorosas”. E que digam que isso não pode ser porque, enfim, o embaixador de Israel até mostrou um “tom contido e o lamento nele expresso pela recusa em participar” na MOL.

    Sobre o Público de agora; não faço já mais comentários por agora: confrontar a postura de 2014 com a de 2022 mostra-se suficiente e prescinde de mais opinião.

    Há qualquer coisa aqui, por aí, de bafiento. E um futuro sombrio se coloca nos nossos horizontes, com gente assim.