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  • Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Uma empresa de Vila Nova de Famalicão prometeu, patrioticamente, no início da pandemia, não exportar luvas de nitrilo, para assim satisfazer as necessidades do mercado nacional. Poucos meses depois, tanto esta como outras empresas deixavam concursos públicos vazios, mas estavam sempre dispostas a vender por ajuste directo, inflacionando os preços em mais de 400%, mesmo com a procura a subir apenas pouco mais de 10%. O Estado nada interferiu nesta negociata que fez com que a Raclac lucrasse 14 milhões de euros em 2020, um montante 42 vezes superior ao alcançado no ano anterior. Esta é a primeira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.


    “Nesta altura temos obrigação de proteger os nossos. O negócio é secundário e há um mês e meio que parámos a exportação”. Estas foram, curiosamente, no dia 1 de Abril de 2020, as palavras empenhadas em prol de um desígnio nacional do CEO da Raclac, Pedro Miguel Costa.

    No início da pandemia, a empresa de Vila Nova de Famalicão, produtora de descartáveis hospitalares, tinha acabado de concluir uma unidade de produção de luvas de nitrilo, com um apoio comunitário do FEDER da ordem dos 5,5 milhões de euros, contando também com a participação dos investimentos de uma private equity, a Vallis Capital Partners, que em 2017 comprou metade da Raclac. Esta empresa de gestão de activos é presidida por Eduardo Rocha, ex-administrador financeiro da Mota-Engil.

    Para suprir as necessidades nacionais em luvas de nitrilo – de uso único em actos médicos e de enfermagem –, a empresa famalicense ter-se-á se comprometido, através de um contrato com a central de compras do Sistema Nacional de Saúde, a fornecer exclusivamente para o mercado nacional. Não exportaria, prometeu o CEO da empresa. E Portugal não teria necessidade de importar tantas luvas de nitrilo da China.

    Foi um acto patriótico? Não tanto assim.

    Vejamos…

    Antes da pandemia, a Raclac, tal como outras empresas, já vendia luvas de nitrilo aos hospitais portugueses. Engalfinhavam-se em concursos públicos para apresentar a melhor oferta. Por exemplo, em Maio de 2017, a empresa de Famalicão venceu oito concorrentes para um contrato de quase 10 milhões de luvas de nitrilo com o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Aqui a Raclac ganhou um contrato de 206.468 euros, pedindo 2,094 cêntimos por luva.

    Mesmo nas primeiras semanas da pandemia, a Raclac (tal como outras empresas do género) continuou a praticar preços em linha com o habitual, mesmo quando havia urgência. Por exemplo, num contrato já por ajuste directo com a Direcção-Geral da Saúde em 18 de Março de 2020, no valor global de 1.957.896 euros, a Raclac não especulou. Entre máscaras, fatos de protecção integral e toucas, vendeu um milhão de luvas de vinilo por apenas 1,9 cêntimos cada. Recebeu assim, pelas luvas, apenas 19.000 euros.

    Raclac, criada em 2007, operacionalizou uma fábrica automatizada de luvas de nitrilo em Julho de 2020, obtendo financiamento comunitário de 5,5 milhões de euros.

    Mas tudo viria a mudar com o decurso dos meses do primeiro ano da pandemia. Por um lado, a Raclac começou a “coleccionar” contratos por ajuste directo, justificados pela emergência da covid-19.

    Não havendo na maior parte dos casos a redução a escrito, conforme consulta no Portal Base, o preço unitário e a quantidade ficou “à discrição”. Houve contratos de mais de 850 mil euros em luvas de nitrilo que nem sequer foram reduzidos a escrito, como sucedeu num ajuste directo em Maio de 2021 feito pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

    Porém, em alguns casos – vá-se lá saber o motivo –, o preço unitário surge em contratos por ajuste directo. E aí fica-se com a verdadeira noção da brutal dimensão da especulação e, eventualmente, de outros fenómenos menos transparentes.

    Por exemplo, em 3 de Julho de 2020, a Raclac conseguiu vender 185.350 euros de luvas de nitrilo por ajuste directo ao Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria). No início da pandemia, esse montante daria para adquirir quase 9,8 milhões de luvas, considerando o preço unitário anterior de 1,9 cêntimos.

    Porém, os “tempos” já eram outros: o da ganância. E a Raclac, que em Abril desse ano garantia que “o negócio era secundário”, quase sextuplicou o preço, aplicando um preço unitário de 11 cêntimos. Deste modo, a empresa famalicense entregou apenas um pouco menos de 1,7 milhões de luvas.

    Nos restantes contratos detectados pelo PÁGINA UM nos anos de 2020 e 2021, e não apenas os referentes à Raclac, os preços estiveram quase sempre entre os 11 e os 12 cêntimos por luva.

    Pedro Miguel Costa, CEO da Raclac, prometeu “proteger os nossos”. E depois aumentou em mais de 400% o preço das luvas de nitrilo.

    Poder-se-ia pensar que a procura, decorrente da pandemia, justificasse esta escalada de preços nas luvas, mas analisando as compras e consumos do Centro Hospitalar de São João, tal não se verifica. Com efeito, empregando mais de 6.500 funcionários, dos quais cerca de mil médicos e 2.500 enfermeiros, este centro hospitalar do Porto – que foi um dos principais clientes da Raclac – tinha consumido 18.073.322 luvas de nitrilo em 2019, aumentando para 19.110.645 de unidades em 2020 e para 19.448.235 de unidades em 2021.

    Se considerarmos o biénio 2018-2019, o crescimento de consumo de luvas foi de 11% nos dois primeiros anos da pandemia, mas o preço unitário aumentou mais de 400%! Não há lei da Economia que explique tamanho desfasamento. Excepto se se acrescentar que não houve qualquer controlo de custos, nem regulação de preços nem transparência nos contratos. Pediu-se muita coisa aos portugueses, muitas empresas foram obrigadas a encerrar actividade para o bem comum, mas enquanto isso houve quem lucrasse, e muito, sem controlo.

    Fonte oficial do CHSJ disse ao PÁGINA UM que foi a “instabilidade sistemática no fornecimento de bens” que justificou a opção pelos ajustes directos na compra de luvas de nitrilo, embora garanta que, “de forma permanente e sistemática”, houve sempre “consulta ao mercado tendo sempre procedido à adjudicação com base no menor preço e/ou na capacidade de entrega imediata, dada a urgência imperiosa deste bem para proteção dos profissionais de saúde e dos doentes com covid 19.” Uma situação incompreensível, tendo em consideração que a unidade fabril da Raclac garantia uma produção de 765 milhões de luvas por ano, segundo dados da própria empresa, divulgados em 2018.

    Hospital de São João aumentou consumo de luvas de nitrilo em 11%, mas preços mais que quintuplicaram.

    No entanto, apesar de assegurar que “este trabalho” de consulta prévia se encontra “profundamente documentado no Serviço de Aprovisionamento, de forma transparente – quem foi contactado, que preços apresentava, qual a quantidade que possuía para entrega” –, o CHSJ não satisfez ainda um pedido do PÁGINA UM para facultar essa documentação. De igual modo, o CHSJ não indicou os montantes globais gastos em luvas de nitrilo entre 2017 e 2022, conforme pedido pelo PÁGINA UM, para se calcular os preços unitários em cada ano.

    O CHSJ referiu ainda que a aquisição de luvas de nitrilo ficou bastante condicionada ao longo da pandemia, porque sempre que se tentou lançar concursos públicos, estes acabavam vazios, como sucedeu em Dezembro de 2020. Actualmente, os preços baixaram com o fim, mais ou menos oficial, da pandemia, para valores próximos dos 2 cêntimos por unidade.

    Não sendo o único caso de enriquecimento repentino e absurdo à conta da pandemia, os benefícios da Raclac com os negócios de descartáveis hospitalares é um paradigma do descontrolo na gestão dos dinheiros públicos na área da Saúde desde 2020.

    Antes da pandemia, a empresa nortenha tinha uma situação razoável para pequena e média empresa (PME) em fase de crescimento sustentado. Em 2017 facturou, segundo a imprensa local, cerca de 10,5 milhões de euros. Dois anos mais tarde, em vésperas da pandemia, a empresa terminou o ano (2019) com receitas da ordem dos 12,5 milhões de euros e um lucro de 330.668 euros. Não era mau, embora sem deslumbrar em demasia.

    Pandemia, mais ajustes directos, mais muitas luvas entregues a torto e a direito, e a preços exorbitantes, e 2020 transformou-se num jackpot para a Raclac. A facturação subiu para os 51,8 milhões de euros e os lucros… bem, os lucros tornaram-se elásticos e foram catapultados para os 14.047.527 euros.

    Contas feitas, os lucros do ano de 2020 da Raclac valeram mais de 42 vezes os lucros do ano anterior, muito por conta das luvas de nitrilo e dos preços especulativos do material descartável de uso hospitalar.

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    Perante tão lucrativa avalanche destes resultados, parecerá quase irrelevante referir que, por força do desempenho industrial e comercial, os quatro administradores da Raclac fizeram subir os seus salários: em 2019 tinha recebido um total de 178 mil euros, passando para os 268 mil euros em 2020. No ano passado aumentaram os seus salários para 351 mil euros.

    Em todo o caso, e como o mercado se foi tornando ainda mais concorrencial – apesar dos ajustes directos terem feito “escola” ao longo da pandemia –, com a entrada de mais empresas a comercializarem estes produtos, a Raclac não repetiu em 2021 o “euromilhões” de 2020. O relatório e contas do ano passado desta empresa, consultado pelo PÁGINA UM, revela uma facturação já só de 17 milhões de euros.

    E 2021 até poderia ter ficado no vermelho para a Raclac, porque os custos operacionais, as depreciações e os juros “sugaram” todas as receitas e muito mais. Mas uma (criativa mas legal) operação contabilística e fiscal permitiu transformar um prejuízo de quase 140 mil euros num resultado positivo de 692 mil euros, por força do recebimento de impostos diferidos no valor de 830 mil euros.

    A Raclac refuta qualquer acusação de ter praticado preços especulativos, relembrando que, em Abril de 2020, após acusações no programa Sexta à 9 (RTP), solicitaram uma auditoria à ASAE, “não resultando desse processo a identificação de qualquer política especulativa ou não conformidade com o ordenamento em vigor durante a pandemia em termos de pricing e margens”, segundo a empresa. E informam ainda que, por causa desta reportagem, apresentaram “queixa contra terceiros junto do Ministério Público”.

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    A empresa justifica o aumento do preço das luvas por não ter sido possível automatizar a produção pela urgência em dar resposta à procura, e daí ter sido necessário contratar “mais de 200 trabalhadores temporários”, além da “escalada dos preços das matérias-primas e dos produtos” para o fabrico. Pedro Brandão, administrador financeiro desta empresa, diz que “vimos crescer [os preços] em alguns casos” das matérias-primas e produtos “quatro ou cinco vezes o seu valor habitual”.

    Convém, no entanto, referir que essas justificações não encontram sustentação nas contas da empresa ao nível das receitas e dos custos. Com efeito, sendo certo que entre 2019 e 2020, a Raclac quase duplicou os custos com pessoal (passando de 797 mil para 1,5 milhões de euros) e os custos de matérias-primas e produtos subiram de 10,5 milhões para 24,4 milhões de euros, a variação das receitas mais do que encaixaram tudo isto. Em vendas, o ano de 2019 tinha facturado 12,5 milhões de euros; e um ano depois atingiu 51,8 milhões de euros, ou seja, uma variação de 39,3 milhões de euros. A margem operacional da empresa melhorou extraordinariamente, de cerca de 6% em 2019 para 37% em 2020. Isto é, sextuplicou. E por uma razão simples: vendeu mais mas vendeu muitíssimo mais caro.

    Entretanto, o Ministério da Saúde não manifestou disponibilidade para comentar o modus operandi da aquisição de material descartável pelas unidades do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia.

  • Covid-19: Portugal gasta 500 milhões de euros em vacinas, mas contratos deixaram de ser públicos

    Covid-19: Portugal gasta 500 milhões de euros em vacinas, mas contratos deixaram de ser públicos

    A Direcção Geral da Saúde já comprou cerca de 33 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, se se incluírem as doações para países terceiros. Mas a transparência destas massivas compras é inexistente: no Portal Base somente constam os primeiros quatro contratos (dois da Pfizer e dois da Moderna), mas com pouca ou nenhuma informação relevante, porque se remete para os obscuros Acordos de Aquisição (APA) da Comissão Europeia, que agora estão em investigação pela Procuradoria Europeia. O PÁGINA UM também revela os contornos das compras da Direcção-Geral da Saúde financiadas a 100% pela União Europeia, que mostram que a Pfizer tem ficado com a “fatia de leão”. Também os detalhes destas compras são desconhecidos.


    O Estado português já terá gastado 500 milhões de euros na compra de mais de 33 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, mas somente se encontram disponíveis no Portal Base quatro contratos (dois da Pfizer e dois da Moderna), todos anteriores a Fevereiro de 2021, no valor de cerca de 135 milhões de euros.

    O secretismo da aquisição nacional de vacinas segue a linha dos designados Acordos de Aquisição (APA), estabelecidos pela Comissão Europeia e as farmacêuticas, e que agora atinge um ponto alto de desconfiança com o anúncio ontem da abertura de uma investigação pela Procuradoria Europeia.

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    De acordo com a análise dos dados da Direcção-Geral da Saúde sobre a evolução do programa de vacinação ao longo das várias fases da vacinação – por idade e tipologia – até 10 de Outubro terão sido já administradas pelo menos 26 milhões de doses, das quais quase 19 milhões na primeira fase de vacinação. O reforço vacinal com pelo menos uma dose, sobretudo ao longo deste ano, totalizou cerca de 6,9 milhões de doses. No reforço sazonal, actualmente em curso, terão sido já injectadas quase 817 mil pessoas, sobretudo com mais de 65 anos.

    Esta quantidade de vacinas, estimada pelo PÁGINA UM – uma vez que a DGS apenas divulga a percentagem de vacinação por grupo etário – é ligeiramente superior ao número de doses indicada pelo Infarmed no último relatório da farmacovigilância, que tem dados apenas até finais de Setembro. O regulador aponta para a administração, até 30 de Setembro passado, de um total de 25.600.892 doses.

    Estes valores têm de ter incluídas as compras para as doações a países terceiros. Até Fevereiro deste ano, o Governo anunciou ter já doado sete milhões de doses de vacinas a países terceiros, sobretudo dos PALOP.

    Número de doses administradas em Portugal até 10 de Outubro de 2020. Fonte: DGS (% de população vacinada) e INE (estimativa da população em 2020). Cálculos: PÁGINA UM. Nota: Considerou-se duas doses por pessoa na vacinação primária e apenas uma dose no reforço, uma vez que se ignora quantas pessoas tomaram mais do que um reforço.

    Apesar do Portal Base obrigar a incluir todos os contratos públicos, nunca mais foram colocadas as compras de vacinas contra a covid-19 a partir de início de Fevereiro do ano passado. Os dois (curtos) contratos entre a Pfizer e a DGS, decorrentes dos APA, assinados em 9 de Dezembro de 2020 e em 18 de Janeiro do ano passado visaram a aquisição de 4.440.804 e 2.220.596 doses, respectivamente.

    O primeiro lote ficou ao preço unitário de 12 euros, mas o segundo já subiu para 15,5 euros. Assim, por estas duas compras à Pfizer, a DGS pagou 54.489.660 euros pelo primeiro contrato e 34.419.238 euros pelo segundo.

    Os outros dois contratos que constam no Portal Base foram com a Moderna, não constando sequer o número de doses nem o preço unitário, apenas mencionando o valor total da aquisição. Ambos os contratos foram assinados pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, em 29 de Dezembro de 2020, a um preço de 27.247.155 euros e de 18.780.000 euros. É uma completa anormalidade a existência de contratos públicos desta natureza e dimensão sem qualquer informação nem detalhe.

    A farmacêutica norte-americana Pfizer tem sido a preferida nas compras de vacinas contra a covid-19 pelo Estado português. Os contratos não são conhecidos desde Janeiro de 2021.

    Deste modo, somente são conhecidos os contratos relativos a compras de vacinas no valor de cerca de 135 milhões de euros, embora sem grandes detalhes.

    Com efeito, estes quatro contratos estão enquadrados no chamado Acordo Global de Compra (Advanced Purchase Agreement) assinado entre a Comissão Europeia e as diversas farmacêuticas. A partir desse acordo, cada país ficou apenas incumbido de indicar as doses e os prazos de entregas, mas sem a inclusão de quaisquer cláusulas de responsabilidade civil para as empresas produtoras das vacinas. Ou seja, em caso de problemas, as farmacêuticas descartam-se do pagamento de indemnizações.

    A mesma desresponsabilização sucederá com os diversos Estados da União Europeia, como Portugal. Independentemente das pressões sociais e políticas, sendo a vacinação voluntária e havendo um consentimento informado oral, assume-se que as pessoas vacinadas e os pais dos menores assumiram os riscos, pelo que quaisquer danos físicos ou não-patrimoniais nunca serão, em princípio, garantidos pelo Estado nem pelas farmacêuticas.

    3 clear glass bottles on table

    Nos dois contratos com Pfizer/BioNTech expostos no Portal Base, ficou assumido que “as circunstâncias de emergência” implicavam que o Estado português “reconhecia que a vacina, e os materiais relacionados com as vacinas, e seus compostos e materiais constituintes, estão a ser desenvolvidos rapidamente”. E, por esse motivo, “o Estado Membro Participante [o Estado português, neste caso] reconhece ainda que os efeitos a longo-prazo e a eficácia da vacina não são actualmente conhecidos.”

    Esta autêntica cláusula de exclusão de responsabilidades também se reforça na cláusula que refere que “o Estado Membro Participante reconhece que a vacina não deve ser serializada.”

    Por lei, todos os contrato já deveriam constar do Portal BASE, mas o Ministério da Saúde não explica a razão pela qual não foram ainda enviados mais contratos para registo ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade gestora daquela base de dados da contratação pública.

    O PÁGINA UM apenas encontrou, através da consulta a documentação solicitada ao Compete 2020, duas referências sobre compras de vacinas pelo Governo, por via de candidatura a programas da União Europeia para financiamento a 100%. A Autoridade Central do Sistema de Saúde (ACSS) obteve um financiamento de 11.209.000 euros em Outubro do ano passado para a compra de vacinas, mas que estranhamente acabou por ser destinado, na verdade, a financiar a DGS a comprar vacinas contra a covid-19.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde, não coloca contratos da compra de vacinas contra a covid-19 no Portal Base.

    Por sua vez, a DGS obteve um apoio comunitário, também através do Compete 2020, da ordem dos 191 milhões de euros para compra de 12.975.027 doses. Estas compras específicas foram sendo realizadas sobretudo a partir de Junho de 2021, em vários lotes. E percebe-se que a Pfizer passou a ser a farmacêutica preferida.

    Com efeito, entre a documentação consultada pelo PÁGINA UM conta-se a referência a 132 compras àquela farmacêutica norte-americana num valor global da ordem dos 130 milhões de euros, enquanto a Moderna registou 17 vendas com um montante acima dos 50 milhões. A AstraZeneca e a Janssen – que não usam a tecnologia mRNA – ficaram com fatias minúsculas deste colossal bolo: apenas conseguiram vender vacinas em montantes da ordem dos dois milhões de euros. O custo unitário médio foi de 14,7 euros.

    Mas estas compras da DGS financiadas pela União Europeia – que nem sequer ainda foram auditadas pelo Compete 2020, segundo apurou o PÁGINA UM – representam pouco mais de um terço do total de vacinas administradas.

    Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez vários acordos com farmacêuticas, mesmo antes de estar provada a sua eficácia, como sucedeu coma Curevac em 16 de Novembro de 2020.

    E, em todo o caso, até estas compras se mantêm no segredo dos deuses, desconhecendo-se os compromissos já assumidos com as farmacêuticas numa altura em que a covid-19 se tornou endémica. Tanto em Portugal como nos outros países da União Europeia, sobretudo porque as compras foram negociadas directamente entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.

    Aliás, nos APA chegou-se mesmo a prometer compras de vacinas a farmacêuticas que nunca as conseguiram concluir, como sucedeu com a do consórcio da Sanofi e da GlaxoSmithKline e com a da Curevac. No primeiro caso, estava já prometida a compra pela Comissão Europeia de até 300 milhões de doses da vacina, enquanto para a vacina da Curevac ficou prevista a aquisição inicial de 225 milhões de doses, bem como a opção de se requerer 180 milhões de doses suplementares se ficasse comprovada a segurança e a eficácia de uma vacina contra a covid-19.

    people walking on pedestrian lane near vehicles

    Este modelo seguido pela Comissão Europeia mostra bem como os negócios das farmacêuticas floresceram ao longo da pandemia, mesmo quando nada garantia que houvesse sucesso na produção de vacinas seguras e eficazes. Por exemplo, a Curevac, uma farmacêutica alemã, obteve 80 milhões de euros de financiamento da União Europeia e um empréstimo de 75 milhões do Banco Europeu de Investimento, além da entrada no capital da KfW, um banco estatal, que injectou 300 milhões de euros para ficar com cerca de um quarto do capital social.

    Em Agosto de 2020, a Curevac entrou no Nasdaq, através de uma oferta pública inicial (IPO), conseguindo ainda mais 213 milhões de dólares para se financiar. Começou com uma cotação de 46,55 dólares, chegou a atingir os 116,94 dólares em 1 de Abril de 2021, fruto da especulação e da promessa de contratos. Com o completo insucesso da sua vacina contra a covid-19, começou a despencar. Fechou a sessão de ontem a valer apenas 7,52 dólares, uma descida de quase 94% face ao seu máximo histórico.

  • Covid-19: União Europeia (finalmente) investiga compra de vacinas e discursos oficiais mudam de tom

    Covid-19: União Europeia (finalmente) investiga compra de vacinas e discursos oficiais mudam de tom

    Em apenas uma semana, a Europa acordou para a necessidade de saber, afinal, o que se passou com a compra de vacinas contra a covid-19. A Procuradoria Europeia anunciou que tem em curso uma investigação à compra das vacinas. O anúncio surgiu numa semana polémica na Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19, no Parlamento Europeu. Hoje, a presidente desta Comissão surpreendeu muitos eurodeputados com declarações no Twitter a defender a investigação à compra das vacinas e a questionar o secretismo em torno dos contratos com a Pfizer.


    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, está debaixo de fogo devido a suspeitas relativamente aos contratos secretos de compra de vacinas contra a Covid-19 à farmacêutica norte-americana Pfizer.

    Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados por Ursula von der Leyen com o presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla.

    Ursula von der Leyen entregou o prémio de liderança do Atlantic Council a Albert Bourla, CEO da Pfizer, em Novembro de 2021.

    Os últimos dias representaram um ponto de viragem que pode trazer dissabores a von der Leyen mas maior transparência ao processo de compra das vacinas. A Procuradoria Europeia anunciou ontem estar a investigar a compra de vacinas pela União Europeia.

    E, hoje, Kathleen van Brempt, presidente da Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, surpreendeu com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.

    Estes desenvolvimentos dos últimos dois dias surgem após uma semana explosiva no que toca ao tema das vacinas contra a covid-19, e sobretudo em relação aos contornos das compras lideradas pela Comissão Europeia, que já atingiram os 4,6 mil milhões de doses por 71 mil milhões de euros, mais de um terço do produto interno bruto português em 2021.

    Primeiro, foi uma responsável da gigante farmacêutica norte-americana Pfizer que admitiu, perante deputados do Parlamento Europeu, que a sua vacina não foi testada para se saber se impedia a transmissão do SARS-COV-2.

    As ondas de choque que as declarações desta responsável da Pfizer geraram foram gigantescas e a revolta, tanto de vacinados como de não vacinados, inundou as redes sociais.

    Entretanto, vários media tradicionais, incluindo a Reuters e a Associated Press, apressaram-se a garantir que a Pfizer nunca tinha prometido que a sua vacina impedia a infecção e o contágio, apesar de existirem ensaios clínicos pagos pela Pfizer que garantem que a vacina prevenia a transmissão do vírus.

    Em Portugal, o pneumologista Filipe Froes, um dos mais destacados consultores da Direcção-Geral da Saúde e também da Pfizer (entre outras farmacêuticas), sempre defendeu que a vacina contra a covid-19 reduzia a transmissibilidade em caso de infecção. Em Janeiro deste ano, em declarações à TSF, Froes garantiu que “quem tem o esquema vacinal completo e com dose de reforço, tem um risco de infeção e de transmissão praticamente nulo. Não se pode dizer que seja zero, mas o risco é praticamente nulo.”

    Recorde-se que, com base na garantia de que as vacinas impediam a infecção e o contágio, foi imposto o chamado “certificado digital” ou “passaporte sanitário”, criando-se a maior operação de segregação da população da História moderna. Além disso, foi por uma suposta maior transmissibilidade dos não-vacinados que responsáveis políticos contribuíram para espalhar a estigmatização sobre quem voluntariamente optava por não se vacinar. Em 29 de Julho do ano passado, o presidente norte-americano Joe Biden falava de uma “pandemia de não-vacinados“. E Ursula von der Leyen veio apelar, em 23 de Novembro passado, para que os cidadãos se vacinassem ou recebessem um reforço por se estar perante uma “pandemia de não-vacinados“.

    Após a audição da responsável da Pfizer nesta semana, eurodeputados sugeriram, numa conferência de imprensa, que fosse constituída uma comissão de inquérito sobre a covid-19, acusando a Comissão Especial sobre o tema, que decorre no Parlamento Europeu, de ser uma espécie de farsa. Os eurodeputados denunciariam ainda que continuam a ser secretos os dados sobre a negociação da compra de vacinas por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

    Janine Small, presidente da divisão de mercados internacionais desenvolvidos, da Pfizer, na audição na Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, no dia 10 de Outubro.

    Por coincidência, seguiu-se um outro anúncio de relevo: a Procuradoria Europeia anunciou ontem que está a investigar a compra de vacinas contra a Covid-19 pela União Europeia. Esta entidade independente da União Europeia anunciou, numa “rara confirmação”, segundo as suas palavras, que a investigação “surge na sequência da existência de um interesse público elevado”. O comunicado da Procuradoria Europeia adianta que “não serão tornados públicos mais detalhes nesta fase”.

    Foi no seguimento deste comunicado da Procuradoria Europeia, que a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, a belga Kathleen van Brempt, publicou uma declaração no Twitter, o que surpreendeu muitos dos seus colegas eurodeputados. Brempt escreveu a propósito do anúncio da Procuradoria Europeia que “a Comissão COVI vai acompanhar este caso com grande atenção”.

    “Vários aspectos do terceiro contrato com a Pfizer, merecem ser escrutinados, as mensagens de texto entre a presidente da Comissão Europeia [e o CEO da Pfizer, Albert Bourla] e o facto de não haver nenhum documento sobre as negociações preliminares [entre os dois]”, escreveu ainda.

    E defendeu ainda que “precisamos saber a razão de o maior contrato ser o menos transparente; Precisamos compreender a razão para a União Europeia ser obrigada a comprar 1,8 mil milhões de vacinas da Pfizer/BioNTech, independentemente das necessidades, independente de haver novos e melhores players a entrar no mercado”.

    Conferência de imprensa de 11 de Outubro de eurodeputados que contestam a falta de transparência dos contratos de compra de vacinas contra a covid-19.

    No seu tweet, Kathleen van Brempt lembrou que, “muitos dos contratos feitos pela União Europeia reservam o ‘direito’ a comprar mas no contrato com a Pfizer temos a ‘obrigação’ de comprar”. “Porque nos desviámos do procedimento normal para um contrato que cobre muitas vezes as nossas necessidades, durante um período em que todos deveriam estar já vacinados (2022 e 2023)”, questionou.

    Cristian Terhes, o eurodeputado que desde há cerca de um ano tem lutado, junto com outros eurodeputados, por maior transparência sobre os contratos de compra de vacinas, comentou entretanto as declarações de van Brempt. “O que é dito pela presidente da Comissão COVI representa uma mudança de paradigma da Comissão (Especial sobre covid), porque, até agora, a Comissão comportou-se como se o seu objetivo fosse pedir desculpas a Ursula von der Leyen pela forma fraudulenta como assinou contratos com as empresas de vacinas”, salientou o eurodeputado romeno. “Agora, a presidente admite que existe um problema com a falta de transparência dos contratos, bem como com a forma e finalidade de compra das vacinas”, frisou na sua conta na rede social Facebook.

    O eurodeputado não tem sido, aliás, brando com a presidente da Comissão Europeia e, desta vez, pediu a sua demissão imediata. “Quando, há um ano atrás, comecei a falar com os meus colegas sobre a não transparência dos contratos e outros abusos cometidos por Ursula von der Leyen, muitos me disseram que não poderíamos fazer muito, porque era só conversa, porque estávamos a lidar com o melhor da União Europeia e assim por diante, desculpas atrás de desculpas para não fazer nada”, relembrou.

    Sede da Procuradoria Europeia no Luxemburgo.

    O eurodeputado prosseguiu indicando que “hoje, todos reconhecem que existe um problema com a não-publicação integral dos contratos”, e destacou uma grande mundança: “de segunda-feira, 10.10.2022, até hoje, 15.10.2022, tudo o que foi afirmado sobre estas vacinas mudou drasticamente”.

    Isto porque, recordou Cristian Tehres, “a Pfizer admitiu oficialmente, quando questionada pelo colega Rob Ross, que não testou realmente a vacina para ver se ela impede a transmissão do vírus”, acrescentando que, “mais tarde, isto foi também reconhecido por um representante da Comissão Europeia numa pergunta que lhe fiz”.

    O eurodeputado garantiu que vai continuar a pressão: “obviamente, não vamos parar até descobrirmos a verdade, toda a verdade! Até lá, Ursula von der Leyen deve demitir-se e colocar-se à disposição dos organismos europeus de investigação criminal”. E terminou o seu post com os hashtags #UrsulaMustResign #UrsulaMustGo.

    O romeno Cristian Terhes e o croata Mislav Kolakusic são os eurodeputados responsáveis pela criação da Comissão Conjunta COVID com a Comissão de Controlo Orçamental.

    Este eurodeputado está a preparar, juntamente com o eurodeputado croata Mislav Kolakusic, a Comissão Conjunta COVID com a Comissão de Controlo Orçamental (CONT), na qual será analisado o relatório do Tribunal de Contas da UE sobre como as vacinas foram compradas.

    Segundo este relatório, até Novembro de 2021 a Comissão Europeia comprou, em nome dos Estados, 4,6 mil milhões de doses de vacina por 71 mil milhões de euros. Tehers comentou que “a quantidade é enorme, assim como o valor comprado”. Com efeito, sendo a população da União Europeia de 447 milhões de habitantes, a Comissão Europeia comprou vacinas suficientes para nove doses por pessoa, incluindo crianças.

  • Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

    Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

    A Tabaqueira “brincou com o fogo” e tentou contornar a Lei do Tabaco, que proíbe taxativamente a publicidade directa e indirecta aos produtos do tabaco. Este ano multiplicou-se em pagamentos de conteúdos comerciais a vários órgãos de comunicação social. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social já concluiu que, em quatro conteúdos de periódicos da Global Media, houve ilegalidade. Seguem-se agora processos para aplicação de coimas que podem ascender aos 250 mil euros por cada infracção. O Público ficou entretanto hoje também sob a alçada punitiva do regulador.


    Dias difíceis para as parcerias entre os grupos de media e a Tabaqueira. Na mesma semana em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) revelou ao PÁGINA UM a abertura de um “procedimento” por alegada violação da Lei do Tabaco, foi também ontem divulgada uma deliberação que custará quatro processo de contra-ordenação devido a publicidade a produtos de tabaco a três jornais da Media Capital: Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo.

    Em causa, de acordo com a deliberação ERC/2022/296, estão dois conteúdos patrocinados pela Tabaqueira no Jornal de Notícias (nas edições de 20 e 29 de Abril deste ano), um no Diário de Notícias (2 de Junho) e outro no Dinheiro Vivo (20 de Abril), onde se faz promoção da marca Tabaqueira e dos seus produtos, quer directa quer indirectamente, o que viola a Lei do Tabaco.

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    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano. Contudo, nos últimos meses, recorrendo a parcerias comerciais, extremamente dúbias, a Tabaqueira foi lançando uma imagem de empresa preocupada com a saúde e o ambiente, e na vanguarda da Ciência, enquanto aborda os seus novos produtos, designadamente os cigarros electrónicos e o tabaco aquecido.

    A ERC analisou, nesta fase, dois artigos patrocinados do Jornal de Notícias, intitulados “Investir em ciência para construir um mundo sem fumo” e “’Gaia não é um Cinzeiro’ procura limpar da cidade as beatas dos cigarros”.

    No primeiro artigo reflecte-se sobre o desenvolvimento da Ciência em prol dos consumos tabágicos menos nocivos, anunciando que substituir “os cigarros tradicionais por novos produtos menos nocivos é o grande objetivo da Philip Morris International, que investiu mais de 8,1 mil milhões de dólares nesta missão”, adiantando-se que próximo passo será uma aposta no sector da saúde e do bem-estar.

    Conteúdos comerciais da Tabaqueira são publicidade proibida mesmo que não se promova directamente produtos.

    No segundo artigo, é dada uma visão de marketing social desenvolvido entre a Tabaqueira e a Câmara de Gaia para benefício geral da comunidade e ambiente, mas onde também surge a promoção aos novos produtos da empresa, supostamente “substanciadas por evidência científica”.

    No artigo do Dinheiro Vivo, intitulado “Como a inovação está a ajudar a Philip Morris International a transformar o seu negócio”, é feita, segundo a ERC, uma retrospectiva do percurso da Philip Morris International (PMI) na venda de produtos de tabaco e a inversão das campanhas promocionais, que apelam a um consumo sem fumo. ERC exemplifica com o seguinte excerto: “A inversão oficial da estratégia da empresa deu-se em 2016, quando anunciou que iria comercializar produtos alternativos, mais modernos e com redução dos riscos do tabaco. ‘Dissemos que conseguíamos reduzir drasticamente os malefícios do tabaco e que podíamos ter um produto que retira 95% dos elementos tóxicos do fumo de tabaco’, afirmou o empresário polaco, que assumiu a gestão do grupo em 2021. O grande objetivo passa pela substituição dos cigarros a combustão por produtos de tabaco aquecido sem fumo.”

    O argentino Marcelo Nico, director-geral da Tabaqueira, tentou contornar a Lei do Tabaco, fazendo parcerias com grupos de media para publicar conteúdos comerciais para dar boa imagem à empresa. A ERC diz agora ser proibido.

    Por fim, no Diário de Notícias, através do artigo pago (e assumidamente identificado como publicidade) intitulado “Uma jornada de transformação para a construção de Um Amanhã Melhor”, é feita, também seguindo a síntese da ERC, uma apologia aos novos produtos de tabaco sem combustão, pela British American Tobacco (BAT), em que se defendem valores da marca socialmente responsáveis, evidenciando-se as seguintes características, «[a] marca de tabaco aquecido da BAT, o glo, é composta por um dispositivo eletrónico portátil que contém uma bateria de iões de lítio que alimenta uma câmara de aquecimento. Por fim, os produtos modernos orais, que incluem bolsas de nicotina sem tabaco, são igualmente uma das novas categorias da marca. Sendo que também incluem produtos orais tradicionais, como os tabacos húmidos ‘snus’ e ‘snuff’.”

    Segundo a ERC, os quatro artigos pagos pela Tabaqueira às três publicações da Global Media “têm um carácter eminentemente institucional de posicionamento das empresas e marcas associadas a produtos de tabaco e a cigarros eletrónicos, em que se defendem valores sociais relevantes como sejam a saúde e o ambiente.”

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social “ameaça” aplicar multas ao Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, e também Público, por receberem patrocínios da Tabaqueira em violação à Lei do Tabaco.

    No procedimento aberto pela ERC, a Global Media veio defender que aqueles artigos publicitários tenham tido “por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos”, alegando, por exemplo, que os textos do Jornal de Notícias tinham um “cariz e estilo informativo”, designadamente sobre o Fórum Económico de Delfos, na Grécia, realizado em Abril de 2022, em que se “reporta a ciência sobre o tabaco sem fumo, o investimento que uma empresa está a fazer em inovação, os objectivos”.

    Por outro lado, o grupo de media liderado por Marco Galinha – que se tem especializado em parcerias mediáticas com todo o tipo de empresas e entidades públicas, incluindo autarquias e Governo – diz que, algumas daquelas publicações se enquadravam no conceito de “brandstory”.

    Segundo a Global Media, “as designadas ‘brandstories’ afastam-se do fenómeno publicitário qua tale, já que, originariamente, constituem a criação de textos em torno da história de determinada marca e da sua identidade”. E acrescenta que, nesta lógica peregrina, se “procura comunicar a identidade da marca, englobando todas as definições da sua construção, como a personalidade, o propósito, os valores, a cultura, a missão e a visão.”

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    A ERC mostrou-se, contudo, pouco favorável à argumentação da Global Media, até porque a Lei do Tabaco é muito clara. Com efeito, esse diploma legal dizer ser “proibida a comunicação comercial em serviços da sociedade da informação, na imprensa e outras publicações impressas, que vise ou tenha por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos e recargas, com exceção das publicações destinadas exclusivamente aos profissionais do comércio de cigarros eletrónicos e recargas, e das publicações que sejam impressas e publicadas em países terceiros, se essas publicações não se destinarem principalmente ao mercado da União Europeia.»

    Para o regulador, com a publicação daqueles textos no Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, existe a finalidade de promover uma marca [Tabaqueira], uma imagem [responsabilidade social, defensora do ambiente, promotora da Ciência através de tecnologia para consumo de tabaco supostamente menos lesiva] e, consequentemente os produtos/ serviços por esta distribuídos, promovendo o engagement do leitor com a marca.”

    Na deliberação, encabeçada pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, acrescenta-se que “ainda que se possa considerar que o conteúdo ali veiculado não é promovido através de publicidade tradicional, não deixa de ser um conteúdo patrocinado por uma marca que visa a distribuição e venda de produtos de tabaco.”

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    E a ERC não tem dúvida que se trata de publicidade, ainda que encapotada. “Quando uma empresa que tem como atividade principal, a venda de cigarros, com ou sem combustão, promove incessantemente campanhas em prol da saúde, está a promover, ainda que indiretamente, um produto cuja comunicação comercial é proibida, a pretexto de promover um debate que confunde os leitores e os induz a práticas de promoção e consumo, com o subterfúgio de não se estar a promover um produto”, salienta o regulador na sua deliberação.

    Saliente-se que as tabaqueiras têm usado estratagemas para convencer os consumidores de que o uso dos novos produtos, como o tabaco aquecido, não são prejudiciais à saúde, A própria Organização Mundial de Saúde acusou em Maio de 2020 “a indústria do tabaco de usar um milhão de dólares por hora a tentar vender os seus produtos e de querer viciar cada vez mais jovens em cigarros eletrónicos como se fossem doces.”

    O passo seguinte desta deliberação ERC será a “instauração de processo contraordenacional contra a Global Notícias”, a empresa da Global Media detentora daqueles três periódicos. Em princípio, serão abertos quatro processos de contra-ordenação, tantos quanto as ilegalidades cometidas, ademais face ao facto de estarem em causa três periódicos distintos. Além disso, a ERC determinará ainda se a aplicação das coimas, que podem atingir os 250 mil euros cada, será também paga pela Tabaqueira.

    Recorde-se que hoje o PÁGINA UM noticiou que a ERC iniciou um “procedimento” contra o Público com vista à aplicação de um processo de contra-ordenação pelos mesmo motivos.

    O PÁGINA UM tentou ter a opinião sobre estes processos junto da Tabaqueira, mas sem sucesso.

  • Lei do Tabaco: publicidade encapotada já “queima” o jornal Público

    Lei do Tabaco: publicidade encapotada já “queima” o jornal Público

    A publicação de um conteúdo comercial da Tabaqueira, elogiando o tabaco aquecido, e que coincidiu com o lançamento de um novo sistema daquela empresa, levou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social a instaurar hoje um “procedimento” contra o Público. A multa pode atingir os 250 mil euros.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um “procedimento” contra o Público por violação da Lei do Tabaco que pode resultar na aplicação de uma coima até 250 mil euros. A informação foi confirmada esta tarde ao PÁGINA UM – que revelara essa ilegalidade na quarta-feira passada – pelo Departamento de Supervisão do regulador, que informa também que “a publicação periódica Público foi notificada, nesta data [hoje], para pronúncia sobre os factos descritos”.

    Em causa está a publicação no diário da Sonae, na sexta-feira da semana passada, de um conteúdo comercial da Tabaqueira que promove o consumo de tabaco aquecido e elogia este produto, citando várias vezes o director-geral da empresa, Marcelo Nico, que chegou a destacar o lançamento da “última tecnologia” que começou a ser vendida a partir do dia 4 deste mês.

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    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano.

    O conteúdo não-jornalístico – que antes se denominava publireportagem – pago pela Tabaqueira ao Público termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, apresentando o novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma, a aposta da Philip Morris neste sector, e que começou a ser comercializado no dia 4 deste mês.

    O texto do conteúdo pago aceite pelo Público começa por anunciar que “o tabaco de combustão deverá ter os dias contados”, mas que “são cada vez mais as alternativas que surgem no mercado e que têm como objectivo diminuir o seu consumo, substituindo-o por opções menos nocivas e com a sua eficácia comprovada cientificamente”, adiantando ainda que causa “alguma estranheza” que seja a Tabaqueira a fazer “este esforço”.

    Na semana em que lançou o seu novo sistema de tabaco aquecido, a Tabaqueira conseguiu publicar um conteúdo comercial no Público a elogiar a nova tecnologia por si desenvolvida.

    O director-geral da Tabaqueira, o argentino Marcelo Nico, surge também sempre a transmitir uma atitude de autoridade em matéria científica, de que é exemplo a seguinte afirmação: “É uma tecnologia [referindo-se implicitamente ao IQOS Iluma] com menos cheiro, que não necessita de limpeza, que é mais intuitiva, e que resolve alguns dos problemas encontrados pelos utilizadores de tabaco aquecido. Podemos afirmar que a nossa empresa, hoje, é caracterizada pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. E a tecnologia é, sem dúvida, o que distingue esta nova geração”.

    Saliente-se que a lei define “publicidade ao tabaco” como “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo directo ou indirecto de promover um produto do tabaco ou o seu consumo”.

    Além da questão da publicidade proibida, as alegadas vantagens do tabaco aquecido não estão provadas. Por exemplo, em 2 de Abril de 2019, uma dúzia de sociedades científicas – incluindo as Sociedades Portuguesas de Pneumologia, de Cardiologia, de Oncologia, de Pediatria, de Estomatologia e Medicina Dentária, de Medicina Interna, de Medicina do Trabalho e de Angiologia e Cirurgia Vascular – emitiu uma posição extremamente crítica sobre os produtos de tabaco aquecido, relembrando que contêm à mesma “nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados”

    A ERC vem agora dizer que, “em virtude da análise prévia do referido artigo [conteúdo pago da Tabaqueira], considera-se que os factos alegados poderão constituir violação” da denominada Lei do Tabaco. A coima está compreendida entre um mínimo de 30 mil e um máximo de 250 mil euros, além de eventuais sanções acessórias. O valor pode vir a ser aplicado tanto ao Público como à Tabaqueira.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário do director do Público, mas não obteve resposta.

    Também contactada a Tabaqueira, não houve sequer interesse em passar o telefonema para o gabinete de comunicação desta empresa. A comunicação electrónica, entretanto enviada pelo PÁGINA UM para o endereço geral da Tabaqueira, questionando se a empresa iria suspender este tipo de publicidade, ainda não teve qualquer reacção.

  • Jornal Público permite publicidade “encapotada” ao tabaco aquecido

    Jornal Público permite publicidade “encapotada” ao tabaco aquecido

    É ilegal desde 2005, mas a crise está a empurrar os media para engenhosas tentativas de contornar a lei. Na semana passada, o diário Público autorizou um conteúdo comercial da Tabaqueira onde são tecidos controversos elogios ao tabaco aquecido e se anuncia uma nova tecnologia. Nem de propósito, a subsidiária da Philip Morris começou a comercializar na semana passada o seu novo sistema IQOS Iluma.


    O jornal Público aceitou publicar na sexta-feira passado um conteúdo comercial da Tabaqueira que promove o consumo de tabaco aquecido e elogia este produto, citando bastamente o director-geral da empresa, Marcelo Nico, que destacou o lançamento da “última tecnologia” que começou a ser vendida a partir do dia 4 deste mês.

    A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano.

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    Actualmente, depois de uma actualização da legislação para incorporar o consumo de tabaco sem combustão, a violação dos normativos de publicidade implica coimas entre 30 mil e 250 mil euros para pessoas colectivas, podendo os processos ser instaurados pela Direcção-Geral do Consumidor ou pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). A ser aplicada uma coima, pode ser subsidiariamente aplicada à Tabaqueira e ao Público.

    O conteúdo não-jornalístico – que antes se denominava publireportagem – pago pela Tabaqueira ao diário da Sonae termina mesmo com uma foto claramente de carácter publicitário, apresentando o novo sistema de tabaco aquecido por indução IQOS Iluma, a aposta da Philip Morris neste sector, e que começou a ser comercializado no dia 4 deste mês.

    Com efeito, na legenda daquela foto faz-se referência ao evento de lançamento da nova geração de tabaco aquecido, destacando a “busca incessante” da Tabaqueira dos “insights, da recolha e análise de dados que permitiu a criação da tecnologia avançada SmartCore Induction System, graças à qual o tabaco é aquecido através de indução e a partir de dentro, sem ser preciso lâmina”. E conclui: “O que acontece é uma experiência optimizada e sem resíduos de tabaco ou necessidade de limpeza.” 

    Na semana em que lançou o seu novo sistema de tabaco aquecido, a Tabaqueira conseguiu publicar um conteúdo comercial no Público a elogiar a nova tecnologia por si desenvolvida.

    O texto do conteúdo pago aceite pelo Público começa por anunciar que “o tabaco de combustão deverá ter os dias contados”, mas que “são cada vez mais as alternativas que surgem no mercado e que têm como objectivo diminuir o seu consumo, substituindo-o por opções menos nocivas e com a sua eficácia comprovada cientificamente”, adiantando ainda que causa “alguma estranheza” que seja a Tabaqueira a fazer “este esforço”.

    Ao longo de cinco parágrafos, incluindo quatro citações do director-geral da Tabaqueira, encontram-se sete referências explícitas ao tabaco aquecido, sempre em tons encomiásticos. Exemplo disto é o seguinte parágrafo: ”A PMI [Philip Morris International] e, subsequentemente a Tabaqueira, assumem-se como pioneiras a nível global no lançamento de produtos de tabaco aquecido. Desde 2016 que o trabalho tem sido desenvolvido nesse sentido e hoje, 6 anos depois, são 70 os países onde se encontra disponível. ‘Portugal foi o 4º país onde foi lançado, e agora é o 6º onde iremos lançar a última tecnologia que temos. Que é uma tecnologia melhor, seja para os fumadores que passam para o tabaco aquecido, quer para os restantes fumadores’, partilha Marcelo Nico, acrescentando em seguida que Portugal se encontra à frente nesta transição, contando já com 400 mil utilizadores de tabaco aquecido.”

    O director-geral da Tabaqueira surge também sempre a transmitir uma atitude de autoridade em matéria científica, de que é exemplo a seguinte afirmação: “É uma tecnologia [referindo-se implicitamente ao IQOS Iluma] com menos cheiro, que não necessita de limpeza, que é mais intuitiva, e que resolve alguns dos problemas encontrados pelos utilizadores de tabaco aquecido. Podemos afirmar que a nossa empresa, hoje, é caracterizada pela ciência, pela tecnologia e pela inovação. E a tecnologia é, sem dúvida, o que distingue esta nova geração”.

    Saliente-se que a lei define “publicidade ao tabaco” como “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objetivo directo ou indirecto de promover um produto do tabaco ou o seu consumo”.

    Saliente-se, além da questão da publicidade, que as alegadas vantagens do tabaco aquecido não estão provadas. Por exemplo, em 2 de Abril de 2019, uma dúzia de sociedades científicas – incluindo as Sociedades Portuguesas de Pneumologia, de Cardiologia, de Oncologia, de Pediatria, de Estomatologia e Medicina Dentária, de Medicina Interna, de Medicina do Trabalho e de Angiologia e Cirurgia Vascular – emitiu uma posição extremamente crítica sobre os produtos de tabaco aquecido, relembrando que contêm à mesma “nicotina, substância altamente aditiva que existe no tabaco, causando dependência nos seus utilizadores, para além de estarem presentes outros produtos adicionados que não existem no tabaco e que são frequentemente aromatizados”

    Conteúdo comercial da Tabaqueira termina com foto claramente publicitária.

    Estas entidades alertaram ainda que o uso de tabaco aquecido “permite imitar o comportamento dos fumadores de cigarro convencional, podendo haver o risco de os fumadores alterarem o seu consumo para estes novos produtos em vez de tentarem parar de fumar”. E acrescentaram que “do ponto de vista de segurança e do risco para a saúde, actualmente não existe evidência que demonstre que os PTA [produtos de tabaco aquecido] são menos prejudiciais do que o cigarro convencional”.

    Em 27 de Junho passado, a Tabaqueira já tivera um conteúdo pago na secção Estúdio P, mas não fazia referências explícitas a um produto do tabaco, focando-se sobretudo nos resultados de um inquérito sobre ciência patrocinado pela Philip Morris Internacional.

    Em todo o caso, mesmo esse texto acabava por ser indirectamente elogioso ao tabaco aquecido, embora nunca o citando. No texto destacava-se, por exemplo, que os resultados daquele estudo eram “relevantes no panorama actual, especialmente quando confrontados com a legislação dos produtos de tabaco e da nicotina, um sector onde os inquiridos – tanto consumidores e não consumidores – acreditam que os produtos alternativos podem ter um papel importante na redução do impacto social e para a saúde dos produtos de tabaco.” E acrescentava ser “uma visão partilhada pela Philip Morris International e a sua subsidiária portuguesa Tabaqueira, que têm vindo a desenvolver produtos sem combustão, no âmbito da sua estratégia de redução de risco.”

    Contactada pelo PÁGINA UM, a Direcção-Geral do Consumidor diz que, “tratando-se de um conteúdo editado pelo meio de comunicação visado, similar a texto noticioso, compete à Entidade Reguladora para a Comunicação Social fazer respeitar os princípios e limites legais aos conteúdos difundidos pelas entidades que prosseguem atividades de comunicação social”. Essa visão, contudo, é redutora, uma vez que a legislação incumbe ambas as entidades na função de “fiscalização das matérias relativas à publicidade”.

    O PÁGINA UM tentou ainda obter durante a tarde de hoje uma reacção junto da ERC, mas não a obteve em tempo útil.

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    Eduardo Cintra Torres, crítico de media e especialista no sector da publicidade, defende que “a publicidade em forma de conteúdo jornalístico [como sucede com os textos no Estúdio P] é um género praticado há mais de um século, e é aceite por todas as partes”, acrescentando que, na sua opinião, no caso concreto do conteúdo comercial da Tabaqueira está “correctamente identificado como patrocinado”.

    Este professor universitário diz que se mostra evidente “um problema no conteúdo em si mesmo, dado que promove publicitariamente um produto cuja publicitação está proibida, o tabaco aquecido.”, dizendo ainda que “a Direcção-Geral do Consumidor deveria estar atenta e é sua obrigação agir neste caso”, tal como a ERC, “dado que se trata de uma utilização ilegal de um media.”

    O PÁGINA UM também enviou um pedido de comentários ao director do Público, Manuel Carvalho, sem resposta.

  • Governo até já faz contratos com jornalistas (com carteira profissional activa)

    Governo até já faz contratos com jornalistas (com carteira profissional activa)

    Nuno Ramos de Almeida foi convidado para dirigir um jornal com o objectivo de divulgar projectos financiados por um programa governamental, estando a ser pago pela Presidência do Conselho de Ministros, por via de uma contratação por ajuste directo. O jornalista não suspendeu a carteira profissional e não vê qualquer incompatibilidade. Abre-se uma caixa de Pandora.


    São dezenas os profissionais de imprensa que, invariavelmente, em cada mandato governamental, saltitam das redacções para as assessorias governamentais ou de entidades públicas. E, em muitos casos, depois regressam ao posto original, ou seguem para outras paragens.

    Para aqueles que têm mais de 10 anos de jornalismo, a lei até permite que mantenham o seu estatuto, mesmo que não seja a profissão principal, mas há incompatibilidades que não são aceites, como seja as assessorias políticas e comerciais – enfim, as que ponham em causa a sua independência. E não apenas para o proteger de desconfianças, mas para proteger toda a classe.

    O Programa Bairros Saudáveis é um projecto governamental, que deveria ter terminado em 2021, mas continua activo.

    Por isso, invariavelmente, todos os jornalistas quando entram em funções nessas circunstâncias entregam o seu título (carteira) na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) enquanto desenvolvem as actividades incompatíveis. Suspendem, enfim, a sua actividade. E nunca se apresentam como jornalistas nem as entidades os contratam ou os apresentam como tal.

    Nunca, excepto agora, com uma inédita contratação do jornalista Nuno Ramos de Almeida.

    Jornalista com vasta experiência, tendo sido editor-executivo no jornal i e no semanário Sol entre 2011 e 2018, Ramos de Almeida foi agora contratado em finais de Setembro por ajuste directo para “prestar serviços de jornalista no âmbito do Programa Bairros Sociais”, através da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros.

    O valor do contrato é de 9.000 euros por um prazo de três meses, tendo como função a direcção do Jornal dos Bairros Saudáveis, a partir de um programa de iniciativa governamental presidida pela arquitecta Helena Roseta. Como o site, que não deverá ter registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, por não ter carácter noticioso, tem ainda poucos conteúdos, será previsível que o contrato de Ramos de Almeida venha a ser prorrogado. A opção por um contrato trimestral com um valor médio mensal de 3.000 euros aparenta ter sido uma forma de isentar a redução a escrito do contrato, uma exigência a partir dos 10.000 euros.

    Nuno Ramos de Almeida

    Em todo o caso, a contratação de Nuno Ramos de Almeida era já um desejo do gabinete de Helena Roseta, depois deste jornalista ter regressado do Luxemburgo no início de 2021 após uma longa experiência como editor-chefe no jornal Contacto.

    Nuno Ramos de Almeida surge agora como correspondente daquele periódico luxemburguês de língua portuguesa, que ganhou em 2020 o prémio de melhor jornal local da Europa atribuído pelo European Newspaper Award. Além disso, colabora com o site informativo da associação AbrilAbril.

    O Programa Bairros Saudáveis é uma aposta pessoal de António Costa, envolvendo seis ministérios, para financiar projetos locais de iniciativa participativa, de modo a melhorar as condições sanitárias, inclusive das comunidades afetadas pela pandemia. Conta com uma dotação de 10 milhões de euros. Não existe qualquer dúvida sobre o carácter governamental do programa e do jornal: os sites respectivos têm o domínio gov.pt.

    O Jornal dos Bairros Saudáveis esteve pensado desde o início, mas por razões desconhecidas a contratação de Nuno Ramos de Almeida foi sendo adiada, até se concretizar em finais de Setembro passado.

    A participação de Nuno Ramos de Almeida neste programa já se iniciou no ano passado, mas como media trainer. Em Maio de 2021 recebeu 7.500 euros pela “prestação de serviços de formação jornalística e edição jornalística”, através de um contrato também não escrito, por ajuste directo. Neste caso, a entidade adjudicante foi a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.

    Contactado pelo PÁGINA UM, Nuno Ramos de Almeida, que ostenta a carteira profissional número 1551, ainda hoje activa na base de dados da CCPJ, diz que as suas “funções não são de assessoria de imprensa do Estado ou do Governo”. Afirmando ter ajudado “a imaginar um site” para divulgação dos projectos dos Bairros Saudáveis, bem como a dar “formação e sensibilização sobre formas de escrita jornalística”, Ramos de Almeida salienta que “neste momento, recebo e edito, com critérios jornalísticos possíveis” os textos enviados pelos beneficiários, sendo esse trabalho feito à distância.  

    António Costa, em Maio do ano passado, numa das iniciativas do Programa Bairros Saudáveis, no Barreiro.

    Considerando que não se encontra em incompatibilidade por integrar um projecto governamental – e sabendo-se que o jornal pretende divulgar de forma somente meritória as iniciativas financiadas pelo Estado –, Ramos de Almeida defende ainda que “aquilo que faço, a convite das pessoas que coordenam os Bairros Saudáveis e dirigem o jornal, não é nenhuma forma de assessoria, mas uma tentativa de ajudar projectos sociais de valor e com a participação das suas populações a noticiarem o que fazem de uma forma jornalística.”

    Instado a comentar se essas funções de comunicação – um dos pilares do marketing, cujas acções são proibidas aos jornalistas – não o deveriam levar a suspender a carteira profissional de jornalista enquanto estivesse nessas funções, Ramos de Almeida reitera que, na sua opinião não vislumbra qualquer incompatibilidade. “Não estou a fazer nem publicidade, nem assessoria de comunicação, nem sou titular de nenhum órgão de soberania”, diz, enfatizando que, na sua opinião, não trabalha para a Presidência do Conselho de Ministros – entidade que o contratou – nem para o Governo nem para nenhum ministério. Contudo, assegura agora que vai pedir à CCPJ “um parecer a esse respeito”.

  • Exclusivo P1: A Manuel Pizarro Consultadoria vai vender loja… a Manuel Pizarro

    Exclusivo P1: A Manuel Pizarro Consultadoria vai vender loja… a Manuel Pizarro


    Ficará tudo em casa. Ou perto de casa. A loja adquirida em 2020 pela empresa do ministro da Saúde, na freguesia portuense de Ramalde, vai ser comprada agora pelo próprio Manuel Pizarro. A informação foi revelada esta sexta-feira pelo gabinete do Ministério da Saúde ao PÁGINA UM, após vários dias de insistência.

    “O comprador será o próprio Manuel Pizarro, por ser a solução que permite, de forma mais célere, concretizar a venda e dissolver a empresa”, diz fonte oficial do Ministério da Saúde. Sem resposta ficam, contudo, várias questões pertinentes em redor da aquisição desta loja com 51,20 metros quadrados, e não de 31,80 metros quadrados como consta no esclarecimento revelado à imprensa pelo gabinete de Manuel Pizarro durantee sta semana.

    Prédio onde se localiza a loja comprada pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020,. Manuel Pizarro vai comprar a si próprio.

    Recorde-se que o imóvel em causa localiza-se no número 360 da Avenida das Congostas, na freguesia de Ramalde, a poucos metros da residênca oficial do ministro da Saúde na cidade do Porto. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

    Nessa medida, vender a loja a um terceiro com demasiada rapidez poderia ser um mau negócio pessoal para o ministro. A venda do imóvel é fundamental para dissolver uma empresa que necessita de realizar uma liquidação integral dos seus activos, ou seja, que tudo fique sob a forma de dinheiro corrente para que sejam cobertos eventuais passivos e depois distribuído o remanescente pelos sócios.

    O ministro da Saúde não revela a quem foi feita a compra em 2020, nem o mês da sua concretização, nem o valor em causa. Nem qual o valor da venda a si próprio. O PÁGINA UM fez no dia 4 de Outubro um pedido de consulta do registo predial permanente da fracção em posse da Manuel Pizarro Consultadoria, para conhecer o histórico das transacções, mas o Instituto dos Registos e do Notariado (INR) não concedeu acesso ao fim de três dias. O tempo de resposta é de dois dias, conforme se refere no recibo do pedido.

    Embora as transacções não sejam assim (ainda) públicas, a loja consta no activio da Manuel Pizarro Consultadoria como valendo cerca de 35 mil euros. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com os preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

  • Afinal, a empresa do ministro da Saúde esteve sempre activa em 2020 e 2021

    Afinal, a empresa do ministro da Saúde esteve sempre activa em 2020 e 2021

    O PÁGINA UM foi olhar para a empresa de consultadoria que Manuel Pizarro garante não ter actividade desde Março de 2020. Mas, na verdade, actividade houve: o ministro fartou-se de indicar o 514710659, o número fiscal da sua empresa, para a carregar de despesas, de modo a obter benefícios fiscais, como a dedução do IVA e possíveis reportes de prejuízos em exercícios futuros.


    A empresa de consultadoria de Manuel Pizarro manteve actividade ao longo dos anos de 2020 e 2021, ao contrário das declarações do novo ministro da Saúde ao jornal Público.

    Uma análise aos quatro relatórios e contas da Manuel Pizarro Consultadoria, Lda. – criada em 15 de Março de 2018 pelo governante em parceria com Artur Rocha Viana (quota de 30%) – revela que esta sociedade, mesmo não tendo receitas ao longo de 2021, registou sempre as suas despesas nos dois últimos anos do exercício. Ou seja, a empresa do ministro pode não ter facturado nada desde Março de 2021, como declarou ao Público, mas ele nunca se esqueceu de pedir facturas em compras e serviços para as meter como despesas na dita. E não foram poucas.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde e actual gerente da Manuel Pizarro Consultadoria, Lda., da qual detém 70% do capital social.

    Com efeito, no ano passado, em que não houve receitas, foram apresentadas despesas em fornecedores e serviços externos de 10.217 euros, enquanto em 2020 surge um montante de 17.698 euros, num período em que as receitas foram de 26.000 euros.

    O montante destas despesas em fornecedores e serviços externos no ano de 2020 indicia que estas abarcaram também os meses dos segundo, terceiro e quatro trimestres, quando a empresa já deixara de facturar, ou seja, de obter receitas. Em 2018 e 2019, a Manuel Pizarro Consultadoria facturou exactamente 58.000 e 64.000 euros, respectivamente, com despesas em fornecedores e serviços externos de 19.537 euros e 29.135 euros, respectivamente.

    Como as despesas com pessoal foram relativamente baixas (cerca de 11 mil euros nos dois anos), os lucros foram razoáveis: 26.361 euros em 2018 e 21.820 anos em 2019. Em 2020 baixaram para 5.710 euros.

    Manuel Pizarro declarou ontem ao Público que a “empresa não tem actividade desde Março de 2020”.

    E foi esse bom desempenho que permitiu a Manuel Pizarro adquirir o imóvel que o ministro diz agora ser o único empecilho para a dissolução imediata da empresa. O imóvel é, na verdade, uma pequena loja no número 360 da Avenida das Congostas, na freguesia portuense de Ramalde – a poucos metros da residência do ministro da Saúde – com uma área de 51,20 metros quadrados, e não de 31,80 metros quadrados como diz o esclarecimento ontem enviado à imprensa pelo gabinete de Manuel Pizarro.

    O ministro da Saúde ainda não respondeu ao PÁGINA UM sobre os contornos desta aquisição, que apenas surge no balanço da sua empresa em 2020, ou seja, no exacto ano em que Manuel Pizarro alega que a sua empresa deixou de ter actividade.

    O preço de compra desta loja em 2020 não foi revelado pelo gabinete do ministro, embora esteja reconhecido um montante na ordem dos 35 mil euros nos balanços de 2020 e 2021 da Manuel Pizarro Consultadoria. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com os preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

    Prédio onde se localiza a loja comprada pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020, e que é agora o “empecilho” para a dissolução imediata da empresa

    A manutenção de uma sociedade sem quaisquer receitas não é ilegal, e esta pode sempre apresentar livremente despesas. Por exemplo, nada invalida que uma empresa fique dois ou mais anos sem facturar e depois consiga um contrato. Ou seja, a sociedade tem actividade fiscal, embora seja passiva. Aliás, uma empresa como a Manuel Pizarro Consultadoria – que o ministro se apressa a querer dissolver –, tem direito a pedir reembolsos de IVA.

    Sem facturar e com despesas, obviamente a sociedade terá prejuízos, como se verificou com a empresa do ministro no ano passado, que apresentou resultados líquidos negativos de 11.855 euros. Porém, como seria o caso da Manuel Pizarro Consultadoria, a dissolução não seria a melhor opção financeira.

    Na verdade, se um empresário não necessitar para a sua vida quotidiana dos lucros adquiridos nos anos anteriores – e ficarem acumulados no capital próprio da sociedade –, pode sempre ir desviando para o seu “bolso” o valor das despesas que imputar à empresa, tais como as despesas pessoais compatíveis com actividade profissional (alimentação, alojamento, viagens, etc.).

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    Os prejuízos acumulados por essa via podem acabar por ser um bónus no futuro. Se a empresa recomeçar a actividade e passar a ter novamente lucros – mesmo que com outros sócios e outra designação – pode usufruir de um reporte fiscal, ou seja, os prejuízos acumulados nos cinco anos anteriores serão abatidos à matéria colectável.

    Este estratagema tem sido usado por vários empresários, uma vez que pode mesmo ser bastante lucrativo vender uma sociedade sem facturação e sem passivo relevante (sem dívidas à banca, ao Estado ou a fornecedores, por exemplo) e com alguns anos de prejuízos por força da contabilização de despesas pessoais compatíveis com actividade profissional.

    Como nessa circunstância, esses prejuízos “comem” apenas o capital próprio, a empresa acaba potencialmente por valer muito mais do que o capital próprio deduzido do eventual passivo. Por uma simples razão: um eventual comprador (ou os sócios originais, em caso de reactivação da facturação) tem ali uma chance de reduzir a matéria colectável se conseguir colocar a empresa a funcionar com bom lucro. A título de exemplo, os 11.855 euros de prejuízo da Manuel Pizarro Consultadoria apenas no ano passado têm um “valor potencial” de até quase 3.320 euros. Porém, com a dissolução da empresa, Manuel Pizarro (ou o seu sócio Artur Rocha Viana), essa possível benesse extingue-se.

    O PÁGINA UM colocou um conjunto de questões ao ministro da Saúde sobre este e outros assuntos relacionados com a sua empresa, mas ainda não obteve resposta.

  • Empresa de marido de Ana Abrunhosa só facturou 5.400 euros em 2021

    Empresa de marido de Ana Abrunhosa só facturou 5.400 euros em 2021

    Em artigo de opinião no Público, Ana Abrunhosa diz que Thermalvet estava “disposta a assumir a totalidade do investimento”. Mas em 2021, a empresa do marido da ministra da Coesão Territorial não recebeu ainda o financiamento, e pouco fez, excepto pagar ordenados e criar um impalpável activo intangível. E facturou meros 5.400 euros.


    Engenharia financeira e prejuízos – esta é a realidade empresarial da Thermalvet, a empresa de Idanha-a-Nova dominada por António Trigueiros de Aragão, e que conta como sócio o chinês Zhu Xiaodong, condenado a três anos e três meses de pena suspensa no caso dos “vistos Gold”, como o PÁGINA UM divulgou em primeira-mão na passada quinta-feira.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos relatórios e contas dos últimos exercícios (2020 e 2021) da Thermalvet, criada em Outubro de 2020, a empresa de Trigueiros de Aragão e Zhu Xiaodong praticamente não teve actividade. Em todo o ano de 2021, as vendas e prestações de serviços ascenderam aos 5.400 euros.

    Ana Maria Pereira Abrunhosa Trigueiros de Aragão é ministra da Coesão Territorial desde Outubro de 2019

    Na verdade, a empresa não esteve inteiramente a trabalhar para o “boneco”, porque do ponto de vista contabilístico surge um montante: 62.629 euros em trabalhos para a própria entidade, mas foi para a “construção” de um activo intangível. Se assim não fossem a Thermalvet teria apresentado um prejuízo superior a 67 mil euros, a acrescentar aos 15mil negativos em 2020.

    Ora, mas os activos intangíveis – que estarão relacionados, no caso da Thermalvet, com patentes dos produtos veterinários com recurso a água termal – são activos bastante fluídos, uma vez que representam bens não-monetários sem substância física, sobre os quais pode valer tudo desde que haja imaginação.

    Por exemplo, uma empresa pode contabilizar um montante que corresponde à suposta avaliação da sua marca, ou de uma patente ou software ou até mesmo passes de jogadores. O problema da adequada mensuração dos activos intangíveis surge que quando a própria empresa os sobrevaloriza, e o valor desses activos não são reconhecidos por terceiros.

    António Trigueiros de Aragão, empresário e marido da ministra da Coesão Territorial

    Neste caso, ao ter nas suas contas um activo que vale na realidade menos do que o valor que consta no relatório e contas da sociedade, a empresa tem de reconhecer, mais tarde ou mais cedo, imparidades – ou seja, previsão de perdas devido à diferença entre o valor real do ativo intangível e a sua avaliação feita pela empresa. E pode ser o descalabro financeiro.

    Um outro aspecto que transparece das contas é que a Thermalvet apenas teve a sua candidatura de cerca de 132 mil euros aprovada em 2021, mas as verbas não foram ainda recebidas naquele ano.

    Em todo o caso, do ponto de vista contabilístico, a simples aprovação da candidatura permitiu equilibrar as contas da empresa de Trigueiros de Aragão, uma vez que pôde ser reconhecido um diferimento e, mesmo sem entrada de dinheiro, o activo da empresa aumentou em 132 mil euros.

    Tudo isto conjugado, fez com que a Thermalvet acabasse 2021 com um prejuízo relativamente pequeno (5.018 euros), mesmo se os encargos com pessoal tenham “limpado” cerca de metade do montante da candidatura aos fundos comunitários.

    Com efeito, mesmo sem actividade relevante, ao longo de 2021 a Thermalvet teve 65.599 euros em gastos com pessoal, mesmo com apenas dois empregados, um dos quais a tempo parcial.

    Hoje, a ministra Ana Abrunhosa tentou esvaziar, em artigo de opinião no Público, salientando que “o projeto [da Thermalvet] arrancou depois da submissão da candidatura, no dia 1 de novembro de 2020, antes de obter qualquer apoio, não porque o meu marido soubesse que ia ganhar ou qualquer outra razão pérfida, mas porque a empresa acreditava no potencial comercial do projecto e estava disposta a assumir a totalidade do investimento.”

    Ana Abrunhosa acrescentou ainda ser esta “uma prática normal em empresas com capacidade financeira e que pode ser comprovada através de consulta à página do Portugal 2020, onde se encontram variadíssimos exemplos de projetos que iniciaram a execução antes de terem apoios aprovados.”