Durante a pandemia, a generalidade dos jornalistas da RTP, na linha da imprensa mainstream, teve uma atitude deplorável de seguidismo, em violação dos princípios deontológicos, em apoio a uma narrativa oficial, contribuindo para menosprezar, ostracizar e perseguir todos aqueles que, mesmo de uma forma científica, pretendiam introduzir racionalidade a uma crise sanitária. Já muito escrevi sobre esta matéria – e desconfio que venha a escrever mais.
Mas ontem lembrei-me de um lastimável “debate” da RTP, em 2 de Fevereiro de 2021, num programa intitulado “É ou não é?”,
E lembrei-me porque foi moderado pelo jornalista Carlos Daniel – e que ontem esteve presente na apresentação do mais recente livro de Gustavo Carona intitulado Olhem para o Mundo com o coração. Jornalismo oblige: respirei fundo e fui ouvir a louvaminha de Carlos Daniel à obra. Temi tudo, mas esperando pelo menos coerência. Mas não: descobri hipocrisia.
Mas enquadremos a coisa. Recuemos a 2 de Fevereiro de 2021 e ao suposto debate que deveria confrontar as diferentes visões da comunicação e da desinformação em pandemia. Quem esperasse um verdadeiro debate, perdeu logo a esperança pelo naipe de “escolhidos”: o antigo ministro socialista Correia de Campos, o consultor de comunicação Rui Calafate, o assessor de imprensa Rui Neves Moreira, os médicos Ricardo Mexia, Gustavo Carona e João Júlio Cerqueira, a psicóloga Marta Moreira Marques e o jornalista Paulo Pena, que está para a desinformação como o Milhazes para a Rússia.
Nesse programa, que deveria estar exposto nos anais do Jornalismo, no sentido de ser o paradigma daquilo que se deve evitar, não houve um – um único – entre os oito convidados que destoasse uma vírgula da narrativa, que mostrasse uma visão diferente, que clamasse por uma maior transparência na informação oficial (já repararam que o PÁGINA UM foi o único jornal que, por exemplo, quis saber dos registos da mortalidade nos lares, estando o caso em Tribunal Administrativo?), que defendesse a necessidade de se esclarecerem os conflitos de interesse dos intervenientes, que enquadrasse a pandemia num contexto de crise sanitária onde coexistiam outras variáveis valências (incluindo de saúde pública a curto, médio e longo prazo).
Nada disso. Ali, sob a batuta de Carlos Daniel, naquilo que falsamente se chamou debate, não apenas chutaram para fora quaisquer visões diferentes, como se meteu tudo e todos no mesmo saco. Tudo foi, se fugisse da linha oficial, e sem direito a opinar, catalogado como desinformação e teoria da conspiração.
Ao minuto 58:03, Carlos Daniel resumiu que tudo aquilo que não seguisse a estratégia oficial – que, por exemplo, em Portugal resultou em quatro anos consecutivos de excesso de mortalidade, sobre a qual já nem o desplante oficial culpa a covid-19 – era “ignorância colectiva que se alimenta com estas notícias” [leia-se, redes sociais], e mostrava então o seu receio de que o “negacionismo” pudesse “fazer caminho”.
As intervenções dos médicos Gustavo Carona e José Júlio Cerqueira são, se ouvidas hoje, autênticos compêndios de mentiras, intolerância e absurdos embandeirando abusivamente a Ciência. E tudo sem qualquer contraditório. E com um jornalista como responsável por este “banquete”. Quem quiser pode ainda assistir a este falso debate promovido, enfim, por um jornalista.
Gustavo Carona, Carlos Daniel e Pedro Abrunhosa, ontem no Porto.
Dois anos e meio depois, não me surpreenderia assim que o jornalista Carlos Daniel, se fosse coerente, corresse a louvar um indivíduo como Gustavo Carona, e acabar até por, hélas, lhe elogiar a escrita literária. Mas já foi longe demais ao tecer estas considerações finais (a partir do minuto 12:20):
“Em boa parte, a intolerância radica na ignorância. E a ignorância é arrogante, como nós sabemos. E a ignorância não respeita o especialista, duvida da Ciência, transforma hoje… o influenciador é mais importante que o comunicador, não é? Esta coisa… Eu acho que é muito importante, e se calhar tento terminar com esta ideia, que os jornalistas que cuidam dessa coisa da objectividade e acreditam numa verdade; pelo menos numa verdade provisória, numa verdade quotidiana, não na verdade filosófica… Mas também nos artistas, que têm que ser capazes, como o Pedro[Abrunhosa, que estava ao seu lado]faz tantas vezes, de marcar e dizer o que pensam e dizer como é que acreditam que isto podia ser melhor; mas as pessoas que se expõem com opiniões, com sentimentos, como o Gustavo [Carona] faz tantas vezes; se calhar nós somos três exemplos de pessoas que não têm que ter medo do UNLIKE, não é? Não devemos procurar o LIKE. Nós temos que acreditar que a nossa missão também é, de vez em quando, desagradar a alguns, para que eles entendam que o Mundo não é apenas – como agora parece às vezes ser – daqueles que pensam como nós e nos põem os LIKES. Convém que haja alguém que discorde de nós, porque da discordância nasce o debate – e só do debate pode nascer o tal compromisso que eu falava há pouco. E isto é o mais essencial à Democracia, e, se quisermos, também nesta altura, à paz. E eu acho que, dito isto, apetece-me sublinhar que talvez, mais do que nunca, precisemos mesmo de olhar o mundo com o coração.”
A mim, depois de ouvir as palavras do jornalista Carlos Daniel ditas ontem no lançamento do novo livro de Gustavo Carona – um dos médicos mais alarmistas e intolerantes ao debate durante a pandemia –, e conhecendo a sua postura profissional nos últimos anos, só me apetece sublinhar uma palavra que nem está neste seu discurso, mas que está no seu âmago: HIPOCRISIA.
Desde Setembro, de uma forma mais incisiva e sistemática, o PÁGINA UM tem dedicado, mesmo com parcos meios, uma especial atenção aos contratos públicos, incluindo as autarquias e sobretudo a Administração Pública, com uma secção própria: Res Publica. De uma forma simplista, olhamos para as despesas – e a forma como (não) se cumprem as regras da transparência, da contratação pública e da boa gestão da res publica – que ficaram consignadas, algures, num Orçamento de Estado, quer tenha sido ou não classificado como pipi.
Os Orçamentos de Estado são, como se deveria saber, e de uma forma também simplista, complexas folhas de cálculo, onde se coloca, de um lado, a despesa previsível – e que se deseja ser possível fazer –, e do outro lado, a receita que um Governo sente ser possível sacar dos contribuintes. Mas aprovado com maior ou menor dificuldade o Orçamento do Estado, o bom jornalismo sabe de antemão o enxame de interesses que por ali pululam. E é aí que o bom jornalismo, como defensor do interesse público e como um dos pilares da democracia, se deve mostrar. Sem tibiezas. Com ousadia. Sem medos. Com coragem. Sem ser pipi. Com tintins. É isso que o PÁGINA UM se esforça por fazer.
Embora a má gestão dos dinheiros públicos não seja propriamente uma surpresa – o PÁGINA UM não descobriu, com a nova secção que criou, práticas sobre as quais nada se sabia ou nada se desconfiava –, pessoalmente tem-me causado estupefação a dimensão das irregularidades, dos despesismos e dos expedientes onde tresandam combinações e campeia a corrupção moral, a mãe da corrupção financeira. Quer em contratos de milhões de euros quer em contratos de poucos milhares de euros, encontram-se esquemas, quase sempre onde os ajustes directos – aqueles que se combinam por telefone, por e-mail ou à mesa de um restaurante. E isso é o que facilmente se pressente na documentação presente no Portal Base, e onde estão ausentes, em muitos casos, cadernos de encargos e outros elementos procedimentais numa clara tentativa de obscurantismo.
Acredito que haja gestores impolutos e instituições impolutas, mas começo a pensar que, daqui a nada, tenho de me investir de um qualquer Lancelot ou Percival para encontrar o Santo Graal. Isto porque, hélas, até naquela implacável máquina do Estado que, imune a sentimentalismos, nos sequestra o dízimo de contribuintes, mais as moras por demoras ou as multas por esquecimentos (mais ou menos negligentes), acabamos por encontrar os males de Frei Tomás: prega rigor, pratica vícios. Os contratos por ajuste directo, 17 feitos desde 2017, por um subdirector-geral dos Impostos (chamemos assim por simplificação), em benefício de uma mesma empresa, com claros e evidentes sinais de combinações à margem da lei, mostram assim o pântano em que vivemos. Sobretudo porque o Ministério das Finanças nem sequer se julga no dever de comentar ou agir.
A causa deste silêncio, e de tantos outros silêncios, advém da assumpção (justa, diga-se) de que hoje a imprensa mainstream é formada sobretudo – e exceptuando casos cada vez mais raros e, por minoritários, sem força nas redacções – por jornalistas pipis, ademais comandados por directores (e directoras) sem tintis, no sentido metonímico do termo (aviso já os wokistas) de ausência de coragem e de falta de ousadia. Se a imprensa de massas não fala, não existe. E os políticos e as empresas agora sabem como, com certas massas e manhas, “silenciar” a imprensa mainstream.
Não tenho dúvida alguma que, até há décadas, e falo pela minha experiência jornalística, mais de metade dos casos denunciados pelo PÁGINA UM seriam manchete ou primeira página na generalidade da imprensa mainstream, ou teriam eco em follow up (seguimento). Em alguns casos, teriam consequências para os visados. Mas o jornalismo de hoje não é um verdadeiro jornalismo. É um sucedâneo adulterado, que confiscou a denominação. No jornalismo de hoje já não estão jornalistas nas cúpulas, nas chefias: estão sobretudo marketeers e directores comerciais travestidos de jornalistas encarteirados mas preocupados com as suas vidinhas, as suas casas de férias, as propinas dos filhos no colégio privado e as remodelações da cozinha (se fosse da biblioteca, seria menos mau; seria sinal de alguma erudição).
Hoje, o jornalismo de investigação e de denúncia – que é a essência pura da imprensa – está varrido das redacções, e dá-me uma dor de alma perceber como as parcerias comerciais com autarquias, Estado e empresas privadas estão a matar o jornalismo – e de uma forma pornográfica, sendo os directores e directoras de alguns órgãos de comunicação social os protagonistas, de perna aberta. Hoje, há temas e escândalos que jamais serão notícia. Hoje, o homem que mordeu o cão só será notícia se o homem que mordeu o cão não tiver uma parceria comercial com órgãos de comunicação social. Hoje, perdidos os tintis, quase só nos resta um jornalismo pipi.
Hoje, a promiscuidade entre a política – nas várias acepções do termo – e o jornalismo (e certos jornalistas) está ao nível do pântano – pântano não, que é ecossistema rico; corrigido assim: cloaca. Nos anos 90 e na passagem do século, quando colaborei, entre outros, no Expresso e na Grande Reportagem, sempre senti as pressões, que são habituais, em assuntos delicados sobre os quais escrevi, mas havia então alguma decência: as chefias não vergavam ou se o faziam não era evidente. Em 2006 senti, pela primeira vez, que já vergavam e não tinham pejo, aquando de um lamentável episódio no Diário de Notícias protagonizado por um subdirector, que não passava de um agente socialista, tanto assim que poucos meses depois era vê-lo já como assessor de um ministro socrático, e nunca mais o vi a sair da esfera de influência do Partido Socialista. Esse caso contribuiu, aliás, para o meu afastamento do jornalismo durante cerca de uma década.
Mas, olhando agora para esse episódio de 2006, acho que piorámos incomensuravelmente. E não foi apenas com a pandemia. Hoje, há notícias que simplesmente são engavetadas ou nunca recebem luz verde. Ou então são despidas de qualquer polémica, usando-se estilos inócuos e fofinhos. Os próprios jornalistas têm medo, ou são formatados para não se arriscarem no confronto com os poderes instalados, a menos que aqueles estejam em desgraça ou em aparente queda.
Os supostos reguladores (ERC, CCPJ e até, enfim, o Sindicato dos Jornalistas mais um seu apêndice chamado Conselho Deontológico) são hoje instrumentos sobretudo de condicionamento do jornalismo independente, para, através de pareceres e recomendações que não passam de bitates, dar uma capa de impunidade aos infractores, e com a inacção darem uma ideia de que não existem vergonhas na classe. Quanto mais denúncias o PÁGINA UM faz da promiscuidade que se vive na imprensa mainstream, mais ataques recebe dos supostos reguladores.
Veja-se a título de exemplo, duas deliberações da ERC contra o PÁGINA UM (e virão mais) por notícias que até resultaram em processos contra os queixosos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Veja-se ainda o processo disciplinar instaurado pela CCPJ – e por empenhos da sua presidente, Lucília Gago, despeitada por notícias do PÁGINA UM – por mor de uma queixa do almirante Gouveia e Melo por outra notícia que denunciava evidentes (repito, evidentes, e até documentadas) irregularidades no processo de vacinação de médicos não-prioritários contra a covid-19, e que também resultou numa inspecção ainda não concluída (a aberta em Janeiro passado) pela IGAS. A fase de instrução anda a marinar há cinco meses, talvez porque o relator anda a pensar se também deve processar disciplinarmente alguns dos seus colegas da CMTV.
E veja-se também o papel do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas que, em vez de se preocupar com a promiscuidade de “jornalistas comerciais” (onde até se inclui um vogal da direcção do próprio sindicato), anda agora entretido a fazer pareceres, ora para fazer fretes à presidente da CCPJ, ora para criticar o estilo de escrita usado em rigorosas e documentadas denúncias sobre contratos públicos do Hospital de Braga.
Aliás, este último caso é exemplificativo sobre o desplante que agora impera: é tão grande o à-vontade das falcatruas e das irregularidades e ilegalidades que os seus autores sentem que até conseguem, com bons empenhos, censurar e difamar um jornal que, por independente, ainda grita que ‘o rei vai nu’. E o facto é que conseguem, mesmo não necessitando sequer de provar que o jornalista mentiu.
Bem sei que a vida nunca esteve fácil para o jornalismo independente, e que melhor parece estar para os jornalistas pipi sem tintins. E quando criei o PÁGINA UM sabia que um jornalismo independente, fracturante, sem parcerias comerciais e ideológicas nem agendas obscuras, e ainda mais denunciando as promiscuidades da imprensa mainstream, estaria sujeito, mesmo entre os seus pares (ou sobretudo usando estes), a actos de boicote, de censura e de difamação – por exemplo, anda por aí um professor universitário de Coimbra na área da Comunicação Social, com excelentes ligações aos mentideros, a esgadanhar-se para encontrar “provas” da ligação do PÁGINA UM à extrema-direita. E prevejo que se não as encontrar, cansando-se, as tratará de inventar… ou de fazer mais uns pareceres “mui isentos” sobre as minhas “tropelias deontológicas” ali para os lados do Chiado.
Hoje, bem sei que algumas das minhas notícias, mesmo com o genuíno espírito daquilo que deveria ser a imprensa, podem cair em saco roto. Podem politicamente ser ignoradas, porque apenas lidas por pouco mais de 20 mil pessoas, como esta, sobre os 17 ajustes directos para limpezas do subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. Podem jornalisticamente ser ignoradas pela imprensa mainstream.
Mas prefiro continuar neste nicho do que, por exemplo, fazer o jornalismo ao estilo do making of do Orçamento do Estado publicado no Público na sexta-feira passada por uma directora-adjunta e por uma redactora-principal (não foram jornalistas de uma qualquer secção de social ou de vida mundana), onde se teceram pérolas deste lustre (negritos meus):
Mas há sempre coisas de última hora. A equipa das Finanças dorme muito pouco nos dias que antecedem a entrega do Orçamento na Assembleia. Na véspera da entrega, o ministro dormiu seis horas – os assessores obrigam-no, não o querem com olheiras no dia da apresentação solene ao país, o momento alto do ano nas Finanças, um gran finale a que grande parte dos funcionários da casa assistem. Mas se dormiu seis horas na noite antes da conferência de imprensa, na antevéspera Medina dormiu tão pouco que ainda acabou por fazer uma sesta no ministério.
Os dias que antecedem a entrega “têm 25 horas”, segundo um dos “homens (e uma mulher) do Orçamento”. Há uma equipa permanente que, tal como o ministro, dorme muito pouco. Foi com essa equipa que o ministro se reuniu no princípio de Setembro para fazerem um brainstorming fora do ministério a um sábado de manhã, 8 de Setembro, no Bairro Alto.
Foi uma reunião fora do horário de trabalho, mas o objectivo era pôr os homens do Orçamento a pensar “fora da caixa”.
(…)
Antes do gran finale que é a apresentação ao país, o ministro vai ao Parlamento entregar a proposta.
Mas este momento não é exactamente o fim. O Orçamento foi entregue no Parlamento, onde pode sofrer alterações. Fernando Medina rompeu com uma tradição de anos e anos em que o Orçamento chegava a altas horas da noite ao Parlamento e inaugurou os “orçamentos diurnos”. Desde o ano passado que passou a ser entregue aos deputados à hora do almoço, o que permite fazer a conferência de imprensa em que o explica ao início da tarde. É uma questão de “organização do trabalho”, defende. Foi o que “combinei com o primeiro-ministro e com a ministra da presidência”. “Queria fazer mesmo isto.”
Quem escreve isto, nunca, jamais, escreverá, ou quererá que se escreva, em simultâneo, sobre estranhos contratos na Autoridade Tributária e Aduaneira em negócios de milhões com uma empresa de limpeza. Ou não quer que se escreva sobre as dívidas ao Estado de empresas de media, como as da Trust in News e da Global Media. Ou não quer que se escreva sobre… enfim, sobre muita coisa. E mesmo que batam muito no peito sobre o jornalismo e a independência do seu jornalismo, nada mais fazem do que jornalismo pipi sem tintins. E isto é a morte do jornalismo.
Por isso, caros leitores (onde se incluem, obviamente, as leitoras, mesmo se caras), apenas peço uma coisa: no dia em que me virem a escrever assim, sobre o poder, avisem-me, porque o PÁGINA UM terá de ser encerrado por ter perdido os tintins e só já conseguir fazer um jornalismo pipi.
E agora, se não se importam, o resto da tarde será dedicado exclusivamente a tratar de questões processuais do PÁGINA UM relacionadas com pedidos de informação ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos e de alguns casos em curso no Tribunal Administrativo de Lisboa, incluindo um em que a CCPJ é réu. A notícia sobre a “fantochada” (será mesmo esse o termo que usarei no título, avanço já) do arquivamento do processo disciplinar ao Doutor Filipe Froes terá de ficar para amanhã… Já agora, embora fosse desnecessário: baseia-se em documentos.
Em menos de dois anos, um projecto jornalístico pessoal transformou-se, com o auxílio de um excelente punhado de vontades e colaboradores, naquilo que é hoje o PÁGINA UM: um jornal digital que (sobre)vive exclusivamente dos seus leitores, do valor (monetário) que os leitores lhe atribuem, e da sua credibilidade. Sem dívidas nem penhores. Não é pouco.
Como somos um órgão de comunicação social sem mecenas por detrás para arcar prejuízos; como não temos publicidade nem parcerias comerciais; como nascemos sem um investimento forte (o capital social da empresa que o gere, do qual sou sócio maioritário, é de apenas 10.000 euros, e não temos nenhuma autorização para darmos calote ao fisco de 11,4 milhões de euros); e como, ainda por cima, o jornal é de acesso livre, temos consciência de que desafiamos todas as regras da Economia. E desafiamos muito mais.
O nosso valor é o valor da nossa credibilidade. Vale o nosso sustento, periclitante, frágil, mas honrado, até porque é por tudo isto que o PÁGINA UM actua de forma desassombrada, assombrando muitos. Somos verdadeiramente livres, independentes, sem agendas escondidas, sem necessidade de agradar a gregos e a troianos, ou a dar uma no cravo e outra na ferradura. Enfrentamos, porque acreditamos estar ainda numa democracia, todos os poderes em pé de igualdade.
Denunciamos as situações anómalas da imprensa – mesmo sabendo que desagradamos a uma classe corporativista que, de forma viciosa, foi vendendo a alma ao diabo (não há mal em vender-se a alma ao diabo; convém é então não andar travestido de asas de anjinho).
Enfrentamos qualquer poder, quer seja político quer seja judicial, sempre que está em causa o acesso à informação e a transparência, usando as armas que a democracia nos concede: as leis e os tribunais. Ao longo de dois anos, interpusemos 18 intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, e mais se seguem. Perdemos alguns casos (poucos), ganhámos muitos, outros estão em kafkianos processos de decisão, com recursos e expedientes dilatórios da Administração Pública.
Fazemos um trabalho invisível mas muito árduo e desgastante, nesta linha, que mesmo os leitores mais fiéis do PÁGINA UM nem imaginam. Mas não desistimos. Como poderíamos se nem pejo tivemos de confrontar, com a lei, o Conselho Superior da Magistratura? E continuaremos. Ainda esta semana pediremos a execução de uma sentença por incumprimento integral de uma decisão do Tribunal Administrativo e de uma acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. E iremos fazer novo pedido de consulta de outros processos, que terá nova intimação se não satisfeito. A lei tem de começar a ser cumprida pelos próprios magistrados.
Tudo isto é uma tarefa quotidiana árdua. Todos os dias sinto que a minha credibilidade é colocada em causa, não apenas por mim (e sou muito zeloso da minha credibilidade), não apenas pelos meus leitores, mas sobretudo pelos nossos detractores. E são muitos. E são facilmente identificáveis. Por isso, reajo de forma veemente quando se coloca em causa a minha credibilidade e a credibilidade do PÁGINA UM.
Ao longo destes quase dois anos, enquanto o PÁGINA UM anda a revelar e a denunciar sem parança – num estilo aguerrido, que, sabendo ser particular no novi-jornalismo dos tempos modernos, nem foge muito à linha daquilo que eram os meus artigos na saudosa Grande Reportagem, quando Miguel Sousa Tavares era seu director –, sei bem os incómodos que provoco, mesmo, ou sobretudo, nos meandros do jornalismo. Um mundo pequeno e que se tem mostrado pequenino.
Começou logo no início do PÁGINA UM com uma campanha lamentável da CNN Portugal, seguida por outros jornais, onde se destaca o Público, o Observador e o Expresso, onde aliás colaborei vários anos.
Continuou com a postura da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que não apreciou certas questões sobre transparência, e chegou a fazer um execrável comunicado contra mim por simplesmente eu estar a defender o acesso à informação. Os membros do Conselho Regulador anunciaram processos judiciais: sei que apresentaram duas queixas, que chegaram à fase de inquérito, mas desistiram antes de eu ser ouvido (não lhes custou os encargos dos advogados, pagos com dinheiros públicos). Malgrado isto, tem andado a ERC entretida a elaborar pareceres a pedido – já são quatro, e deverá haver mais –, contra o PÁGINA UM, incluindo notícias que até resultaram em processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Continuou com a Ordem dos Médicos, com “excelentes” relações com os media, que, perante pedidos de acesso a documentos administrativos a uma campanha de solidariedade que é um caso de polícia, decidiu apresentar uma queixa judicial contra mim (acompanhada pelo ex-bastonário, pelo inefável Filipe Froes e pelo pediatra Luís Varandas) numa tentativa de influenciar uma decisão num tribunal administrativo.
E continuou também na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que, depois de um conjunto de notícias desfavoráveis ao suposto mérito da actual presidente, veio a correr abrir os braços a uma queixa do almirante Gouveia e Melo, abrindo-me um processo disciplinar sobre notícias que, hélas, resultaram na abertura de uma inspecção pela IGAS. A mesma CCPJ fizera, no ano passado, uma lamentável recomendação censória para alegrar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que, à conta de notícias do PÁGINA UM, teve um processo de contra-ordenação da IGAS e a perda do estatuto de consultor do Infarmed.
E talvez me esteja a esquecer de outros casos.
No meio disto, veio a terreiro recentemente uma “coisa” chamada Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) como novo braço armado para me pôr na linha. E digo “coisa”, com alguma dor de alma, porque fui membro por um ano nos idos de 2006 (salvo erro), até me demitir por me aperceber que havia questões mais de política e de conveniência do que de deontologia. Adiante que isto é história. Ora, o CD-SJ é, na verdade, uma “coisa” que existe mas não existe. Ao contrário da ERC e da CCPJ, não tem qualquer competência legal nem ligação directa ao Sindicato dos Jornalistas, nem tem um critério de actuação, nem tão pouco uma linha transparente de intervenção. Basicamente, no meio da deterioração geral da imprensa e dos atropelos constantes até das normas do Estatuto dos Jornalistas, o CD-SJ vai dando os bitaites, de quando em vez.
Compreende-se: além de ser presidido pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, especialista em vinho alvarinho e docente universitário, o CD-SJ integra ainda um jornalista da Trust in News (empresa que deve 11,4 milhões ao Fisco), outra do Observador (que nunca soube o que eram lucros e agora convive alegremente com parcerias comerciais de duvidosa deontologia e legalidade, além de já ter feito ataques soezes a mim) e uma outra jornalista da Lusa (o Pravda do actual Governo, no sentido de que para a agência noticiosa tudo o que sai do Governo é Verdade, e que, em tempos, publicou, como se fosse um relatório sério, algo que era um embuste sob a forma de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”). Há um quinto elemento sobre o qual poucas referências detenho, excepto saber que terá andado em inquirições para descobrir os supostamente misteriosos, obscuros e tenebrosos financiadores do PÁGINA UM.
Aliás, eu nem sei como ainda não surgiu a “lenda” de eu ser um tipo a ser suportado com dinheiros da extrema-direita ou do Putin ou da… ia dizer China, mas isso são outros; deve ser pelo meu aspecto dar mais ares de extrema-esquerda. Ficam confusos e indecisos, certamente, por ser difícil colar o “cromo”.
Ora, mas de repente, esta “coisa” chamada CD-SJ acordou da letargia, embora já tivesse feito uma trapalhona tentativa de me lixar no início de 2022, malparida por um jornalista da CNN Portugal, ao ponto de terem então metido a viola no saco. Até Maio deste ano, com tanta porcaria a ser feita por tantos jornalistas e directores de supostamente respeitáveis órgãos de comunicação social, o CD-SJ tinha feito cinco pareceres. Mas nem sequer tugiu nem mugiu em concreto sobre a actuação de 14 ‘jornalistas comerciais’ detectados pela ERC, incluindo até um dirigente sindical (Miguel Midões), que assobiou para o ar e manteve o poiso no Sindicato. O CD-SJ também se borrifou para os jornalistas da Cofina que serviram de mestre-de-cerimónia em 12 emissões de telejornais da CMTV pagos por autarquias. Quis lá saber de um Reginaldo que faz programas como jornalista enquanto obtém patrocínios como empresário para o dito. Nem um ai deu perante directores que se vergam em sorrisos aos patrocinadores, em alguns casos da Administração Pública e do Governo, que lhes besuntam as mãos em eventos “vendidos” aos incautos leitores como simples notícias quando se trata de prestação de serviços. Mas, de repente, no meio deste pântano asqueroso, o CD-SJ e o Provedor do Adepto do Rio Ave acordaram nos últimos meses apenas para apanharem as supostas falhas deontológicas do PÁGINA UM.
Deram logo um ar da sua desgraça em Maio, quando decidiram acolher uma queixa da própria Presidente da CCPJ, mui incomodada com as notícias e perguntas do PÁGINA UM, e por um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa (depois de vários pareceres da CADA) para acesso a informações (incluindo actas e contas), e que luta em prol do secretíssimo da sua actividade alegando uma suposta protecção da vida privada ao abrigo do Regulamento Geral da Protecção de Dados (RGPD). E isto na mesmíssima CCPJ (numa outra presidência que não a da ‘jurista de mérito’ Licínia Girão) defendia em 2018 que os jornalistas deveriam ser excluídos das restrições do RGPD. Enfim, coerências institucionais…
Mas sobre a condução (e conclusão) deste parecer, abjecto na forma como o CD-SJ recusou a minha defesa, aceitou acréscimos à queixa e atropelou regulamentos (aprovando o dito fora de uma reunião ordinária), já escrevi o que tinha a escrever, até porque sintetizei no título de um editorial aquilo que penso: “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria“. É certo que não falei da atitude de silêncio corporativista e compincha da direcção do Sindicato dos Jornalistas, porque, enfim, sendo mais lamentável (há associados incómodos), ainda tenho esperança de que os seus dirigentes, alguns deles pessoas decentes, se envergonhem um dia das suas omissões. Talvez no dia em que, por falta de condições para se ser um jornalista livre em Portugal, lhes fecharem a porta do emprego de mangas de alpaca.
Tinha, aliás, sobre este parecer do CD-SJ relativo à queixa da presidente da CCPJ – entidade que, aliás, nada diz sobre o meu desafio para me abrir um processo disciplinar para que haja regras legais a cumprir pela acusação, o que não sucedeu até agora – uma decisão tomada: instaurar a cada um dos seus membros um processo por difamação.
Contudo, vou desistir desse intento. Não vale a pena. E por uma simples razão: o CD-SJ vai voltar à carga, ad aeternum per saecula saeculorum; não se vai cansar de me fustigar tentando caninamente descredibilizar-me. E conseguirá se eu lhes der mais trela.
Alias, a sanha pressente-se logo na inquirição, nem sequer disfarçando. Por exemplo, no assunto do seu e-mail para mim com as suas acusações, constava o seguinte: “HB vs PAV”, como se se tratasse de uma mera competição e quezília entre o Hospital de Braga (HB) e o jornalista Pedro Almeida Vieira (PAV), e não de uma investigação jornalística sobre a gestão de um hospital. Depois de uma reacção de mera repulsa em pactuar com palhaçadas, cai no erro de acabar a argumentar e a entrar em debate, porque deveria antever o que sucederia. Com efeito, o Conselho do Provedor do Adepto do Rio Ave manipulou e descontextualizou trechos dos meus argumentos, omitiu outros tantos, e interpretou tudo à sua maneira, de sorte a compor um chorrilho de disparates que transformou uma irrepreensível peça de jornalismo rigoroso e aguerrido numa suposta infame peça de pasquim.
Honra seja feita ao Provedor do Adepto do Rio Ave e mais ao seu CD-SJ, com seus compinchas: são bons seguidores do polaco Arthur Schopenhauer que, no século XIX, já nos explicava como vencer uma discussão mesmo sem ter razão. E, portanto, concedo ao Provedor do Adepto do Rio Ave a vitória: aqui está neste novo parecer, que até divulgo em primeiríssima mão.
Ainda há dias me questionei sobre o que diria o Provedor do Adepto do Rio Ave se a Dra. Edite Estela se tivesse queixado desta minha reportagem na Grande Reportagem de Julho de 1998. Como se pode admitir palavras como “intrigas”, “caótico”, “escandaloso” e “infelizmente” só numa chamada? Como se pode admitir tanta adjectivação opinativa?
Mas há uma altura em que tem de se dizer basta, ainda mais para gente ordinária. Como não vale a pena perder tempo com quem chateia e nem sequer detém um poder fáctico, como é o caso do CD-SJ, só deve receber o desprezo como taça. Eles nem existem, porque onde lhes falta credibilidade e competência, sobra-lhes em manipulação e manha. E nada existe sem honra nem credibilidade.
Se esperavam que, com reles pareceres, vergonhas deontológicas até em cada vírgula, vomitados por uma Santa Inquisição jornaleira, eu baixaria as orelhas, meteria o rabinho entre as pernas e ficaria bem-comportadinho e caladinho, desenganem-se: a caravana chamada PÁGINA UM seguirá, mesmo sobre trancos e barrancos, o seu caminho de rigor e independência, aguerrido e livre, com um estilo próprio (porque as palavras valem), enquanto os leitores quiserem e apoiarem. E assim, dedicando-me à jornada seguinte, virando a página, deixo para trás quem, já por duas vezes, me andou a rosnar invecticas. Ouvi a primeira, e nem tinha de os ouvir segunda vez, investidos às canelas. Já nem os ouvirei quando ladrarem terceira vez. Ponto final sobre este assunto.
Quem tem princípios, por se conhecer as suas previsíveis linhas de conduta, geralmente não necessita de proclamar promessas públicas – excepto talvez os políticos, mas esses, sabemos, têm princípios volúveis, como glosou Groucho Marx, no século passado. Mas, tendo eu princípios, e não sendo político, confesso que faço auto-compromissos, não por uma razão de estratégia ou de receio de algo, mas numa base exclusivamente de empatia.
Isto para dizer que, nos últimos meses, deixei de me preocupar com os seus ditos, os seus escritos e o seu folclore nas redes sociais e na coluna do Público, onde os seus pergaminhos de anestesiologista do Hospital Pedro Hispano, a par de umas louváveis campanhas de medicina em terras de guerra, o fizeram convencer que poderia tornar-se o arauto da desgraça e o inquisidor dos “desinformadores”, tudo isto numa linha de auto-beatificação como “Humanitarian Doctor” que já vinha antes de 2020. Eu sei, enfim, num momento criativo (lembre-se que sou também escritor, mas acho até, enfim, de obras de jeito), ajudei à sua fama, quando o rotulei, para a posteridade, de Doutor Full HD, o que nunca me pareceu desadequado, mesmo se jocoso.
Enfim, ao longo dos anos de pandemia (2020-2022), devo ter escrito sobre as suas diatribes umas três dezenas de vezes – e sei disto porque, entretanto meteu-me um processo judicial, sobre o qual decidi não pedir abertura de instrução porque o tribunal parece-me o local adequado para tratarmos destes assuntos.
Aviso já que não o escolhi por uma questão pessoal, nunca sequer me cruzei consigo, mas sim pragmática, por vê-lo como um digno representante daquilo que pior se pode ter num médico ou de alguém que usa a Ciência para salvar vidas, mesmo na hipótese académica de estar bem-intencionado (o Inferno está cheio de bem-aventurados): a promoção do alarmismo, o incitamento à intolerância, a eliminação do debate, a recusa de novas abordagens terapêuticas (como se a Medicina fosse ciência exacta) e a adesão a populismos mediáticos bacocos que encontram na censura e na opressão de ideias diferentes uma punção quase sexual de poder.
Porém, ao longo de 2023, assumi o tal auto-compromisso de evitar falar sobre si, o que não advém absolutamente nada do seu pedido de indemnização de 45.000 euros, que me requere, com “muito amor” (que são sempre palavras que usa e pratica) na barra do tribunal, mas foi mais pelo facto de apresentar, no processo, dois pareceres, um de uma psicóloga e outra de um psiquiatra, onde até consta a medicação, cuja necessidade, assim se explana na acusação, tem única e exclusivamente origem e relação nos meus escritos sobre si. Condoí-me do seu estado, e mesmo desacreditando, como desacreditei da sua “verdade pandémica”, obriguei-me a deixar-me em paz, não querendo saber de tolices.
Acabei, contudo, por ser impelido a me desobrigar do recato auto-imposto depois de me chamarem a atenção para a sua mais recente coluna de opinião no Público, patrocinada pela Fundação Manuel António da Mota, onde cozinhou um “refogado” de temas, com um propósito comum, onde misturou guerra da Ucrânia, vacinas contra a covid-19, alterações climáticas, igualdade de género, nacionalismo, discriminação religiosa e racismo.
Esta mixórdia de temáticas daria para uma enciclopédia de grossos volumes, mas sei de antemão que, para si, é coisa que se despacha, sem mais delongas, em meia dúzia de “sapientíssimas” palavras – bom, neste caso, foram 900 palavras e 4.265 caracteres (eu contei) –, e ainda deu até para, a despropósito, zurzir no Doutor Manuel Pinto Coelho.
Não vou ser eu, ainda mais aqui, a querer defender o Doutor Manuel Pinto Coelho, de quem sou amigo e paciente [disclamer, portanto] nem sequer especular sobre se o “ataque” advém de uma sua eventual insatisfação quanto à estratégia de marketing que a Oficina do Livro decidiu adoptar para o seu próximo livro (Olhem para o Mundo com coração) tendo como comparação o que a mesmíssima editora virá a fazer em relação ao próximo livro do Doutor Manuel Pinto Coelho (Como viver sem diabetes). Como sabemos, ambas as obras serão publicadas este mês. Está feita a publicidade a ambos, o que acaba de ser uma opção salomónica.
Não precisando o Doutor Manuel Pinto Coelho da minha ajuda para se defender, até por ele saber bem aquilo que nas circunstâncias deve fazer, estou já convencido, no caso da vitamina D, que, enfim, devo vir à liça. Para o lidar. Pois bem, doutor, li com assombro que, entre outros “crimes” de que acusa o Doutor Manuel Pinto Coelho de vender “o benefício (inexistente neste caso) da Vitamina D e outras substâncias na prevenção e tratamento desta pandemia que paralisou o mundo”.
Caro doutor, eu já me cansei de argumentar sobre as questões extra-terapêuticas dos fármacos contra a covid-19, que, no auge da pandemia, tiveram menos de Ciência do que seria desejável, e muito mais de interesses em negócio das farmacêuticas do que seria aceitável. A História – com H maiúscula – costuma ser ingrata para o poder do passado, e o tempo costuma ser o carrasco daqueles que quiseram impor à força uma verdade, perseguindo supostos mentirosos, não pela certeza mas pela vileza.
Aliás, a História, que liberta a Justiça e o Conhecimento, está rapidamente a demonstrar que as miraculosas farmacêuticas mais os seus miraculosos novos medicamentos estão sempre pouco interessadas em que se encontrem velhos fármacos para tratar doenças novas, porque, hélas, isso não lhes daria lucros fenomenais. E, portanto, tratou-se, durante a pandemia, com a ajuda de influencers sanitários, como o doutor, de denegrir determinadas terapêuticas (baratas, logo pouco lucrativas) enquanto se endeusavam instantaneamente novos fármacos (caros, logo muito lucrativos) como se estes fossem a quinta-essência, e os outros apenas remédios do demo.
Basta lembrar o recente caso do antiviral Evusheld, retirado do mercado norte-americano por ineficaz, enquanto o Doutor Filipe Froes o promovia por cá, em lançamentos de marketing, ganhando dinheiro. Ou ainda o molvnupiravir, um “embuste” da Merck Sharpe & Dohme, que também já acabou ingloriamente os seus dias, depois da farmacêutica norte-americana ter facturado 6,7 mil milhões de dólares no ano passado.
Basta lembrar também o uso do remdesivir, que apesar de ser um fármaco associado a uma inusitada quantidade de reacções adversas graves elencadas pela própria Agência Europeia do Medicamento, incluindo mais de 900 mortes, continua a ser candidamente comprado pelos hospitais portugueses, sob a “bênção” do Doutor Filipe Froes, que o recomendou à DGS não se sabe se como consultor da Autoridade de Saúde Nacional ou se como consultor da farmacêutica Gilead, porque trabalha para ambas, sendo que para a primeira entidade o faz pro bono e para a segunda pro bolso.
Basta também lembrar que a Ordem dos Médicos nunca divulgou um parecer sobre a ivermectina – ou se calhar nem o quis fazer – que foi pedido pela Direcção-Geral da Saúde, depois de insistência de reputados médicos. Aliás, convém recordar que um ex-bastonário, Germano de Sousa, admitiu que o usou em modo profiláctico.
Mas voltemos à vitamina D, até porque, esta semana, na sua página do Facebook, fez ainda o seguinte comentário a uma leitora, à laia de dogmática sentença, como é seu hábito: “Vitamina D não é eficaz para o tratamento ou prevenção da Covid, isso está mais do q[ue] provado… e é isso q[ue] está no texto… mas tem múltiplas outras indicações médicas comprovadas”.
E, portanto, vamos lá evitar aqui chamar-lhe nomes, para que não haja necessidade de um reforço de medicação, ou de pedido de indemnização, mas pelo menos devo acusá-lo de promover a desinformação, nem que seja por ignorância, que me parece muita.
Depois da “espuma dos dias” da pandemia, em que as farmacêuticas e as agências controlavam os media e até as revistas científicas (que simplesmente recusavam certos estudos), cada vez se mostra mais esclarecedor alguns avanços no conhecimento científico em redor da pandemia e das melhores terapêuticas contra o SARS-CoV-2. Poderia vir aqui com uma vasta listagem, que pode ser consultada aqui, e onde até estão, por exemplo, na The Lancet de Agosto de 2020, ou na Nutrients de Março de 2020 (já citada 2.275 vezes, segundo o Google Scholar), diversas recomendações, no início da pandemia, nunca seguidas (pelo contrário, atacadas), sobre os benefícios da vitamina D3. E não seguidas por culpa de muitos influencers sanitários, não sei se me faço entender….
Mas prefiro salientar, para acabar de vez com o tema, um artigo de sistematização da Current Nutrition Reports, uma revista da conceituada editora científica Springer Nature, porque faz uma análise retrospectiva. E também para acabar de vez com a propagação da desinformação por si propalada, doutor.
Publicado em Maio passado, portanto bem recente, intitula-se este artigo, no original, “A narrative review on the potential role of vitamin D3 in the prevention, protection, and disease mitigation of acute and long covid-19”, podendo ser lido na íntegra. Nem mais, aborda tudo, como se pode melhor confirmar numa tradução: “Uma revisão narrativa sobre o potencial papel da vitamina D3 na prevenção, proteção e mitigação da doença aguda da covid-19 e da long covid”. A vitamina D3 é analisada como terapêutica preventiva e curativa, tanto para a doença aguda como para a tal long covid. Acho que ainda não se estudou os seus efeitos para mitigar efeitos adversos das vacinas, mas chegará o tempo…
Escreve a autora do artigo científico sobre o propósito da análise, traduzindo-se: “A pandemia da covid-19 desafiou os sistemas de saúde e economias globais desde janeiro de 2020. A covid-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, apresenta sintomas agudos respiratórios e cardiometabólicos que podem ser graves e letais. Sintomas fisiológicos e psicológicos a longo prazo, conhecidos como covid-19 de longa duração [long covid], persistem afectando múltiplos sistemas de órgãos. Enquanto as vacinas apoiam a luta contra o SARS-CoV-2, outros mecanismos eficazes de protecção da população devem existir devido à presença de grupos vulneráveis ainda não vacinados, comorbilidades globais da doença e respostas vacinais de curta duração. A revisão propõe a vitamina D3 como uma molécula plausível para a prevenção, proteção e mitigação da doença aguda (covid-19) e de long covid”.
E então, sem mais demoras, doutor, vamos às conclusões deste artigo que se baseia em 61 referências bibliográficas: “Manter a suficiência de vitamina D3 antes da infecção parece ser importante na redução do risco e da gravidade da covid-19 em indivíduos de todas as idades. Além disso, dadas as suas conhecidas propriedades protectoras e regenerativas em diversos sistemas de órgãos, a administração de vitamina D3 em indivíduos infectados com o SARS-CoV-2 pode promover tempos de recuperação mais rápidos e uma melhor sobrevivência. Mecanismos de acção específicos induzidos pela vitamina D3 em indivíduos que sofrem de covid-19 aguda ou de long covid precisam ser claramente elucidados, e estudos de suplementação devem ser consolidados. No entanto, evidências acumulativas cada vez maiores apoiam um possível papel para o uso de vitamina D3 na mitigação dos sintomas e do peso da doença aguda e de longa duração da covid-19, bem como na reparação de danos em órgãos associados à doença. Não foram relatados efeitos colaterais após a ingestão de doses mais elevadas de vitamina D3, conforme observado em estudos epidemiológicos em indivíduos afetados pela covid-19. Portanto, a suplementação de vitamina D3, o desenho de estudos e os regimes de dosagem devem ser revistos para incluir doses mais elevadas de vitamina D3 em estudos futuros, em comparação com as práticas actuais. Isso é especialmente relevante em subgrupos de risco, como idosos e indivíduos com obesidade, que podem se beneficiar de suplementação com doses mais elevadas por várias razões fisiológicas. O potencial da vitamina D3 como um candidato custo-eficaz na gestão e mitigação do peso da covid-19 merece investigação adicional, dada a ação mecanicista diversa e multipotente da vitamina D3 na manutenção da saúde e na prevenção de doenças”.
Isto, meu caro Doutor Full HD, é Ciência do século XXI, enquanto aquilo que andou a fazer ao longo de mais de três anos foi a defender o sequestro e a usurpação dos princípios da Ciência ao estilo da Santa Inquisição de séculos de má memória. Que tome boa nota disto, enquanto prepara a sua estratégia no sentido de convencer a Justiça que eu devo ser extorquido em 45.000 euros para o compensar de eu o tratar como pessoas da sua laia devem ser tratadas…
Independentemente da bondade dos objectivos, a opção por acções menos convencionais tem, na generalidade dos casos, um grande inimigo: o próprio activista que, imbuído de um espírito de missão e alcandorado pelo estímulo do seu grupo, nem sempre se apercebe que pode até estar a agir bem, mas no lugar errado e no momento errado. E isso bota ao fracasso a sua acção, lança a opinião pública contra si e, pior ainda, o alvo da sua “fúria” transforma-se primeiro numa vítima e depois num herói.
Se observarmos a História dos movimentos contestatários em questões ambientais nos países democráticos – nos outros a “coisa” é bem diferente, e geralmente corre mal em perspectivas mais dramáticas –, as acções mais eficazes são sempre envolvidas em muito mediatismo, mas sem afectar o quotidiano da comunidade, antes sim das empresas ou governantes que contribuem para o mal que se ataca.
O Mundo perfeito imaginado pelo Midjourney.
Por exemplo, não se critica a opção pelo uso de SUV furando pneus, como recentemente aconteceu em Lisboa. Talvez seja mais sensato aumentar as pressões políticas para se criarem normas que condicionem esta opção de compra por muitas pessoas, privilegiando os princípios do utilizador-pagador e do poluidor-pagador.
E quando falo em pressão política é mesmo falar em pressão política, mas sobretudo continuada. Não largando o osso, sendo chato e persistente. Demora tempo e paciência. Não é, por certo, furando pneus, atirando sopa em quadros de museus, lançando tinta a um ministro, e outras coisas similares. Tudo isso é não só ridículo como sobretudo contraproducente. Os visados, no caso os políticos ou os empresários, até agradecem.
Ainda há dias, no rescaldo do episódio da tinta na camisa do ministro do Ambiente – em que ele saiu airoso numa conferência de verdadeiro greenwashing mediado pela imprensa mainstream –, pensei no desastre mediático do radicalismo durante a pandemia, sobretudo aquando do processo de vacinação dos menores.
Um ministro do Ambiente imaginado pelo Midjourney.
Hoje, não existem dúvidas sobre a insensatez – ou até crime – da intolerável pressão sustentada pelos media, pela DGS, por políticos, por influencers sanitários para pressionar pais e jovens para a administração de uma vacina (sobre a qual não sabemos tudo) para proteger contra uma doença que, naqueles grupos etários em condições saudáveis, é de risco praticamente nulo.
No entanto, bastou uma acção radical de manifestantes num centro de vacinação em Odivelas em Agosto de 2021, envolvendo o então responsável da task force, para deitar por terra qualquer debate. Gouveia e Melo chamou um figo aos insultos, tornou-se um herói depois daquela noite – e até um putativo candidato a Presidente da República – e os manifestantes nada mais conseguiram, dali em diante, do que o rótulo de negacionistas para si e para aqueles que desejavam debate e maior transparência. Ainda hoje, se sente esse impacte negativo.
Por esse motivo, quer seja na pressão para mais medidas para o combate às alterações climáticas – e, independentemente das origens, elas estão presentes – quer seja para mais acções políticas e empresariais em prol de uma verdadeira mudança de paradigma energético (e não de uma mudança de player no negócio da energia), uma das coisas que os jovens activistas ambientais devem ter consciência é de que precisarão sempre, mais tarde ou mais cedo, da sociedade, das pessoas, para que se aumente a pressão sobre os governos.
Um cenário apocalíptico imaginado pelo Midjourney.
Não se consegue que, por exemplo, haja uma maior aposta no metropolitano ou no caminho de ferro fechando a Segunda Circular através de um espontâneo e pouco resistente cordão humano que tem apenas o condão de irritar condutores, a tal ponto de ser confrangedoramente terminado por um arrasto em maus modos por condutores apressados.
Talvez se conseguisse mais, e melhor – se é que apreciam mesmo fazer cordões humanos –, obstaculizar então a saída dos automóveis dos governantes das respectivas garagens dos ministérios. Para que pensem mais em soluções, e na verdadeira poluição atmosférica, em vez de se pavonearem em inócuas promessas e em vãs declarações de intenções, enquanto ilibam empresas amigas e culpabilizam as pessoas em geral. Nas primeiras vezes, para que pudessem ir para casa, os activistas poderiam até fazer uma vaquinha para lhes oferecer bilhetes para os transportes públicos. Para esse peditório, eu dou…
João Porfírio, de apelido Oliveira, é um matemático. Ainda mais das Matemáticas Aplicadas. E tanto se aplicou que está, há muitos anos, neste mundo dos números que são os hospitais. Está no lugar certo.
Bem sei que houve um certo engenheiro que, em tempos, nos quis fazer acreditar que as pessoas não são números, mas um hospital enche-se sempre de números, sobretudo na hora de pagar facturas com dinheiros públicos a empresas privadas. Ou nas camas em falta. Ou nos médicos e outros profissionais de saúde em falta. Os nas horas de espera nas urgências. Ou nos dias a aguardar por consulta, diagnóstico ou operação.
Ora, o nosso matemático João Porfírio sabe da poda no que diz respeito a contratos:, que mete sempre muitos números, porque há saída de fundos públicos para empresas privadas: como presidente da administração do Hospital de Braga já “despachou”, desde o início de 2022, qualquer coisa como 175.842.431,68 euros dos nossos impostos para fazer cumprir 4.162 compras.
Mas o nosso matemático João Porfírio também deverá saber, ou deveria saber, que há uns números, com aptidão burocrática – essa coisa chata mas funcional de que nos falou Max Weber –, que visam transmitir ao povo, que paga a factura, e até lhe paga os salários, quando e como ele gasta o nosso dinheiro.
Por exemplo, o nosso matemático João Porfírio deve saber que, na contratação pública, o 20 é um número fundamental: é o prazo máximo em dias úteis para se introduzir o relatório de formação de um contrato após a sua celebração ou início da sua execução no Portal Base.
Para um matemático, o 20 não é um número nada próximo de 900 nem de 1140 nem de 840 nem de 744 nem de 958 nem de 845 nem de 831 nem de 1133 nem de 851 nem de 956 nem de 926 nem de 857 nem de 733 nem de 882 nem de 810 nem de 1000 nem de 839 nem de 930 nem de 868 nem de 1127 nem de 999 nem de 763 nem de 858 nem de 875.
Esses números gordos, de três dígitos, representam o tempo, em dias, que a administração do matemático João Porfírio – leia-se, o Hospital de Braga – demorou a colocar no Portal Base diversos contratos superiores a 100 mil euros (mais um número), um total de 32 (mais um número) para ser preciso, estabelecidos entre 2020 e os primeiros meses de 2021 (até Maio) para a compra sobretudo de máscaras, luvas de nitrilo e outros equipamentos de protecção individual, bem como de zaragatoas e testes.
Só estes 32 contratos totalizaram 7.013.105 euros (mais um número). Compras, na sua generalidade, relacionadas com materiais e equipamentos para a nobre luta contra a covid-19: um regabofe de ajustes directos sem contrato reduzido a escrito e sem controlo prévio. Aliás, nos elementos colocados no Portal Base dois e três anos depois não há forma sequer de se saber quantidades compradas nem outros detalhes relevantes. Foi um gasto “para o bem”, logo pode-se gerir o dinheiro mal.
[presume-se que um matemático como o João Porfírio só aprecie ver a forma de letras em equações, fórmulas, funções, expressões algébricas e generalizações; de resto terá ele, porventura, ou má ventura nossa, comichão quando as vê em folhas com cláusulas, deveres e obrigações do adjudicante e da adjudicatória em prol do interesse público e da transparência na gestão de dinheiros dos contribuintes]
O matemático João Porfírio também não aprecia, aliás, que um jornalista se incomode, e o incomode, por ser revelado que a sua administração no Hospital de Braga publicou no Portal Base, entre os dias 1 e 13 deste mês, um total de 393 contratos todos por ajuste directo, e com um valor global de 10.933.025,57 euros. Tudo, portanto, por ajuste directo, que é a melhor forma de fazer negócios privados mas o pior quando se trata de dinheiros públicos.
O matemático João Porfírio aprecia contratos por ajuste directo, e basta olhar para os números do Hospital de Braga, e por isso se abespinha por um jornalista sugerir que um contrato por ajuste directo é uma janela que se abre à corrupção. É – ponto. Por esse motivo há regras para que não se passe pela janela, e isso consegue-se reduzindo ao mínimo o recurso ao ajuste directo. Ponto.
Vai daí – e como ainda por cima porque um jornalista tem o descaramento de revelar como se combina um ajuste directo (“pega-se no telefone ou envia-se um e-mail, e está feito”; não sei outra forma de serem preparados; talvez haja um outro método, porventura matemático –, o matemático João Porfírio também não gostou de ver tantos números numa tabela estatística compilada pelo PÁGINA UM usando dados oficiais do Portal Base com os gastos do Hospital de Braga em contratos de mão-beijada, que é mesmo disso que se trata quando se usa este procedimento como regra na gestão de dinheiros públicos – à Lagardère, como coloquei num título.
E atrevimento à Lagardère, como o do personagem do romance oitocentista de Paul Féval, não faltará, confesso, ao matemático João Porfírio. Depois das revelações do PÁGINA UM, ao invés de fazer contas à vida, e corrigir os seus procedimentos de gestor da res publica, e de um hospital onde os recursos são sempre escassos, desviou um funcionário público (porque deduzo que não tenha gastado o seu precioso tempo a escrevinhar, até porque, lá está, “ele é mais números”), para que fossem exaradas duas queixas contra mim na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ).
[talvez ainda tenha seguido uma queixa para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, porque agora passou a ser norma atacar-me pelas três frentes]
Questionou-me, aliás, se o funcionário, talvez um jurista – porque até dá doutas sugestões à ERC sobre a tipologia de “castigos” e de “abjurações” que me deveriam aplicar – não deveria antes estar a introduzir contratos no Portal Base ou a elaborar documentos preparatórios de concursos públicos, reduzindo assim a quantidade de ajustes directos do Hospital de Braga.
Por agora, neste lamentável episódio – porque as denúncias feitas pelo PÁGINA UM deveria, num país decente levar um gestor público do quilate do matemático João Porfírio a ser investigado ou a ser demitido; a envergonhar-se, e não a queixar-se –, há também um outro facto simultaneamente lamentável mas com uma nota anedótica do ponto de vista das probabilidades matemáticas.
A parte lastimável mas esperada é que a ERC e o CD-SJ foram a correr abrir-me processos sob a queixa do matemático João Porfírio, não porque apontem algum erro ou inexactidão, mas pelo estilo de escrita. Hoje, aprecia-se um jornalismo comedido, brando, compreensivo, colaborativo, um jornalismo não-jornalismo.
A parte anedótica – que até ao matemático João Porfírio causaria espanto – advém das circunstâncias do processamento da notificação da queixa: talvez na corrida para ver quem me acusava primeiro, mesmo com procedimentos distintos e recursos diferentes, os e-mails da ERC e do CD-SJ chegaram-me exactamente no mesmo dia, na mesma hora e no mesmo minuto.
A probabilidade estatística disto suceder, de forma aleatória – assumindo que não foi combinado – será, presumo, próxima do acerto no Euromilhões. Por outro lado, a probabilidade destas duas entidades não me censurarem é – visto o historial e o pântano institucional instalado, onde um jornalista que denuncia acaba por ser linchado por entidades falsamente criadas para proteger a liberdade de imprensa – é próxima de zero.
Em todo o caso, uma promessa: deixarei de escrever sobre a gestão do matemático João Porfírio, de apelido Oliveira, e de outros, quando este e os outros cumprirem com escrúpulo as regras legais e de transparência da contratação pública e não usarem a excepção do ajuste directo como se fosse a regra.
É um objectivo aparentemente utópico, até porque, ainda ontem a administração do matemático João Porfírio fez publicar no Portal Base mais, pelo menos, mais quatro mui suspeitos contratos, todos por ajuste directo. Três desses contratos são por prestação de serviços de segurança das instalações hospitalares, entregues de mão-beijada (não há outro termo) à Securitas.
O primeiro contrato foi assinado no dia 31 de Março, portanto, em vez de ser divulgado ao fim de 20 dias úteis, o matemático João Porfírio acha que quem diz 20 também pode dizer 150. Mas curiosamente a cláusula da vigência tem a particularidade de dizer que “o contrato entra em vigor na data da sua assinatura e será válido até 31 de março de 2023, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato”. Ou seja, pela leitura deste contrato, aparentemente, o contrato termina no próprio dia da assinatura, embora depois a informação de registo aponte para os 90 dias. Como o matemático João Porfírio acha que, contrariando a lei não tem sequer de mostrar o caderno de encargos de um ajuste directo, temos assim um exemplar caso de um ajuste directo que se faz assim por 147.646,86 euros, argumentando “urgência”.
Aliás, da mesma ambiguidade (e atraso no prazo de publicação) sofre o segundo contrato com a Securitas assinado a 15 de Junho, mais um por ajuste directo e com o mesmo valor do anterior. Sabe-se que terminou no dia 30 de Junho mas não se sabe ao certo quando começou. Presume-se que terá sido no dia 1 de Abril, mas num contrato público não deve haver presunções. Nem sucessivos ajustes directos em prestações de serviços que podem e devem ser programados.
E que dizer então de novo contrato de prestação de serviços com a Securitas assinado pela administração do matemático João Porfírio, agora em 24 de Agosto, pelo habitual ajuste directo e preço costumeiro (147.646,86 euros)? Dizer apenas que, na verdade, nem sequer foi assinado; há contrato, é certo, mas estamos agora perante um ajuste directo sem honras sequer de redução a escrito, abusando-se de mais uma excepção legal, que escancara portas à corrupção. Não há já nada em papel. Tudo legal, mas tudo imoral. Mas, em abono da verdade, ao matemático João Porfírio que interesse têm essas futilidades (contratos escritos claros) com letras, compromissos, resultado da livre concorrência e formação adequada de preço?
Nada. Zero, que é também um número.
O matemático João Porfírio Oliveira assinou no dia 4 de Abril de 2023 um contrato que entrou “em vigor na data da sua assinatura” e que seria “válido até 31 de Março de 2023“. No registo do Portal Base está indicado que vigora por 91 dias…
E, por fim, ironicamente, o quarto contrato diz respeito a mais um ajuste directo à ITAU, a empresa de fornecimento de refeições que assinou 11 contratos por ajuste directo com o Hospital de Santo António, conforme ontem o PÁGINA UM revelou. Mas no caso do contrato no valor de 645.191,67 euros (não são trocos) com o seu hospital, o matemático João Porfírio conseguiu uma impossibilidade “física”: assinou ele próprio (com a sua colega da administração Sónia Duarte) no dia 4 de Abril de 2023 um contrato que, na cláusula terceira, diz tão-só o seguinte: “O contrato entra em vigor na data da sua assinatura [portanto, 4 de Abril de 2023] e será válido até 31 de março de 2023, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato“.
Já temos, portanto, contratos com duração de tempo negativo…
É este o senhor matemático que fez queixa contra mim na ERC e no CD-SJ. É este senhor matemático que continua a ser presidente do Conselho de Administração do Hospital de Braga. É este senhor matemático que vive no melhor dos mundos, neste Portugal decrépito e sem valores, porque pode tudo fazer com a maior das desfaçatezas e até, em simultâneo, fazer-se de vítima.
Durante a pandemia, tanto como o vírus, tivemos de suportar uma chusma de influencers sanitários que, da cátedra dos seus compromissos farmacêuticos ou dos egos de hipócrita bom samaritano, foram vituperando e exprobando todos aqueles que, enfim, consideravam que a gestão de uma pandemia não daria bom resultado com lockdowns restritivos, suspensões de diagnósticos e tratamentos clínicos de outras doenças, restrições anticonstitucionais ineficazes do ponto de vista da Saúde Pública e alarmismos assentados em falta de informação ou manipulação de dados por parte das autoridades governamentais, que se mantém.
De entre esses, destacou-se um em especial: Gustavo Carona, médico anestesiologista – que se assumia como especialista em Medicina Intensiva, malgrado não estar assim inscrito na Ordem dos Médicos, única entidade que pode reconhecer títulos.
Escuso de rememorar exemplos deste “profeta da desgraça” – que me faz lembrar o bondoso fanatismo religioso fanatismo do Padre Gabriel Malagrida, que tive a oportunidade de retratar no meu romance O Profeta do Castigo Divino.
Ao longo de mais de dois anos, enquanto era zurzido – e de que maneira – por muitos, também zurzi no Doutor Gustavo Carona, sobretudo no Facebook. Não contei quantas vezes escrevi, mas podem ver aqui. Certo é que ele, ou o advogado por ele, contou e vai daí tenho 31 acusações de outros tantos crimes de difamação.
Pede o Doutor Gustavo Carona, por todo o sofrimento causado pelos meus escritos, que eu seja condenado a pagar-lhe também uma indemnização de 45.000 euros.
No processo em que sou por ele acusado – e que seguirá de imediato para julgamento se eu não fizer pedido de abertura de instrução – consta vários casos em que lhe chamei mentiroso e outros adjectivos, para além de o apodar de Doutor Ful HD (acrónimo de Full Humanitarian Doctor, sendo que ele se assumia, usando o inglês, como Humanitarian Doctor), e de outras cómicas alcunhas: Braveheart de Leixões e Cónego Guca Stavorona.
Pedi ao Midjourney para imaginar o Cónego Guca Stavorona na Inquisição Espanhola.
Eu não sei o momento em que, nesta geração, se perdeu a capacidade de encaixe para uma linguagem mais viperina, mesmo que sustentada em factos. Mas já acho um absurdo que o Ministério Público concorde com acusações patéticas (no sentido de comiseração) que constituem meros escritos irónicos e sarcásticos às parições literárias do Doutor Gustavo Carona, como esta aqui, ou esta aqui, ou esta aqui, ou esta aqui, ou esta, e sobretudo esta.
Neste último caso então – onde glosei em reacção a um “apelo” do Doutor Gustavo Carona, em Abril de 2021, a que houvesse “mais amor”, mesmo estando ele a ser supostamente “alvejado por lunáticos”, embora assumindo nada ver e nada ler –, não me importaria de ser “condenado” por difamação: é que, caramba!, neste dia estava mesmo literariamente inspirado.
DA RECEITA PARA A PUREZA DO CÓNEGO GUCA STAVORONA (27/4/2021)
Misture-se, primeiro, um parágrafo de dez linhas de presunção beata com uma dose q.b. de superioridade moral, porquanto um médico nunca mente, apenas porque é médico, e um não-médico não pode denunciar as mentiras de um médico apenas por jamais ter enfrentado o desafio de assistir “um doente 2 ou 3 ou 4 semanas ou mais, ventilado nos Cuidados Intensivos”.
Acrescente-se mais um parágrafo, de igual quantidade de linhas, com ladainhas, ao estilo de um Cristo de ventilador às costas e coroa de ECMO na cabeça, para assim ressurgir em Lázaro pacifista de alvo manto ao peito e máscara FFP2 na fronha, que, perante as ofensivas lanças e as lancinantes ofensas, nunca terá raiva, pois nada vê, e pois nada lê.
Subtraia-se, porém, dissimulado, que, se não viu, se não leu e se não se enraiveceu, houve então alguém, por ele, avejão por certo, que viu, que leu e que reparou na mentira, e correu a consertar. E só não emendou segunda vez porque, embora a primeira corrigenda somente reentortou o que não nascera direito, já lhe pareceu mal dar depois tanto nas vistas.
Junte-se, em seguida, e com a delicadeza abençoada de um Pedro Hispano, dez canadas de lamentos pelas atrozes perseguições perpetradas por lunáticos marcianos, terapeutas do reiki da vila da Pocariça, alienígenas de sete dedos, mestres tântricos de Alhos Vedros, hereges de cinco patas, bruxas de vassouras da Vileda, coachs neurolinguísticos de Ouagadougou, tatuadores escanzelados de Rilhafoles e, last but not the least, serôdios de caves do Bairro Alto com a mania de investigar e apanhar aldrabices de médicos humanitários.
Polvilhe-se, por fim, tudo, com mil perdões aos sandeus, muito amor, e muitos livros para choramingar pedras da calçada. Ah! E não se esqueçam: “Mais amor”.
Sirva-se abundantemente. A pureza resplandecerá! Milagre!
Os (ainda) membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) estão, há quase um ano, para ser substituídos. São agora apenas três – Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo –, depois da resignação do então presidente, Sebastião Póvoas, e da morte de Mário Mesquita.
Deviam estes membros, por decoro, sair airosamente, tão-só para se limpar os ares de uma instituição nascida por mor da Constituição da República Portuguesa para garantir a liberdade e a pluralidade da imprensa, e evitar ingerências ilegítimas na actividade jornalística.
Em menos de dois anos (após o meu regresso às lides jornalísticas), os conflitos criados pelos membros da ERC à acção do PÁGINA UM (e à minha, em particular), têm sido incontáveis, sobretudo desde que, em 21 de Julho do ano passado, pedi, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os requerimentos – desde 2017 até à data – das empresas de comunicação social” que tivessem solicitado “confidencialidade dos principais fluxos financeiros e identificação das pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% dos rendimentos totais e mais de 10% do montante total de passivos no balanço e dos passivos”, bem como a “análise e decisão para cada um dos referidos pedidos de confidencialidade”. Serão largas dezenas, se não centenas, pelo que me tenha vindo a aperceber dia após dia.
O “impacte” deste pedido – que viria depois, por recusa tácita, a levar a uma intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa –, a par de outras questões incómodas pedidas sobre a acção do regulador, foi quase imediato: em Agosto do ano passado, a pretexto de uma simples consulta de processos para trabalho jornalístico, os membros do Conselho Regulador criaram uma querela, que acabou por envolver até a PSP e um vergonhoso comunicado de imprensa para me difamar. Isto quando estava em causa apenas a legítima obtenção de documentos de técnicos e a captação de imagens fotográficas, conforme acabou por confirmar um parecer de Outubro do ano passado da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.
Entretanto, os membros do Conselho Regulador da ERC, como não lhe custam os honorários dos advogados que contratam, apresentaram mesmo, desde o ano passado, duas queixas por difamação contra mim, tendo depois desistido na fase de instrução. Foi uma pena.
Também fizeram os membros da ERC o favor de censurarem dois artigos do PÁGINA UM após queixas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e do actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Curiosamente, ou talvez, não, ambos os artigos do PÁGINA UM espoletaram investigações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
No primeiro caso, a IGAS instaurou um processo de contra-ordenação ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia; quanto ao caso do almirante – que envolve o seu comportamento aquando da vacinação de médicos não-prioritários –, a investigação ainda decorre desde o início deste ano. Mas mesmo assim a ERC “condenou-me” alegando falta de rigor. Em curso, neste momento, está outra queixa contra mim, desta vez por obra do inenarrável pneumologista Filipe Froes, pelo “crime” de eu analisar os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 na base de dados da Agência Europeia do Medicamento.
Por fim, em Julho passado, no âmbito de um conjunto de deliberações da ERC sobre contratos promíscuos entre empresas de media e entidades públicas, envolvendo “jornalistas comerciais”, o Conselho Regulador da ERC decidiu pespegar nos documentos que a sua acção tinha sido por via de uma minha exposição, quando, na verdade, aquilo que se solicitara ao regulador, cerca de um ano antes, fora tão-só um “pedido de depoimentos e informações para notícia do PÁGINA UM”. Sobre isto, escrevi em Julho, um editorial apropriadamente intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice”. Talvez me valha mais um processo judicial, talvez mais outro que, depois de fazer ganhar mais uns cobres a advogados, me manda retirar.
E eis que, agora, em pleno mês de Setembro, e enquanto se agrada, enfim, a escolha do novo presidente da ERC – e a entrada em funções dos novos membros já escolhidos pelo Parlamento em Junho –, os doutores Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo voltam a fazer das suas.
Não contentes em recusar uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, que os obrigara a conceder acesso aos processos relativos a pedidos de confidencialidade no Portal da Transparência – um contra-senso que promove o obscurantismo –, os ainda membros do Conselho Regulador decidem conceber uma deliberação que é uma vergonha pegada: dizem conceder deferimento parcial a um pedido da IURD, não expondo a fundamentação do pedido, nem identificando em concreto os dados nem tão-pouco a justificação da aceitação. O mais bafiento e bolorento comportamento à la Estado Novo. E pior, quando divulgam a deliberação, mais de duas semanas depois da sua aprovação mantêm todos os dados da IURD confidenciais.
E para agravar o pivete do que já muito mal cheirava, estes dois senhores mais esta senhora tentaram descredibilizar uma notícia fatual do PÁGINA UM, fazendo alterações no Portal da Transparência à socapa, num sábado à noite, sem nada justificarem através de qualquer comunicado público ou através do seu site.
Bem sei qual a estratégia: limpando o “crime” – colocando, num sábado, aquilo que não existia na noite de sexta-feira –, sempre se poderia dizer que o PÁGINA UM, “esse jornal chato e já acusado de falta de rigor em duas deliberações da ERC”, tinha inventado tudo.
Não inventou. E como tudo o que possa sair da cabeça dos ainda membros do Conselho Regulador da ERC me causa desconfiança, tive a feliz lucidez de gravar, em arquivo na internet, as provas do antes e do depois de uma alegada “sincronização”, que, em abono da verdade, se trata de uma manipulação.
Enfim, estas três pessoas já simplesmente passaram do prazo. Já é de mais; e o que é demasiado, enjoa. Por isso, alguém responsável lhes conceda guia de marcha, o “merecido descanso”, e que se areje assim o ar, até porque, ainda acredito, a ERC pode desempenhar mesmo – e tem técnicos para isso – um papel fundamental para a moralização necessária na imprensa portuguesa. Os 50 anos da democracia, que se avizinham, mereciam.
Primeiro, puxo dos galões: tenho formação académica na área do Ambiente, com uma licenciatura e um mestrado; fui dirigente de associações de defesa do ambiente na primeira metade dos anos 90; fui jornalista especializado em temas ambientais em jornais e revistas de âmbito nacional; escrevi três ensaios sobre questões ambientais – um deles que vai este ano fazer duas décadas: O Estrago da Nação –; recebi em 2003 o Prémio Nacional de Ambiente Fernando Pereira.
Digo isto para poder acrescentar que acompanho este tema do aquecimento global desde os anos 90, incluindo a altura em que Portugal era liderado pelo mesmo homem que fala agora em “ebulição global”, esse então primeiro-ministro que, em 1997, mandou o nosso país negociar na União Europeia a possibilidade de não se ter de cumprir as metas do Protocolo de Quioto – ou seja, que as emissões pudessem aumentar 27% –, porque era preciso desenvolver.
Posto isto, vamos ao osso: independentemente de considerar serem evidentes os sinais de alterações climáticas, sejam estas ou não de origem antropogénica, acho profundamente lamentável a cobertura sensacionalista e manipuladora da comunicação social sobre este tema.
E digo isto, não para recusar a relevância de uma mudança de paradigma energético nem para renegar os efeitos do aquecimento global – que são sobretudo mensuráveis e evidentes através de indicadores ecológicos, e não tanto por eventos meteorológicos extremos, e muito menos em mortalidade [explicarei essa questão noutra oportunidade] – , mas sim para acusar os media mainstream (sempre agora muito disponíveis para causas mainstream) de pactuarem e integrarem mais uma campanha de hipocrisia e de greenwashing empresarial e político. O intuito passa por culpabilizar todos em geral, e assim ninguém em particular, colocando ademais os políticos e empresários como nossos salvadores, quando, na verdade, são eles os principais carrascos.
Este é tema longo – e ao qual regressarei de tempos a tempos aqui no PÁGINA UM, embora, desde já saliente ser, cada vez mais, adepto da necessidade de nos adaptarmos às alterações, e não andarmos quixotescamente em gritos histéricos.
Para já, e por hoje, desejo dedicar este espaço a zurzir na “esperteza saloia” do Público – que não é somente do Público, mas este jornal é relapso, e pela sua história na cobertura ambiental não tem desculpa – que anda numa lamentável saga manipulatória em redor do aquecimento global. Na sua secção Azul, aquela que tem protocolos de índole financeiro com compromissos editoriais, trata sempre de passar as culpas dos políticos e das políticas para o cidadão comum.
Que o faça à descarada – eu até compreendo. Mas já me chateia que queira fazer isto ao belo estilo do wokismo e que, por essa bitola enviesada, sentencie ser FALSO que se possa concluir que se “Portugal é um país pequeno, logo a luta climática não depende de nós”.
Este foi, com efeito, o veredicto do Público quando se responde à segunda das 10 perguntas de um inquérito para testar, neste caso, os conhecimentos dos leitores sobre a alegada “crise climática”.
Das 10 perguntas, apenas errei – na concepção do Público – esta pergunta, e o jornal “explica” porquê. Diz que “a ideia de que Portugal é um país demasiado pequeno para ajudar a salvar o planeta ou ter de se preocupar com as suas emissões não corresponde à verdade. Emitimos mais toneladas métricas de dióxido de carbono [tonCO2] do que a média mundial. E o combate à crise ambiental exige um esforço global de mitigação e adaptação”.
Mais do que tudo o resto, a começar pela visão enviesada do Público, assusta-me o nível de “evangelização” já atingida: segundo os resultados do inquérito, “90% dos leitores acertaram na pergunta”, o que significa, portanto, que eu estarei nos 10% que não viram ainda o “caminho da verdade”.
Deixando a questão do esforço global de mitigação e adaptação para outras alturas – até porque, pelo que se tem visto, à conta da suposta transição energética quer-se dar cabo da Natureza e da vida de comunidades humanas por supostas boas intenções globais –, vamos falar sobre o rigor do Público.
Para mim, pior do que um burro é um “professor armado em sabichão” que me quer passar um atestado de burrice quando é ele o burro. E, por isso, decidi escrever o que há muito ando para escrever.
O Público diz taxativamente que Portugal emite mais tonCO2 do que a média mundial, deduzindo-se que se refira a uma média per capita.
Primeiro disparate. O mais recente relatório do Joint Research Centre (JRC) aponta que Portugal emitiu, em 2021, cerca de 3,8 tonCO2 por habitante, e a média mundial é de 4,8 tonCO2. Que eu saiba 3,8 é um número menor do que 4,8 – excepto, se calhar, para o Público.
É certo que já estivemos bem acima, na primeira década deste século, mas foi no “rescaldo” da opção política, hélas, de um ex-primeiro ministro chamado António Guterres: à conta do “direito de crescer” (e economicamente até crescemos pouco), entre os anos de 1990 e 2005 as emissões de dióxido de carbono em Portugal subiram 47%, e ficámos, per capita, 40% acima da média mundial. Mas há muito que se inverteu essa situação, e já antes da pandemia estávamos abaixo do média mundial.
Segundo disparate, e este muito mais relevante, porque é uma mentira intencional, ideológica mesmo. Achar que Portugal – e até a União Europeia –, num cenário de alterações climáticas associadas às emissões de gases com efeito de estufa, vale alguma coisa, e que se justifica esforços hercúleos e fortes restrições individuais, não passam de absolutas falácias.
O nosso direito, até constitucional, de se usufruir de um “ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” não tem de se fazer através de esforços inglórios e muito menos de sacrifícios em vão. Até porque, aí está, sendo inglório e em vão, em nada nos beneficiam, só enganam. Mas é isso que o Público e muitos outros media, seguindo a bitola da hipocrisia política, andam a fazer: querem fazer-nos acreditar que o nosso esforço conta. Não conta nada, atendendo ao contexto do problema.
Vejamos. Portugal emitiu em 2021 cerca de 39 milhões de tonCO2 [podem ver AQUI em detalhe e também para outros países, incluindo a evolução nas últimas décadas], sabendo-se que se estima que, em todo o Mundo, as actividades humanas expelem 37.858 milhões. Isso representa 0,1% do “problema”. As emissões globais aumentaram 15.140 milhões de tonCO2 nas últimas três décadas, um crescimento de quase 67%.
Foi, segundo parece indiciar o Público, culpa dos cidadãos do “país pequeno”, que não estão a contribuir o suficiente para o “esforço global de mitigação e adaptação”? É mesmo culpa de Portugal, desse “país pequeno”, que ainda se tem de se sacrificar mais, mesmo se, entre 2005 e 2021, conseguimos uma redução de 57%?
Ou terão sido mais os rotundos falhanços e a hipocrisia dos políticos internacionais (onde se incluem os de Portugal) entretidos nas suas aventuras diplomáticos e nas “guerras geoestratégicas”, enquanto fazem de conta, ao longo das últimas décadas, que estão preocupados a “salvar o planeta”?
Vejamos: é insensato que, em matérias globais desta natureza, que a comunicação social em conluio com políticos e empresas exijam aos cidadãos um conjunto de sacrifícios – e culpem-nos – que, na verdade, serão irrelevantes, e que servem para iludir os fracassos diplomáticos.
Neste momento, não é só os 0,1% das emissões portuguesas que nada contam. A própria União Europeia tem cada vez menos influência numa mudança, porquanto as suas emissões apenas já representam 7,33% das emissões a nível mundial. Mesmo um colosso como a Alemanha já só pesa 1,76% do total.
Na verdade, o Público e muitos outros jornais seguidores de um certo wokismo andam a fazer uma coisa muito simples e terrivelmente eficaz na desresponsabilização dos políticos ocidentais por um grande falhanço em matéria ambiental: nas últimas décadas, alhearam-se das estratégias de crescimento da China, sobretudo com o uso da energia. Ao invés, viram que quanto mais obsoleto fosse o uso da energia, menor seria o seu ritmo de crescimento – e isso parecia bom para o Ocidente.
Assim, em 1990, a China – que detinha cerca de 20% da população mundial – emitia apenas 2.425 MtonCO2, ou seja, pouco mais de 10% do total mundial de gases com efeito de estufa. Com o repentino crescimento económico – mas assente em reduzida eficiência energética, sobretudo por causa da queima de carvão e de alguma tecnologia obsoleta –, a China não cresceu apenas economicamente: as suas emissões de dióxido de carbono mais do que quintuplicaram desde 1990, passando para 12.466 MtonCO2 em 2021. Representam já 32,9% do total mundial; é mais de quatro vezes a quantidade emitida pelos países da União Europeia. E é 329 vezes mais do que as emissões de Portugal.
Para se ter uma ideia da dimensão deste boom chinês, as emissões de dióxido de carbono no sector energético aumentaram 767% em três décadas, no sector industrial em geral 303% e nos transportes 915%. As emissões per capita subiram de 2.069 tonCO2 em 1990 para 8.727 em 2021. E até podia ter sido mais, caso a eficiência energética não tivesse até uma significativa melhoria: de 1.501 tonC02 por cada 1.000 dólares de PIB em 1990 para 0,501 tonCO2 em 2021.
Mas é aqui que reside o problema em se “salvar o planeta”, da qual a hipocrisia global, e um certo wokismo, não gosta de falar. Na verdade, conseguir-se-ia uma redução muito significativa nas emissões de dióxido de carbono – que, diga-se, está associado à emissão de outros gases, esses sim verdadeiramente perniciosos para as comunidades humanas, e que devem ser minimizados – se houvesse abertura política e diplomática para melhorar a tecnologia e a eficiência energética da China.
Veja-se: mesmo havendo melhoria a nível mundial, bastaria que a eficiência energética chinesa fosse idêntica à portuguesa (0,112 tonCO2 por 1.000 dólares de PIB), e aquele país asiático emitiria apenas 2.787 MtonCO2 em vez de 12.466 MtonCO2. Este volume de redução seria equivalente a mais de três vezes as emissões globais de toda a União Europeia. Significaria uma queda nas emissões mundiais de 25,6%. Melhorar a eficiência chinesa, isso sim é de relevo.
E muito mais sensato, e com evidentes resultados, do que exigir que andemos a pé ou de bicicleta, algo que se deve fazer por melhorar a nossa saúde, mas nunca imposto por uma estúpida ideia de contribuir para “salvar o planeta”.
Mas uma mudança do paradigma energético na China implicaria, em parte, uma transferência de tecnologia do Ocidente, arriscando tornar aquele país asiático um ainda maior colosso económico. Bem sei, e compreendo a realpolitik, que isto não interessará às elites políticas e económicas da Europa e dos Estados Unidos (que aliás também têm muito a fazer ainda para melhorar a sua eficiência energética), mas então assuma-se.
E, assim, não se use a comunicação social para uma estratégia manipulatória para nos convencer de que as alterações climáticas estão aí apenas por nossa culpa, que só os nossos sacrifícios podem “salvar o planeta” – e que se não fizermos isto a bem, eles (os políticos) então nos impõem tudo a mal, porque de contrário “vamos todos morrer” e não estarmos a fazer a nossa parte é egoísmo… Aliás, onde já vi isto?!
Se a imprensa mainstream quer mesmo “salvar o planeta” não chateie tanto os cidadãos – nem os manipule –, mas sim pressione mais os políticos e os Governos, porque são estes que efectivamente podem “salvar o planeta”. Ou melhor dizendo, com as suas políticas, deixarem de o destruir; e de prejudicar as nossas vidas e a das gerações futuras. E, nesse aspecto, as emissões de dióxido de carbono são o menos…
Há uma corrupção entranhada, enraizada na sociedade portuguesa. E mais perniciosa porque feita à descararada, é pública e notória, todos os dias se passeia, se pavoneia, nos registos do Portal Base, defronte dos olhos dos contribuintes, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, das pessoas de bem.
Temos um país supostamente democrático que, com a sua dimensão, com a sua estrutura burocrática, não consegue, ao fim de meio século de democracia, eliminar o obscurantismo e a falta de rigor na aplicação de dinheiros públicos, tendo, ao invés, transformado a contratação pública no mais medonho campo de cultivo da corrupção que se tem metastizado em todos os sectores da res publica.
Bem sabemos, conhecendo a natureza humana, que nem com os concursos públicos conseguiremos evitar desvios e enviesamentos nas decisões de como gastar melhor os dinheiros públicos, mas a decência democrática não pode suportar que, por dá cá esta palha, se opte pela celebração de contratos por ajuste directo. Não é um, nem dois, nem de vez em quando; está a tornar-se uma anormal normalidade.
O ajuste directo é, de uma forma simplificada, feito depois de alguém com funções públicas pegar num telefone e, enfim, falar com outro alguém de uma empresa para resolver um alegado problema público, pago exclusivamente com dinheiros públicos, e isto por causa da urgência ou de outras justificações espatafúrdias para que se caia na alçada das excepções muito maleáveis do Código da Contratação Pública.
Nesse acto não se sabe, na esmagadora maioria das vezes, as razões da escolha (porquê esta e não a outra empresa) nem se o motivo se justifica, até porque, em muitos casos, temos contratos de centenas de milhares de euros – ou até de milhões – para a compra de bens ou serviços que, em abono da verdade, era fácil de prever com muita antecedência que seriam necessários, e então justificar-se-ia lançar um concurso público.
Em apenas oito meses, de acordo com uma rápida análise do PÁGINA UM, contratos públicos por ajuste directo acima de 100 mil euros já ultrapassaram os mil milhões de euros. É uma enormidade, e não é preciso especular demasiado para perceber que, em grande parte dos casos, há corrupção pura e dura – que só o desinteresse intencional dos partidos políticos (todos) e a passividade do Ministério Público e do Tribunal de Contas se mantém e prolifera.
O Boletim diário que o PÁGINA UM decidiu começar a publicar este mês, destacando sobretudo os contratos por ajuste directo, responde a uma necessidade de recordar, em cada dia, esta situação infesta.
Talvez assim se comece a reparar que os ajustes directos não se fazem apenas na execução de empreitadas de construção civil ou na aquisição de medicamentos – talvez a única situação em que o ajuste directo se poderá justificará em muitos casos, embora a necessitar de outro tipo de controlo sobre os administradores e médicos influenciadores –, mas em muitos outros sectores.
Cito três, por serem tão evidentes, onde se mostra urgente uma espécie de Operação Mãos Limpas: 1) serviços de segurança e vigilância; 2) limpezas de instalações; e 3) restauração e catering.
A quantidade de contratos sucessivos por ajuste directo para estes três tipos de serviços – onde proliferam diversas empresas, onde a concorrência é, por isso, extremamente forte, e as necessidades são contínuas – não é justificável num quadro de transparência. Salta à vista aquilo que se passa. Em alguns casos, estamos a falar de contratos de milhões de euros.
Mas o problema da corrupção financeira é que também ela é moral. Quando falamos de corrupção, através de contratos por ajuste directo, estamos a tratar também de contratos de poucas dezenas de milhares de euros, que servem para “ajudar” a empresa do “amigo”, ou do “afilhado” ou do “militante”. É para isso também que os ajustes directos servem: através de dinheiros públicos “amigar” gestores públicos e políticos com certos empresários, muitos que criam empresas ao domingo para contratar com entidades públicas no dia seguinte, e não apenas pelos lindos olhos de cada uma das partes.
Enfim, tudo isto não tem sido nem será jamais bom para o contribuinte; mas é seguramente excelente para as empresas que vão singrando consoante as operações de “relações públicas” e outras mais “privadas) – e muitas que são preteridas em certos contratos por ajustes directos, nem se queixam, esperando que venham a beneficiar de similar esquema através de outras entidades públicas.
E lamentavelmente, tudo isto também é, acredito, muito benéfico financeiramente para muitos políticos e gestores públicos.
Através do PÁGINA UM, e sabendo que este é um caminho solitário na imprensa – até porque, enfim, as próprias empresas de media também assinam contratos por ajuste directo, alguns sem ser sequer reduzido a escrito –, procurarei com a divulgação dos Boletim P1 da Contratação Pública e dos Ajustes Directos – e também com os rankings mensais dos contratos mais chorudos, também com a lista das entidades públicas e das empresas privadas que mais recorrem a expediente – sensibilizar os leitores, os cidadãos e contribuintes, para um problema que mina e continuará a minar a democracia.
Pode ser apenas uma voz isolada, sem significado, a gritar que o rei vai nu – e pode mesmo, ao contrário do conto de Hans Christian Andersen, isto não servir, por agora, para nada. Porém, pelo menos não participei no deboche à democracia. E isso, como contribuinte, pode não me servir de consolação – porque a corrupção é uma forma de roubo e também de abuso de confiança –, mas como cidadão servirá de consolo: pelo menos, eu tentei.