Etiqueta: Dossier P1 – Imprensa

  • Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige “jurista de reconhecido mérito”

    Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige “jurista de reconhecido mérito”

    Criado em 1995, o órgão de regulação e de disciplina dos jornalistas foi, durante duas décadas, presidido por magistrados. Os últimos dois presidentes, incluindo a primeira mulher (a jornalista Leonete Botelho), eram advogados registados na respectiva Ordem há mais de 25 anos. A razão era simples: exigia-se no topo “um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação”. A recém eleita presidente é, porém, uma jornalista freelancer com currículo na imprensa regional, e está agora a realizar um estágio “fantasma” num escritório de advogados em Santo Tirso, apesar de viver em Coimbra. E também faz comunicação interna de um instituto de mediação de conflitos. Ninguém esclareceu ao PÁGINA UM a razão da escolha de Licínia Girão para a CCPJ. Nem a própria.


    A lei que regula o funcionamento do órgão regulador e disciplinador dos jornalistas – a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – é taxativa: a sua presidência somente pode ser ocupada por “um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”, cooptado pelos outros oito membros.

    Mas na recente eleição, em Maio passado, o ambíguo conceito de “jurista de reconhecido mérito” acabou por ser encaixado no perfil de Licínia Girão, uma jornalista freelancer (desde início do século) com percurso profissional consolidado sobretudo em trabalhos avulso na imprensa regional, e que se encontra a realizar actualmente um estágio de advocacia num escritório de Santo Tirso, Rodrigues Braga & Associados, apesar de viver em Coimbra.

    Licínia Girão preside à CCPJ por ser considerada “jurista de mérito reconhecido”, apesar de ser advogada-estagiária num escritório em Santo Tirso, e apesar de viver em Coimbra.

    Nascida em 1965, Licínia Girão apenas recentemente se dedicou aos estudos universitários, após ter concluído uma licenciatura em Direito já este século. No Registo Nacional de Teses e Dissertações constam agora dois mestrados concluídos em Outubro de 2019 e em Março de 2021: o primeiro em Jornalismo e Comunicação; e o segundo em Ciências Jurídico-Forenses.

    Além destas duas recentes provas académicas de nível intermédio, não consta outro qualquer registo consultável de obra académica ou de natureza relevante do ponto de vista profissional que possa atribuir a Licínia Girão um estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

    Criada em 1995, a CCPJ foi sempre presidida por magistrados durante duas décadas: Eduardo Lobo (entre 1995 e 2001; juiz de direito à data); Eurico dos Reis (entre 2001 e 2005; juiz desembargador à data); Pedro Mourão (entre 2005 e 2014; juiz desembargador à data).

    Em 2015 foi escolhido o advogado Henrique Pires Teixeira, que exercia aquela profissão desde 1982 e ocupara também o cargo de director de um jornal regional (A Comarca). Este advogado é, actualmente, presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT).

    Em 2018 seria eleita a primeira mulher para este cargo, Leonete Botelho. Advogada desde 1992, de acordo com os registos da Ordem dos Advogados, Leonete Botelho é jornalista do Público desde a sua fundação, naquele mesmo ano, sendo actualmente grande repórter, depois de já ter sido editora das secções Política (2009-2016) e de Sociedade (2003-2006).

    Quanto a Licínia Girão, além do parco currículo jurídico e jornalístico, subsistem dúvidas sobre a sua efectiva actividade profissional, a começar pela forma como está a desenvolver o seu estágio obrigatório de dois anos.

    O PÁGINA UM contactou esta tarde, por telefone, a sociedade Rodrigues Braga & Associados – cujos contactos correspondem ao local de estágio de Licínia Girão no registo da Ordem dos Advogados –, perguntando como poderia contactar com a advogada-estagiária, tendo sido informado por uma secretária que não era do seu conhecimento estar lá a trabalhar alguém com o nome da actual presidente da CCPJ.

    Registo de Licínia Girão na Ordem dos Advogados como estagiária, indicando um endereço que corresponde ao da sociedade Rodrigues Braga & Associados, onde não é conhecida pela secretária que atendeu o jornalista do PÁGINA UM.

    [Este contacto telefónico foi gravado, sem autorização, e, apesar de o jornalista se ter identificado pelo nome verdadeiro, não se identificou como jornalista. O ponto 4 do Código Deontológico dos Jornalistas salienta que “o jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja. A identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público e depois de verificada a impossibilidade de obtenção de informação relevante pelos processos normais.” O PÁGINA UM defende o método usado por se estar perante um incontestável interesse público, estando convicto de que a sua identificação prévia como jornalista resultaria num eventual enviesamento da verdade.]

    No site da Rodrigues Braga & Associados, consultado no dia 14 de Agosto e hoje, também não surge Licínia Girão como integrando a equipa, quer de advogados seniores, quer de advogados-estagiários. Na base de dados da Ordem dos Advogados, a presidente da CCPJ tem registo de estágio naquela sociedade desde 22 de Fevereiro do ano passado.

    Além do seu estágio aparentemente “fantasma”, Licínia Girão acumula as suas tarefas de presidente da CCPJ – que não obriga a qualquer exclusividade – com uma intensa actividade de busca de novos horizontes profissionais.

    No site da Rodrigues, Braga & Associados constam três advogadas-estagiárias (Inês Curval, Ana Sofia Ferreira e Diana Silveira). Não consta o de Licínia Girão nem o seu nome é conhecido pela secretária deste escritório de advogados de Santo Tirso.

    De acordo com a investigação do PÁGINA UM, Licínia Girão candidatou-se este ano ao 39º curso de ingresso de formação de magistrados no Centro de Estudos Judiciários, desconhecendo-se se foi aprovada. E também se candidatou a mediadora de conflitos dos julgados da paz do agrupamento de concelhos da Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, e do agrupamento de concelhos de Alvaiázere, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Porto de Mós, não se conhecendo também os resultados.

    Licínia Girão assume-se também como “coordenadora da comunicação interna do Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML)”, uma tarefa que poderá ser considerada incompatível face ao estabelecido no Estatuto do Jornalista. De acordo com a alínea b) do nº 1 deste diploma legal são incompatíveis com a actividade jornalística as “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    Aliás, muitos aspectos do percurso formativo e profissional (incluindo jurídico) de Licínia Girão mantêm-se sombrios – a começar por quem lhe dirigiu em concreto o convite para a presidência da CCPJ –, porque esta não os quis esclarecer quando questionada pelo PÁGINA UM (ver troca de mensagens em anexo).

    Além de referências generalistas às funções da CCPJ, na resposta ao PÁGINA UM, Licínia Girão preferiu destacar, na terceira pessoa, que “pela segunda vez na história da Comissão uma jornalista / jurista com formação superior pós-graduada em Direito da Comunicação, se comprometeu honrar na defesa do jornalismo e acompanhamento dos jornalistas”. E faz ainda referência ao “decretado no nº 2 do já citado artigo 20º do Decreto-Lei nº 70/2008, de 15 de Abril”, ou seja, à independência do cargo consagrada na lei.

    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista funciona no Palácio Foz, em Lisboa.

    O PÁGINA UM ainda reiterou anteontem o pedido de comentário e informações a Licínia Girão, salientando que a sua missiva “não respondeu nem esclareceu qualquer dos pontos referidos [nas questões colocadas], designadamente ano de início e conclusão do curso de Direito, em que moldes se encontra a realizar o estágio num escritório de Santo Tirso (vivendo em Coimbra), e não existindo referência no site da referida Sociedade, de quem recebeu o convite para a presidência da CCPJ (não tendo, pelo que sei, integrado a lista nem dos jornalistas nem dos operadores do sector) e se se considera uma ‘jurista de mérito reconhecido’, de acordo com o referido na lei.”

    O PÁGINA UM também explicitou, nessa missiva, não ser a “questão do género que aqui está em causa, como parece a todos óbvio, mas sim se a legislação foi aplicada com rigor na escolha em concreto” da nova presidente da CCPJ.

    Esta missiva não obteve resposta. Um conjunto de questões colocadas pelo PÁGINA UM a Jacinto Godinho, membro da CCPJ desde 2015, jornalista da RTP e professor da Universidade Nova de Lisboa, também não obteve qualquer reacção.


    Troca de mensagens (integral) entre o PÁGINA UM e a Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista

    Exma. Senhora Dra. Licínia Girão,

    O regime de organização e funcionamento da CCPJ, no nº 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 70/2008 de 15 de Abril, refere que esta “é composta por oito elementos com um mínimo de 10 anos de exercício da profissão de jornalista e detentores de carteira profissional ou título equiparado válido, designados igualitariamente pelos jornalistas profissionais e pelos operadores do sector, e por um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social, cooptado por aqueles, que preside.”

    De acordo com a investigação que tomei a cargo, constato que, efectivamente, é licenciada em Direito pela Universidade de Coimbra (agradecia que me esclarecesse em que ano foi a primeira inscrição e o ano de conclusão), tendo ainda dois recentes mestrados ambos na Universidade de Coimbra: Jornalismo e Comunicação (2019) e Ciências Jurídico-Forenses (2021).

    Também tenho conhecimento que se encontra a realizar o estágio de advocacia desde 2020 num escritório de advocacia em Santo Tirso, apesar de ter conhecimento de viver em Coimbra (agradecia confirmação), embora o seu nome não conste na equipa do referido escritório (https://archive.ph/too8Q). Aliás, agradecia que me informasse em que moldes se encontra a realizar esse estágio.

    Tenho também conhecimento de que estará em provas para admissão no CEJ.

    Não tenho conhecimento de quaisquer estudos, análises e actividades profissionais no meio juridico (além da tese de mestrado) em que se possa destacar o seu papel de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”, pelo menos atendendo ao histórico de todos os seus antecessores.

    Considerando, repito, que a legislação destaca a necessidade de o/a presidente da CCPJ ser “um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social” – e, para todos os efeitos, sem demérito, estamos perante uma mestre em Direito e em Jornalismo e uma advogada-estagiária, gostaria de ter a sua opinião, para efeitos de elaboração de notícia, se se considera enquadrada nessa exigência da lei. Ou seja, se pessoalmente se considera uma “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social” e porquê.

    Por outro lado, e tendo em consideração que se reveste de relevância pública, e uma vez que não foi eleita nas listas dos jornalistas nem aparentemente na lista indicada pelos operadores do sector, gostaria de saber quem (pessoa ou pessoas) ou que entidade em concreto a convidou para a presidência da CCPJ.

    Aguardando as suas respostas e esclarecimentos, e manifestando, desde já, a minha garantia de rigor, que me advém de funções jornalísticas desde 1995 (com passagens, entre outros, pelo Expresso e Grande Reportagem), e de uso de princípios deontológicos (recordo a minha passagem pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e a ausência de qualquer “condenação” por infringir tais regras), fico à sua disposição, aguardando por uma resposta até terça-feira.

    Cumprimentos.

    Pedro Almeida Vieira

    14 de Agosto de 2022


    Exmo. Senhor Pedro Almeida Vieira

    Na sequência do seu contacto, cumpre responder-lhe o seguinte:

    Tal como referido no artigo 20.º, 1 do Decreto-Lei nº 70/2008 de 15 de Abril “a CCPJ é composta por oito elementos com um mínimo de 10 anos de exercício da profissão de jornalista e detentores de carteira profissional ou título equiparado válido, designados igualitariamente pelos jornalistas profissionais e pelos operadores do sector, e por um jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social, cooptado por aqueles, que preside”.

    A atual composição da direção da CCPJ submeteu-se ao escrutínio dos seus pares, nos termos estatuídos por lei, e a sua presidente, tal como prevê o já mencionado instituto, foi cooptada, unanimemente, pelos jornalistas que elegeram os membros para integrarem a CCPJ e, ainda, pelos que foram nomeados pelos operadores do setor.

    É criterioso propósito da CCPJ, desde a sua criação em 1996, cumprir com os deveres que lhe têm vindo, sucessivamente, a ser consignados. Obrigações, que a sua atual presidente, que à semelhança da anterior é pela segunda vez na história da Comissão uma jornalista / jurista com formação superior pós-graduada em Direito da Comunicação, se comprometeu honrar na defesa do jornalismo e acompanhamento dos jornalistas. Não perdendo de vista o decretado no nº 2 do já citado artigo 20.º do Decreto-Lei nº 70/2008, de 15 de Abril.

    De referir, por último, que a lei não exige que o exercício das funções de presidente da CCPJ seja exercido em regime de exclusividade.

    Atentamente

    Licínia Girão

    16 de Agosto de 2022


    Exma. Senhora Dra. Licínia Girão:

    Na posse da sua resposta, que muito agradeço, quero em todo o caso salientar que não respondeu nem esclareceu qualquer dos pontos referidos na minha carta, designadamente ano de início e conclusão do curso de Direito, em que moldes se encontra a realizar o estágio num escritório de Santo Tirso (vivendo em Coimbra), e não existindo referência no site da referida Sociedade, de quem recebeu o convite para a presidência da CCPJ (não tendo, pelo que sei, integrado a lista nem dos jornalistas nem do operadores do sector) e se se considera Uma “jurista de mérito reconhecido”, de acordo com o referido na lei.

    Desnecessário seria dizer, mas convém, que me congratulo com a ocupação, quer na CCPJ quer em qualquer outra entidade, de mulheres em cargos de prestígio e de responsabilidades (para os quais têm tanto ou até mais créditos). Não é, obviamente, a questão do género que aqui está em causa, como parece a todos óbvio, mas sim se a legislação foi aplicada com rigor na escolha em concreto.

    Como vou escrever apenas amanhã este texto, deixo à sua consideração responder às questões. Em todo o caso, garantido está que, mesmo que à parte, transcreverei na íntegra as suas declarações.

    Pedro Almeida Vieira

    16 de Agosto de 2022

  • Sindicato dos Jornalistas lamenta comunicado ‘ad hominem’ da ERC contra director do PÁGINA UM

    Sindicato dos Jornalistas lamenta comunicado ‘ad hominem’ da ERC contra director do PÁGINA UM

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social – que tem poderes de supervisão sobre todos os media, podendo censurá-los com críticas e aplicar-lhes coimas – está a forçar a “fabricação” de incidentes contra o PÁGINA UM como manobra de diversão face às ilegalidades processuais numa queixa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e para encontrar argumentos para não ter de ceder informação sensível em matéria de transparência de grupos empresariais.


    Em comunicado divulgado esta tarde, a Direcção do Sindicato dos Jornalistas criticou a postura do Conselho Regulador para a Comunicação Social pela forma como quis envolver toda a classe para, dessa forma, tentar “isolar” o director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, que tem procurado legitimamente consultar processos administrativos e pressionado o regulador a disponibilizar documentos sobre a transparência media.

    Aliás, sobre este segundo assunto, na próxima semana o PÁGINA UM irá apresentar um pedido de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa porque o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, nem sequer respondeu ao pedido de acesso aos requerimentos de um número indeterminado de grupos de media que solicitaram aos reguladores a confidencialidade de informação económica e financeira no Portal da Transparência, bem como às decisões.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Apenas em 2022 foram feitos 22 pedidos, cujas decisões não são conhecidas com excepção do da empresa gestora da TVI e CNN Portugal. Entre a informação confidencial poderá estar, por exemplo, montantes de dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira, apurou já o PÁGINA UM. A ERC deveria, por lei, disponibilizar essa informação até ao passado dia 4 de Agosto. Não o fez até agora.

    Sobre os conflitos entre a ERC e o PÁGINA UM – que desencadeou um inédito comunicado ad hominem do regulador na terça-feira passada –, a Direção do Sindicato dos Jornalistas refere, no seu comunicado, que “as generalizações, além de serem perigosas, são quase sempre desnecessárias”, manifestando surpresa que a ERC tenha escrito, referindo-se ao director do PÁGINA UM, como sendo um “cidadão [que] tenta legitimar comportamentos nos quais, consideramos, que a classe jornalística não se revê”.

    Carta de 21 de Julho do PÁGINA UM à ERC. Os pedidos de acesso a documentos administrativos por um jornalista são olhados agora como acções de “coacção” pelo regulador.

    O organismo presidido por Luís Simões avisa também a ERC de não ser incumbência do regulador “pressupor em que é que a classe dos jornalistas se revê ou deixa de rever”.

    Por outro lado, o Sindicato dos Jornalistas relembra a ERC – que, aliás, tem no seu registo obrigatório Pedro Almeida Vieira como responsável editorial do PÁGINA UM – que “independentemente dos desentendimentos existentes, o cidadão Pedro Almeida Vieira é, de facto, jornalista, portador da Carteira Profissional de Jornalista número 1786, sendo também sócio do SJ, com o número 4556.”

    Além disso, Pedro Almeida Vieira foi já também, no seio desta estrutura sindical, membro do Conselho Deontológico.

    Defendendo não lhe caber fazer comentários sobre conflitos entre a ERC e o PÁGINA UM – incluindo se “alguma das partes cometeu ato ilícito” –, o Sindicato dos Jornalistas assegura que “como qualquer outro associado, Pedro Almeida Vieira tem direito, se assim o entender, a recorrer ao apoio do gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas neste ou em qualquer outro processo.”

    Entretanto, esta tarde, apesar de não mencionar o PÁGINA UM nem o seu director, a ERC divulgou novo comunicado referindo que a sua “Comissão de Trabalhadores (…) reuniu, esta quinta-feira, com o Senhor Presidente do Conselho Regulador, discutindo-se a perturbação que vem sendo sentida na ERC que coloca em causa o regular funcionamento da instituição e o seu bom nome, bem como a tranquilidade dos seus trabalhadores.”

    O comunicado acrescenta ainda que esta comissão de trabalhadores “está solidária com os membros do Conselho Regulador e com todos os trabalhadores envolvidos.”

  • TVI e CNN Portugal obrigadas a revelar as suas contas desastrosas

    TVI e CNN Portugal obrigadas a revelar as suas contas desastrosas

    Sem apresentar publicamente uma justificação, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social indeferiu o pedido de confidencialidade dos dados económicos e financeiros em 2021 da empresa TVI – Televisão Independente, do universo da Media Capital. Nos últimos dois anos, os prejuízos ultrapassaram os 14 milhões e em apenas três anos quase dois terços do capital próprio esfumou-se.


    A TVI – Televisão Independente S.A. – a empresa detentora da TVI e da CNN Portugal, que se encontra no universo da Media Capital – viu a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) recusar a confidencialidade dos seus indicadores financeiros do ano de 2021. Em consulta do PÁGINA UM ao Portal da Transparência dos Media, todos os dados financeiros do ano passado já ali constam, sem excepção: activos, passivo, rendimentos, resultados líquidos e o peso dos principais clientes e dos detentores do passivo (credores).

    No início de Julho, o PÁGINA UM revelara em primeira-mão que a TVI S.A. estava a tentar obter autorização para esconder toda a sua informação económica e financeira do ano passado. A ERC mantinha então, na Plataforma da Transparência, a indicação de estar a analisar o pedido.

    José Eduardo Moniz consta como responsável editorial da TVI – Televisão Independente S.A. no Portal da Transparência da ERC.

    Por a Media Capital nunca ter respondido ao PÁGINA UM, ignoram-se os motivos do pedido de confidencialidade, mas, de facto, não havia desempenhos assim tão lustrosos para mostrar.

    Apesar de os rendimentos totais terem aumentado de 112,7 milhões de euros em 2020 para 130,8 milhões de euros em 2021, repetiu-se o “desastre” económico dos últimos anos: acumularam-se prejuízos.

    Quase em linha com 2020 (resultados negativos de 7,28 milhões de euros), a TVI S.A. viu Dezembro de 2021 terminar com um prejuízo de 7,07 milhões de euros.

    Confirma-se assim um ciclo negro da empresa responsável pela TVI e CNN Portugal, que em 2017 tivera um lucro de 21,15 milhões de euros e em 2018 um lucro de 19,49 milhões de euros. O ano de 2019 já tinha sido de recessão, quando foram apresentados resultados líquidos negativos na ordem dos 963 mil euros.

    Em virtude desta má prestação económica, o capital próprio despencou: entre 2018 e 2021 passou de 52,9 milhões de euros para 18,1 milhões, uma queda de 66% em apenas três anos. Em oposição – ou em consequência –, o passivo aumentou fortemente: em 2018 estava nos 61,6 milhões de euros para os 89,8 milhões. E com uma agravante: em vez de instituições bancárias ou entidades externas, os principais credores da TVI S.A. são empresas do universo da própria Media Capital: a Meglo Media Global (35% do passivo) e Plural (13%), agregando um total de 19,6 milhões de euros.

    Dados económicos e financeiros do ano passado da TVI – Televisão Independente S.A. estão agora disponíveis. ERC indeferiu integralmente pedido de confidencialidade.

    Um outro aspecto das contas da TVI S.A. que acabou também por ser revelado foi o peso da MEO nos rendimentos desta empresa. De acordo com os dados do Portal da Transparência, a MEO é um “cliente relevante”, com 15% do total dos rendimentos. Contas feitas, a TVI S.A. recebeu da empresa de telecomunicações cerca de 20 milhões de euros ao longo do ano passado. Foi a primeira vez que a ERC não permitiu confidencialidade deste detalhe à TVI S.A.

    Os dois canais televisivos acabaram assim por ser responsáveis pelas contas a vermelho da holding de Mário Ferreira. Em 2021, a Media Capital apresentou um prejuízo de 4,1 milhões de euros, a que se juntam os 11 milhões já registados ao longo de 2020.

    Entretanto, o PÁGINA UM aguarda da ERC a satisfação de um pedido de acesso a todos os requerimentos de órgãos de comunicação social que pediram confidencialidade no (paradoxalmente) denominado Portal da Transparência.

    De acordo com um diploma legal de Abril de 2016, as entidades que, sob forma societária, prossigam atividades de comunicação social devem enviar anualmente à ERC um relatório de governo societário, incluindo dados sobre o capital próprio, activo total, passivo total, resultados operacionais, resultados líquidos (lucro), rendimentos totais e passivos (totais e contingentes).

    Nascida em 2021, a CNN Portugal não conseguiu qualquer milagre económico para a empresa TVI – Televisão Independente S.A.

    Também deve constar a relação das pessoas singulares e/ ou colectivas que representem mais de 10% dos rendimentos totais e dos passivos, com as respectivas percentagens. A data-limite para o envio dessa informação à ERC, relativo ao exercício mais recente, é o dia 30 de Junho de cada ano.

    No entanto, um regulamento prevê que, “atendendo à sensibilidade e ao caráter sigiloso de alguns dos dados solicitados” – que, na verdade são públicos, por outras vias –, “as entidades poderão solicitar à ERC a aplicação do regime de exceção”, ou seja, podem requerer sigilo, embora o regulador tenha o poder de “rejeitar o pedido (…), desde que por motivos devidamente fundamentados”. Porém, não são conhecidos os critérios para o deferimento, ou não, dos pedidos por parte do regulador.

  • TVI sai-se mais uma vez “mal”, e agora foi condenada a pagar indemnização à IURD de quase 70 mil euros

    TVI sai-se mais uma vez “mal”, e agora foi condenada a pagar indemnização à IURD de quase 70 mil euros

    Por recusar publicar um direito de resposta da Igreja Universal do Reino de Deus em 2017, por um conjunto de investigações jornalísticas de rigor questionável, a TVI vai ter de abrir os cordões à bolsa. É a primeira vez que um tribunal judicial aplica este tipo de sanção a um órgão de comunicação social de âmbito nacional..


    A TVI e o seu antigo director de informação, Sérgio Figueiredo, foram condenados a indemnizar a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) em quase 70 mil euros, numa decisão inédita nos tribunais portugueses. O desfecho resulta de um longo processo que teve início há mais de quatro anos, após a estação televisiva do Grupo Media Capital – também detentora da CNN Portugal – ter recusado transmitir o direito de resposta da IURD sobre uma série de 17 reportagens intitulada O segredo dos deuses, transmitida entre Dezembro de 2017 e Junho de 2018.

    A investigação jornalística de Alexandra Borges e Judite França, denunciava uma suposta rede internacional de adopções ilegais e rapto de crianças alegadamente montada por aquela instituição religiosa. Num dos referidos episódios, o então director Sérgio Figueiredo chegou mesmo a apelidar a IURD como uma “associação de malfeitores e criminosos”.

    Reportagem da TVI acusava o fundador da IURD no Brasil de estar envolvido em esquemas de adopção ilegal, algo que acabou por não ficar provado.

    Por danos não patrimoniais, os réus foram condenados pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste ao pagamento de 50 mil euros, satisfazendo o pedido da IURD, tendo o juiz Miguel Raposo determinado ainda uma indemnização de 18.500 euros a título de danos patrimoniais. Inicialmente, a lesada requerera um total de 99.105 euros, tendo esse valor sido depois ampliado para 125.673. Respeitante a danos patrimoniais, foram alegadas despesas com assessoria jurídica e também os custos do texto de resposta (pagando) em outros meios de informação.

    Recorde-se que o impacte da transmissão destas reportagens foi então muito significativo, tendo mesmo suscitado intervenções do Ministério Público e até petições para o encerramento das actividade da IURD em Portugal. Fundada em 1977 no Brasil, a IURD chegou a Portugal em 1989.

    A sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, datada de 12 de Julho passada, destaca que a TVI nunca quis reconhecer o direito de resposta, argumentando “falta de legitimidade para o exercício do direito, intempestividade e ausência de relação directa e útil entre as referências feitas nas reportagens e grande parte do afirmado nos textos de resposta”.

    Sérgio Figueiredo tem “saltitado” entre o mundo empresarial e a liderança de redacções de jornalistas. Depois de ser director do Diário Económico, no início do século, passou a seguir pela administração de empresas do Grupo EDP, tendo depois seguido para a direcção da TVI entre 2015 e 2021. Apresenta-se agora como consultor de sustentabilidade freelance.

    Curiosamente, apesar de ter sempre refutado as acusações e caracterizado a reportagem como “manifestamente falsa”, à IURD foi inicialmente negado o direito de resposta pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em 2018. Mas, em Fevereiro de 2020, após uma intimação favorável à queixosa, o regulador foi obrigado a alterar a sua deliberação inicial. Porém, a estação televisiva só acatou a decisão em Julho daquele ano, um “capricho” que lhe custou uma sanção pecuniária no valor de 500 euros por cada dia de atraso, conforme o previsto nos Estatutos da ERC para crimes de desobediência.

    Embora a TVI e Sérgio Figueiredo possam ainda recorrer da sentença, esta terá sido a primeira vez que um Tribunal condena um órgão de comunicação social a pagar uma indemnização no seguimento da recusa da emissão do direito de resposta.

  • Director editorial da Global Media ficou sem carteira de jornalista por ser gerente “globetrotter”

    Director editorial da Global Media ficou sem carteira de jornalista por ser gerente “globetrotter”

    Domingos de Andrade é director-editorial do Jornal de Notícias e da TSF, mas também administrador da Global Media e gerente de, pelo menos, mais cinco empresas do grupo empresarial liderado por Marco Galinha, acumulando ainda responsabilidade de edição em outros órgãos de comunicação social. Após a investigação do PÁGINA UM sobre as promiscuidades nos media, iniciada em Dezembro passado, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ) recusou renovar-lhe o título por incompatibilidades. Será o primeiro de mais casos?


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) não quer renovar a carteira profissional de jornalista a Domingos de Andrade, diretor-geral editorial do Diário de Notícias, e Jornal de Notícias e ainda diretor da radio TSF.

    A notícia foi ontem avançada pelo Correio da Manhã, que salienta que o também administrador da Global Media – proprietária destes órgãos de comunicação social – terá impugnado a decisão da CCPJ.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM confirmou que não consta actualmente no registo daquela entidade o nome de Domingos de Andrade nem como jornalista nem como “equiparado a jornalista”, neste último caso a opção escolhida geralmente para quem se mantém em cargos de direcção editorial sem o estatuto de jornalista acreditado. Domingos de Andrade usava o número 1723 na sua carteira profissional, o que indicia que terá começado a sua profissão em meados dos anos 90.

    Domingos de Andrade tem assinado contratos comerciais de legalidade duvidosa, no contexto da Lei da Imprensa, enquanto lidera redacções de órgãos de comunicação social da Global Media.

    A posição da CCPJ foi tomada somente no seguimento das investigações jornalísticas do PÁGINA UM, em Dezembro passado, que revelaram que Domingos de Andrade era signatário de dois contratos comerciais, como administrador da Global Media, com entidades públicas. Um desses contratos, assinado em 28 de Julho do ano passado, com a Câmara Municipal de Valongo contratualizava a produção de “52 (cinquenta e duas) reportagens anuais”, a inserir no Canal JN Directo, e ainda “12 (doze) páginas anuais” em suplementos.

    Aquele contrato, com o prazo de 24 meses, surgia no seguimento de um outro assinado no início de 2019, tendo como objecto do contrato a “aquisição de serviços de promoção das marcas identitárias e tecido económico local do Município de Valongo”. Ambos com um preço contratual de 74.000 euros.

    No entanto, estes contratos serão apenas a “ponta do icebergue”, porque os contratos comerciais entre órgãos de comunicação social e empresas privadas não são, geralmente, do domínio público, ao contrário daqueles que envolvem entidades da Administração Pública ou equiparadas, que constam do Portal Base.

    Investigação do PÁGINA UM a revelar as promiscuidades na imprensa começaram em Dezembro do ano passado.

    A contratação de produção de reportagens pagas – e, portanto, dependendo de critérios não editoriais – é uma das questões mais sensíveis na imprensa portuguesa e mesmo mundial.

    A Lei da Imprensa destaca que o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e ainda de “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    No entanto, apesar de então a CCPJ ter revelado, em 22 de Dezembro passado, que abrira um “processo de questionamento” a Domingos de Andrade – e também a outros responsáveis editoriais do Público e do universo da Global Media, dos quais se desconhece o resultado –, aquele gestor acabou por assinar novo contrato no final daquele mesmo mês.

    Com efeito, Domingos de Andrade assinou um contrato comercial com a Comissão da Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte no valor de 19.990 euros para a prestação de serviços “de produção radiofónica” na TSF, a estação onde ele é director desde Novembro de 2020.

    A intervenção de Domingos de Andrade em tarefas de gestão comercial no seio da Global Media são por demais evidentes. Além de administrador da holding – sendo o braço direito executivo do chairman Marco Galinha –, de acordo com o Portal da Transparência é ainda gerente da TSF – Rádio Jornal Lisboa, da TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, da Difusão de Ideias – Sociedade de Radiodifusão, da Pense Positivo – Radiodifusão e ainda vogal do conselho de administração executivo da Rádio Notícias – Produções e Publicidade. E assume, em todas estas empresas, a função de responsável editorial.

    Independentemente da resolução deste processo, certo é que Domingos de Andrade está agora a exercer a sua actividade como director-editorial – constando o seu nome na primeira página do Jornal de Notícias de hoje e na ficha técnica da TSF – sem carteira profissional, o que coloca outro problema legal.

    Com efeito, possuir carteira profissional válida é uma “condição indispensável ao exercício da profissão de jornalista” – uma situação análoga à carta de condução para a condução de automóveis. O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Domingos de Andrade, mas ainda não obteve qualquer resposta.

  • TVI e CNN Portugal querem esconder os seus dados financeiros do escrutínio público

    TVI e CNN Portugal querem esconder os seus dados financeiros do escrutínio público

    Uma das funções da Imprensa é revelar aquilo que muitos querem esconder, mas a dona da TVI e CNN Portugal pediu este ano à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que todos os dados que revelam a sua saúde financeira em 2021 não constem do Portal da Transparência.


    A TVI – Televisão Independente S.A. – a empresa detentora da TVI e da CNN Portugal, que se encontra no universo da Media Capital – pediu à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que os seus indicadores financeiros fossem considerados confidenciais no Portal da Transparência dos Media.

    Esta informação, com a indicação de a ERC estar a analisar o pedido da empresa, consta daquela base de dados (à data de hoje) que, por ironia, foi criada em 2016 exactamente para revelar publicamente informação sobre os proprietários de órgãos de comunicação social e a sua situação financeira.

    José Eduardo Moniz consta como responsável editorial da TVI – Televisão Independente S.A. no Portal da Transparência da ERC.

    O PÁGINA UM tentou obter mais detalhes sobre os motivos por detrás daquele pedido junto da ERC e da Media Capital, mas não obteve ainda qualquer resposta.

    De acordo com um diploma legal de Abril de 2016, as entidades que, sob forma societária, prossigam atividades de comunicação social devem enviar anualmente à ERC um relatório de governo societário, incluindo dados sobre o capital próprio, activo total, passivo total, resultados operacionais, resultados líquidos (lucro), rendimentos totais e passivos (totais e contingentes).

    Também deve constar a relação das pessoas singulares e/ ou colectivas que representem mais de 10% dos rendimentos totais e dos passivos, com as respectivas percentagens. A data-limite para o envio dessa informação à ERC, relativo ao exercício mais recente, é o dia 30 de Junho de cada ano.

    No entanto, a legislação prevê que, “atendendo à sensibilidade e ao caráter sigiloso de alguns dos dados solicitados” – que, na verdade são públicos, por outras vias –, “as entidades poderão solicitar à ERC a aplicação do regime de exceção”, ou seja, podem requerer sigilo, embora o regulador tenha o poder de “rejeitar o pedido (…), desde que por motivos devidamente fundamentados”.

    Porém, numa consulta do PÁGINA UM ao Portal da Transparência da ERC, nenhuma das empresas que detém algum dos principais órgãos de comunicação social portugueses – Cofina (Correio da Manhã e CMTV), Impresa (SIC e Expresso), RTP, Lusa, Global Media (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), Rádio Renascença, Avenida dos Aliados (Porto Canal), Benfica TV, Trust in News (Visão) – solicitou este ano um regime de excepção para “esconder” dados financeiros. Nem consta que em outros anos tenha sido solicitada e concedida pela ERC esse regime de excepção.

    Curiosamente, até mesmo a Rádio Comercial S.A. divulgou a totalidade dos indicadores das suas demonstrações financeiras do ano de 2021. Com efeito, a dona da Rádio Comercial está sob alçada da Media Capital Digital, uma empresa-irmã da TVI – Televisão Independente S.A., e ambas estão na esfera da MEGLO, que integra, por sua vez a holding Media Capital.

    Printscreen do Portal da Transparência da ERC sobre a informação financeira da TVI – Televisão Independente para o ano de 2021.

    A confidencialidade solicitada pela dona da TVI e da CNN Portugal à ERC torna ainda mais densa a real dimensão do estado financeiro daqueles dois canais televisivos. Recorde-se que em 2020, a empresa apresentou um prejuízo de quase 7,3 milhões de euros, e viu o seu capital próprio descer de 54,9 milhões de euros em 2017 para 25,1 milhões em 2020.

    Deste modo, mais de metade do seu capital “voou” em apenas três anos. Para agravar, endividou-se em quase 30 milhões de euros neste período, com o passivo a subir de 56,4 milhões de euros em 2017 para cerca de 85,6 milhões em 2020. No ano passado, e empresa terá tido necessidade de reforçar o investimentos e custos operacionais em virtude da transformação da TVI 24 em CNN Portugal.

    Printscreen do Portal da Transparência da ERC sobre a informação financeira da TVI – Televisão Independente para o ano de 2020.

    Apesar do secretismo requerido à ERC, o relatório e contas consolidado da Media Capital relativo a 2021 mostram que a situação da TVI – Televisão Independente ter-se-á agravado substancialmente. Mesmo com um aumento apreciável dos rendimentos operacionais (incluindo publicidade) a subir para os quase 131 milhões de euros (mais cerca de 17 milhões de euros face a 2020), os resultados operacionais foram negativos em quase 7,4 milhões de euros.

    Deste modo, os dois canais televisivos acabaram por serem responsáveis pelas contas a vermelho da holding. Em 2021, a Media Capital apresentou um prejuízo de 4,1 milhões de euros, a que se juntam os 11 milhões já registados ao longo de 2020.


    N.D. A empresa detentora do PÁGINA UM – a Página Um, Lda. – encontra-se também registada no Portal da Transparência da ERC, mas como a sua constituição só ocorreu em Abril deste ano, apenas poderá informar da sua situação financeira após a conclusão de 2022, o seu primeiro ano económico.

  • A luta do Polígrafo “contra a desinformação” vale 860 mil euros oferecidos pelo Facebook em dois anos

    A luta do Polígrafo “contra a desinformação” vale 860 mil euros oferecidos pelo Facebook em dois anos

    O fact-checking deixou de ser uma mera ferramenta da contínua e justa batalha em prol da verdade. Na verdade, transformou-se, sobretudo nos últimos dois anos, num negócio de milhões dominado por empresas como o Facebook, que impõe assim a sua narrativa sem qualquer regulação isenta, e “amaciando”, neste processo, a imprensa mainstream com fortes apoios financeiros. Quase um milhão de euros foi o que recebeu o Polígrafo só desde o ano 2020. Será este o modelo que uma democracia deve adoptar no combate à mentira?


    O Polígrafo – o único órgão de comunicação social em Portugal dedicado em exclusivo ao fact-checking – recebeu mais de 860 mil euros do Facebook nos últimos dois anos para controlar sobretudo a desinformação relacionada com a pandemia. O montante em causa, que representa cerca de 36 mil euros em média por mês, terá sido recebido no âmbito do programa Third Party.

    A informação sobre a forte dependência financeira do Polígrafo – que se assumiu, no seu nascimento em 2018, pretender ser um “Google da verdade” – obtém-se por cruzamento de informação existente no Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), cujo regulamento estipula, com algumas excepções, que os proprietários de empresas de media revelem “a relação das pessoas individuais ou coletivas que tenham, por qualquer meio, individualmente contribuído em, pelo menos, mais de 10 % para os rendimentos apurados (…) ou que sejam titulares de créditos susceptíveis de lhes atribuir uma influência relevante”.

    Ora, a empresa detentora do Polígrafo – a Inevitável e Fundamental, Lda., que tem como sócio maioritário o seu director, o jornalista Fernando Esteves (60%) – registou no ano de 2020 uma dependência do Facebook da ordem dos 87%. Como os seus rendimentos naquele ano foram de 528.818,49 euros, significa que a rede social de Mark Zuckerberg entregou cerca de 460 mil euros ao Polígrafo durante o primeiro ano da pandemia, tendo sido este um tema recorrente nas análises quer na edição online quer no programa em parceria com a SIC.

    Já no ano passado, o jornal digital dirigido por Fernando Esteves – ex-editor da revista Sábado – recebeu um pouco menos do Facebook (cerca de 404 mil euros), mas a sua dependência ainda aumentou mais; foi praticamente total: 96% dos rendimentos.

    Em virtude deste “sustento” do Facebook, o Polígrafo disparou os seus lucros. Se em 2018 – ano da sua criação – acabou o exercício com resultados líquidos de apenas 4.710 euros, e em 2019 com um lucro de 17.742 euros, os últimos dois anos foram de maior saúde financeira e económica.

    Fernando Esteves, fundador, director e sócio maioritário do Polígrafo, criado em 2018.

    Em 2020, os lucros atingiram os 173 mil euros, tendo ficado próximos dos 60 mil euros no ano passado, permitindo assim baixar substancialmente o passivo – que era já de quase 200 mil euros no final de 2019 – e distribuir dividendos entre os sócios Fernando Esteves e N’Gunu Olívio Noronha Tiny, também proprietário da Forbes Portugal, através da Emerald Group. A folha salarial dos principais funcionários da empresa também subiram substancialmente.

    O peso da mais importante rede social nas contas do Polígrafo – 91% das receitas nos últimos dois anos – colocam sobretudo em causa a exigida autonomia editorial de um órgão de comunicação social. Na prática, o jornal de Fernando Esteves – que exige que os seus colaboradores não possam ser militantes partidários por uma questão de transparência – trabalha para receber dinheiro do Facebook, não precisando sequer de leitores nem de audiências nem de publicidade diversificada.

    Com efeito, de acordo com o Centro de Ajuda para Negócios da Meta – a holding de Zuckerberg – a monetização no âmbito do programa Third Party, e em articulação com o International Fact-Checking Network – que, além do Polígrafo, integra também o Público e o Observador –, existe uma forte relação entre o Facebook e os verificadores de factos, que acaba por ser também comercial.

    SIC e Polígrafo têm uma parceria para a emissão de um programa apresentado por Bernardo Ferrão.

    Inicialmente, o Facebook identifica posts com “potencial desinformação através de indicadores”, e admite que depois “apresentamos os conteúdos a verificadores de factos”, embora estes também possam ter a iniciativa. Posteriormente, a análise é feita pelos fact-checkers, seguindo normas mas supostamente de forma independente. Essa avaliação é, em seguida, conhecida pelo Facebook que pode, em seguida, aplicar medidas que passam pela exclusão da informação considerada falsa. Por este serviço, os fact-checkers recebem verbas do Facebook.

    Embora em teoria a eliminação da desinformação surja como algo positivo e necessário, na verdade tem vindo a condicionar o debate de ideias e sobretudo algumas abordagens mesmo científicas que colidem com as posições da Organização Mundial da Saúde e dos Governos. Muitos verificadores de factos, com o Polígrafo, foram mesmo responsáveis pela polarização do debate ao longo da pandemia, seleccionando por vezes posts absurdos – e sem grande expressão nas redes sociais – para cunhar como “negacionista” qualquer posição que contestasse a estratégia política dominante.

    Por exemplo, foram feitos pelo Polígrafo, desde o início da pandemia, cerca de sete dezenas de verificações de factos em que a palavra “negacionista” foi usada. Na maior parte dos casos, os redactores do Polígrafos usaram sistematicamente, não fontes documentais ou artigos científicos, mas simples opiniões de peritos, muitos dos quais com ligações a farmacêuticas. Ou mesmo a Direcção-Geral da Saúde, com quem o Polígrafo assinou uma parceria logo em Março de 2020.

    Também na invasão da Ucrânia, o Polígrafo tem estado na linha da frente para fomento de polarizações, com enviesamentos de análises, que condicionam um debate livre, como se observou recentemente num fact-checking que acusava supostos “grupos negacionistas da pandemia viraram para a partilha de desinformação pró-Rússia”.

    Em alguns casos, o próprio Polígrafo atribui culpas pela disseminação de fake news às redes sociais quando, na verdade, estas se iniciam através de notícias da imprensa não validadas, como sucedeu com um falso anúncio do massacre de 13 soldados ucranianos numa pequena ilha. Aliás, o Polígrafo assume que não faz verificação de factos, ou de qualidade e rigor, em peças produzidas por jornalistas.

    A postura do Facebook e dos seus fact-checkers, como o Polígrafo, não tem sido bem-vista por muitos sectores, mesmo do meio científico. Por exemplo, a conceituada revista científica BMJ viu uma sua investigação sobre a falta de integridade dos ensaios das vacinas da Pfizer ser tachada de falsa.

    Em carta aberta a Zuckerberg, em Novembro do ano passado, a revista viria a tecer duras críticas à rede social porque uma verificação de factos “imprecisa, incompetente e irresponsável” levou a que internautas ficassem impossibilitados de divulgar o artigo da BMJ.

    O PÁGINA UM colocou ontem, ao início da tarde, um conjunto de perguntas e pedido de esclarecimentos ao director do Polígrafo, Fernando Esteves.

    Questionou-o sobre se os apoios do Facebook, através do Third Party, eram verbas fixas (por mês) ou se dependiam do número ou qualidade das revisões feitas sobre conteúdos naquela rede social, bem como se existiram orientações expressas do Facebook, de forma directa ou indirecta em matérias específicas.

    E pediu-lhe também uma opinião sobre se considerava que a relação financeira tão revelante não constituía uma ingerência na autonomia de um órgão de comunicação social, e se o Polígrafo teria capacidade de sobreviver nos moldes actuais sem este tipo de receitas.

    Não houve resposta.

  • Expresso e SIC Notícias têm agora nas farmacêuticas um ‘ventilador financeiro’

    Expresso e SIC Notícias têm agora nas farmacêuticas um ‘ventilador financeiro’

    O PÁGINA UM foi ver como as farmacêuticas entraram na vida da comunicação social portuguesa através de parcerias comerciais que são executadas por jornalistas sem que os leitores percebam que se trata de eventos com cobertura mediática condicionada. A Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalistas não permitem este tipo de parcerias, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social e a Comissão da Carteira Profissional “assobiam para o ar”. Comecemos pelo Grupo Impresa.


    O semanário Expresso e o canal televisivo SIC Notícias têm estado a intensificar, como nunca visto, as ligações comerciais com a indústria farmacêutica, usando jornalistas para cobrir eventos pagos.

    O fenómeno, que colide com a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista – por influir na liberdade editorial e aproveitar jornalistas para cumprimento de contratos comerciais –, iniciou-se em pequenos passos ainda antes da pandemia, mas está em franco crescimento. Só no mês passado, o PÁGINA UM detectou cerca de uma dezena de iniciativas destes dois órgãos de comunicação social do Grupo Impresa em operações de marketing de seis farmacêuticas.

    Grupo Impresa tem reforçado parcerias comerciais com farmacêuticas usando jornalistas. Na foto, a pivot da SIC Marta Atalaya.

    A vantagem das farmacêuticas nesta “cooperação” – em que os órgãos de comunicação social funcionam como media partners, bem pagos, embora os montantes estejam no “segredo dos deuses” por não serem públicos – é tripla: mesmo que a factura para as farmacêuticas seja bem superior (em comparação com uma organização por meios próprios), garante-se uma cobertura mediática favorável (que nem sempre se obteria sem estas parcerias) e consegue-se, por outro lado, agregar mais facilmente um conjunto de figuras de relevo ou decisores políticos como convidados para os eventos.

    Por outro, os eventos apresentados enganosamente como parcerias ou associações – quando na realidade se está perante simples prestação de serviços de comunicação – funcionam como um “endorsement”, uma recomendação de uma marca, neste caso uma farmacêutica, por um órgão de comunicação social e pelos seus jornalistas, o que constitui um “selo de qualidade” perante o público que ignora a natureza desses contratos.

    Um pouco como um shampoo que seja falado pelo Cristiano Ronaldo sem se saber que ele recebe dinheiro por isso, e as suas “falas” são combinadas.

    Existe eventualmente outra vantagem potencial: a dependência financeira por este tipo de contratos, num período crucial de negócios para muitas farmacêuticas, pode condicionar análises mais críticas ao sector por parte dos jornalistas. E travar uma cobertura profissional, isenta e rigorosa.

    Embora esta dependência financeira não seja exclusiva do Expresso e da SIC Notícias – ou do Grupo Impresa –, o PÁGINA UM detectou que, apenas durante Maio passado, o semanário fundado por Pinto Balsemão associou-se, para a organização de eventos pagos, pontuais ou de médio prazo, à  ViiV Healthcare (uma joint venture da Pfizer e da GlaxosmithKline), Bial (através da Fundação Bial), Sanofi, Gilead, GlaxoSmithKline e Novartis.

    Farmacêuticas participam e pagam pelos eventos organizados pela Impresa. Chegam a agradecer publicamente o “convite”.

    Em todos os casos, os eventos tiveram transmissão online, geralmente com a moderação de num jornalista do Expresso ou da SIC Notícias, e cobertura mediática com artigos de jornalistas acreditados, sobretudo nas edições online mas também, por vezes, na edição em papel. Pelo menos dois jornalistas com carteira profissional escreveram artigos encomendados desta forma: Francisco de Almeida Fernandes (TP 7706) e  Tiago Oliveira (TP 6278).

    No caso dos eventos que envolvem conferências, o PÁGINA UM detectou a participação activa, como moderadores, dos jornalistas Marta Atalaya (TP 2502) e Bernardo Ferrão (TP 3906).

    Os textos no semanário do Grupo Impresa costumam ser integrados numa secção denominada “Projetos Expresso”, mas sem qualquer menção de integrar conteúdos patrocinados nem existe qualquer opção gráfica que distinga esses artigos das outras notícias eventualmente não-pagas.

    O último desses eventos neste polémico género de parceria Expresso-farmacêuticas foi uma conferência na passada terça-feira “em torno dos desafios no diagnóstico e tratamento do VIH/SIDA”, que constituiu o pontapé de saída do projecto Horizonte 2020, que se prolongará por 18 meses.

    Eventos são oportunidades de “ouro” das farmacêuticas para operações de charme junto de decisores políticos.

    Nesta primeira conferência foram convidados políticos de vários partidos, entre os quais Ricardo Baptista Leite (PSD) e Maria Antónia Almeida Santos (PS), com a moderação da jornalista Marta Atalaya.  A cobertura mediática foi assegurada pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que também trabalha para uma empresa de comunicação (Mad Brain).

     A Angelini Pharma, por sua vez, conseguiu convencer o Expresso a ser media partner, com uma contrapartida monetária, para organizar a 13ª edição do Angelini University Award, que teve o impacte da covid-19 nos doentes crónicos como prioridade. Mais uma vez, o evento teve cobertura mediática do Expresso através do jornalista Francisco de Almeida Fernandes.

    Por sua vez, o evento pago pela Fundação Bial em Maio passado enquadra-se em outros já desenvolvidos desde o início deste ano, um dos quais contou com a presença do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Também aqui a notícia do mais recente evento, resultante do compromisso como media partner do Expresso, foi publicada na edição online de 20 de Maio passado, e escrita, mais uma vez, pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes.

    No caso da Sanofi, cuja cobertura mediática tem sido feita sobretudo pelo jornalista Tiago Oliveira, tem incidido num projecto de médio prazo denominado “Doenças que marcam”, que tem tido também a participação, como mestra-de-cerimónia da jornalista Marta Atalaya.  

    O jornalista Bernardo Ferrão moderando uma conferência paga ao Expresso pela Sanofi.

    A Sanofi tem, aliás, reforçado a ligação comercial e jornalística com o Grupo Impresa. Um dos eventos mais relevantes desta parceria comercial foi a organização, em Março passado, da conferência Flu Summit 2022. A vacina da gripe é uma das áreas de grande interesse comercial desta farmacêutica francesa.

    Para se ter ideia dos montantes envolvidos nestas iniciativas, saliente-se que, no âmbito da Flu Summit 2022, e consultando o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, dois dos convidados para este evento – os pneumologistas Filipe Froes e António Morais – receberam da Sanofi, pela sua presença, 2.889 e 1.595 euros, respectivamente. O segundo esteve, na verdade, em representação da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

    Apesar desta dependência financeira de alguns dos oradores (pagos pela Sanofi), o Expresso fez a cobertura mediática do evento, que foi moderado pelo jornalista da SIC Bernardo Ferrão.  

    Quanto à Gilead, o evento de Maio passado, organizado pelo Expresso, e com cobertura mediática do jornalista Francisco de Almeida Fernandes, foi dedicado à divulgação do Programa Gilead Génese. No entanto, as ligações entre esta farmacêutica norte-americana têm-se aprofundado desde o ano passado, sempre com uma cobertura mediática bastante favorável.

    Recorde-se que a Gilead comercializa o polémico antiviral remdesivir, sob a forma comercial Veklury, mas nunca as páginas do Expresso fizeram eco dos problemas deste fármaco, que custou 20 milhões de euros ao Estado. Das poucas vezes que o Expresso referiu aquele fármaco foi sempre de forma favorável, com a “defesa” a ser feita, entre outros, pelo pneumologista Filipe Froes, que é simultaneamente consultor da Gilead e da Direcção-Geral da Saúde.

    Filipe Froes recebeu quase 2.900 euros da Sanofi para discursar em evento pago à Impresa e noticiado pelo Expresso.

    Por sua vez, para a GlaxoSmithKline (GSK), o Expresso multiplicou-se, no mês passado, na organização de diversos eventos sobre doenças raras, onde os interesses comerciais das farmacêuticas são bastante significativos, sobretudo porque os preços de venda são elevados e altamente comparticipados pelo Estado.

    Num dos mais recentes eventos, realizado em 10 de Maio, com a participação do presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, foi mesmo abordada a necessidade de acelerar a aprovação de medicamentos inovadores (que, basicamente, não têm ainda garantias de segurança e eficácia). A cobertura mediática destes debates pagos pela GSK foi realizada, como habitualmente, pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes.

    Por fim, a relação comercial da Novartis – e neste caso, de igual modo, para a Médis – com o Expresso e também com a SIC Notícias, é já mais antiga, nascida em 2019, e envolve a “sensibilização” para os problemas oncológicos.

    No entanto, nos últimos meses têm intensificado as iniciativas, a última das quais em 27 de Maio. Contudo, o Expresso faz notícias como se não estivessem suportadas num acordo de patrocínio, e o site da iniciativa é apresentado como sendo um “projecto editorial da SIC Notícias”.

    O PÁGINA UM questionou o director editorial do Expresso, João Vieira Pereira, sobre se concordava com esta estratégia comercial do Grupo Impresa; se considerava que a denominação “Projetos Expresso” é suficientemente clara aos olhos dos leitores de que se trata, na verdade, de artigos pagos; e se tinha conhecimento de que os artigos de índole comercial (por estarem consubstanciados em contrato comercial) estão a ser escritos com a participação de jornalistas acreditados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Não houve resposta.

  • Instituto tutelado pelo ministro Duarte Cordeiro compra notícia para sair no Expresso

    Instituto tutelado pelo ministro Duarte Cordeiro compra notícia para sair no Expresso

    O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), tutelado pelo ministro do Ambiente Duarte Cordeiro, contratou a Impresa, detentora do Expresso e da SIC, para garantir a cobertura mediática de um evento. A SIC Notícias disponibilizou uma pivot para ser mestra-de-cerimónias e o Expresso publicou uma notícia sobre a iniciativa conforme contratado, escrita por um jornalista que trabalha numa empresa de comunicação. Com este contrato fica-se a saber que por 19.500 euros consegue-se uma cobertura mediática favorável no Caderno Principal do Expresso. “Em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”, garantiu ao PÁGINA UM não o director do Expresso, mas sim uma agência de comunicação que representa a empresa fundada por Pinto Balsemão.


    Para os leitores do semanário Expresso, a página 24 da edição da passada sexta-feira do Primeiro Caderno continha apenas uma notícia. Neste caso, sobre Áreas Protegidas e mais em concreto abordando um certamente meritório plano do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF): o Missão Natureza 2022. A notícia surgia assinada como todas as restantes notícias daquela edição do semanário do Grupo Impresa. Por um jornalista, portanto.

    Normal e natural, por isso, conter o artigo as declarações do presidente do ICNF, Nuno Banza, de um investigador da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, de um biólogo da Associação Natureza Portugal, de uma engenheira florestal da União da Floresta Mediterrânica e até do ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro.

    João Vieira Pereira, director do Expresso.

    Na notícia, o governante aparecia a reconhecer que seria “bastante difícil” cumprir o desígnio [de reverter a tendência negativa de conservação de espécies selvagens”, mas a comprometer-se a “trabalhar nesse sentido”. E garantindo também: “Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade.”

    Poderiam os leitores mais exigentes questionar a pertinência deste assunto nas páginas do mais importante semanário do país – o lançamento da Missão Natureza 22, uma iniciativa do ICNF a desenvolver até 2027 –, mas compreenderiam lendo uma pequena caixa: “O Expresso associou-se à iniciativa e à realização do primeiro evento”.

    Porém, em abono da verdade, a associação do Expresso não foi por amor à causa ambientalista: custou 19.500 euros ao ICNF. Ou, noutra perspectiva, o Expresso vendeu uma página do seu jornal para publicitar – sem fazer referência a ser publicidade – uma iniciativa de um instituto de um ministério do Governo.

    Com efeito, a notícia da página 24 da edição do Expresso foi a concretização de um compromisso da Impresa previsto em contrato assinado no próprio dia do lançamento do evento público (20 de Maio) com o ICNF.

    Assinado por via de uma decisão do vice-presidente do ICNF, Paulo Salsa, neste contrato – cujo caderno de encargos o PÁGINA UM não conseguiu ainda obter, por não constar no Portal Base e o instituto não o ter ainda disponibilizado –, no contrato ficaram definidas as obrigações do Expresso para a prestação de “serviços de apoio” e a “organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022”. Nesse âmbito terá estado também incluída a transmissão do evento público de 20 de Maio nas redes sociais do Expresso, que contou com a pivot da SIC Notícias Ana Patrícia Carvalho como mestra-de-cerimónia.

    Notícia do Expresso foi feita como contrapartida de um contrato assinado no próprio dia do evento.

    Por outro lado, para a escrita da notícia (encomendada), o Expresso decidiu não destacar a habitual jornalista que trata as temáticas ambientais (Carla Tomás), tendo optado por “contratar” um colaborador, Francisco de Almeida Fernandes.

    Apesar de acreditado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CP 7706), Almeida Fernandes trabalha na Mad Brain, uma empresa de comunicação e produção de conteúdos, que, entre outras empresas, tem a Galp no seu portefólio.

    Tanto este jornalista como uma outra jornalista, Fátima Ferrão (CP 6197), através da Mad Brain, escrevem também regularmente para diversos órgãos de comunicação social da Global Media (Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e Jornal de Notícias), umas vezes como jornalistas, outras como produtores de conteúdos comerciais, numa promiscuidade impedida pela Lei da Imprensa e pelo Estatuto do Jornalista.

    No entanto, até agora, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e nem a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista intervieram para estancar esta situação.

    O PÁGINA UM contactou o Ministério do Ambiente para saber se o ministro Duarte Cordeiro tinha conhecimento e concordava com este modus operandi do ICNF – compra de notícias com garantia de uma boa cobertura –, mas o seu gabinete de imprensa disse que o governante participou no evento do ICNF por “convite”, acrescentando que “todas as questões relativas à organização do evento devem ser colocadas ao Instituto [ICNF]”.

    Ontem, o PÁGINA UM contactou o presidente do ICNF, Nuno Banza, questionando-o sobre os pressupostos que levaram à decisão do Conselho Directivo em contratar uma empresa de media para garantir cobertura mediática, se foram ou serão contratados outros media para o mesmo efeito, e se considerava que este tipo de contratações não desvirtua a necessária independência que se espera da comunicação social.

    Ana Patrícia Carvalho, jornalista da SIC Notícias, serviu de mestra-de-cerimónias do evento público do ICNF. Na transmissão, o Expresso equivocou-se no apelido.

    Até agora, Nuno Banza respondeu apenas que “tratando-se de um pedido de informação relativo a um procedimento administrativo, encaminhei nesta data [ontem] aos serviços para que sejam recolhidos os documentos que fazem parte integrante deste [contrato] e que serão disponibilizados logo que reunidos”, prometendo ainda partilhar “a informação assim que possível”.

    Sobre este contrato, o PÁGINA UM colocou também diversas questões ao director do Expresso, João Vieira Pereira.

    Objecto social da Mad Brain, a empresa para onde trabalha o jornalista Francisco de Almeida Fernandes, e que produz também (ou sobretudo) conteúdos comerciais.

    Nessa missiva, perguntou-se se considerava que os leitores do Expresso conseguiriam compreender de imediato que o texto da página 24 do Caderno Principal não se tratava de um artigo noticioso com liberdade editorial, mas antes da concretização de um dos compromissos estabelecidos num contrato com uma compensação financeira.

    Perguntou-se também se tinha conhecimento de que o jornalista que assina a peça, e colabora com alguma regularidade no Expresso, trabalha também para uma agência de comunicação (Mad Brain), que tem entre outros clientes, a Galp Energia.

    E, por fim, perguntou-se se considerava lícito que um jornal possa fazer notícias de eventos que tenham na sua génese contratos de prestação de serviços com entidades públicas ou mesmo empresas privadas, usando jornalistas com carteira profissional.

    João Vieira Pereira não respondeu ao PÁGINA UM, mas o Grupo Impresa, através da empresa de comunicação JLM & Associados, comunicou, por escrito, que “a Impresa, tal como grande parte dos grupos de media nacionais e internacionais, tem parcerias com instituições no sentido de criar projetos de interesse geral”, anotando ainda que “em nada as parcerias do Grupo Impresa condicionaram alguma vez a liberdade do Expresso”.

    Quanto ao jornalista do artigo contratualizado, Francisco de Almeida Fernandes, a JLM & Associados diz que aquele “não trabalha para uma agência de comunicação, mas sim para uma empresa produtora de conteúdos.”

    Convém acrescentar que no Portal da Justiça consta o seguinte objecto social da Mad Brain: “Atividades de edições e publicações. Organização de eventos e animação turística. Formação. Serviços de comunicação e produção de conteúdos. Arrendamento e gestão de alojamento local.”

  • ‘Gaveta’ da ERC salva televisão do Futebol Clube do Porto de apanhar multa por contratos ilegais

    ‘Gaveta’ da ERC salva televisão do Futebol Clube do Porto de apanhar multa por contratos ilegais

    Em 2018, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não demorou a reagir a uma denúncia do Jornal i sobre contratos do Porto Canal com autarquias e outras entidades por possível ingerência na autonomia editorial deste operador televisivo. O canal do Futebol Clube do Porto era já reincidente, mas a ERC encarregou o director do Departamento Jurídico de indagar, através de um procedimento cautelar. Terminou tudo quatro anos depois com um arquivamento por “caducidade”.


    O director jurídico da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Rui Mouta, procrastinou e “engavetou” durante mais de quatro anos um procedimento oficioso contra o Porto Canal, por alegados contratos comerciais ilegais sobretudo com autarcas do Norte, poupando assim este operador televisivo, na esfera do Futebol Clube do Porto, a sofrer coima máxima de 150 mil euros.

    O procedimento, que deveria ter culminado num processo de contra-ordenação, foi entretanto arquivado por “caducidade”, através de uma deliberação do Conselho Regulador da ERC.

    Em causa estava um conjunto de duas dezenas de contratos comerciais assinados no período de 2014 a 2018 entre aquele operador televisivo – detido pela Avenida dos Aliados S.A., empresa controlada de forma directa (82,4%) pela Futebol Clube do Porto SAD, através da FCP Media – e diversas entidades, entre as quais as autarquias do Porto, Braga, Matosinhos, Póvoa do Varzim e Chaves.

    Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.

    Recorde-se que o Porto Canal tem, como membros do Conselho de Administração, o presidente do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, e também Fernando Gomes, antigo edil socialista do município portuense e ex-ministro da Administração Interna.

    No lote de relações comerciais susceptíveis de violar a Lei da Televisão, por constituírem ingerências na autonomia editorial do Porto Canal, estavam ainda os contratos com três Comunidades Intermunicipais – Ave (CIA), Tâmega e Sousa (CITS) e Terras de Trás-os-Montes (CITTM) –, a Empreendimentos Hidroeléctricos do Alto Tâmega e Barroso (empresa intermunicipal constituída por seis autarquias), o Instituto Politécnico do Porto, o Turismo do Porto e Norte, o Instituto de Segurança Social, a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado do Lima e Fundação Hispano-Portuguesa Rei Afonso Henriques. No total, estes contratos envolveram mais de 600 mil euros.

    O procedimento inicial da ERC foi uma reacção a uma notícia do Jornal i, publicada em 5 de Fevereiro de 2018, intitulada “Portocanalgate – Câmaras do Norte financiam televisão do FC Porto”, onde se denunciava a existência de contratos de “prestação de serviços”, sob a  forma de “divulgação de eventos e iniciativas”, “concepção, produção e difusão de conteúdos televisivos” ou “publicitação de anúncios”.

    A celebração deste tipo de contratos de prestação serviços com uma componente editorial e a participação de jornalistas são, na generalidade, “susceptíveis de condicionar ou limitar a autonomia editorial do serviço de programas”, razão pela qual o Conselho Regulador da ERC decidiu, em 20 de Fevereiro de 2018, abrir um procedimento oficioso, uma antecâmara do processo de uma contra-ordenação com vista à aplicação de uma coima.

    Todo este processo ficou, contudo, nas mãos de Rui Eugénio Varão Mouta, director do Departamento Jurídico da ERC, com uma extensa delegação de poderes, que incluía “poderes para deduzir acusação e proceder à inquirição de testemunhas, bem como para a elaboração da proposta de aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias, com exceção da decisão final do processo contra-ordenacional cuja competência continua reservada exclusivamente para o Conselho Regulador.”

    Contudo, apesar do Porto Canal ser reincidente – estando então a correr um processo de contra-ordenação por questões similares, que culminaria na aplicação de uma coima de 37.500 euros em Outubro de 2018 –, Rui Mouta decidiu, de forma exasperadamente lenta, pedir informações a algumas autarquias e à Porto Canal.

    No caso do operador televisivo, Rui Mouta apenas enviou um ofício ao Porto Canal em 19 de Março daquele ano, respondido em 3 de Abril pelo departamento jurídico do próprio Futebol Clube do Porto, que pediu mais tempo “face à densidade da informação solicitada”. Prontamente, no dia seguinte à chegada daquela missiva, Rui Mouta deferiu o pedido, mas sem determinar outra qualquer data.

    No dossier consultado pelo PÁGINA UM na ERC – que, ao contrário das boas práticas de um regulador, não tem as páginas do processo numeradas, pelo que se mostra impossível saber se foram “retiradas” partes – somente consta uma sucinta resposta do Porto Canal em 23 de Abril, incluindo cópias de diversos contratos.

    Notícia do Jornal i de Fevereiro de 2018 que denunciou contratos. O jornalista Júlio Magalhães era então o director de informação do Porto Canal.

    Somente em 5 de Junho, Rui Mouta tomou mais algumas diligências, escrevendo às autarquias de Braga, Matosinhos e de Gondomar, à Comunidade Intermunicipal do Ave e ainda à Associação de Municípios das Terras de Santa Maria.

    Por exemplo, neste último caso, esta entidade – que agrega as autarquias de Arouca, Espinho, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Vale de Cambra – assumiu que o contrato com a Porto Canal visava “divulgar e dar a conhecer a actualidade da região, ao nível da informação, economia, património, cultura, eventos, etc., com apresentação frequente em programas informativos”.

    E informou ainda a ERC que, “de acordo com o respetivo Caderno de Encargos”, ficou estabelecido nesse contrato, além de spots publicitários, a emissão de “seis reportagens promocionais, com 120 minutos de emissão” e ainda “dois vídeos promocionais por mês, a cada município”. O preço, neste caso, foi de 37.5000 euros, através de um contrato assinado por Fernando Gomes e Adelino Caldeira, que também integravam, e integram, a Futebol Clube do Porto SAD.

    Apesar das evidências de violação da Lei da Televisão, Rui Mouta apenas foi vagarosamente solicitando documentação em falta aos autarcas que tinham assinado contratos com o Porto Canal. A sua última intervenção neste procedimento oficioso ao longo de 2018 foi um ofício datado de 27 de Setembro, reiterando um pedido de informação anteriormente feito à Comunidade Intermunicipal do Ave.

    Depois, Rui Mouta nada fez, em redor deste procedimento oficioso sobre o Porto Canal, em 2019.

    Nem em 2020.

    Nem em 2021.

    E só este ano, em 9 de Março, surge Rui Mouta a dar um brevíssimo parecer sobre a informação de uma técnica do seu Departamento Jurídico, a propor “a extinção do presente procedimento oficioso por caducidade”.

    brown wooden table

    A razão era simples, conforme a informação da técnica: “[o]s procedimentos de iniciativa oficiosa passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados [Porto Canal], caducam, na ausência de decisão, no prazo de 120 dias”. Ou seja, apesar das evidências e da sua vasta experiência de jurista, como Rui Mouta não tomou qualquer decisão, nem apresentou qualquer recomendação ao Conselho Regulador da ERC com vista a um processo de contra-ordenação, o Porto Canal ficou ilibado de quaisquer penalizações a partir de 19 de Junho de 2018.

    Em suma, a ERC acabou por concluir, através de uma deliberação do seu Conselho Regulador em 16 de Março passado, que deveria ter tomado uma decisão sobre os contratos do Porto Canal 1.366 dias antes.

    O PÁGINA UM questionou o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, sobre se, com este caso, “o papel do regulador pode sair fragilizado face a um procedimento oficioso que não cumpr[iu] os 120 dias para a sua conclusão, e que demor[ou] quatro anos e um mês a ‘arquivar’ esse procedimento”, mas não obteve resposta. A única reacção foi a autorização para o PÁGINA UM consultar todo o processo.