O V Congresso dos Jornalistas começou formalmente hoje, com debates sobre ética, condições de trabalho, auto-censura e formação & ensino. Este é um evento duplamente público: teve inscrições para jornalistas e não-jornalistas, realizando-se num espaço (Cinema São Jorge, em Lisboa) pertencente à Câmara Municipal de Lisboa desde 2001. Perante um evento onde a organização coloca condições monetárias para acesso às fontes de informação, o PÁGINA UM decidiu divulgar, em texto e imagem, aquilo que de mais relevante considera dever ser noticiado sobre os temas agendados.
Sobre ética
Sobre condições de trabalho
Sobre auto-censura
Sobre formação & ensino
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
O partido de André Ventura quis discriminar o jornalista Miguel Carvalho, alegando ser freelancer, por não estar afecto directamente a um órgão de comunicação social, justificação que não encontra qualquer justificação legal. O antigo jornalista da Visão, que ainda este mês recebeu o Prémio Gazeta 2022, tem feito investigações sobre movimentos considerados de extrema direita. O caso acabou por merecer uma inédita deliberação urgente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social ainda em tempo útil: se amanhã Miguel Carvalho for impedido de entrar na convenção do Chega, André Ventura será processado por atentado contra a liberdade de informação e por desobediência. Porém, no primeiro dia dos trabalhos, o Chega acabou por aceder a entregar uma acreditação ao jornalista.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ameaça fazer uma participação no Ministério Público por atentado à liberdade de informação contra o Chega, caso o partido de André Ventura não conceda acreditação ao jornalista Miguel Carvalho para acompanhar os trabalhos da VI Convenção que se realiza a partir de amanhã, e até domingo, em Viana do Castelo.
Segundo apurou o PÁGINA UM, como habitualmente sucede em outros eventos com potencial de cobertura noticiosa, Miguel Carvalho requereu a acreditação no site do Chega, mas foi-lhe colocado entraves por alegadamente ser jornalista freelancer.
Miguel Carvalho efectivamente não tem agora um vínculo contratual com um só órgão de comunicação social, tendo abandonado a revista Visão em Agosto do ano passado, mas possui um currículo bastante relevante na imprensa. Aliás, recebeu na passada sexta-feira o Prémio Gazeta 2022 por uma reportagem intitulada “O braço armado do Chega”, publicado em 17 de Novembro daquele ano, sobre a militância (proibida por lei) de profissionais da PSP e da GNR no partido de André Ventura.
Na verdade, mais do que o estatuto de freelancer – que não pode ser alvo de qualquer tipo de discriminação –, aparentemente serão mais as abordagens jornalísticas de Miguel Carvalho que terão motivado a ilegal postura do Chega. De acordo com uma deliberação da ERC tomada hoje com carácter de urgência, a directora de comunicação social do Chega, Patrícia Carvalho – que não atendeu o telefonema do PÁGINA UM nem respondeu à solicitação de contacto –, terá transmitido a Miguel Carvalho que deveria “aguardar pelo encerramento das acreditações para saber se poderia ir ou não [obter a credenciação solicitada]”, alegadamente por [o]s jornalistas afectos a OCS [terem] primazia sobre os freelancers”.
O regulador presidido por Helena Sousa salienta, depois de ter dado oportunidade ao Chega de apresentar alegações – o que não fez –, que “quaisquer restrições legalmente admissíveis em sede de direito de acesso implicam, desde logo, o respeito pelo princípio da igualdade, estando vedada a adoção de quaisquer condutas de base discriminatória (…) ou a subordinação a considerações de conveniência, oportunidade ou de mérito por parte do proprietário ou gestor do local (público) em causa ou do organizador do evento que neste se realize”, adiantando ainda que “a restrição ilícita do acesso dos jornalistas às fontes de informação (lato sensu) constitui violação grave de um direito fundamental, consubstanciando uma limitação inadmissível do direito de informar e ser informado”.
Nessa medida, a ERC defende que, apesar do Chega ter o direito de estabelecer um “sistema de credenciação”, com critérios transparentes, deve garantir “as necessárias condições de igualdade e não discriminação a todos os órgãos de comunicação social e jornalistas potencial ou efetivamente interessados na cobertura informativa do evento referido”. E assim sendo, não pode dar primazia de acesso a jornalistas afectos a um dado órgão de comunicação social em detrimento de jornalista freelancer.
Miguel Carvalho, 53 anos, é um dos mais conceituados jornalistas de investigação em Portugal.
Uma vez que esta deliberação urgente, colocada esta tarde no site da ERC tem carácter vinculativo, se o Chega não cumprir as determinações também incorre num crime de desobediência, punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias. No caso do atentado à liberdade tem igual moldura penal, embora agravada ao dobro em caso de o infractor ser uma pessoa colectiva pública, como são os partidos políticos.
Ao PÁGINA UM, Miguel Carvalho revelou na quinta-feira à noite que aguardava ainda uma reacção do Chega, e que estaria à porta do Centro de Congressos de Viana do Castelo, onde se ‘entronizará’ novamente André Ventura para avançar como candidato principal do partido às eleições de 10 de Março. Entretanto, o Chega acabou por aceitar conceder a acreditação ao jornalista Miguel Carvalho no primeiro dia dos seus trabalhos.
Nota: Notícia actualizada às 00:30 horas do dia 13 de Janeiro de 2024 com a referência a ter sido concedida a acreditação ao jornalista Miguel Carvalho.
N.D. Ainda em 18 de Dezembro passado, André Ventura se insurgia contra o Facebook por lhe ter cancelado (temporariamente) a sua conta pessoal, dizendo que já fizera queixa a Zuckeberg e ameaçava recorrer à Justiça. Agora, é ele o censor – de um congresso em ‘sua casa’, mas não é bem a ‘sua casa’ porque um partido político não é uma agremiação onde se vai jogar à sueca (e se reserva o direito de admissão), mas sim uma entidade de onde provêm políticos para gerir, sob várias formas, a res publica. E daí que, obviamente, tem a obrigação democrática de abrir as portas: a quem gosta e a quem não gosta. Independentemente de ideologias, a coerência é um dos atributos que mais prezo. Posso dialogar com alguém de uma ideologia que eu não professo – e que está nas antípodas do que defendo –, mas recuso aceitar alguém que manifesta falta de coerência, ainda mais forjada às suas conveniências. Se André Ventura quer ser levado a sério como dirigente de um partido democrático, e acha mesmo que pode ser uma alternativa ao actual establishment, vai assim por um péssimo caminho com este tipo de atitude, que mostram não ser por capricho mas por um perigoso tique. Querer limitar o acesso a um jornalista, porque, enfim, lhe desagradam as suas abordagens, é uma opção intolerável em democracia. Há linhas vermelhas cuja ultrapassagem, em democracia, não pode ser toleradas. PAV
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Em apenas um ano, a empresa Inevitável e Fundamental, proprietária do Polígrafo, teve de ir a correr alterar informação falsa no Portal da Transparência dos Media após o PÁGINA UM ter colocado dúvidas. No primeiro caso, o Polígrafo omitia que no ano passado o Facebook lhe entregara 96% das receitas; agora, o fundador deste ‘fact checker’, Fernando Esteves, teve de resolver se era o director apenas para a ERC e não para os leitores; ou se era director para todos ou se não era director de coisa nenhuma. De permeio ao acto de se reassumir como director, Fernando Esteves corrigiu também a sua biografia no site do Polígrafo: detinha informação desactualizada, logo falsa. E voltou, na quinta-feira passada, a fazer fact checking… 11 meses depois da última vez.
Para se ser mesmo rigoroso – ainda mais por se tratar de um ‘verificador de factos’ –, tem mesmo de se dizer que este ano a empresa gestora do Polígrafo, o mais conhecido fact-checker de Portugal, já teve de corrigir pelo menos por duas vezes informação junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) depois de ser apanhada a mentir pelo PÁGINA UM.
No passado mês de Junho, o PÁGINA UM já detectara que a empresa Inevitável e Fundamental, proprietária do Polígrafo – e que tem como sócios Fernando Esteves (60%) e N’Gunu Tiny (40%) – omitia no Portal da Transparência dos Media a sua dependência financeira, quase em exclusivo, da rede social Facebook ao longo do ano de 2022.
Apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo nem sequer respondeu aos três pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, feitos em 14 de Junho, em 16 de Junho e em 19 de Junho, mas passado algumas semanas, foi corrigir a informação na ERC, indicando que, afinal, a empresa fundada por Mark Zuckerberg tinha disponibilizado cerca de 456 mil euros, representando 96% das receitas da Inevitável e Fundamental. A elevadíssima dependência financeira do Polígrafo perante o Facebook – um autêntico sugar daddy financeiro – coloca objectivamente em causa a sua credibilidade como órgão de comunicação social com uma linha editorial sem interferências externas.
Ou seja, antes da intervenção do PÁGINA UM – que chegou a questionar a ERC para a execução da sua notícia publicada em 5 de Julho –, o Polígrafo não declarara em 2022 a existência de quaisquer clientes relevantes no seu registo no Portal da Transparência, que exige que sejam identificados os clientes que tenham representado mais de 10% dos rendimentos anuais e as entidades com direitos superiores a 10% do valor do passivo.
Depois desta situação, uma nova mentira apanhada pelo PÁGINA UM acabou recentemente corrigida. O fundador do Polígrafo, o jornalista Fernando Esteves – que, na verdade, até deveria usar obrigatoriamente o nome profissional de Fernando Macedo Esteves, por ser esse o registo que consta na CCPJ – tinha deixado de constar como director desta publicação nos registos da ERC. Na Plataforma de Transparência dos Media passara a constar o nome da jornalista Sara Beatriz Monteiro, embora na ficha técnica do site do Polígrafo o director fosse Fernandes Esteves. Uma desconformidade; na verdade, uma ilegalidade.
No passado dia 25 de Novembro, para a ERC, o director do Polígrafo era Sara Beatriz Monteiro, mas que não era para os leitores. Mas hoje, o director para a ERC e para os leitores já é Fernando Esteves.
A indicação do nome de Sara Beatriz Monteiro no registo da ERC já tinha sido detectada em Agosto passado pelo PÁGINA UM, e mantinha-se ainda em 25 de Novembro, quando se revelou mais esta inverdade neste ‘verificador de factos’. Na altura, o perfil de Fernando Esteves no site do Polígrafo continha outra falsidade, indicando-o ainda como “Publisher da Media9, a empresa que detém o ‘Jornal Económico’ e o ‘Novo’, bem como as licenças de publicação das revistas ‘Forbes Portugal’ e ‘Forbes África Lusófona’”, cargo que já não ocupava.
Ora, depois da notícia do PÁGINA UM, a Inevitável e Fundamental – a empresa detentora do Polígrafo, e desse modo a única entidade que pode alterar os registos – foi a correr à plataforma da ERC para repor a legalidade, atribuindo de novo o cargo de director editorial a Fernando Esteves.
A falsidade do nome do responsável editorial não é apenas uma formalidade nem um detalhe, mesmo se estamos perante um verificador de factos que assume a Verdade como parte da sua genética. É uma obrigatoriedade da Lei da Imprensa.
Além do jornal digital, o Polígrafo tem uma parceria semanal com a SIC.
Saliente-se que a Lei da Imprensa concede uma grande relevância ao director de um órgão de comunicação social, concedendo-lhe competências na orientação e determinação dos conteúdos, na designação dos jornalistas com funções de chefia e coordenação, na representação do período (mesmo junto da administração ou gerência) e na presidência do conselho de redacção.
Com um novo accionista maioritário que mostra mais sinais de desinvestimento do que de investimento, a Global Media anunciou a intenção de despedir até 200 funcionários, o que fará diminuir a sua ‘força de trabalho’ para apenas cerca de 150 trabalhadores, Há cinco anos, a empresa empregava 553 pessoas, ou seja, reduzirá mais de dois terços dos seus quadros em pouco mais de cinco anos. Num cenário de prejuízos acumulados e até de aumento das dívidas ao Estado, o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias também revelam números que os colocam a caminho da extinção. O PÁGINA UM mostra como evoluíram nas últimas três décadas as vendas destes dois centenários títulos da imprensa portuguesa.
As dificuldades de tesouraria, a falta de crédito bancário, a contínua perda de receitas com a quebra de vendas dos principais periódicos, o aumento das taxas de juro e as dívidas ao Estado estão a levar a Global Media cada vez mais próximo da derrocada económica. Nas contas do ano passado, aprovadas há cerca de cinco meses, a consultora PKF & Associados já avisava que “os prejuízos acumulados em exercícios anteriores, bem como o resultado líquido negativo obtido no exercício de 2022, colocam em causa a capacidade da Entidade [Global Media] para continuar a operar, caso os acionistas não tomem as medidas necessárias no sentido de dotar a Empresa dos meios financeiros adequados”.
Daí para cá, apesar da nova entrada de um accionista relevante – o World Opportunity Fund –, não houve propriamente alterações relevantes para além da ‘dança de cadeiras’ na administração da Global Media. O fundo das Bahamas apenas comprou ao Grupo Bel de Marco Galinha a sua quota na Páginas Civilizadas – o accionista maioritário da Global Media –, mas sem qualquer reforço do capital. Ou seja, sem investimento e sem sinais de controlo do passivo, onde se destaca uma dívida de cerca de 10 milhões ao Estado.
Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho, administradores da Global Media, no início do mês passado, no Palácio de Belém, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Pelo contrário, a situação financeira deteriorou-se com a subida das taxas de juro que previsivelmente ‘sufocará’ as contas do exercício de 2023. No ano passado, as taxas de juro estiveram sempre abaixo dos 2%, e mesmo assim a Global Media teve de suportar encargos de quase 900 mil euros para o serviço da dívida. Em 2023, com os juros acima dos 4%, esse valor poderá ultrapassar os dois milhões de euros, se os empréstimos antigos não tiverem sido contraídos a taxa fixa.
O anúncio de despedimento de até 200 trabalhadores, já anunciado pelo CEO da Global Media, aparenta ser apenas a confirmação da caminhada para o abismo. A concretização deste volume de rescisões tem o simbolismo de transformar a Global Media numa média empresa, porque ficará apenas com cerca de 150 funcionários. Mas mostra sobretudo uma imparável ‘sangria’ da força de trabalho.
Em 2018, antes ainda da entrada do empresário Marco Galinha e do seu Grupo Bel, a Global Media contava com 553 colaboradores, mas no ano passado o relatório e contas já indicava apenas 341. As rescisões previstas podem cortar para menos de metade este último número. E os que restarem são apenas 30% dos que havia em 2018.
O francês Clement Ducasse é o beneficiário efectivo do World Opportunity Fund, um fundo das Bahamas, que controla agora a Global Media.
A situação financeira da Global Media é crónica desde há vários anos, acumulando prejuízos pelo menos desde 2017. Antes da entrada de Marco Galinha na Global Media, a empresa já apresentava dificuldades de liquidez, sendo necessário recorrer a “alguns bancos” para obtenção de “financiamentos que permitem assegurar o desenvolvimento normal das suas operações”, como se salientava no Relatório e Contas de 2018. As rescisões acompanharam a queda das receitas e também da circulação dos dois principais títulos. Assim, se em 2018 as vendas e serviços prestados ainda atingiram os 40,3 milhões de euros, em 2022 alcançaram apenas os 28,6 milhões de euros.
Ignora-se ainda se a saída das revistas Volta ao Mundo e Evasões da esfera da Global Media terão também algum impacte ao nível do seu número de trabalhadores. Com efeito, a entrada do World Opportunity Fund como sócia maioritária da Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media –, resultou também num ‘rearranjo’ da propriedade de alguns dos títulos.
As duas revistas de viagens Volta ao Mundo e Evasões passaram, conforme já se confirma no Portal da Transparência dos Media, da posse da Global Media para a Palavras de Prestígio, uma empresa 100% detida por Marco Galinha (através do Grupo Bel) e que detém uma posição muito minoritária (10%) na Páginas Civilizadas. Em todo o caso, aparentemente as revistas continuam a ser produzidas pelos jornalistas e outros colaboradores da Global Media.
Manifestação de trabalhadores do Jornal de Notícias na quarta-feira passada. Foto: PCP Porto.
Com as novas rescisões, a intenção da administração da Global Media, agora liderada por José Paulo Fafe – indicado pelo fundo das Bahamas – será reduzir drasticamente a folha salarial. No ano passado, os custos com pessoal foram de 13,8 milhões de euros, o que significa a necessidade de um ‘fundo de maneio’ de cerca de um milhão em cada mês só para gastos de pessoal, a que acrescem os subsídios de férias e de Natal de igual montante.
No entanto, reduzir custos salariais e diminuir despesas de serviços externos não parece ser uma solução com resultados extraordinários no passado, sobretudo porque as empresas de comunicação social vivem do ‘capital humano’. Por exemplo, face a 2018, o ano de 2022 teve menos cerca de 9,8 milhões de euros em gastos com pessoal e menos nove milhões de euros em fornecimentos e serviços externos, mas também registou uma queda significativa nas vendas e serviços: passando de 40,3 milhões para 28,6 milhões de euros. Ou seja, melhorou alguma coisa, mas as contas continuam no vermelho.
O desinvestimento em pessoal, com repercussões na qualidade e credibilidade do produto jornalístico, explicará em parte a quebra de circulação dos dois principais órgãos de comunicação social da Global Media: o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias.
Evolução do somatório das vendas em jornal impresso e das assinaturas digitais do Jornal de Notícias desde 1994 até ao terceiro trimestre de 2023. As assinaturas digitais começaram em 2011. Fonte: APCT.
Com vendas diárias inferiores a 20 mil exemplares impressos – e apenas cerca de três mil assinaturas digitais, de acordo com os mais recentes dados trimestrais da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT) –, o Jornal de Notícias é hoje uma pálida imagem daquilo que foi até 2012.
Nas últimas décadas, o matutino sedeado no Porto teve a sua ‘época de ouro’ nos anos 90 e primeira década do século XXI. As vendas diárias chegaram a ultrapassar em largos períodos os 100 mil exemplares. Porém, a partir de 2012, as quedas das vendas têm sido imparáveis, apresentando uma tendência que não mostra sinais de inversão.
Ainda em pior estado se encontra hoje o Diário de Notícias, que vende agora menos do que alguns jornais regionais, incluindo o seu congénere da Madeira. Os mais recentes dados trimestrais da APCT, ao período entre Julho e Setembro, indicam vendas de 1.176 exemplares impressos, a que acrescem mais 1.439 assinaturas digirais.
Evolução do somatório das vendas em jornal impresso e das assinaturas digitais do Diário de Notícias desde 1994 até ao terceiro trimestre de 2023. As assinaturas digitais começaram em 2012. Fonte: APCT.
As vendas em papel no início de 2017 ainda estavam acima dos 10 mil, e mesmo assim já se situavam bastante abaixo dos valores do início da segunda década do presente século. Por exemplo, no terceiro trimestre de 2011, quando ainda não existiam assinaturas digitais, o Diário de Notícias ainda vendeu mais de 43 mil exemplares por dia. E longe vai o segundo trimestre do ano 2000, período em que o Diário de Notícias chegou a um ‘pico’ de mais de 80 mil exemplares vendidos por dia.
Recorde-se que entre o Verão de 2018 e Dezembro de 2020, o Diário de Notícias decidiu apostar quase em exclusivo no digital, mantendo apenas uma edição dominical em papel, uma ‘experiência’ que foi desastrosa.
Os órgãos de comunicação social da esfera da Global Media – onde se destacam os periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e a rádio TSF – não pagam há anos os serviços disponibilizados pela Lusa, que inclui o acesso à publicação de notícias e o acesso à base de dados fotográfica. O abuso destes accionistas minoritários (que detêm em conjunto 45,71%) só agora foi revelado num comunicado do Ministério da Cultura, onde se salienta que a conclusão da compra das participações daqueles accionistas privados estaria condicionada ao pagamento da dívida cujos valores não são revelados. Entretanto, o World Opportunity Fund já domina formalmente a cúpula da Global Media, após a nomeação na semana passada de dois gerentes da Páginas Civilizadas, um dos quais é João Paulo Fafe, antigo director do Tal & Qual. Curiosamente, a actual sede da Páginas Civilizadas é a mesma da redacção do Tal & Qual, no Taguspark.
Mais do que a notícia de que o Governo não vai adquirir as participações na Agência Lusa detidas pela Páginas Civilizadas e pela sua subsidiária Global Media, a grande novidade trazida por um comunicado da imprensa do Ministério da Cultura, divulgado esta quinta-feira, é a revelação de que aqueles accionistas privados não pagam os serviços da agência noticiosa maioritariamente detida pelo Estado. Saliente-se que a Global Media é a detentora dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF, tendo também participações em outros órgãos de comunicação social, incluindo o Diário de Notícias da Madeira.
Em comunicado, o Ministério da Cultura apontou para a falta de consenso com o PSD como causa para abortar o negócios, mas salienta também que “o eventual sucesso da operação dependeria sempre da liquidação simultânea da dívida que as empresas do Grupo Global Media acumularam, ao longo dos anos, perante a Lusa, em decorrência dos serviços que lhes foram prestados pela Agência”. O comunicado do Ministério tutelado por Pedro Adão e Silva não indica os valores dos calotes, mas o PÁGINA UM revelou em Agosto passado que as dívidas da Global Notícias ao Estado e a outros entes públicos ascendia aos 10 milhões de euros, tendo aumentado sete milhões apenas em 2022.
Confirmando ter havido “abertura” para “assumir uma posição mais significativa na estrutura accionista” da Lusa – o que a ocorrer significaria uma posição acima dos 95% do capital –, o Governo diz agora que “deixou sempre claro que se considerava obrigado a partilhar a sequência de decisões que pudesse vir a tomar com os partidos políticos com assento parlamentar, e designadamente com o maior partido da oposição”, o que veio a ser “feito desde o início, com total transparência, mesmo num contexto político que era ainda muito distinto do atual”.
Nessa medida, o Ministério da Cultura, que tutela a Comunicação Social, salienta que “uma operação desta natureza implicava o cumprimento de um conjunto de outros requisitos, indispensáveis para salvaguardar tanto os interesses do Estado quanto os da Lusa”, onde se incluía “a liquidação da dívida que as empresas do grupo Global Media têm perante a Lusa”.
O comunicado também refere que na quarta-feira da semana passada, dia 22, a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças apresentou mesmo “uma proposta formal de aquisição”, que incluía a liquidação integral da dívida do grupo Global Media à Lusa. Os valores não foram divulgados, alegando-se confidencialidade, o que levanta algumas dúvidas legais.
Tudo à pala: órgãos de comunicação social da Global Media usufruíam dos serviços da agência noticiosa de capital maioritariamente do Estado e não pagavam, nem nunca os serviços lhes foram suspensos.
Em todo o caso, adiante-se que a proposta do Estado nunca poderia ultrapassar, mesmo sem a dedução da dívida das duas empresas à Lusa, muito mais do que 2,5 milhões de euros, tendo em conta que a participação da Páginas Civilizadas na Lusa (22,35%) decorreu de uma aquisição à Impresa nos últimos dias de 2021 por 1,25 milhões de euros. A Global Media já era accionista da Lusa, com uma participação de 23,36%. Mas mesmo que o Governo aceitasse chegar ao dobro, os cinco milhões de euros seriam metade da dívida ao Estado por parte da Global Media.
O comunicado do Ministério da Cultura diz ainda que era intenção do Governo levar a cabo no próximo ano uma nova revisão da indemnização compensatória – que este ano será de cerca de 14,3 milhões de euros – para “permitir isentar os órgãos de comunicação social do pagamento dos serviços prestados pela Agência Lusa”, sendo essa “uma forma concreta de apoiar a comunicação social no seu conjunto, com um instrumento não condicional, sem a complexidade de mecanismos de financiamento assentes em métricas sempre discutíveis, ou em escolhas discricionárias que devem estar totalmente afastadas da relação entre o Estado e os media.
Para esta decisão, e para a falta de consenso, também não serão alheias as dúvidas sobre o futuro da Global Media, agora controlada por um fundo das Bahamas controlado por Clement Ducasse, um francês de 41 anos de que pouco se sabe.
Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura, revela no comunicado sobre o não-acordo da compra das participações da Lusa que era intenção do Governo tornar gratuitos os serviços da agência noticiosa para os diversos órgãos de comunicação social.
No entanto, a sua presença já se evidencia de forma determinante na estrutura administrativa, uma vez que o World Opportunity Fund, o sócio maioritário da Páginas Civilizadas, já indicou na semana passada os dois gerentes (em três): Filipe Queirós Nascimento e José Paulo Fafe, que acumula já com o cargo de CEO da Global Media. Quanto a Marco Galinha, do Grupo Bel, está como gerente (sem poder de decisão) na Páginas Civilizadas e tem o simbólico estatuto de chairman da Global Media, mas também sem qualquer possibilidade de influenciar medidas mais fulcrais.
No meio destas movimentações surgiu, entretanto, uma situação insólita detectada pelo PÁGINA UM: José Paulo Fafe, que refundou em 2021 o semanário Tal & Qual, abandonou a direcção daquele jornal em Maio passado e deixou mesmo de ser sócio da empresa que o detém (Parem as Máquinas, Lda.). Contudo, de acordo com os registos societários, a Páginas Civilizadas – que saiu da esfera do Grupo Bel com a posição maioritária assumida pelo fundo controlado por Clement Ducasse – está agora sedeada exactamente onde funciona a redacção do Tal & Qual e a empresa Parem as Máquinas, no escritório 481 no núcleo central do Taguspark.
Em caso de ferreiro, espeto de pau. O adágio popular bem se pode aplicar ao Polígrafo, o mais conhecido ‘fact checker’ português, fundado em 2018 para combater as ‘fake news’ e que teve uma função de ‘cão-de-guarda’ do Facebook a partir de 2020 contra conteúdos ‘classificados’ como falsos. Apesar de o jornalista Fernando Esteves, seu mentor, continuar a constar na ficha técnica como director do Polígrafo, a informação no registo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social é outra. A responsável editorial é afinal a jornalista Sara Beatriz Monteiro, mas que não assume. E Fernando Esteves diz ainda, na nota biográfica, ser ‘publisher’ da Media9. Também já não é.
Apareceu há cinco anos, com honras de apresentação no Web Summit, e com nome da máquina que detecta mentiras. Tendo como mentor Fernando Esteves, ex-editor de Política da revista Sábado, o Polígrafo apresentou-se então para ocupar um nicho de ‘verificação de factos’, não propriamente da própria imprensa, mas dos protagonistas políticos.
“A primeira vez que alguém for apanhado no Parlamento com uma declaração falsa, essa pessoa e todas as outras irão pensar duas vezes antes de fazerem outra declaração porque sabem que há um jornal que só existe para verificar aquilo que eles dizem”, prometia então Fernando Esteves numa notícia do Público em Novembro de 2018.
O projecto – que germinara sob a aura das fake news do mandato de Donald Trump nos Estados Unidos – teve também como alvo as redes sociais. Fernando Esteves dizia então que “os media tradicionais são influenciados pelas redes sociais, onde encontramos uma coisa e o seu contrário. O Polígrafo nasce para fazer essa triagem, quero que seja uma espécie de Google da verdade.”
Não sendo propriamente um Google, o Polígrafo transformou-se sim, sobretudo com a pandemia a partir de 2020, no ‘cão de guarda’ do Facebook para ‘apanhar’ e penalizar todas as opiniões que fugissem das ópticas governamentais e da Organização Mundial da Saúde. O Facebook é, aliás, um ‘sugar daddy financeiro’ deste verificador de factos, tendo a empresa de Mark Zuckerberg transferido já mais de 1,3 milhões de euros entre 2020 e 2022.
Quanto à verdade prometida pelo Polígrafo, além de o PÁGINA UM ter detectado no início do Verão passado que a empresa do Polígrafo, a Inevitável e Fundamental – que tem como sócio (com 40%) o proprietário da Media9, N’Gunu Tiny –, há agora outro caso surpreendente: apesar de Fernando Esteves se manter na Ficha Técnica como seu director, essa informação que consta no site é falsa.
Fernando Esteves congratulou-se há três semanas, na sua página do Facebook, com os cinco anos do Polígrafo, mas não dá sinais de vida no ‘verificador de factos’ desde Janeiro deste ano.
E mais: na nota biográfica de Fernando Esteves no próprio site do Polígrafo, há outra mentira. Está escrito que “desde Outubro de 2022, acumula a direção do Polígrafo com as funções de Publisher da Media9, a empresa que detém o Jornal Económico e o Novo, bem como as licenças de publicação das revistas Forbes Portugal e Forbes África Lusófona”, mas tal não é verdade.
No mês passado, a função de publisher da Media9 – cargo não reconhecido pela Lei da Impresa nem pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – passou a ser detida desde o mês passado por Filipe Alves, que acumula com a direcção do Jornal Económico.
Sara Beatriz Monteiro: para a ERC é directora editorial do Viral Check e também do Polígrafo, mas só assume a função do primeiro.
No entanto, apesar de constar no Portal da Transparência dos Media também directora do Polígrafo, esta jornalista – que se formou em Ciências da Comunicação na Universidade do Porto em 2016 – refere apenas que “faz parte da equipa permanente” do verificador de factos que, falsamente, aponta Fernando Esteves ainda como director. E numa consulta aos arquivos da Internet, essa situação já ocorre pelo menos desde Agosto passado.
A falsidade do nome do responsável editorial não é apenas uma formalidade nem um detalhe, mesmo se estamos perante um verificador de factos que assume a Verdade como parte da sua genética.
A Lei de Imprensa concede uma grande relevância ao director de um órgão de comunicação social, concedendo-lhe competências na orientação e determinação dos conteúdos, na designação dos jornalistas com funções de chefia e coordenação, na representação do período (mesmo junto da administração ou gerência) e na presidência do conselho de redacção.
Registo de hoje do Portal da Transparência dos Media relativo à jornalista Sara Beatriz Monteiro
Em todo o caso, além do problema reputacional, esta informação falsa não tem uma sanção relevante: se a ERC quiser aplicar as sanções da Lei da Imprensa, a empresa detentora do Polígrafo fica sujeita a uma multa entre 500 e 2.500 euros.
A saída de Fernando Esteves e a entrada em funções de Sara Beatriz Monteiro teria de ter sempre um parecer do Conselho de Redacção, uma vez que o Polígrafo tem mais do que cinco jornalistas.
Refira-se ainda que o último texto publicado por Fernando Esteves no Polígrafo tem data de 2 de Janeiro deste ano, onde fez o fact checking sobre a informação de que João Galamba avisara José Sócrates em 2014 de estar a ser investigado no âmbito da Operação Marquês.
Nota biográfica de Fernando Esteves no Polígrafo mantém-no como director deste fact checker e também como publisher da Media9. Mentira com direito a ‘pimenta na língua‘?
Na actual ficha técnica do Polígrafo, hoje consultada pelo PÁGINA UM, além do nome de Fernando Esteves constar ainda falsamente como Director, surge ainda Gustavo Sampaio como director-adjunto. E em seguida, mesmo antes da lista de jornalistas da redacção – onde Salomé Leal é identificada como coordenadora e Sara Beatriz Monteiro é o último nome, sem qualquer relevância – está referenciado um denominado “Diretor de Operações”.
Embora esse cargo não seja reconhecido pela Lei da Imprensa, o destaque concedido na ficha técnica evidencia um papel relevante na estrutura funcional da actividade jornalística do Polígrafo. Esta função é ocupada, desde Fevereiro deste ano, por Filipe Pardal, um ex-jornalista que foi, até Março deste ano, chefe de gabinete de Miguel Guimarães, o antigo bastonário da Ordem dos Médicos.
N.D. O PÁGINA UM elaborou este artigo jornalístico com base em factos, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media, cujo preenchimento é da responsabilidade da empresa detentora do Polígrafo, sendo que a validação e eventual fiscalização é uma função da Entidade Reguladora para a Comunicação. São factos já confirmados, que podem ou não ser comentados por terceiros. Por legítima opção editorial, o PÁGINA UM decidiu não contactar, desta vez, nenhum responsável editorial do Polígrafo, até porque, em solicitações anteriores para outros artigos, nunca o PÁGINA UM obteve resposta. Neste caso, mesmo que houvesse um comentário, este não alteraria os factos.
A palavra mágica é ‘media partner’, assim em inglês, mas, na verdade, significa tão-só uma prestação de serviços de um órgão de comunicação social com uma contrapartida monetária. Assim, se uma entidade ou empresa se quer promover ou fazer lobby, basta agora contratar uma empresa de media que disponibiliza jornalistas e comunicadores para ‘vender o peixe’ dos clientes. Ou as reivindicações, como as da Ordem dos Médicos Dentistas, que este mês, a troco de um pouco menos de 24 mil euros, conseguiu fazer sair uma mão-cheia de ‘notícias’, com a chancela de (suposto) jornalismo credível, num dos principais jornais portugueses. Mais um caso revelado pelo PÁGINA UM que mostra que, agora, com dinheiro e jeitinho, (quase) tudo se consegue na imprensa mainstream.
Este mês, no jornal Expresso, os assuntos mediáticos não têm sido apenas dominados pela crise política, ou pelo conflito israelo-palestiniano, ou por outros temas candentes. Tem havido tempo e espaço para falar sobre muitos outros temas. Dentes, por exemplo. Ou mais propriamente das preocupações e reinvindicações da Ordem dos Médicos Dentistas.
No dia 7 de Novembro, uma notícia assinada pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes naquele jornal dava conta das potencialidades de Portugal desenvolver o “turismo de saúde oral”, aproveitando para anunciar o congresso da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD).
Três dias depois, o mesmo jornal publicou novo artigo sobre dentição, desta vez com origem da Lusa, revelando dados de um estudo da OMD, e aproveitando para fazer eco das reivindicações do bastonário Miguel Pavão, que considerava que os números apurados por esta entidade “são preocupantes” e que demonstravam “a urgência da concretização de medidas há muito apresentadas pela Ordem, como a criação do cheque-dentista prótese e a criação de uma carreira especial no SNS capaz de atrair estes profissionais”.
Como não há duas sem três, nesse mesmo dia, mais uma vez surgiu o jornalista Francisco de Almeida Fernandes a escrever um artigo jornalístico para o Expresso, incidindo sobretudo sobre um debate no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas, em Matosinhos, com a moderação pelo ex-jornalista Paulo Baldaia, comentador de órgãos de comunicação social do Grupo Impresa – e que o apresenta como jornalista, embora já não o seja.
Cinco dias mais tarde, no dia 15 de Novembro, mais dentes no Expresso, desta vez a compilação de declarações dos “protagonistas da apresentação do Barómetro de Saúde Oral no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas”.
Como se ainda não bastasse, na edição semanal do Expresso do passado dia 17, mais uma notícia, também na versão em papel, com destaque à fotografia do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, e revelando que o “Governo comprometeu-se a criar 300 gabinetes de saúde oral até 2026”.
A notícia tinha uma pequena caixa onde se referia que “a Ordem dos Médicos Dentistas, que assinala este ano o 25º aniversário, voltou a reunir-se na 32ª edição do seu congresso, a que o Expresso se associou como media partner”, acrescentando que “o evento dedicado aos profissionais da saúde oral serviu para debater os principais desafios e as mais recentes inovações médicas que se colocam à profissão de médico dentista em Portugal”.
Apesar de referir, em diversas ocasiões que o Expresso se associou ao congresso como media partner, na verdade mais uma vez foi omitido que se tratou de uma prestação de serviços – o que significa que houve mercantilização de jornalistas e omissão da verdadeira causa para a saída das notícias (e o seu número e ângulo de abordagem).
Assinado por jornalista e com declarações até do ministro da Saúde. Notícia ou conteúdo comercial? Aquilo que for, certo é haver um contrato de prestação de serviços no valor de quase 24 mil euros pago pela Ordem dos Médicos Dentistas.
Com efeito, a cobertura noticiosa sobre saúde oral nestas duas semanas – que incluiu mesmo declarações políticas do ministro da Saúde – apenas foi possível não pelo interesse editorial, mas para cumprir um contrato de prestação de serviços no valor de 23.985 euros, que consta no Portal Base, uma vez que as ordens profissionais são equiparadas a entidades públicas. Como o montante sem IVA é inferior a 20 mil euros, a OMD e a Impresa – proprietária do Expresso – evitaram ter de expor por escrito uma evidência: o pagamento só seria feito se houvesse notícias na versão online e em papel, com a cobertura numa determinada abordagem.
Curiosamente, na agenda institucional do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Pavão, surge uma reunião a 26 de Junho passado com o “Diretor de Negócios do Expresso”, que será Miguel Pacheco, um ex-jornalista que chegou a ser director-adjunto do Dinheiro Vivo. Esta é, aliás, a parte mais perniciosa da promiscuidade deste tipo de ‘parcerias’: a ‘mensagem’, mesmo se publicitária ou panfletária, deve incorporar uma ‘linguagem jornalística’ para aparentar credibilidade para se mostrar mais eficaz. Claro, no processo, enganam-se os leitores, ouvintes e telespectadores, mas tornando-se, a prazo evidente, o que acaba por ser uma ‘facada’ no jornalismo sério.
Recorde-se que a mercantilização de notícias – isto é, o uso de jornalistas para cumprirem contratos comerciais de prestação de serviços com conteúdos informativos – viola o Estatuto do Jornalista e mesmo a Lei da Imprensa, por constituir uma ingerência externa nos critérios editoriais.
Mas, como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social se tem mostrado bastante tolerante e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista completamente alheada do ponto de vista disciplinar, os órgãos de comunicação social têm usado e abusado de um expediente ao qual eufemisticamente denominam agora de media partner, sobretudo quando os contratos são com entidades públicas, uma vez que essas prestações de serviços acabam por ser revelados, mais tarde ou mais cedo, no Portal Base.
O recurso a empresas de comunicação social, disponíveis em época de crise a direccionar jornalistas para criarem conteúdos favoráveis, tem aumentado nos últimos anos, não apenas com entidades públicas, mas sobretudo com empresas privadas.
Parece um jogo do gato e do rato. Ontem, a Global Media actualizou finalmente a sua estrutura acionista e identificou o fundo das Bahamas como sócio da empresa que detém a maioria do capital e o controlo da maioria dos oito membros do Conselho de Administração. Mas ‘esqueceu-se’ de dizer qual o homem que está mesmo por detrás do fundo. Já não precisa de esconder mais: o PÁGINA UM encontrou-o no Registo Central do Beneficiário Efectivo. O novo homem-forte do grupo de media –que gere o DN, JN e TSF –é mesmo novo: Clement Ducasse é um francês de 40 anos, mas que, contudo, mostra ser uma ‘raposa velha’ no lucrativo mundo das offshores, surgindo referenciado nos Paradise Papers.
Foram três, mas deveriam ter sido quatro. Na comitiva da administração da Global Media – proprietária do Diário de Notícias, do Jornal de Notícias e da TSF – ontem recebida em audiência pelo Presidente da República, estiveram apenas presentes Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho. O trio deveria ser um quarteto para reflectir a nova imagem deste grupo de media.
Mas se os conhecedores do estrito mundo da imprensa nacional pensam que o quarto, com falta de comparência, seria Marco Galinha, o ainda CEO da Global Media, desenganem-se: quem faltou mesmo foi o francês Clement Ducasse, o novo mas ainda ‘escondido’ homem-forte, que, mesmo se indirectamente, através da World Opportunity Fund, passou desde o mês passado a controlar um dos mais importantes grupo de media nacionais. O PÁGINA UM pode garantir que é este o homem, e não uma empresa que co-fundou (Union Capital Group), por detrás da cortina de um estranho negócio que coloca importantes jornais e rádios a serem controlados a partir das Bahamas, um país das Caraíbas.
O francês Clement Ducasse é o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media.
Apesar de rodeado de grande secretismo, a venda de 51% das quotas da empresa Páginas Civilizadas concretizou-se, como anteontem o PÁGINA UM revelou, apenas no passado dia 23 de Outubro com o registo no Portal do Ministério das Finanças da nova estrutura societária, confirmando-se assim que Marco Galinha ‘renunciou’ ao controlo indirecto da Global Media. O líder do Grupo Bel, que entrara no mundo da imprensa em 2020, possui agora uma participação pouco relevante tanto na Páginas Civilizadas como na Global Media.
Com efeito, por via da aquisição de 51% das quotas da Páginas Civilizadas, que tem um valor de apenas 1,4 milhões de euros, a World Opportunity Fund Ltd tem agora direito a indicar dois dos três gerentes, o que implica que passará também a ter direito de controlo sobre a Global Media. Como a Páginas Civilizadas detém directa e indirectamente 50,23% da Global Media (e também 22,35% da Agência Lusa), será Clement Ducasse que determinará a escolha do CEO do grupo de media e uma parte do Conselho de Administração, actualmente constituído por oito membros.
De acordo com a pesquisa inicial do PÁGINA UM, soube-se que a World Opportunity Fund Ltd – sedeada no Winterbotham Place Marlborough & Queen Street, em Nassau, nas Bahamas – está cotado na Bahamas International Securities Exchange como fundo mutualista regulado, sob controlo da The Winterbotham Trust Company Limited.
Paulo Lima de Carvalho, José Paulo Fafe e Diogo Agostinho, administradores da Global Media, ontem no Palácio de Belém, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Performance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund, Emerging Energy Services Fund e AsiAmerica Fund.
Mas apesar de se saber que o fundo está integrado no Winterbotham Group, fundado em 1990 por Geoffrey Hooper, uma holding financeira que inclui uma panóplia de negócios a partir das Bahamas – com empresas-filhas localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália – não havia uma confirmação oficial independente sobre quem, pessoa ou empresa, detinha o controlo efectivo do investimento.
Mas uma consulta específica na base de dados do Registo Central do Beneficiário Efectivo do Ministério da Justiça deu um nome em concreto: Clement Ducasse, que, curiosamente, continuava sem estar associado ao World Opportunity Fund Ltd, sócio maioritário da Páginas Civilizadas, no registo alterado ontem no Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC.
Nascido na França, Clement Ducasse fará 41 anos dentro de duas semanas e está no mundo dos negócios desde os 24 anos, quando, depois de um bacharelato em Administração de Empresas na ESSEC Business School em Paris, co-fundou a Union Capital Group, tendo a partir daí expandido actividades e dinheiros pelos quatro cantos do Mundo, com especial incidência nas Bahamas (onde está sedeado o Capital Union Bank), Dubai, Hong Kong, Singapura, Suíça, Taiwan e Estados Unidos.
Na sua nota biográfica, Ducasse refere que a Union Capital Group, fundada em 2006, “se tornou uma bem-sucedida consultora financeira especializada em mercados de capitais, derivados e soluções estruturadas, dedicada ao setor de private banking na Suíça, Europa e América Latina”, e diz ainda, sobre si, que “acredita que nesta fase de elevada polarização da riqueza, uma abordagem transparente e baseada em parcerias com os investidores acabará por prevalecer sobre soluções escaláveis e orientadas para a tecnologia”. Além destas funções, o investidor francês apresenta-se como administrador da Lake Geneva Investments Partners. Mas é quase impossível encontrar o rastro a todos os seus interesses, porque entra e sai de empresas com a maior das facilidades, em qualquer parte do Mundo. E com a maior diversificação. Ducasse tem mesmo negócios no sector da música, no seu país-natal.
Diário de Notícias é o mais antigo jornal de âmbito nacional de Portugal. Vai passar a ser ‘gerido’ a partir das Bahamas.
Aquilo que Clement Ducasse não diz nada é sobre as suas ligações a um vasto conjunto de empresas em paraísos fiscais, o que acabou por o levar a ser identificado por ligações a diversas empresas associadas aos Paradise Files, divulgados em 2017 pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ). Operando a partir de Genebra e de Nassau, nas Bahamas, o novo homem-forte da Global Media tinha ligações – como accionista, director ou representante legal – a cinco entidades apanhadas na “teia” dos negócios de paraísos fiscais.
O PÁGINA UM enviou questões a Clement Ducasse, endereçando mensagens para duas das empresas onde detém interesses, mas nenhuma teve resposta.
E fez-se alguma luz, mas ainda há muitas sombras. O registo do negócio entre o empresário Marco Galinha e a World Opportunity Fund associado à principal accionista da Global Media mostra que o fundo das Bahamas não vem só pelo investimento, mas sim para controlar a gestão dos órgãos de comunicação social como o Jornal de Notícias, o Diário de Notícias e a TSF. Mas aquilo que continua sem se saber é quem está por detrás do investimento, para o qual bastaram 1,4 milhões de euros. No entanto, uma investigação do PÁGINA UM revela quem é a empresa gestora do fundo das Bahamas, a Winterbotham Trust Company Limited, que, além de gerir mais 34 fundos nas Caraíbas, foi identificada no Bahamas Leaks, num processo subsequente ao Panama Papers, revelado pela Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação.
Apenas através da compra de uma quota no valor de 1,4 milhões de euros, um fundo das Bahamas, sobre o qual se ignora os investidores, vai passar a controlar a administração dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, bem como a rádio TSF. A confirmação advém da concretização do negócio já anunciado no mês passado, mas que apenas foi registado no Portal do Ministério das Finanças na segunda-feira da semana passada, dia 23 de Outubro, e que permitirá agora que o World Opportunity Fund Ltd indique dois dos três gerentes da empresa Páginas Civilizadas, a principal accionista da Global Media. Recorde-se que a Páginas Civilizadas, um ‘veículo empresarial’ criado por Marco Galinha em 2020 para entrar no negócio dos media – detém directa e indirectamente 50,23% da Global Media e também 22,35% da Agência Lusa.
De acordo com a informação consultada pelo PÁGINA UM sobre a alteração do contrato, a World Opportunity Fund Ltd – sedeado no Winterbotham Place Marlborough & Queen Street, em Nassau, nas Bahamas – adquiriu 51% da Páginas Civilizadas, por duas vias: um lote de 38% comprado à Palavras de Prestígio (detida integralmente pelo Grupo Bel de Marco Galinha) e outro lote de 13% adquirido directamente ao Grupo Bel. Deste modo, a Páginas Civilizadas passou a ter quatro sócias: a World Opportunity Fund Ltd, com 51%; a Norma Erudita – com 28,6%, sendo que a maioria desta empresa (51%) é detida pelo Grupo Bel e a restante parte por uma empresa do empresário de resinas António Mendes Ferreira –, e a Palavras de Prestígio e o próprio Grupo Bel, com 10,2% cada.
Marco Galinha vendeu maioria das quotas da principal accionista da empresa que controla Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF.
No entanto, embora a maioria da quota já lhe concedesse um direito dominante, o acordo assinado estabeleceu uma norma específica da estrutura de gestão para clarificação, prevendo-se que o conselho de gerência passasse a ser “composto por três gerentes, dividido em dois grupos” específicos. O denominado grupo A, com dois gerentes, será controlado em exclusivo pelo World Opportunity Fund Ltd, ficando o terceiro elemento na decisão do Grupo Bel.
Como a Páginas Civilizadas tem a maioria dos votos na Assembleia Geral da Global Media – e esta empresa tem, neste momento, oito membros do Conselho de Administração –, será previsível que o fundo das Bahamas também queira exercer influência maioritária no grupo de media. Mesmo com mexidas nos últimos meses, os interesses de Marco Galinha, através do Grupo Bel, permitiam-lhe dominar o Conselho de Administração da Global Media, onde actualmente apenas Kevin Ho King Lun – um dos accionistas, com 23,35% – não está sob seu controlo.
Esta alteração da estrutura de gerência da Páginas Civilizadas clarifica, de forma evidente, que o World Opportunity Fund Ltd não pretendeu apenas fazer um investimento, para diversificar rendimentos, mas sim que pretende ter uma acção directa e controladora na gestão de um dos mais importante media portugueses, com históricos periódicos como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, ambos fundados no século XIX.
Diário de Notícias é o mais antigo jornal de âmbito nacional de Portugal.
Mas, continua a subsistir a questão fundamental: quem está por detrás deste fundo das Bahamas?
De acordo com a pesquisa do PÁGINA UM, o World Opportunity Fund Ltd está cotado na Bahamas International Securities Exchange como fundo mutualista regulado, sob controlo da The Winterbotham Trust Company Limited. Esta gestora de activos tem, apenas naquele país das Caraíbas, a responsabilidade de administrar 35 fundos distintos, entre os quais o White Conch Fund, World Oil System Fund, Victorem Global Perfomance Fund, Quercus Multi-Strategy Fund, Planifolia Trade Finance Fund, Envision Special Fund, Americas Energy Growth Fund, OCIM Mining Fund, Emerging Energy Services Fund e AsiAmerica Fund.
No caso específico do sócio maioritário da Páginas Civilizadas não está disponível qualquer informação na bolsa de valores das Bahamas, dando erro quando se procura informação detalhada. Deste modo, desconhece-se assim o património ou carteira de investimentos, bem como a pessoa responsável pela gestão.
No entanto, a empresa gestora do fundo que agora controla a Global Media não é assim tão desconhecida. Integrada no Winterbotham Group, fundada em 1990 por Geoffrey Hooper, a The Winterbotham Trust Company Limited apresenta-se como um banco e empresa fiduciária, administradora e correctora de fundos de investimento a partir das Bahamas, fazendo parte de uma panóplia de empresas-irmãs localizadas em Porto Rico, Ilhas Cayman, Uruguai, Hong Kong e Austrália.
Gestora do fundo que controlará a Global Media também administra mais 34 fundos de investimento nas Bahamas.
O Winterbotham Group detém também interesses no sector imobiliário, segurador e até na gestão de carreiras desportivas, através da SeventyTwo Sports Group. Por exemplo, o tenista russo Andrey Rublev, actual número 5 do ranking ATP, é um dos clientes desta empresa.
Mas o facto de a gestão do fundo World Opportunity Fund Ltd – formalmente considerado em Portugal uma empresa, que agora até possui um número fiscal (980798116) – ser feita pelo Winterbotham Group não significa que seja esta empresa que vá controlar efectivamente a Páginas Civilizadas, e em consequência a maioria da administração da Global Media, dona do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF e accionista da Agência Lusa.
Sendo sobretudo um veículo financeiro e de investimento, com regras, os fundos de investimentos podem ser abertos ou fechados, sendo que, neste último caso, quem controla são o(s) detentor(es) do capital que formou o fundo. Ora, no caso do World Opportunity Fund essa informação não está disponível, ainda mais por estar num paraíso fiscal. No limite, e por hipótese académica, qualquer pessoa com recursos financeiros pode ser o investidor. Até o próprio Marco Galinha.
Certo é que quem investiu – e convém recordar que um fundo de investimento procura apenas rendimentos – dificilmente contará com um retorno a curto prazo: desde 2017, a Global Media acumula 42 milhões de euros em prejuízos. No entanto, a Páginas Civilizadas pode não reflectir esses prejuízos, por não ser uma holding da Global Media, e até conseguir canalizar receitas dos media que controla para obter lucros.
Entidade Reguladora para a Comunicação Social ainda não obrigou a mostrar o beneficiário efectivo da World Opportunity Fund.
Para aumentar mais as dúvidas sobre quem, de facto, controlará um dos mais relevantes grupos de media português, acrescente-se que a Winterbotham Trust Company Limited foi identificada no Bahamas Leaks, num processo subsequente ao Panama Papers revelado pela Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação. De acordo com o registo da Consórcio, a gestora do fundo que controla agora a Global Media teve 2303 entidades relacionadas com o Bahamas Leaks.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) poderá obrigar, contudo, se assim desejarem os membros do Conselho Regulador, a Páginas Civilizadas a identificar quem está por detrás do fundo. Mas até agora, no Portal da Transparência dos Media, ainda continua desactualizada a informação respeitante à estrutura societária da Páginas Civilizadas, não estando sequer identificado o novo sócio, a World Opportunity Fund Ltd, nem o beneficiário efectivo. Talvez, antes do regulador ‘acordar’, o PÁGINA UM venha a encontrar o fio à meada que ainda falta.
É através de ‘mais discurso’, e não da repressão do discurso, que poderá ser rebatido o pensamento expresso no cartoon. Esta é a conclusão de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) como reacção a queixas formais da direcção da PSP e da GNR, e de quase uma centena de pessoas, que não apreciaram um cartoon que colocava a tónica do racismo das forças policiais. A ilustradora Cristina Sampaio, que concebeu o vídeo no rescaldo da morte, em Junho passado, de um jovem magrebino francês pelas autoridades policiais, diz-se “satisfeita” por a ERC ter reconhecido que “a essência do cartoon é a sátira e o humor, que devem ser exercidos em total liberdade” numa sociedade democrática.
Que se discuta, mas que não se reprima – este é o sentido de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), hoje divulgada na íntegra, sobre o polémico cartoon que aborda o racismo nas intervenções policiais, transmitido pela RTP no passado dia 7 de Julho, no intervalo da emissão televisiva do NOS Alive. A deliberação surge como efeito de queixas formais da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP), que também apresentou já uma queixa no Ministério Público, mas que acaba por ficar ‘esvaziada’ com a análise do regulador dos media.
O cartoon, em formato vídeo, da autoria da experiente e ilustradora Cristina Sampaio – que integra o colectivo Spam Cartoon – retratava um polícia numa carreira de tiro a disparar contra vários alvos, constatando-se por fim uma gradação comprometedora gradação no nível de “acerto”: o primeiro alvo. representando um homem branco, tinha apenas um tiro, mas ao lado do corpo, enquanto o quarto “alvo”, representando um homem negro, estava ‘fulminado” com certeiros sete tiros na cabeça e 11 tiros no tronco.
Embora o cartoon fizesse alusão ao jovem francês Nahel, de 17 anos, de origem magrebina, morto a tiro pela polícia de Nanterre, no passado dia 27 de Junho, e independentemente da hora tardia da transmissão do cartoon, os dirigentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR) não apreciaram, o mesmo sucedendo com diversos partidos políticos como o PSD e o CDS, e ainda o Chega, que chegou a propor audições parlamentares da RTP e ERC.
A própria direcção da PSP anunciou mesmo, três dias depois da emissão do cartoon de Cristina Sampaio, ter avançado com uma queixa-crime ao Ministério Público por considerar que “propala[va] factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio e a confiança devida” àquela força policial. Em comunicado, a PSP disse então que fora já “elaborado auto de notícia (…) com referência aos factos apurados até ao momento e à informação que consideramos ter relevância criminal”.
Tal como também prometera, a direcção da PSP formalizou uma queixa na ERC, o mesmo tendo-se verificado com a GNR. Aliás, além destas, o regulador foi ‘metralhado’ com quase uma centena de queixas particulares. A primeira entidade sustentava que “o vídeo, ao apresentar os polícias como xenófobos e racistas, não contribui para a desejável paz social, podendo, pelo contrário, contribuir para uma perceção de ilegitimidade do uso da força pública, com potencial para afetar a desejável paz e harmonia social, que os polícias da PSP diariamente se esforçam por manter e defender.”
A GNR, por sua vez, seguiu o mesmo diapasão, referindo, de igual modo, que o vídeo fora “transmitido quando a audiência é essencialmente jovem, com grande capacidade de divulgação através de redes sociais” e que tinha potencial de “forte projeção pública”, sendo “facilmente acessível na internet ou através da respetiva aplicação móvel”. E acrescentava ainda que, mesmo “reconhecendo a liberdade de imprensa e meios de comunicação social”, se deveria “repudiar este vídeo que afronta coletivamente e individualmente todos aqueles que exercem funções policiais em Portugal”.
Esta força militar acrescentava que o cartoon transmitiu ao público a ideia de “existência de uma organização e metodologia para tratamento de grupos sociais de forma diversa, o que atenta gravemente contra toda e qualquer prática atual na GNR, que vem incrementando, nos últimos anos, a formação em matéria de Direitos Fundamentais, facilmente comprovável pelos programas dos diversos cursos e parcerias estabelecidas com instituições de ensino e de defesa dos Direitos Humanos nacionais e, inclusivamente, internacionais.”
Apesar de toda esta argumentação, os membros do Conselho Regulador da ERC concluíram que, embora o “cartoon objeto das participações tenha uma crítica forte e assertiva, não comporta um teor de humilhação ou vexatório, nem visa gerar o ódio ou desestabilizar a paz social”
Na sua análise, o regulador considerou, na linha do que já era seu entendimento, que o Spam Cartoon é um micro-programa, tendo mesmo “um genérico de abertura (…) e um genérico de fecho”, que se enquadra no “macrogénero ‘entretenimento’ e no género ‘humor’”, e que nessa linha “integram um género que é, por natureza, transgressor de limites, que recorre à caricatura, ao exagero, ao humor para transmitir uma opinião sobre determinado assunto”.
Nessa linha, a ERC defende que “o humor, a sátira, os cartoons – entre outros meios de manifestação da liberdade criativa – são formas de expressão do pensamento que não devem estar amarradas às sensibilidades subjetivas e gostos pessoais do público, de modo a permitir a crítica a grupos e figuras da sociedade, comportamentos, estereótipos, pensamentos, etc.”, pelo que, “nesta medida, gozam de um espaço mais alargado no que respeita aos limites à liberdade de expressão e de programação.” Daí salientam que “a violência policial e o racismo são temas que merecem reflexão e que podem, legitimamente, ser o mote para cartoons”.
Morte de jovem magrebino em França foi mote para o cartoon de Cristina Sampaio, mas PSP e GNR ‘dispararam’ logo com queixas judiciais e na ERC.
E conclui assim que a RTP1, ao transmitir o cartoon de Cristina Sampaio, “não violou a ética de antena, nem ultrapassou os limites à liberdade de programação”, destacando ainda que “é através de ‘mais discurso’, e não da repressão do discurso, que poderá ser rebatido o pensamento expresso no cartoon.”
Contactado pelo PÁGINA UM, a Cristina Sampaio diz estar “satisfeita por a ERC ter reconhecido que o cartoon tem um papel fundamental na comunicação social de uma sociedade democrática e que a essência do cartoon é a sátira e o humor, que devem ser exercidos em total liberdade.” A ilustradora, cujos trabalhos marcam também presença frequente no jornal Público, releva também o “apoio incondicional” que tiveram da RTP, cuja administração é presidida por Nicolau Santos.