O pneumologista Filipe Froes, figura mediática durante a pandemia e consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), é também um dos médicos com mais conflitos de interesse, devido às suas ligações (em muitos casos promíscuas) com mais de duas dezenas de empresas do sector farmacêutico. Um processo de averiguações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) foi-lhe levantado em Setembro de 2021, e até resultou num processo disciplinar em Fevereiro do ano passado. Mas tudo está a “marinar” há meses, e a IGAS nem sequer quer mostrar agora os documentos preparatórios, alegando segredo. O “jogo do gato e do rato” terminará com uma decisão do Tribunal Administrativo, por via de mais uma intimação – a única forma que o PÁGINA UM tem tido para aceder a documentos oficiais.
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está com um novo processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, intentado pelo PÁGINA UM, por recusar disponibilizar o processo de averiguações levantado ao pneumologista Filipe Froes em Setembro de 2021 por alegadas ligações ilegais à indústria farmacêutica. A intimação visa também obrigar o inspector-geral da IGAS a facultar o seu despacho que determinou esse processo disciplinar, que já dura há mais de 13 meses.
Esse processo de averiguações foi concluído em 19 de Fevereiro do ano passado, tendo resultado na abertura de um processo disciplinar àquele médico, que se destacou como figura mediática durante a pandemia, ao mesmo tempo que era consultor da Direcção-Geral da Saúde – definindo as terapêuticas para os tratamentos – e também consultor e palestrante de mais de duas dezenas de farmacêuticas.
Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde, já perdeu um processo de intimação intentado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.
A acção do PÁGINA UM culmina quase um ano de um autêntico jogo do gato e do rato, onde a IGAS se tem furtado a disponibilizar elementos que possam trazer mais luz sobre os meandros das ligações promíscuas entre certos médicos e a indústria farmacêutica.
Em finais de Outubro do ano passado, o PÁGINA UM chegou a obter uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a várias dezenas de processos intentados nos últimos anos pelo IGAS, mas, ao contrário do expectável, não estava ainda incluído qualquer documento referente a Filipe Froes.
Mais tarde, em finais de Novembro, a IGAS acabou por revelar ao PÁGINA UM que o processo de averiguações sobre Filipe Froes, que fora conhecido desde Setembro de 2021, tinha resultado num processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022, por determinação do inspector-geral Carlos Carapeto, mas então ainda não concluído, estando assim em segredo. Quatro meses depois, continua sem estar concluído, significando que está a “marinar” há mais de 13 meses.
Filipe Froes foi o autor de um livro patrocinado por uma farmacêutica (BIAL), mas não se encontra registo de qualquer apoio no Tribunal Administrativo.
Ora, mas de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar”, acrescentando-se ainda que “o acesso ao conteúdo de auditorias, inspeções, inquéritos, sindicâncias ou averiguações pode ser diferido até ao decurso do prazo para instauração de procedimento disciplinar”.
Nessa medida, mesmo que a IGAS queira, e eventualmente até por pressão política, adiar sine die a conclusão do processo disciplinar a Filipe Froes para manter o secretismo das eventuais ilegalidades por si cometidas, a legislação parece determinar, de forma inequívoca, que todos os procedimentos prévios ao processo disciplinar (processo de averiguações e despacho do inspector-geral) passaram a ter acesso não protegido desde 19 de Fevereiro passado.
A IGAS, contudo, tem opinião distinta, salientando que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, incluindo, naturalmente o inquérito que o precede”, invocando mesmo uma norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Porém, nessa norma nada se refere sobre o inquérito precedente, neste caso o processo de averiguações, uma vez que simplesmente se diz que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao trabalhador, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste.” Por agora, o PÁGINA UM pretende pelo menos ter acesso ao processo de averiguações e ao despacho para a abertura do processo disciplinar.
A IGAS chega também a alegar que a norma da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos que concede o direito de “acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos” pelo menos ao fim de um ano se aplica apenas a “informação ambiental” – um equívoco, certamente, porquanto essa norma refere-se às restrições ao direito de acesso aplicável a qualquer tipo de documento administrativo.
Saliente-se que, ao longo dos meses, a IGAS nunca quis adiantar quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, tendo laconicamente informado que vem no seguimento da “informação de avaliação n.º 149/2022”, que mereceu um despacho em 19 de Fevereiro passado do inspector-geral Carlos Carapeto, que deu instruções para ser iniciado um processo disciplinar, ignorando-se também o “castigo” eventualmente a aplicar.
Em todo o caso, a decisão de instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes após um processo formal de averiguações – revelado em Novembro do ano passado pelos semanários O Novo e Expresso – mostra já a existência de fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades.
De facto, o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o que não surpreenderá, tendo em conta o que se foi tornando público.
O PÁGINA UM tem acompanhado as relações promíscuas de vários médicos e, particularmente de Filipe Froes, neste caso pelos montantes envolvidos e pelas acções em que participa que se confundem com marketing. Além disso, o PÁGINA UM já detectou, através de declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.
Mas também existem suspeitas de que Filipe Froes é apoiado por farmacêuticas sem que estas registem os montantes no Portal da Transparência do Infarmed. Exemplo disso passou-se com a antologia de crónicas que publicou no Diário de Notícias com o patrocínio (ainda não declarado) da farmacêutica Bial, que nunca respondeu ao PÁGINA UM sobre essa matéria.
Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia. Foi também mandatário da lista de Carlos Cortes, o novo bastonário da Ordem dos Médicos.
Filipe Froes (ao centro) foi o mandatário da candidatura vencedora de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.
De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. No ano passado também ultrapassou a fasquia dos quatro mil euros por mês.
Este ano tem sido mais “comedido”: recebeu no primeiro trimestre “apenas” 6.620 euros, o que representa pouco mais de 2.200 euros mensais. Contudo, convém salientar que o Infarmed não faz, por rotina, qualquer tipo de fiscalização destes registos, pelo que se mostra fácil receber dinheiro e outras ofertas de farmacêuticas sem declaração no Portal da Transparência, como aliás fez o antigo bastonário da Ordem dos Médicos Miguel Guimarães.
Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM já intentou 17 processos de intimação desde Abril do ano passado. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.
N.D. Republicamos um dos trabalhos de investigação da campanha “Todos por Quem Cuida”, originalmente publicados em Dezembro do ano passado, após a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ter decidido tomar uma “deliberação” (leia-se a opinião de três pessoas) que, entre outros dislates, dá bitates sobre como se deveria conduzir uma investigação jornalística num país democrático, “insta o PÁGINA UM ao escrupuloso cumprimento dos normativos legais e deontológicos em matéria de rigor informativo”. Como nada há a mudar no que publicámos em Dezembro passado, o PÁGINA UM insta a ERC a não ingerir, como reiteradamente tem feito, na independência dos jornalistas e a interferir nos seus métodos de trabalho (sobretudo naquele que seja incómodo), recomenda-lhe ainda que aprenda a analisar melhor as normas da DGS e as questões atinentes sobre a matéria em causa, que estude melhor (e sem viés) os documentos que profusamente apresentámos (e que não eram públicos antes, e tornaram-se acessíveis por sentença do Tribunal Administrativo), e, por fim, que prescinda de juízos de valor sobre esta investigação jornalística, sobretudo antes de serem conhecidos os resultados do “processo de esclarecimento” instaurado por despacho do inspector-geral das Actividades em Saúde em 15 de Janeiro passado. O PÁGINA UM deseja também um sossegado fim de mandato (que, por lei, já deveria ter terminado em Novembro passado) aos (ainda) membros do Conselho Regulador da ERC, e que o façam com um mínimo de dignidade. Recorde-se ainda que em outra deliberação, esta de Julho do ano passado, a ERC também decidiu criticar um trabalho do PÁGINA UM sobre o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais. A investigação do PÁGINA UM era tão má, mas tão má, mas mesmo tão má, que, enfim, e afinal, esteve na base da aplicação de uma contra-ordenação sobre António Morais, que, hélas, se queixara à ERC do mau trabalho jornalístico. Este presente artigo manter-se-á como manchete até sexta-feira.
Em Fevereiro de 2021, num polémico início da campanha de vacinação contra a covid-19, e apenas uma semana após tomar posse na task force, Gouveia e Melo, o agora Chefe do Estado-Maior da Armada, negociou com o bastonário Miguel Guimarães as condições para se vacinarem vários milhares de médicos que não estavam na lista de prioridade da Direcção-Geral da Saúde. Mais de 27 mil euros foram parar aos cofres do Hospital das Forças Armadas, sem que o acordo ad hoc tenha sido autorizado. Pior ainda foi a operação contabilística: a conta acabou paga pela campanha “Todos por Quem Cuida” (detida por três particulares), mas a factura foi endereçada para a Ordem dos Médicos. Entretanto, este ano, surgiram quatro farmacêuticas a “reivindicar” o apoio nesta operação à Ordem dos Médicos, atestando sob a forma de recibo. Este é o quarto artigo de uma investigação jornalística do PÁGINA UM, profusamente documentada, que merece ser um caso de polícia.
Há pelo menos mais de uma semana que Manuel Pizarro, ministro da Saúde, sabe, mas não comenta: em Fevereiro do ano passado, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o então responsável pela task force, Gouveia e Melo, mercadejaram a administração de vacinas a quase quatro mil médicos a troco de um pagamento de mais de 27.000 euros, que foram encaminhados para o Hospital das Forças Armadas.
Este expediente, realizado à margem das orientações então emanadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) – que é a Autoridade de Saúde Nacional – começou a desenhar-se apenas uma semana após o então vice-almirante Henrique Gouveia e Melo tomar posse como coordenador da task force da vacinação contra a covid-19, substituindo Francisco Ramos. Este ex-secretário de Estado da Saúde demitira-se por irregularidades relacionadas com as prioridades de vacinação no Hospital da Cruz Vermelha. Nas primeiras fases da vacinação, devido à escassez de doses, surgiram muitos casos de administração indevida, levando mesmo à instauração de 216 processos judiciais, apesar de apenas um ter levado a condenação, conforme revelou ontem o jornal Público.
Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS.
Embora no dia de posse tivesse considerado “lamentável” a administração indevida de vacinas – que então estava na ordem do dia. incluindo no Parlamento– e prometido “apertar mais as regras” de controlo, uma semana mais tarde, em 10 de Fevereiro, Gouveia e Melo reuniu-se com o bastonário Miguel Guimarães para acertar uma forma de contornar a posição da DGS que não priorizara a vacinação dos médicos que trabalhavam fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar de não constar no processo consultado pelo PÁGINA UM eventuais respostas escritas de Gouveia e Melo, nessa reunião terá saído a garantia de colaboração não apenas da task force, mas também das próprias Forças Armadas.
No dia 19 de Fevereiro, o bastonário escrevia um e-mail ao “Distinto Senhor Coordenador da Task Force Mui Ilustre Vice-Almirante Henrique Gouveia e Melo”, enviando em anexo, “tal como combinado na reunião do passado dia 10”, uma lista de médicos a serem vacinados, à margem do programa oficial de vacinação, defendendo a justeza e relevância desta questão.
A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades, que Miguel Guimarães “brilhasse”.
Certo é que, independentemente da eventual justeza desta medida, muitos médicos sobretudo do sector privado e social, bem como os médicos aposentados do SNS que mantinham actividade clínica, não estavam na lista das prioridades em Fevereiro do ano passado. Gouveia e Melo tinha conhecimento disso, até por integrar a task force desde Novembro de 2020, e também saberia que negociar à margem do processo oficial era cometer os mesmos erros ou até ilegalidades que levaram à “queda” de Francisco Ramos.
As negociações foram rápidas. Em 25 de Fevereiro, após um contacto telefónico com Gouveia e Melo, Miguel Guimarães fecharia então um acordo ad hoc – dir-se-ia informal, porque não há qualquer protocolo ou acordo escrito – para vacinar um pouco mais de quatro mil profissionais, dos quais 1.382 no pólo do Porto do Hospital das Forças Armadas, 2.004 no de Lisboa, 623 no Centro de Saúde Militar de Coimbra e 189 no centro hospitalar do Algarve. Em vésperas, Miguel Guimarães estava preocupado em saber se poderia chamar a comunicação social para acompanhar toda a operação, que acabou por se realizar de forma discreta. Foram vacinados quase 3.700 médicos. Obviamente, as vacinas tiveram de ser “desviadas” do circuito oficial.
O uso das palavras “negociação” e “acordo ad hoc” não são abusivas nem despropositadas no contexto em que se realizou esta vacinação paralela.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.
Com efeito, a vacinação daqueles médicos à margem das orientações da DGS não teve apenas como eventual desiderato “proteger os profissionais de saúde e dar confianças aos doentes”, como então garantia Miguel Guimarães ao jornal Nascer do Sol, mas envolveu também contrapartidas monetárias. Apesar das vacinas serem gratuitas, Gouveia e Melo somente as disponibilizou contra a cobrança unitária de 3,7 euros para supostamente suportar custos do Hospital das Forças Armadas. No Portal Base não consta que esta entidade tenha contratado quaisquer serviços externos para vacinar os médicos.
A factura do Hospital das Forças Armadas, num total de 27.365 euros – pela administração de 7.396 doses – foi emitida em 18 de Julho do ano passado para pagamento pela Ordem dos Médicos. Mas é aí que surge ainda mais um caso rocambolesco, envolvendo o fundo “Todos por Quem Cuida”.
A Ordem dos Médicos quis ficar com os louros mas também com o dinheiro nos seus cofres. E assim, em 26 de Abril do ano passado, a tesoureira do Conselho Nacional, Susana Garcia de Vargas, escreveu um ofício aos gestores do fundo pedindo-lhes 30.000 euros para custear o processo de vacinação. Sendo expectável que o pedido fosse aceite – por via do próprio bastonário da entidade que pedia apoio ser um das três pessoas que decidia se dava apoio –, como foi, o problema mais uma vez passou pelo expediente contabilístico pouco ortodoxo. Isto é, ilegal.
Factura pela vacinação paralela dos médicos foi enviada à Ordem mas paga pela campanha solidária.
Uma vez que a factura do Hospital das Forças Armadas estava em nome da Ordem dos Médicos, deveria ter sido esta entidade a proceder ao pagamento, e depois receber o donativo de 30.000 euros. Porém, não foi isso que sucedeu.
A factura manteve-se na Ordem dos Médicos, e em seu nome, mas o dinheiro recebido pelo Hospital das Forças Armadas proveio da conta do fundo “Todos por Quem Cuida”, de acordo com o pedido de operação bancária assinado em 4 de Agosto do ano passado por Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Contudo, para aumentar a estranheza desta operação de financiamento, a Ordem dos Médicos passaria, já este ano, facturas/ recibos a quatro farmacêuticas assumindo que tinham sido estas a suportar os custos de vacinação.
De acordo com os documentos consultados na Ordem dos Médicos pelo PÁGINA UM – por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, no passado dia 4 de Março a Ordem dos Médicos passou este documento contabilístico com o valor de 3.725,2 euros à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.
Três dias mais tarde, a Ordem de Miguel Guimarães passaria mais três facturas/ recibo a outras três farmacêuticas [vd., as ligações]: Ipsen Portugal (no valor de 11.040 euros), Bial (2.590 euros) e Laboratórios Atral (10.000 euros), também expressando que se trata de “donativo sem contrapartida” para a “campanha de vacinação da Ordem dos Médicos”.
Para aumentar a estranheza destes comprovativos – que, em última análise, permitiriam que as farmacêuticas pudessem assumir o donativo como uma despesa para efeitos fiscais –, apenas no caso do alegado donativo da Ipsen surge a referência a “pronto de pagamento”. No caso da Gilead aparece, como condição de pagamento, “Factura 10 dias”, enquanto nas situações da Bial e Laboratórios Atral surge “Factura 30 dias”. Ou seja, numa situação normal, isto significaria que a Ordem dos Médicos teria, nestes casos, a promessa de entrada de dinheiro em caixa no prazo de 10 e 30 dias, respectivamente.
Mas, repita-se, o pagamento foi feito pela conta solidária já no ano anterior – ou seja, deveria ser esta (ou os seus titulares) a receber a factura/ recibo das farmacêuticas.
Factura/ recibo da Laboratórios Atral, uma das quatro em que se assume que o apoio financeiro para vacinar quase quatro mil médicos proveio de farmacêuticas. Contudo, o pagamento ao Hospital das Forças Armadas foi realizado pela conta solidária titulada (em nome individual) por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Acresce também que, independentemente de serem ou não documentos forjados, ou de a Ordem dos Médicos ter recebido mesmo os donativos daquelas quatro farmacêuticas (apesar do pagamento ter sido feito pela conta solidária), os montantes daquelas facturas deveriam ter sido declarados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.
Não foram, e nem o Infarmed reagiu ainda, passado mais de uma semana, ao pedido de esclarecimento do PÁGINA UM.
Sobre estas matérias, o bastonário da Ordem dos Médicos, a ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e o médico Eurico Castro Alves – ou seja, os gestores da conta solidária “Todos por Quem Cuida” – optaram por não responder directamente à dezena de perguntas que o PÁGINA UM lhes colocou, decidindo fazer uma declaração conjunta através de uma representante legal.
A advogada Inês Folhadela diz que “o procedimento de quitação [no caso da operação das vacinas] foi o mesmo que foi adotado em relação aos restantes donativos”, e garante que para a sua administração “foi estabelecido [um acordo] com o Ministério da Saúde, através do coordenador da task force, vice-almirante Gouveia e Melo”, acrescentando que “o Hospital das Forças Armadas não prescindiu da remuneração dos serviços prestados, tendo a Comissão de Acompanhamento (sem intervenção da Ordem dos Médicos) deliberado que as despesas seriam suportadas pela ação solidária”. A advogada insiste que a task force, sendo uma “unidade criada pelo Governo para assegurar a estratégia, planificação e logística para a campanha de vacinação em massa contra a covid-19 (…), estava autorizada a concertar essa ação”.
Convém salientar que não há nenhum acordo escrito por Gouveia e Melo, até porque o Despacho 11737/2020 não lhe dava autonomia para Gouveia e Melo contrariar as orientações da DGS sem sequer autorização superior. A definição da estratégia, do plano logístico e outras acções eram sempre feitas sob liderança da DGS, do Infarmed e de outros organismos tutelados pelo Ministério da Saúde, como taxativamente consta do despacho governamental assinado em 23 de Novembro de 2020 pelos ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Saúde.
O PÁGINA UM não encontrou no processo consultado qualquer documento de autorização nem qualquer protocolo que tenha formalizado o acordo de administração das vacinas entre Gouveia e Melo e o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
N.D. Este é o quarto artigo de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.
Já nem é uma questão só de promiscuidade, mas de despudor: o pneumologista Filipe Froes já recebe honorários para estar presente em sessões de lançamento de fármacos que acaba por recomendar como consultor da Direcção-Geral da Saúde. O caso passou-se com um evento sobre um fármaco da AstraZeneca, o Evusheld, um anticorpo monoclonal. Mas o fármaco serve para tão pouco que, nos Estados Unidos, a Food & Drug Administration retirou a autorização porque o Evusheld tinha eficácia sobre menos de 10% das variantes do SARS-CoV-2. O Ministério da Saúde mantém-se em silêncio sobre (mais este) caso do pneumologista que se destacou como uma das figuras mais mediáticas a nível nacional durante a pandemia, e que é mandatário de Carlos Cortes, um dos “finalistas” a novo bastonário da Ordem dos Médicos.
O médico Filipe Froes recebeu 750 euros da farmacêutica da AstraZeneca apenas por participar na sessão de lançamento do Evusheld, um fármaco constituído por anticorpos monoclonais. A verba consta do Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, onde se mostra que o pneumologista acumulou, só em Janeiro deste ano, 3.353 euros da AstraZeneca, Merck Sharpe & Dohme e GlaxoSmithKline.
O montante recebido pelo evento da AstraZeneca, em si, até chega a ser banal para os bolsos deste pneumologista – actual mandatário de Carlos Cortes nas eleições a bastonário da Ordem dos Médicos – que saltita entre os corredores do Hospital Pulido Valente e as salas e apertos de mão de dezenas de farmacêuticas, sempre com contrapartidas económicas, se não fosse o caso de ele ser um dos consultores da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que recomendou este mesmo fármaco Evusheld como terapia contra a covid-19 para imunodeprimidos.
Filipe Froes (ao centro), entregou como mandatário, no dia 21 de Novembro, a candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.
Com efeito, no passado dia 2 de Dezembro, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, aprovou a norma 015/2022 que definiu “a implementação da profilaxia de pessoas com imunodepressão grave, através da utilização de anticorpos monoclonais anti-SARS-CoV-2”.
Nessa linha ficou estabelecido que eram elegíveis para profilaxia com anticorpos monoclonais (PAM) as pessoas com transplantes (medula óssea, coração e pulmão), com certos tumores ou com infecção por VIH, tendo-se recomendado “a administração conjunta de Tixgevimab e de Cigavimab”, os dois anticorpos monoclonais que constituem o fármaco Evusheld, da AstraZeneca. A Agência Europeia do Medicamento tinha aprovado este fármaco apenas em Setembro do ano passado.
De entre os 12 peritos da DGS que elaboraram esta norma, consta Filipe Froes. Este médico participou, aliás, na generalidade das normas terapêuticas aprovadas contra a covid-19 durante a pandemia, introduzindo medicamentos de farmacêuticas com quem trabalhava, através de consultadorias e participação em eventos de interesse comercial.
O fármaco da AstraZeneca foi aprovado pela Agência Europeia do Medicamento em Setembro do ano passado.
Froes foi, por exemplo, consultor da Gilead especificamente para o remdesivir, um polémico antiviral usado para o tratamento de doentes com covid-19. E no ano passado esteve particularmente activo em eventos com a Sanofi e a GlaxoSmithKline, farmacêuticas que entraram recentemente no chorudo negócio das novas versões dos boosters contra a covid-19, com a VidPrevtyn Beta.
Ao longo do ano passado, Filipe Froes foi um dos mais fervorosos adeptos do uso – e da compra pelo Estado – dos diversos medicamentos de última geração contra a covid-19, mas de eficácia duvidosa, que foram surgindo pelas mãos de muitas importantes farmacêuticas, como a Pfizer (antiviral Paxlovid), a Merck Sharpe & Dohme (antiviral Lagrevio) e a GlaxoSmithKline (anticorpo monoclonal Xevudy).
Com todas e muitas mais farmacêuticas, Froes teve fortes relações comerciais, com valores totais que rondam os 50 mil euros por ano, de acordo com o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed. Convém, contudo, salientar que o regulador não faz fiscalização regular a estas relações entre clínicos e farmacêuticas, sendo a inserção dos montantes realizada voluntariamente e sem necessidade de comprovativo legal.
Apesar do Ministério da Saúde não ter revelado ao PÁGINA UM, depois de questionado, o valor de eventuais compras de Evusheld à AstraZeneca, certo é que a sua utilização poderá vir a ser reduzida, se for seguida, na Europa, a decisão da agência norte-americana Food and Drug Administration (FDA) que, no passado dia 26 de Janeiro, decidiu retirar a autorização para administração do fármaco da AstraZeneca.
O regulador dos Estados Unidos concluiu que o Evusheld era eficaz apenas para menos de 10% das variantes que circulavam naquele país, e que só se justificariam os eventuais efeitos adversos se a eficácia fosse superior a 90%. A própria farmacêutica já assumiu essa decisão do regulador norte-americano no seu próprio site.
Registo de Janeiro de 2023 dos honorários (registados) de Filipe Froes provenientes da indústria farmacêutica. Fonte: Infarmed.
A decisão da FDA acaba por não surpreender, porque o regulador foi dando avisos ao longo de 2022 sobre o fraco desempenho do fármaco da AstraZeneca: o primeiro em Fevereiro do ano passado, o segundo em Junho, o terceiro em Outubro e o quarto já no dia 6 de Janeiro deste ano.
Surpreendente, talvez mais, seja a manutenção da confiança do Ministério da Saúde em Filipe Froes, que entretanto está com um processo disciplinar instaurado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) desde Fevereiro do ano passado. O PÁGINA UM quis saber se a participação de Filipe Froes na sessão de lançamento – um evento comercial – do fármaco da AstraZeneca alteraria essa postura governamental, mas não obteve, até agora, qualquer resposta.
N.D. Embora se esteja a noticiar factos, tanto nesta como em outras notícias o PÁGINA UM poderia ter tentado obter um comentário de Filipe Froes. Sucede que não o fez nem faz por uma simples razão: há um meses, tentou-se obter uma reacção deste pneumologista, através de uma mensagem por Messenger, que obteve como resposta um simples “bloqueio de conta”, que se mantém. Presume-se assim que Filipe Froes jamais esteja interessado em dar esclarecimentos aos leitores do PÁGINA UM. Contudo, isso não desonera o PÁGINA UM de escrever com o máximo rigor sobre tudo aquilo que diga respeito à acção pública deste médico. Como, aliás, faz com tudo o resto.
Apenas uma semana após tomar posse na task force, Gouveia e Melo, o agora Chefe do Estado-Maior da Armada, negociou com o bastonário Miguel Guimarães as condições para se vacinarem quase três mil médicos que não estavam na lista de prioridade da Direcção-Geral da Saúde. O negócio envolveu o pagamento de mais de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, e também uma contabilidade criativa com donativos de quatro farmacêuticas à Ordem dos Médicos. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde abriu um processo de esclarecimento, no decurso das investigações do PÁGINA UM.
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriu um “processo de esclarecimento” para apuramento de eventuais ilegalidades em redor do acordo ad hoc para a vacinação de médicos não-prioritários em Fevereiro do ano passado entre o actual bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o então coordenador da task force Gouveia e Melo, actual almirante e Chefe do Estado-Maior da Armada.
A informação oficial surge na sequência de uma investigação do PÁGINA UM ao registo das actividades operacionais e contabilísticas da campanha Todos por Quem Cuida – cujo acesso aos documento apenas foi possível após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, que consistiu numa campanha de angariação de fundos protagonizado pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, em parceria com a Apifarma.
Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS.
Numa mensagem ao PÁGINA UM, a IGAS diz que, “por Despacho do Inspetor-Geral [Carlos Carapeto] de 15 de Janeiro de 2023, foi determinada a abertura de um processo de esclarecimento, com o objetivo de avaliar se existe matéria que deva e possa ser avaliada (…) no âmbito das suas competências.”
O processo de esclarecimento, segundo o léxico operativo da IGAS, é formalmente “o conjunto organizado de documentos que traduzem um procedimento rápido e expedito destinado à recolha de elementos com vista ao esclarecimento de expediente geral, à verificação prévia de requisitos que habilitem a eventual decisão de instauração de ação inspectiva ou ao acompanhamento de ações inspetivas dentro ou fora” desta entidade. Sendo assim uma “análise de natureza inspetiva preparatória”, fica assim sujeita à elaboração de um relatório, que será para todos os efeitos consultável no futuro, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.
Sobretudo através de transferências da indústria farmacêuticas, na verdade este fundo foi gerido numa conta pessoal de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins (ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e indigitada presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte) e Eurico Castro Alves, recém-eleito presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM detectou, documentalmente, um conjunto de irregularidades e ilegalidades na gestão do fundo, que pode mesmo consubstanciar a criação de um “saco azul” de mais de 968 mil euros, além de fuga ao fisco e ausência declarações de rendimentos proveniente de farmacêuticas no Portal da Transparência do Infarmed.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.
O acordo de vacinação dinamizado pelo bastonário da Ordem dos Médicos e pelo coordenador da task force tem, porém, contornos distintos, muito peculiares, mas não de menor gravidade, como o PÁGINA UM revelou em 15 de Dezembro passado, no primeiro de um conjunto de artigos de investigação jornalística dedicado à gestão do fundo “Todos por Quem Cuida”, que envolveu cerca de 1,4 milhões de euros.
Pouco depois de tomar posse como coordenador da task force – substituindo Francisco Ramos, que se demitira por irregularidades na selecção de profissionais para a administração das primeiras doses de vacinas (então ainda raras) –, Gouveia e Melo aceitou as diligências de Miguel Guimarães para serem vacinados quase 3.700 médicos que não se enquadravam nas prioridades determinadas pela Direcção-Geral da Saúde.
A norma 002/2021 de 30 de Janeiro de 2021 determinava então que na fase 1 deveriam ser vacinados os “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes”, os profissionais de lares (ERPI) ou de instituições similares e da rede de cuidados continuados, as pessoas com 80 ou mais anos, as pessoas de mais de 50 anos com determinadas comorbilidades e ainda “os profissionais das forças armadas, forças de segurança, serviços críticos e titulares de órgãos de soberania e altas entidades públicas”. Para a fase 2, que então não estava ainda a desenvolver em Fevereiro de 2021, estava prevista a vacinação do grupo etário dos 65 aos 79 anos e pessoas dos 50 aos 64 anos com determinadas comorbilidades. Somente no final da Primavera de 2021 começaram a ser vacinados os menores de 50 anos, quando já não se colocavam problemas de escassez de doses.
A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades então definidas pela Direcção-Geral da Saúde, que Miguel Guimarães “brilhasse” junto dos seus colegas.
Ora, isso significava que uma pequena parte dos médicos – aqueles que trabalhavam no sector privado, em função não directamente de cuidados de saúde – seriam tratados em Fevereiro como comuns cidadãos, ou seja, seriam vacinados em função da idade e/ ou das comorbilidades – e não pela profissão ou pela inscrição numa associação pública profissional. Algo que Miguel Guimarães, como bastonário, nunca aceitou.
Por esse motivo, Miguel Guimarães foi lesto a estabelecer contactos com Gouveia e Melo, havendo um e-mail que mostra ter ocorrido uma reunião em 10 de Fevereiro de 2021 entre os dois. Seguiu-se troca de mensagens até que o bastonário conseguiu aquilo que desejava: em 25 de Fevereiro, após um contacto telefónico com Gouveia e Melo, Miguel Guimarães terá fechado então um acordo ad hoc – dir-se-ia informal, porque não há qualquer protocolo ou acordo escrito – para vacinar 1.382 médicos não-prioritários no pólo do Porto do Hospital das Forças Armadas, 2.004 no de Lisboa, 623 no Centro de Saúde Militar de Coimbra e 189 no centro hospitalar do Algarve.
Em vésperas da primeira toma, Miguel Guimarães estava sobretudo preocupado em saber se poderia chamar a comunicação social para acompanhar toda a operação, que acabou por se realizar de forma discreta. Foram vacinados quase 3.700 médicos. Obviamente, as vacinas tiveram de ser “desviadas” do circuito oficial.
Factura pela vacinação paralela dos médicos foi enviada à Ordem dos Médicos, mas paga pela campanha solidária. Contudo, depois surgem documentos de donativos de quatro farmacêuticas que custearam a vacinação.
Como contrapartida ao acordo, o Hospital das Forças Armadas recebeu 27.365 euros da Ordem dos Médicos – assumindo-se que cada administração custava 3,7 euros.
No processo consultado pelo PÁGINA UM, não existe qualquer documento comprovativo de um contrato de prestação de serviço que justifique este pagamento.
Se esse documento existe, então deveria estar nos documentos, porque o Tribunal Administrativo obrigou as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos a disponibilizarem todos os documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”. Ou seja, se existe e não foi disponibilizado aquando da consulta pelo PÁGINA UM, então houve incumprimento de uma sentença judicial, com subtracção de documentos.
Embora o pagamento pela administração das vacinas às Forças Armadas tivesse vindo da conta pessoal conjunta de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves – gestores da campanha Todos por Quem Cuida –, a factura foi passada em nome da Ordem dos Médicos.
Para aumentar o rol de irregularidades, existem também documentos de donativos para esse mesmo fim provenientes de quatro farmacêuticas: Gilead (3.725,2 euros), Ipsen Portugal (11.040 euros), Bial (2.590 euros) e Laboratórios Atral (10.000 euros).
Nenhuma destas farmacêuticas fez declaração de entrega de donativos no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, entidade cujo presidente, Rui Santos Ivo, continua sem realizar qualquer acção inspectiva. Ana Paula Martins, ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, trabalhava então na Gilead aquando da data desse alegado donativo.
Todos estes factos estão documentados pelo PÁGINA UM, no seguimento da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Aliás, nessa documentação não existe qualquer acordo escrito entre a Ordem dos Médicos e a task force ou Gouveia e Melo, até por uma simples razão: a task force, criada em finais de Novembro é uma estrutura sem qualquer autonomia própria, dependente do Ministério da Saúde, uma vez que as atribuições concedidas ao “núcleo de coordenação” estiveram sempre sob a liderança da Direcção-Geral da Saúde (DGS), Infarmed, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). Basta saber ler o artigo 4º do Despacho nº 11737/2020, de 26 de Novembro.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde, continua em silêncio sobre a vacinação de médicos não-prioritários à margem das normas em vigor em Fevereiro de 2021.
A evidência deste acordo ter sido realizado à margem da lei fica patente no silêncio do Ministério da Saúde quando, por duas vezes, o PÁGINA UM confrontou Manuel Pizarro sobre estas matérias: a primeira vez, no dia 5 de Dezembro passado; a segunda vez, uma semana depois, em 12 de Dezembro. Em mais de um mês, o Ministério da Saúde não mostrou qualquer reunião nem mostrou qualquer documento que comprove ter existido autorização superior para conceder um excepção – o que, obviamente, não significa que não surja, agora, assim, num repente, de forma inopinada, com a IGAS a iniciar um processo de esclarecimento.
Em todo o caso, será interessante saber como agirá agora a IGAS neste “processo de esclarecimento”, que envolve o próprio bastonário da Ordem dos Médicos e o atual Chefe do Estado-Maior da Armada – que até recebeu o Prémio Nacional de Bioética em Novembro de 2021 –, tendo em conta as recentes notícias de estar a decorrer um processo disciplinar contra a directora da Delegação Regional do Sul do INEM. Teresa Brandão é acusada pela IGAS de ter cometido irregularidades na vacinação contra a covid-19 naquele instituto, em Janeiro de 2021. Mas aí estavam em causa apenas quatro frascos de vacinas, que dariam para 24 doses.
Ora, o acordo ad hoc entre o bastonário Miguel Guimarães e o agora almirante Gouveia e Melo permitiram o desvio de 7.396 doses – 1.140 vezes mais. Uma questão de estatística, de legalidade e de ética que a IGAS agora analisará.
N.D. Em resultado da investigação do PÁGINA UM sobre este acordo ad hoc, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) abriu um processo por alegada falta de rigor. O processo surge no decurso de uma participação de alguém cuja identificação foi escondida pela ERC. A resposta do PÁGINA UM fez-se através de uma carta aberta, enviada também por e-mail, ao presidente do regulador, Sebastião Póvoas.
Foi anunciado, com pompa e circunstância, por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins, bastonários das Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos, como um equipamento fundamental para proteger os intensivistas e anestesiologistas que entubavam doentes-covid. Foram adquiridas 500 unidades pelo fundo “Todos por Quem Cuida“, e aprovado um financiamento comunitário, que envolveu no total cerca de meio milhão de euros. Mas, em poucos meses, foi tudo para o lixo. A Food & Drugs Administration considerou, em meados de 2020, que aquelas estruturas nada protegiam e até poderiam ser perigosas para médicos e doentes. Uma história de despesismo que faz lembrar o célebre conto O rei vai nu, até porque até um leigo percebia que as caixas de protecção nada protegiam e até obstaculizavam os movimentos dos médicos. Quem mais beneficiou foi o vendedor das caixas, uma empresa de acrílicos e materiais plásticos para expositores e decoração. Este é o quinto artigo de uma investigação jornalística do PÁGINA UM, profusamente documentada, que merece ser um caso de polícia.
É um daqueles evidentes casos que faz lembrar o célebre conto novecentista O rei vai nu, do dinamarquês Hans Christian Andersen: em meados de 2020, a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos gastaram 184.500 euros em meio milhar de estruturas de policarbonato para suposta protecção dos médicos no momento da entubação orotraqueal, que acabaram literalmente no lixo hospitalar por ineficientes e perigosas, tanto para anestesiologistas e médicos intensivistas como para os próprios doentes.
Apesar de saltar à vista, mesmo a um leigo, que as denominadas “Caixas Protector 2020” jamais conseguiriam uma separação estanque entre os profissionais de saúde – já em si com equipamento de protecção individual suficiente –, aparentemente não se terá reparado convenientemente que os simples buracos onde os médicos metiam os braços para manipular o tubo do ventilador lhes dificultaria os movimentos, podendo mesmo colocar em risco o doente.
Nos primeiros meses da pandemia, decidiu-se “inovar”, decidindo que não bastava usar equipamentos de protecção individual.
Embora tenha sido anunciado em artigos e peças televisivas como sendo um equipamento de protecção extraordinário, intensivistas e anestesiologistas contactados pelo PÁGINA UM garantem que foram pouco ou nada usados, tendo mesmo sido abandonados (e deitados fora). Essa decisão surgiu sobretudo a partir de meados de 2020 quando a Food & Drugs Administration (FDA) proibiu o seu uso.
A agência norte-americana concluiu “não [ser] razoável acreditar que o produto pode ser eficaz na diminuição da exposição do profissional de saúde a partículas transportadas pelo ar, e pode, em vez disso, contribuir para um aumento na exposição dos profissionais de saúde a aerossóis e partículas [infectadas]”. E acrescentava que “além disso, os artigos da literatura observam riscos potenciais da barreira protectora, como aumento do tempo de intubação, taxas de sucesso de intubação de primeira passagem mais baixas e danos pessoais pelas partículas escapando de caixas de intubação, através dos orifícios de acesso aos braços, atingindo a face do profissional de saúde que realiza a intubação endotraqueal”.
Caixas de (suposta) protecção apenas envolviam a cabeça do doente e o médico tinha de colocar os braços em buracos na estrutura de policarbonato sem qualquer estanquicidade. Acreditar, como se acreditou, que esta estrutura impedia saída de aerossóis lembra o conto O rei vai nu.
Mas aquilo que era uma evidência óbvia foi sempre ignorada e permitiu mesmo uma operação de marketing dos bastonários da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins – agora indicada para gerir o centro hospitalar que integra o Hospital de Santa Maria – aquando da primeira entrega destas perigosas caixas em hospitais públicos.
Pelo menos em duas acções, nos dias 27 de Abril e 12 de Maio de 2020, os dois bastonários desdobraram-se em elogios às ditas caixas de protecção, bem como à campanha “Todos por Quem Cuida”, a qual geriam pessoalmente. Numa das suas intervenções na comunicação social, Miguel Guimarães garantia também que as ditas caixas de protecção tinham sido desenvolvidas “pela indústria portuguesa e médicos, nomeadamente especialistas da área de anestesiologia”.
Ignora-se se o Colégio de Anestesiologia da Ordem dos Médicos – órgão estatutário independente do bastonário – teve uma intervenção directa neste processo, até porque Miguel Guimarães recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul de uma sentença que o obrigava a disponibilizar todos os pareceres técnicos aprovados desde 2020. Contudo, mostra-se abusivo considerar que as caixas de protecção foram desenvolvidas pela “indústria portuguesa”.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, em campanha de marketing, quando o fundo “Todos por Quem Cuida” ofereceu 500 caixas de protecção que a FDA consideraria inúteis e perigosas.
Na verdade, o processo foi mais simples. Os três gestores da conta “Todos por Quem Cuida” – Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves – decidiram simplesmente contratar a Gravoplot – uma empresa de produção de sobretudo acrílicos e materiais plásticos, bem como de gravação a laser, para expositores e decoração – para fazer, em série, as 500 unidades de “caixas de protecção”, ao preço de 300 euros, cada. Acrescido o IVA, o preço final ficou em 184.500 euros, sendo que as facturas foram remetidas para a Ordem dos Médicos, mas pagas pela conta solidária.
Como já referido pelo PÁGINA UM, a não saída de verbas da Ordem dos Médicos por estas compras pagas pelo fundo solidário possibilitou condições para a criação de um “saco azul” ou mesmo um desvio de verbas daquela associação profissional.
Apesar do insucesso rotundo de um equipamento que, à vista, se mostrava evidente, a Gravoplot foi a entidade que mais beneficiou com este voluntarismo e sede de “exposição mediática” dos bastonários das duas Ordens. Com efeito, além dos 184.500 euros ganhos na venda de 500 inúteis e perigosas “caixas de protecção”, a empresa sediada em Sintra teve artes para obter um financiamento relâmpago do FEDER.
Gravoplot: empresa que produz produtos plásticos e gravação a laser em diversos materiais para fins de decoração e exposição, foi contratada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves para produzir 500 caixas de produção. Graças a um apoio comunitário, acabou a facturar cerca de meio milhão de euros. As caixas acabaram no lixo poucos meses depois.
No próprio dia em que Miguel Guimarães cantava loas às caixas de protecção oferecidas ao Hospital de Santo António, em 27 de Abril de 2020, a Gravoplot fazia entrar uma candidatura a fundos comunitários para “reforçar as capacidades de produção de bens e serviços destinados a combater a pandemia”, neste caso com viseiras e as tais caixas Protector 2020.
Pouco mais de uma semana depois, em 6 de Maio, o projecto foi aprovado com um apoio financeiro comunitário de 321.416,12 euros a fundo perdido, ou seja, 95% do investimento total. O projecto terminaria em 26 de Junho daquele ano. Após aquela data, a Gravoplot só vendeu mais 13 caixas ao fundo solidário “Todos por Quem Cuida”, o número que consta na última das cinco compras, com data de 12 de Agosto de 2020. As outras quatro têm data de Maio daquele ano, conforme o PÁGINA UM já revelou.
N.D. Este é o quinto artigo de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.
Em Fevereiro de 2021, num polémico início da campanha de vacinação contra a covid-19, e apenas uma semana após tomar posse na task force, Gouveia e Melo, o agora Chefe do Estado-Maior da Armada, negociou com o bastonário Miguel Guimarães as condições para se vacinarem vários milhares de médicos que não estavam na lista de prioridade da Direcção-Geral da Saúde. Mais de 27 mil euros foram parar aos cofres do Hospital das Forças Armadas, sem que o acordo ad hoc tenha sido autorizado. Pior ainda foi a operação contabilística: a conta acabou paga pela campanha “Todos por Quem Cuida” (detida por três particulares), mas a factura foi endereçada para a Ordem dos Médicos. Entretanto, este ano, surgiram quatro farmacêuticas a “reivindicar” o apoio nesta operação à Ordem dos Médicos, atestando sob a forma de recibo. Este é o quarto artigo de uma investigação jornalística do PÁGINA UM, profusamente documentada, que merece ser um caso de polícia.
Há pelo menos mais de uma semana que Manuel Pizarro, ministro da Saúde, sabe, mas não comenta: em Fevereiro do ano passado, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o então responsável pela task force, Gouveia e Melo, mercadejaram a administração de vacinas a quase quatro mil médicos a troco de um pagamento de mais de 27.000 euros, que foram encaminhados para o Hospital das Forças Armadas.
Este expediente, realizado à margem das orientações então emanadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) – que é a Autoridade de Saúde Nacional – começou a desenhar-se apenas uma semana após o então vice-almirante Henrique Gouveia e Melo tomar posse como coordenador da task force da vacinação contra a covid-19, substituindo Francisco Ramos. Este ex-secretário de Estado da Saúde demitira-se por irregularidades relacionadas com as prioridades de vacinação no Hospital da Cruz Vermelha. Nas primeiras fases da vacinação, devido à escassez de doses, surgiram muitos casos de administração indevida, levando mesmo à instauração de 216 processos judiciais, apesar de apenas um ter levado a condenação, conforme revelou ontem o jornal Público.
Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS.
Embora no dia de posse tivesse considerado “lamentável” a administração indevida de vacinas – que então estava na ordem do dia. incluindo no Parlamento– e prometido “apertar mais as regras” de controlo, uma semana mais tarde, em 10 de Fevereiro, Gouveia e Melo reuniu-se com o bastonário Miguel Guimarães para acertar uma forma de contornar a posição da DGS que não priorizara a vacinação dos médicos que trabalhavam fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar de não constar no processo consultado pelo PÁGINA UM eventuais respostas escritas de Gouveia e Melo, nessa reunião terá saído a garantia de colaboração não apenas da task force, mas também das próprias Forças Armadas.
No dia 19 de Fevereiro, o bastonário escrevia um e-mail ao “Distinto Senhor Coordenador da Task Force Mui Ilustre Vice-Almirante Henrique Gouveia e Melo”, enviando em anexo, “tal como combinado na reunião do passado dia 10”, uma lista de médicos a serem vacinados, à margem do programa oficial de vacinação, defendendo a justeza e relevância desta questão.
A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades, que Miguel Guimarães “brilhasse”.
Certo é que, independentemente da eventual justeza desta medida, muitos médicos sobretudo do sector privado e social, bem como os médicos aposentados do SNS que mantinham actividade clínica, não estavam na lista das prioridades em Fevereiro do ano passado. Gouveia e Melo tinha conhecimento disso, até por integrar a task force desde Novembro de 2020, e também saberia que negociar à margem do processo oficial era cometer os mesmos erros ou até ilegalidades que levaram à “queda” de Francisco Ramos.
As negociações foram rápidas. Em 25 de Fevereiro, após um contacto telefónico com Gouveia e Melo, Miguel Guimarães fecharia então um acordo ad hoc – dir-se-ia informal, porque não há qualquer protocolo ou acordo escrito – para vacinar um pouco mais de quatro mil profissionais, dos quais 1.382 no pólo do Porto do Hospital das Forças Armadas, 2.004 no de Lisboa, 623 no Centro de Saúde Militar de Coimbra e 189 no centro hospitalar do Algarve. Em vésperas, Miguel Guimarães estava preocupado em saber se poderia chamar a comunicação social para acompanhar toda a operação, que acabou por se realizar de forma discreta. Foram vacinados quase 3.700 médicos. Obviamente, as vacinas tiveram de ser “desviadas” do circuito oficial.
O uso das palavras “negociação” e “acordo ad hoc” não são abusivas nem despropositadas no contexto em que se realizou esta vacinação paralela.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.
Com efeito, a vacinação daqueles médicos à margem das orientações da DGS não teve apenas como eventual desiderato “proteger os profissionais de saúde e dar confianças aos doentes”, como então garantia Miguel Guimarães ao jornal Nascer do Sol, mas envolveu também contrapartidas monetárias. Apesar das vacinas serem gratuitas, Gouveia e Melo somente as disponibilizou contra a cobrança unitária de 3,7 euros para supostamente suportar custos do Hospital das Forças Armadas. No Portal Base não consta que esta entidade tenha contratado quaisquer serviços externos para vacinar os médicos.
A factura do Hospital das Forças Armadas, num total de 27.365 euros – pela administração de 7.396 doses – foi emitida em 18 de Julho do ano passado para pagamento pela Ordem dos Médicos. Mas é aí que surge ainda mais um caso rocambolesco, envolvendo o fundo “Todos por Quem Cuida”.
A Ordem dos Médicos quis ficar com os louros mas também com o dinheiro nos seus cofres. E assim, em 26 de Abril do ano passado, a tesoureira do Conselho Nacional, Susana Garcia de Vargas, escreveu um ofício aos gestores do fundo pedindo-lhes 30.000 euros para custear o processo de vacinação. Sendo expectável que o pedido fosse aceite – por via do próprio bastonário da entidade que pedia apoio ser um das três pessoas que decidia se dava apoio –, como foi, o problema mais uma vez passou pelo expediente contabilístico pouco ortodoxo. Isto é, ilegal.
Factura pela vacinação paralela dos médicos foi enviada à Ordem mas paga pela campanha solidária.
Uma vez que a factura do Hospital das Forças Armadas estava em nome da Ordem dos Médicos, deveria ter sido esta entidade a proceder ao pagamento, e depois receber o donativo de 30.000 euros. Porém, não foi isso que sucedeu.
A factura manteve-se na Ordem dos Médicos, e em seu nome, mas o dinheiro recebido pelo Hospital das Forças Armadas proveio da conta do fundo “Todos por Quem Cuida”, de acordo com o pedido de operação bancária assinado em 4 de Agosto do ano passado por Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Contudo, para aumentar a estranheza desta operação de financiamento, a Ordem dos Médicos passaria, já este ano, facturas/ recibos a quatro farmacêuticas assumindo que tinham sido estas a suportar os custos de vacinação.
De acordo com os documentos consultados na Ordem dos Médicos pelo PÁGINA UM – por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, no passado dia 4 de Março a Ordem dos Médicos passou este documento contabilístico com o valor de 3.725,2 euros à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.
Três dias mais tarde, a Ordem de Miguel Guimarães passaria mais três facturas/ recibo a outras três farmacêuticas [vd., as ligações]: Ipsen Portugal (no valor de 11.040 euros), Bial (2.590 euros) e Laboratórios Atral (10.000 euros), também expressando que se trata de “donativo sem contrapartida” para a “campanha de vacinação da Ordem dos Médicos”.
Para aumentar a estranheza destes comprovativos – que, em última análise, permitiriam que as farmacêuticas pudessem assumir o donativo como uma despesa para efeitos fiscais –, apenas no caso do alegado donativo da Ipsen surge a referência a “pronto de pagamento”. No caso da Gilead aparece, como condição de pagamento, “Factura 10 dias”, enquanto nas situações da Bial e Laboratórios Atral surge “Factura 30 dias”. Ou seja, numa situação normal, isto significaria que a Ordem dos Médicos teria, nestes casos, a promessa de entrada de dinheiro em caixa no prazo de 10 e 30 dias, respectivamente.
Mas, repita-se, o pagamento foi feito pela conta solidária já no ano anterior – ou seja, deveria ser esta (ou os seus titulares) a receber a factura/ recibo das farmacêuticas.
Factura/ recibo da Laboratórios Atral, uma das quatro em que se assume que o apoio financeiro para vacinar quase quatro mil médicos proveio de farmacêuticas. Contudo, o pagamento ao Hospital das Forças Armadas foi realizado pela conta solidária titulada (em nome individual) por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Acresce também que, independentemente de serem ou não documentos forjados, ou de a Ordem dos Médicos ter recebido mesmo os donativos daquelas quatro farmacêuticas (apesar do pagamento ter sido feito pela conta solidária), os montantes daquelas facturas deveriam ter sido declarados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.
Não foram, e nem o Infarmed reagiu ainda, passado mais de uma semana, ao pedido de esclarecimento do PÁGINA UM.
Sobre estas matérias, o bastonário da Ordem dos Médicos, a ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e o médico Eurico Castro Alves – ou seja, os gestores da conta solidária “Todos por Quem Cuida” – optaram por não responder directamente à dezena de perguntas que o PÁGINA UM lhes colocou, decidindo fazer uma declaração conjunta através de uma representante legal.
A advogada Inês Folhadela diz que “o procedimento de quitação [no caso da operação das vacinas] foi o mesmo que foi adotado em relação aos restantes donativos”, e garante que para a sua administração “foi estabelecido [um acordo] com o Ministério da Saúde, através do coordenador da task force, vice-almirante Gouveia e Melo”, acrescentando que “o Hospital das Forças Armadas não prescindiu da remuneração dos serviços prestados, tendo a Comissão de Acompanhamento (sem intervenção da Ordem dos Médicos) deliberado que as despesas seriam suportadas pela ação solidária”. A advogada insiste que a task force, sendo uma “unidade criada pelo Governo para assegurar a estratégia, planificação e logística para a campanha de vacinação em massa contra a covid-19 (…), estava autorizada a concertar essa ação”.
Convém salientar que não há nenhum acordo escrito por Gouveia e Melo, até porque o Despacho 11737/2020 não lhe dava autonomia para contrariar as orientações da DGS sem sequer houve autorização superior. A definição da estratégia, do plano logístico e outras acções eram sempre feitas sob liderança da DGS, do Infarmed e de outros organismos tutelados pelo Ministério da Saúde, como taxativamente consta do despacho governamental assinado em 23 de Novembro de 2020 pelos ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Saúde.
O PÁGINA UM não encontrou no processo consultado qualquer documento de autorização nem qualquer protocolo que tenha formalizado o acordo de administração das vacinas entre Gouveia e Melo e o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
N.D. Este é o quarto artigo de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.
Custam agora, cada uma, menos de 8 cêntimos. Já chegaram a ultrapassar mais de 1 euro no auge especulativo da pandemia, ao longo de 2020. Mas em Março de 2021, as máscaras FFP2 custavam, no mercado grossista, menos de 30 cêntimos. Contudo, para garantir um donativo para a campanha “Todos por Quem Cuida”, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, consentiu em valorizar um donativo em género da farmacêutica Merck em mais de seis vezes o seu valor real. O esquema fez com que a empresa alemã tivesse artes de transformar um donativo (que é, por princípio, uma despesa para o doador) numa operação financeiramente lucrativa. Com estes esquemas até admira não haver mais beneméritos.
No dia 17 de Março do ano passado, a autarquia de Vila Nova de Gaia comprou à empresa Elastron 500.000 máscaras descartáveis FFP2, no âmbito da política municipal de combate à pandemia, pelo valor de 138.300 euros. Com prazo de entrega de dois meses, o preço deste equipamento de protecção individual, que se usara aos milhões, já então não atingia os preços astronómicos de 2020, quando qualquer empresa literalmente de vão-de-escada vendia máscaras como se fosse ouro. Contas feitas, mesmo assim a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia pagou quase 0,276 euros por cada máscara FFP2.
Se se comparar com os preços actualmente praticados, convenhamos que estavam ainda bem “carotas”. Praticamente um ano depois, consegue-se encontrar no Portal Base valores muito mais baixos: por um exemplo, num contrato assinado de 18 de Março deste ano pelo hospital de Ponta Delgada – já com a pandemia “normalizada” (e com a descontinuidade no uso generalizado de máscaras no quotidiano) –, o preço de cada FFP2 foi de apenas 0,077 euros.
A unidade de saúde pagou assim por 700.000 máscaras apenas 53.900 euros. Se fosse ao preço unitário (0,276 euros) pago pela autarquia de Vila Nova de Gaia há um ano, o hospital açoriano desembolsaria 193.200 euros. Um absurdo?!
Não tanto. Porque, na verdade, em tempos de pandemia, valeu tudo. Até um “favorzinho” da Ordem dos Médicos para que um donativo da farmacêutica Merck se transformasse afinal num esquema fiscal lucrativo para aquela empresa alemã.
Com efeito, no mesmíssimo dia em que, a Norte, em Vila Nova de Gaia, o município comprava máscaras FFP2 a 0,276 euros – pagando assim 138.300 euros por 500.000 máscaras –, a Sul, na lisboeta Avenida Gago Coutinho, o bastonário Miguel Guimarães apunha a sua assinatura num contrato para selar um donativo da farmacêutica alemã, de modo a receber de “borla” 190.000 unidades do mesmo equipamento para a campanha “Todos por Quem Cuida”.
Carta de Miguel Guimarães à Merck, que acompanhou o contrato assinado em Março de 2021 entre a Ordem dos Médicos e a Merck. Nunca antes a Ordem dos Médicos aceitara acordo similar.
Dir-se-ia, um excelente negócio para a Ordem dos Médicos, um bater de palmas pela capacidade negocial e diplomática de Miguel Guimarães, que assim conseguiu, a expensas das lucrativas farmacêuticas, poupar (aos preços então de mercado) qualquer coisa como 52.440 euros…
Só que não foi bem assim…
Na verdade, apesar de aparentar uma transparência imaculada – com a assinatura de um contrato bilingue e o registo do portal do Infarmed –, o acordo entre Miguel Guimarães e a farmacêutica alemã não foi mais do que um esquema fiscal que, em última linha, trouxe um lucro líquido à Merck, e um prejuízo ao fisco português ou alemão.
Isto porque, de acordo com o contrato, a Ordem dos Médicos aceitou que a Merck, pelo donativo em géneros, atribuísse as máscaras FFP2 um valor unitário hiperinflacionado à época: em vez de um valor a rondar os 30 cêntimos, o acordo entre Miguel Guimarães e dois executivos da farmacêutica alemã (Frank Gotthardt e Petra Wicklandt) estabeleceu um valor unitário de 2 euros, ou seja, quase sete vezes superior ao valor de mercado.
Deste modo, a farmacêutica alemã – que se tivesse nesse mesmo dia comprado as 190.000 máscaras FFP2, para depois as doar à Ordem dos Médicos, pagaria menos de 55 mil euros, pode assim apresentar uma despesa de 380.000 euros, o valor validado que surge no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.
A valorização desse custo (hiperinflacionado) das máscaras, aceite e validado por Miguel Guimarães, permitiu assim transformar, do ponto de vista fiscal, uma despesa em lucro líquido. Isto porque, mesmo assumindo a inexistência de qualquer benefício fiscal extra, a farmacêutica alemã pôde sempre, no exercício económico do ano passado, apresentar o donativo supostamente de 380.000 euros como despesa, reduzindo assim os lucros.
Com efeito, como esse valor de 380.000 euros reduziu os lucros – ou seja, sem esse suposto donativo, o montante em causa seria lucro de 380.000 euros –, a Merck deixou assim de pagar IRC sobre esse montante. Ou seja, assumindo um IRC de 28%, a farmacêutica alemã pagou menos 106.400 euros de impostos apenas por causa deste donativo. Ora, como o valor real do donativo (a preços de Março de 2021) foi de menos de 55 mil euros, conclui-se assim que, graças ao “favor” de Miguel Guimarães, a farmacêutica alemã teve artes de transformar um donativo em negócio lucrativo.
A Merck declarou um donativo de 380.000 euros à Ordem dos Médicos por máscaras FFP2 que valiam cerca de 55.000 euros. Ganhos fiscais permitiram transformar um donativo numa operação lucrativa para o doador.
Contactada a Merck Portugal, apenas foi adiantado que “a doação foi realizada pela Merck KGaA à Ordem dos Médicos em Portugal a qual se responsabilizou pela sua distribuição pelas entidades beneficiárias pelo que remetemos para a Ordem dos Médicos a resposta à questão levantada sobre a listagem das entidades beneficiadas”, acrescentando ainda que “relativamente à valorização unitária das máscaras objeto da doação, o valor mencionado no contrato foi aquele que a entidade doadora forneceu.”
O PÁGINA UM insistiu com a Merck Portugal no sentido de ser remetida factura da compra das máscaras que viriam a ser doadas – para aferir a valorização –, mas já não obteve resposta. Também não se conseguiu confirmar se a operação fiscal foi aplicada na Alemanha ou em Portugal, ou seja, se o prejuízo fiscal se registou no Estado alemão ou português.
Na consulta do PÁGINA UM aos documentos contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida”, observa-se também a falta de inúmeros comprovativos da efectiva entrega (nota de quitação) daquelas máscaras FFP2, havendo dezenas de situações em que não existe assinatura a comprovar a recepção.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.
A representante legal da Ordem dos Médicos garante que as 190.000 máscaras da Merck foram entregues “nas instalações da empresa Torrestir que, a título gratuito, colaborou na ação solidária promovendo o transporte de todos os bens para as instalações das entidades beneficiárias”, adiantando ainda que “aquelas máscaras foram distribuídas por diversas entidades havendo evidência dessas entregas nas notas de quitação e nas guias de transporte.”
O PÁGINA UM possui documentos fotografados que mostram o contrário, à data da consulta, após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.
N.D. Esta é a segunda parte de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.
Contabilidade paralela, ausência de declarações de transparência, fuga ao fisco, declarações falsas, abuso de benefícios fiscais, facturas falsas e uma promiscuidade institucional sem limites – eis o tenebroso resultado de uma análise do PÁGINA UM aos documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”. Publicamente promovida pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticos, com o apoio da indústria farmacêutica, através da Apifarma, esta campanha tinha como objectivo ajudar instituições a lutar contra a pandemia, tendo recolhido mais de 1,4 milhões de euros sobretudo destinados à compra de equipamentos de protecção individual. Após meses de luta no Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a estes documentos, o PÁGINA UM revela, neste primeiro artigo de um (extenso) dossier, como uma boa causa pode estar enxameada de maus procedimentos. Mais do que um caso de jornalismo de investigação, aqui se revela um “caso de polícia”.
Que se pode dizer – citando os argumentos transmitidos ao PÁGINA UM pela representante legal de Miguel Guimarães (bastonário da Ordem dos Médicos), de Ana Paula Martins (antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e recém indigitada para presidente da administração do Centro Hospitalar de Lisboa Norte) e de Eurico Castro Alves (ex-secretário de Estado da Saúde e actual candidato à secção Norte da Ordem dos Médicos) de “uma iniciativa, que surgiu num contexto muito particular e excepcional, logo após a declaração de estado de emergência pelo Presidente da República, em Março de 2020, [que] disponibilizou, através de donativos da sociedade civil, diverso material médico e material de proteção individual essencial para que as instituições de saúde portuguesas pudessem, diariamente, prestar os cuidados de saúde necessários aos doentes com covid-19”?
Que se pode dizer de uma iniciativa que financiou “instalações em alguns hospitais que permitiram aumentar o número de camas de cuidados intensivos e melhorar as condições de funcionamento dos cuidados de infecciologia”?
Ana Paula Martins, ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e indigitada para a presidência do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, e Miguel Guimarães, actual bastonário da Ordem dos Médicos.
Que se pode dizer de uma iniciativa em que “as recolhas de donativos foram autorizadas pelas autoridades competentes nos termos do Decreto-Lei 87/99, tendo sido sempre identificada a conta bancária para onde os donativos podiam e foram realizados, conta essa exclusivamente afeta a esta campanha”?
Podem-se usar todos os elogios, rasgados até, mas convém acrescentar um famoso adágio popular nacional: de boas intenções está o inferno cheio.
Criada logo no início da pandemia em Portugal, a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, mas numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.
Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estados dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”. A gestão ficou a cargo de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, continuando a ser coadjuvados por uma comissão de acompanhamento de sete pessoas, entre representantes das duas Ordens (três, cada) e da Apifarma, com obrigação de actas de reunião.
Eurico Castro Alves (o único sem máscara, em recente acção de campanha eleitoral da Ordem dos Médicos, no interior de um hospital) é médico cirurgião do Centro Hospitalar Universitário do Porto, foi secretário de Estado da Saúde no (curto) segundo mandato de Passos Coelho, e ainda ocupou a presidência do Infarmed (2012-2015).
A campanha solidária pública teve, de imediato, uma grande adesão de figuras públicas que prestaram depoimentos, como os músicos Rui Veloso, Mariza, Pedro Abrunhosa, João Gil, Luís Represas, Camané e Ana Moura; o escritor Rui Zink; os jornalistas Carlos Daniel e Júlio Magalhães; os apresentadores Fernando Mendes e Manuel Luís Goucha; os futebolistas João Moutinho, João Félix e Luís Figo; e ainda o antigo presidente da República Ramalho Eanes e o actual secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.
Apesar de ter sido sempre apresentada publicamente como uma campanha da sociedade civil que, em menos de dois meses angariara mais de um milhão de euros que teriam sido doadas pelos portugueses [as contas finais apontam para 1.422.962 euros], na verdade o grosso do financiamento proveio das farmacêuticas. De acordo com os extractos consultados pelo PÁGINA UM – por autorização obtida através de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, apenas pouco mais de 38 mil euros vieram de donativos particulares, ou seja, 2,7% do total. As empresas farmacêuticas, incluindo a Apifarma, canalizaram 1.313.251 euros, ou seja, 92,3% do total.
No entanto, não foi por aqui que esta campanha por uma boa causa mostrou os seus maus procedimentos.
António Guterres, actual secretário-geral das Nações Unidas, foi uma das figuras públicas a dar a cara pela campanha para incentivar donativos particulares. Mas dos cerca de 1,4 milhões de euros angariados, um pouco mais de 1,3 milhões de euros vierem das farmacêuticas. Donativos particulares só acumularam 38 mil euros.
A génese de um vasto conjunto de irregularidades e ilegalidades envolvendo esta campanha, algumas com eventual consequência penal, começa no simples e evidente facto de a conta solidária da campanha “Todos por Quem Cuida” não pertencer nem à Ordem dos Médicos (que foi quem garantiu a logística da operação) nem à Ordem dos Farmacêuticos, apesar de serem estas entidades que pediram a autorização necessária para angariações deste género de campanhas junto do Ministério da Administração Interna.
Na verdade, a conta foi criada, a título individual, por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Os documentos do balcão da Portela de Sacavém da Caixa Geral de Depósitos não deixam, a esse propósito, quaisquer dúvidas sobre essa titularidade da conta solidária, sendo que nos cheques surge o nome de Miguel Guimarães, apresentando-o como “cliente há mais de 31 anos”.
Mesmo já tendo abandonado funções como bastonária na Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro deste ano, Ana Paula Martins – que foi vice-presidente do PSD em final de mandato de Rui Rio, e esteve como administradora da Gilead nos últimos meses, até ser indigitada para administrar o centro hospitalar da região norte de Lisboa, onde se integra o Hospital de Santa Maria – mantém-se como co-titular desta conta.
Conta bancária da campanha, para onde seguiram os donativos das farmacêuticas, de outras empresas e de particulares, foi aberta no dia 2 de Abril de 2020, em nome de Miguel Guimarães (como titular principal), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Todos os pagamentos da campanha foram efectuados através desta conta.
O actual bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Mota Filipe, não quis explicar ao PÁGINA UM as razões para prescindir de assumir a co-titularidade da conta, em substituição de Ana Paula Martins. Mota Filipe apenas salientou ao PÁGINA UM a sua convicção de que “esta iniciativa foi essencial para proporcionar os melhores cuidados de saúde aos pacientes infectados com SARS-CoV-2 e proteger os profissionais de saúde que os trataram”.
Não sendo essa a questão – o mérito, em teoria, de uma campanha de solidariedade –, acrescente-se também que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos, através de representante legal, ainda não esclareceu formalmente o PÁGINA UM sobre os motivos para não ter sido aberta uma conta institucional para recolher os donativos quer das farmacêuticas quer de outras empresas, em geral, e de particulares.
Porém, sendo evidente que a conta solidária é de três particulares, surgem aqui vários problemas graves, uma vez que, desde 6 de Março de 2020 – dia do primeiro depósito na conta titulada por Guimarães, Martins e Castro Alves – se contabilizam 41 donativos superiores a 500 euros, totalizando 1.394.017 euros.
Sendo legais esses donativos a particulares [na sua génese, o PÁGINA UM, antes de passar a ter gestão empresarial, funcionou com base em donativos de leitores endereçados ao seu director], para esses casos não se aplica a Lei do Mecenato, pelo que deveriam ser declarados à Autoridade Tributária os montantes desses 41 donativos, sendo exigível o pagamento de imposto de selo de 10% do montante total. Ou seja, Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente à Autoridade Tributária cerca de 139 mil euros.
Nos documentos consultados pelo PÁGINA UM não consta qualquer menção a esse pagamento, sempre exigível a particulares independentemente do bom propósito da campanha. E também nos extractos bancários consultados e fotografados pelo PÁGINA UM, não há qualquer transferência para a Autoridade Tributária. Nenhum dos três visados prestou esclarecimentos ao PÁGINA UM sobre esta matéria. Note-se que os restantes 48.945 euros amealhados pela conta solidária não têm aquela obrigação, porque se referem a transferências de valor igual ou inferior a 500 euros. Nestes casos, são considerados “donativos conforme os usos sociais”.
Mas houve outro tipo de declarações também em falta – aqui com repercussões mais de índole ética. Como Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves são médicos e Ana Paula Martins é farmacêutica, as empresas farmacêuticas beneméritas tinham a obrigação de declarar os montantes doados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando os beneficiários, que os deveriam validar. Esta obrigação manter-se-ia mesmo se tivessem sido as Ordens a receber os donativos.
Conta solidária (para a campanha “Todos por Quem Cuida”) e cheques têm como primeiro titular Miguel Guimarães. Os donativos nunca entraram na conta da Ordem dos Médicos, mas as facturas das compras aos fornecedores (para os bens a doar a instituições) entraram, apesar dos pagamentos serem feitas através da conta solidária, que tem como co-titulares Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Ora, consultando o Portal do Infarmed não consta qualquer referência aos 20 donativos da Apifarma entre 14 de Abril de 2020 e 6 de Abril de 2021 – num total de 1.251.251 euros – nem aos donativos da Apormed (5.000 euros), Bene Farmacêutica (20.000 euros), Bial Portela (20.000 euros), Ipsen Portugal (12.000 euros) e Laboratórios Atral (10.000 euros). A representante legal dos três titulares da conta solidária – saliente-se que o PÁGINA UM remeteu questões específicas a cada um deles, que optaram por não responder individualmente – diz que “não compete às entidades que promoveram a ação solidária declarar os donativos no Portal da Transparência e Publicidade, mas às entidades que (…) fizeram os donativos”, acrescentando que “a Ordem dos Médicos validou todos os donativos que foram declarados no Portal da Transparência e em que foi identificada.”
O PÁGINA UM pediu esclarecimentos sobre estas matérias ao presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo – com função de fiscalização no âmbito do regime jurídico dos medicamentos –, apresentando comprovativos de que a conta solidária era titulada por Miguel Guimarães. Ainda não obteve qualquer reacção, mas fica patente, neste caso, que o Portal da Transparência e Publicidade apresenta falhas graves, não sendo os seus dados de confiança por evidente falta de fiscalização por parte do Infarmed.
Se estes casos já revelam graves irregularidades e até fuga ao fisco – pelo não pagamento do imposto de selo no valor de cerca de 139 mil euros –, pior ainda se mostrou, do ponto de vista da legalidade, a gestão contabilística e operacional da campanha, que esteve sempre sob supervisão directa de Miguel Guimarães, por ter sido feita pelos serviços da Ordem dos Médicos.
Edifício principal da sede da Ordem dos Médicos, na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa.
Ora, numa situação normal – e uma vez que a conta receptora dos donativos não era de qualquer das Ordens, mas sim formalmente de três pessoas em concreto (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves) –, as compras de equipamentos e outros géneros – a serem doados a diversas entidades, incluindo instituições particulares de solidariedade social (IPSS), associações e mesmo organismos estatais e empresas privadas – deveriam ser, por princípio, facturadas a quem as contratava. Ou seja, aos titulares da conta solidária. Mas não foi assim que sucedeu.
Apesar de a generalidade dos pagamentos (feitos sempre a pronto) provirem da conta solidária – titulada por Guimarães, Martins e Castro Alves –, os fornecedores receberam instruções para as facturas serem em nome da Ordem dos Médicos. Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram assim na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Ou seja, sem saída de dinheiro de qualquer conta pertencente à Ordem dos Médicos.
As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.
Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Guimarães, Martins e Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, não foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.
Dossiers da campanha “Todos por Quem Cuida”, contendo documentos administrativos e operacionais, que o PÁGINA UM consultou após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Esse “crédito informal” criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um “saco azul” ou mesmo um desvio de verbas. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.
Vejamos um exemplo. A factura nº 551 passada pela Clotheup em 2 de Outubro de 2020 pela aquisição de batas descartáveis no valor de 110.700 euros foi emitida à Ordem dos Médicos. Tendo sido uma aquisição a pronto de pagamento, não houve saída de dinheiro da Ordem dos Médicos, porque quem a pagou foi a conta solidária. Ora, nesse dia, poderia ter sido “desviada” a verba de 110.700 euros da conta bancária oficial da Ordem dos Médicos, não havendo assim o mínimo sinal de qualquer desfalque, uma vez que existia uma factura a suportar essa saída. Esse expediente pode aplicar-se a qualquer outra das 31 aquisições identificadas pelo PÁGINA UM.
Mas mesmo na hipótese académica que não tenha sido criado nem usado qualquer “saco azul” – matéria que é do foro judicial, e não jornalístico –, qualquer revisor oficial de contas já teria detectado facilmente uma desconformidade nas demonstrações financeiras, por haver documentos atestando avultadas saídas de dinheiro (facturas a pronto de pagamento), mas sem qualquer fluxo de caixa correspondente. E estamos a falar em 978.167,15 euros ao longo dos exercícios de 2020, 2021 e 2022.
Pagamentos das compras da campanha “Todos por Quem Cuida” não foram feitos por contas bancárias da Ordem dos Médicos, mas as facturas entraram como despesas “passíveis de saque” à margem da lei, e sem deixar rasto.
Em todo o caso, mesmo que as autoridades venham a concluir, após investigação, que não houve “desfalques” na Ordem dos Médicos, a correcção desta “anomalia” contabilística – através, por exemplo, de declarações formais de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, de terem feito os pagamentos e, assim, terem “transferido” os donativos angariados – mostra-se problemática. E agravaria ainda mais uma outra ilegalidade fiscal da campanha “Todos por Quem Cuida”.
Com efeito, apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos. Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.
Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da “sua campanha”, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.
Assim, a título de exemplo – e é mesmo um só exemplo, porque existem largas centenas de casos, reportados e fotografados pelo PÁGINA UM durante a consulta dos dossiers contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida” –, é falsa a declaração de 23 de Março de 2021 da Liga dos Bombeiros Portugueses, bem como a competente carta de agradecimento do então presidente Jaime Marta Soares, de que foi a farmacêutica Gilead que lhes entregou 4.984 batas cirúrgicas, 1.661 litros de álcool gel, 831 máscaras cirúrgicas, 2.492 óculos reutilizáveis, 664 fatos integrais tamanho M e 664 tamanho L, e ainda 4.153 viseiras, tudo no valor de 103.400,60 euros.
A realidade foi simultaneamente mais simples e complexa: a Gilead – neste caso, que é extensível a todas as outras farmacêuticas envolvidas – terá sim apenas entregado, através da Apifarma, um donativo de valor desconhecido, para uma campanha solidária, titulada por três pessoas. Formalmente, seriam essas três pessoas – e não as entidades beneficiadas com os géneros doados – que deveriam passar uma declaração de recepção desse donativo à Gilead (e às outras farmacêuticas). Porém, se assim fosse, as farmacêuticas não teriam hipóteses de usufruir de qualquer benefício fiscal, uma vez que o Estatuto do Mecenato não abrange donativos a pessoas singulares – e nem a Ordens profissionais, acrescente-se.
Donativos para a conta solidária com montantes superiores a 500 euros, que deveriam ter pago imposto de selo (10%).
Ora, a emissão de centenas de declarações falsas pelas entidades beneficiadas – que assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que estas não conseguirão comprovar através de facturas porque não foram elas que compraram os géneros – configura uma gigantesca fraude fiscal envolvendo centenas de entidades. De facto, considerando que, com este estratagema, os donativos à campanha “Todos por Quem Cuida” passaram a ser enquadráveis no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado –, as farmacêuticas puderam levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue.
Assim, sabendo que, globalmente, as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, acabaram por assumir, em termos contabilísticos, custos da ordem dos 1,82 milhões de euros, algo que não seria possível se assumissem, como efectivamente sucedeu, que os donativos seguiram para uma conta solidária de três pessoas. Este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros.
Este montante engloba também os casos em que os donativos foram aceites por diversos hospitais como sendo das farmacêuticas, mesmo quando as verbas foram também provenientes da conta solidária, e até previstas as transferências por protocolos entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e três centros hospitalares: Lisboa Central, Universitário do Porto e São João (Porto). No primeiro caso para apoiar a criação de uma farmácia ambulatória no Hospital Curry Cabral, e nos dois hospitais portuenses para financiar parte de novas unidades de internamento.
Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos assinaram protocolos com três hospitais, mas os pagamentos foram afinal feitos pela conta solidária titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, embora as farmacêuticas (como a AstraZeneca, vd. foto) tenham recebido declarações para efeitos de benefícios fiscais. Serviços Partilhados do Ministério da Saúde aceitaram este esquema.
Nestes casos específicos, os centros hospitalares receberam o dinheiro da conta solidária, mas não entregaram quaisquer facturas em nome da Ordem dos Médicos, optando por apresentar declarações de recebimento de donativos a diversas farmacêuticas por indicação expressa de Miguel Guimarães. Nenhuma das administrações destes três centros hospitalares responderam aos pedidos de comentários do PÁGINA UM. Estas declarações foram aprovadas pela Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), tutelada pelo ministro da Saúde.
No caso de outros bens recebidos por diversas unidades do Serviço Nacional de Saúde – sobretudo ventiladores da Sysadvance e câmaras de entubamento da Gravoplot [e que merecerão artigo específico do PÁGINA UM] –, a “solução” encontrada foi similar à já referida para os equipamentos de protecção individual: assumiu-se, recorrendo a declarações falsas, que quem doou os géneros foram as farmacêuticas, não sendo sequer referido que houve participação da campanha “Todos por Quem Cuida”.
Confrontado o presidente do SPMS, Luís Pinheiro Goes, sobre estas comprovadas falsas declarações, a resposta foi lacónica: “As declarações emitidas pela SPMS foram elaboradas nos exatos termos solicitados pelas entidades beneficiárias das doações”, isto é, pelos hospitais.
O PÁGINA UM ainda insistiu junto de Luís Pinheiro Goes, perguntando se nunca houve verificação documental pela SPSM para confirmar quem eram os efectivos doadores, e se seria feita alguma diligência suplementar, mas não teve resposta. Por sua vez, a representante legal de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves diz que o despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais “autorizou ainda a interposição de entidades mediadoras entre o mecenas e o beneficiário”, pelo que, “deste modo, a SPMS emitiu os documentos que se encontrava autorizada a emitir.”
Este expediente é, sem dúvida, de legalidade duvidosa, e nem sequer foi usado noutra circunstância no decurso de um apoio extraordinário feito pela farmacêutica alemã Merck em Março de 2021, mas que envolveu apenas géneros. Neste caso, de acordo com a lei, a farmacêutica decidiu assinar um contrato com a Ordem dos Médicos, doando-lhe 190 mil máscaras FFP2, e declarando esse donativo (com um valor monetário específico) no Portal da Transparência e Publicidade. O beneficiário que ali consta é, obviamente, a Ordem dos Médicos, e não nenhuma das muitas entidades que terão recebido as máscaras FFP2 doadas. Em todo o caso, o PÁGINA UM também detectou irregularidades neste donativo, de âmbito fiscal, que abordará em outra notícia.
Ora, mas acabando todos os envolvidos por assumirem na generalidade dos casos – e mesmo se através de um esquema fiscalmente nada ortodoxo e com documentos falsos – que os donativos foram entregues em géneros pelas farmacêuticas, a Ordem dos Médicos terá deixado então de poder justificar a existência de facturas a pronto pagamento em seu nome sem qualquer fluxo de saída de dinheiro.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
De facto, como as farmacêuticas têm agora, com as declarações (mesmo se falsas) das entidades beneficiadas, uma justificação contabilística para os seus donativos (globalmente, no valor de 1.329.751 euros), já não poderão, em princípio, passar segunda declaração de entrega desse montante nem aos titulares da conta solidária (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves) nem à Ordem dos Médicos.
Portanto, com tudo isto, está criado, no mínimo, um intrincado imbróglio fiscal com implicações penais. E isto sem incluir a conferência entre as facturas na posse da Ordem dos Médicos no valor de mais de 968 mil euros – para a aquisição de géneros da campanha “Todos por Quem Cuida”, que não foram por si pagos – e os seus fluxos de caixa, para assim se aferir se se criou ou não um “saco azul”.
O PÁGINA UM colocou várias questões ao ministro da Saúde, Manuel Pizarro, que não respondeu.
N.D. Esta é a primeira parte de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.
Apesar de estar sob suspeita desde Setembro do ano passado, por causa das suas promíscuas ligações à indústria farmacêutica, Filipe Froes mantém, para já, a confiança do ministro da Saúde, mesmo com um processo disciplinar da Inspecção-Geral das Actividades de Saúde que se arrasta, de forma secreta, há 10 meses. Este ano, o pneumologista mantém os valores “habituais”: recebeu já cerca de 4.000 euros por mês do sector farmacêutico, com destaque para a norte-americana Merck Sharp & Dohme.
Apesar de estar com um processo disciplinar, instaurado há 10 meses pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, devido a alegadas ligações promíscuas com a indústria farmacêutica, Filipe Froes pode manter-se confiante nas suas funções de consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS). O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, não lhe vai tirar o tapete, pelo menos até à conclusão de um longo processo disciplinar, sem fim à vista.
Esta posição governamental permitirá assim ao pneumologista manter uma perna nos corredores da autoridade de saúde nacional (DGS), onde se decidem terapêuticas, enquanto mantém a outra perna, bem aberta, para satisfazer solicitações da indústria farmacêutica entre consultadorias, palestras e lobby.
De acordo com nota do Ministério da Saúde enviada ao PÁGINA UM, Manuel Pizarro aguardará a conclusão do processo disciplinar “para se pronunciar”. Ou seja, uma carta branca para Froes manter a sua posição de consultor da DGS e as suas relações comerciais com as farmacêuticas. O pneumologista destacou-se também, durante a pandemia, por ser o líder do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, um órgão não-estatutário que inclusive serviu para perseguir médicos com opiniões distintas do bastonário Miguel Guimarães, como sucedeu com Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria.
Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.
Conforme noticiou o PÁGINA UM há uma semana, Filipe Froes está a ser alvo de um processo disciplinar, em consequência de um processo de averiguação aberto em Setembro de 2021, mas como está em fase de instrução, as razões da acusação estão inacessíveis pela “natureza secreta do inquérito”.
A IGAS não adianta quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, mas informa que este deriva das averiguações iniciadas em Setembro do ano passado a que foi sujeito este conhecido consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), presença assídua na imprensa como alegado perito independente durante os anos da pandemia.
Em 4 de Janeiro passado, o PÁGINA UM tinha já escalpelizado as declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e cruzado com os relatórios e contas dos últimos anos da sua empresa – a Terras & Froes –, detectando sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.
A Merck Sharpe & Dohme “perdeu” a corrida das vacinas, optando pelo desenvolvimento de anticorpos monoclonais. Froes elogiou o seu uso e integrou a sua introdução nas terapêuticas anti-covid.
Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.
De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. Este ano, em 11 meses, vai com uma média mensal de 4.327 euros.
Este ano, Filipe Froes tem dado especial atenção às solicitações da farmacêutica norte-americana Merck Sharp & Dohme (MSD) , contando já com oito colaborações que lhe renderam 21.083 euros. Mas teve relações com mais nove, entre as quais a AstraZeneca, Gilead e Sanofi. Estas relações não o coíbem, contudo, de integrar, por exemplo, a equipa de consultores da DGS que define as terapêuticas anti-covid, onde passaram a constar este ano os anticorpos monoclonais da MSD, o molnupiravir, comercializado sob a marca Lagevrio.
Em diversas ocasiões, Froes tem promovido, de forma entusiástica, o uso dos anticorpos monoclonais (produzidos pela Pfizer e pela MSD) e a integração da vacina da covid e da gripe numa só dose (comercializada pela Sanofi).
Saliente-se, contudo, que estes rendimentos podem pecar por defeito, uma vez que cada vez se torna mais patente que o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed apresenta falhas enormes, porque as farmacêuticas se “esquecem” de registar donativos e patrocínios a médicos e outras entidades, entre as quais os media mainstream, incumprindo o Estatuto do Medicamento.
Recorde-se que, em Novembro passado, Filipe Froes lançou um pequeno livro com as crónicas que foi publicando no Diário de Notícias, em co-autoria com Patrícia Akester, e o patrocínio da Bial. A farmacêutica portuguesa – que tem como chairman António Horta Osório, que é simultaneamente administrador da Impresa (dona do Expresso e SIC) ainda não colocou o valor do apoio no portal do Infarmed nem sequer respondeu a questões colocadas pelo PÁGINA UM.
Estrela mediática durante a pandemia, Filipe Froes manteve-se como consultor da Direcção-Geral da Saúde, enquanto acumulava funções de consultor e palestrante de farmacêuticas com fortes interesses no negócio da covid-19. Assumia-se sempre como um perito independente sem conflitos de interesses, apesar de mais de uma vintena de farmacêuticas que, desde 2013, se mostraram interessadas nos seus préstimos. A Inspecção-Geral das Actividades de Saúde, depois de um processo de averiguações, abriu-lhe mesmo um processo disciplinar… que marca passo há mais de nove meses. Já nasceram as crianças que foram concebidas no mesmo dia em que o inspector-geral determinou a instauração deste processo.
A Inspecção-Geral das Actvidades em Saúde confirmou hoje ao PÁGINA UM que o pneumologista Filipe Froes está mesmo a ser alvo de um processo disciplinar devido às suas ligações à indústria farmacêutica, mas o seu processo arrasta-se desde Fevereiro deste ano. A IGAS acrescenta que o processo disciplinar se encontra ainda em fase de instrução e, nessa medida, inacessível pela “natureza secreta do inquérito”.
A IGAS não adianta quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, mas informa que este deriva das averiguações iniciadas em Setembro do ano passado a que foi sujeito este conhecido consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), presença assídua na imprensa como alegado perito independente durante os anos da pandemia.
Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.
De acordo com a entidade fiscalizadora, o processo disciplinar a Filipe Froes vem no seguimento da “informação de avaliação n.º 149/2022”, que mereceu um despacho em 19 de Fevereiro passado do inspector-geral das Actividades em Saúde, Carlos Carapeto, que deu instruções para ser iniciado um processo disciplinar, ignorando-se o “castigo” eventualmente a aplicar.
A decisão de instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes após um processo formal de averiguações – revelado em Novembro do ano passado pelos semanários O Novo e Expresso – mostra já, em todo o caso, a existência de fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades. De facto, o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o que não surpreenderá, tendo em conta o que se foi tornando público.
Em 4 de Janeiro passado, o PÁGINA UM tinha já escalpelizado as declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e cruzado com os relatórios e contas dos últimos anos da sua empresa – a Terra & Froes –, detectando sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.
Antologia de crónicas de Filipe Froes no Diário de Notícias teve o patrocínio (ainda não declarado) da farmacêutica Bial.
Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.
De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. Este ano, em 11 meses, vai com uma média mensal de 4.327 euros.
O processo da IGAS pode assim vir a colocar em causa a manutenção de Froes como consultor da DGS e também manchar a sua credibilidade numa fase crucial das eleições para a Ordem dos Médicos. Com efeito, Filipe Froes é mandatário da candidatura de Carlos Cortes a bastonário.
Filipe Froes (ao centro), entregou como mandatário, no dia 21 de Novembro, a candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.
Por outro lado, uma eventual “condenação” confirmaria ainda mais o seu papel de lobista, acusação que o tem constantemente perseguido. Por exemplo, Froes tem sido um defensor do uso do polémico remdesivir, dentro da equipa de consultores que define as terapêuticas anti-covid, e é, em simultâneo, consultor da farmacêutica (Gilead) especificamente para aquele medicamento. Froes também é um acérrimo defensor da vacinação contra a covid-19 em crianças e adolescentes – cujas vacinas são exclusivamente da Pfizer, farmacêutica para a qual este pneumologista tem passado muitas facturas para cobrar colaborações.
Já este ano, em diversas ocasiões, Froes tem promovido, de forma entusiástica, o uso dos anticorpos monoclonais (produzidos pela Pfizer e pela Merck Sharpe & Dohme) e a integração da vacina da covid e da gripe numa só dose (comercializada pela Sanofi). Saliente-se que só este ano a Merck Sharpe & Dohme e a Sanofi já entregaram oficialmente a Froes um total de 22.261 e 13.583 euros, respectivamente. No total, o pneumologista terá já amealhado 47.602 euros ao longo de 2022.
Saliente-se, contudo, que estes rendimentos podem pecar por defeito, uma vez que cada vez se torna mais patente que o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed apresenta falhas enormes, porque as farmacêuticas se “esquecem” de registar donativos e patrocínios a médicos e outras entidades, entre as quais os media mainstream, incumprindo o Estatuto do Medicamento.
Por exemplo, ainda este mês, Filipe Froes lançou um pequeno livro com as crónicas que foi publicando no Diário de Notícias, em co-autoria com Patrícia Akester, e o patrocínio da Bial. A farmacêutica portuguesa – que tem como chairman António Horta Osório, que é simultaneamente administrador da Impresa (dona do Expressso e SIC) ainda não colocou o valor do apoio no portal do Infarmed nem sequer respondeu a questões colocadas pelo PÁGINA UM.
Recorde-se que o PÁGINA UM teve acesso, este mês, no decurso de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, a cerca de três dezenas de processos levantados pela IGAS, incluindo ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, também por incompatibilidades relacionadas com farmacêuticas.
Por estranhar que não se encontrava no lote o processo de Filipe Froes, o PÁGINA UM insistiu para que este fosse disponibilizado, o que não se mostra legalmente possível por se encontrar em fase de instrução. Contudo, se o processo disciplinar, agora em curso, não estiver concluído até 19 de Fevereiro do próximo ano, a IGAS terá, contudo, de disponibilizar pelo menos o processo de averiguação a Filipe Froes.