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  • RTP2 não cumpre mínimos de promoção da língua portuguesa e à terceira leva processo

    RTP2 não cumpre mínimos de promoção da língua portuguesa e à terceira leva processo


    Foi uma vez. Duas vezes. E à terceira vez a ser ignorada, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social achou por bem abrir um processo contra o serviço de programas da RTP por falhar, consecutivamente, os mínimos estabelecidos pela Lei da Televisão para a difusão de programas e obras criativas originalmente de língua portuguesa. As infracções sujeitam a estação pública portuguesa a uma coima que pode ascender aos 150 mil euros. A ser aplicada, o montante será entregue à ERC, regulador do Estado, o accionista da RTP. Fica tudo em casa.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) abriu um processo de contraordenação contra a RTP – Rádio e Televisão de Portugal, por incumprimento das quotas mínimas legais para a difusão de programas e obras criativas originalmente em língua portuguesa por parte da RTP2, durante o ano de 2021.  A decisão, divulgada ontem, consta de uma deliberação aprovada no início deste mês, e é o culminar de sucessivas advertências que caíram em saco roto.

    De modo a salvaguardar e promover a produção lusófona, a Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP) estipula que os serviços de programas televisivos de cobertura nacional devem, por regra, “dedicar pelo menos 50% das suas emissões, com exclusão do tempo consagrado à publicidade, televenda e teletexto, à difusão de programas originariamente em língua portuguesa”. E determina ainda um mínimo de 20% para a “difusão de obras criativas de produção originariamente em língua portuguesa”.

    Porém, no último quadriénio, a RTP2 tem violado de forma reiterada os rácios, motivando vários alertas e recomendações da ERC. O regulador dos media, que avalia anualmente o cumprimento destas obrigações, já havia alertado a RTP2 em 2019 e em 2020.

    Segundo a deliberação, que se debruçou sobre o período de 2021, a última vez que o serviço de programas da RTP2 cumpriu com as percentagens exigidas por lei foi em 2016. O regulador diz que, em 2021, a estação televisiva esteve perto de atingir a percentagem exigida para a difusão de programas em língua portuguesa, alcançando os 48,95%, mas defende que esse é um valor mínimo e não um objectivo a ser alcançado. No mesmo ano, o rácio para as obras criativas produzidas originalmente em língua portuguesa situou-se bastante abaixo dos 20%.

    É preciso recuar até 2017 para encontrar um resultado mais próximo desse patamar: nesse período, a RTP2 atingiu os 19,67%.

    O regulador tem, aliás, sido paciente. Já no seguimento de uma auditoria referente ao ano de 2019, a deliberação da ERC, aprovada em Abril de 2021, advertia o serviço de programas da RTP2 para o “escrupuloso cumprimento das obrigações de promoção da emissão de programas em língua portuguesa, no que diz respeito a emissões originalmente em língua portuguesa e programas criativos originariamente em língua portuguesa”.

    No ano passado, o canal público também foi convidado a pronunciar-se sobre mais uma deliberação da ERC sobre esta matéria, mas nem sequer se deu ao trabalho de comentar.

    A violação da Lei da Televisão em que a RTP incorre, como recorda a ERC, “constitui contraordenação grave, punível com coima de 20.000 euros a 150.000 euros”, que a ser aplicada originará que haja um pagamento de uma verba de uma empresa pública para um regulador do Estado. Fica tudo em casa, provavelmente até ao próximo incumprimento.

  • Graça Freitas reincidente em infracções financeiras: há segunda auditoria a correr no Tribunal de Contas

    Graça Freitas reincidente em infracções financeiras: há segunda auditoria a correr no Tribunal de Contas


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) disse esta tarde que o Tribunal de Contas “ilibou” a sua antiga líder, Graça Freitas, quando, na verdade, foi considerada culpada de infracções financeiras, e apenas lhe terá sido perdoada o pagamento das multas por não ser reincidente. Mas isso já não deverá suceder quando ficar concluída uma segunda auditoria em curso espoletada no ano passado também pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador detectou que, até 2021, as campanhas sobre a pandemia da DGS só destinaram à comunicação social de âmbito regional e local cerca de 755 mil euros (menos de 15% do total), quando deveriam ter recebido pelo menos 1,28 milhões de euros (25% do total). Como assim será reincidente, Graça Freitas só se livra de multa se o processo prescrever. 


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou esta tarde que o Tribunal de Contas “ilibou” a sua anterior líder, Graça Freitas, do pagamento das três multas por incumprimento da Lei da Publicidade Institucional em 2018, através de campanhas publicitárias sobre a vacinação contra a gripe e o sarampo.

    A notícia da aplicação das multas a Graça Freitas, que foram “relevadas” pelo Tribunal de Contas – ou seja, houve um perdão posterior, bem diferente de uma ilibação (libertação da consequência de uma culpa, que ficou comprovada) agora indicada pela DGS – foi feita, em primeira mão, pelo PÁGINA UM no passado dia 12. No entanto, a reacção da DGS sucedeu apenas após hoje o Correio da Manhã ter feito uma manchete sobre o mesmo assunto. O jornal da Cofina não citou a notícia anterior do PÁGINA UM.

    Em 2021, a DGS gastou 5 milhões de euros em publicidade institucional, mas as campanhas ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas.

    A “bondade” do Tribunal de Contas sobre Graça Freitas – libertando-a do pagamento de multas pecuniárias – apenas advém de a inspecção considerar que a infracção financeira ocorreu por negligência e, em simultâneo, se constatar a “ausência de (…) recomendação anterior”, ou seja, Graça Freitas seria infractora primária.

    Porém, o PÁGINA UM sabe que o Tribunal de Contas está, neste momento, a analisar outras campanhas publicitárias da DGS durante a liderança de Graça Freitas, sobretudo nos anos da pandemia. Conforme o PÁGINA UM revelou em Fevereiro do ano passado, a DGS também aí incumpriu gravemente a Lei da Publicidade Institucional em 2020 e 2021. E com montantes muito mais elevados.

    Até finais de 2021, quase 75% do dinheiro total gasto pela DGS em diversas campanhas publicitárias sobre a covid-19 foram absorvidas pelas televisões. Os canais da SIC e da TVI – que posicionaram os seus serviços noticiosos durante a pandemia com uma filosofia claramente alarmista – conseguiram captar um total de 3,11 milhões de euros nos últimos dois anos.

    Este montante representa cerca de 61% dos quase 5,11 milhões de euros disponibilizados pelo gabinete de Graça Freitas para publicidade relacionada com a pandemia. A SIC foi o canal que mais encaixou: 1.609.024,35 euros, seguindo-se a TVI, com 1.230.378,35 euros. O pódio foi também ocupado por um canal por cabo, mas a grande distância: o Correio da Manhã TV teve direito a 557.237,81 euros.

    Graça Freitas beneficiou televisões durante as campanhas publicitárias relacionadas com o combate à covid-19.

    Curiosamente, a TVI 24 – agora transformada em CNN Portugal – recebeu mesmo mais do que a RTP 1. A primeira recebeu 190.004,71 euros, enquanto a segunda 148.721,45 euros. Na altura, não foram divulgados os critérios que presidiram à distribuição da publicidade, mas claramente a DGS preferiu campanhas audiovisuais de âmbito nacional em detrimento de campanhas destinadas à imprensa ou rádio locais e regionais.

    No segmento radiofónico, a Rádio Comercial foi aquela que mais atraiu publicidade sobre a covid-19 (80.817,97 euros), um pouco mais do que o Jornal de Notícias, a publicação da imprensa que liderou nos contratos com a DGS, que recebeu 72.138,76 euros.

    De acordo com um levantamento realizado então pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), a DGS pagou diversos montantes a 284 órgãos de comunicação social para divulgação de mensagens relacionadas com a pandemia, dos quais 139 de imprensa regional, 126 rádios locais, oito títulos de imprensa nacional, sete canais de televisão, três rádios nacionais e uma publicação digital.

    No entanto, apesar da grande quantidade de rádios locais envolvidas (que incluem, por exemplo, a TSF e a Mega 80) e de muitos títulos de imprensa regional, os montantes foram, em alguns casos, completamente irrisórios. Por exemplo, a Rádio Imagem, de Fornos de Algodres, recebeu 121,95 euros da DGS. Um total de 12 rádios ou periódicos regionais receberam menos de 500 euros, e mais 22 receberam entre 500 e 1.000 euros.

    Graça Freitas preferiu campanhas audiovisuais durante a pandemia da covid-19 para transmitir cenas mais impactantes.

    Por via dessa distribuição, a comunicação social de âmbitos regional e local só receberam 755 mil euros (menos de 15% do total), quando deveriam receber pelo menos 1,28 milhões de euros (25%) do total, o que levou a ERC a transmitir, por obrigação legal, este novo incumprimento ao Tribunal de Contas. Aliás, o jornal Público confirmou, também em Fevereiro do ano passado, a informação do envio para o Tribunal de Contas do processo de mais estas irregularidades cometidas por Graça Freitas. Ou seja, a ex-líder da DGS reincidiu.

    Uma vez que, ainda por cima, os montantes destas campanhas em redor da covid-19 foram bastante mais elevados – e em número maior – será inevitável a aplicação a Graça Freitas de sanções, sem qualquer perdão, por estas infracções financeiras que beneficiaram as televisões em prejuízo dos media locais e regionais.

    Com efeito, os juízes já não poderão, desta vez, relevar a “ausência de (…) recomendação anterior” para não a obrigar a pagar as multas. Na verdade, só uma prescrição pode salvar a antiga directora-geral da Saúde, independentemente de se manter um problema crónico na administração pública: o incumprimento da Lei da Publicidade Institucional, beneficiando os canais televisivos.


    N.D. Como se sabe, o PÁGINA UM não tem, por opção, qualquer publicidade, nem institucional nem privada, sendo financiado apenas pelos donativos dos seus leitores, por isso não foi directamente afectado pelas sucessivas infracções cometidas pela antiga director-geral da Saúde relativamente à Lei da Publicidade Institucional.

  • Inferno financeiro: IURD tem empresa de media em falência técnica com dívida colossal de 58 milhões de euros

    Inferno financeiro: IURD tem empresa de media em falência técnica com dívida colossal de 58 milhões de euros


    A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) controla 12 rádios em Portugal, mas através de uma sua holding para os media – a Global Difusion –, presidida pelo seu líder em Portugal, o Bispo Domingos Siqueira. Contudo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não obriga a Global Difusion a mostrar as suas contas, porque a Lei da Transparência só se aplica às empresas directamente gestoras, ou seja, às suas seis subsidiárias que detém, entre outras rádios, a Record FM. Estas subsidiárias acumulam, há anos, prejuízos e vivem de contínuas “injecções” financeiras da casa-mãe. Mas uma investigação do PÁGINA UM revela que a própria empresa de media da IURD está numa situação tenebrosa: uma dívida de longo prazo de 58 milhões de euros e, se consolidado, capitais próprios de 42 milhões de euros… negativos. Ou seja, está em falência técnica. E sem redenção possível. 


    A Global Difusion – uma empresa de media inteiramente detida pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e presidida pelo brasileiro Domingos Siqueira, o líder desta confissão religiosa em Portugal – é dona de 12 rádios locais em Portugal, mas apresenta uma situação financeira aterradora: está em falência técnica com um passivo sob a forma de dívida de longo prazo superior a 58 milhões de euros e um capital próprio negativo de 20,8 milhões. Mas fazendo a consolidação contabilística, o capital próprio ultrapassará os 42 milhões de euros negativos.

    Segundo apurou o PÁGINA UM, os rendimentos de 2022 da Global Difusion, que funciona como uma holding da IURD para a área da comunicação social, foram de apenas 300 mil euros, bem inferiores aos gastos com depreciações e pagamentos de juros da elevada dívida. Por isso, acumulou mais quase 500 mil euros de prejuízo.

    Domingos Siqueira é o líder da IURD em Portugal e preside à Global Difusion desde 2019. A empresa de media da igreja evangélica fundada no Brasil tem, através de subsidiárias, 12 rádios locais, mas não tem de mostrar a sua situação financeira no Portal da Transparência.

    A empresa de media da IURD existe pelo menos desde 2006, estando a ser presidida a partir de 2019 pelo denominado Bispo Domingos, altura em que a sede passou para a Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa. A empresa da IURD tem estado activa a comprar licenças de rádios locais. As últimas aquisições ocorreram em Setembro de 2020, intermediadas pelo Abreu Advogados, com a compra de rádios locais da Figueira da Foz e de Vila do Conde, esta última sob protestos da então presidente da autarquia, Elisa Ferraz.  

    Os indicadores financeiros desta empresa detida a 100% pela IURD – e liderada pelo seu homem-forte em Portugal, conhecido por Bispo Domingos – não são revelados no Portal da Transparência dos Media, como anteontem o PÁGINA UM mencionou quando noticiou que a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) permitiu a confidencialidade de indicadores financeiros da igreja evangélica fundada por Edir Macedo. A ERC veio, entretanto, acrescentar esclarecimentos e disponibilizar afinal os indicadores financeiros daquela igreja evangélica, que não alteram em nada a notícia do PÁGINA UM publicada na sexta-feira passada. Pelo contrário, mais dúvidas suscitam.

    Do ponto de vista formal, a IURD detém apenas a revista Eu era assim, o jornal Folha de Portugal e o canal de televisão Unifé – e é sobre estas que a “isenção” dada pela ERC se aplica. Mas a ERC nunca exigiu informação financeira à Global Difusion, detida a 100% pela IURD, porque esta é a proprietária directa das rádios, mas antes a dona de seis empresas radiofónicas, que, em conjunto gerem 12 rádios: a Horizontes Planos – Informação e Comunicação, Unipessoal, Lda.; a R.T.A. – Sociedade de Radiodifusão e Telecomunicação de Albufeira, Unipessoal, Lda.; a Record FM – Sociedade de Meios Audiovisuais de Sintra, Unipessoal, Lda.; a Rádio Clube de Gaia – Serviço Local de Radiodifusão Sonora, SA; a Rádio Pernes, Lda.; e a Rádio Sem Fronteiras – Sociedade de Radiodifusão, SA.

    A Record FM é uma das 12 rádios controladas pela Global Difusion, através de uma subsidiária da empresa de media da IURD.

    E é na análise da situação financeira de cada uma das seis subsidiárias da empresa liderada pelo homem-forte da IURD em Portugal que o inferno financeiro da Global Difusion melhor se expressa. Um desastre absoluto. Com efeito, todas estas seis empresas radiofónicas – que são “caixas de ressonância” evangélicas da IURD – apresentam o mesmo perfil: capitais próprios negativos, passivo elevado e, pior ainda, têm como principal detentor da dívida a própria casa-mãe, a Global Difusion.

    No caso da Horizontes Planos – que gere as rádios Antena Sul Rádio Jornal e a Antena Sul Almodôvar –, as receitas do ano passado foram inferiores a seis mil euros e o capital próprio já é negativo em cerca de 323 mil euros, com o passivo a ultrapassar os 602 mil euros. Deste montante, 550.464 euros (91,37% do total) é de dívida à própria Global Difusion. No ano passado, o prejuízo foi de 105.164 euros.

    Por sua vez, a R.T.A. – a empresa detentora da rádio Kiss FM, de Albufeira, e da Record Algarve – registou rendimentos em 2022 superiores (267.051 euros), mas mesmo assim não deu para fugir a um prejuízo de quase 16 mil euros. Esta empresa tem, actualmente, um capital próprio negativo de quase 333 mil euros e o passivo ascende aos 837 mil euros, dos quais 88,27% são de dívida à casa-mãe, a empresa detida pela IURD. Ou seja, um pouco menos de 740 mil euros.

    Global Difusion tem sede na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa.

    A Record FM – que gere a rádio com a mesma denominação, bem como a Maiorca FM e a Record Leiria – teve no ano passado rendimentos baixos (apenas 23 mil euros), mas prejuízos elevados (um pouco mais de 191 mil euros). Isso foi agravar ainda mais o capital próprio, que agora está com um valor negativo de mais de 649 mil euros, enquanto o passivo é de quase 943 mil euros. Deste montante de dívida, a Global Difusion é credora de 98%, ou seja, de cerca de 924 mil euros.

    A situação financeira da empresa Rádio Clube de Gaia, que gere a rádio Record Porto, é a pior das seis empresas controladas pelo bispo Domingos Siqueira, pois tem um capital próprio negativo de quase 1,4 milhões de euros e um passivo que já ultrapassa os 1,6 milhões de euros, dos quais 94,5% constitui dívida à própria casa-mãe. No ano passado, os rendimentos não chegaram sequer aos 19 mil euros e o prejuízo foi superior a 188 mil euros.

    Não muito melhor – ou menos pior – está a situação financeira da Rádio Sem Fronteiras, que gere a Rádio Positiva e a Rádio Linear: capital próprio negativo de cerca de 382 mil euros e um passivo de superior a 1,1 milhões de euros, dos quais 99% constituem dívida à Global Difusion. No ano passado teve um rendimento de pouco mais de sete mil euros e um prejuízo de quase 188 mil euros.

    Domingos Siqueira durante uma recente visita à Alemanha. Em Portugal, com a sua mulher Núbia, tem um podcast com empolgantes mensagens motivacionais, que já conta 125 episódios.

    Por fim, a empresa Rádio Pernes, que gere a Record Santarém, não teve praticamente receitas no ano passado (apenas 3.526 euros), mas acumulou um prejuízo acima dos 142 mil. O capital próprio negativo é já superior a 195 mil euros e o passivo está quase a atingir os 437 mil, dos quais 90,44% constitui dívida à Global Difusion.

    Em suma, além de todas as 12 rádios mostrarem a debilidade de um moribundo, o facto de os passivos serem sobretudo detidos pela Global Difusion (a casa-mãe) acaba por tornar a situação financeira da empresa da IURD ainda mais tenebrosa.

    Com efeito, num processo de consolidação contabilística das suas contas – em que se subtrairá quer as participações financeiras (16 milhões de euros) quer parte do montante da rubrica “outras contas a receber” (cerca de 5,3 milhões de euros, que constituem o crédito sobre as dívidas que as seis subsidiárias lhe têm) –, o activo da Global Difusion passará de cerca de 37,3 milhões de euros para apenas 16 milhões de euros.

    IURD apresentou no ano passado um lucro de 7,7 milhões de euros e tem um capital próprio de 169 milhões de euros, mas se tivesse de consolidar as contas com a Global Difusion levaria um rombo financeiro de 42 milhões de euros.

    Deste modo, como o passivo se mantém, designadamente as dívidas de longo prazo (58 milhões de euros), o capital próprio desta empresa de media da IURD terá então um valor negativo superior a 42 milhões de euros, em vez dos 20,8 milhões de euros indicados nas contas individuais.

    Por outro lado, nos registos contabilísticos a que o PÁGINA UM teve acesso, consta uma nota da Certificação Legal das Contas (CLC) destacando que a Global Difusion “tem refletido no seu Ativo, na rubrica de Outros Créditos a Receber, o montante de 4.250.000,00 Euros, referente a out[r]os devedores aos quais não podemos aferir sobre a sua recuperabilidade, pelo que não nos é possível quantificar os eventuais efeitos desta situação nas demonstrações financeiras”. Ou seja, serão certamente valores que terão de ser assumidos como perdas e reflectidos como prejuízos em próximos anos, e abatido ao activo.

    Uma situação financeira virtualmente impossível de purgar. Ou a caminho não da redenção mas da insolvência.

  • Absurdo: ERC “corrige” registo da IURD a um sábado, colocando afinal todos os indicadores financeiros

    Absurdo: ERC “corrige” registo da IURD a um sábado, colocando afinal todos os indicadores financeiros


    O PÁGINA UM revelou, na sexta-feira, que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concedera à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) a confidencialidade a indicadores financeiros através de uma deliberação de 30 de Agosto. Ontem de manhã, esses indicadores continuavam sem números. Entretanto, a ERC veio dizer, em esclarecimentos ao PÁGINA UM, que a confidencialidade se aplicava a outra informação, que recusou especificar, e que os dados financeiros seriam revelados após uma “sincronização regular”. Mas pela noite deste sábado, a ERC acabou por introduzir os dados financeiros da IURD, não comunicando publicamente os contornos da sua acção, numa clara tentativa de retirar veracidade à notícia do PÁGINA UM. Porém, existem registos inequívocos.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) colocou ontem à noite no Portal da Transparência dos Media todos os indicadores financeiros de 2022 relativos à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no seguimento de uma notícia do PÁGINA UM de sexta-feira passada. Nessa notícia destacava-se uma deliberação daquele regulador dos media, aprovada no passado dia 30 de Agosto, que isentava aquela entidade religiosa de disponibilizar “dados de reporte obrigatório”, entre os quais elementos constantes do seu relatório e contas.

    Conforme constatado nesta sexta-feira (às 17:18 horas) e ainda ontem à tarde (às 13:28 horas) pelo PÁGINA UM, em consulta ao Portal da Transparência – mais de duas semanas depois da aprovação da deliberação – verificava-se que para os diversos indicadores financeiros relativos à IURD para o ano de 2022 se mantinha a referência “pedido de confidencialidade em apreciação”, ou seja, os dados continuavam sob segredo.

    Sede da IURD, em Lisboa. A igreja evangélica quis esconder dados financeiros.

    Saliente-se que a Lei da Transparência dos Media impõe, desde 2017, o reporte obrigatório da titularidade, do relatório do governo societário e dos diversos fluxos financeiros, entre os quais o activo, o capital próprio, o passivo, os rendimentos, os resultados operacionais, os resultados líquidos e ainda a referência aos clientes e aos detentores do passivo mais relevantes (acima dos 10%).

    Na deliberação da ERC, aprovada em 30 de Agosto, não se faz qualquer referência aos elementos sobre os quais a IURD pediu escusa, mas esta entidade cristã evangélica e neopentecostal garantidamente terá solicitado a não divulgação dos indicadores financeiros, até porque o PÁGINA UM tem conhecimento do funcionamento do backoffice para submissão dos registos no Portal da Transparência e de como o regulador trata dos assuntos.

    [N.D. A empresa gestora, Página Um, Lda., por motivos de cumprimento das obrigações legais, tem acesso ao backoffice de submissão dos registos no Portal da Transparência, onde há a possibilidade endereçar um documento para fundamentar o pedido de confidencialidade. Aliás, em Novembro do ano passado, o PÁGINA UM obteve uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos pedidos de confidencialidade à ERC, mas o regulador não se conformou à ideia de transparência e recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul, aguardando-se ainda o acórdão.]

    Membros do Conselho Regulador determinaram que os seus funcionários não trabalhassem às sextas-feiras à tarde, mas ontem à tarde, num sábado, alguém fez horas extraordinárias para tentar “desacreditar” uma notícia do PÁGINA UM.

    No texto daquela deliberação sobre o pedido de confidencialidade da IURD, a ERC decidiu – e sem base legal para esse comportamento – ser obscurantista. O regulador apenas escreveu que, “estando em causa um pedido de confidencialidade, a fundamentação oferecida pela Requerente, e a respetiva análise e fundamentação da ERC, são consideradas de acesso reservado, atendendo a que é suscitado um interesse fundamental [não identificado] do Requerente, que, sendo por natureza sensível e sigiloso, diz respeito especificamente à sua condição e circunstância”, concluindo que “nestes termos, considera-se que essa fundamentação, bem como a correspondente análise da ERC, devem apenas ser do conhecimento dos interessados, sendo circunscrita aos documentos de análise constantes do processo, para os quais se remete”.

    Ontem à tarde, pelas 13:17 horas, fonte oficial da ERC enviou, voluntariamente, um esclarecimento ao PÁGINA UM referindo que “os dados financeiros da IURD não são confidenciais”, aditando que “estes dados só não estão ainda públicos, por se estar a aguardar a sincronização regular do Portal”, não tendo explicado que processo de sincronização se tratava.

    A mesma fonte prometia ainda que “logo que ocorra essa sincronização ficarão consultáveis”, acrescentando por fim que “o que é confidencial é outro tipo de informação”, não adiantando qual.

    PÁGINA UM arquivou, em versão inalterável no archive.today, os registos dos indicadores financeiros da IURD no Portal da Transparência dos Media nos últimos dias, fazendo um shot poucas horas antes de uma furtiva alteração da ERC.

    Tendo o PÁGINA UM pedido à ERC, pelas 15:14 horas de ontem, que identificasse então quais os elementos que seriam considerados confidenciais e quais aqueles que não seriam, a mesma fonte do regulador informou, pelas 21:10 horas de ontem, que “os dados financeiros da IURD estão todos públicos neste momento, após já se ter verificado a sincronização do Portal da Transparência”.

    Após a leitura da mensagem da ERC, o PÁGINA UM consultou de novo, pelas 23:19 horas de ontem, o registo da IURD no Portal da Transparência, tendo então confirmado que já aí constavam os indicadores financeiros de 2022. Ou seja, durante a tarde de ontem – portanto, num fim-de-semana, algo ainda mais extraordinário por essa entidade estar encerrada às sextas-feiras à tarde –, os serviços da ERC fizeram horas extraordinárias de “sincronização”. Coloca-se a palavra sincronização entre aspas porque simplesmente apenas foram introduzidos dados no portal.

    [N.D. A alteração executada pelos serviços da ERC no registo da IURD no Portal da Transparência dos Media pode ser confirmada AQUI, ou seja, pela observação dos três registos do archive.today accionados pelo PÁGINA UM na sexta-feira (uma vez] e sábado (duas vezes), sendo que o terceiro shot, em comparação com os dois anteriores, prova a modificação feita este sábado]

    Nos dados agora consultáveis pelo público, constata-se que a IURD registou no ano passado rendimentos no valor de 35,6 milhões de euros, um crescimento de quase 12% face a 2021, tendo os lucros superado os 7,7 milhões de euros, um acréscimo de 25% em comparação com o exercício anterior.

    Indicadores financeiros (em euros) da Igreja Universal do Reino de Deus desde 2017 e agora até 2022. Fonte: Portal da Transparência dos Media / ERC

    As maiores novidades destes registos acabam por ser a identificação do Millennium como detentor de 15% do passivo da IURD – o que significa a existência de uma dívida a este banco no valor de quase 2,3 milhões de euros – e sobretudo de dois clientes relevantes: a Gamobar (com 36% do total dos rendimentos) e a Soauto VGRP (com 16% do total dos rendimentos).

    A inclusão destes dois clientes (ou eventuais doadores) relevantes em 2022 – no caso da Gamobar já surgia em anos anteriores – é um mistério, porque ambas são concessionárias automóveis. A Gamobar foi adquirida em 2021 pelo Grupo Salvador Caetano, enquanto a Soauto VRGP pertence à Porsche Holding Salzurg desde 2019.

    Tendo em conta que os montantes registados no Portal da Transparência dos Media dos rendimentos do ano passado da IURD são, em termos absolutos, muitos elevados (35,6 milhões de euros), o peso da Gamobar e da Soauto seria, a confirmar-se, extraordinariamente significativos: 12,8 milhões e 6,4 milhões de euros, respectivamente.

    Registo dos indicadores (ausentes) financeiros da IURD no início da tarde de sábado no Portal da Transparência dos Media [à esquerda] e registo alterado pela ERC na noite de sábado [à direita]

    O PÁGINA UM pediu, por isso, esclarecimentos adicionais às duas empresas e à IURD para conhecer melhor as relações comerciais que justificam estes montantes, aguardando respostas.

    Saliente-se, por fim, que a ERC enviou os esclarecimentos ao PÁGINA UM e procedeu, furtivamente, à alteração do registo da IURD, num sábado, sem fazer qualquer nota pública explicativa do seu procedimento, nomeadamente no seu site. Caso o PÁGINA UM não tivesse, por prudência, arquivado os registos no Archive.info, poder-se-ia julgar, com este procedimento do regulador dos media, que a notícia da sexta-feira passada era falsa, uma invenção.

    [N.D. Leia AQUI o editorial do PÁGINA UM sobre o(s) comportamento(s) da ERC em relação ao PÁGINA UM]

  • ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação

    ERC dá confidencialidade financeira à Igreja Universal do Reino de Deus. E esconde justificação


    Faz lembrar o Evangelho segundo São Mateus: “Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir”. A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – que em Portugal detém directamente uma revista, um jornal e um canal televisivo – pediu e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) logo lhe abriu a porta, ou melhor, permitiu que aquela igreja evangélica fechasse, a partir de agora, as suas contas a olhos indiscretos no Portal da Transparência dos Media. Antes desta decisão, sabia-se que a IURD registara um lucro acumulado de quase 43 milhões de euros entre 2017 e 2021. Na sua deliberação, o regulador não revela os motivos do pedido nem justifica a razão do deferimento, considerando essa informação secreta. O PÁGINA UM não tem tido acesso a esses documentos porque a ERC recorreu de uma sentença que lhe foi desfavorável, alimentando assim o obscurantismo neste sector. 


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) permitiu, em deliberação tomada a 30 de Agosto, que a Igreja Universal do Reino de Deus passasse a esconder informação financeira no Portal da Transparência dos Media.

    Tal como a generalidade das entidades que detêm órgãos de comunicação social – independentemente de serem informativos ou doutrinários –, a IURD divulgou diversos indicadores financeiros entre 2017 e 2021, entre os quais o activo, o capital próprio, o passivo, o rendimento e o resultado líquido (lucro ou prejuízo). Com a autorização da ERC, a IURD deixou assim de o fazer assim relativamente ao relatório e contas de 2022.

    IURD detém directamente três órgãos de comunicação social de Portugal e é dona de outra que integra mais seis. Está associada à Rede Record, um conglomerado de media brasileiro detido por Edir Macedo.

    De acordo com os registo de 2021, consultados pelo PÁGINA UM, a IURD detinha então activos de quase 170 milhões de euros – a título de exemplo, a Cofina, o maior grupo com actividade exclusiva na imprensa tem activos de 105 milhões de euros – e obteve um lucro de 6,2 milhões de euros. Entre os anos de 2017 e 2021, a IURD apresentou lucros acumulados de 42.986.198 euros.

    Além da sua actividade religiosa, a IURD detém directamente três órgãos de comunicação social registados na ERC: uma revista e um jornal, ambos de periodicidade mensal, e ainda um canal de televisão a Unifé TV.

    A revista (Eu era assim, com o registo nº 127685) é gratuita, tendo no mês passado sido lançada a sua 19ª edição. Por sua vez, o jornal Folha de Portugal, com o registo nº 127340, também de distribuição gratuita, conta 56 números. De acordo com o estatuto editorial disponível no site da IURD, este jornal “é um periódico de 12 páginas e com uma tiragem de 30.000 exemplares, apresenta uma área de distribuição muito abrangente, que compreende não só Portugal Continental e as Ilhas, como, pontualmente, alguns países da Europa, como o Luxemburgo, a França e a Suíça”.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social gere a transparência escondendo justificação para conceder regimes de excepção.

    Por fim, o canal de televisão Unifé, com o registo nº 523418, foi lançado em 30 de Agosto do ano passado, e visa a “divulgação de conteúdos religiosos enquadrados nas crenças e nos cultos da IURD”, bem como “da obra social da IURD e das entidades religiosas” Segundo a autorização da ERC para o funcionamento deste canal, a IURD previa um prejuízo anual de 500 mil euros por ano ao longo da primeira década de funcionamento.

    Este canal não tem ligação directa à Rede Record, que é um colosso comunicacional no Brasil, também presente em Portugal, embora seja detido por Edir Macedo, o fundador da IURD. No caso da empresa estabelecida em Portugal – a Rede Record de Televisão Europa –, o accionista principal é a holding Aion Future, que tem como principal sócio Marcelo Cardoso (69%), um bispo da IURD muito próximo de Edir Macedo.  

    De forma indirecta, a IURD também controla completamente, como dona da Global Difusion, mais seis empresas registadas na ERC: Horizontes Plano, R.T.A., Record FM, Rádio Clube de Gaia, Rádio Pernes e Rádio Sem Fronteiras a Rádio Positiva. Apesar de ter um capital social de 500 mil euros, nos registos da ERC não constam quaisquer dados financeiros para qualquer ano.

    Indicadores financeiros (em euros) conhecidos da Igreja Universal do Reino de Deus entre 2017 e 2021. Fonte: Portal da Transparência dos Media / ERC

    Na deliberação que agora isenta a IURD de apresentar as suas contas no Portal da Transparência, a ERC – que, neste momento, tem um conselho em gestão, apenas com três dos cinco membros em função, após o falecimento de Mário Mesquita e a demissão de Sebastião Póvoas – não apresenta os motivos do pedido nem tão-pouco justifica a concessão dessa excepção, que na prática cria um regime de excepção sem justificação para se esconder dados financeiros de uma entidade gestora de órgãos de comunicação social. Algo que contraria o espírito de uma lei da Assembleia da República de 2015.

    O regulador apenas diz que “estando em causa um pedido de confidencialidade, a fundamentação oferecida pela Requerente, e a respetiva análise e fundamentação da ERC, são consideradas de acesso reservado, atendendo a que é suscitado um interesse fundamental [não identificado] do Requerente, que, sendo por natureza sensível e sigiloso, diz respeito especificamente à sua condição e circunstância”, concluindo que “nestes termos, considera-se que essa fundamentação, bem como a correspondente análise da ERC, devem apenas ser do conhecimento dos interessados, sendo circunscrita aos documentos de análise constantes do processo, para os quais se remete”.

    Recorde-se que por causa desta postura obscurantista do regulador dos media – que lhe permite tomar decisões arbitrárias para benefícios de terceiros em matérias paradoxalmente de transparência –, o PÁGINA UM intentou no ano passado uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos processos de pedido de confidencialidade.

    Em 8 de Novembro do ano passado, uma sentença favorável ao PÁGINA UM determinou que, no caso dos processos concluídos, a ERC deveria entregar os documentos apenas expurgados de dados pessoais ou que revelassem segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna das empresas. A juíza do caso ameaçou mesmo o presidente da ERC de uma sanção pecuniária compulsória se não disponibilizasse os documentos ao PÁGINA UM no prazo de 10 dias, mas o regulador decidiu recorrer, com carácter suspensivo, para o Tribunal Central Administrativo Sul, estando ainda a aguardar-se o acórdão.

    Em todo o caso, desde final do ano passado, o regulador passou a tomar as decisões através de deliberações, sendo esta da IURD a primeira que foi concedido o benefício de esconder dados económicos. Por exemplo, em 2022 a empresa gestora da TVI e da CNN Portugal – a TVI – Televisão Independente – tentou obter junto da ERC o mesmo que agora a IURD conseguiu. Levou com um indeferimento. Talvez por “falta de fé”…

  • Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias

    Graça Freitas multada pelo Tribunal de Contas por beneficiar media nacionais em campanhas publicitárias


    Em três campanhas publicitárias desenvolvidas em 2018, a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, violou a Lei da Publicidade Institucional do Estado, que obriga a que se destine pelo menos 25% do custo total de uma campanha estatal aos órgãos de comunicação social regionais e locais. As três multas podem chegar até aos 55 mil euros (e o mínimo será de 7.650 euros), mas a probabilidade de prescrição é elevada por os casos serem anteriores à pandemia. A par com a Direcção-Geral da Saúde (DGS), o Tribunal de Contas detectou também infracções similares em campanhas de outras entidades públicas, entre as quais se destacam a Agência para a Modernização Administrativa, o Instituto da Segurança Social, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes e a Força Aérea. 


    Os casos remontam a 2018, mas a “justiça”, lenta e a passo de caracol, chegou agora em 2023. Três campanha publicitárias da Direcção-Geral da Saúde (DGS), no âmbito da vacinação contra a gripe e o sarampo, envolvendo um montante global superior a 318 mil euros, privilegiaram órgãos de comunicação social em detrimento da imprensa local e regional, e foram denunciadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ao Tribunal de Contas (TdC). E agora, só no mês passado, a “factura” chegou: a ex-directora-geral da Saúde, Graça Freitas, foi multada a título pessoal por três infracções com um mínimo de 25 unidades de conta (UC). cada uma, e um máximo de 180 UC, cada.

    Independentemente de já não ocupar o cargo, Graça Freitas está sujeita a ter de desembolsar, contas feitas, entre 7.650 euros e 55.080 euros. Embora estes casos prescrevam ao fim de cinco anos, a intervenção do TdC suspendeu os prazos.

    Campanha publicitária da DGS em 2018 a favor da vacinação da gripe não cumpriu a lei, e Graça Freitas foi agora multada pelo Tribunal de Contas.

    De acordo com o relatório nº 11/2023 de auditoria ao cumprimento dos deveres legais nas Campanhas de Publicidade Institucional do Estado, o TdC entendeu que a DGS não cumpriu com a obrigação legal de destinar aos órgãos de comunicação social regionais ou locais um mínimo de 25% do valor global, incorrendo assim em “infracção financeira sancionatória”, que é da responsabilidade não da instituição mas dos gestores que autorizaram esse procedimento. Além disso, o TdC afirma ainda que a DGS não comunicou à ERC a aquisição dos espaços publicitários dentro do prazo legal de 15 dias após a realização dos contratos.

    A DGS não foi a única entidade fiscalizada após denúncia da ERC. Também os gestores da Agência para a Modernização Administrativa (um processo), o Instituto da Segurança Social (dois processos), o Instituto da Mobilidade e dos Transportes (um processo), a Empresa Portuguesa das Águas Livres (dois processos), o Instituto dos Registos e Notariado (um processo) e a Força Aérea (um processo) foram alvo da atenção do TdC, tendo havido, com excepção desta última entidade, a indicação de sanções.

    Note-se, porém, que este relatório do TdC tem várias partes rasuradas, alegadamente por normativos legais, não sendo possível uma leitura integral.

    Em 2021, a DGS gastou 5 milhões de euros em publicidade institucional, mas as campanhas ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas.

    Este é apenas mais um caso que confirma que, ano após ano, a comunicação social regional e local tem sido preterida em benefício das maiores empresas de media, sobretudo de televisão, na distribuição da publicidade estatal, sendo este já um problema “endémico”. No relatório anual da ERC sobre a publicidade estatal em 2022, o regulador dos media havia registado cinco casos similares.

    No entanto, foi em 2021, devido à pandemia de covid-19, que se registou um “pico” das campanhas publicitárias, onde se destacou a DGS, que nesse ano gastou mais de 5 milhões de euros. Naquele ano, aliás, bateu-se um recorde absoluto no investimento estatal em publicidade para a comunicação social, ultrapassando-se a fasquia dos 12,5 milhões de euros, dos quais 3,09 milhões para órgãos de comunicação social regional e local. No ano anterior tinha sido de apenas 2 milhões de euros.

    Segundo o último relatório da ERC, ao longo de 2022, os institutos públicos e as entidades que integram o setor empresarial do Estado comunicaram a realização de 112 campanhas publicitárias, no montante global de quase 6,5 milhões de euros, o que representou um decréscimo de quase metade do montante distribuído em 2021. .

    A verba destinada aos órgãos de comunicação social regionais e locais cumpriu a lei, atingindo cerca de 2,4 milhões de euros, correspondendo a quase 37% do total investido na aquisição de espaços publicitários.

    A distribuição irregular de verbas de publicidade institucional, beneficiando os grandes órgãos de comunicação social de âmbito nacional em detrimento da imprensa local e regional, tem causado um crónico mal-estar no sector.

    A Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa), que agrega cerca de 450 sócios, entre grandes empresas nacionais e empresas de menor dimensão, aponta lacunas na Lei da Publicidade Institucional, criada em 2015, uma das quais é “a exclusão de dever de cumprimento de algumas entidades públicas”, como a Caixa Geral de Depósitos ou das instituições de ensino superior, “que todos os anos investem milhares de euros em publicidade institucional.”

    Além disso, o organismo agora presidido por Cláudia Maia lamentou ao PÁGINA UM que “a Lei não prevê sanções verdadeiramente a quem infringe as regras sobre a distribuição à Imprensa Regional”, algo que, adianta, se mostra “particularmente grave porque, ano após ano, tem lesado os órgãos de comunicação social regional e local em muitos milhares de euros.”

    Por outro lado, a APImprensa diz que, em muitos casos, a publicidade institucional é intermediada por agências que “selecionam os órgãos de comunicação social pelos quais distribuem as verbas, o que pouca abona a favor da transparência e da diversidade”, acusando que “são quase sempre os mesmos a receber as campanhas”. E diz ainda que “os valores apresentados nos relatórios da ERC não incluem as comissões das agências, o que faz com que, na maioria dos casos, os valores apresentados como tendo sido atribuídos aos órgãos de comunicação social regionais não correspondam ao que estes efetivamente receberam”, podendo até ser “menos de metade do anunciado”.

    A APImprensa defende, por isso, “uma revisão e clarificação urgente da Lei”, que inclua o direito de “acesso às campanhas reportadas na Plataforma Digital da Publicidade Institucional do Estado, de forma a poder monitorizar e reportar eventuais abusos ou desvios ao que está definido na Lei da Publicidade Institucional do Estado.”

    Adicionalmente, a APImprensa entende que “a ERC deveria ter uma postura mais proactiva e fiscalizadora junto das entidades promotoras, não se limitando a elaborar relatórios sobre o estado da nação no que diz respeito à distribuição da publicidade institucional.”

  • Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

    Expresso organiza conferência sobre desinformação… e não informa que foi paga pelo INATEL

    É mais um caso de promiscuidade e sobretudo de falta de transparência. Mas desta vez com uma dose de ironia: em Julho, no âmbito das comemorações dos 50 anos, o jornal Expresso “esqueceu-se” de informar que um debate sobre desinformação foi pago pelo anfitrião, a Fundação Inatel, sob a forma de contrato de prestação de serviços, que surgiu na semana passada no Portal Base. O presidente do INATEL foi também um dos oradores. Mas este não foi o único caso de dinheiros públicos em eventos que o Expresso assumiu só ter patrocinadores privados. Saiba quem foram os autarcas que, a troco de dinheiro, tiveram a sua imagem promovida no Expresso, de mão dada (ou de tuk-tuk) com o seu director.


    Não se pode dizer que não houve oportunidade. No passado mês de Julho, por três vezes nas suas páginas virtuais e uma vez na edição em papel do dia 21, no seu caderno semanal de Economia, o Expresso destacou um debate em Évora assaz oportuno: “inteligência artificial e desinformação”. Mas em nenhuma dessas oportunidades de um debate sobre desinformação, o jornal do Grupo Impresa deu a informação aos seus leitores de que a Fundação INATEL – instituição tutelada pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social – pagou 19.500 euros para a realização do evento.

    Apesar do INATEL ter a sua actividade focada em actividades de ocupação de tempos livres – gerindo também 17 unidades hoteleiras, um parque de jogos, vários pavilhões desportivos e o Teatro Trindade, em Lisboa –, o Expresso também incluiu na lista de participantes deste debate sobre desinformação o presidente daquela instituição, Francisco Madelino, que está longe de ser especialista em inteligência artificial ou desinformação. Presidente da Fundação INATEL desde Janeiro de 2016, Madelino é sim especialista em teoria económica e Economia portuguesa e europeia, tendo sido presidente do Instituto de Políticas Públicas e Sociais do ISCTE. A sua presença ter-se-á devido, assim, não apenas ao financiamento do evento como também à cedência do espaço, o Palácio do Barrocal, sede naquela cidade alentejana.

    Comemorações dos 50 anos do Expresso: o jornal “esqueceu-se” de informar os leitores que não havia só patrocinadores privados. Também houve dinheiros públicos.

    Não se pode, porém, provar documentalmente que a presença de Francisco Madelino tenha sido uma contrapartida do pagamento da verba, porque o contrato por ajuste directo foi feito sem qualquer papel.

    De acordo com o Portal Base, o contrato para “aquisição de serviços para organização da iniciativa da Conferência Inteligência Artificial e Desinformação: os novos desafios para a opinião Pública” (sic) – com data de 11 de Julho, dois dias antes do evento, mas apenas publicado há uma semana – não foi reduzido a escrito.

    As duas entidades recorreram, para tal, a um regime de excepção previsto no Código dos Contratos Públicos que possibilita que nada seja assumido por escrito se se considerar que “o fornecimento dos bens ou a prestação dos serviços (…) ocorrer integralmente no prazo máximo de 20 dias a contar da data em que o adjudicatário comprove a prestação da caução ou, se esta não for exigida, da data da notificação da adjudicação”, “a relação contratual se exting[ue] com o fornecimento dos bens ou com a prestação dos serviços” e “o contrato não esteja sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas”.

    Expresso fez extensa cobertura do evento pago pela Fundação INATEL, nunca referindo que o apoio foi financeiro, envolvendo também convite ao presidente desta instituição tutelada pelo Governo.

    Mas essa, saliente-se, é uma opção das partes envolvidas. As empresas de media – cujos jornalistas muitas vezes criticam a existência de contratos por ajuste directo por entidades públicas – têm, contudo, estabelecido nos últimos tempos diversos contratos desta natureza: ajustes directos e muitos até sem acordo escrito.

    Num artigo de antecipação ao debate – curiosamente com a data em que se estabeleceu o contrato, o que denota que já havia uma combinação prévia –, a jornalista do Expresso, Marina Almeida (CP 1753), nunca faz referência ao financiamento do INATEL, apenas revelando, além do tema e participantes, que a iniciativa é conjunta (Expresso e Fundação INATEL) e que “a abertura dos trabalhos estará a cargo de Francisco Madelino, Presidente do INATEL”.

    Um dia depois do debate, a mesma jornalista Marina Almeida publicou um texto no Expresso, de cobertura do evento, e faz três referências ao INATEL: duas destacando ter sido a entidade que “acolheu” o debate, e outra para citar um chavão do presidente Francisco Madelino: “sem informação livre não há democracia”.

    Evento foi divulgado pelo INATEL como sendo uma parceria, ou seja, sem referência a qualquer pagamento.

    O título do artigo assinado pela jornalista Marina Almeida – numa estranha secção denominada “Iniciativas e Produtos” – acaba por ser algo irónico neste contexto: “Nas notas de rodapé está uma das armas contra a desinformação”, porque nem em nota de rodapé surge a referência a um evento pago por um dos intervenientes, e ainda mais com o director do jornal que presta o serviço em pessoa.

    A jornalista do Expresso também cita o seu director, João Vieira Pereira, salientando que focou a sua intervenção nas práticas jornalísticas, salientando que o responsável editorial do jornal “disse que os jornalistas são especialistas em desinformação, e que lidam em permanência com fontes que têm agendas”.

    Mais adiante, acrescenta que “o diretor do Expresso referiu ainda que há vários órgãos de comunicação social em Portugal com uma situação frágil, e isso também coloca em risco a democracia”, e cita João Vieira Pereira: “tem de haver uma reflexão não política sobre como financiar os órgãos de comunicação social”. Não consta que tenha havido reflexão sobre questões éticas relativas a um evento sobre desinformação ser pago pelo anfitrião (INATEL) sem que nenhuma informação surja sobre esse pagamento.

    Quatro dias mais tarde, o Expresso destacou também declarações de todos os intervenientes no debate, com excepção de João Vieira Pereira: além de Francisco Madelino e do colunista Henrique Raposo, também foram gravados em vídeo os depoimentos de Manuel Carvalho da Silva, ex-homem forte da CGTP e investigador da Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, de um especialista em marketing (Gustavo Miller) e do director-geral da GFK Metris (António Gomes).

    E, por fim, a quarta referência ao evento pago pela Fundação INATEL sobre desinformação surgiu em papel, no dia 21 de Julho, no caderno de Economia, na ambígua secção de Projetos Expresso, já alvo de análise crítica da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que resultou no levantamento de um processo de contra-ordenação em curso. Neste texto, igualmente assinado pela jornalista Marina Almeida, a Fundação INATEL surge como entidade que concedeu “apoio” – sem referência a pagamento – de um roadshow de conferências e exposições associadas às comemorações dos 50 anos do Expresso. E com financiamento público.

    Com efeito, a exposição Expresso 50 anos, acompanhada também por debates, percorreu as capitais de distrito, naquilo que o jornal afirmava servir como “convite à leitura, à celebração do jornalismo, e à descoberta da história”, sendo então inicialmente apontadas como patrocinadores as empresas Altice, BPI, Hyundai, JC Decaux e Navigator, para além da Antarte, que produzia um banco de jardim para marcar o evento. Explicitamente, não surge na lista nenhuma entidade pública.

    João Vieira Pereira, director do Expresso desde 2019. Até de tuk-tuk andou com autarcas,

    Porém, também aqui o Expresso não informou os seus leitores com a verdade – ou seja, houve desinformação. De acordo com um levantamento do PÁGINA UM ao Portal Base, o Expresso fez pelo menos contratos com as autarquias da Guarda, Viana do Castelo e Leiria no âmbito das suas comemorações, tendo como contrapartida implícita e explícita a exposição mediática do presidente da câmara que concedeu apoio financeiro.

    No caso de Leiria, o contrato foi assinado em Fevereiro deste ano, no total de 14.950 euros, e refere-se a uma prestação de serviços com vista à publicação do município na edição dos 50 anos do Jornal Expresso”. O evento ocorreu porém apenas no passado dia 1 de Junho, sendo a jornalista Marina Almeida a “prestadora de serviços”, que cobriu a inauguração da exposição com direito a três fotografias do director do Expresso sempre ao lado do presidente da edilidade, o socialista Gonçalo Lopes.

    Em Março, para ter também a presença de Francisco Pinto Balsemão e João Vieira Pereira, o município da Guarda desembolsou 18.500 euros para que o seu presidente, Sérgio Costa (sem filiação partidária), tivesse uma conferência e uma notícia no Expresso sobre o evento com direito a foto ao lado do seu fundador. O contrato não foi redigido a escrito.

    Luís Nobre (à esquerda), presidente da autarquia de Viana do Castelo, pagou 19.800 euros por uma publirreportagem no Expresso, feita por uma jornalista, como contrapartida da exposição comemorativa dos 50 anos do jornal dirigido por João Vieira Pereira (à direita)

    Por fim, em Junho, também João Vieira Pereira esteve em Viana do Castelo a cortar fitas e a andar de tuk-tuk ao lado do presidente daquela edilidade nortenha, o socialista Luís Nobre, para inaugurar mais uma exposição sobre os 50 anos do Expresso. Houve direito a notícia no Expresso e ao correspondente “cheque” recebido da autarquia no valor de 19.800 euros.

    Neste caso não houve evento; apenas um contrato puro e duro de “prestação de serviços relativa à aquisição de um package promocional em Viana do Castelo”, cujo caderno de encargos estipulava que se deveria concretizar através de uma publirreportagem em página ímpar do caderno principal do Expresso e também no site. Quem fez a prestação de serviços sob a forma de publirreportagem foi a jornalista Marina Almeida, em claríssima e inequívoca violação do Estatuto do Jornalista.  

    Saliente-se que mais contratos podem ter sido assinados, uma vez que, por vezes, decorrem vários meses até as entidades públicas os divulgarem no Portal Base, apesar da lei determinar que, por norma, sejam publicitados no prazo de 20 dias.

  • Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

    Dona do DN e JN corrige dados na ERC mas continua a esconder dívida ao Estado de 10 milhões de euros

    É um jogo do rato e do gato. O grupo Global Media, liderado por Marco Galinha, que detém o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias, corrigiu os dados económicos que omitira no Portal da Transparência dos Media, mas continua a esconder dívidas de 10 milhões de euros ao Estado. Mas os novos indicadores mostram que a situação financeira é mesmo extremamente frágil. A “confissão” (parcial) da Global Media junta-se à da Trust in News, que acabou por assumir, depois de uma investigação do PÁGINA UM, que deve mesmo 11,4 milhões de euros ao Fisco. Nada que apoquente o dono da Visão e de outros 16 títulos da imprensa nacional: o empresário Luís Delgado (que só empatou 10 mil euros na Trust in News) está, neste momento, na Ucrânia a convite de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial justificada, certamente, pelos bons serviços.


    É mais uma prova da falta de vigilância e fiscalização preventiva da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC): nas últimas duas semanas, a Global Media é o segundo grupo de media, depois da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos –, a corrigir dados económicos no Portal da Transparência dos Media. Porém, o grupo liderado por Marco Galinha – que detém o Jornal de Notícias, Diário de Notícias e outros órgãos de comunicação social, incluindo a rádio TSF – continua a querer esconder a existência de uma colossal dívida de 10 milhões de euros ao Estado, perante o cúmplice silêncio de Fernando Medina, ministro das Finanças, que se mantém em silêncio sem explicar a base legal para esta situação.

    Pela consulta ao Portal da Transparência dos Media, feita hoje pelo PÁGINA UM, mostra-se evidente que houve acrescentos relevantes. A Global Media assume agora, perante a ERC, que 21,15% do seu passivo é detido pela empresa Páginas Civilizadas – uma das suas sócias. Em termos absolutos, esse passivo representa um montante de 11,6 milhões de euros de dívidas da empresa aos seus sócios. Como a parte dos empréstimos dos sócios no passivo total atingia, no final de 2022, um montante de 14,7 milhões, significa que 3,1 milhões de euros é relativo a sócios não identificados. Como o Portal da Transparência apenas exige que sejam identificados os detentores do passivo acima de 10%, a Global Media está isenta de fazer essa declaração.

    Marco Galinha, líder da Global Media, continua sem assumir dívida ao Estado, bem patente no balanço, mas novos dados indicados ao regulador mostram uma muito débil situação económica e financeira.

    Mas como o grupo de Marco Galinha não corrigiu ainda as declarações de 2021 – que, claramente não correspondem à verdade, se confrontados com as demonstrações financeiras desse ano – continua-se sem saber quais dos sócios teve direito a uma devolução de empréstimo da ordem dos 7 milhões de euros. Recorde-se que, como revelou o PÁGINA UM no dia 4 do presente mês, a Global Media aumentou no ano passado a dívida ao Estado em mais de 7,1 milhões de euros face a 2021, desviando esse dinheiro, que se deveria destinar aos cofres públicos, para reembolsar empréstimos aos seus sócios, entre os quais se encontra o empresário Marco Galinha.

    De acordo com a análise à evolução financeira deste grupo de media – que estará, entretanto, a tentar vender as participações de 45,7% da Agência Lusa, detida maioritariamente (50,4% pelo Estado) –, a dívida estatal aumentou de 2.905.183 euros em 2021 para 10.038.481 euros no ano passado. Em anos anteriores, entre 2017 e 2021, o montante das dívidas ao Estado situava-se entre os 2,9 milhões e os 3,6 milhões de euros.

    Ora, e é exactamente o montante de 10.038.481 euros de dívidas ao Estado inscrito do passivo de balanço de 2022 – que deverão ser inteiramente fiscais – que continuam sem ser reconhecidas pela Global Media, mantendo-se ausente no Portal da Transparência dos Media. Como o passivo total do grupo atingia, no final do ano passado, os 54.529.482 euros, as dívidas ao Estado atingirão 18,29% do total, ou seja, claramente acima dos 10%. Por isso, se forem apenas dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira – ou se o montante especificamente a esta entidade for superior a 5,5 milhões de euros –, a Global Media continua a omitir um facto relevante.

    Declarações da Global Media no Portal da Transparência dos Media relativas ao ano de 2022 no início deste mês (à esquerda), antes das revelações do PÁGINA UM, e hoje (à direita).

    Além do empréstimo à Páginas Civilizadas, a Global Media inscreveu agora também no Portal da Transparência uma dívida à Naveprinter que atingiria no ano passado os 7,1 milhões de euros, correspondentes a 12,99% do passivo. Esta empresa é a gráfica que imprime o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo, Vida Económica, Correio do Minho e outros títulos de âmbito regional – e, na verdade, é detida pela própria Global Media. Esta nova informação reforça ainda mais a ideia de elevada debilidade financeira do grupo de Marco Galinha, porque em contas consolidadas o activo reduz-se ainda mais.

    De facto, os activos da Global Media estão a ser “suportados” por uma dúvida ao Estado de 10 milhões de euros, por empréstimos de sócios de 14,7 milhões e por uma dívida a uma gráfica do grupo de 7,1 milhões de euros. Ora, isso representa um pouco mais de metade dos 60,5 milhões de euros de activo do grupo, dos quais 30 milhões são goodwill – que não é, propriamente, em empresas de media, um activo contabilizado a preço justo.

    Tanto sobre este caso da Global Media como sobre a situação similar da Trust in News – que, após as revelações do PÁGINA UM, acabou por assumir as dívidas fiscais no Portal da Transparência no valor de 11,4 milhões de euros –, a ERC disse ontem ao PÁGINA UM que, “anualmente, procede à verificação da informação comunicada em cumprimento do regime jurídico da transparência”, mas que “por motivos operativos, esta verificação é iniciada findos os prazos legais para a transmissão dos fluxos financeiros anuais, a 30 de junho, e numa base de amostragem.”

    Luís Delgado assumiu que a sua empresa de 10 mil euros de capital social tem uma dívida ao Fisco de 11,4 milhões de euros. Semanas depois recebeu um convite de Marcelo Rebelo de Sousa para acompanhar a restrita comitiva presidencial à Ucrânia como empresário dos media de sucesso.

    O regulador acrescenta ainda “que a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção na comunicação são passíveis de responsabilidade contraordenacional”, pelo que “todos os casos desconformes detetados pela ERC são naturalmente objeto de averiguação, respeitando os procedimentos legais”. Ou seja, embora não revele taxativamente, deverá já estar a decorrer processos de contra-ordenação por falsas declarações dos grupos de Marco Galinha e de Luís Delgado.

    Nada, porém, que previsivelmente modifique o status quo de impunidade dos media mainstream em Portugal. Por exemplo, Luís Delgado – o empresário que com um capital social de 10 mil euros consegue serenamente atingir 11,4 milhões de euros de dívida fiscal – até integra a restrita comitiva presidencial à Ucrânia, a convite pessoal de Marcelo Rebelo de Sousa. Uma liberalidade presidencial certamente com justificação.

  • Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa

    Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa

    No filme “Apollo 13”, lançado em 1995, ficou célebre a frase “Houston, we have a problem”. Em 2023, ninguém – leia-se, políticos, autoridades de saúde, certos investigadores e imprensa mainstream – quer ouvir frases preocupantes, e prefere-se apagar o rádio. As mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19 não serão certamente tão frequentes como apontou há dois anos o documentário Died Suddenly, mas não são zero. Nem meia dúzia. O PÁGINA UM foi vasculhar a (intencionalmente desorganizada e pouco detalhada) base de dados da Agência Europeia do Medicamento, a EudraVigilance, e descobriu números preocupantes quando escreveu “Sudden death”. E que merecem investigação, e não obtusas atitudes de avestruz, porque a Ciência não é negar os riscos; é avaliar e quantificar riscos. Sejam estes pequenos ou grandes.


    Nos meios científicos, o debate cada vez está mais intenso. E felizmente agora começa a haver mais abertura de revistas científicas para publicar artigos que não “endeusam” apenas as vacinas. Por exemplo, os quatro editores japoneses da revista científica Vaccines apelaram para o envio até ao final deste mês de artigos para a publicação numa edição especial dedicada à tolerância imunológica e doenças autoimunes após a vacinação contra a covid-19 e seus efeitos adversos relacionados.

    No convite, estes editores, três dos quais do Centro Médico Ohashi da Universidade de Toho (Tóquio), destacam que “as vacinas têm sido usadas para combater a pandemia global de COVID-19, mas as reações adversas pós-vacinação aumentaram proporcionalmente”. E apontam que as “causas plausíveis de reações pós-vacinação incluem a libertação de citocinas inflamatórias, a regulação negativa de ACE2, dano vascular induzido pela proteína spike e autoimunidade”, concluindo que agora “existe uma preocupação particular de que as doenças autoimunes possam aumentar no futuro devido a essas características”. E acrescentam ainda que “várias doenças autoimunes pós-vacinação foram relatadas, incluindo alopecia areata, distúrbio do espectro da neuromielite óptica, trombocitopenia imune e artrite reumatoide.”

    Mas falar de mortes associadas às vacinas contra a covid-19 – e sobretudo de mortes súbitas – continua a ser um dos grandes temas tabu para políticos e sobretudo para a comunicação social que apelou incessantemente para a vacinação desde finais de 2020, e que apelou mesmo para a discriminação das pessoas que optassem por não se vacinar – mesmo se alegassem imunidade natural.

    E, no entanto, tudo isto remete para o dito castelhano: “Aquí no hay brujas, pero que las hay, las hay“. Teóricos da conspiração dirão que houve aos milhares – e a cada pontada de coração ou morte repentina de um jovem, a vacina contra a covid-19 logo é apontada como suspeita. Mas se esse é, por certo, um extremo, não menos extremista é a postura das autoridades de saúde, a começar pela portuguesa, ao ignorar esse risco, como se não existisse, como se fosse zero.

    Num perturbante e desafiador editorial da edição deste Verão do Journal of American Physicians and Surgeons, a médica Jane M. Orient coloca o dedo na ferida ao criticar a fraca aposta da comunidade científica em desvendar a efectiva segurança das vacinas e sobretudo em estudar em detalhe as eventuais suspeitas de mortes súbitas associadas à vacina contra a covid-19 – que há dois anos foram catapultadas através de um polémico documentário, logo classificado como associado a teorias da conspiração, intitulado Died Suddenly.

    Investigar as reacções adversas e até as mortes súbitas associadas à vacina da covid-19 já não é um tabu completo, mas ainda há muita informação a desvendar para se avaliar qual o nível de risco para uma gestão prudente.

    Sendo certo que aquele documentário tinha falhas e alguma falta de sustentação cientifica, Jane Orient salienta que, no lado oposto, existe pouca fundamentação para estarmos seguros de que não existem quaisquer problemas. Numa busca no banco de dados PubMed da Biblioteca Nacional de Medicina realizada por esta médica em 17 de abril deste ano, apenas surgiram 20 artigos científicos mencionando a morte súbita e a vacinação contra a covid-19, mas “uma revisão adicional das publicações listadas mostrou que desse conjunto muito pequeno, apenas alguns artigos foram realmente dedicados à descrição de casos de morte súbita após vacinação, ou à discussão dos mecanismos supostos que poderiam vincular a vacinação à morte súbita”.

    Destacando um fenómeno que ainda é mais marcante nos Estados Unidos, Orient refere que as agências governamentais norte-americanas, como a FDA e a CDC, ao invés de investigarem as correlações (que diz serem impressionantes) entre a vacinação contra a covid-19 e as mortes súbitas estão e estiveram sobretudo apostadas a “incentivar os ‘verificadores de factos’ da ala esquerda a repreender o público por ‘ceder a medos irracionais’ enquanto não faziam nada para dissipar de maneira crível esses medos”, acrescentando que “os sites de notícias da media mainstream estão inundados de artigos de verificação de factos que são, na verdade, ataques disfarçados de ‘artigos de verificação de factos objetivos’ que se referem [apenas] à autoridade do CDC e de agências semelhantes para desacreditar relatos independentes sobre mortes súbitas após vacinações.”

    A médica norte-americana também critica a Academia, que diz “controlada por administradores da ala esquerda e professores adeptos do wokeismo”, afirmando que muitos investigadores “gastam tempo e esforço substanciais para descartar a importância das mortes súbitas”, criando “narrativas elaboradas para explicar os episódios preocupantes consistentes com morte súbita ou quase-morte, alegando que ocorreram como resultado de patologias muito menos comuns e menos prováveis, como a commotio cordis.

    Mas, chegados aqui, que fazer, se efectivamente as autoridades não querem estudar?

    Na verdade, fazer o que o PÁGINA UM decidiu fazer: pegar numa complexa e exaustiva base de dados da Agência Europeia do Medicamento (EMA) que despeja autenticamente os registos de fármacos num site, sem permitir uma pesquisa fácil, e procurar registo a registo pela expressão “Sudden deaths”.

    Pois bem, numa pesquisa realizada intensamente durante três dias, às 914.536 reacções adversas expostas no portal do EudraVigilance, foram inventariadas 1.241 mortes súbitas, em grande parte das quais sem sintomatologia associada.

    [Note-se que não se pesquisou, neste caso, devido à morosidade do processo a totalidade das mortes (não súbitas), mas até ao final do ano passado seriam mais de 13.000 na Europa, de acordo com uma busca preliminar do PÁGINA UM. Em Portugal, o Infarmed reportou, até 31 de Dezembro do ano passado, um total de 142 mortes associadas à vacinação contra a covid-19 – um valor que a ser verdadeiro daria uma incidência inferior à da generalidade dos países europeus.]

    Extracto de uma das folhas dos registos da EMA para uma das vacinas. Cada registo individual pode depois ser impresso (ver exemplo).

    Com o processo de vacinação a ser iniciado ainda em 2020 – mas com poucas doses administradas, daí que nos países do Espaço Económico Europeu estejam somente reportadas 807 reacções adversas consideradas graves –, é no ano de 2021 que contabilizam mais mortes subidas nos registos das diversas vacinas administradas, com um total de 842. Destas 536 foram da Pfizer (Elasomeram), 179 da Astrazeneca, 112 da Moderna (Elasomeran) e 15 da Janssen.

    Refira-se que o número absoluto não permite traçar o perfil de segurança, que não é possível de se fazer porque as autoridades nunca revelaram com precisão o número de doses de cada farmacêutica. Contudo, como se registam o número total de casos de reacções adversas sérias, consegue-se estimar um indicador próximo: as mortes súbitas por cada 1.000 efeitos adversos graves.

    Assim, em 2021, a vacina da Pfizer contabilizou 2,4 mortes por 1.000 efeitos graves (ou 24 por cada 10.000), enquanto a Moderna registou 1,5 e a Astrazeneca e a Janssen 1,0 cada.

    Número de mortes súbitas associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    No ano passado, em que já houve uma redução do processo de vacinação – e também entrada de outras vacinas, como as bivalentes da Pfizer e da Moderna, bem como as da Novavax e Valneva (a da Sanofi só entrou este ano), estas últimas com fraca adesão –, o número de registos de mortes súbitas diminuiu no registo da Eudravigilance. Foram 330, entre os 376.662 registos de efeitos adversos graves.

    A vacina da Pfizer de primeira geração (Tozinameran) manteve o maior número, com 220 mortes súbitas associadas, seguindo-se a primeira vacina da Moderna (Elsaomeran). A Astrazeneca tem, na base de dados da EMA; 37 mortes súbitas associadas, enquanto as duas vacinas bivalentes da Pfizer oito, e a Janssen apenas cinco.

    Para 2022, o indicador das mortes súbitas por 1.000 efeitos adversos graves para a globalidade das vacinas contra a covid-19 foi de 1,4, quando no ano anterior fora de 0,9. Se excluirmos as vacinas mais recentes, as vacinas aparentaram um menor risco de morte súbita, embora se desconheça detalhes sobre as circunstâncias da associação dos óbitos às vacinas nem se estas foram confirmadas por autópsia ou se até existe subnotificação. Até porque a maioria dos reportes de efeitos adversos foram enviados pelas próprias farmacêuticas à EMA.

    Número de reacções adversas graves associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    Por fim, este ano, foram contabilizadas apenas 89 mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19, mas tal deveu-se sobretudo à redução do processo de vacinação. Essa evidência mostra-se numa análise à evolução das doses administradas por país e a nível mundial, bem como na redução do número de reacções adversas graves desde Janeiro: apenas 49.551.

    Com efeito, analisando o indicador das mortes súbitas por 1.000 casos de efeitos adversos graves até se observa um ligeiro agravamento face ao ano passado. Globalmente, este indicador situa-se, actualmente, em 1,4 mortes súbitas por 1.000 efeitos adversos graves, subindo mesmo, face a 2022, para a quase generalidade das vacinas.

    De notar a estranha situação da vacina da Sanofi e GSK contra a covid-19, que perdeu o comboio contra a Pfizer e as outras três farmacêuticas, só recebendo autorização no final do ano passado, embora a tempo de receber garantias de compra pelos acordos secretos da Comissão von der Leyen.

    Número de mortes súbitas por cada 1.000 reacções adversas graves associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano). Fonte: EMA / EudraVigilance

    Mesmo estando a ser pouco usada nos países do Espaço Económico Europeu, sobre esta vacina a EMA tem já dois registos de mortes súbitas entre 349 reacções adversas graves, o que dá uma incidência de 5,7 mortes súbitas 1.000 efeitos adversos graves.

    Mas, na verdade, como se deve olhar para estes números?

    Com preocupação. Com cautela. E com exigência – não é sensato ouvir um “Houston, we have a problem”, e desligar o rádio. Na verdade, desligá-lo, nessas circunstâncias é criminoso.

    com Maria Afonso Peixoto

  • Presidente do Real Madrid “limpa” 9 milhões à Santa Casa em ajustes directos

    Presidente do Real Madrid “limpa” 9 milhões à Santa Casa em ajustes directos

    Por cerca de 2,8 milhões de euros, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa assinou ontem um contrato para limpeza das suas unidades de saúde na Grande Lisboa com uma empresa de capitais espanhóis, cuja holding é liderada por Florentino Pérez, presidente do Real Madrid. Foi um déjà vu, porque exactamente um ano antes a SCML assinou outro quase igual, e há dois anos outro similar. Em todos estes três contratos é invocada a urgência para não se fazer concurso público. A empresa beneficiada, a Clece, não tem tido mãos, e baldes, a medir desde que assentou arraiais em Portugal: a partir de 2015 já facturou mais de 55 milhões de euros em contratos públicos. A SCML é o seu melhor cliente com cerca de 9,4 milhões de euros por mor de quatro contratos. Todos por ajuste directo.


    A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), agora liderada pela ex-ministra socialista Ana Jorge, assinou ontem o terceiro contrato consecutivo por ajuste directo, em três anos, com a empresa Clece, uma subsidiária da ACS, o grupo empresarial de Florentino Pérez, presidente do Real Madrid. O contrato desta semana aproxima-se dos 2,8 milhões de euros, mas somam-se aos quase três milhões em 2021 e os também cerca de 2,8 milhões em 2022.

    Por esses três contratos para a prestação de serviços de limpezas das suas unidades de Saúde na Grande Lisboa (na capital, Cascais, Sintra e Mafra), a SCML já despendeu assim um total de quase 8,5 milhões de euros. Junta-se a estes, um outro contrato assinado em 2017 por 830 mil euros.

    Florentino Pérez, presidente do Real Madrid e presidente executivo do Grupo ACS, que detém a Clece, que opera em Portugal na área das limpezas e agora também da residência de idosos.

    Em nenhum destes casos os administradores da SCML optaram pelo concurso público – como se poderia esperar tendo em conta o montante envolvido, a existência de empresas concorrentes e a recorrência dos serviços. Aliás, a estranheza sente-se mais sabendo-se que para a contratação de serviços de limpezas para as suas outras instalações, por um período de três anos, a SCML decidiu abrir concurso público – bastante concorrido, por sinal, uma vez que estava em causa um negócio apetecível.

    Esse concurso acabou por ser ganho pela Servilimpe, que assinou um contrato em finais de Novembro do ano passado por quase 5,56 milhões de euros. Nesse concurso, a Clece foi um dos outros 14 concorrentes preteridos.

    Mas para a entrega dos três contratos para limpeza das suas unidades de saúde da Grande Lisboa, assinados por ajuste directo à empresa de Florentino Pérez, a SCML considerou que não havia tempo para concurso público, recorrendo sempre a uma ambígua cláusula de excepção do Código dos Contratos Públicos que permite ajustes directos independentemente do objecto e do valor do contrato. Mas essa fundamentação – “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante” – poderia até aceitar-se num primeiro ano, em 19 de Agosto de 2021.

    Com efeito, a SCML tinha tido então graves problemas com os três contratos de limpeza que então firmara em 2021, todos também por ajuste directo, com a Ambiente & Jardim. Os contratos – que totalizavam 4,5 milhões de euros – acabaram sendo revogados na segunda metade desse ano. E, de facto, nesse ano houve, efectivamente, urgência em encontrar uma solução rápida.

    Mas já se mostra estranho ter sido usado o mesmo argumento uma segunda vez, em 9 de Agosto de 2022. E uma terceira vez, ontem, precisamente no mesmo dia. Ou seja, apesar de os contratos preverem sempre a mesma duração (12 meses), e a SCML ter já ficado “queimada” com contrato por ajuste directo, continuou sempre a invocar “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” para o continuar a fazer numa prestação de um serviço básico – a limpeza – onde não falta concorrência.

    A relação contratual entre a Clece e a SCML remonta, porém, a 2017, quando então foi contratada, também por ajuste directo, para a “limpeza para as residências, lares, creches, centros de acolhimento, centros de dia e Colónia de Férias de São Julião da Ericeira da Ação Social”. O valor do contrato foi de quase 830 mil euros por meio ano de trabalho.

    A SCML é liderada por Ana Jorge (quarta à esquerda), desde Maio deste ano. O recente contrato com a Clece foi assinado por João Correia, ex-secretário de Estado da Justiça (quinto à esquerda), que, por ironia, integra uma sociedade de advogados conhecida pelas iniciais CSA.

    Embora estivesse presente em Portugal desde 2007, a Clece apenas começou a ter uma actividade empresarial mais intensa a partir de finais de 2015, deixando assim de ser uma mera sucursal da casa-mãe. E começou logo de forma auspiciosa, com o seu primeiro contrato, como sociedade anónima do grupo ACS, a ser assinado ainda em Dezembro desse ano com a Administração Regional de Saúde do Norte no valor de cerca de 240 mil euros. Por ajuste directo, claro, porque nem tempo houvera para se secar a tinta das canetas que assinaram a constituição da empresa.

    Em 2016, a Celce entrou em força no mercado das limpezas, conseguindo 23 contratos públicos, dos quais apenas quatro por concurso público. Terminou o ano com uma facturação por contratos públicos da ordem dos 5,43 milhões de euros, dos quais quase metade por ajuste directo. Destaca-se neste período o contrato de quase dois milhões de euros, por ajuste directo com o Centro Hospitalar de São João.

    Nos anos seguintes, os contratos públicos continuaram a fluir, mas já mais em função da concorrência, uma vez que a empresa teve de fazer pela vida, lutando pela vitória em concursos públicos.

    Entre 2017 e 2020, a empresa de Florentino Pérez para as limpezas facturou um pouco mais de 21 milhões de euros em 106 contratos públicos, sendo que 56 foram por ajuste directo, 18 por concurso público e os restantes por outras modalidades. A facturação por concurso público foi, contudo, largamente minoritária: 5,6 milhões de euros, ou seja, cerca de 27% do total.  

    Por isso, os maiores negócios da Celce nestes quatro anos foram sendo conseguidos sobretudo ao abrigo de acordos-quadro – dos quais se destacam os contratos assinados com a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (3,9 milhões de euros, em 2018), a EGEAC (quase 1,9 milhões de euros, em 2018) e a Câmara da Amadora (1,4 milhões de euros, em 2019) – ou por consulta prévia, de que é exemplo o contrato de 1,3 milhões de euros, em 2018, com a Fundação Centro Cultural de Belém.

    Nos anos de 2021 e 2022, a facturação por contratos públicos da Celce ultrapassou os 10 milhões de euros – e aí por “responsabilidade” dos contratos com a SCML, que passou a ser, de longe, o seu principal cliente, embora não seja a entidade com maior número de contratos.

    Com efeito, o Centro Hospitalar do Algarve é a entidade com mais contratos: 17, dos quais 14 entregues à Celce por ajuste directo, envolvendo quase 3,1 milhões de euros. Deste montante, um pouco mais de um milhão de euros foi por ajuste directo.

    De entre as cerca de sete dezenas de clientes institucionais da Celce para a prestação de serviços de limpeza, em termos de volume de negócios destacam-se, além da SCML (9,3 milhões de euros) e do Centro Hospitalar do Algarve, entidades como a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (3,9 milhões de euros) o município de Lagos (3 milhões de euros), a EGEAC (2,9 milhões de euros), a Fundação do Centro Cultural de Belém (2,7 milhões de euros) e a Câmara Municipal de Lisboa (2,5 milhões de euros, neste caso por concurso público).

    Monochrome Photography of People Shaking Hands
    Ajustes directos deveriam ser, numa sociedade transparente, uma excepção. Em alguns casos, de forma abusiva, são a regra, constituindo também uma forma de concorrência desleal e uma forma de promoção da corrupção.

    No total, a empresa de capitais espanhóis já obteve 213 contratos públicos para limpezas, sendo que um pouco mais de metade (109) foram por ajuste directo, encaixando, por essa via, 17,3 milhões de euros. Os concursos públicos conseguem, no entanto superar esse montante (quase 21,6 milhões de euros), apesar de derivarem apenas de 44 contratos. Os acordos-quadro, num total de 24 contratos, representaram rendimentos de 10,5 milhões de euros. As restantes vias, com 36 contratos, completam uma facturação que já se aproxima dos 56 milhões de euros desde finais de 2015 apenas em negócios com entidades públicas.

    Mas Florentino Pérez tem estado a expandir a sua actividade em Portugal também para as residências e lares de idosos, tendo criado no início de 2017 a Clece II – Serviços Sociais. Em Abril deste ano foi anunciado que a empresa do presidente do Real Madrid previa inaugurar, através da marca Clecevitam, uma nova residência de idosos em Cascais, que se juntará às já existentes em Lisboa e Fátima. A expansão da actividade da empresa espanhola neste sector deve, aliás, aumentar, impulsionada pela compra da CSN Care Group no ano passado por 23,8 milhões de euros.