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  • Para pagar aos sócios, dona do Diário de Notícias deu calote de 7 milhões de euros ao Estado

    Para pagar aos sócios, dona do Diário de Notícias deu calote de 7 milhões de euros ao Estado

    Sem reacção do Governo, os grupos de media estão a aumentar livremente as suas dívidas ao Estado. Depois da revelação do PÁGINA UM na semana passada de que a Trust in News, a dona da revista Visão, está com uma dívida ao Estado de 10,4 milhões de euros, com aumentos da ordem dos 3 milhões ao ano, agora descobriu-se que também a Global Media Group seguiu o mesmo diapasão. No ano passado, a dívida do grupo de media controlado por Marco Galinha subiu para os 10 milhões de euros, valor não revelado no Portal da Transparência dos Media. E com uma agravante peculiar: o aumento no calote público em 2022, da ordem dos 7,1 milhões de euros, foi porque a administração da Global Media Group optou por devolver esse montante aos sócios, para lhes reembolsar empréstimos remunerados. O Ministério das Finanças continua em silêncio sobre o “milagre” que permite a empresas de media portuguesas aumentar os calotes ao Estado.


    A Global Notícias Media Group – dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e da TSF, entre outros órgãos de comunicação social – aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

    De acordo com a análise à evolução financeira do grupo de media liderado por Marco Galinha – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida ao Estado aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

    Dona do Diário de Notícias acumula prejuízos de 42,3 milhões de euros desde 2017. O calote ao Estado aumentou 7,1 milhões em 2022, e ninguém quer falar sobre o assunto.

    A Global Media Group não consta da lista dos devedores à Autoridade Tributária e Aduaneira nem o Ministério das Finanças, apesar das insistências do PÁGINA UM, esclareceu se existe, neste momento, alguma “carta de conforto governamental” que permite aos grandes grupos de media incumprir as obrigações fiscais, aumentando de forma descontrolada os calotes ao Estado. A situação é ainda mais estranha porque a Global Media Group e as suas subsidiárias têm continuado a assinar bastantes contratos com entidades públicas e autarquias para a prestação de serviço, sendo que, por regra, os pagamentos somente podem ser efectuados se a situação fiscal e de Segurança Social estiver regularizada.

    Recorde-se que, na semana passada, o PÁGINA UM revelou que a Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Activa e Caras, entre outros títulos até 2017 pertencentes à Impresa – acumula uma dívida ao Estado da ordem dos 10,4 milhões de euros, estando esta a subir a um ritmo superior a 3 milhões por ano. Isto sem qualquer intervenção fiscal conhecida.  

    No caso da Global Media Group, apesar da situação financeira aflitiva, a que juntaram prejuízos no ano passado de quase 2,2 milhões de euros, a sua administração não teve pejo em autorizar a devolução de uma parte dos empréstimos dos seus sócios à própria empresa, que atingiam os 21,8 milhões de euros em 2021. Observando o balanço de 2022, essa rubrica desceu para os 14,7 milhões de euros, significando assim que, ao longo do ano passado, os seus sócios conseguiram recuperar empréstimos – remunerados a taxa desconhecida, uma vez que não deram entrada como capital social nem como suprimentos no capital próprio – no valor de 7,1 milhões de euros.

    Apesar das dívidas ao Estado, os órgãos de comunicação social da Global Media Group continuam a estabelecer parcerias comerciais com entidades públicas para a realização de eventos executados por jornalistas.

    Ou seja, em termos práticos, a administração da Global Media Group – que não respondeu ao PÁGINA UM – decidiu, entre pagar 7,1 milhões de euros de impostos (e eventualmente taxas) ao Estado ou desviar esses mesmos 7,1 milhões de euros para os seus sócios, optar pela segunda opção.

    Esta escolha enquadra-se num cenário de assustador colapso desta empresa, que, embora com grandes movimentações na estrutura accionista nas últimas semanas, bem patentes em diversos indicadores económicos. Os prejuízos acumulados desde 2017 – portanto, nos últimos seis anos – totalizam mais de 42,3 milhões de euros. Esta sangria tem estado a reflectir-se na própria capacidade de investimento, tanto mais que o capital próprio da empresa está a definhar a olhos vistos.

    Mesmo com uma recente injecção em numerário, no passado dia 14 de Julho, de cerca de 1,56 milhões de euros, com a emissão de 417.792 novas acções, a Global Media Group tem agora um capital social de 9,3 milhões de euros. Em 2017, o capital (social) realizado era de quase 28,8 milhões de euros, e o total do capital próprio até ultrapassava os 31,4 milhões de euros.

    Para mostrar o estado deplorável das contas da dona do Diário de Notícias, antes do recente aumento de capital, o ano de 2022 acabara com capitais próprios inferiores a 5,7 milhões de euros, por causa dos constantes prejuízos anuais.

    Marco Galinha, no Fórum da Sustentabilidade e Sociedade, organizado em Maio pela Global Media Group em parceria com a Galp, a CGD, a Fundação INATEL, o Grupo Bel e a Câmara Municipal de Matosinhos. Sustentabilidade financeira é algo que se vê pouco nesta empresa de media.

    Em resultado desta situação, os activos da empresa estão a esfumar-se de forma galopante. Em 2017, a empresa detinha activos no total de 98,3 milhões de euros, sendo que 32% eram assegurados pelo capital dos sócios e apenas 3,5% do passivo respeitava a dívidas ao Estado. Naquele ano, não havia qualquer valor respeitante a empréstimos de sócios.

    Com a evolução dos últimos anos, o cenário tornou-se dramático: o total do activo diminuiu mais de 38%, passando para apenas 60,5 milhões de euros. Ou seja, esfumaram-se 37,8 milhões de euros. Além disso, o peso do capital próprio desceu para pouco mais de 9% do activo, quando era de 32% em 2017. Na verdade, a parte detida pelo Estado, por via da dívida de 10 milhões de euros, é quase o dobro do capital dos sócios, representando 18,2% do passivo total.

    Este peso do passivo detido pelo Estado – leia-se, calote público – deveria ter sido registado pela Global Media Group no Portal da Transparência dos Media, mas tal não ocorreu como obriga a lei quando uma entidade ou pessoa detém mais de 10% do total. O PÁGINA UM contactou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, responsável pela gestão deste portal e pela fiscalização sobre a veracidade dos dados económicos dos media, mas não houve qualquer reacção. Já na semana passada, o regulador dos media nada disse sobre as falhas de informação relevante na Trust in News, que tem 42% do seu passivo detido pelo Estado, sob a forma de calote público.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social a ver navios: sucedem-se os casos de empresas de media que mentem nos registos de transparências sobre indicadores financeiros. Nada acontece.

    No caso da Global Media Group, a interpretação às demonstrações financeiras desde 2017 levam a concluir que a estratégia dos diversos sócios tem sido de não “enterrar” dinheiro na empresa através de entradas no capital social, onde se mostra depois muito complexo a retirada. Por isso, as “injecções” têm sido efectuadas sobretudo através de empréstimos (remunerados), cuja recuperação se torna mais rápida, bastando uma simples decisão de gestão.

    Assim, se nos anos de 2017 e 2018 não se registam empréstimos de sócios, em 2019 atingiram os 21,8 milhões de euros, período que antecedeu o “desastre” contabilístico e financeiro. Em 2020, o reconhecimento de imparidades em quase 13,7 milhões de euros, contribuiu muito para prejuízos, apenas nesse ano, próximos de 17,7 milhões de euros.

    Em todo o caso, os empréstimos em 2019 parecem ter servido sobretudo para suprir problemas de tesouraria, porque no final de 2020 apenas restavam 3 milhões de euros de empréstimos à empresa por parte dos sócios. No entanto, a entrada de Marco Galinha e do Grupo Bel coincidiu com uma nova entrada de dinheiro, mas mais uma vez sobretudo através de empréstimos. O ano de 2021 terminou com empréstimos dos sócios de 21,8 milhões de euros, que desceu, como se disse, para os 14,7 milhões, porque a administração da Global Media Group considerou mais importante devolver dinheiro aos sócios do que pagar impostos.

    Fernando Medina, ministro das Finanças, ainda não explicou ao PÁGINA UM com que artes as empresas de media podem acumular dívidas ao Estado, não serem incomodadas e continuarem a receber pagamentos em contratos públicos. Mistério mantém-se há duas semanas.

    Um outro indicador com evolução preocupante é o das participações financeiras da Global Media Group, onde se inclui a quota na Agência. As participações financeiras chegaram a valer, e a ser assim contabilizadas no balanço, cerca de 24,5 milhões de euros, mas agora cifram-se em pouco mais de 10,3 milhões. Caso seja vendida a quota da Agência Lusa, esse valor diminuirá, podendo servir para, basicamente, pagar os 14,7 milhões de euros ainda a haver pelos sócios.

    Porém, uma venda da participação financeira respeitante à Agência Lusa poderá ser o último anel a ser vendido, uma vez que é um dos poucos activos da Global Media Group a dar lucro: a agência noticiosa deu um lucro de quase 570 mil euros no último ano. Pode parecer pouco, mas para uma empresa como a Global Media Group destaca-se pela positiva, uma vez que só se vêem números a vermelho há muitos anos.

    Tudo isto sucede também numa altura em que a Palavras de Prestígio, uma das sócias da Global Media Group, detida pelo Grupo Bel de Marco Galinha, notificou a Autoridade da Concorrência de que chegou a acordo com a Cofina para a compra de 50% da distribuidora VASP, por um valor não revelado. Em todo o caso, para a concretização do negócio, deve ter dado jeito não pagar os 7,1 milhões de euros ao Estado no ano passado.

  • O regresso da Censura: jornais digitais sob risco de terem conteúdos suspensos por decisão administrativa e política

    O regresso da Censura: jornais digitais sob risco de terem conteúdos suspensos por decisão administrativa e política

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social, um órgão criado pela Constituição da República Portuguesa para garantir a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, deseja ter poderes de Censura em pleno século XXI. Pelo menos, essa é a intenção manifestada pelos membros do Conselho Regulador que propõem que a nova lei da Imprensa permita à ERC restringir a circulação de publicações electrónicas da autoria de jornalistas se estas forem consideradas lesivas para a saúde pública, segurança pública ou consumidores, mesmo sem se saber quem define tal. Esse bloqueio far-se-á sem intervenção judicial, a partir dos servidores que alojam os sites noticiosos, e num prazo máximo de 48 horas. Além disso, as publicações censuradas receberão um “rótulo” para alertar os leitores. Esta proposta surge enquanto se debate ainda na união Europeia o polémico Media Freedom Act, que mostra ser afinal um diploma legal que visa condicionar a liberdade de imprensa, actividade que passará a ser supervisionada por instituições cada vez mais afastadas das Constituições dos países.


    Uma proposta de alteração da Lei da Imprensa, feita pela actual liderança da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), prevê a aplicação de censura de índole administrativa e política sobre conteúdos da imprensa digital que alegadamente “lesem ou ameacem” a saúde pública, a segurança pública e os consumidores.

    Através de uma deliberação aprovada no passado dia 12, os actuais três membros do Conselho Regulador – que aguardam a sua substituição por uma nova equipa ainda não totalmente constituída – fazem diversas propostas no sentido de clarificar os critérios que presidem à classificação de publicações jornalísticas e não-jornalísticas, um assunto fundamental sobretudo na era digital.

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    Mas se essa clarificação se mostrava importante – até para evitar que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista extravasasse as suas competências, questionando (só) alguns órgãos de comunicação social sobre as suas actividades durante o processo de acreditação de jornalistas –, a proposta da ERC vai muito mais longe. E acaba por instituir um modelo draconiano de censura administrativa e política em publicações jornalísticas digitais sobre determinadas matérias sem qualquer intervenção prévia do poder judicial. Lembra a Censura do Estado Novo.

    De acordo com a deliberação a que o PÁGINA UM teve acesso, o número 7 do artigo 5º-B da proposta de projecto que visa a alteração da Lei de Imprensa – assinada por Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo –, “a ERC pode restringir a circulação de publicações eletrónicas sob jurisdição do Estado português que lesem ou ameacem gravemente qualquer dos valores previstos” na Directiva comunitária sobre comércio electrónico, transposta para a legislação portuguesa em 2004. Nesse diploma, que se aplica apenas ao comércio electrónico prestado à distância – e nada tem a ver com imprensa –, os valores a salvaguardar são a saúde pública, a segurança pública (nomeadamente na vertente da segurança e defesa nacionais) e os consumidores, incluindo os investidores.

    A proposta da ERC vai no sentido de lhe ser concedidos poderes para impor aos prestadores intermediários de serviços, isto é, às empresas que alojem periódicos da imprensa digital, “o bloqueio do acesso às publicações em causa, através de procedimento que assegure que a restrição se limita ao que é necessário e proporcionado”. Os prestadores intermediários têm um “prazo de 48 horas” a partir da notificação pela ERC para simplesmente obedecer. E mais: “os utilizadores são informados do motivo das restrições”, podendo essa determinação apenas ser suspensa através de “recurso judicial”.

    ERC

    Em termos práticos, a avançar esta proposta da ERC, o regulador poderá mandar “apagar”, sem sequer aviso prévio, qualquer conteúdo considerado lesivo, passando um rótulo imediato de “desinformação” ao órgão de comunicação social digital, mesmo se o artigo em causa for escrito por um jornalista. Além de violar gravosamente a Constituição da República Portuguesa quanto ao direito à liberdade de imprensa, que “não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura”, esta eventual nova competência do poder da ERC evidencia  questões preocupantes.

    Por um lado, em princípio, concederá ao regulador – ou mesmo ao Governo ou à Assembleia da República, que indica os membros da ERC – o direito de definir uma cartilha (prévia ou arbitrária) sobre os limites e conteúdos em matéria de saúde pública, de segurança e de consumo, condicionando os órgãos de comunicação social e os jornalistas. Ou seja, uma censura prévia, se os jornais digitais incorporarem essas “directrizes”, ou uma censura posterior, se não as acatarem.

    Por outro lado, esta proposta discriminaria os órgãos de comunicação social em função do tipo de suporte comunicacional, uma vez que a possibilidade de censura aplicar-se-ia apenas a publicações electrónicas. Contudo, no limite, mesmo jornais com duplo suporte – como o Expresso ou o Público – poderão ver conteúdos “suspensos” pela ERC na versão digital, embora sem abranger esses mesmos conteúdos se publicados em papel.

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    João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa da Impresa (API) – que foi um dos interlocutores da ERC para a elaboração deste projecto de alteração da Lei da Imprensa – não acredita que esta ideia passe, para já, na Assembleia da República, porque obrigaria a alterações na Constituição e nos direitos fundamentais da liberdade da imprensa. Contudo, enquadra esta proposta nas negociações nos corredores burocráticos da União Europeia no âmbito do Media Freedom Act.

    Este polémico documento, como salientava recentemente o Le Monde, foi apresentado como “uma promessa aos jornalistas” para fortalecer a independência editorial, a monitorização da concentração dos media e garantir “fortes salvaguardas contra o uso de spyware contra os media, jornalistas e suas famílias”.

    Porém, nas negociações, os últimos sinais têm mostrado que, afinal, o diploma visa um controlo dos jornalistas, apresentando “sérios riscos aos princípios democráticos fundamentais e aos direitos fundamentais da União Europeia, principalmente a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e a protecção dos jornalistas”, conforme sustenta uma carta aberta divulgada em finais de Junho por diversas individualidades e organizações, entre as quais os Repórteres sem Fronteiras.

    Para João Palmeiro, o objectivo inicial foi limitar que fossem as empresas tecnológicas – como o Google, o YouTube e o Facebook, entre outras – a condicionar a divulgação de diversos conteúdos, mas as negociações desenvolveram-se no sentido da criação de uma entidade reguladora supranacional, ao nível da União Europeia, que depois concederá essa atribuição, em cada país, a um regulador nacional.

    “No caso português, será a ERC, mas isso implicaria a necessidade de uma alteração constitucional, uma vez que a ERC tem funções atribuídas pela Constituição Portuguesa e responde apenas perante a Assembleia da República”, refere o presidente da API, que defende uma melhor clarificação sobre o alcance e a intervenção do Media Freedom Act na actividade jornalística e na imprensa, em geral.

  • Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas não responde se vai dar parecer sobre “noticiários pagos” na CMTV

    Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas não responde se vai dar parecer sobre “noticiários pagos” na CMTV

    Silêncio ensurdecedor e comprometedor. O director da CMTV, Carlos Rodrigues, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) remetem-se ao silêncio sobre os polémicos contratos do canal de televisão da Cofina e 10 autarquias, que envolveram o pagamento de entrevistas e reportagens de promoção dos municípios em noticiários, com jornalistas como Francisco Penim a servirem de mestres-de-cerimónias. Apenas o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas reagiu, acabando por emitir um comunicado. Mas fala em “cebolas”, quando se perguntou por “alhos”.


    À pergunta sobre “alhos”, o Conselho Deontológico dos Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) deu uma resposta sobre “cebolas”.

    Se em abono da verdade botânica, cebolas e alhos até pertencem à mesma família (Alliaceae) – sendo ambos bulbosos subterrâneos comestíveis –, a resposta da estrutura sindical que aborda as questões éticas dos jornalistas acabou por não responder ao PÁGINA UM sobre se iria debruçar-se sobre os contratos da Cofina com autarquias que resultaram em alinhamentos em programas de informação e com jornalistas a servirem de mestre-de-cerimónias de promoção dos municípios.

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    E optou antes, “em resposta às perguntas” do PÁGINA UM, por emitir um comunicado público em que, afinal, se debruça somente nas deliberações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que identificou 14 jornalistas comerciais e instaurou sete processos de contra-ordenação a empresas de media. Recorde-se que as deliberações da ERC foram divulgadas pelo PÁGINA UM no passado dia 3, ou seja, há mais de duas semanas.

    No decurso da investigação do PÁGINA UM ao contratos entre 10 autarquias e a Cofina – que colocou os municípios a interferirem até nos alinhamentos noticiosos da CMTV, com jornalistas (como Francisco Penim, antigo director de programas da SIC) a publicitarem os concelhos e a entrevistarem autarcas –, foram colocadas questões às três entidades com poderes de regulação: ERC, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e CD-SJ. Somente a estrutura sindical dedicada à deontologia reagiu até agora, mas começou por fazer considerações genéricas sobre os deveres dos jornalistas.

    Convidada ontem a explicitar se, em concreto, no caso dos contratos entre os municípios e a Cofina, “o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer”, o CD-SJ respondeu esta manhã informando que “relativamente à sua pergunta de ontem, o CD vai emitir esta manhã, via site do Sindicato, uma posição, que enviamos desde já em anexo.”

    Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim foram os recorrentes “mestres-de-cerimónia” dos programas de informação da CMTV que executaram contratos de prestação de serviços, onde autarquias indicaram entrevistados e definiram alinhamentos.

    O comunicado, entretanto publicado, é, contudo, completamente omisso em relação aos contratos entre a Cofina e a CMTV, nem se debruça sobre eventuais medidas contra os jornalistas envolvidos na execução de parcerias comerciais que envolveram entrevistas pagas e alinhamentos de telejornais.

    Nesse comentário, sem nomear qualquer órgão de comunicação social e muito menos qualquer jornalista, o CD-SJ remete para as deliberações da ERC, divulgadas há duas semanas pelo PÁGINA UM, questiona-se se “ainda estamos a falar de jornalismo” nas situações em que “os temas das notícias são definidos em primeiro lugar por critérios comerciais” e também se verifica, “como tem sido noticiado, a definição prévia de perguntas e de entrevistados”.

    Na sua posição, o CD-SJ reconhece que a criação de notícias pagas “parece cada vez mais comum em muitas redações”, repudiou a “tendência crescente de as empresas jornalísticas transformarem os jornalistas em produtores de conteúdos, num processo que compromete um modelo de negócio que tem por base a credibilidade dos seus profissionais e da informação que divulgam”.

    ERC e CCPJ mantém-se silenciosos perante um caso de reportagens e entrevistas pagas em noticiário da CMTV.

    O comunicado também “sublinha o papel de diretores e editores de informação”, a quem cabe “em primeira instância a responsabilidade de não permitir que estes tipos de solicitações sejam feitas dentro das redações que dirigem”. No entanto, mostra-se claro que são os próprios directores de diversas publicações que participam activamente em eventos comerciais, não ignorando, pelo contrário, que há cobertura noticiosa sem aviso aos leitores de se tratar afinal de publicidade redigida.

    O tom geral do comunicado do CD-SJ acaba por ser, na verdade, extremamente genérico sobre os perigos do “jornalismo comercial”, a precariedade dos jornalistas e a situação financeira complexa dos órgãos de comunicação social e de recomendações à resistência, salientando que “o jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios suscetíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”.

    Porém, em termos de acção concreta, para além do inócuo comunicado, nada o CD-SJ adianta. O PÁGINA UM reiterou ao CD-SJ que a pergunta que lhe foi colocada era muito específica e “não foi respondida”, acrescentando que “o vosso comunicado nada tem a ver com a ‘pergunta de ontem’” sobre a Cofina e a CMTV.

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    E, por isso, o PÁGINA UM insistiu, no início desta tarde, na pergunta: “face a esta situação em concreto (contratos da Cofina com autarquias, com alinhamento de noticiário e indicação de entrevistados pelo adjudicante, e sua execução por jornalistas da CMTV), o Conselho Deontológico irá identificar os jornalistas envolvidos e elaborar algum parecer?”. E acrescentava-se que a pergunta era “simples, aceita três tipos de resposta, todas noticiáveis: sim, não e silêncio.”

    Até agora, o silêncio do CD-SJ é a resposta.

  • “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    O regulador dos media recebeu 120 queixas de telespectadores por a RTP3 ter emitido no noticiário “3 às 19”, de 25 de Março deste ano, declarações do ministro do Interior francês com legendas erradas, em que traduziu “extrême gauche” por “extrema direita” e “utra gauche” por “ultradireita”. Apesar de o canal ter corrigido as legendas, o regulador condena que o facto de que a pivot não ter corrigido de imediato a óbvia tradução errada que induziu os telespectadores em erro e também o facto de o erro ter sido mantido na emissão da RTP3 e na plataforma online RTP Play. Além disso, a ERC critica a RTP3 por nunca ter pedido desculpas aos telespectadores pelo erro. Apesar de algumas das queixas acusarem a RTP3 de fazer a tradução errada de propósito, a ERC diz não ter provas de que o objectivo fosse induzir em erro a opinião pública para culpar a extrema direita de violência que afinal foi levada a cabo por grupos de extrema esquerda.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a actuação da RTP3 por ter emitido uma notícia em que traduziu erradamente declarações do ministro do Interior francês, sem que tenha depois feito a devida correcção adequadamente nem admitido o erro, pedindo desculpas aos seus telespectadores.

    Numa deliberação de 27 de Junho, publicada no seu site, o regulador dos media também ordenou a RTP a corrigir a notícia que mantém a tradução errada na plataforma RTP Play. No entanto, o PÁGINA UM confirmou que a ligação original do programa de informação foi desactivada entretanto, apagando assim o erro.

    Em causa está uma notícia emitida no noticiário “3 às 19” na RTP3, no dia 25 de Março, com declarações do ministro do Interior francês sobre protestos nacionais contra o decreto presidencial que alterou a idade de reforma dos 62 para os 64 anos de idade. Na notícia, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, condena os protestos e a violência, que causaram feridos, e nas suas declarações no original em francês, aponta responsabilidades a manifestantes da “extrême gauche“, por duas vezes, e “ultra gauche“. Nas legendas, a RTP3 traduziu as declarações por “extrema direita” e ultradireita”.

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    Nas legendas podia ler-se, recorda a ERC: “(…) milhares de pessoas deslocaram-se ao local, mais de 1 milhar das quais extremamente radicalizadas, extremamente violentas; entre as quais do movimento Black Bloc, membros da extrema-direita, da ultradireita, que atacam fisicamente os polícias”.

    Lia-se ainda: “E hoje, perante as imagens de extrema violência que sofrem os agentes policiais da república, quero, evidentemente, transmitir-lhes o meu apoio total e absoluto, dizer-lhes que estamos do seu lado e que esta demonstração de violência é absolutamente indesculpável, organizada claramente, como disse, por grupo de extrema direita”.

    No total, chegaram ao regulador 120 queixas de telespectadores pela tradução errada da RTP3, que se defendeu junto da ERC admitindo o erro e definindo-o como “um a[c]to falhado”.

    A ERC diz, na sua deliberação, que “Não existem elementos disponíveis que sustentem as alegações presentes em algumas das participações de que o erro terá sido intencional e com o propósito de manipular a opinião pública”.

    O regulador refere que, “ainda que padecendo de rigor, a ERC não dispõe de evidências que contrariem a justificação da RTP3”.

    O que é certo é que, apesar de o canal ter indicado à ERC que a sua direcção de informação “dete[c]tou de imediato o erro e solicitou, também de imediato, a sua correção nesse momento”, o regulador sustenta que “a RTP3 não logrou indicar de que forma corrigiu a informação em causa”.

    De facto, a ERC aponta que na plataforma RTP Play do serviço público de televisão, “e à semelhança do que aconteceu na emissão linear da RTP3, as legendas que traduzem as declarações do ministro permanecem incorretas, traduzindo “extrême gauche” por “extrema direita” e “ultra gauche” por “ultradireita””.

    O regulador destaca que “o serviço RTP Play não se constitui, nem assim deve ser visto, como um mero arquivo audiovisual”, estando registado na ERC “como um operador de serviço audiovisual a pedido, com o número de registo 800013”.

    O PÁGINA UM consultou hoje a plataforma RTP Play, e constatou que o vídeo referente à notícia em causa, emitida a 25 de Março, encontra-se visível no catálogo de vídeos disponíveis mas, quando se clica no mesmo, não é possível visualizá-lo.

    A ERC frisa que “por outro lado, até ao fim da emissão do noticiário “3 às 19″ daquele dia, não foi identificada a correção do erro, fosse pela pivô, fosse em peça editada”. “Tal atuação colide, sem margem para dúvidas, com o dever profissional constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista (EJ)3, que dispõe ser dever dos jornalistas “proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis”, lembra a ERC.

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    O regulador salienta que “a retificação dos erros constitui um importante mecanismo de autorregulação à disposição dos órgãos de comunicação social e uma meritória prática jornalística em prol do dever de informar o público «com rigor e isenção» (alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do EJ”.

    Aponta também que foi “possível identificar no noticiário da RTP3 “24 Horas”, do mesmo dia, disponível na plataforma digital RTP Play, a mesma peça jornalística com as declarações do ministro francês já corrigidas, onde se traduz “extrême-gauche» por «extrema esquerda” e “ultragauche” por “ultraesquerda””.

    Contudo, “apesar de o noticiário “24 Horas” apresentar já a legendagem correta das declarações do ministro – ao contrário do que foi feito no bloco informativo “3 às 19″ -, não existiu, em momento algum, uma admissão do erro por parte da RTP3 perante o seu público”.

    A ERC conclui que “a RTP3 não fez uso do mecanismo de autorregulação à sua disposição, no sentido de corrigir e, sobretudo, admitir perante o público, um erro evidente que, no caso em apreço, induzia a uma leitura desajustada e errónea pelos telespectadores”. Indica que, “assim, a RTP3 insistiu na manutenção do erro, não observando o dever de informar com rigor e isenção, nem o dever de retificação”.

    O regulador deliberou então “instar a RTP a proceder à correção da notícia, que ainda se encontra na plataforma digital RTP Play” e “instar a RTP3 ao escrupuloso respeito pelas exigências de rigor informativo e pelos deveres deontológicos da profissão, bem como à utilização dos mecanismos de autorregulação ao seu dispor, no sentido de corrigir e admitir os erros perante os telespectadores, promovendo a transparência junto dos seus públicos”.

  • Graça Freitas compra notícias em contrato forjado para divulgar Plano Nacional de Literacia em Saúde

    Graça Freitas compra notícias em contrato forjado para divulgar Plano Nacional de Literacia em Saúde

    A Direcção-Geral da Saúde quis garantir a cobertura do lançamento de um plano estratégico governamental sobre literacia em saúde, e achou que seria boa ideia pagar a um jornal, o Expresso, mesmo se houve outros órgãos de comunicação social que acorreram ao evento em Mafra. Mas, além da ilegalidade da compra de notícias, Graça Freitas, a ainda directora-geral da Saúde, assinou o contrato público já depois do evento, com um prazo de execução de 19 dias. O falso contrato pode ser considerado nulo pelo Tribunal de Contas.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) pagou 12.000 euros à Impresa para que o Expresso fizesse a cobertura noticiosa, incluindo filmagens, do lançamento do Plano Nacional de Literacia em Saúde. Mas utilizou um contrato forjado, assinado duas semanas depois com um prazo de execução de tarefas que, afinal, já se tinham concretizado. Contratos desta natureza são, geralmente, considerados nulos pelo Tribunal de Contas.

    O evento oficial deste plano estratégico do Governo alegadamente de combate à desinformação ocorreu no passado dia 14 de Junho, no Palácio de Mafra, sendo transmitido pelas redes sociais do Expresso, e contou com a cobertura noticiosa da generalidade da imprensa nacional generalista, nomeadamente da Antena Um, Público, Jornal de Notícias, Observador e Novo.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde. Pagou ao Expresso para a cobertura de evento oficial, fora do prazo.

    Mas enquanto os outros órgãos de comunicação social terão feito as suas notícias sem contrapartidas financeiras, o Expresso beneficiaria de um contrato no valor de 12.000 euros respeitante à “aquisição de serviços para apresentação do Plano Nacional para a Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030”, de acordo com o contrato publicado na passada segunda-feira no Portal Base.

    Embora o caderno de encargos esteja ausente – para se perceber quais os compromissos editoriais do Expresso a executar para promoção de um plano estratégico do Governo socialista –, o contrato foi assinado por Graça Freitas (embora o seu nome tenha sido apagado) no dia 26 de Junho, ou seja, 12 dias após o evento, estipulando-se também, falsamente, que o prazo de execução seria de 19 dias. Portanto, terminaria hoje.

    Porém, o PÁGINA UM detectou três notícias – todas publicadas na ambígua secção Projectos Expresso, da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes – sobre o objecto do contrato. A primeira notícia paga pela DGS ao Expresso foi publicada no dia 12 de Junho, com o título “Três em cada dez portugueses têm baixo nível de literacia em saúde”, e além de remeter para o evento de Mafra, antecipava resultados de um estudo sobre os conhecimentos nesta temática.

    Evento em Mafra, no dia 14 de Junho, teve cobertura de vários órgãos de comunicação social, mas Expresso teve brinde de 12 mil euros para escrever notícias favoráveis.

    A segunda notícia com base num pagamento da DGS ao Expresso – sem o qual não haveria a garantia de ser publicado – consistiu na cobertura do evento propriamente dito, no dia 14, tomando o título “Mais informação não significa mais prevenção. É preciso outra linguagem”

    Por fim, a terceira notícia mercadejada entre a DGS e o Expresso foi publicada em 16 de Junho, sendo uma compilação em texto e vídeo das declarações dos protagonistas do evento sobre literacia em saúde, contando com intervenções do subdirector-geral da Saúde, André Peralta-Santos e de duas técnicas superiores desta entidade estatal.

    Saliente-se que o jornalista Francisco de Almeida Fernandes é uma das 14 pessoas identificadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social por ter escrito conteúdos comerciais com carteira profissional de jornalista. Almeida Fernandes é, aliás, um dos mais requisitados jornalistas na escrita daquilo que se denomina de “publicidade redigida”, ou seja, textos que surgem à luz da compreensão dos leitores como notícias mas que são, afinal, pagas por um interessado, que pode mesmo ser, por vezes, o Governo ou farmacêuticas.

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    A publicidade redigida ou outras formas de comercialização de textos jornalísticos é ilegal perante a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Porém, apesar de ser uma prática cada vez mais frequente, e feita à descarada, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista mostra-se impávida e serena.

    O PÁGINA UM tentou obter o comentário da directora-geral da Saúde, Graça Freitas, sobre a ilegalidade do seu contrato e sobre a necessidade de pagar notícias sobre um tema que, previsivelmente, teria cobertura, como teve, de outros órgãos de comunicação social. Não chegou ainda qualquer resposta.

  • Mário Ferreira e Prisa apanham coimas milionárias por negócio da Media Capital

    Mário Ferreira e Prisa apanham coimas milionárias por negócio da Media Capital

    Em 2020, o actual “homem forte” da Media Capital, Mário Ferreira, fez um memorando de entendimento com a Prisa que, para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, deveria ter sido antecedida de autorização. O regulador concluiu que foi Mário Ferreira, e não a Prisa, que colocou Manuel Alves Monteiro como administrador da Media Capital, e que isso constituía uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão. Resultado: três coimas de 350 mil euros, mas que pode descer para metade por bom comportamento. A deliberação da ERC, de Fevereiro deste ano, esteve escondida cinco meses, e também revela as circunstâncias do regresso de Cristina Ferreira à TVI e a demissão de Sérgio Figueiredo da direcção do canal de Queluz de Baixo.


    São 42 violações à Lei da Rádio e três violações à Lei da Televisão – e três coimas milionárias de 350 mil euros aplicadas à Prisa, à sua subsidiária Vertix e à Pluris, do empresário Mário Ferreira, que actualmente domina a Media Capital, dona dos canais de televisão TVI e CNN Portugal.

    Este é o desfecho de uma das maiores coimas aplicadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre empresas de media. A deliberação, apenas ontem colocada no site da ERC, mas datada de 1 de Fevereiro deste ano, acaba porém por suspender metade da coima de cada empresa (175 mil euros) por um período de dois anos, sob a prestação de caução de boa conduta de 250 mil euros. Ou seja, se não houver novas condenações, cada empresa pode acabar por pagar apenas 175 mil euros.  

    Mário Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Media Capital, ao lado de José Eduardo Moniz, director-geral da TVI.

    Os factos remontam a Abril de 2020, quando a Pluris Investments, detida a 90% pelo empresário Mário Ferreira, e a Vertix – que no início daquele ano esteve para ser adquirida pela Cofina – celebraram um acordo com vista à aquisição, pela primeira, de uma participação de 30,22% no capital social da Media Capital.

    Esse acordo implicava a preparação de um novo plano de negócio, um compromisso de financiamento da Media Capital pela Pluris, de até de cerca de 14 milhões de euros, da cooperação adquirir a participação então detida pela Prisa.

    Além disso, ficou estabelecido o direito de a Pluris indicar, “imediatamente após a execução” do acordo um observador que “deve ser autorizado a estar presente em todas as reuniões do conselho de administração da Media Capital e a receber informação completa e precisa de todos os trabalhos do conselho de administração» e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o Conselho de Administração da Media Capital, na proporção da sua participação”.

    Controlo da TVI sem aviso prévio da ERC “valeu” coimas milionárias a Mário Ferreira, à Prisa e à sua subsidiária Vertix.

    Na altura, a Media Capital era detentora das empresas TVI Televisão Independente – dona da TVI e da CNN Portugal – e ainda da Rádio Comercial em diversas rádios locais – entretanto vendidas no ano passado à alemã Bauer –, envolvendo um serviço de programas de televisão e de vinte e nove serviços de programas de rádio.

    Em 9 de Outubro de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiria que estes “acordos celebrados entre a Vertix/ Prisa e a Pluris/ Mário Ferreira e a conduta das partes instituída na sequência dos mesmos configura[va] o exercício concertado de influência sobre a Media Capital, manifestado, entre outros, na (re)composição do seu órgão de administração, na redefinição do plano estratégico da sociedade e na tomada de decisões relevantes na condução dos seus negócios.”

    E a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não gostou, por causa dos “fortes indícios da ocorrência de uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão a operar sob licença que compõem o universo da Media Capital.” E abriu um processo de contra-ordenação, porquanto a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão sem a necessária autorização da ERC constitui uma contraordenação, punível, no caso da Lei da Rádio com coima até 100.000 euros, e no caso da Lei da Televisão até 375.000 euros.

    Deliberação da ERC sobre processos de contra-ordenação esteve cinco meses “escondida”. Só ontem foi revelada.

    O processo de contra-ordenação, com um total de 183 páginas, foi aprovado em 1 de fevereiro, mas estranhamente só ontem foi disponibilizado no site da ERC, com a referência que por “obrigações legais em matéria de proteção de dados e de preservação do sigilo comercial, foram ocultados alguns elementos nominativos e montantes envolvidos, sem prejuízo para a compreensão dos factos e dos fundamentos subjacentes à presente Deliberação.”

    O regulador conclui que o acordo entre a Prisa e a Pluris deveria ter implicado autorizações prévias, e que Mário Ferreira assumiu antes do tempo um papel determinante dos destinos da Media Capital, sobretudo através da colocação de Manuel Alves Monteiro no Conselho de Administração a partir de Abril de 2020.

    Apesar de formalmente convidado pela Prisa como administrador não-executivo, Manuel Alves Monteiro foi considerado pela ERC como um “homem de mão” (não nestes termos) de Mário Ferreira.

    “A cooptação de Manuel Alves Monteiro pelo Conselho de Administração da Media Capital, cinco dias após ter sido celebrado o MoU [memorando de entendimento], amigo de longa data e pessoa da confiança de Mário Ferreira, em cujo grupo económico exercia, há vários anos, funções de administrador [Mystic Invest], nos exatos termos em [que] se dispunha no MoU a nomeação de um (ou dois) observador(es).”

    Saliente-se que Alves Monteiro viria a ser o novo CEO a partir de Julho de 2020, para defender os interesses da Pluris que, na prática, segundo a ERC, dominava já a Media Capital.

    Aliás, a ERC chega também a intuir que o afastamento de Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, decidido em 10 de Julho de 2020, “terá sido a expressão da vontade de Mário Ferreira”.

    A deliberação da ERC também luz sobre a pouco pacífica passagem da apresentadora Cristina Ferreira da SIC para a TVI, revelando uma evidente mentira.

    O regulador dos media diz que Cristina Ferreira começou por confessar na CMVM ter falado com Mário Ferreira que lhe propôs “ser accionista e possível administradora” caso abandonasse a SIC e regressasse à TVI, esquecendo as incompatibilidades com o actual director da CNN Portugal, Nuno Santos.

    ERC diz que Cristina Ferreira entrou em contradição sobre o convite em 2020 que recebeu de Mário Ferreira para regressar à TVI como apresentadora, accionista e administradora.

    Porém, mais tarde, “no âmbito do procedimento administrativo”, Cristina Ferreira disse ter afinal falado com Manuel Alves Monteiro. “Não podemos, contudo, deixar de estranhar a contradição existente entre os dois depoimentos de Cristina Ferreira”, expõe-se na deliberação da ERC, “e questionar a razão que a levou a adotar posturas completamente divergentes”. Independentemente disso, o regulador conclui que “daqui resulta que Mário Ferreira teve intervenção ativa na definição e condução das políticas de gestão estratégica e respetivas decisões da Media Capital” antes de oficialmente estar mandatado.

    As coimas agora aplicadas pela ERC ainda poderiam ter sido muito mais elevadas. De acordo com a lei, “a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão com serviços de programas licenciados sem a necessária autorização do regulador constitui contraordenação, prevista na Lei da Rádio com coima entre 10.000 e 100.000 euros e na Lei da Televisão com coima entre 75.000 e 375.000 euros e com suspensão da licença pelo período de um a 10 dias.

    Para cada uma das três empresas, a ERC aplicou uma coima de 120.000 euros pela violação da Lei da Televisão, abrangendo o operador TVI (ainda não existia a CNN Portugal), duas de 45.000 euros por violação da Lei da Rádio, abrangendo a Rádio Comercial e a Rádio Regional de Lisboa, e 12 coimas de 16.000 euros para outras tantas empresas radiofónicas então detidas pela Media Capital, entretanto vendidas à alemã Bauer.

    Em cúmulo jurídico, a ERC decidiu reduzir para 350.000 euros (o somatório de todas as coimas daria 402.000 euros), justificando o valor pelo “desvalor da conduta e a sua gravidade” e pelo facto de “as arguidas [Pluris, Prisa e Vertix] não mostrarem qualquer arrependimento ou compreensão do desvalor e, de modo a evitar um juízo de impunidade relativamente à prática das infrações e da culpa, ponderados e valorados os fatores que presidem à determinação da coima”.

    Ainda não foi possível ao PÁGINA UM saber se a Media Capital e a Prisa – que detém também a Vertix, e que contestou a aplicação de um duplo processo – recorreram das coimas para os tribunais. Não foi, porém, feita pela Media Capital qualquer informação ao mercado sobre a coima, através da CMVM.

  • Afinal, Facebook continua a ser o “sugar daddy financeiro” do Polígrafo

    Afinal, Facebook continua a ser o “sugar daddy financeiro” do Polígrafo

    O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, tentou esconder que só sobrevive por conta da parceria com o Facebook, que já lhe entregou mais de 1,3 milhões de euros nos últimos três anos. No mês passado, o Polígrafo andou a “fugir” às perguntas do PÁGINA UM sobre a evolução dos seus rendimentos e o suspeitoso desaparecimento da empresa de Zuckerberg como cliente relevante nas contas do ano passado. Só depois da intervenção da Unidade de Transparência dos Media da ERC, a empresa gestora do Polígrafo “corrigiu” a sua declaração, assumindo que 456 mil euros vieram afinal do Facebook. As receitas de outras fontes foram mínimas (19 mil euros), não cobrindo sequer 10% das despesas com pessoal. Ou seja, sem o Facebook, para o qual já foram feitas quase 700 verificações de factos, o Polígrafo entraria em colapso financeiro.


    A empresa Inevitável e Fundamental, proprietária do Polígrafo, omitiu no Portal da Transparência dos Media a sua dependência financeira quase em exclusivo da rede social Facebook, que lhe pagou, na verdade, 456.000 euros durante o ano passado para fazer verificação de factos e controlo de alegada desinformação, que incluiu censura e a prática de shadow banning, ou seja, invisibilidade de conteúdos.

    Ao longo do mês passado, como denunciou o PÁGINA UM, o Polígrafo não declarou a existência de quaisquer clientes relevantes no seu registo no Portal da Transparência, que exige que sejam identificados os clientes que tenham representado mais de 10% dos rendimentos anuais e as entidades que tenham direitos superiores a 10% do valor do passivo.

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    E, apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking – nem sequer respondeu aos três pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, feitos em 14 de Junho, em 16 de Junho e em 19 de Junho, dirigidos ao seu director, Fernando Esteves, que agora também acumula funções de publisher na MediaNove, o grupo criado por N’Gunu Tiny, que detêm também 40% da empresa Inevitável e Fundamental. Os restantes 60% são detidos por Fernando Esteves.

    O PÁGINA UM, antes de escrever o seu artigo de 19 de Junho passado, efectuou cópia certificada por advogado, em 14 de Junho, que garante que, naquela data, de acordo com a informação financeira completa da empresa Inevitável e Fundamental, relativa ao ano de 2022, “não existem registos” sobre clientes relevantes.

    Essa assumpção da inexistência de dependência «relevante para o ano de 2022 contrastava com os dois anos anteriores, quando o Facebook inundou os fact checkers supostamente independentes com financiamentos extraordinários para controlar, independentemente da credibilidade científica dos autores, conteúdos que contrariassem a narrativa mainstream sobre a gestão da pandemia. Em 2020 e 2021, o Polígrafo admitiu que recebeu mais de 860 mil euros da empresa de Mark Zuckerberg.

    Além do jornal digital, o Polígrafo tem uma parceria semanal com a SIC.

    Em 14 de Junho, o PÁGINA UM questionara a Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre a estranha evolução dos clientes relevantes do Polígrafo, sobretudo porque até houvera um aumento dos rendimentos entre 2021 e 2022, e se existiam mecanismos de verificação independente.

    Cerca de uma semana mais tarde, no dia 23 de Junho, a Unidade da Transparência dos Media prometeu que iria “questionar diretamente a empresa visada [Inevitável e Fundamental] no sentido de esclarecer as dúvidas colocadas”, acrescentando que “a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção no reporte é passível de responsabilidade contraordenacional.”

    Certo é que, após as diligências da ERC, a empresa do Polígrafo veio agora acrescentar a referência à participação do Facebook nos rendimentos do ano passado, e afinal mantém-se uma dependência quase absoluta: 96% dos rendimentos. Ou seja, como os rendimentos totais foram de 474.994 euros em 2022, significa que Zuckerberg “passou um cheque” de cerca de 456.000 euros. Em suma, sem o Facebook (que entregou uma média mensal de 38.000 euros), as receitas mensais da Inevitável e Fundamental seriam de apenas 19.000 euros, pouco mais de 1.500 euros em cada mês. Destaque-se que, apenas em gastos com pessoal, a empresa do Polígrafo contabilizou em 2022 quase 248.000 euros.

    Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.

    Assim, com a generosa ajuda do Facebook – na verdade, quase um “sugar daddy financeiro”, tendo em conta a sua imponência económica, mas que precisa de “agentes locais” com um (suposto) estatuto de independência para controlo da dita desinformação –, a empresa do Polígrafo conseguiu resultados operacionais de 102.964 euros e um lucro líquido acima dos 71.000 euros.

    O valor do financiamento do Facebook ao longo do ano passado, que o Polígrafo tentou não revelar, acaba assim por mostrar que as relações comerciais entre as duas partes estão bem cimentadas. Consultando a informação do portal da ERC, o Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas).

    Com os 456 mil euros de 2022, o Polígrafo recebeu do Facebook no último triênio mais de 1,3 milhões de euros. No mesmo período, as receitas de outras fontes pouco ultrapassaram os 100 mil euros, e foi de apenas 35 mil euros em 2021 e 2022.

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    Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.

    Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.

    Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.

    Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.

    Registo (de hoje) financeiro de 2022 da empresa Inevitável e Fundamental, onde já consta o Facebook como cliente relevante, com um peso de 96% do total dos rendimentos.

    A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.

    Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, tem um poder ilimitado de classificar como “falso” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.

    O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.

    O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.

  • Polígrafo faz apologia à transparência, mas não explica quem são agora os principais financiadores

    Polígrafo faz apologia à transparência, mas não explica quem são agora os principais financiadores

    O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, comunicou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, em 2022, o Facebook deixou de ser um cliente relevante, ou seja, teve um peso inferior a 10% dos rendimentos do ano. Como as receitas de 2022 até aumentaram face a 2021, significa que houve novos financiamentos, de novas e diversas proveniências, mas o Polígrafo não quer revelar quem são. Além de Fernando Esteves, o Polígrafo tem como sócio N’Gunu Tiny, um empresário africano que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo em aquisições no sector da comunicação social, tendo criado um grupo (Media9Par) que integra já a Forbes Portugal, o Jornal Económico e o semanário Novo. Fernando Esteves acumula agora a função de director do Polígrafo com a de publisher da Media9Par.


    Apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português que está dedicado em exclusivo ao fact checking – recusa-se a esclarecer se o Facebook deixou mesmo de financiar maioritariamente a sua actividade, ou se apenas omitiu essa informação do Portal da Transparência dos Media da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    De acordo com a informação constante no portal do regulador dos media referente ao ano de 2022, o jornal digital fundado e dirigido por Fernando Esteves deixou de fazer qualquer menção ao financiamento pela rede social de Mark Zuckerberg. Em 2020 e 2021, o Polígrafo recebeu mais de 860 mil euros do Facebook.

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    O portal da ERC impõe que as empresas de comunicação social identifiquem os clientes que representem um volume de receitas superior a 10% do total, o mesmo sucedendo para o caso dos detentores de mais de 10% do passivo. O objectivo é mostrar dependências financeiras que possam colocar em causa a liberdade editorial.

    Como no ano passado, a empresa detentora do Polígrafo – a Inevitável e Fundamental, Lda. – registou rendimento de 474.994 euros, sem qualquer menção ao Facebook, significará assim, em princípio, que as transferências da rede social detida por Zuckerberg ficaram aquém dos 47 mil euros.

    Essa redução do financiamento do Facebook, a confirmar-se – o PÁGINA UM pediu, por três vezes, esclarecimentos ao Polígrafo, sem qualquer reacção –, é muito significativa e surpreendente, porque os rendimentos deste jornal especializado em fact checking até aumentaram ligeiramente entre 2021 e 2022, passando de 421.173 euros para 474.994 euros.

    Consultando a informação do portal da ERC, 0 Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas). Como em 2022 as receitas atingiram quase 475 mil euros – e um lucro de 71 mil euros –, seria fundamental, face à política de transparência propalada pelo Polígrafo, conhecer quais foram as fontes alternativas ao Facebook.

    Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.

    Certo é que os sócios que detêm a empresa gestora do Polígrafo, que sempre se quis caracterizar como um órgão independente, têm estado cada vez mais envolvidos em negócios na área económica e, em particular, da comunicação social. Um dos principiais financiadores do Polígrafo é o empresário N’Gunu Tiny, através da Emerald Group, que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo na aquisição de órgãos de comunicação social em Portugal.

    De origem são-tomense, filho um antigo embaixador em Portugal (Carlos Tiny), mas com cidadania angolana, N’Gunu Tiny esteve intimamente associado tanto a negócios da família de José Eduardo dos Santos – aliás, comprou a Isabel dos Santos a licença da Forbes Portugal e PALOP em 2021 – como também a Manuel Vicente (ex-CEO da Sonangol e vice-presidente de Angola no período 2012-2017).

    Entre Setembro de 2006 e Março de 2018, N’Gunu Tiny ocupou o cargo de Chairman e CEO do Banco Postal de Angola, que viria a ser encerrado por ordem do Banco de Angola no início de 2019. Essa instituição teria como accionista Eduane Danilo Santos, filho do ex-presidente. N’Gunu Tiny foi também consultor jurídico da Sonangol e colaborou com o Banco Privado Atlântico, tendo sido testemunha no julgamento da Operação Fizz, que culminou na condenação do procurador Orlando Figueira.

    N’Gunu Tiny, empresário de origem são-tomense, mas com fortes ligações aos poderes angolanos do tempo de José Eduardo dos Santos, tem surgido bastante activo na criação de um novo grupo empresarial de media, através de uma empresa financeira sedeada no Dubai.

    Saliente-se também que N’Gunu Tiny teve também uma efémera empresa, denominada E&D Capital Partners Limited, entre Maio de 2013 e Outubro de 2015, de intermediação financeira, com Pedro Pinto Ferreira, considerado testa-de-ferro de Manuel Vicente. Em Setembro de 2018 entrou como sócio na Optimal Investments, uma consultora que tem à frente, entre outros, José Maria Ricciardi (ex-BESI) e Jorge Tomé (ex-BANIF).

    No ano passado, N’Gunu Tiny – que detém 40% da Inevitável e Fundamental, sendo que Fernando Esteves controla 60%, através de uma empresa pessoal (Episódio Inédito) com um capital social de apenas 1 euro) – criou uma empresa de media, a Media9Par, para onde tem estado a concentrar as suas novas aquisições: além da Forbes, o Jornal Económico, o Económico Madeira e o Novo.

    Neste grupo económico controlado por N’Gunu Tiny, Fernando Esteves acumula agora as funções de director do Polígrafo com as de publisher das publicações, colocando-se assim numa situação de grande ambiguidade. Até porque o Polígrafo, bem como o Viral (dedicado à verificação na área da saúde), se mantêm fora do novo grupo de comunicação social de N’Gunu Tiny, embora sejam apresentados como “parceiros”.

    No novo grupo Media9Par, de N’Gunu Tiny, onde Fernando Esteves é publisher, o Polígrafo surge como parceiro.

    Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.

    Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.

    Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.

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    Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.

    A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.

    Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, têm um poder ilimitado de classificar como “falsa” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.

    O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.

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    O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.

    O PÁGINA UM tentou também saber junto da ERC se, ao invés de ter havido uma redução do financiamento do Facebook ao Polígrafo, a publicação pediu confidencialidade dos dados económicos no Portal da Transparência, mas ainda não obteve resposta. O PÁGINA UM também procurou saber, sem sucesso, se o regulador faz qualquer tipo de fiscalização sobre a veracidade das declarações dos periódicos.

  • Público é multado pela ERC por publicidade encapotada e exige direito de resposta ao PÁGINA UM por se sentir ofendido

    Público é multado pela ERC por publicidade encapotada e exige direito de resposta ao PÁGINA UM por se sentir ofendido

    O Público vai contestar nos tribunais a decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de lhe aplicar uma coima de 2.500 euros por um artigo que configura ser uma “publireportagem” a promover uma campanha do Banco Santander. Esta intenção do diário da Sonae foi expressa num pedido de direito de resposta exigido ao PÁGINA UM pela publicação do artigo “Jornal Público multado por publicidade ‘travestida’ de notícia”, no passado dia 1. O pedido foi satisfeito, apesar de ser dúbio esse direito, de acordo com a Lei da Imprensa, por uma simples razão: a notícia do PÁGINA UM era exacta, factual e até favorável à jornalista visada, porquanto até se analisou o seu histórico de artigos.


    “Injusta e errada” – é assim que o director do Público, David Pontes, reage à coima de 2.500 euros aplicada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao jornal do Grupo Sonae por causa de uma notícia publicada em 2019 sobre uma campanha do Banco Santander.

    De acordo com um texto ontem enviado pelo Público ao PÁGINA UM, invocando direito de resposta, de acordo com a Lei da Imprensa, a coima será alvo de recurso judicial para o Tribunal Administrativo de Lisboa. David Pontes, na sua missiva, enviada em correio registado, alega que a notícia do PÁGINA UM “afecta o seu bom nome [Público], embora esta se baseie numa deliberação pública da ERC, se tenha divulgado a posição do Público no processo e se tenha auscultado a jornalista autora do artigo de 2019, Rosa Soares. Apesar disso, o PÁGINA UM – até para se diferenciar das práticas do Público sobre o exercício do direito de resposta – decidiu publicar o texto de David Pontes.

    black and red bicycle on brown concrete floor
    Campanha do Santander era notícia para o Público. Para a ERC foi publicidade, mesmo sem se conseguir provar pagamento imediato.

    Recorde-se que, em causa, na aplicação desta coima – bastante rara para situações deste género, tendo já sido aplicada uma coima similar ao Observador – estava a notícia sobre uma campanha do Banco Santander que o regulador considerou que era “conteúdo publicitário, no sentido promocional”, devendo por isso ter sido identificada como tal, cumprindo o preceituado na Lei de Imprensa.

    David Pontes, director do Público, vem agora repetir os argumentos então usados pela direcção editorial aquando do processo de contra-ordenação instaurado pela ERC, afirmando que a peça jornalística em causa “foi suscitada, única e exclusivamente, pelo interesse editorial de identificar uma tendência comercial de um sector – os bancos – dando conta de uma alteração da forma como em concreto o Banco Santander estava a actuar”.

    O texto jornalístico do Público vinha, contudo, acompanhado de uma imagem promocional da campanha, e destacava tratar-se da “última oportunidade” para obter um financiamento de 25 mil euros com uma taxa anual nominal (TAN) de 6,99%.

    ERC aplicara já uma coima similar ao Observador em finais de 2022.

    Além disso, conferia detalhes sobre simulação para um empréstimo de 7.500 euros, ressaltando que “o crédito ao consumo tem crescido de forma muito expressiva em Portugal e [que] os ‘saldos’ do Santander são um exemplo da aposta que os bancos fazem, na contratação de empréstimos online”. Na peça, não se fazia referência a nenhuma outra campanha de qualquer outro banco.

    Mas David Pontes alega que, “de forma alguma, o jornal violou (…) a Lei da Imprensa, que, em concreto, estipula que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante.”

    O articulado na Lei da Imprensa diz que se considera “publicidade redigida e publicidade gráfica todo o texto ou imagem cuja inserção tenha sido paga, ainda que sem cumprimento da tabela de publicidade do respectivo periódico”.

    Prinscreen da campanha do Santander, com o endereço do site, que acompanhava a notícia do Público.

    Apesar de não ter provas de contrapartidas financeiras, a ERC entendeu que o artigo do Público teve a intenção de promover uma campanha de saldos em taxas de juros do Santander. Somente dois anos depois, em 2021, é que o diário da Sonae veio a estabelecer uma parceria comercial com o banco espanhol, que inclui o pagamento de conteúdos para a secção “Estúdio P”.

    Saliente-se, no entanto, que nem os conteúdos comerciais do Estúdio P cumprem a Lei da Imprensa , uma vez que não fazem constar a palavra ‘Publicidade’ ou as letras PUB em caixa alta, “no início do anúncio”. Geralmente, os conteúdos do Estúdio P, escritos num estilo jornalístico, apenas colocam uma discreta referência de se tratar de um conteúdo publicitário no final dos textos, apondo as letras PUB em tamanho diminuto.


    N.D. O direito de resposta de David Pontes, director do Público, pode ser lida aqui.

  • Polígrafo faltou ao rigor e isenção por classificar PCP, Bloco de Esquerda e MAS como extrema-esquerda

    Polígrafo faltou ao rigor e isenção por classificar PCP, Bloco de Esquerda e MAS como extrema-esquerda

    Por causa do seu protagonismo na contestação às políticas de Educação, a imprensa tem escrutinado o passado do líder do STOP, André Pestana, colocando-o como de “extrema-esquerda” e com alusões nada abonatórios. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”. Para pôr tudo em pratos limpos, o Polígrafo meteu-se na querela, compondo um fact checking. Saiu “chamuscado” na tarefa: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que, afinal, a análise não foi nem rigorosa nem isenta nem fundamentada. Em artigos académicos, estes partidos são classificados, na verdade, como esquerda radical, no sentido de ruptura política, sem qualquer conotação depreciativa.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que o verificador de factos Polígrafo “não cumprir as exigências de rigor informativo” numa análise feita em 6 de Fevereiro deste ano ao passado político de André Pestana, o líder do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP). No artigo, assinado pelo jornalista Carlos Gonçalo Morais, o mote em questão centrava-se sobretudo no alegado ponto de diferenciação deste sindicato face aos restantes: a sua independência face a um directório político partidário, algo que acabava por nem sequer ser abordado.

    No mesmo dia, no programa SIC Polígrafo, apresentado por Bernardo Ferrão, director-adjunto de informação do canal televisão do Grupo Impresa, foi emitida uma peça similar, que considerava como “Verdadeiro” que “o professor que coordena o STOP tem passado na extrema-esquerda”. Em concreto, concluía-se que “o currículo de André Pestana é vasto em experiência politico-partidária, especificamente ligada a movimentos de extrema-esquerda”.

    André Pestana, líder do STOP.

    Note-se, contudo, que em órgãos de comunicação generalistas, a tentativa de colagem do STOP a movimentos denominados de extrema-esquerda foi frequente na imprensa generalista, como se pode observar em notícias do Diário de Notícias, da Sábado e do Observador. Aliás, neste último periódico, mostra-se evidente o sentido depreciativo do uso do termo, quando a jornalista Ana Kotowicz cita “um dirigente sindical [que não identifica, pelo que pode ser inventado] que tem acompanhado o STOP nas reuniões com o ministro da Educação, onde considera que as suas atitudes são sempre muito extremadas”.

    Nessa notícia do Observador é colocada na boca desse ignoto sindicalista, sem nome nem filiação, a seguinte afirmação: “Além da extrema-direita do André Ventura ficávamos com a extrema esquerda do André Pestana”, sobre uma possível candidatura à autarquia de Lisboa.

    Até nos sectores ideologicamente mais à esquerda do Governo, o protagonismo de André Pestana e do seu STOP na contestação dos professores tem sido cada vez mais criticado, sobretudo por estar fora da esfera de influência política dos sindicatos tradicionais. E não se perde oportunidade para o atacar. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou categoricamente que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”, aludindo ao caso dos cartazes contra o primeiro-ministro António Costa, mesmo se o seu autor é professor afiliado na FENPROF.

    Porém, na deliberação hoje divulgada no seu site – que apenas é incidente no Polígrafo, em reacção a uma queixa não identificada –, a ERC considera que, apesar de se comprovar que André Pestana foi (mas já não é) militante da Juventude Comunista (JCP), Bloco de Esquerda (BE) e Movimento Alternativa Socialista (MAS), a análise do Polígrafo “não cuida de fundamentar a razão pela qual tais partidos pertencem a um espectro ideológico-partidário de extrema-esquerda”, mais grave por se estar perante um fact checking.

    Polígrafo (e SIC Polígrafo) fizeram fact checking sobre passado de André Pestana, e não tiveram dúvidas em classificar Partido Comunista, Bloco de Esquerda e Movimento Alternativa Socialista como partidos de extrema esquerda. Sem rigor nem fundamentação, concluiu ERC.

    Mesmo dizendo que não cabe a si catalogar os partidos referidos num espectro político, o regulador dos media conclui que “a notícia do Polígrafo aqui visada não logrou comprovar o que sustenta a classificação daqueles partidos políticos [JCP, BE e MAS] como sendo de extrema-esquerda, inexistindo factos no texto que sustentem tal conclusão”, lê-se na deliberação, acrescentando ainda que “ao invés, a total ausência de fundamentação padece não só de rigor informativo, como também parece resultar de uma avaliação subjetiva de quem escreve a notícia e, portanto, não cuidando de demarcar os factos da opinião”.

    O jornal dirigido por Fernando Esteves – que, curiosamente, proíbe os seus colaboradores de serem militantes de partidos e assume não possuir “uma agenda político-ideológica” – ainda argumentou que aquela denominação “não é uma originalidade do Polígrafo”, acrescentando que “há várias esquerdas e que nem sempre é fácil categorizá-las com rigor quase científico”, e defendendo ainda que “não é esse o papel dos jornais”.

    A ERC, contudo, não concordou com essa argumentação, criticando mesmo o Polígrafo por este fact-checker – que tem um poder quase ilimitado no Facebook para tachar publicações como fake news, com repercussões gravosas para os seus autores – promover a simplificação. “A simplificação no discurso, embora atendível em certa medida, não pode fazer perigar o rigor jornalístico, muito menos em trabalhos jornalísticos que se apresentam como verificadores de factos, que, enquanto tal, criam a expetativa de um cumprimento acrescido do dever de rigor”, salienta-se na deliberação do regulador.

    Incómodo com acções do STOP, fora das estruturas sindicais tradicionais, associadas à CGTP e à UGT, são evidente, mesmo no espectro político de esquerda. A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, na sua coluna de opinião na SIC, já “colou” André Pestana a André Ventura, líder do Chega.

    Refira-se que, como facilmente se pode encontrar em trabalhos académicos – que devem ser usados como fonte na verificação de factos –, os partidos de esquerda em Portugal como o PCP, BE e o MAS são classificados como “esquerda radical”, no sentido de ruptura, e não de violência.

    Por exemplo, num artigo científico publicado em 2016 por José Santana Pereira, investigador do Instituto de Ciências Sociais, sobre a esquerda radical no período pós-2009, considera-se a existência de três grupos de partidos de esquerda radical: um formado por PCP e BE, já com décadas de presença no parlamento nacional e europeu; outro formado pelos “novos partidos, criados após a crise das dívidas soberanas (MAS e Livre)”; e um terceiro por “micropartidos de esquerda radical, com décadas de existência e incapacidade reiterada de obter representação”, exemplificando com o maoista PCTP-MRPP, mesmo usando slogans mais virulentos. O uso por académicos de termos como “extrema-esquerda” quase sempre se aplicam em ambientes políticos de violência ou de atitudes não-democráticas.

    Esta é a quarta vez que a ERC considera que o mais conhecido verificador de factos português, o Polígrafo, falha no rigor das suas análises. Nesta deliberação, hoje publicada, o regulador destaca a gravidade da actuação do Polígrafo “por se tratar de conduta reincidente”, remetendo para a deliberação ERC/2021/362 e a deliberação ERC/2021/151.

    Contudo, além destes dois casos, a ERC também já este ano relembrou ao Polígrafo – e, neste caso, também à sua parceira SIC, com quem tem um programa televisivo (Polígrafo SIC) –, “o dever de informar com rigor e isenção”, uma obrigação “ainda mais premente nos conteúdos jornalísticos que têm como missão a verificação dos factos (fact check)”, após queixas dos secretários de Estado da Natureza e Florestas e das Pescas.

    Mas além destes casos, há três anos, por causa da emissão de imagens chocantes sem aviso prévio no Polígrafo SIC, a ERC aplicou mesmo uma multa de 30.000 euros à Impresa. A parte irónica desta coima está no facto de a emissão dessas imagens, ao longo de um minuto e 20 segundos de corpos a boiar, ter servido para corrigir um erro de fact checking: ao contrário do que SIC e Polígrafo tinham dito em programa anterior, aquelas imagens não eram da passagem por Moçambique do furacão Idai em Março de 2019, mas sim de uma outra tragédia ocorrida no Paquistão em 2017.