A ascensão de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos vem reforçar a tendência que se passa na Europa de normalização de uma nova extrema-direita. Para Fernando Rosas, historiador e fundador do Bloco de Esquerda, “o momento é muito preocupante em termos internacionais” e “estamos a viver um período muito semelhante ao de 1939”, que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. Mas não vai ser um fascismo igual ao que se assistiu naquela época.
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o professor catedrático emérito da Universidade Nova de Lisboa manifestou preocupação com o que considera ser uma nova era de um regime fascista, com uma nova extrema-direita reconfigurada, e aliada de partidos tradicionais de direita. Além disso, Fernando Rosas sublinhou o apoio que oligarcas financeiros e tecnológicos dão a este novo regime que surge como sendo aparentemente benévolo, para resolver os problemas das populações, mas que irá acabar por se impor como autoritário e levar a um aumento das desigualdades económicas e sociais.
O aviso é também deixado por Fernando Rosas no seu mais recente livro ‘Direitas velhas, direitas novas’, no qual analisa a evolução da extrema-direita na Europa ocidental no pós-Segunda Guerra Mundial.
Para o fundador do Bloco de Esquerda, a Europa está a normalizar a extrema-direita, com a actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, a contribuir para essa realidade, através de alianças e políticas que beneficiam grandes grupos económicos e interesses oligárquicos, designadamente a indústria de armamento.
Para o historiador, nesta ascensão da nova extrema-direita reconfigurada, o anti-semitismo nazi foi substituído pelo anti-islamismo, a homofobia, a xenofobia e a repressão sexual.
Mas esta nova “extrema-direita não cai do céu aos trambolhões, não é um fenómeno que [surgiu] de repente”, porque “tem origem na crise sistémica do capitalismo neoliberal”, numa “crise económica, uma crise social e uma crise política”. Isto porque “as instituições desacreditaram-se, porque abandonaram as pessoas e as pessoas respondem com medo e respondem com raiva”. É destas emoções primárias que a nova extrema-direita se alimenta para crescer, defendeu Rosas.
“[Em] alguns desses partidos será uma direita que se reconfigura, cavalgando esse descontentamento e cavalgando totalmente sem escrúpulos. Explorando os instintos primitivos das pessoas, o racismo, a homofobia, a concorrência desbragada, o messianismo, a aceitação de verdadeiros palhaços, bobos da corte que se apresentam como líderes de opinião”, afirmou.
Alertou que “a mentira, a manipulação e esse cavalgar tem uma grande novidade em relação ao que se passou nos anos 20 e nos anos 30 do século passado, que são os meios que têm, a manipulação algorítmica, através das redes sociais, das vontades”, numa “verdadeira operação de contra-revolução cultural” e de “manipulação das vontades, dos sentimentos”. Porque “os eleitorados não são maioritariamente fascistas ou neofascistas; os eleitorados estão zangados, e há uma parte da extrema-direita que se reconfigurou para cavalgar esse descontentamento”.
Defendeu que com décadas de capitalismo neoliberal, o que temos hoje “são os resquícios de solidariedade social, trabalho coletivo, de espírito de comunidade” porque o lucro se tornou o objectivo central e tudo foi mercantilizado. “A mercantilização é o passar por cima do outro, é o espírito das ‘startups‘, o trepar por cima do outro e fazer o que for preciso para vencer”, disse.
Para Fernando Rosas, a esquerda precisa de “saber estar em minoria e lutar contra a corrente” para combater o novo fascismo e a guerra que se avizinha. “Remar contra a corrente é a história da esquerda”, disse. Lembrou que “a luta económica, a luta política contra a exploração do capital é indissociável de outras lutas que não são propriamente económicas, mas são lutas e ideológicas, são lutas do espírito, são lutas culturais”.
Mas defendeu que também a sociedade civil se precisa de movimentar. “E eu tenho confiança que a cidadania tem força suficiente, se souber caminhar nesse sentido, mas eu diria que o mundo que aí vem é complicado”, avisou.
Pelo meio, deixou fortes críticas à comunicação social, que acusa de contribuir para a ascensão da nova extrema-direita, porque “querem ganhar com a especulação, com as audiências, com o espectáculo” e reproduz o ambiente de normalização de partidos, como o Chega, que “transporta a subversão da democracia”.
Sobre os Estados Unidos, apontou que o fenómeno do “super-identitarismo” fez com que a “luta deixou de ser entre oprimidos e opressores e passou a ser entre brancos e pretos, mulheres e homens, heterossexuais e transexuais ou homossexuais”, levando à divisão da “frente que tem que haver num objectivo comum: a emancipação política e social”.
Na Europa, incluindo em Portugal, defendeu que deve haver uma plataforma que junte a esquerda, com acções em conjunto que fomentem uma plataforma comum para combater “este novo anti-fascismo”. Mas alertou que esta plataforma “que é preciso construir não pode ter ilusões acerca do capitalismo neoliberal” porque combater a extrema-direita actual “é resolver o problema da habitação, dos salários, do desemprego”. É isso que vai tirar a base e o eleitorado dos novos partidos de extrema-direita, defendeu.
Os novos agricultores vêm dos grandes centros urbanos. Por isso, Jaime Ferreira, presidente da Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, não duvida que “o futuro da agricultura está na cidade”. “É da cidade que vão sair as pessoas que vão para os campos. Os futuros agricultores vêm da cidade”, disse o engenheiro florestal em entrevista ao PÁGINA UM. Mas há uma dificuldade que os novos agricultores enfrentam: não encontram terrenos e, sobretudo, a preços razoáveis.
Por isso, nesta entrevista, o presidente da Agrobio também falou sobre a nova lei dos solos, deixando fortes críticas à medida, avisando que “está aberta a porta para usarmos solos que deviam estar guardados para uma função nobre como é a produção dos alimentos”. “Vai aumentar ainda mais os preços da terra e afastar pessoas da agricultura”. “Vai aumentar ainda mais a especulação (imobiliária)”, afirmou, frisando que se trata de “um problema sério de alienação de solos agrícolas”.
O decreto-lei do Governo que alterou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial foi publicado em Diário da República no dia 30 de Dezembro visando facilitar a reconversão de solos rústicos em urbanos para a construção de habitação. Segundo o Executivo, o objectivo é baixar os preços da habitação, pelo aumento da oferta, através de arrendamento acessível e habitação a custos controlados. A revogação do diploma foi esta sexta-feira debatida no Parlamento, mas um acordo do Governo com o PS permitiu manter as alterações ao RJIGT. O diploma, com alterações propostas, prosseguiu para discussão em sede de especialidade.
Jaime Ferreira alertou que a nova lei tem outras implicações, nomeadamente ambientais e prevenção de catástrofes. Isto porque, por um lado, pode levar a que sejam feita construção de habitação em zonas próximas de rios e zonas de cheia e, por outro, porque promove a densificação, sendo que é mais difícil proteger casas que estejam espalhadas no território, em caso de catástrofes naturais, como nos incêndios. Em termos ambientais, também tem implicações em matéria de saneamento, gastos de energia e transportes, apontou.
Defendeu que a solução para o problema da crise de habitação não deve vir à custa da agricultura. “Um estudo apontou que existem em Portugal três fogos para cada pessoa”, afirmou, indicando que há casas a mais no país, pertencendo muitas delas ao Estado, designadamente autarquias, mas também a entidades como a Santa Casa da Misericórdia, por exemplo.
Fundada em 1985 para divulgar e promover a agricultura biológica em Portugal, a Agrobio conta hoje com 9.200 associados e assume-se como associação de agricultores, consumidores e apoiantes da causa ambiental. Opera 12 mercados semanais de venda ao consumidor, 10 dos quais na área metropolitana de Lisboa. Também presta apoio aos agricultores, promove cursos de formação e iniciativas pedagógicas em torno de agricultura biológica. Mas, para Jaime Ferreira, o objectivo original da Agrobio ainda não está cumprido, “em particular na área da informação”, havendo ainda “muitos mitos” em torno da agricultura biológica.
Apesar disso, Portugal está acima da média europeia de área de cultivo dedicada a agricultura biológica. A meta que Portugal fixou, para 2027, junto da União Europeia (UE), era de 19%. Na UE, foi fixada a média de 25% até 2030. “Portugal está acima da média. Desde 2020 para hoje, 2025, já temos 865 mil hectares em agricultura biológica. Corresponde a cerca de 27% da superfície agrícola útil em Portugal. Já passámos os 25%”, disse Jaime Ferreira.
E há espaço para crescer. A UE disponibilizou 15 mil milhões de euros em fundos para o sector da agricultura, incluindo a conversão de áreas de cultivo convencional para produção biológica. Mas, a nível europeu, apenas 4% dos produtos agrícolas que chegam à mesa dos consumidores são de origem biológica.
Apesar de Portugal estar acima da meta média fixada pela UE em área de agricultura biológica, “70% são pastagens, forragens e culturas arvenses”, o que “quer dizer que estão ligadas à produção animal”. Só que os animais produzidos de modo biológico estão a chegar ao consumidor como sendo de origem convencional. “Há um problema da valorização”, pelo que a Agrobio defende a criação de incentivos para que o produto chegue ao consumidor com certificação “bio”.
Por outro lado, destacou que a agricultura em Portugal tem um problema: “está desligada dos interesses dos consumidores”, que procuram mais legumes, vegetais, leguminosas e frutos secos. Além disso, há que pensar na soberania e na segurança alimentar a nível nacional, numa altura em que a própria UE está deficitária, dependendo de importações para satisfazer as necessidades internas. Nessa matéria, a nível comunitário, “do ponto de vista de produção alimentar, nós regredimos”, avisou.
Há mais de duas décadas que o investigador Andrew Lowenthal defende os direitos humanos e civis no espaço digital. Actualmente, dirige a liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada a partir de Sydney, na Austrália, o investigador e activista comentou as duas recentes iniciativas legislativas do Governo australiano que fizeram soar os alarmes dos defensores dos direitos fundamentais: uma proposta que visava o alegado combate à desinformação, que foi vista como uma ameaça à liberdade de expressão; e uma iniciativa legislativa para proibir os menores de 16 anos de aceder a redes sociais. O primeiro diploma acabou por ‘morrer na praia, depois de o Governo não ter conseguido reunir suficiente apoio para que fosse aprovado. O segundo foi aprovado, mas está a gerar polémica por haver quem defenda que o Governo deveria optar por uma abordagem mais pedagógica em vez de proibir o acesso. Lowenthal sublinhou que a iniciativa levanta ainda muitas dúvidas sobre como vai ser protegida a privacidade de todos os australianos online no processo de confirmar a idade de quem acede a redes sociais no país. Nesta entrevista, Lowenthal falou ainda sobre a rede X e os eventuais riscos da proximidade de Elon Musk à nova administração Trump e defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, em vez das actuais plataformas controladas por “meia-dúzia da oligarcas”.
Mais do que nunca, há que estar vigilante para evitar que ideais totalitários tomem conta da Internet, designadamente através de ferramentas de controlo da informação e da eliminação da liberdade de expressão e da privacidade. Esta a é a visão de Andrew Lowenthal, que há mais de duas décadas trabalha na defesa dos direitos humanos e civis no espaço digital.
Segundo o investigador e director executivo da liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital, duas recentes iniciativas legislativas na Austrália são a prova de que não se pode baixar os braços e tem de se continuar vigilante, para impedir que a censura e a vigilância dos cidadãos passe a ser o ‘novo normal’ no mundo online.
Uma das iniciativas legislativas na Austrália, alegadamente visando o combate à desinformação, colocava em perigo a liberdade de expressão. A segunda proposta legislativa, visava impedir que menores de 16 anos pudessem usar redes sociais, o que levanta questões sobre o perigo de passar a ser obrigatório que todos, adultos incluídos, tenham de apresentar uma prova de identificação ou dados biométricos para entrar em plataformas como Facebook, Instagram ou X.
A primeira proposta foi retirada, depois de o Governo não ter obtido apoio suficiente para que fosse aprovada. A segunda foi aprovada à pressa e sem tempo para que partidos e o público a pudessem analisar e debater convenientemente. Mas a polémica em torno deste diploma promete continuar, até porque, para ser confirmada a idade, na prática, todos os utilizadores terão de passar a apresentar alguma prova de serem maiores de 16 anos, eliminando assim um direito fundamental: o direito à privacidade.
Nesta entrevista, Lowenthal alertou que esta alteração à Lei levanta riscos sobre a segurança de protecção dos dados e abre a porta a uma potencial vigilância apertada dos cidadãos australianos no mundo online. Numa futura crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, o Governo pode mesmo usar esse recurso para impedir cidadãos, incluindo jornalistas, de aceder a redes sociais.
Lowenthal, que colaborou nas investigações dos ‘Twitter Files‘ − que expuseram a máquina de censura que existia no antigo Twitter e que englobava a Casa Branca e diversas entidades oficiais −, defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, deixando algumas dúvidas sobre a centralização da rede X na figura do seu proprietário, o magnata Elon Musk, que é aliado declarado do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Na Austrália, tem havido iniciativas legislativas preocupantes, nomeadamente para eliminar a liberdade de expressão. Afinal, o que se passa na Austrália?
O Governo diria que estão a tentar eliminar a desinformação, mas a forma como funcionaria teria um impacto significativo na liberdade de expressão na Austrália. Estavam essencialmente a propor criar um sistema com dois níveis de liberdade de expressão em que, se se tratasse de um académico, um político ou um jornalista dos media ‘mainstream’, não seria abrangido por esta lei. Mas se fosse um jornalista de um meio de comunicação social independente, um comentador no Twitter ou um ‘influencer‘ no Instagram a dizer exactamente aquilo que o académico ou o político dissesse, seria considerado como estando a espalhar desinformação. Seria criado um sistema com dois níveis de direito à liberdade de expressão na Austrália. As definições que propunham eram muito vagas; apenas diziam que as informações tinham de ser razoavelmente verificáveis. Mas seria verificável à luz dos ‘standards‘ de quem? Pensando na covid-19, diriam que seria razoavelmente verificável a afirmação que a vacina impede a transmissão do vírus, por exemplo [o que se sabe que é falso]. Seria complemente selectivo.
A lei também iria impor multas enormes às plataformas que operam redes sociais, de 5% da facturação anual a nível global; não apenas a facturação registada na Austrália. Por exemplo, o Facebook poderia ser multado em 5% das sua facturação anual global por não combater suficientemente o que o Governo entendesse tratar-se de desinformação. Também iria endereçar toda a informação que fosse considerada pelo Governo como prejudicial para o ambiente ou para a economia, por exemplo. Se alguém criticasse os bancos, estaria a espalhar desinformação. Na Saúde, se alguém criticasse confinamentos ou o uso de máscaras, tudo o que o Governo considerasse ser desinformação, poderia ser abrangido.
O que foi positivo é que, em geral, as pessoas que habitualmente têm criticado este novo tipo de regime de censura têm sido classificadas como sendo de direita, apesar de muitas vezes serem de esquerda; mas assim que alguém critica estas coisas é logo acusado de ser direita. Mas, neste caso, a oposição [à proposta legislativa] por parte de progressistas foi muito significativa. Porque, em termos de estrutura de decisão política, há uma câmara inferior e uma superior, com os senadores, e partido com a maioria na câmara inferior não tem a maioria no Senado e precisa do apoio dos partidos progressistas para aprovar legislação. E todos disseram ‘não’. Disseram que iria ser muito mau para a liberdade de expressão. O que é particularmente de destacar é que, finalmente, se abriu uma brecha entre os progressistas. Há uma fatia considerável de pessoas que vêem esta ideia da desinformação e entendem como pode ser usada para censurar, e como potencialmente poderia ser usada contra todos nós.
Mas será que alguns políticos aprenderam a lição com o facto de Donald Trump ter vencido as eleições norte-americanas? Porque, um dos temas que preocupava muitos norte-americanos era a questão da liberdade de expressão. Sabemos como a Casa Branca liderada por Biden era pró-censura, designadamente na Internet. Há quem defenda que um dos motivos que levou à vitória de Trump foram receios nessa temática. Os políticos estão a aprender a lição, de que as pessoas não querem censura?
Penso que esse ambiente político já chegou à Austrália. As pessoas estão agora mais confiantes para dizerem o que pensam e não estão disponíveis para alinhar com um conjunto particular de ideias que lhes queiram estar a impor. Penso que teve definitivamente um efeito. Não se sabe ao certo em que medida, porque, ao mesmo tempo, muitos dos partidos progressistas têm muitos receios sobre a desinformação que pensam estar associada a Trump e isso pode facilmente ter o efeito contrário e pensarem: ‘temos de nos proteger de todas as mentiras que Trump vai andar a espalhar e que vão chegar aos cidadãos australianos’. Começa a haver um regresso de normalidade. As pessoas olham para a legislação e tentam vê-la sob uma luz menos emocional. O jogo parece ter mudado, o que é muito, muito encorajador.
Mas o pior já passou ou vai haver nova tentativa para eliminar a liberdade de expressão no futuro, na Austrália?
Penso que não vão tentar voltar a tentar aprovar esta lei. Até porque haverá eleições na Austrália no próximo ano, no primeiro semestre. Algumas pessoas pensam que o que está a acontecer é que o Governo está a tentar apressar a aprovação de legislação, porque esta semana é a última em que o Parlamento está reunido [semana passada]. No início do próximo ano, vão convocar eleições. Por isso, estão a apressar tudo isto. E estão a cometer erros em resultado de estarem com muita pressa. Penso que se tentarem voltar a tentar fazer passar esta lei teria de a mudar radicalmente, porque teve a oposição de dois terços do Senado. Depois, Os Verdes votarem contra não foi bem por serem a favor da liberdade de expressão. Foi parcialmente por isso. Eles queriam que o Governo tivesse mais autoridade sobre as empresas [tecnológicas] mas estavam também incluídos os media ‘mainstream‘, que são contra o partido Os Verdes. Em alguns níveis queriam mais autoridade e em outros não. É uma posição complicada. O que podem tentar fazer, e já estão a tentar, é tentar aprovar outro tipo de leis. Uma das novas, que já mencionámos, é a que visa proibir os adolescentes de aceder a redes sociais, proibindo todos com menos de 16 anos de aceder à maioria das redes sociais. O acesso ao TikTok, Instagram, Facebook e X seria banido a todos com 15 anos e menos. Isso traz imensos problemas. Sim, as redes sociais têm efeitos negativos em adolescentes, mas em ambos os casos estão a tentar fazer algo muito autoritário, em vez de adoptar uma abordagem educativa a este problema. Está a gerar muita contestação, incluindo de progressistas, finalmente. Um dos grandes problemas é: como se verifica se alguém tem mais de 16 anos? Têm de arranjar uma forma, ainda não especificaram como, para verificar a idade de todos, para que possam usar as redes sociais. Portanto, os adultos terão de se identificar, de algum modo, para poderem usar o Facebook ou o Instagram, ou outra rede social. Potencialmente, [será usada] uma forma de identificação digital ou reconhecimento facial ou partilhando a carta de condução ou o passaporte. Com todos as questões de segurança que surgem com isso, em termos dessas empresas terem acesso a uma quantidade enorme de dados sensíveis. Há sempre o risco de roubo ou fugas. Depois, o Governo ficaria a saber tudo o que as pessoas diriam nas redes sociais; cada comentário, cada ‘like‘, cada publicação, cada pensamento. Não queremos isto.
E vimos o que aconteceu durante a covid-19, com a censura. No futuro, numa futura crise, pessoas, incluindo jornalistas, poderiam ser simplesmente banidos das redes sociais, de modo fácil.
Seria muito fácil banir pessoas das redes sociais. Mas também mataria algumas destas plataformas. Porque muitas pessoas usariam o Facebook, mas menos pessoas usariam o X ou o TikTok se tivessem de se identificar de algum modo. E se alguém quisesse criar uma rede social que exige identificação real, então também poderia ser possível criar uma rede social para as pessoas que não querem identificar-se, ou as pessoas terem uma opção. Mas isso seria excluir as pessoas que não querem disponibilizar dados reais sobre si. É mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital.
O que passa com a Austrália? Porque, durante a pandemia de covid-19, foi um dos países mais autoritários do mundo. Vimos imagens terríveis de violação de direitos humanos e civis por parte das autoridades; violência sobre cidadãos australianos; imposição de medidas sem base na evidência científica. Porquê esta abordagem radical, agora, para acabar com direitos humanos e civis?
É uma pergunta muito interessante. Penso que a forma como as pessoas vêem a Austrália já desapareceu há muito tempo. Essa versão da Austrália morreu na década de 70 [do século passado] mas continuou a estar viva nos filmes e nos media. Mas é uma sociedade muito urbana, a maioria das pessoas trabalha no sector dos serviços. Poucas pessoas trabalham com as mãos ou no exterior. É uma sociedade altamente institucional, com as pessoas a trabalharem com computadores. Isso torna as pessoas um pouco frágeis. Todos vivemos nos subúrbios. Esta ideia anterior de uma Austrália forte e resiliente já não existe há muito tempo. Numa crise, manifesta-se de forma significativa. Depois, há confiança no Governo porque nunca tivemos uma guerra para obter a independência, nunca passámos por uma ditadura. Até à covid-19, penso que 9 em 10 cidadãos australianos podiam confiar no Governo; talvez 8 em 10. Nunca fomos realmente confrontados com este tipo de desafios. Essa confiança foi explorada durante a covid-19. Isso agora está a mudar, porque grande parte da confiança desapareceu, pelo menos junto de uma porção significativa da população. E muita da oposição que tem havido a este tipo de leis sobre a desinformação e a verificação de idades para aceder a redes sociais está muito ligada ao movimento de liberdade de decisão na Saúde, o movimento que saiu da covid-19, que não é da direita nem de esquerda, que é mais anti-autoritário. Esse movimento é que conseguiu parar esta lei sobre desinformação.
Esteve na Web Summit, em Lisboa, recentemente. Pode falar sobre o evento em que participou?
Tivemos um pequeno evento na Web Summit para falar sobre censura e alegações de desinformação e como podem ser usadas para censurar. Este evento resultou de conversas que tive com Paddy Cosgrove, o CEO, que está muito activo politicamente e no ano passado teve de se afastar do evento porque fez comentários não muito controversos sobre o conflito Israel-Gaza. Houve uma resposta desproporcional.
Foi imediatamente cancelado.
Foi cancelado, mas regressou e, não posso falar em seu nome, mas compreendeu os perigos da censura e do cancelamento, porque aconteceu directamente com ele. O evento, foi uma curta conversa. Estiveram presentes representantes de grandes media ‘mainstream‘ e de meios independentes que têm trabalhado sobre temas similares aos que temos estado a falar; desinformação; covid-19; os camionistas no Canadá; toda a farsa ‘Russiangate’ nos media [que envolveu acusações falsas sobre Trump]. Houve um debate aceso no final. Houve pessoas que falaram com muita paixão de ambos os lados. Houve pessoas muito críticas dos media ‘mainstream‘, que acham que os media foram longe demais e perderam o contacto com a realidade. Alguns media ‘mainstream‘ reconheceram isso, em particular um senhor que estava presente e admitiu que os media ‘mainstream‘ tinham feito um péssimo trabalho em torno do estado mental débil de Biden. Houve outras pessoas a admitir os erros dos media ‘mainstream‘. Houve uma pessoa que gere uma grande plataforma de media europeia que admitiu que, na covid-19, não tiveram uma diversidade de opiniões. Algumas pessoas reconheceram alguns dos problemas. Houve outras que acharam que não fizeram nada de errado e disseram: ‘vocês é que são o problema; deve-se sempre confiar no Governo’.
Isso vai contra o que é o Jornalismo.
O que penso é que este tipo de debates não tem sido permitido. Tem havido imensas conferências sobre desinformação, mas é com pessoas que têm todas a mesma opinião, de que há uma crise de desinformação, e admito que há problemas, mas nunca promovem uma auto-reflexão sobre se não se está a ultrapassar a fronteira e a entrar no campo da censura. Por isso, para mim, esta rejeição da proposta de lei na Austrália é tão emocionante. Porque muitas destas pessoas, não apenas pessoas da direita, mas também pessoas da esquerda, veem que há problemas com toda esta máquina de combater a desinformação e do quanto se excedeu e de como pode ser perigosa para a liberdade de expressão. Estou bastante encorajado a esse respeito.
Há problemas com desinformação, sempre houve esses problemas. Também mencionou os efeitos que as redes sociais podem ter nos adolescentes. Mas deve haver uma abordagem pela educação e não pela censura e o autoritarismo.
Sem dúvida. Muitas pessoas da esquerda estão a chegar a essa conclusão. Tenho ouvido alguns a usar o argumento de, por exemplo, no tema do LGBT, um jovem com 15 ou 16 anos, que não conhece ninguém na escola ou está isolado e não sabe como se conectar com pessoas; as redes sociais são um meio para encontrar pessoas e se conectar e avançar, sendo alguém muito diferente na sociedade. E estão a querer impedir isso, estarão a isolar estes miúdos e afastá-los uns dos outros. Há grandes problemas nas redes sociais mas colocar um cobertor e bloquear o acesso como solução… Talvez tenha razão e, dado o que a Austrália fez na covid-19, não é inteiramente surpreendente que faríamos isto neste tema. Mas criou uma polémica. Portanto, a história acabou por conduzir a duas situações. Porque, há esta tendência profundamente autoritária na Austrália, numa sociedade muito resiliente e bem gerida aos olhos de fora − excessivamente gerida, a meu ver. Por outro lado, há esta rejeição deste novo sistema de controlo social na Internet.
O que espera do futuro? Tem esperança de que a sociedade ocidental não vá cair na armadilha de voltar aos tempos de censura e a tempos de autoritarismo? Ou está pessimista e pensa que a batalha ainda não terminou e a liberdade a democracia estão em perigo?
Talvez ambas. Penso que a única forma de se reverter este totalitarismo e ditaduras é através de se estar vigilante constantemente. Estou muito mais optimista do que estava há umas semanas. Há mais pessoas a fazer ouvir a sua voz sobre como estão fartas disto. Mas a luta não terminou. Vai continuar indefinidamente. Mas, talvez, haja mais vitórias no curto e médio prazos, e mais desafios que surgirão depois. Mas temos estado a ter algumas vitórias, o que é muito bom.
Sobre o X, tem havido celebridades e mesmo jornais, como The Guardian, a sair da rede social. Colaborou nos ‘Twitter Files’ e sabe sobre a censura que o antigo Twitter fez e como se articulou com a Casa Branca de Biden para censurar. Como vê estas saídas do X, numa altura em que a rede social regista um recorde de utilização?
Deve haver múltiplas plataformas de redes sociais. Temos demasiada centralização nas redes sociais. Talvez, hoje, um utilizador pode concordar com Elon Musk [dono da rede X] e amanhã pode discordar. E ele tem muito poder sobre aquela plataforma, não é algo democrático. É baseada no que ele pensa hoje e pode não pensar o mesmo amanhã. Não creio que a Bluesky seja para mim, mas ainda não a vi bem. Precisamos de ter redes sociais descentralizadas e não apenas meia-dúzia de oligarcas a controlar estas plataformas, o que é, definitivamente um problema. No futuro, deveria haver uma maior diversidade de plataformas do que as que temos actualmente. Obviamente, há também problemas sobre a proximidade que Musk tem com a nova administração [Trump]. Temos de estar vigilantes, mesmo em relação a pessoas que a dada altura considerámos serem nossas aliadas. Temos de poder criticar e manter as pessoas de acordo com os princípios, fundamentalmente.
NOTA: Transcrição editada e adaptada para português de entrevista feita em inglês.
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Ricardo Cunha, presidente da Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores, é o rosto de um novo movimento que mobilizou quase metade do contingente dos regimentos de sapadores de várias cidades numa inédita e mediática manifestação nas escadarias da Assembleia da República. Defende melhores condições salariais para uma profissão de vital importância, pela sua capacidade e treino, mas de desgaste rápido. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Ricardo Cunha fala também sobre as especificidades de uma profissão que muitos ainda confundem com as actividades desempenhadas pelos bombeiros voluntários, mas cujas diferenças são abissais.
Nas grande cidades são os ‘pronto-socorro’ eficaz e 100% disponível e sem falhas, mas uma parte considerável da população ainda ignora que os bombeiros sapadores são muito distintos dos bombeiros voluntários. No início do mês, uma manifestação activa defronte à Assembleia da República, veio galvanizar as reinvidaçãoes do novel Sindicato Nacional dos Bombeiros Sapadores (SNBS), criada em 2019 para lutar pela dignidade e condições desta profissão essencial para o quotidiano e para uma eficaz política de protecção civil.
Nesta entrevista para a HORA POLÍTICA, Ricardo Cunha, presidente do SNBS, destaca as reivindicações da classe, que incluem melhorias nas condições de trabalho, aumento salarial e de subsídios de risco e ainda o reconhecimento das especificidades da profissão. Numa conversa que também se quis didáctica, este também sapador no regimento de Lisboa sublinhou também as diferenças fundamentais entre os bombeiros sapadores e os bombeiros voluntários, salientando que as exigências de formação e os critérios de seleção para os primeiros são muito mais rigorosos e profissionais.
“Para ser profissional, é preciso ter uma certa formação e um certo critério de exigência”, disse Cunha, referindo-se à formação intensiva e à seleção rigorosa que diferenciam os sapadores. Enquanto um bombeiro voluntário tem entre 250 e 350 horas de formação, um sapador passa por cerca de 1.800 horas de treino inicial, após ser submetido a testes eliminatórios em várias áreas, incluindo a psicológica, física e de cultura geral. Segundo o presidente, “ser sapador é como ser aceite em tropas especiais”, dado o nível de exigência.
Cunha lamenta o desinvestimento na carreira dos bombeiros sapadores, destacando o desgaste físico e psicológico da profissão e a falta de reconhecimento para a reforma antecipada. Uma das reivindicações centrais é a criação de uma carreira clara, que contemple um subsídio de risco adequado e que permita a aposentadoria aos 50 anos para bombeiros de base, em vez da idade actual, de 60 anos. Dizendo aos 50 anos, muitos dos sapadores já apresentam doenças incapacitantes, Ricardo Cunha destaca as dificuldades enfrentadas por profissionais de uma atividade altamente exigente e de risco constante.
Ricardo Cunha também se referiu à falta de uma escola nacional de formação específica para sapadores. Actualmente, a formação está restrita às escolas do Regimento de Lisboa e do Porto, enquanto a Escola Nacional de Bombeiros está focada principalmente nos voluntários.
O dirigente máximo do SNBS também aflorou o problema da duplicidade de funções e responsabilidades no terreno emn operações de socorro, uma vez que, por exemplo, em cidades como Lisboa, os bombeiros voluntários actuam frequentemente em situações que deveriam ser coordenadas pelos sapadores. Cunha destacou a importância do cumprimento da lei que exige que, ao chegar ao local, o comando seja passado para o bombeiro sapador presente. Esta situação tem gerado tensões entre as corporações e compromete a eficiência do socorro, diz.
Em termos de perspetivas futuras, o presidente do sindicato é categórico ao defender que o Governo deve acompanhar os pedidos dos sapadores bombeiros, que têm o apoio das autarquias, as suas empregadoras, alterando os normativos legais para dar maior dignidade a uma profissão essencial para o país. Caso contrário, admite, os protestos e manifestações continuarão, embora descarte a possibilidade de uma greve, porque só iria afectar as populações que eles servem.
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Octávio Viana é o presidente da associação de defesa do consumidor Citizens’ Voice, que tem avançado com acções populares na Justiça contra empresas gigantes, designadamente a Vodafone, o Pingo Doce e as principais companhias aéreas de baixo custo. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Octávio Viana fala sobre os vários processos em curso em defesa dos consumidores e que visam, nomeadamente, companhias aéreas ‘low cost’, operadoras de telecomunicações e a Fnac. Deixa ainda elogios aos tribunais superiores, pelas sentenças em defesa dos direitos dos consumidores e critica reguladores, sobretudo a Anacom – Autoridade Nacional das Comunicações por não forçar as empresas de telecomunicações a cumprir a lei.
Se os reguladores actuassem na defesa dos direitos dos consumidores, a associação Citizens’ Voice não teria de existir. Esta é a percepção de Octávio Viana, presidente daquela associação de defesa do consumidor que intentou diversas acções populares contra gigantes como a Vodafone, a Fnac, o Facebook, empresas de ‘rent-a-car‘ e quatro companhias aéreas ‘low cost‘, designadamente a Ryanair.
Fundada no final do ano de 2021, a Citizens’ Voice conseguiu vitórias judiciais de relevo, nomeadamente uma contra a Vodafone, que forçou a operadora de telecomunicações a devolver aos clientes os valores cobrados por serviços não solicitados.
Mas a associação também ganhou processos contra o Pingo Doce (designadamente, uma providência cautelar que empresa perdeu parcialmente e outros casos, os quais não transitaram ainda em julgado, sendo que o mérito de algumas queixas ainda está a ser discutido nos tribunais). Recentemente, houve mais uma vitórias: um processo individual de uma ex-passageira da Ryanair contra esta companhia aérea, e que foi apoiado pela Citizens’ Voice, contra a cobrança indevida de uma verba para transportar a bagagem de mão na cabine da aeronave.
Este caso contra a Ryanair, decidido no Tribunal de Braga, já não é passível de recurso e, segundo Octávio Viana, cria jurisprudência em relação ao tema e abre a porta à condenação das quatro companhias aéreas ‘low cost’ (Ryanair, Easyjet, Vueling e Wizz Air) alvo de acções populares por parte da Citizens’ Voice.
Nas críticas a reguladores, Octávio Viana citou o caso da Anacom-Autoridade Nacional das Comunicações. “As operadoras de telecomunicações continuam a agir contrariamente à Lei nas barbas da Anacom e já com decisões transitadas em julgado no Supremo Tribunal de Justiça”, o qual condenou a Vodafone, em 2022, devido à cobrança de serviços adicionais que os consumidores não tinham solicitado, como os pacotes extra de dados. Segundo o presidente da Citizens’ Voice, a Vodafone manteve o comportamento e só recentemente deixou de ter essa prática ilegal. “Só existe a Citizens’ Voice porque há uma lacuna nos reguladores”, afirmou.
O também presidente da ATM – Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais, revelou, nesta entrevista ao PÁGINA UM, que o seu activismo em defesa dos consumidores já lhe valeu um processo num caso que diz tratar-se de assédio judicial (ou SLAPP, sigla de ‘strategic lawsuit against public participation’). Em concreto, o Pingo Doce fez uma queixa criminal contra a Citizens’ Voice e o próprio Octávio Viana, depois deste ter feito uma reclamação no Livro de Reclamações da cadeia de supermercados do grupo Jerónimo Martins.
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Nascido em Coimbra em 1959, formado em Engenharia Florestal na Universidade de Trás-os-Montes, Armando Carvalho é, porventura, um dos especialistas mais conceituados e um dos mais profundos conhecedores do mundo rural e dos problemas e potencialidades do interior.
Com um percurso profissional multifacetado, com passagem pelo mundo associativo (foi vice-presidente da Quercus nos anos 90) e mesmo na assessoria em gabinetes ministeriais, tem sido sobretudo no terreno que se tem valorizado (e tem dado valor), com as suas passagens por diversos cargos técnicos e de chefia em organismos públicos do sector do Ambiente, Florestas, Conservação da Natureza e Turismo.
Nos últimos anos tem-se também empenhado na divulgação dos valores patrimoniais, dirigindo a elaboração de diversos guias, elaborados pela editora Foge Comigo.
Nesta entrevista – ou, melhor dizendo, conversa de amigos de longa data –, com Pedro Almeida Vieira, Armando Carvalho fala sobretudo dos problemas da floresta e dos incêndios florestais, e também da sua experiência numa paciente ‘luta’ para inverter o minifúndio e valorizar a floresta e as comunidades rurais.
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Pedro Norton de Matos é um dos principais rostos da sustentabilidade em Portugal e um gestor à frente do seu tempo. Há 17 anos, fundou o Greenfest, o maior evento de sustentabilidade do país. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Norton de Matos defende que, mais do que governos ou do que Bruxelas, as autarquias podem ter um papel crucial para acelerar a mudança em termos de uma sociedade mais sustentável. Também falou sobre a crise nos media e sobre a tendência de polarização e divisão da opinião pública, que tem o efeito perverso de criar cidadãos apáticos e passivos. O gestor deixou ainda críticas às três grandes indústrias: a da guerra; a farmacêutica; e a petrolífera. Numa era em que se instalam no Ocidente ideais autocráticos que visam, nomeadamente, condicionar ou eliminar a liberdade de expressão, Norton de Matos defende que democracia e sustentabilidade são compatíveis. Para o gestor e consultor, mudar comportamentos na área ambiental passar por se premiar as boas práticas, acreditando que são as novas gerações que vão fazer a diferença, mas apelando a um compromisso intergeracional.
Pedro Norton de Matos criou o Greenfest, o maior evento de sustentabilidade em Portugal, há 17 anos. Na altura, o conceito ESG (siga de ‘Environmental, Social and Governance’) ainda não era um fenómeno no mundo empresarial, nem uma prioridade para muitas empresas. Hoje, sustentabilidade é um critério em muitos negócios e está reflectido em políticas e em práticas.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer em matéria de defesa do ambiente e na criação de uma sociedade sustentável. Pedro Norton de Matos não tem dúvidas de que as novas gerações são determinantes para a mudança mas, no imediato, em Portugal, é o poder local que pode trazer uma maior transformação para um país mais ‘amigo’ do ambiente. “As autarquias são e poderão vir a ser cada vez mais os grandes motores de acelerar a mudança”, disse o mentor do Greenfest numa entrevista ao PÁGINA UM.
Norton de Matos defendeu que, não só os autarcas estão, muitas vezes, mais tempo no poder do que um primeiro-ministro, como as autarquias têm uma visão mais holística na gestão dos recursos e na resolução de problemas. “Mais do que as coisas acontecerem em Bruxelas ou no Terreiro do Paço, acho que é claramente nas comunidades onde a mudança pode acontecer de uma forma mais eficaz, mais consistente e mais rápida”, frisou.
Um gestor reputado de topo, (foi presidente-executivo da Unisys Portugal, Espanha e Itália e da operadora ONI), Norton de Matos, decidiu mudar as suas prioridades quando sofreu um enfarte aos 50 anos. Hoje, aos 69 anos, reside em Ponte de Lima e, ao longo dos anos, não só criou o Greenfest como promoveu outros projectos a pensar na sustentabilidade, nomeadamente o Bluefest Portugal, mas também na consultoria e formação, através da Academia G.
Mas é o Greenfest o ‘empreendimento’ mais conhecido, contando já com 24 edições realizadas em diversos municípios. O evento nasceu em parceria com a Câmara Municipal de Cascais, mas acabou por se alargar a outras partes do país e a outras autarquias, nomeadamente aos municípios de Braga, Porto, Torres Vedras e Valongo. A próximo edição do Greenfest está agendada para os dias 27, 28 e 29 de Setembro, em Braga.
Nesta entrevista realizada na plataforma Zoom, o gestor e consultor falou sobre como ” as três maiores indústrias do mundo” − a da guerra, a petrolífera, a farmacêutica − moldam e influenciam as políticas e as tendências. “Todos os países europeus vendem armas e, sem hipocrisias de reconhecer isso, há negócio para vender armas”, disse, frisando que “não é difícil instigar [o aparecimento de conflitos armados], seja com ódios religiosos, étnicos ou históricos”, e que “o mais fácil é criar uma guerra”.
No caso da indústria farmacêutica, salientou que ” temos de estar agradecidos à Ciência, à tecnologia, por grandes evoluções das décadas, mas vemos também a perversidade de negócios, em que as fronteiras levantam dúvidas”, estranhando “ver tantos especialistas com tantas certezas, a defender posições, quando seria mais honesto, até intelectualmente, mostrar algumas dúvidas, e não certezas cegas”.
Também comentou a crise na comunicação social em Portugal, destacando a importância de se “valorizar muito e elogiar projetos independentes, que lutam quase contra tudo e todos, quando estão a fazer um serviço público de primaríssima utilidade”. Para Norton de Matos, “há uma perversa dependência [de grupos de media] e que leva, portanto, a adulterar completamente” a informação. “Os médicos fugiram do ideal do Hipócrates; os Jogos Olímpicos fugiram do ideal de Pierre Coubertain; e os jornalistas têm fugido (…) do jornalismo rigoroso”, lamentou.
Também criticou o facto de no espaço mediático e público, das redes sociais, haver polarização de temas e observou que “a maioria que não está polarizada, é uma maioria que, em muitos casos, quase que é convidada à inação, porque fica tão dividida”.
Num mundo cada vez mais polarizado e em que temas de relevo como o da defesa do ambiente são politizados, assiste-se ao regresso de políticas e ideologias em prol da censura e da eliminação da liberdade de expressão. Mas, para Norton de Matos, a democracia “é claramente compatível [com a defesa do ambiente] e é o único modelo” em que se revê, afastando a implementação de ideais autocráticos, os quais estão em ascensão no Ocidente.
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Marta Silva preside à cooperativa cultural Largo Residências, cuja actividade tem sido marcada pela crise no acesso a habitação na capital, o processo de gentrificação da cidade e a explosão do turismo. Depois de ter tido a sua ‘casa’ no Largo do Intendente durante 11 anos, a cooperativa foi promotora, durante um ano, de um pólo cultural ‘pop up’ no quartel da GNR do Largo do Cabeço de Bola, também na freguesia de Arroios. Recentemente, passou a ocupar parte das instalações do antigo hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, onde criou o centro cultural e comunitário Jardins do Bombarda. Distinguida como uma das cinco maiores cooperativas do género do país, em 2019, a Largo Residências também se tem destacado em projectos de inclusão social e desenvolvimento local, com programas voltados para a comunidade, mas também para o apoio a artistas, nomeadamente refugiados. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Marta Silva destaca o papel da cultura, enquanto “cola” e função “estruturante de relações, de criação de sentimentos de pertença”, e frisa que é crucial que os decisores políticos percebam que esta actividade não é só animação. A presidente da cooperativa também elabora sobre o programa de actividades nos Jardins do Bombarda, nomeadamente a primeira conferência internacional sobre ‘Terceiros Lugares’, um tipo de espaços colaborativos, que se realiza em Outubro.
Foi considerada, em 2019, uma das cinco maiores cooperativas culturais do país. Mas essa distinção, entre outras, e o seu papel na área de inclusão social e desenvolvimento local não foram suficientes para tornar a cooperativa Largo Residências imune à forte crise no acesso a habitação que tem assolado o país, nomeadamente na capital, e que afectou as suas actividades nos últimos anos.
A gentrificação da cidade, a par da explosão do valor dos imóveis e do negócio do alojamento local, deixou a Largo sem casa. Depois de 11 anos a desenvolver a sua actividade no Largo do Intendente, a cooperativa presidida por Marta Silva teve de procurar ‘casa’ nova. Durante um ano, promoveu um pólo cultural ‘pop up‘, temporário portanto, no quartel da GNR no Largo do Cabeço de Bola, também na freguesia de Arroios. Recentemente, passou a ocupar parte das instalações do antigo hospital psiquiátrico Miguel Bombarda, onde criou o centro Jardins do Bombarda.
Marta Silva, 45 anos, foi co-fundadora da Associação SOU, criada em 2007, com sede em Arroios, um projecto de formação e programação em artes performativas, que deu origem à criação, em 2012, da cooperativa Largo Residências. Para a gestora cultural, “as cidades, para serem sustentáveis, precisam de projectos sem fins lucrativos e que reconhecem o cidadão e o desenvolvimento local como prioritário”.
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, destaca que “a Cultura cria valor, cria um impacto, que não é só activação, não é só animação. Ela é estruturante de relações, de criação de sentimentos de pertença e é uma cola sem a qual a cidade vai desmoronar”. E diz os agentes têm de ser vistos como interventores territoriais estruturantes e “de criação de cidade”.
Marta Silva também salientou o papel fundamental da participação cívica. “Não podemos encarar o acto de participação com ouvir opiniões”, disse. Para Marta Silva, “infelizmente, ainda estamos todos longe de perceber o que é realmente participar. Hoje em dia, há uma tendência em falar de um processo participativo, quando estamos simplesmente a informar ou a recolher opiniões, e isso não é um processo participativo”.
A presidente da Largo, além de ser gestora, desenvolveu a sua actividade em torno da dança e do ensino. Este ano recebeu o prémio ‘Melhores Produtores Culturais 2023’ da sexta edição do Prémio Natércia Campos, atribuído pela Academia de Produtores Culturais.
No leme da Largo Residências, Marta Silva acompanhou, de igual modo,todo o processo de transformação do Intendente e zonas adjacentes causada pelos movimentos de imigração, turismo e valorização imobiliária.
Agora, nos Jardins do Bombarda, a cooperativa continua com o seu programa de residências de artistas, que tem o apoio da Câmara Municipal de Lisboa. Tem também o programa residências-refúgio, que é apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o qual acolhe, actualmente, cinco artistas em situação de refúgio.
No espaço encontram-se ainda um restaurante, uma loja, um jardim onde se pode organizar eventos, e diversas zonas para actividades e programas diversos. O espaço é aberto ao público e também acolhe actividades originadas na comunidade.
Em preparação, está a sala-estúdio Valentim de Barros para acolher espectáculos e que homenageia um dos primeiros bailarinos portugueses com carreira internacional, o qual, sendo homossexual, foi institucionalizado no Miguel Bombarda, tendo lá vivido mais de quatro décadas.
Também em preparação, está a I Conferência Internacional ‘Terceiros Lugares’ em Portugal, dedicada a esta tipologia de espaços colaborativos. Trata-se de entidades do terceiro sector, ou seja, que não estão ligadas nem ao sector público nem ao privado, que ocupam temporariamente antigos espaços com outros usos, como antigas fábricas ou hospitais, com o objectivo final de ter um impacto mais territorial, de inclusão, desenvolvimento local, social e económico, a dimensão da comunidade e do cidadão. O evento vai decorrer nos dias 11 e 12 de Outubro, sendo que nos dois últimos dias haverá workshops nos Jardins do Bombarda.
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Luís Menezes Leitão, 60 anos, presidente da Associação Lisbonense de Proprietários, não tem dúvidas de que o que mais contribuiu para a actual crise no acesso a habitação em Portugal foram as medidas “hostis” impostas pelos governos socialistas de António Costa, que lesaram proprietários e inquilinos. Frisou que muitos proprietários desistiram de arrendar e desmente informações divulgadas nos media de que existe uma grande fatia de arrendamentos sem contrato e não declarados ao Fisco. Militante do PSD, o advogado também se mostrou muito desiludido com a forte viragem à esquerda do partido e pela ausência de políticas diferentes das dos socialistas. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados também alertou que está a haver uma tentativa de interferência do poder político no poder judicial, o que considera preocupante. Também receia que, no futuro, se possa repetir a violação dos direitos fundamentais dos portugueses e o desrespeito pela Constituição que se observou durante a pandemia de covid-19. Sobre o sector da Justiça, apontou que a situação calamitosa em que se encontram os tribunais administrativos e fiscais favorece a impunidade de políticos e constitui uma ameaça à democracia.
Luís Menezes Leitão não tem dúvidas: o principal responsável pela crise no sector da habitação, nomeadamente do mercado de arrendamento, é António Costa. O presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) reconhece que a tendência internacional de crescimento do alojamento local ajudou à crise, mas culpa os dois últimos governos socialistas pelo que considera ser um retrocesso das políticas relativas ao sector, com medidas que lesaram tanto proprietários, como inquilinos.
Para o advogado, “grande parte do que se está a passar na elevação dos valores das rendas resultou de o governo anterior ter adoptado uma política de tal forma hostil aos proprietários que levou que grande parte deles desistissem de se manter no mercado de arrendamento”. Apontou que “a cereja no topo do bolo foi quando se decidiu o travão à subida das rendas”.
Segundo Luís Menezes Leitão, “estes últimos 8 anos foram desastrosos”, o anterior primeiro-ministro, António Costa, a conseguir destruir em semanas o que tinha levado décadas a conseguir.
Com cerca de 10.000 associados, a ALP é a mais antiga estrutura representativa de proprietários urbanos a nível nacional. Fundada em Fevereiro de 1888, preside à Confederação Portuguesa de Proprietários e ocupa actualmente a vice-presidência da União Internacional da Propriedade Imobiliária (UIPI). Apesar de centenária, a associação ainda luta, no século XXI, por eliminar medidas já muito antigas, como o congelamento de rendas que, segundo o presidente da ALP, provoca uma distorção no mercado, obrigando proprietários a ter rendas mais elevadas para compensar rendas congeladas. Aliás, a ALP tem promovido uma petição pública Pelo Fim Imediato do Congelamento de Rendas em Portugal, que conta com mais de 2.500 assinaturas.
Apesar de esperar que o actual governo suportado pela AD (PSD/CDS-PP) possa avançar com soluções para os problemas do sector, tem pouco esperança. Um militante do PSD, o advogado lamenta que, “nos últimos anos, o partido tenha virado muito à esquerda”. Afirmou que se nota, “infelizmente, uma política muito próxima do que defende o PS”. E defendeu que “essa viragem do partido à esquerda e tem contribuído para terem surgido outros partidos à direita”, como o Chega.
Para o presidente da ALP, não “parece que seja muito correcto um partido do governo que aspira ser alternativa e que defende exactamente as mesmas políticas que o partido do anterior governo, apenas com algumas nuances”. Frisou que “era esperado que houvesse uma postura mais reformista e uma viragem no que se tinha passado”, mas “o que se tem visto é praticamente uma evolução na continuidade” porque “não vimos nenhuma reforma e nenhuma viragem digna desse nome como muitos esperavam” e ele próprio esperava.
Comentando a actual situação da Justiça, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados considera que podemos estar “perante um ataque concertado ao Ministério Público”, já que existem inúmeros comentários e movimentos de políticos com vista a que haja uma interferência do poder político no poder judicial.
“Não podemos cair na questão de tentar um controlo do Ministério Público por parte do poder político. É isso que está em curso. Está em curso com o Manifesto dos 50, que é um manifesto de políticos para defender que os políticos controlem o Ministério Público”, afirmou.
Reconheceu que “é preciso voltar a credibilizar a nossa justiça”. “Mas também estamos a ter simultaneamente uma tentativa de intervenção do poder político na Justiça que me parece bastante preocupante”, avisou.
O ex-bastonário também alertou para a situação calamitosa em que se encontra a Justiça administrativa e fiscal. Mas apontou que os políticos beneficiam com a situação, pois se houver cidadãos que os queiram responsabilizar, só haverá decisões em 10 anos, quando já ninguém se interessar pelo tema. Para o advogado, esta situação põe em causa a responsabilização efectiva do poder político e constitui um problema para a nossa democracia.
Luís Menezes Leitão, que foi um dos críticos das medidas inconstitucionais impostas em Portugal durante a pandemia de covid-19, teme que os direitos fundamentais dos portugueses voltem a ser violados no futuro. “Fiquei bastante chocado com o que se passou, na altura. Surgiram uma série de medidas inconstitucionais que o Parlamento, praticamente, aprovava ‘de cruz’”, disse. Por outro lado, defendeu que “devia ter havido imensas entidades que tinham competência para fazer a fiscalização da constitucionalidade, mas nada fizeram”, nomeadamente a Procuradoria-Geral da República e a Provedora de Justiça. Acresce que “não se viu uma oposição eficaz dos partidos da oposição”. Ou seja, “o nosso sistema constitucional foi colocado à prova” e mostrou ser “frágil”, o que “é preocupante”.
“Tenho algum receio que a situação se volte a repetir. Infelizmente, nós não temos visto, quer da parte de alguma opinião pública, quer especialmente por parte do poder político, o facto de se tomar consciência do que se podia ter feito e o que se devia fazer”, lamentou. E concluiu: “só num país como Portugal, se pode ouvir um primeiro-ministro dizer que um confinamento é para manter, diga o que disser a Constituição”.
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Licenciado e doutorado em Engenharia Florestal pelo Instituto Superior de Agronomia, Jorge Capelo é um dos mais conceituados investigadores de ciências vegetais de comunidades mediterrânicas e macaronésias, que abrangem a floresta laurissilva, na ilha da Madeira.
Numa conversa descontraída com Pedro Almeida Vieira, o responsável pelo herbário do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INAV), e também professor convidado da Universidade da Madeira, fala, a título pessoal, das riquezas da floresta madeirense e de tudo aquilo que se perdeu no recente incêndio, que destruiu mais de 5.000 hectares.
Mas houve também oportunidade para uma abordagem mais didáctica sobre a Botânica e as suas estórias, o seu estudo e sobretudo as valias das plantas.
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