Etiqueta: Imprensa

  • Absurdo: ERC “corrige” registo da IURD a um sábado, colocando afinal todos os indicadores financeiros

    Absurdo: ERC “corrige” registo da IURD a um sábado, colocando afinal todos os indicadores financeiros


    O PÁGINA UM revelou, na sexta-feira, que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concedera à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) a confidencialidade a indicadores financeiros através de uma deliberação de 30 de Agosto. Ontem de manhã, esses indicadores continuavam sem números. Entretanto, a ERC veio dizer, em esclarecimentos ao PÁGINA UM, que a confidencialidade se aplicava a outra informação, que recusou especificar, e que os dados financeiros seriam revelados após uma “sincronização regular”. Mas pela noite deste sábado, a ERC acabou por introduzir os dados financeiros da IURD, não comunicando publicamente os contornos da sua acção, numa clara tentativa de retirar veracidade à notícia do PÁGINA UM. Porém, existem registos inequívocos.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) colocou ontem à noite no Portal da Transparência dos Media todos os indicadores financeiros de 2022 relativos à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no seguimento de uma notícia do PÁGINA UM de sexta-feira passada. Nessa notícia destacava-se uma deliberação daquele regulador dos media, aprovada no passado dia 30 de Agosto, que isentava aquela entidade religiosa de disponibilizar “dados de reporte obrigatório”, entre os quais elementos constantes do seu relatório e contas.

    Conforme constatado nesta sexta-feira (às 17:18 horas) e ainda ontem à tarde (às 13:28 horas) pelo PÁGINA UM, em consulta ao Portal da Transparência – mais de duas semanas depois da aprovação da deliberação – verificava-se que para os diversos indicadores financeiros relativos à IURD para o ano de 2022 se mantinha a referência “pedido de confidencialidade em apreciação”, ou seja, os dados continuavam sob segredo.

    Sede da IURD, em Lisboa. A igreja evangélica quis esconder dados financeiros.

    Saliente-se que a Lei da Transparência dos Media impõe, desde 2017, o reporte obrigatório da titularidade, do relatório do governo societário e dos diversos fluxos financeiros, entre os quais o activo, o capital próprio, o passivo, os rendimentos, os resultados operacionais, os resultados líquidos e ainda a referência aos clientes e aos detentores do passivo mais relevantes (acima dos 10%).

    Na deliberação da ERC, aprovada em 30 de Agosto, não se faz qualquer referência aos elementos sobre os quais a IURD pediu escusa, mas esta entidade cristã evangélica e neopentecostal garantidamente terá solicitado a não divulgação dos indicadores financeiros, até porque o PÁGINA UM tem conhecimento do funcionamento do backoffice para submissão dos registos no Portal da Transparência e de como o regulador trata dos assuntos.

    [N.D. A empresa gestora, Página Um, Lda., por motivos de cumprimento das obrigações legais, tem acesso ao backoffice de submissão dos registos no Portal da Transparência, onde há a possibilidade endereçar um documento para fundamentar o pedido de confidencialidade. Aliás, em Novembro do ano passado, o PÁGINA UM obteve uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos pedidos de confidencialidade à ERC, mas o regulador não se conformou à ideia de transparência e recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, aguardando-se ainda o acórdão.]

    Membros do Conselho Regulador determinaram que os seus funcionários não trabalhassem às sextas-feiras à tarde, mas ontem à tarde, num sábado, alguém fez horas extraordinárias para tentar “desacreditar” uma notícia do PÁGINA UM.

    No texto daquela deliberação sobre o pedido de confidencialidade da IURD, a ERC decidiu – e sem base legal para esse comportamento – ser obscurantista. O regulador apenas escreveu que, “estando em causa um pedido de confidencialidade, a fundamentação oferecida pela Requerente, e a respetiva análise e fundamentação da ERC, são consideradas de acesso reservado, atendendo a que é suscitado um interesse fundamental [não identificado] do Requerente, que, sendo por natureza sensível e sigiloso, diz respeito especificamente à sua condição e circunstância”, concluindo que “nestes termos, considera-se que essa fundamentação, bem como a correspondente análise da ERC, devem apenas ser do conhecimento dos interessados, sendo circunscrita aos documentos de análise constantes do processo, para os quais se remete”.

    Ontem à tarde, pelas 13:17 horas, fonte oficial da ERC enviou, voluntariamente, um esclarecimento ao PÁGINA UM referindo que “os dados financeiros da IURD não são confidenciais”, aditando que “estes dados só não estão ainda públicos, por se estar a aguardar a sincronização regular do Portal”, não tendo explicado que processo de sincronização se tratava.

    A mesma fonte prometia ainda que “logo que ocorra essa sincronização ficarão consultáveis”, acrescentando por fim que “o que é confidencial é outro tipo de informação”, não adiantando qual.

    PÁGINA UM arquivou, em versão inalterável no archive.today, os registos dos indicadores financeiros da IURD no Portal da Transparência dos Media nos últimos dias, fazendo um shot poucas horas antes de uma furtiva alteração da ERC.

    Tendo o PÁGINA UM pedido à ERC, pelas 15:14 horas de ontem, que identificasse então quais os elementos que seriam considerados confidenciais e quais aqueles que não seriam, a mesma fonte do regulador informou, pelas 21:10 horas de ontem, que “os dados financeiros da IURD estão todos públicos neste momento, após já se ter verificado a sincronização do Portal da Transparência”.

    Após a leitura da mensagem da ERC, o PÁGINA UM consultou de novo, pelas 23:19 horas de ontem, o registo da IURD no Portal da Transparência, tendo então confirmado que já aí constavam os indicadores financeiros de 2022. Ou seja, durante a tarde de ontem – portanto, num fim-de-semana, algo ainda mais extraordinário por essa entidade estar encerrada às sextas-feiras à tarde –, os serviços da ERC fizeram horas extraordinárias de “sincronização”. Coloca-se a palavra sincronização entre aspas porque simplesmente apenas foram introduzidos dados no portal.

    [N.D. A alteração executada pelos serviços da ERC no registo da IURD no Portal da Transparência dos Media pode ser confirmada AQUI, ou seja, pela observação dos três registos do archive.today accionados pelo PÁGINA UM na sexta-feira (uma vez] e sábado (duas vezes), sendo que o terceiro shot, em comparação com os dois anteriores, prova a modificação feita este sábado]

    Nos dados agora consultáveis pelo público, constata-se que a IURD registou no ano passado rendimentos no valor de 35,6 milhões de euros, um crescimento de quase 12% face a 2021, tendo os lucros superado os 7,7 milhões de euros, um acréscimo de 25% em comparação com o exercício anterior.

    Indicadores financeiros (em euros) da Igreja Universal do Reino de Deus desde 2017 e agora até 2022. Fonte: Portal da Transparência dos Media / ERC

    As maiores novidades destes registos acabam por ser a identificação do Millennium como detentor de 15% do passivo da IURD – o que significa a existência de uma dívida a este banco no valor de quase 2,3 milhões de euros – e sobretudo de dois clientes relevantes: a Gamobar (com 36% do total dos rendimentos) e a Soauto VGRP (com 16% do total dos rendimentos).

    A inclusão destes dois clientes (ou eventuais doadores) relevantes em 2022 – no caso da Gamobar já surgia em anos anteriores – é um mistério, porque ambas são concessionárias automóveis. A Gamobar foi adquirida em 2021 pelo Grupo Salvador Caetano, enquanto a Soauto VRGP pertence à Porsche Holding Salzurg desde 2019.

    Tendo em conta que os montantes registados no Portal da Transparência dos Media dos rendimentos do ano passado da IURD são, em termos absolutos, muitos elevados (35,6 milhões de euros), o peso da Gamobar e da Soauto seria, a confirmar-se, extraordinariamente significativos: 12,8 milhões e 6,4 milhões de euros, respectivamente.

    Registo dos indicadores (ausentes) financeiros da IURD no início da tarde de sábado no Portal da Transparência dos Media [à esquerda] e registo alterado pela ERC na noite de sábado [à direita]

    O PÁGINA UM pediu, por isso, esclarecimentos adicionais às duas empresas e à IURD para conhecer melhor as relações comerciais que justificam estes montantes, aguardando respostas.

    Saliente-se, por fim, que a ERC enviou os esclarecimentos ao PÁGINA UM e procedeu, furtivamente, à alteração do registo da IURD, num sábado, sem fazer qualquer nota pública explicativa do seu procedimento, nomeadamente no seu site. Caso o PÁGINA UM não tivesse, por prudência, arquivado os registos no Archive.info, poder-se-ia julgar, com este procedimento do regulador dos media, que a notícia da sexta-feira passada era falsa, uma invenção.

    [N.D. Leia AQUI o editorial do PÁGINA UM sobre o(s) comportamento(s) da ERC em relação ao PÁGINA UM]

  • ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação

    ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação


    Faz lembrar o Evangelho segundo São Mateus: “Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir”. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – que em Portugal detém directamente uma revista, um jornal e um canal televisivo – pediu e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) logo lhe abriu a porta, ou melhor, permitiu que aquela igreja evangélica fechasse, a partir de agora, as suas contas a olhos indiscretos no Portal da Transparência dos Media. Antes desta decisão, sabia-se que a IURD registara um lucro acumulado de quase 43 milhões de euros entre 2017 e 2021. Na sua deliberação, o regulador não revela os motivos do pedido nem justifica a razão do deferimento, considerando essa informação secreta. O PÁGINA UM não tem tido acesso a esses documentos porque a ERC recorreu de uma sentença que lhe foi desfavorável, alimentando assim o obscurantismo neste sector. 


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) permitiu, em deliberação tomada a 30 de Agosto, que a Igreja Universal do Reino de Deus passasse a esconder informação financeira no Portal da Transparência dos Media.

    Tal como a generalidade das entidades que detêm órgãos de comunicação social – independentemente de serem informativos ou doutrinários –, a IURD divulgou diversos indicadores financeiros entre 2017 e 2021, entre os quais o activo, o capital próprio, o passivo, o rendimento e o resultado líquido (lucro ou prejuízo). Com a autorização da ERC, a IURD deixou assim de o fazer assim relativamente ao relatório e contas de 2022.

    IURD detém directamente três órgãos de comunicação social de Portugal e é dona de outra que integra mais seis. Está associada à Rede Record, um conglomerado de media brasileiro detido por Edir Macedo.

    De acordo com os registo de 2021, consultados pelo PÁGINA UM, a IURD detinha então activos de quase 170 milhões de euros – a título de exemplo, a Cofina, o maior grupo com actividade exclusiva na imprensa tem activos de 105 milhões de euros – e obteve um lucro de 6,2 milhões de euros. Entre os anos de 2017 e 2021, a IURD apresentou lucros acumulados de 42.986.198 euros.

    Além da sua actividade religiosa, a IURD detém directamente três órgãos de comunicação social registados na ERC: uma revista e um jornal, ambos de periodicidade mensal, e ainda um canal de televisão a Unifé TV.

    A revista (Eu era assim, com o registo nº 127685) é gratuita, tendo no mês passado sido lançada a sua 19ª edição. Por sua vez, o jornal Folha de Portugal, com o registo nº 127340, também de distribuição gratuita, conta 56 números. De acordo com o estatuto editorial disponível no site da IURD, este jornal “é um periódico de 12 páginas e com uma tiragem de 30.000 exemplares, apresenta uma área de distribuição muito abrangente, que compreende não só Portugal Continental e as Ilhas, como, pontualmente, alguns países da Europa, como o Luxemburgo, a França e a Suíça”.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social gere a transparência escondendo justificação para conceder regimes de excepção.

    Por fim, o canal de televisão Unifé, com o registo nº 523418, foi lançado em 30 de Agosto do ano passado, e visa a “divulgação de conteúdos religiosos enquadrados nas crenças e nos cultos da IURD”, bem como “da obra social da IURD e das entidades religiosas” Segundo a autorização da ERC para o funcionamento deste canal, a IURD previa um prejuízo anual de 500 mil euros por ano ao longo da primeira década de funcionamento.

    Este canal não tem ligação directa à Rede Record, que é um colosso comunicacional no Brasil, também presente em Portugal, embora seja detido por Edir Macedo, o fundador da IURD. No caso da empresa estabelecida em Portugal – a Rede Record de Televisão Europa –, o accionista principal é a holding Aion Future, que tem como principal sócio Marcelo Cardoso (69%), um bispo da IURD muito próximo de Edir Macedo.  

    De forma indirecta, a IURD também controla completamente, como dona da Global Difusion, mais seis empresas registadas na ERC: Horizontes Plano, R.T.A., Record FM, Rádio Clube de Gaia, Rádio Pernes e Rádio Sem Fronteiras a Rádio Positiva. Apesar de ter um capital social de 500 mil euros, nos registos da ERC não constam quaisquer dados financeiros para qualquer ano.

    Indicadores financeiros (em euros) conhecidos da Igreja Universal do Reino de Deus entre 2017 e 2021. Fonte: Portal da Transparência dos Media / ERC

    Na deliberação que agora isenta a IURD de apresentar as suas contas no Portal da Transparência, a ERC – que, neste momento, tem um conselho em gestão, apenas com três dos cinco membros em função, após o falecimento de Mário Mesquita e a demissão de Sebastião Póvoas – não apresenta os motivos do pedido nem tão-pouco justifica a concessão dessa excepção, que na prática cria um regime de excepção sem justificação para se esconder dados financeiros de uma entidade gestora de órgãos de comunicação social. Algo que contraria o espírito de uma lei da Assembleia da República de 2015.

    O regulador apenas diz que “estando em causa um pedido de confidencialidade, a fundamentação oferecida pela Requerente, e a respetiva análise e fundamentação da ERC, são consideradas de acesso reservado, atendendo a que é suscitado um interesse fundamental [não identificado] do Requerente, que, sendo por natureza sensível e sigiloso, diz respeito especificamente à sua condição e circunstância”, concluindo que “nestes termos, considera-se que essa fundamentação, bem como a correspondente análise da ERC, devem apenas ser do conhecimento dos interessados, sendo circunscrita aos documentos de análise constantes do processo, para os quais se remete”.

    Recorde-se que por causa desta postura obscurantista do regulador dos media – que lhe permite tomar decisões arbitrárias para benefícios de terceiros em matérias paradoxalmente de transparência –, o PÁGINA UM intentou no ano passado uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos processos de pedido de confidencialidade.

    Em 8 de Novembro do ano passado, uma sentença favorável ao PÁGINA UM determinou que, no caso dos processos concluídos, a ERC deveria entregar os documentos apenas expurgados de dados pessoais ou que revelassem segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas. A juíza do caso ameaçou mesmo o presidente da ERC de uma sanção pecuniária compulsória se não disponibilizasse os documentos ao PÁGINA UM no prazo de 10 dias, mas o regulador decidiu recorrer, com carácter suspensivo, para o Tribunal Central Administrativo Sul, estando ainda a aguardar-se o acórdão.

    Em todo o caso, desde final do ano passado, o regulador passou a tomar as decisões através de deliberações, sendo esta da IURD a primeira que foi concedido o benefício de esconder dados económicos. Por exemplo, em 2022 a empresa gestora da TVI e da CNN Portugal – a TVI – Televisão Independente – tentou obter junto da ERC o mesmo que agora a IURD conseguiu. Levou com um indeferimento. Talvez por “falta de fé”…

  • Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias

    Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias


    Em três campanhas publicitárias desenvolvidas em 2018, a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, violou a Lei da Publicidade Institucional do Estado, que obriga a que se destine pelo menos 25% do custo total de uma campanha estatal aos órgãos de comunicação social regionais e locais. As três multas podem chegar até aos 55 mil euros (e o mínimo será de 7.650 euros), mas a probabilidade de prescrição é elevada por os casos serem anteriores à pandemia. A par com a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Tribunal de Contas detectou também infracções similares em campanhas de outras entidades públicas, entre as quais se destacam a Agência para a Modernização Administrativa, o Instituto da Segurança Social, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes e a Força Aérea. 


    Os casos remontam a 2018, mas a “justiça”, lenta e a passo de caracol, chegou agora em 2023. Três campanha publicitárias da Direcção-Geral da Saúde (DGS), no âmbito da vacinação contra a gripe e o sarampo, envolvendo um montante global superior a 318 mil euros, privilegiaram órgãos de comunicação social em detrimento da imprensa local e regional, e foram denunciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao Tribunal de Contas (TdC). E agora, só no mês passado, a “factura” chegou: a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, foi multada a título pessoal por três infracções com um mínimo de 25 unidades de conta (UC). cada uma, e um máximo de 180 UC, cada.

    Independentemente de já não ocupar o cargo, Graça Freitas está sujeita a ter de desembolsar, contas feitas, entre 7.650 euros e 55.080 euros. Embora estes casos prescrevam ao fim de cinco anos, a intervenção do TdC suspendeu os prazos.

    Campanha publicitária da DGS em 2018 a favor da vacinação da gripe não cumpriu a lei, e Graça Freitas foi agora multada pelo Tribunal de Contas.

    De acordo com o relatório nº 11/2023 de auditoria ao cumprimento dos deveres legais nas Campanhas de Publicidade Institucional do Estado, o TdC entendeu que a DGS não cumpriu com a obrigação legal de destinar aos órgãos de comunicação social regionais ou locais um mínimo de 25% do valor global, incorrendo assim em “infracção financeira sancionatória”, que é da responsabilidade não da instituição mas dos gestores que autorizaram esse procedimento. Além disso, o TdC afirma ainda que a DGS não comunicou à ERC a aquisição dos espaços publicitários dentro do prazo legal de 15 dias após a realização dos contratos.

    A DGS não foi a única entidade fiscalizada após denúncia da ERC. Também os gestores da Agência para a Modernização Administrativa (um processo), o Instituto da Segurança Social (dois processos), o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (um processo), a Empresa Portuguesa das Águas Livres (dois processos), o Instituto dos Registos e Notariado (um processo) e a Força Aérea (um processo) foram alvo da atenção do TdC, tendo havido, com excepção desta última entidade, a indicação de sanções.

    Note-se, porém, que este relatório do TdC tem várias partes rasuradas, alegadamente por normativos legais, não sendo possível uma leitura integral.

    Em 2021, a DGS gastou 5 milhões de euros em publicidade institucional, mas as campanhas ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas.

    Este é apenas mais um caso que confirma que, ano após ano, a comunicação social regional e local tem sido preterida em benefício das maiores empresas de media, sobretudo de televisão, na distribuição da publicidade estatal, sendo este já um problema “endémico”. No relatório anual da ERC sobre a publicidade estatal em 2022, o regulador dos media havia registado cinco casos similares.

    No entanto, foi em 2021, devido à pandemia de covid-19, que se registou um “pico” das campanhas publicitárias, onde se destacou a DGS, que nesse ano gastou mais de 5 milhões de euros. Naquele ano, aliás, bateu-se um recorde absoluto no investimento estatal em publicidade para a comunicação social, ultrapassando-se a fasquia dos 12,5 milhões de euros, dos quais 3,09 milhões para órgãos de comunicação social regional e local. No ano anterior tinha sido de apenas 2 milhões de euros.

    Segundo o último relatório da ERC, ao longo de 2022, os institutos públicos e as entidades que integram o setor empresarial do Estado comunicaram a realização de 112 campanhas publicitárias, no montante global de quase 6,5 milhões de euros, o que representou um decréscimo de quase metade do montante distribuído em 2021. .

    A verba destinada aos órgãos de comunicação social regionais e locais cumpriu a lei, atingindo cerca de 2,4 milhões de euros, correspondendo a quase 37% do total investido na aquisição de espaços publicitários.

    A distribuição irregular de verbas de publicidade institucional, beneficiando os grandes órgãos de comunicação social de âmbito nacional em detrimento da imprensa local e regional, tem causado um crónico mal-estar no sector.

    A Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa), que agrega cerca de 450 sócios, entre grandes empresas nacionais e empresas de menor dimensão, aponta lacunas na Lei da Publicidade Institucional, criada em 2015, uma das quais é “a exclusão de dever de cumprimento de algumas entidades públicas”, como a Caixa Geral de Depósitos ou das instituições de ensino superior, “que todos os anos investem milhares de euros em publicidade institucional.”

    Além disso, o organismo agora presidido por Cláudia Maia lamentou ao PÁGINA UM que “a Lei não prevê sanções verdadeiramente a quem infringe as regras sobre a distribuição à Imprensa Regional”, algo que, adianta, se mostra “particularmente grave porque, ano após ano, tem lesado os órgãos de comunicação social regional e local em muitos milhares de euros.”

    Por outro lado, a APImprensa diz que, em muitos casos, a publicidade institucional é intermediada por agências que “selecionam os órgãos de comunicação social pelos quais distribuem as verbas, o que pouca abona a favor da transparência e da diversidade”, acusando que “são quase sempre os mesmos a receber as campanhas”. E diz ainda que “os valores apresentados nos relatórios da ERC não incluem as comissões das agências, o que faz com que, na maioria dos casos, os valores apresentados como tendo sido atribuídos aos órgãos de comunicação social regionais não correspondam ao que estes efetivamente receberam”, podendo até ser “menos de metade do anunciado”.

    A APImprensa defende, por isso, “uma revisão e clarificação urgente da Lei”, que inclua o direito de “acesso às campanhas reportadas na Plataforma Digital da Publicidade Institucional do Estado, de forma a poder monitorizar e reportar eventuais abusos ou desvios ao que está definido na Lei da Publicidade Institucional do Estado.”

    Adicionalmente, a APImprensa entende que “a ERC deveria ter uma postura mais proactiva e fiscalizadora junto das entidades promotoras, não se limitando a elaborar relatórios sobre o estado da nação no que diz respeito à distribuição da publicidade institucional.”

  • Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

    Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

    É mais um caso de promiscuidade e sobretudo de falta de transparência. Mas desta vez com uma dose de ironia: em Julho, no âmbito das comemorações dos 50 anos, o jornal Expresso “esqueceu-se” de informar que um debate sobre desinformação foi pago pelo anfitrião, a Fundação Inatel, sob a forma de contrato de prestação de serviços, que surgiu na semana passada no Portal Base. O presidente do INATEL foi também um dos oradores. Mas este não foi o único caso de dinheiros públicos em eventos que o Expresso assumiu só ter patrocinadores privados. Saiba quem foram os autarcas que, a troco de dinheiro, tiveram a sua imagem promovida no Expresso, de mão dada (ou de tuk-tuk) com o seu director.


    Não se pode dizer que não houve oportunidade. No passado mês de Julho, por três vezes nas suas páginas virtuais e uma vez na edição em papel do dia 21, no seu caderno semanal de Economia, o Expresso destacou um debate em Évora assaz oportuno: “inteligência artificial e desinformação”. Mas em nenhuma dessas oportunidades de um debate sobre desinformação, o jornal do Grupo Impresa deu a informação aos seus leitores de que a Fundação INATEL – instituição tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – pagou 19.500 euros para a realização do evento.

    Apesar do INATEL ter a sua actividade focada em actividades de ocupação de tempos livres – gerindo também 17 unidades hoteleiras, um parque de jogos, vários pavilhões desportivos e o Teatro Trindade, em Lisboa –, o Expresso também incluiu na lista de participantes deste debate sobre desinformação o presidente daquela instituição, Francisco Madelino, que está longe de ser especialista em inteligência artificial ou desinformação. Presidente da Fundação INATEL desde Janeiro de 2016, Madelino é sim especialista em teoria económica e Economia portuguesa e europeia, tendo sido presidente do Instituto de Políticas Públicas e Sociais do ISCTE. A sua presença ter-se-á devido, assim, não apenas ao financiamento do evento como também à cedência do espaço, o Palácio do Barrocal, sede naquela cidade alentejana.

    Comemorações dos 50 anos do Expresso: o jornal “esqueceu-se” de informar os leitores que não havia só patrocinadores privados. Também houve dinheiros públicos.

    Não se pode, porém, provar documentalmente que a presença de Francisco Madelino tenha sido uma contrapartida do pagamento da verba, porque o contrato por ajuste directo foi feito sem qualquer papel.

    De acordo com o Portal Base, o contrato para “aquisição de serviços para organização da iniciativa da Conferência Inteligência Artificial e Desinformação: os novos desafios para a opinião Pública” (sic) – com data de 11 de Julho, dois dias antes do evento, mas apenas publicado há uma semana – não foi reduzido a escrito.

    As duas entidades recorreram, para tal, a um regime de excepção previsto no Código dos Contratos Públicos que possibilita que nada seja assumido por escrito se se considerar que “o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços (…) ocorrer integralmente no prazo máximo de 20 dias a contar da data em que o adjudicatário comprove a prestação da caução ou, se esta não for exigida, da data da notificação da adjudicação”, “a relação contratual se exting[ue] com o fornecimento dos bens ou com a prestação dos serviços” e “o contrato não esteja sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas”.

    Expresso fez extensa cobertura do evento pago pela Fundação INATEL, nunca referindo que o apoio foi financeiro, envolvendo também convite ao presidente desta instituição tutelada pelo Governo.

    Mas essa, saliente-se, é uma opção das partes envolvidas. As empresas de media – cujos jornalistas muitas vezes criticam a existência de contratos por ajuste directo por entidades públicas – têm, contudo, estabelecido nos últimos tempos diversos contratos desta natureza: ajustes directos e muitos até sem acordo escrito.

    Num artigo de antecipação ao debate – curiosamente com a data em que se estabeleceu o contrato, o que denota que já havia uma combinação prévia –, a jornalista do Expresso, Marina Almeida (CP 1753), nunca faz referência ao financiamento do INATEL, apenas revelando, além do tema e participantes, que a iniciativa é conjunta (Expresso e Fundação INATEL) e que “a abertura dos trabalhos estará a cargo de Francisco Madelino, Presidente do INATEL”.

    Um dia depois do debate, a mesma jornalista Marina Almeida publicou um texto no Expresso, de cobertura do evento, e faz três referências ao INATEL: duas destacando ter sido a entidade que “acolheu” o debate, e outra para citar um chavão do presidente Francisco Madelino: “sem informação livre não há democracia”.

    Evento foi divulgado pelo INATEL como sendo uma parceria, ou seja, sem referência a qualquer pagamento.

    O título do artigo assinado pela jornalista Marina Almeida – numa estranha secção denominada “Iniciativas e Produtos” – acaba por ser algo irónico neste contexto: “Nas notas de rodapé está uma das armas contra a desinformação”, porque nem em nota de rodapé surge a referência a um evento pago por um dos intervenientes, e ainda mais com o director do jornal que presta o serviço em pessoa.

    A jornalista do Expresso também cita o seu director, João Vieira Pereira, salientando que focou a sua intervenção nas práticas jornalísticas, salientando que o responsável editorial do jornal “disse que os jornalistas são especialistas em desinformação, e que lidam em permanência com fontes que têm agendas”.

    Mais adiante, acrescenta que “o diretor do Expresso referiu ainda que há vários órgãos de comunicação social em Portugal com uma situação frágil, e isso também coloca em risco a democracia”, e cita João Vieira Pereira: “tem de haver uma reflexão não política sobre como financiar os órgãos de comunicação social”. Não consta que tenha havido reflexão sobre questões éticas relativas a um evento sobre desinformação ser pago pelo anfitrião (INATEL) sem que nenhuma informação surja sobre esse pagamento.

    Quatro dias mais tarde, o Expresso destacou também declarações de todos os intervenientes no debate, com excepção de João Vieira Pereira: além de Francisco Madelino e do colunista Henrique Raposo, também foram gravados em vídeo os depoimentos de Manuel Carvalho da Silva, ex-homem forte da CGTP e investigador da Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de um especialista em marketing (Gustavo Miller) e do director-geral da GFK Metris (António Gomes).

    E, por fim, a quarta referência ao evento pago pela Fundação INATEL sobre desinformação surgiu em papel, no dia 21 de Julho, no caderno de Economia, na ambígua secção de Projetos Expresso, já alvo de análise crítica da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que resultou no levantamento de um processo de contra-ordenação em curso. Neste texto, igualmente assinado pela jornalista Marina Almeida, a Fundação INATEL surge como entidade que concedeu “apoio” – sem referência a pagamento – de um roadshow de conferências e exposições associadas às comemorações dos 50 anos do Expresso. E com financiamento público.

    Com efeito, a exposição Expresso 50 anos, acompanhada também por debates, percorreu as capitais de distrito, naquilo que o jornal afirmava servir como “convite à leitura, à celebração do jornalismo, e à descoberta da história”, sendo então inicialmente apontadas como patrocinadores as empresas Altice, BPI, Hyundai, JC Decaux e Navigator, para além da Antarte, que produzia um banco de jardim para marcar o evento. Explicitamente, não surge na lista nenhuma entidade pública.

    João Vieira Pereira, director do Expresso desde 2019. Até de tuk-tuk andou com autarcas,

    Porém, também aqui o Expresso não informou os seus leitores com a verdade – ou seja, houve desinformação. De acordo com um levantamento do PÁGINA UM ao Portal Base, o Expresso fez pelo menos contratos com as autarquias da Guarda, Viana do Castelo e Leiria no âmbito das suas comemorações, tendo como contrapartida implícita e explícita a exposição mediática do presidente da câmara que concedeu apoio financeiro.

    No caso de Leiria, o contrato foi assinado em Fevereiro deste ano, no total de 14.950 euros, e refere-se a uma prestação de serviços com vista à publicação do município na edição dos 50 anos do Jornal Expresso”. O evento ocorreu porém apenas no passado dia 1 de Junho, sendo a jornalista Marina Almeida a “prestadora de serviços”, que cobriu a inauguração da exposição com direito a três fotografias do director do Expresso sempre ao lado do presidente da edilidade, o socialista Gonçalo Lopes.

    Em Março, para ter também a presença de Francisco Pinto Balsemão e João Vieira Pereira, o município da Guarda desembolsou 18.500 euros para que o seu presidente, Sérgio Costa (sem filiação partidária), tivesse uma conferência e uma notícia no Expresso sobre o evento com direito a foto ao lado do seu fundador. O contrato não foi redigido a escrito.

    Luís Nobre (à esquerda), presidente da autarquia de Viana do Castelo, pagou 19.800 euros por uma publirreportagem no Expresso, feita por uma jornalista, como contrapartida da exposição comemorativa dos 50 anos do jornal dirigido por João Vieira Pereira (à direita)

    Por fim, em Junho, também João Vieira Pereira esteve em Viana do Castelo a cortar fitas e a andar de tuk-tuk ao lado do presidente daquela edilidade nortenha, o socialista Luís Nobre, para inaugurar mais uma exposição sobre os 50 anos do Expresso. Houve direito a notícia no Expresso e ao correspondente “cheque” recebido da autarquia no valor de 19.800 euros.

    Neste caso não houve evento; apenas um contrato puro e duro de “prestação de serviços relativa à aquisição de um package promocional em Viana do Castelo”, cujo caderno de encargos estipulava que se deveria concretizar através de uma publirreportagem em página ímpar do caderno principal do Expresso e também no site. Quem fez a prestação de serviços sob a forma de publirreportagem foi a jornalista Marina Almeida, em claríssima e inequívoca violação do Estatuto do Jornalista.  

    Saliente-se que mais contratos podem ter sido assinados, uma vez que, por vezes, decorrem vários meses até as entidades públicas os divulgarem no Portal Base, apesar da lei determinar que, por norma, sejam publicitados no prazo de 20 dias.

  • Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

    Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

    É um jogo do rato e do gato. O grupo Global Media, liderado por Marco Galinha, que detém o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, corrigiu os dados económicos que omitira no Portal da Transparência dos Media, mas continua a esconder dívidas de 10 milhões de euros ao Estado. Mas os novos indicadores mostram que a situação financeira é mesmo extremamente frágil. A “confissão” (parcial) da Global Media junta-se à da Trust in News, que acabou por assumir, depois de uma investigação do PÁGINA UM, que deve mesmo 11,4 milhões de euros ao Fisco. Nada que apoquente o dono da Visão e de outros 16 títulos da imprensa nacional: o empresário Luís Delgado (que só empatou 10 mil euros na Trust in News) está, neste momento, na Ucrânia a convite de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial justificada, certamente, pelos bons serviços.


    É mais uma prova da falta de vigilância e fiscalização preventiva da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC): nas últimas duas semanas, a Global Media é o segundo grupo de media, depois da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos –, a corrigir dados económicos no Portal da Transparência dos Media. Porém, o grupo liderado por Marco Galinha – que detém o Jornal de Notícias, Diário de Notícias e outros órgãos de comunicação social, incluindo a rádio TSF – continua a querer esconder a existência de uma colossal dívida de 10 milhões de euros ao Estado, perante o cúmplice silêncio de Fernando Medina, ministro das Finanças, que se mantém em silêncio sem explicar a base legal para esta situação.

    Pela consulta ao Portal da Transparência dos Media, feita hoje pelo PÁGINA UM, mostra-se evidente que houve acrescentos relevantes. A Global Media assume agora, perante a ERC, que 21,15% do seu passivo é detido pela empresa Páginas Civilizadas – uma das suas sócias. Em termos absolutos, esse passivo representa um montante de 11,6 milhões de euros de dívidas da empresa aos seus sócios. Como a parte dos empréstimos dos sócios no passivo total atingia, no final de 2022, um montante de 14,7 milhões, significa que 3,1 milhões de euros é relativo a sócios não identificados. Como o Portal da Transparência apenas exige que sejam identificados os detentores do passivo acima de 10%, a Global Media está isenta de fazer essa declaração.

    Marco Galinha, líder da Global Media, continua sem assumir dívida ao Estado, bem patente no balanço, mas novos dados indicados ao regulador mostram uma muito débil situação económica e financeira.

    Mas como o grupo de Marco Galinha não corrigiu ainda as declarações de 2021 – que, claramente não correspondem à verdade, se confrontados com as demonstrações financeiras desse ano – continua-se sem saber quais dos sócios teve direito a uma devolução de empréstimo da ordem dos 7 milhões de euros. Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no dia 4 do presente mês, a Global Media aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros face a 2021, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

    De acordo com a análise à evolução financeira deste grupo de media – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida estatal aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

    Ora, e é exactamente o montante de 10.038.481 euros de dívidas ao Estado inscrito do passivo de balanço de 2022 – que deverão ser inteiramente fiscais – que continuam sem ser reconhecidas pela Global Media, mantendo-se ausente no Portal da Transparência dos Media. Como o passivo total do grupo atingia, no final do ano passado, os 54.529.482 euros, as dívidas ao Estado atingirão 18,29% do total, ou seja, claramente acima dos 10%. Por isso, se forem apenas dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira – ou se o montante especificamente a esta entidade for superior a 5,5 milhões de euros –, a Global Media continua a omitir um facto relevante.

    Declarações da Global Media no Portal da Transparência dos Media relativas ao ano de 2022 no início deste mês (à esquerda), antes das revelações do PÁGINA UM, e hoje (à direita).

    Além do empréstimo à Páginas Civilizadas, a Global Media inscreveu agora também no Portal da Transparência uma dívida à Naveprinter que atingiria no ano passado os 7,1 milhões de euros, correspondentes a 12,99% do passivo. Esta empresa é a gráfica que imprime o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, Vida Económica, Correio do Minho e outros títulos de âmbito regional – e, na verdade, é detida pela própria Global Media. Esta nova informação reforça ainda mais a ideia de elevada debilidade financeira do grupo de Marco Galinha, porque em contas consolidadas o activo reduz-se ainda mais.

    De facto, os activos da Global Media estão a ser “suportados” por uma dúvida ao Estado de 10 milhões de euros, por empréstimos de sócios de 14,7 milhões e por uma dívida a uma gráfica do grupo de 7,1 milhões de euros. Ora, isso representa um pouco mais de metade dos 60,5 milhões de euros de activo do grupo, dos quais 30 milhões são goodwill – que não é, propriamente, em empresas de media, um activo contabilizado a preço justo.

    Tanto sobre este caso da Global Media como sobre a situação similar da Trust in News – que, após as revelações do PÁGINA UM, acabou por assumir as dívidas fiscais no Portal da Transparência no valor de 11,4 milhões de euros –, a ERC disse ontem ao PÁGINA UM que, “anualmente, procede à verificação da informação comunicada em cumprimento do regime jurídico da transparência”, mas que “por motivos operativos, esta verificação é iniciada findos os prazos legais para a transmissão dos fluxos financeiros anuais, a 30 de junho, e numa base de amostragem.”

    Luís Delgado assumiu que a sua empresa de 10 mil euros de capital social tem uma dívida ao Fisco de 11,4 milhões de euros. Semanas depois recebeu um convite de Marcelo Rebelo de Sousa para acompanhar a restrita comitiva presidencial à Ucrânia como empresário dos media de sucesso.

    O regulador acrescenta ainda “que a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção na comunicação são passíveis de responsabilidade contraordenacional”, pelo que “todos os casos desconformes detetados pela ERC são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais”. Ou seja, embora não revele taxativamente, deverá já estar a decorrer processos de contra-ordenação por falsas declarações dos grupos de Marco Galinha e de Luís Delgado.

    Nada, porém, que previsivelmente modifique o status quo de impunidade dos media mainstream em Portugal. Por exemplo, Luís Delgado – o empresário que com um capital social de 10 mil euros consegue serenamente atingir 11,4 milhões de euros de dívida fiscal – até integra a restrita comitiva presidencial à Ucrânia, a convite pessoal de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial certamente com justificação.

  • Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa

    Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa

    No filme “Apollo 13”, lançado em 1995, ficou célebre a frase “Houston, we have a problem”. Em 2023, ninguém – leia-se, políticos, autoridades de saúde, certos investigadores e imprensa mainstream – quer ouvir frases preocupantes, e prefere-se apagar o rádio. As mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19 não serão certamente tão frequentes como apontou há dois anos o documentário Died Suddenly, mas não são zero. Nem meia dúzia. O PÁGINA UM foi vasculhar a (intencionalmente desorganizada e pouco detalhada) base de dados da Agência Europeia do Medicamento, a EudraVigilance, e descobriu números preocupantes quando escreveu “Sudden death”. E que merecem investigação, e não obtusas atitudes de avestruz, porque a Ciência não é negar os riscos; é avaliar e quantificar riscos. Sejam estes pequenos ou grandes.


    Nos meios científicos, o debate cada vez está mais intenso. E felizmente agora começa a haver mais abertura de revistas científicas para publicar artigos que não “endeusam” apenas as vacinas. Por exemplo, os quatro editores japoneses da revista científica Vaccines apelaram para o envio até ao final deste mês de artigos para a publicação numa edição especial dedicada à tolerância imunológica e doenças autoimunes após a vacinação contra a covid-19 e seus efeitos adversos relacionados.

    No convite, estes editores, três dos quais do Centro Médico Ohashi da Universidade de Toho (Tóquio), destacam que “as vacinas têm sido usadas para combater a pandemia global de COVID-19, mas as reações adversas pós-vacinação aumentaram proporcionalmente”. E apontam que as “causas plausíveis de reações pós-vacinação incluem a libertação de citocinas inflamatórias, a regulação negativa de ACE2, dano vascular induzido pela proteína spike e autoimunidade”, concluindo que agora “existe uma preocupação particular de que as doenças autoimunes possam aumentar no futuro devido a essas características”. E acrescentam ainda que “várias doenças autoimunes pós-vacinação foram relatadas, incluindo alopecia areata, distúrbio do espectro da neuromielite óptica, trombocitopenia imune e artrite reumatoide.”

    Mas falar de mortes associadas às vacinas contra a covid-19 – e sobretudo de mortes súbitas – continua a ser um dos grandes temas tabu para políticos e sobretudo para a comunicação social que apelou incessantemente para a vacinação desde finais de 2020, e que apelou mesmo para a discriminação das pessoas que optassem por não se vacinar – mesmo se alegassem imunidade natural.

    E, no entanto, tudo isto remete para o dito castelhano: “Aquí no hay brujas, pero que las hay, las hay“. Teóricos da conspiração dirão que houve aos milhares – e a cada pontada de coração ou morte repentina de um jovem, a vacina contra a covid-19 logo é apontada como suspeita. Mas se esse é, por certo, um extremo, não menos extremista é a postura das autoridades de saúde, a começar pela portuguesa, ao ignorar esse risco, como se não existisse, como se fosse zero.

    Num perturbante e desafiador editorial da edição deste Verão do Journal of American Physicians and Surgeons, a médica Jane M. Orient coloca o dedo na ferida ao criticar a fraca aposta da comunidade científica em desvendar a efectiva segurança das vacinas e sobretudo em estudar em detalhe as eventuais suspeitas de mortes súbitas associadas à vacina contra a covid-19 – que há dois anos foram catapultadas através de um polémico documentário, logo classificado como associado a teorias da conspiração, intitulado Died Suddenly.

    Investigar as reacções adversas e até as mortes súbitas associadas à vacina da covid-19 já não é um tabu completo, mas ainda há muita informação a desvendar para se avaliar qual o nível de risco para uma gestão prudente.

    Sendo certo que aquele documentário tinha falhas e alguma falta de sustentação cientifica, Jane Orient salienta que, no lado oposto, existe pouca fundamentação para estarmos seguros de que não existem quaisquer problemas. Numa busca no banco de dados PubMed da Biblioteca Nacional de Medicina realizada por esta médica em 17 de abril deste ano, apenas surgiram 20 artigos científicos mencionando a morte súbita e a vacinação contra a covid-19, mas “uma revisão adicional das publicações listadas mostrou que desse conjunto muito pequeno, apenas alguns artigos foram realmente dedicados à descrição de casos de morte súbita após vacinação, ou à discussão dos mecanismos supostos que poderiam vincular a vacinação à morte súbita”.

    Destacando um fenómeno que ainda é mais marcante nos Estados Unidos, Orient refere que as agências governamentais norte-americanas, como a FDA e a CDC, ao invés de investigarem as correlações (que diz serem impressionantes) entre a vacinação contra a covid-19 e as mortes súbitas estão e estiveram sobretudo apostadas a “incentivar os ‘verificadores de factos’ da ala esquerda a repreender o público por ‘ceder a medos irracionais’ enquanto não faziam nada para dissipar de maneira crível esses medos”, acrescentando que “os sites de notícias da media mainstream estão inundados de artigos de verificação de factos que são, na verdade, ataques disfarçados de ‘artigos de verificação de factos objetivos’ que se referem [apenas] à autoridade do CDC e de agências semelhantes para desacreditar relatos independentes sobre mortes súbitas após vacinações.”

    A médica norte-americana também critica a Academia, que diz “controlada por administradores da ala esquerda e professores adeptos do wokeismo”, afirmando que muitos investigadores “gastam tempo e esforço substanciais para descartar a importância das mortes súbitas”, criando “narrativas elaboradas para explicar os episódios preocupantes consistentes com morte súbita ou quase-morte, alegando que ocorreram como resultado de patologias muito menos comuns e menos prováveis, como a commotio cordis.

    Mas, chegados aqui, que fazer, se efectivamente as autoridades não querem estudar?

    Na verdade, fazer o que o PÁGINA UM decidiu fazer: pegar numa complexa e exaustiva base de dados da Agência Europeia do Medicamento (EMA) que despeja autenticamente os registos de fármacos num site, sem permitir uma pesquisa fácil, e procurar registo a registo pela expressão “Sudden deaths”.

    Pois bem, numa pesquisa realizada intensamente durante três dias, às 914.536 reacções adversas expostas no portal do EudraVigilance, foram inventariadas 1.241 mortes súbitas, em grande parte das quais sem sintomatologia associada.

    [Note-se que não se pesquisou, neste caso, devido à morosidade do processo a totalidade das mortes (não súbitas), mas até ao final do ano passado seriam mais de 13.000 na Europa, de acordo com uma busca preliminar do PÁGINA UM. Em Portugal, o Infarmed reportou, até 31 de Dezembro do ano passado, um total de 142 mortes associadas à vacinação contra a covid-19 – um valor que a ser verdadeiro daria uma incidência inferior à da generalidade dos países europeus.]

    Extracto de uma das folhas dos registos da EMA para uma das vacinas. Cada registo individual pode depois ser impresso (ver exemplo).

    Com o processo de vacinação a ser iniciado ainda em 2020 – mas com poucas doses administradas, daí que nos países do Espaço Económico Europeu estejam somente reportadas 807 reacções adversas consideradas graves –, é no ano de 2021 que contabilizam mais mortes subidas nos registos das diversas vacinas administradas, com um total de 842. Destas 536 foram da Pfizer (Elasomeram), 179 da Astrazeneca, 112 da Moderna (Elasomeran) e 15 da Janssen.

    Refira-se que o número absoluto não permite traçar o perfil de segurança, que não é possível de se fazer porque as autoridades nunca revelaram com precisão o número de doses de cada farmacêutica. Contudo, como se registam o número total de casos de reacções adversas sérias, consegue-se estimar um indicador próximo: as mortes súbitas por cada 1.000 efeitos adversos graves.

    Assim, em 2021, a vacina da Pfizer contabilizou 2,4 mortes por 1.000 efeitos graves (ou 24 por cada 10.000), enquanto a Moderna registou 1,5 e a Astrazeneca e a Janssen 1,0 cada.

    Número de mortes súbitas associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    No ano passado, em que já houve uma redução do processo de vacinação – e também entrada de outras vacinas, como as bivalentes da Pfizer e da Moderna, bem como as da Novavax e Valneva (a da Sanofi só entrou este ano), estas últimas com fraca adesão –, o número de registos de mortes súbitas diminuiu no registo da Eudravigilance. Foram 330, entre os 376.662 registos de efeitos adversos graves.

    A vacina da Pfizer de primeira geração (Tozinameran) manteve o maior número, com 220 mortes súbitas associadas, seguindo-se a primeira vacina da Moderna (Elsaomeran). A Astrazeneca tem, na base de dados da EMA; 37 mortes súbitas associadas, enquanto as duas vacinas bivalentes da Pfizer oito, e a Janssen apenas cinco.

    Para 2022, o indicador das mortes súbitas por 1.000 efeitos adversos graves para a globalidade das vacinas contra a covid-19 foi de 1,4, quando no ano anterior fora de 0,9. Se excluirmos as vacinas mais recentes, as vacinas aparentaram um menor risco de morte súbita, embora se desconheça detalhes sobre as circunstâncias da associação dos óbitos às vacinas nem se estas foram confirmadas por autópsia ou se até existe subnotificação. Até porque a maioria dos reportes de efeitos adversos foram enviados pelas próprias farmacêuticas à EMA.

    Número de reacções adversas graves associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    Por fim, este ano, foram contabilizadas apenas 89 mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19, mas tal deveu-se sobretudo à redução do processo de vacinação. Essa evidência mostra-se numa análise à evolução das doses administradas por país e a nível mundial, bem como na redução do número de reacções adversas graves desde Janeiro: apenas 49.551.

    Com efeito, analisando o indicador das mortes súbitas por 1.000 casos de efeitos adversos graves até se observa um ligeiro agravamento face ao ano passado. Globalmente, este indicador situa-se, actualmente, em 1,4 mortes súbitas por 1.000 efeitos adversos graves, subindo mesmo, face a 2022, para a quase generalidade das vacinas.

    De notar a estranha situação da vacina da Sanofi e GSK contra a covid-19, que perdeu o comboio contra a Pfizer e as outras três farmacêuticas, só recebendo autorização no final do ano passado, embora a tempo de receber garantias de compra pelos acordos secretos da Comissão von der Leyen.

    Número de mortes súbitas por cada 1.000 reacções adversas graves associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    Mesmo estando a ser pouco usada nos países do Espaço Económico Europeu, sobre esta vacina a EMA tem já dois registos de mortes súbitas entre 349 reacções adversas graves, o que dá uma incidência de 5,7 mortes súbitas 1.000 efeitos adversos graves.

    Mas, na verdade, como se deve olhar para estes números?

    Com preocupação. Com cautela. E com exigência – não é sensato ouvir um “Houston, we have a problem”, e desligar o rádio. Na verdade, desligá-lo, nessas circunstâncias é criminoso.

    com Maria Afonso Peixoto

  • Presidente do Real Madrid “limpa” 9 milhões à Santa Casa em ajustes directos

    Presidente do Real Madrid “limpa” 9 milhões à Santa Casa em ajustes directos

    Por cerca de 2,8 milhões de euros, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa assinou ontem um contrato para limpeza das suas unidades de saúde na Grande Lisboa com uma empresa de capitais espanhóis, cuja holding é liderada por Florentino Pérez, presidente do Real Madrid. Foi um déjà vu, porque exactamente um ano antes a SCML assinou outro quase igual, e há dois anos outro similar. Em todos estes três contratos é invocada a urgência para não se fazer concurso público. A empresa beneficiada, a Clece, não tem tido mãos, e baldes, a medir desde que assentou arraiais em Portugal: a partir de 2015 já facturou mais de 55 milhões de euros em contratos públicos. A SCML é o seu melhor cliente com cerca de 9,4 milhões de euros por mor de quatro contratos. Todos por ajuste directo.


    A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), agora liderada pela ex-ministra socialista Ana Jorge, assinou ontem o terceiro contrato consecutivo por ajuste directo, em três anos, com a empresa Clece, uma subsidiária da ACS, o grupo empresarial de Florentino Pérez, presidente do Real Madrid. O contrato desta semana aproxima-se dos 2,8 milhões de euros, mas somam-se aos quase três milhões em 2021 e os também cerca de 2,8 milhões em 2022.

    Por esses três contratos para a prestação de serviços de limpezas das suas unidades de Saúde na Grande Lisboa (na capital, Cascais, Sintra e Mafra), a SCML já despendeu assim um total de quase 8,5 milhões de euros. Junta-se a estes, um outro contrato assinado em 2017 por 830 mil euros.

    Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e presidente executivo do Grupo ACS, que detém a Clece, que opera em Portugal na área das limpezas e agora também da residência de idosos.

    Em nenhum destes casos os administradores da SCML optaram pelo concurso público – como se poderia esperar tendo em conta o montante envolvido, a existência de empresas concorrentes e a recorrência dos serviços. Aliás, a estranheza sente-se mais sabendo-se que para a contratação de serviços de limpezas para as suas outras instalações, por um período de três anos, a SCML decidiu abrir concurso público – bastante concorrido, por sinal, uma vez que estava em causa um negócio apetecível.

    Esse concurso acabou por ser ganho pela Servilimpe, que assinou um contrato em finais de Novembro do ano passado por quase 5,56 milhões de euros. Nesse concurso, a Clece foi um dos outros 14 concorrentes preteridos.

    Mas para a entrega dos três contratos para limpeza das suas unidades de saúde da Grande Lisboa, assinados por ajuste directo à empresa de Florentino Pérez, a SCML considerou que não havia tempo para concurso público, recorrendo sempre a uma ambígua cláusula de excepção do Código dos Contratos Públicos que permite ajustes directos independentemente do objecto e do valor do contrato. Mas essa fundamentação – “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante” – poderia até aceitar-se num primeiro ano, em 19 de Agosto de 2021.

    Com efeito, a SCML tinha tido então graves problemas com os três contratos de limpeza que então firmara em 2021, todos também por ajuste directo, com a Ambiente & Jardim. Os contratos – que totalizavam 4,5 milhões de euros – acabaram sendo revogados na segunda metade desse ano. E, de facto, nesse ano houve, efectivamente, urgência em encontrar uma solução rápida.

    Mas já se mostra estranho ter sido usado o mesmo argumento uma segunda vez, em 9 de Agosto de 2022. E uma terceira vez, ontem, precisamente no mesmo dia. Ou seja, apesar de os contratos preverem sempre a mesma duração (12 meses), e a SCML ter já ficado “queimada” com contrato por ajuste directo, continuou sempre a invocar “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” para o continuar a fazer numa prestação de um serviço básico – a limpeza – onde não falta concorrência.

    A relação contratual entre a Clece e a SCML remonta, porém, a 2017, quando então foi contratada, também por ajuste directo, para a “limpeza para as residências, lares, creches, centros de acolhimento, centros de dia e Colónia de Férias de São Julião da Ericeira da Ação Social”. O valor do contrato foi de quase 830 mil euros por meio ano de trabalho.

    A SCML é liderada por Ana Jorge (quarta à esquerda), desde Maio deste ano. O recente contrato com a Clece foi assinado por João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça (quinto à esquerda), que, por ironia, integra uma sociedade de advogados conhecida pelas iniciais CSA.

    Embora estivesse presente em Portugal desde 2007, a Clece apenas começou a ter uma actividade empresarial mais intensa a partir de finais de 2015, deixando assim de ser uma mera sucursal da casa-mãe. E começou logo de forma auspiciosa, com o seu primeiro contrato, como sociedade anónima do grupo ACS, a ser assinado ainda em Dezembro desse ano com a Administração Regional de Saúde do Norte no valor de cerca de 240 mil euros. Por ajuste directo, claro, porque nem tempo houvera para se secar a tinta das canetas que assinaram a constituição da empresa.

    Em 2016, a Celce entrou em força no mercado das limpezas, conseguindo 23 contratos públicos, dos quais apenas quatro por concurso público. Terminou o ano com uma facturação por contratos públicos da ordem dos 5,43 milhões de euros, dos quais quase metade por ajuste directo. Destaca-se neste período o contrato de quase dois milhões de euros, por ajuste directo com o Centro Hospitalar de São João.

    Nos anos seguintes, os contratos públicos continuaram a fluir, mas já mais em função da concorrência, uma vez que a empresa teve de fazer pela vida, lutando pela vitória em concursos públicos.

    Entre 2017 e 2020, a empresa de Florentino Pérez para as limpezas facturou um pouco mais de 21 milhões de euros em 106 contratos públicos, sendo que 56 foram por ajuste directo, 18 por concurso público e os restantes por outras modalidades. A facturação por concurso público foi, contudo, largamente minoritária: 5,6 milhões de euros, ou seja, cerca de 27% do total.  

    Por isso, os maiores negócios da Celce nestes quatro anos foram sendo conseguidos sobretudo ao abrigo de acordos-quadro – dos quais se destacam os contratos assinados com a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (3,9 milhões de euros, em 2018), a EGEAC (quase 1,9 milhões de euros, em 2018) e a Câmara da Amadora (1,4 milhões de euros, em 2019) – ou por consulta prévia, de que é exemplo o contrato de 1,3 milhões de euros, em 2018, com a Fundação Centro Cultural de Belém.

    Nos anos de 2021 e 2022, a facturação por contratos públicos da Celce ultrapassou os 10 milhões de euros – e aí por “responsabilidade” dos contratos com a SCML, que passou a ser, de longe, o seu principal cliente, embora não seja a entidade com maior número de contratos.

    Com efeito, o Centro Hospitalar do Algarve é a entidade com mais contratos: 17, dos quais 14 entregues à Celce por ajuste directo, envolvendo quase 3,1 milhões de euros. Deste montante, um pouco mais de um milhão de euros foi por ajuste directo.

    De entre as cerca de sete dezenas de clientes institucionais da Celce para a prestação de serviços de limpeza, em termos de volume de negócios destacam-se, além da SCML (9,3 milhões de euros) e do Centro Hospitalar do Algarve, entidades como a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (3,9 milhões de euros) o município de Lagos (3 milhões de euros), a EGEAC (2,9 milhões de euros), a Fundação do Centro Cultural de Belém (2,7 milhões de euros) e a Câmara Municipal de Lisboa (2,5 milhões de euros, neste caso por concurso público).

    Monochrome Photography of People Shaking Hands
    Ajustes directos deveriam ser, numa sociedade transparente, uma excepção. Em alguns casos, de forma abusiva, são a regra, constituindo também uma forma de concorrência desleal e uma forma de promoção da corrupção.

    No total, a empresa de capitais espanhóis já obteve 213 contratos públicos para limpezas, sendo que um pouco mais de metade (109) foram por ajuste directo, encaixando, por essa via, 17,3 milhões de euros. Os concursos públicos conseguem, no entanto superar esse montante (quase 21,6 milhões de euros), apesar de derivarem apenas de 44 contratos. Os acordos-quadro, num total de 24 contratos, representaram rendimentos de 10,5 milhões de euros. As restantes vias, com 36 contratos, completam uma facturação que já se aproxima dos 56 milhões de euros desde finais de 2015 apenas em negócios com entidades públicas.

    Mas Florentino Pérez tem estado a expandir a sua actividade em Portugal também para as residências e lares de idosos, tendo criado no início de 2017 a Clece II – Serviços Sociais. Em Abril deste ano foi anunciado que a empresa do presidente do Real Madrid previa inaugurar, através da marca Clecevitam, uma nova residência de idosos em Cascais, que se juntará às já existentes em Lisboa e Fátima. A expansão da actividade da empresa espanhola neste sector deve, aliás, aumentar, impulsionada pela compra da CSN Care Group no ano passado por 23,8 milhões de euros.

  • Dona da Visão confessa: dívida ao Fisco é de 11,4 milhões de euros. E Medina em silêncio

    Dona da Visão confessa: dívida ao Fisco é de 11,4 milhões de euros. E Medina em silêncio

    A directora da revista Visão adoraria mesmo que a investigação do PÁGINA UM sobre as contas da Trust in News fosse mesmo fantasiosa; só que não. O empresário Luís Delgado acabou por ter de admitir à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que deve mesmo 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira, acabando assim por dar um selo de rigor ao PÁGINA UM, que revelou, há duas semanas, uma situação financeira desesperante da Trust in News, que publica, além da Visão, mais 16 outros periódicos, entre os quais a Exame, a Caras, a Activa e o Jornal de Letras. Com um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News já conta com um passivo de mais de 27 milhões de euros, dos quais 42% são calotes ao Estado, e detém activos de valor muito dúbio.


    A Trust in News – a empresa unipessoal responsável por 17 títulos de imprensa, entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – admitiu, finalmente, através do Portal da Transparência dos Media, que tem mesmo uma colossal dívida de 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira.

    Confirma-se assim a veracidade e rigor da investigação do PÁGINA UM que, há duas semanas, num dossier sobre a empresa de Luís Delgado – um ex-jornalista, administrador do Mercado da Ribeira/ Time Out e comentador político da SIC Notícias – identificara uma situação financeira desastrosa. Apesar de possuir um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News tinha um passivo, no final do ano passado, superior a 27 milhões de euros.

    Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Não pagou ainda tudo, e aumentou para níveis astronómico a dívida ao Fisco.

    O PÁGINA UM detectara, numa análise às demonstrações financeiras desta empresa, desde a sua criação – que adquiriu um portfolio de 17 revistas à Impresa no início de 2018 –, que a dona da Visão acumulara dívidas ao Estado no valor de 11,4 milhões de euros. No último triénio, essa dívida subiu em ritmo superior a três milhões de euros ao ano, mas Luís Delgado conseguiu o “milagre” de nunca constar na lista de devedores do Fisco ou da Segurança Social. Também se identificaram dívidas avultadas ao Novo Banco – por empréstimos concedidos – e ainda ao Grupo Impresa, por a finalização da compra – que deveria ter ocorrido em 2020 – estar a ser constantemente adiada por faltas nos pagamentos.

    Apesar da Trust in News nunca ter respondido ao pedido de esclarecimentos da PÁGINA UM, ontem a “confissão” de Luís Delgado surgiu no Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Se até à semana passada, os registos com os indicadores financeiros de 2021 e 2022 omitiam qualquer identificação de entidades detentoras do passivos – ou seja, das quais a dona da Visão era devedora [como se pode ver aqui e aqui, gravado em 27 de Julho] –, agora estão lá claramente.

    Saliente-se que a falta de comunicação ou a comunicação defeituosa à ERC das informações financeiras constituem “contraordenações muito graves”, com coimas que podem chegar aos 250 mil euros. Sem adiantar se foi já aberto algum procedimento contra a Trust in News, a ERC garante, contudo, que “todos os casos desconformes detetados (…) são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais.”

    Fernando Medina, ministro das Finanças, não explica como é possível uma empresa de media com capital social de 10 mil euros consegue chegar aos 11,4 milhões de euros de calote ao Fisco sem antes fechar as portas.

    Agora, com os dados correctos finalmente introduzidos pela própria empresa de Luís Delgado, ficou-se a saber que a Autoridade Tributária e Aduaneira detinha 35% do passivo da Trust in News em 2021– correspondente a cerca de 8,2 milhões de euros de dívidas fiscais, de entre um passivo total de 23,6 milhões.

    Além dessa dívida, e como o PÁGINA UM também revelara, a Impresa Publishing detinha então 19% do passivo (quase 4,5 milhões de euros) e o Novo Banco 15% (cerca de 3,5 milhões de euros).

    Em relação a 2022, a dona da Visão admite agora, a dívida fiscal aumentou para os 11,4 milhões de euros (mais 3,2 milhões em apenas um ano), uma vez que a Trust in News refere que a Autoridade Tributária e Aduaneira detém 42% do seu passivo. Em termos práticos, se o Estado exercesse, neste momento, um mecanismo coercivo de pagamento desta dívida, a Trust in News encerrava de imediato ou passava a ser controlada pela máquina fiscal ou política do Estado.

    No caso dos passivos detidos pela Impresa e pelo Novo Banco, estes diminuíram percentualmente (para 15% e 13%, respectivamente). No caso da instituição bancária, o montante da dívida mantém-se estável face ao ano anterior, enquanto a dívida à Impresa reduziu-se para cerca de 4,1 milhões de euros, não significando, contudo, que o diferencial, face ao ano anterior, se deva a qualquer pagamento.

    O antes e o depois de uma investigação do PÁGINA UM: dona da revista Visão não assumia dívidas fiscais, à Impresa e ao Novo Banco; agora teve de assumir.

    Com efeito, o negócio da venda das revistas da Impresa à Trust in News continua envolto em mistério, porque, apesar de um comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) em Janeiro de 2018, informando o montante do negócio (10,2 milhões de euros), não se consegue apurar, passados mais de cinco anos, qual a quantia efectivamente já paga.

    Nos relatórios e contas do Grupo de Francisco Pinto Balsemão apenas constam paulatinamente, ano após ano, as renegociações da dívida, mas ignora-se o fluxo financeiro que efectivamente houve entre este e a Trust in News. Também se ignora se há cláusulas de reversão do negócio, ou seja, se a Impresa tem a obrigação de reaver as revistas – e os seus funcionários, incluindo jornalistas, bem como as dívidas entretanto assumidas – em causa da Trust in News se tornar insolvente.

    Nesse aspecto, o PÁGINA UM tem solicitado esclarecimentos à CMVM, uma vez que, desde 2018, a Impresa nunca mais comunicou ao mercado uma alteração do negócio, e muito menos quanto dos 10,2 milhões de euros recebeu, uma vez que não é absolutamente nada claro que seja o diferencial entre o valor anunciado da venda e o remanescente da dívida, agora apontada para ser saldada apenas em 2036, ou seja, para as calendas.

    Trust in News: um portfolio de 17 revistas à custa de 11,4 milhões de euros de fenomenal calote ao Fisco

    Mas a CMVM, que em outras situações tem sido implacável com emitentes, apenas adianta que “até ao momento, a Impresa não divulgou ao mercado qualquer informação sobre uma eventual reversão do negócio de venda do portfólio de revistas”, remetendo outras informações para os relatórios e contas daquele grupo de media.

    No entanto, repita-se, a informação nesses relatórios – que são feitas à posteriori e não no momento da ocorrência – são omissos sobre os fluxos financeiros, informando apenas do stock da dívida, susceptível de ter sido alterado por via negocial e não pela efectivação de um pagamento.

    Menos que pouco esclarecedor sobre a situação financeira da Trust in News é a posição do Ministério das Finanças, ainda mais incompreensível agora que a própria empresa assumiu um astronómico calote fiscal. O PÁGINA UM voltou hoje a contactar o Ministério liderado por Fernando Medina, perguntando se “existe algum acordo entre o Governo e os principais grupos de media que lhes permitam aumentar dívidas fiscais, ou algum acordo para pagamento diferido de impostos”. A resposta foi o silêncio.

    Mafalda Anjos, directora da Visão, apelidou de “fantasiosos” os artigos de investigação jornalística do PÁGINA UM sobre as contas da empresa do seu patrão. A realidade é outra… sob a a forma de calote de 11,4 milhões de euros aos contribuintes portugueses.

    Certo é que, com uma dívida de 11,4 milhões de euros à Autoridade Tributária, uma espada de Dâmocles fiscal ergue-se sobre todas as revistas do universo da Trust in News, onde pontifica a Visão, dirigida por Mafalda Anjos.

    O PÁGINA UM quis agora também saber a opinião da directora da revista Visão que, há duas semanas, e em duas ocasiões distintas, se insurgira, através de mensagens de correio electrónico, pelo uso de fotografias suas publicadas nas redes sociais. O PÁGINA UM não obteve resposta.


    N.D. Num e-mail em 26 de Julho, voluntariamente remetido por Mafalda Anjos, a directora da Visão. embora escrevendo que “não me pronuncio sobre o conteúdo dos artigos” do PÁGINA UM sobre as contas da Trust in News, acabava por os rotular de “fantasiosos”. A directora da Visão também acrescentava que não permitia “que me citem diretamente em ON em qualquer artigo”. Note-se que um pedido desta natureza – declarações em OFF, que não devem ser usadas – carece de acordo prévio da outra parte, ou seja, do PÁGINA UM. Mafalda Anjos livremente decidiu depreciar o trabalho rigoroso de um colega de profissão – rotulando os artigos de “fantasiosos”, quando estes eram rigorosos. A “confissão” do seu patrão, Luís Delgado, mostra que, afinal, é Mafalda Anjos que vive num mundo de fantasia – mas onde há uma dívida de 11,4 milhões de euros do seu patrão ao Fisco.  

  • Para pagar aos sócios, dona do Diário de Notícias deu calote de 7 milhões de euros ao Estado

    Para pagar aos sócios, dona do Diário de Notícias deu calote de 7 milhões de euros ao Estado

    Sem reacção do Governo, os grupos de media estão a aumentar livremente as suas dívidas ao Estado. Depois da revelação do PÁGINA UM na semana passada de que a Trust in News, a dona da revista Visão, está com uma dívida ao Estado de 10,4 milhões de euros, com aumentos da ordem dos 3 milhões ao ano, agora descobriu-se que também a Global Media Group seguiu o mesmo diapasão. No ano passado, a dívida do grupo de media controlado por Marco Galinha subiu para os 10 milhões de euros, valor não revelado no Portal da Transparência dos Media. E com uma agravante peculiar: o aumento no calote público em 2022, da ordem dos 7,1 milhões de euros, foi porque a administração da Global Media Group optou por devolver esse montante aos sócios, para lhes reembolsar empréstimos remunerados. O Ministério das Finanças continua em silêncio sobre o “milagre” que permite a empresas de media portuguesas aumentar os calotes ao Estado.


    A Global Notícias Media Group – dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e da TSF, entre outros órgãos de comunicação social – aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

    De acordo com a análise à evolução financeira do grupo de media liderado por Marco Galinha – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida ao Estado aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

    Dona do Diário de Notícias acumula prejuízos de 42,3 milhões de euros desde 2017. O calote ao Estado aumentou 7,1 milhões em 2022, e ninguém quer falar sobre o assunto.

    A Global Media Group não consta da lista dos devedores à Autoridade Tributária e Aduaneira nem o Ministério das Finanças, apesar das insistências do PÁGINA UM, esclareceu se existe, neste momento, alguma “carta de conforto governamental” que permite aos grandes grupos de media incumprir as obrigações fiscais, aumentando de forma descontrolada os calotes ao Estado. A situação é ainda mais estranha porque a Global Media Group e as suas subsidiárias têm continuado a assinar bastantes contratos com entidades públicas e autarquias para a prestação de serviço, sendo que, por regra, os pagamentos somente podem ser efectuados se a situação fiscal e de Segurança Social estiver regularizada.

    Recorde-se que, na semana passada, o PÁGINA UM revelou que a Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Activa e Caras, entre outros títulos até 2017 pertencentes à Impresa – acumula uma dívida ao Estado da ordem dos 10,4 milhões de euros, estando esta a subir a um ritmo superior a 3 milhões por ano. Isto sem qualquer intervenção fiscal conhecida.  

    No caso da Global Media Group, apesar da situação financeira aflitiva, a que juntaram prejuízos no ano passado de quase 2,2 milhões de euros, a sua administração não teve pejo em autorizar a devolução de uma parte dos empréstimos dos seus sócios à própria empresa, que atingiam os 21,8 milhões de euros em 2021. Observando o balanço de 2022, essa rubrica desceu para os 14,7 milhões de euros, significando assim que, ao longo do ano passado, os seus sócios conseguiram recuperar empréstimos – remunerados a taxa desconhecida, uma vez que não deram entrada como capital social nem como suprimentos no capital próprio – no valor de 7,1 milhões de euros.

    Apesar das dívidas ao Estado, os órgãos de comunicação social da Global Media Group continuam a estabelecer parcerias comerciais com entidades públicas para a realização de eventos executados por jornalistas.

    Ou seja, em termos práticos, a administração da Global Media Group – que não respondeu ao PÁGINA UM – decidiu, entre pagar 7,1 milhões de euros de impostos (e eventualmente taxas) ao Estado ou desviar esses mesmos 7,1 milhões de euros para os seus sócios, optar pela segunda opção.

    Esta escolha enquadra-se num cenário de assustador colapso desta empresa, que, embora com grandes movimentações na estrutura accionista nas últimas semanas, bem patentes em diversos indicadores económicos. Os prejuízos acumulados desde 2017 – portanto, nos últimos seis anos – totalizam mais de 42,3 milhões de euros. Esta sangria tem estado a reflectir-se na própria capacidade de investimento, tanto mais que o capital próprio da empresa está a definhar a olhos vistos.

    Mesmo com uma recente injecção em numerário, no passado dia 14 de Julho, de cerca de 1,56 milhões de euros, com a emissão de 417.792 novas acções, a Global Media Group tem agora um capital social de 9,3 milhões de euros. Em 2017, o capital (social) realizado era de quase 28,8 milhões de euros, e o total do capital próprio até ultrapassava os 31,4 milhões de euros.

    Para mostrar o estado deplorável das contas da dona do Diário de Notícias, antes do recente aumento de capital, o ano de 2022 acabara com capitais próprios inferiores a 5,7 milhões de euros, por causa dos constantes prejuízos anuais.

    Marco Galinha, no Fórum da Sustentabilidade e Sociedade, organizado em Maio pela Global Media Group em parceria com a Galp, a CGD, a Fundação INATEL, o Grupo Bel e a Câmara Municipal de Matosinhos. Sustentabilidade financeira é algo que se vê pouco nesta empresa de media.

    Em resultado desta situação, os activos da empresa estão a esfumar-se de forma galopante. Em 2017, a empresa detinha activos no total de 98,3 milhões de euros, sendo que 32% eram assegurados pelo capital dos sócios e apenas 3,5% do passivo respeitava a dívidas ao Estado. Naquele ano, não havia qualquer valor respeitante a empréstimos de sócios.

    Com a evolução dos últimos anos, o cenário tornou-se dramático: o total do activo diminuiu mais de 38%, passando para apenas 60,5 milhões de euros. Ou seja, esfumaram-se 37,8 milhões de euros. Além disso, o peso do capital próprio desceu para pouco mais de 9% do activo, quando era de 32% em 2017. Na verdade, a parte detida pelo Estado, por via da dívida de 10 milhões de euros, é quase o dobro do capital dos sócios, representando 18,2% do passivo total.

    Este peso do passivo detido pelo Estado – leia-se, calote público – deveria ter sido registado pela Global Media Group no Portal da Transparência dos Media, mas tal não ocorreu como obriga a lei quando uma entidade ou pessoa detém mais de 10% do total. O PÁGINA UM contactou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, responsável pela gestão deste portal e pela fiscalização sobre a veracidade dos dados económicos dos media, mas não houve qualquer reacção. Já na semana passada, o regulador dos media nada disse sobre as falhas de informação relevante na Trust in News, que tem 42% do seu passivo detido pelo Estado, sob a forma de calote público.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social a ver navios: sucedem-se os casos de empresas de media que mentem nos registos de transparências sobre indicadores financeiros. Nada acontece.

    No caso da Global Media Group, a interpretação às demonstrações financeiras desde 2017 levam a concluir que a estratégia dos diversos sócios tem sido de não “enterrar” dinheiro na empresa através de entradas no capital social, onde se mostra depois muito complexo a retirada. Por isso, as “injecções” têm sido efectuadas sobretudo através de empréstimos (remunerados), cuja recuperação se torna mais rápida, bastando uma simples decisão de gestão.

    Assim, se nos anos de 2017 e 2018 não se registam empréstimos de sócios, em 2019 atingiram os 21,8 milhões de euros, período que antecedeu o “desastre” contabilístico e financeiro. Em 2020, o reconhecimento de imparidades em quase 13,7 milhões de euros, contribuiu muito para prejuízos, apenas nesse ano, próximos de 17,7 milhões de euros.

    Em todo o caso, os empréstimos em 2019 parecem ter servido sobretudo para suprir problemas de tesouraria, porque no final de 2020 apenas restavam 3 milhões de euros de empréstimos à empresa por parte dos sócios. No entanto, a entrada de Marco Galinha e do Grupo Bel coincidiu com uma nova entrada de dinheiro, mas mais uma vez sobretudo através de empréstimos. O ano de 2021 terminou com empréstimos dos sócios de 21,8 milhões de euros, que desceu, como se disse, para os 14,7 milhões, porque a administração da Global Media Group considerou mais importante devolver dinheiro aos sócios do que pagar impostos.

    Fernando Medina, ministro das Finanças, ainda não explicou ao PÁGINA UM com que artes as empresas de media podem acumular dívidas ao Estado, não serem incomodadas e continuarem a receber pagamentos em contratos públicos. Mistério mantém-se há duas semanas.

    Um outro indicador com evolução preocupante é o das participações financeiras da Global Media Group, onde se inclui a quota na Agência. As participações financeiras chegaram a valer, e a ser assim contabilizadas no balanço, cerca de 24,5 milhões de euros, mas agora cifram-se em pouco mais de 10,3 milhões. Caso seja vendida a quota da Agência Lusa, esse valor diminuirá, podendo servir para, basicamente, pagar os 14,7 milhões de euros ainda a haver pelos sócios.

    Porém, uma venda da participação financeira respeitante à Agência Lusa poderá ser o último anel a ser vendido, uma vez que é um dos poucos activos da Global Media Group a dar lucro: a agência noticiosa deu um lucro de quase 570 mil euros no último ano. Pode parecer pouco, mas para uma empresa como a Global Media Group destaca-se pela positiva, uma vez que só se vêem números a vermelho há muitos anos.

    Tudo isto sucede também numa altura em que a Palavras de Prestígio, uma das sócias da Global Media Group, detida pelo Grupo Bel de Marco Galinha, notificou a Autoridade da Concorrência de que chegou a acordo com a Cofina para a compra de 50% da distribuidora VASP, por um valor não revelado. Em todo o caso, para a concretização do negócio, deve ter dado jeito não pagar os 7,1 milhões de euros ao Estado no ano passado.

  • O regresso da Censura: jornais digitais sob risco de terem conteúdos suspensos por decisão administrativa e política

    O regresso da Censura: jornais digitais sob risco de terem conteúdos suspensos por decisão administrativa e política

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, um órgão criado pela Constituição da República Portuguesa para garantir a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, deseja ter poderes de Censura em pleno século XXI. Pelo menos, essa é a intenção manifestada pelos membros do Conselho Regulador que propõem que a nova lei da Imprensa permita à ERC restringir a circulação de publicações electrónicas da autoria de jornalistas se estas forem consideradas lesivas para a saúde pública, segurança pública ou consumidores, mesmo sem se saber quem define tal. Esse bloqueio far-se-á sem intervenção judicial, a partir dos servidores que alojam os sites noticiosos, e num prazo máximo de 48 horas. Além disso, as publicações censuradas receberão um “rótulo” para alertar os leitores. Esta proposta surge enquanto se debate ainda na união Europeia o polémico Media Freedom Act, que mostra ser afinal um diploma legal que visa condicionar a liberdade de imprensa, actividade que passará a ser supervisionada por instituições cada vez mais afastadas das Constituições dos países.


    Uma proposta de alteração da Lei da Imprensa, feita pela actual liderança da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), prevê a aplicação de censura de índole administrativa e política sobre conteúdos da imprensa digital que alegadamente “lesem ou ameacem” a saúde pública, a segurança pública e os consumidores.

    Através de uma deliberação aprovada no passado dia 12, os actuais três membros do Conselho Regulador – que aguardam a sua substituição por uma nova equipa ainda não totalmente constituída – fazem diversas propostas no sentido de clarificar os critérios que presidem à classificação de publicações jornalísticas e não-jornalísticas, um assunto fundamental sobretudo na era digital.

    censorship, limitations, freedom of expression

    Mas se essa clarificação se mostrava importante – até para evitar que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista extravasasse as suas competências, questionando (só) alguns órgãos de comunicação social sobre as suas actividades durante o processo de acreditação de jornalistas –, a proposta da ERC vai muito mais longe. E acaba por instituir um modelo draconiano de censura administrativa e política em publicações jornalísticas digitais sobre determinadas matérias sem qualquer intervenção prévia do poder judicial. Lembra a Censura do Estado Novo.

    De acordo com a deliberação a que o PÁGINA UM teve acesso, o número 7 do artigo 5º-B da proposta de projecto que visa a alteração da Lei de Imprensa – assinada por Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo –, “a ERC pode restringir a circulação de publicações eletrónicas sob jurisdição do Estado português que lesem ou ameacem gravemente qualquer dos valores previstos” na Directiva comunitária sobre comércio electrónico, transposta para a legislação portuguesa em 2004. Nesse diploma, que se aplica apenas ao comércio electrónico prestado à distância – e nada tem a ver com imprensa –, os valores a salvaguardar são a saúde pública, a segurança pública (nomeadamente na vertente da segurança e defesa nacionais) e os consumidores, incluindo os investidores.

    A proposta da ERC vai no sentido de lhe ser concedidos poderes para impor aos prestadores intermediários de serviços, isto é, às empresas que alojem periódicos da imprensa digital, “o bloqueio do acesso às publicações em causa, através de procedimento que assegure que a restrição se limita ao que é necessário e proporcionado”. Os prestadores intermediários têm um “prazo de 48 horas” a partir da notificação pela ERC para simplesmente obedecer. E mais: “os utilizadores são informados do motivo das restrições”, podendo essa determinação apenas ser suspensa através de “recurso judicial”.

    ERC

    Em termos práticos, a avançar esta proposta da ERC, o regulador poderá mandar “apagar”, sem sequer aviso prévio, qualquer conteúdo considerado lesivo, passando um rótulo imediato de “desinformação” ao órgão de comunicação social digital, mesmo se o artigo em causa for escrito por um jornalista. Além de violar gravosamente a Constituição da República Portuguesa quanto ao direito à liberdade de imprensa, que “não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”, esta eventual nova competência do poder da ERC evidencia  questões preocupantes.

    Por um lado, em princípio, concederá ao regulador – ou mesmo ao Governo ou à Assembleia da República, que indica os membros da ERC – o direito de definir uma cartilha (prévia ou arbitrária) sobre os limites e conteúdos em matéria de saúde pública, de segurança e de consumo, condicionando os órgãos de comunicação social e os jornalistas. Ou seja, uma censura prévia, se os jornais digitais incorporarem essas “directrizes”, ou uma censura posterior, se não as acatarem.

    Por outro lado, esta proposta discriminaria os órgãos de comunicação social em função do tipo de suporte comunicacional, uma vez que a possibilidade de censura aplicar-se-ia apenas a publicações electrónicas. Contudo, no limite, mesmo jornais com duplo suporte – como o Expresso ou o Público – poderão ver conteúdos “suspensos” pela ERC na versão digital, embora sem abranger esses mesmos conteúdos se publicados em papel.

    secret, shut, up

    João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa da Impresa (API) – que foi um dos interlocutores da ERC para a elaboração deste projecto de alteração da Lei da Imprensa – não acredita que esta ideia passe, para já, na Assembleia da República, porque obrigaria a alterações na Constituição e nos direitos fundamentais da liberdade da imprensa. Contudo, enquadra esta proposta nas negociações nos corredores burocráticos da União Europeia no âmbito do Media Freedom Act.

    Este polémico documento, como salientava recentemente o Le Monde, foi apresentado como “uma promessa aos jornalistas” para fortalecer a independência editorial, a monitorização da concentração dos media e garantir “fortes salvaguardas contra o uso de spyware contra os media, jornalistas e suas famílias”.

    Porém, nas negociações, os últimos sinais têm mostrado que, afinal, o diploma visa um controlo dos jornalistas, apresentando “sérios riscos aos princípios democráticos fundamentais e aos direitos fundamentais da União Europeia, principalmente a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a protecção dos jornalistas”, conforme sustenta uma carta aberta divulgada em finais de Junho por diversas individualidades e organizações, entre as quais os Repórteres sem Fronteiras.

    Para João Palmeiro, o objectivo inicial foi limitar que fossem as empresas tecnológicas – como o Google, o YouTube e o Facebook, entre outras – a condicionar a divulgação de diversos conteúdos, mas as negociações desenvolveram-se no sentido da criação de uma entidade reguladora supranacional, ao nível da União Europeia, que depois concederá essa atribuição, em cada país, a um regulador nacional.

    “No caso português, será a ERC, mas isso implicaria a necessidade de uma alteração constitucional, uma vez que a ERC tem funções atribuídas pela Constituição Portuguesa e responde apenas perante a Assembleia da República”, refere o presidente da API, que defende uma melhor clarificação sobre o alcance e a intervenção do Media Freedom Act na actividade jornalística e na imprensa, em geral.