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  • ‘Quando o Marcelo sair de Belém, meto-lhe umas barbas e fica a substituir-me’

    ‘Quando o Marcelo sair de Belém, meto-lhe umas barbas e fica a substituir-me’

    Com o espírito irreverente e mordaz de Brás Cubas, esta entrevista imaginária com o Pai Natal é um mergulho numa sátira mordaz ao estado do mundo. Num diálogo que oscila entre o humor ácido e a crítica social, o velho símbolo natalício revela uma visão cada vez mais desanimada sobre o presente e o futuro, mas sem nunca perder a centelha de esperança que carrega no seu mítico saco, excepto a partir de momentos em que lhe falam dos seus conflitos em terras eslavas. A partir de um optimismo, embora cauteloso, garantindo que o seu saco está cheio – nem que seja de esperança –, rapidamente a conversa descamba…. Eis uma conversa que desafia o riso e o desconforto, expondo verdades universais sob o véu da sátira. Uma leitura natalícia para quem ainda acredita – ou quer acreditar – na magia da bondade humana.


    BRÁS CUBASMeu caro Pai Natal, que honra tê-lo comigo. Comecemos pelo básico: o saco ainda vem cheio de presentes este ano, ou as coisas andam escassas por conta da inflação?

    PAI NATAL – O saco está sempre cheio, Brás Cubas, nem que seja de esperança! Ainda há quem acredite que o espírito natalício é mais forte do que qualquer crise. Afinal, há sempre algo que não se compra: amor, saúde, união…

    Amor e saúde? Em 2024? Confesse, não trouxe desses presentes para o pessoal do Serviço Nacional de Saúde em Portugal, pois não?

    Ah, Brás, eu bem tento, mas a lista de espera para receber saúde é maior do que a minha lista de meninos bons! Mas acredito que com diálogo e boa vontade, as coisas se resolverão.

    Boa vontade? Essa gente na política portuguesa acha que é coisa que se embrulha? Diga-me, no seu trenó, já viu mais promessas não cumpridas do que crianças a dormir à meia-noite, certo?

    Bom, promessas são como flocos de neve: bonitas de longe, mas derretem depressa. Ainda assim, prefiro acreditar que há políticos que querem fazer o bem… Não me peça nomes, que estou cansado de decorar listas.

    Conversa imaginária entre Brás Cubas e o Pai Natal para o PÁGINA UM,

    Passemos a temas internacionais. Tem visitado Israel e a Palestina nestes dois últimos anos? Sei que não haverá muitos cristãos que o acolham. Além disso, não deve haver muitos motivos para as crianças brincarem, não é?

    Ah, Brás, essa é uma das paragens mais difíceis. Levo para lá alguns brinquedos, sim, mas também muitas orações. Infelizmente, cada ano que passa, parece que entrego mais esperanças que se quebram. Já começo a achar que o meu saco anda cheio de ilusões e não de soluções…

    E sobre a guerra na Ucrânia?

    Não me quero pronunciar.

    Ouvi dizer que, nos últimos anos, anda em guerras por terras eslavas com o Ded Moroz, que já conseguiu expulsar de partes da Ucrânia. Tem planos para invadir a Rússia para o expulsar daí também?

    A conversa estava a correr tão bem, Brás…

    Certo. Como estamos em espírito natalício, não abordaremos esses seus pecadilhos beligerantes… Falemos então dos outros políticos que lutam mais pela guerra do que pela paz. Que lhes tem para oferecer?

    Ai, ai… Carvão” E não chegaria para tanta gente. Entre líderes que jogam à roleta com vidas humanas e países que fazem discursos e vendem armas ao mesmo tempo, quem sobra são os inocentes. Aliás, ando com vontade de trocar o trenó por um tanque!

    Vamos então ao ambiente, que é tema quente. O Ártico, a sua casa, continua a derreter? Mas gostava também de lhe perguntar o que sente ao ver os políticos portugueses preocupados com o plástico nos areais, mas esquecidos do betão nas falésias?

    Ah, Brás… Até as renas já me pedem um plano de contingência! Mas a hipocrisia também é muita. Portugal, tal como outros países, gosta de dar umas voltas às políticas ambientais, mas aquilo que gostam é de plantar árvores em conferências e deixar depois as florestas arderem…. Enquanto isso, temo que as minhas renas precisem de aulas de natação nos próximos tempos…

    Pai Natal em luta contra Ded Moroz, algures em terras russas.

    Falta de educação, é o que é… Mas falemos então do ensino em Portugal. Vai entregar livros escolares gratuitos ou não acha que seria mais prioritário ensinar mais ética política às crianças?

    Os livros gratuitos são uma ideia bonita, mas ética política? Ai, Brás, essa é uma utopia que nem eu consigo fabricar na oficina. Entre uma criança que acredita em mim e um deputado que acredita no povo, prefiro a primeira.

    Falando em acreditar: acha que o Almirante Gouveia e Melo faz bem em acreditar que vai ser o novo Presidente da República em 2026?

    Brás, ó pá, estás a querer que eu entre na política portuguesa de vez? Olha, se o Gouveia e Melo quiser ser Presidente, que me leve as renas a tiracolo. Ao menos são honestas e sabem trabalhar em equipa, não se importando com a falta de ética.

    Será ele um Marcelo Rebelo de Sousa ao contrário?

    Credo! Eu não quero chamar o diabo para escolhas. Este tipo pareceu-me sempre um duende hiperactivo: sempre em todo o lado, sempre a apertar mãos, sempre a dar abraços e sempre a distribuir simpatia até à exaustão. Não dele, mas de quem o recebia. Não deve haver português que não tenha uma selfie com ele… Quando o Marcelo sair de Belém, meto-lhe umas barbas e fica a substituir-me.

    E a Justiça? Com tantas operações policiais, mas depois tudo a ficar em banho-maria, não acha que daqui a nada vai haver mais prescrições do que quilos de bacalhau na Consoada?

    Justiça em Portugal? Oh, Brás, aqui vou ser sincero. A justiça portuguesa anda tão lenta que as renas já se oferecem para puxar o sistema judicial. Mas só se for mesmo, mesmo urgente, porque temos as férias judiciais a respeitar, claro.

    Pai Natal, está-me a parecer afinal desanimado. Começou nesta entrevista a falar-me do seu saco estar cheio de esperança… Daqui a nada ainda me diz que os portugueses nem têm espírito natalício, que é tudo negócio

    Brás, o português tem espírito natalício… para sacar o décimo terceiro mês, que é até o décimo quarto salário… e até à fatura da luz de Janeiro. Aí, transforma-se num pequeno Grinch a resmungar sobre subsídios e impostos.

    Agora falemos em aspectos mais prosaicos. Sei que tem sido pressionado por associações de defesa dos animais por causa da exploração das renas. Já equacionou pedir apoio do Estado português para eletrificar o trenó?

    Apoio? Ah, Brás, até parece que não me conhece! Se pedisse apoio ao Estado, ainda estava a preencher formulários quando o Natal de 2030 chegasse.

    Estou a ficar preocupado com o rumo desta entrevista. Acho que será melhor ficarmos por aqui… Mas antes de terminar: se pudesse dar um presente ao Mundo, qual seria?

    Ah, meu caro… Antes eu diria “Paz e Amor”. Agora? Talvez um bom par de chapadas bem dadas em certos líderes mundiais. Que tal?

    Pai Natal, atrevo-me a perguntar: está a ficar com mau feitio?

    E quem não ficaria, Brás? Ano após ano a mesma ladainha: promessas não cumpridas, injustiças que se multiplicam, gente que só quer enganar o outro. Quer saber? Já nem saco trago no próximo ano! Dou-lhes é um… Bom, deixa… Que vá tudo pastar no deserto, incluindo os meus duendes! Raios que partam todos.


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  • Em 17 municípios mais de um em cada 10 residentes veio do estrangeiro nos últimos seis anos

    Em 17 municípios mais de um em cada 10 residentes veio do estrangeiro nos últimos seis anos

    O fluxo migratório recente em Portugal tem sido quase generalizado, com apenas 11 concelhos com mais emigração do que imigração entre 2018 e 2023, de acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM aos dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE). E há outros aspectos sociológicos bastante relevantes: apesar de as grandes cidades receberam mais imigrantes, a dinâmica migratória é muitíssimo mais intensa em determinados concelhos rurais, particularmente nas áreas agrícolas dos distritos de Lisboa, Santarém e Leiria, para além do muito ‘badalado’ município de Odemira. Num contexto em que a imigração passou a ser uma ‘luta ideológica’ sobre segurança, na verdade há um debate que continua adiado: como integrar imigrantes em áreas rurais com evidente escassez de serviços públicos e de habitação devido aos desinvestimentos nas últimas décadas?


    O forte fluxo migratório dos últimos anos, proveniente sobretudo da imigração, está a causar uma mudança sociocultural muito mais profunda nos concelhos rurais do que nos municípios urbanos, mesmo os das áreas metropolitanas. Esse fenómeno está sobretudo concentrado em determinadas zonas associadas à agricultura dos distritos de Lisboa, Santarém e Leiria, embora, fora destas regiões, Odemira e Vila Velha do Ródão se destaquem.

    Embora os dados absolutos do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre saldo migratório entre 2018 e 2023, analisados pelo PÁGINA UM, indiquem que, grosso modo, os imigrantes se estejam a concentrar, em termos absolutos, nas principais cidades portuguesas, certo é que a sua distribuição tem sido generalizada a todo o país. E daí, em muitos municípios rurais, com a agricultura ainda com peso significativo, a presença de imigrantes acaba por se mostrar bastante mais relevante.

    Apesar de os dados anuais disponibilizados pelo INE não indicarem o número de imigrantes que entram por ano em cada concelho nem o número daqueles que saem (emigração) – mas apenas o saldo migratório, ou seja, a diferença entre imigração e emigração –, o somatório desses saldos num determinado período temporal em função da população constitui um indicador bastante razoável (embora até por defeito) sobre como a dinâmica migratória afecta a evolução demográfica e social local. Convém referir que este saldo migratório do INE não reflecte as migrações internas, isto é, as mudanças interanuais entre concelhos. Em todo o caso, este somatório do saldo migratório representa um indicador expedito da atractividade das diversas regiões.

    Farm Workers Setting up a Tunnel at a Farm

    E, de facto, se é certo que, desde 2018, foram os municípios urbanos que contabilizaram números mais elevados de dinâmica migratória (favorável às entradas), mostra-se surpreendente que haja municípios rurais onde os fluxos relativos são bastante superiores. Aliás, um aspecto ainda mais surpreendente se salienta na análise aos dados do INE: mesmo com o saldo natural bastante negativo em grande parte do país, o saldo migratório é positivo na generalidade do território nacional, com poucas excepções. Com efeito, no somatório dos fluxos migratórios entre 2018 e 2023, apenas 11 concelhos, entre 308, apresentaram mais saída do que entradas, a saber: Castelo de Paiva (-2 pessoas), Vila Franca do Campo (-24), Arouca (-52), Barrancos (-53), Portalegre (-76), Cinfães (-91), Resende (-101), Peso da Régua (-118), Baião (-216) e Felgueiras (-770).

    Estes casos isolados revelam, assim, uma nova faceta demográfica de Portugal, com um país a crescer em número de pessoas, mas com saldos naturais negativos. Exemplo disso sucede em Lisboa, que apesar de ter mais mortes do que nascimentos, registou um saldo migratório acumulado, entre 2018 e 2023, de 15.606 pessoas, sendo apenas ultrapassado pelo Porto, que teve um aumento de 18.398 indivíduos neste período. Os restantes oito concelhos do top 10 dos saldos migratórios acumulados são todos urbanos, do eixo Porto-Braga e da Área Metropolitana de Lisboa, a saber: Vila Nova de Gaia (+10.386 indivíduos), Braga (+10.011), Seixal (+9.450), Sintra (+8.404), Maia (+8.106), Cascais (+7.979), Torres Vedras (+7.894) e Matosinhos (+7.589). Esta dezena de municípios representa quase um quarto (23,3%) do total do fluxo migratório em todo o país entre 2018 e 2023, que totalizou pouco mais de 445 mil pessoas.

    Mas se os municípios das grandes cidades aparentam mostrar um maior grau de atracção, por apresentarem maiores saldos absolutos, o impacte sociodemográfico destas dinâmicas migratórias depende muito da dimensão dos concelhos e da sua atractividade em termos de emprego. Assim, se se considerar a população estimada para o ano de 2023 pelo INE – 10.639.726 habitantes – e um fluxo migratório acumulado (2018-2023) positivo de 445.449 pessoas, pode considerar-se que aproximadamente 4,2% da actual população m Portugal vivia no estrangeiro nos últimos seis anos.

    Municípios com maior saldo migratório acumulado absoluto entre 2018 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Saliente-se, porém, que este valor será uma aproximação à realidade, uma vez que se um imigrante, que se instalou inicialmente num determinado concelho, se deslocar para outro concelho português em ano posterior, não será novamente detectado nesta ‘contabilidade’ do INE, uma vez que passa a ser um mero ‘migrante interno’ como pode suceder a qualquer cidadão nado e sempre criado em Portugal. Se morrer, o efeito demográfico, porque ‘contribui’ para a redução populacional, mantendo-se a ‘contribuir’ para o fluxo migratório do período em análise.

    Por outro lado, tem de se considerar que o saldo migratório em cada município é o valor líquido da imigração deduzida a emigração (saída para o estrangeiro), pelo que o número de imigrantes (e concomitantemente da percentagem na população total) pode até pecar por defeito. Em todo o caso, o peso do fluxo migratório em função da população residente no ano mais recente constituirá um bom indicador das transformações demográficas e sociais em curso nas diferentes regiões do país.

    Considerando isto, os concelhos de maior dimensão – e com maior fluxo migratório absoluto – estão longe, ao contrário da percepção mediática, de ser aqueles com maior introdução relativa de imigrantes na população local. Com efeito, do top 10 em termos dos municípios com maior fluxo migratório absoluto no último sexénio, Torres Vedras – que tem ainda fortes características rurais e uma actividade agrícola relevante (uma das principais fontes de emprego dos imigrantes) – ocupa apenas a 28ª posição na lista global em termos de percentagem do fluxo migratório em função da população. Com uma população residente de cerca de 88 mil habitantes, o saldo migratório entre 2018 e 2023 foi de 7.894 pessoas, resultando assim em 9% do total.

    O segundo concelho deste leque com maior percentagem é o Porto: 7,4%, colocando-se na 60ª posição a nível nacional. Dos restantes concelhos do topo 10 em termos de saldo migratório, a ‘diluição’ da imigração é ainda maior, ou seja, o seu peso demográfico sente-se menos. Acima da média nacional (4,2%) estão Maia (5,7%), Seixal (5,5%), Braga (5,0%). Matosinhos, por sua vez, coincide com a média, enquanto abaixo encontram-se Vila Nova de Gaia (3,3%), Lisboa (2,8%) e Sintra (2.1%). Ou seja, os dois maiores concelhos de país (Lisboa e Sintra) não evidenciam uma grande alteração sociodemográfica proveniente da imigração dos últimos seis anos.

    De facto, com algumas excepções, têm sido as regiões mais rurais a assistir a uma maior chegada relativa de imigrantes, causando uma inversão nos fluxos demográficos. Durante largas décadas, os municípios e regiões tradicionalmente mais ligados ao sector primário foram registando perdas populacionais tanto por vida do saldo migratório como do saldo natural. Mas tal inverteu-se. A região com maior dinâmica migratória no período 20178-2023 foi o Oeste: teve um saldo migratório positivo de 37.041 pessoas numa população estimada no ano passado de 399.396 habitantes, o que representa 9,5% do total, ou seja, mais do dobro do valor registado a nível nacional. O Alentejo Litoral também contabilizou um fortíssimo dinamismo para tão curto período: saldo migratório positivo de 8.428 pessoas numa população em 2023 da ordem dos 101 mil habitantes, ou seja, 8,3% do total. Um pouco mais atrás surge a região da Lezíria do Tejo com 7,8%.

    As regiões mais urbanas, onde se inserem Lisboa e Porto, apresentam valores substancialmente mais baixos. A Área Metropolitana de Lisboa, apesar de ter registado um saldo migratório acumulado no período 2018-2023 de quase 99 mil pessoas, esse número pesa apenas 3,3% no total da sua população no ano passado (cerca de 2,96 milhões de habitantes). No caso da Área Metropolitana do Porto, esse peso é um pouco maior (4,5%), resultante de um saldo migratório acumulado de 80.858 pessoas numa comunidade de cerca de 1,8 milhões de pessoas.

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    No extremo oposto, as duas regiões no Continente com menor fluxo de imigrantes são ambas do Norte: Tâmega e Sousa e ainda Ave, cujo peso do saldo migratório acumulado na população estimada em 2023 foi de apenas de 0,6% e 1,8%. Os Açores também se mostram ainda pouco atractivos: no conjunto, o arquipélago registou um saldo migratório acumulado de 4.448 pessoas numa população de pouco mais de 241 mil habitantes.

    Porém, é numa análise municipal que se revelam as diferentes dinâmicas, muito dependentes dos distintos factores de atractividade ligadas, obviamente, ao emprego mais associado à população imigrante. Assim, até por ser uma das zonas mais ‘badaladas’, o concelho com maior fluxo migratório relativo no último sexénio (2018-2023) é Odemira. Para uma população de 33.124, estimada para o ano passado neste concelho alentejano, houve um saldo migratório positivo de 5.487 indivíduos. O cruzamento destes dois indicadores demográficos aponta assim para que 16,6% da população agora residente em Odemira terá chegado a partir do estrangeiro nos últimos seis anos.

    O segundo concelho com maior percentagem no fluxo migratório em função da população é outro concelho rural: Vila Velha de Ródão. Apesar do fluxo ser da ordem do meio milhar de pessoas em seis anos (556 indivíduos), a sua população cifrou-se apenas em 3.515 habitantes, pelo que o peso do indicador do saldo migratório na população é de 15,8%. Se se descontar o Corvo (a pequena ilha açoriana teve um saldo migratório positivo de 64 pessoas numa população de 435 habitantes), praticamente todos os municípios que registam um fluxo migratório acumulado com um peso superior a 10% da população são da região mais agrícola dos distritos de Lisboa, Leiria e Santarém, a saber: Óbidos (14,6%), Sobral de Monte Agraço (14,4%), Bombarral (13,7%), Vila de Rei (13,3%), Vila Nova da Barquinha (13,1%), Cadaval (12,8%), Salvaterra de Magos (11,8%), Pedrógão Grande (11,7%), Arruda dos Vinhos (11,6%), Lourinhã (11,3%), Alenquer (10,8%), Benavente (10,7%) e Entroncamento (10,1%). A única excepção neste lote é o município algarvio de Aljezur (10,7%), na ‘área de influência’ das explorações agrícolas da região de Odemira.

    Municípios com maior peso do saldo migratório acumulado entre 2018 e 2023 em função da população residente em 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Nos concelhos com maior população, e mais urbana, esta dinâmica não se faz sentir tanto; muito pelo contrário. O primeiro município com mais de 100 mil habitantes – num total de 25 – que apresenta um maior peso do saldo migratório acumulado nos últimos seis anos face à sua população é o Porto, com 7,4%. E apenas mais cinco municípios desta dimensão apresentam valores acima da média nacional: Valongo (6,3%), Maia (5,7%), Seixal (5,5%), Leiria (5,1%) e Braga (5,0%).

    Este é, aliás, um sinal evidente de um fenómeno social inédito em Portugal: uma forte imigração nos anos mais recentes está a compensar o êxodo rural que marcou as últimas décadas, estando as regiões menos urbanizadas com maior poder relativo de atracção. Mas, do outro lado da moeda, estão os desafios de integração dos imigrantes em comunidades mais conservadoras e em regiões que, nas últimas décadas, foram sendo afectadas por desinvestimentos (e abandonos) no sector dos serviços públicos e mesmo na habitação.


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  • Quarto processo judicial: o perseguido vai passar a ‘perseguidor’

    Quarto processo judicial: o perseguido vai passar a ‘perseguidor’


    Não sei se cometo algum crime de violação de segredo de justiça, mas, se assim for, que estas palavras sejam enquadradas no artigo 32º do Código Penal, que estatui que “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.

    Esta quinta-feira, dia 26 de Setembro, vou mais uma vez prestar depoimento (ou manter-me em silêncio nesta fase) por uma queixa judicial. Se a memória não me falha, esta será a sexta vez em menos de três anos. Em dois dos processos, houve desistência, três vão avançar para julgamento até porque eu não quis abertura de instrução, que poderia levar ao arquivamento. Estou tão convicto do rigor e justeza do meu trabalho que quero provar esse rigor num tribunal através de uma absolvição.

    Mas há limites para a paciência – e para dar a face. O processo agora em causa resulta, pelo que apurei, de uma queixa da Apifarma (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica), da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos, e deverá estar relacionada com artigos que fui escrevendo desde Dezembro de 2022 sobre uma famigerada campanha de solidariedade denominada ‘Todos por quem cuida’.

    woman in dress holding sword figurine

    A dita campanha teve como principais mentores três pessoas em concreto: Ana Paula Martins – então bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e actual ministra da Saúde –, Miguel Guimarães – então bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado e vice-presidente da bancada parlamentar do PSD – e ainda Eurico Castro Alves – actual presidente da secção do Norte da Ordem dos Médicos e, entre outras funções, ‘anfitrião’ nas recentes férias brasileiras do primeiro-ministro Luís Montenegro.

    As notícias originaram-se de uma investigação jornalística do PÁGINA UM que inclui a necessidade de uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, uma vez que as entidades envolvidas quiseram esconder os documentos operacionais e contabilísticos. Na análise dessa documentação, acedida por ordem de um tribunal, foi possível apurar que os três envolvidos abriram uma conta pessoal (e não institucional) para gerir os dinheiros da campanha (cerca de 1,3 milhões de euros provenientes de sócios da Apifarma), enganaram o Ministério da Administração Interna sobre a titularidade dessa conta, não pagaram imposto de selo (10% dos montantes acima dos 500 euros), houve facturas falsas em nome da Ordem dos Médicos (a facturação foi feita em nome da Ordem dos Médicos, mas os pagamentos não saíram de lá, mas sim da conta particular, havendo assim condições para a criação de um ‘sazo azul’) e houve ainda declarações falsas para obtenção indevida de benefícios fiscais.

    Uma vez que os três envolvidos (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves) são profissionais de saúde, deveria ter havido declarações dos montantes recebidos das farmacêuticas no Portal da Transparência e Publicidade, gerido pelo Infarmed; mas tal nunca sucedeu nem o presidente do regulador se mostrou interessado em abrir um processo. A verba amealhada também serviu para um pagamento de serviços do Hospital das Forças Armadas como retribuição da administração de doses de vacinas contra a covid-19 a médicos não-prioritários, contra a norma em vigor da DGS e com o beneplácito activo de Gouveia e Melo.

    Uma súmula deste caso escansaloso pode ser lido nesta notícia recente, embora as primeiras tenham sido publicadas em Dezembro de 2022.

    Durante meses, procurei saber se o Ministério Público abrira qualquer processo. No ano passado, enviei quatro e-mails; este ano foram mais dois. Fiz entretanto, uma denúncia informal. Nada. Silêncio absoluto. O Ministério Público nada fez, pelo menos que seja do meu conhecimento.

    Ana Paula Martins e Miguel Guimarães.

    Mas vai fazer agora, mas ao contrário, tal como já fez com as acusações de Gouveia e Melo, e de mais outra da Ordem dos Médicos (em ‘parceria’ com Miguel Guimarães, Filipe Froes e Luís Varanda) e ainda outra do médico e ‘humanitarian doctor’ Gustavo Carona. Porque, nesses casos, achou por bem acompanhar as acusações, porque é muito mais fácil: basta em meia-dúzia de linha seguir o que dizem os queixosos. Aliás, num dos processos, a magistrada até escreve que o PÁGINA UM é um jornal de se vende em banca, o que exemplifica o grau e qualidade da investigação do Ministério Público…

    Tendo em conta a dimensão do PÁGINA UM, e o facto de eu ser um ‘outsider’ – e não visto com particular simpatia pelos colegas de profissão, até pela minha postura crítica sobre as promiscuidades e erros dos media –, sou um alvo apetecível para aquilo que se denomina  SLAPP – acrónimo, que faz lembrar estalo (slap), para Strategic Lawsuit Against Public Participation. Consiste isto em processos de intimidação, perseguição e silenciamento, quase sempre recorrendo a processos judiciais ou similares, não apenas para desacreditar vozes independentes como para lhes causar danos patrimoniais.

    Na verdade, arrisco-me a que, dentro de pouco tempo, a minha vida seja andar de tribunal em tribunal, de julgamento em julgamento, ainda por cima porque, em abono da verdade, como o Ministério Público não investiga sobre muitos dos ‘casos de política’ que o PÁGINA UM revela (e a outra imprensa intencionalmente não os expande), dá sinais aos infractores para me tentarem silenciar.

    Pois bem, a minha estratégia vai mudar, e existem condições para o anunciar. Embora o papel do jornalismo (e do jornalista) não seja o de ter uma intervenção directa sobre os casos que denuncia – significando assim que, por princípio, um jornalista não deve ser o ‘denunciante’ junto do Ministério Público –, a partir de agora vou começar a apresentar, em casos concretos, denúncias formais junto da Procuradoria-Geral da República. Há, na forja, uma dezena de casos concretos, que serão, em breves anunciados, até porque revelaremos as queixas formais na Procuradoria-Geral da República.

    Deste modo, casos como os da campanha ‘Todos por quem cuida’, envolvendo figuras gradas, podem sempre resultar em investigações contra mim por alegada difamação, mas terão também de resultar em investigações formais do Ministério Público contra os visados.

    adult tan and white American pit bull terrier
    Um jornalista deve ser um simples ‘watchdog’, mas quando o Ministério Público não age, tem de se mudar a estratégia.

    Mostra-se intolerável que, de entre as largas dezenas de ‘casos de polícia’ que o PÁGINA UM tem noticiado em quase três anos, não haja nenhum (com o meu conhecimento) que tenha levado a uma investigação séria da polícia criminal (e do Ministério Público), enquanto eu, à conta disto, tenha já quatro (ou mais) processos judiciais à perna. E tenho a consciência de ter cumprido todos os preceitos de rigor e isenção como jornalista.

    Em suma, a partir de agora, estou pronto para muitas e mais mordidelas nas canelas; mas não posso é aceitar que o Ministério Público cruze os braços quando o PÁGINA UM escreve. Vai ter de descruzar.

    Se os leitores do PÁGINA UM continuarem a manter a confiança e a alargar a base de apoio financeiro, este será um compromisso pessoal, que faremos auxiliados por uma equipa de advogados, porque a democracia defende-se não com cravos na lapela um dia por ano, mas por acções concreta em defesa de direitos, incluindo a liberdade de imprensa.


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  • Nova SBE: Ministro das Infraestruturas ‘abandonou’ fundação com prejuízos crónicos e sem contas aprovadas desde 2021

    Nova SBE: Ministro das Infraestruturas ‘abandonou’ fundação com prejuízos crónicos e sem contas aprovadas desde 2021

    Com o nome oficial de Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a marca Nova SBE tem atravessado fronteiras pela excelência do ensino e investigação. Porém, nesta ‘casa de economistas’ optou-se por uma estratégia pouco ortodoxa, que espantaria um merceeiro, a partir de uma fundação mista (pública e privada) com vista à construção e gestão do campus de Carcavelos. Resultado, em menos de uma década, a Fundação Alfredo de Sousa soma prejuízos de quase 9 milhões de euros, fluxos financeiros absurdos, um vazio de liderança e os relatórios e contas de 2022 e 2023 sem estarem aprovados, quando já se está na segunda metade de 2024. Neste caso, uma ‘herança’ deixada por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas, que foi presidente (CEO) da fundação entre 2021 e início deste ano, mas que ocupava já um cargo de administrador desde 2017. João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, também renunciou à presidência do Conselho de Curadores. Ninguém quis esclarecer ou comentar as trapalhadas detectadas pelo PÁGINA UM.


    Em casa de ferreiro, se o forjador for adepto de Frei Tomás – aquele frade que bem pregava o que fazer, mas que não fazia –, só de pau se espera um espeto. Já da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) – ou mais propriamente da fundação que gere desde 2018 o campus de Carcavelos –, uma das mais conceituadas escolas superiores públicas nacionais e internacionais de Economia e Finanças, poder-se-ia imaginar, num cenário tenebroso, que, enfim, nos fossem apresentadas ‘contas de merceeiro’. Porém, nem isso sucede, porque, em abono da verdade, e do rigor, estando o relógio universal a começar a segunda semana de Agosto de 2024, as contas dos exercícios de 2022 e 2023 ainda nem foram sequer aprovadas.

    Nesses anos, essa tal fundação – baptizada Alfredo de Sousa, em homenagem ao primeiro reitor da UNL – foi presidida por Miguel Pinto Luz, então vice-presidente da autarquia de Cascais e agora ministro das Infraestruturas e Habitação. Pinto Luz ocupou o cargo de administrador desta entidade pelo menos desde 2017, assistindo assim ao acumular de prejuízos crónicos, que, na hora da sua entrada no Governo, se aproximavam já dos 9 milhões de euros. Porém, embora este seja o ‘problema’ mais sonante, muitos mais acumula o modelo de negócio gizado há cerca de uma década para gerir as modernas instalações da Nova SBE. E surgem mesmo indicadores sobre uma ‘dissolução’ desta Fundação, que serviu sobretudo para acelerar a construção do campus sem passar pelas ‘burocracias’ do Código dos Contratos Públicos.

    Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

    Criada em Dezembro de 2015, a Fundação Alfredo de Sousa teve como fundadores empresas privadas, nomeadamente o Banco Santander – que prometia entrar com donativos para o fundo patrimonial de 6,3 milhões de euros, mas que tem sobretudo ganho bom dinheiro com juros de empréstimos –, a Jerónimo Martins – que avançou com 5 milhões de euros – e a Sindcom (actual Arica, da família Soares dos Santos, que disponibilizou um milhão de euros –, bem como pequenas participações da própria Nova SBE (10 mil euros), e da autarquia de Cascais (162.400 euros). Neste último caso, a ‘comparticipação’ do município foi em espécie, sob a forma de cedência por 50 anos dos terrenos para a instalação do campus universitário defronte ao mar. Esse valor, por força de um processo judicial relacionado com o baixo valor da expropriação daqueles terrenos, acabaria por implicar um reforço da ‘participação’ da Câmara Municipal de Cascais, uma vez que se viu ‘obrigada’ a revalorizar os terrenos para cerca de 9,7 milhões de euros.

    Independentemente desta questiúncula, o projecto de construção do campus da Nova SBE em Carcavelos avançou rapidamente, até porque a Fundação Alfredo de Sousa não tinha de cumprir as normas do Código dos Contratos Públicos. As obras de maior monta foram directamente entregues às construtoras Alves Ribeiro e HCI. Inicialmente, o projecto entusiasmou muitos mecenas, que, com ou sem interesses futuros, foram sendo generosos em donativos. Só em 2016, a Fundação recebeu doações de mais de 2,5 milhões de euros para aplicar na construção do campus.

    Em Setembro do ano seguinte, o projecto, que tinha uma estimativa inicial de custos da ordem dos 50 milhões de euros, levaria mais um ‘balão de oxigénio’ com um empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 16 milhões de euros. A cerimónia de assinatura desse contrato contou mesmo com a presença do então comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, e do vice-presidente do BEI, Román Escolano. A sintonia entre o director da Nova SBE, Daniel Traça, do então presidente da Fundação Alfredo de Sousa, Pedro Santa Clara, e do presidente da autarquia de Cascais, Carlos Carreiras, era evidente: todos remavam no mesmo sentido.

    Banco Europeu de Investimento e Santander foram as instituições bancárias, que a par de doadores, permitiram a construção do campus de Carcavelos em moldes poucos usuais.

    Mas nem só de empréstimos do BEI e de donativos foi vivendo a Fundação. Em 2017 teve duas importantes ‘injecções’: um financiamento de 12,5 milhões de euros do Santander – que, só por aí, pelos juros a receber, beneficiou de ser um fundador – e um adiantamento de quase 9,9 milhões de euros por parte da Nova SBE relativo a um contrato de promessa de compra e venda da fracção do campus. Nesse ano de 2017, os donativos atingiram cerca de 1,3 milhões de euros. Por via do empréstimo, o Santander ficou com a hipoteca dos direitos de cedência do terrenos camarários. Saliente-se que, neste período, o presidente (dean) da Nova SBE era Daniel Traça, que a partir de 2018 acumulou com as funções de administrador do Santander.

    Já com Miguel Pinto Luz na administração da Fundação, como vogal, o campus de Carcavelos teve inauguração com ‘festa rija’ e presença de Marcelo Rebelo de Sousa. E à boa moda portuguesa acabou por custar 63 milhões de euros, mais 13 milhões do que inicialmente previsto, entre construção (55 milhões), tecnologias de informação (5,2 milhões) e mobiliário e painéis fotovoltaicos (2,6 milhões). Mas como foi ano de inauguração, a derrapagem foi compensada com quase 18,5 milhões de euros em donativos do mundo corporativo e de antigos alunos.

    Mas depois da festa, começaram a vir as receitas. Mas poucas, ou pelo menos poucas em comparações com os custos e outros gastos. Sem meios humanos e know-how para fazer autonomamente a gestão do campus – que passaria a ser a sua única receita, porque as propinas dos alunos mantiveram-se na Nova SBE –, a Fundação Alfredo de Sousa concessionou grande parte dos espaços do ‘seu’ campus a empresas privadas, recebendo também rendas da própria Nova SBE. Nesse ano, esta instituição sem fins lucrativos – ou seja, não distribui dividendos se tiver lucros – obteve receitas da ordem dos 1,5 milhões de euros, mas isso mais do que se esfumou em fornecimentos externos e em depreciações. Resultado: no seu primeiro ano de actividade operacional, a Fundação aumentou mais 635 mil euros os prejuízos.

    Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.

    Apesar de ter ficado estabelecido a reformulação do modelo de governo do campus de Carcavelos, aparentemente tudo ficou na mesma, o que significa que 2019, o primeiro ano completo de gestão por parte da Fundação, acabou no vermelho: prejuízo de quase 1,8 milhões de receitas, porque os rendimentos não chegaram aos 3,6 milhões de euros, sobretudo por via de rendas, mas com os fornecimentos e serviços externos (2,7 milhões de euros), as depreciações (1,9 milhões de euros) e os juros (mais de 950 mil euros) a pesarem muito negativamente nas contas.

    Um ‘merceeiro’ diria logo que isto se mostrava insustentável, mas pouco ou nada se mudou no ano seguinte. Na verdade, só piorou, por causa da pandemia, embora o então presidente do Conselho de Curadores da Fundação Alfredo de Sousa, João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, se mostrasse optimista e orgulhoso dos resultados da Nova SBE nos rankings da especialidade. E também do reconhecimento do estatuto de utilidade pública pelo Governo, o que implicava, a partir daí, vantagens fiscais, mas também obrigações de transparência, a começar com a divulgação pública das contas.

    E as contas de 2020 ainda foram divulgadas. Então com Nuno Fernandes Thomaz a presidir – que viria a falecer no ano seguinte – e ainda com Miguel Pinto Luz como vogal, a Fundação, que já não andava com contas saudáveis, acabou por ter a ‘obrigação’ de conceder donativos à própria Nova SBE. Nesse ano atingiram cerca de 1,65 milhões de euros. Mesmo com os custos dos serviços externos a diminuírem significativamente por força dos lockdowns e demais restrições da pandemia, as contas da Fundação em 2020 derraparam mais uma vez: prejuízo de cerca de 1,95 milhões de euros.

    Espaço exterior do campus de Carcavelos. (Foto: D.R.)

    Em Maio de 2021, Miguel Pinto Luz assumiria a presidência (CEO) da Fundação, e foi mais do mesmo. Ou seja, mais prejuízos: cerca de 1,3 milhões de euros, mantendo-se o passivo em nível bastante elevado (quase 39 milhões de euros). Nesse ano, a Fundação doou cerca de um milhão de euros à Nova SBE, o que se mostra absurdo numa instituição sem fins lucrativos, que nem sequer podem distribuir ‘dividendos’ quando der lucro, mas que, neste estranho modelo, pode doar dinheiro a um fundador minoritário quando tem prejuízos acumulados. Aliás, o absurdo é ainda mais sabendo-se que a Nova SBE é, na verdade, formalmente a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, que é fundação pública
    com regime de direito privado.

    Depois de 2021, deixou então de haver relatórios e contas, contrariando a lei das entidades de utilidade pública. O PÁGINA UM solicitou na segunda-feira passada o acesso às contas de 2022 e 2023 da instituição – que, formalmente, tem apenas dois empregados, mas conta nove administradores, sem remuneração fixa –, quer à própria Fundação Alfredo de Sousa quer à Nova SBE. Na terça-feira à tarde, fonte oficial da Nova SBE remeteu os dois relatórios de 2022 e 2023, ambos datados de Abril deste ano, mas ainda sem todas as assinaturas de todos os administradores, o que constitui condição para aprovação. E, aparentemente, sem o necessário parecer prévio do Conselho de Curadores, que foi presidido pelo reitor da UNL, João Sàágua, mas que se demitiu desse cargo em Fevereiro deste ano, sem se conhecer a causa. E sem haver substituto conhecido.

    De igual modo, actualmente existe um vazio na própria liderança da Fundação Alfredo de Sousa, após a entrada de Miguel Pinto Luz no Governo Montenegro em Abril passado. Os relatórios não formalmente aprovados de 2022 e 2023 já não têm sequer o nome do actual ministro das Infraestruturas. Contudo, pelo menos, o primeiro destes relatórios, referente a 2022, deveria ser por si assumido, bem como a falha pela sua não-aprovação em devido tempo, ou seja, na primeira metade de 2023.

    Daniel Traça, antigo presidente da Nova SBE, foi o grande impulsionador do modelo de gestão assumido pela Fundação Alfredo de Sousa para o campus de Carcavelos, que acabou por ser um bom negócio para o Santander, instituição bancária onde exerce as funções de administrador . (Foto: D.R.)

    Na análise desses relatórios (não aprovados), mostra-se que os prejuízos continuaram, embora tenham passado de 867 mil euros em 2022 para apenas 8.587 euros no ano passado, muito por via da revogação de despesas anteriormente assumidas pela Fundação na realização de mestrados, que transitaram para a Nova SBE, sem se saber se foi ‘decisão’ pacífica. No relatório não aprovado de 2023 faz-se referência a um “novo modelo de governo entre a Nova SBE e a Fundação Alfredo de Sousa, tendo sido constituído ao abrigo do mesmo um Conselho Consultivo entre as duas instituições”.

    De qualquer modo, além da actual situação financeira da Fundação Alfredo de Sousa ser pouco saudável, com prejuízos acumulados de 8,7 milhões de euros e um passivo de 31 milhões de euros – nada elogiosa para uma universidade que se coloca na elite das escolas das ciências económicas a nível mundial –, acresce o vazio da sua liderança, sem presidente (CEO) do Conselho de Administração desde Abril, e o aparente desinteresse tanto da Nova SBE como da ‘casa-mãe’, a UNL.

    Com efeito, além da renúncia de João Sàágua do Conselho de Curadores – que tem um papel de orientação relevante na estratégia da instituição –, o actual presidente da Nova SBE, Pedro Oliveira, nunca quis, ao contrário do seu antecessor (Daniel Traça), assumir qualquer lugar na administração da Fundação Alfredo de Sousa.

    Desinteresse evidente, e aí generalizado, abrangeu todos os responsáveis associados às matérias aqui expostas pelo PÁGINA UM. Apesar de ter, mesmo sem presidente, oito membros do Conselho de Administração em funções, ninguém da Fundação Alfredo de Sousa quis prestar esclarecimentos. De igual modo, alegando fonte oficial o decurso do período de férias, ninguém da Nova SBE se mostrou disponível. Em todo o caso, o actual dean desta instituição universitária, Pedro Oliveira, esteve esta segunda-feira na rádio Observador numa longa entrevista sobre inteligência artificial,

    Pedro Oliveira, actual presidente da Nova SBE, nem sequer ocupa, por opção, o cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa.

    Por sua vez, não houve também resposta do gabinete do reitor da UNL aos pedidos de comentário do PÁGINA UM, ficando-se assim sem saber os motivos para João Sàágua nem sequer mostrar curiosidade em saber qual a estratégia futura da fundação gestora do campus de Carcavelos, uma vez que saiu do Conselho de Curadores. Da parte de Miguel Pinto Luz, que foi sempre o ‘operacional’ da autarquia de Cascais na Fundação Alfredo de Sousa – e é o responsável máximo pelos atrasos da aprovação das contas de 2022 e 2023 –, veio o silêncio.

    Saliente-se que, apesar de existir a referência à renúncia deste governante nos relatórios ainda não aprovados, o nome do actual ministro das Infraestruturas ainda consta na lista dos beneficiários efectivos da Fundação Alfredo de Sousa, não havendo também qualquer informação da sua renúncia ao cargo nos registos dos actos societários e de outras entidades, consultados pelo PÁGINA UM.

    N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.


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  • PÁGINA UM: novo ciclo com redobrada vontade

    PÁGINA UM: novo ciclo com redobrada vontade


    Iniciamos hoje um novo ciclo do PÁGINA UM, que espero, com a ajuda dos leitores, que seja muito breve. Não é um recuo, não é por desmotivação; é por necessidade, diria, estratégica para, face a um projecto que se pretendeu sempre auto-sustentável financeiramente (apenas com o apoio dos leitores), reacertar o rumo em prol do jornalismo independente.    

    Ao invés de mantermos, num esforço titânico, uma periodicidade diária com poucas notícias, artigos de opinião, entrevistas e outros conteúdos, passaremos a ‘renovar’ integralmente o jornal numa periodicidade quinzenal. A primeira edição com a nova periodicidade será já o próximo dia 8 de Agosto.

    A opção seria contratar mais jornalistas, mas isso implicaria compromissos financeiros que arriscavamos não cumprir, inviabilizando os princípios do PÁGINA UM, obrigando-nos ao endividamento. Não temos dívidas; não queremos ter dívidas, por ser essa a porta para a perda de independência.

    flat ray photography of book, pencil, camera, and with lens

    Na prática, o PÁGINA UM pouco reduzirá a sua ‘produção’; apenas funcionaremos como um tradicional jornal quinzenal, talvez com mais impacte no dia da sua saída, mas que pode perfeitamente prolongar-se ao longo dos dias seguintes. Aliás, como já sucede com algumas notícias. Por exemplo, a notícia de anteontem sobre a TVI continua, ainda agora, com uma muito assinalável leitura.

    Vamos querer, em pouco tempo, passar para uma periodicidade semanal e, se as condições o permitirem, retomar a edição diária com mais conteúdos, até para potenciar ao máximo a nossa nova redacção. Os leitores e apoiantes são um factor importante, tal como têm sido ao longo do nosso percurso.

    Assim, a partir do dia 8 de Agosto, a cada duas semanas, e sempre às quintas-feiras, colocaremos em linha uma investigação em manchete, mais sete notícias sobre assuntos relevantes, a reportagem histórica do jornalista Rui Araújo, o editorial, as rubricas do Serafim e do Brás Cubas, mais seis artigos de opinião, incluindo o podcast ‘Alterações Mediáticas’, da Elisabete Tavares, bem como os textos (mais ou menos regulares) de José Melo Alexandrino (e estou particularmente ‘ansioso’ em vos poder mostrar o seu próximo, que muito útil se afigura para reflectirmos sobre os limites que alguns querem impor à imprensa), Vítor Ilharco, Luís Gomes, Ruy Otero e Tiago Franco, sem prejuízo de outras colaborações.

    Teremos ainda, quinzenalmente, quatro entrevistas, incluindo a Hora Política (com uma figura pública) e duas conversas com escritores no âmbito da Biblioteca do PÁGINA UM. Posso já anunciar, até por já estarem gravadas, as entrevistas ao escritor Rui Cardoso Martins e à tradutora (e ex-editora) Ana Maria Pereirinha.

    Na secção da Cultura, também renovada quinzenalmente, contaremos com as colaborações de Clara Pinto Correia, de Lourenço Cazarré, de Sílvia Quinteiro e de Bruno Rama, além do meu próprio ‘baú de dispersos’. E teremos também as recensões, com as críticas habituais de Ana Luísa Pereira, Maria Carneiro, Paulo Moreiras, Mariana Santos Martins e Natália Constâncio, entre outros colaboradores mais fortuitos.

    E, claro, serão mantidas, esperando com a regularidade que merece, os podcasts ‘Os economistas do diabo’, os debates entre mim e o Luís Gomes, e ‘O estrago da nação’, as discussões, com a minha moderação possível, entre o Tiago Franco e o Luís Gomes.

    Em simultâneo, vamos reactivar as conversas e contactos com os nossos leitores e apoiantes, que infelizmente, na azáfama destes quase mil dias de existências (desde 21 de Dezembro de 2021), fomos perdendo.

    Não pensem, por tudo isso, que estamos a fraquejar. Pelo contrário, muito pelo contrário. Estamos bem vivos, e queremos assim continuar. E mostrar que podem apostar em nós. Estamos prontos para incomodar, para continuar a incomodar: como deve(ria) todo o Jornalismo que (se) presta.


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  • ‘Julian Assange tem sido um canário na mina de carvão’

    ‘Julian Assange tem sido um canário na mina de carvão’

    Num momento em que a Justiça britânica está a decidir se extradita para os Estados Unidos o jornalista Julian Assange, o fundador da Wikileaks, o PÁGINA UM entrevistou a sua mulher Stella Assange. A advogada e activista dos direitos humanos não tem dúvidas de que o pico da era de liberdade de imprensa e de liberdade de expressão no mundo ocidental já passou e avisa que o mundo ocidental tem vindo a cair numa espiral de censura, cada vez mais sofisticada. Julian Assange, actualmente com 52 anos, foi detido há quase cinco anos, encontrando-se numa prisão de alta segurança em Londres e num estado muito debilitado, física e psicologicamente. O pedido de extradição dos Estados Unidos serve para julgar Assange por ter publicado em 2010 no Wikileaks informação confidencial que denunciava crimes de guerra. Um dos desejos de Stella, confessou ao PÁGINA UM, depois da desejada libertação de Julian Assange – que recentemente recebeu o apoio do chanceler alemão Olaf Scholz – será uma visita conjunta a Portugal.

    O PÁGINA UM divulga já na íntegra o vídeo da entrevista a Stella Assange conduzida pela jornalista Elisabete Tavares, em inglês, estando também na plataforma Spotify. Ainda hoje, o PÁGINA UM publicará a entrevista editada em português, em formato de texto.


    Veja aqui o vídeo completo da entrevista a STELLA ASSANGE conduzida pela jornalista Elisabete Tavares.


    Se preferir, pode ouvir aqui a entrevista integral a STELLA ASSANGE no Spotify.


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  • Taxas de mortalidade nos idosos: primeira quinzena de 2015, 2017 e 2021 foram piores

    Taxas de mortalidade nos idosos: primeira quinzena de 2015, 2017 e 2021 foram piores


    O PÁGINA UM fez um rápido diagnóstico da primeira quinzena de 2024 apenas para saber se estamos ou não a viver um novo período dramático. Na verdade, alguns dos números da mortalidade dos grupos mais idosos impressionam mas só se mostram assustadores em valores absolutos. Caso se calcule a taxa de mortalidade, conclui-se que, além de 2021, os anos de 2015 e 2017 até tiveram uma pior primeira quinzena. Mas convém relembrar que Portugal continua com valores continuamente elevados desde 2020, e tal não seria suposto suceder. O problema não está a ser Janeiro, mas sim tudo o resto, a começar pela forma como se geriu a pandemia e a acabar no obscurantismo do Ministério da Saúde que nunca quer mostrar dados detalhados.


    Seriam expectáveis valores menos elevados como consequência ‘favorável’ do morticínio de 2021 (compensação demográfica), mas apesar dos laivos de prenúncio de histeria a recordar os tempos da pandemia, a mortalidade na primeira quinzena de 2024 somente assusta, do ponto de vista do impacte na Saúde Pública, olhando os números absolutos. Até ao dia 15 de Janeiro, é certo que já se registaram quatro dias acima dos 500 óbitos e não houve nenhum abaixo da fasquia dos 400. Aliás, o último dia que não ultrapassou este número foi na antevéspera do último Dia de Natal, o que constitui uma série longa de persistente mortalidade.

    Contudo, se retirarmos da ‘equação’ o ano de 2021 – com Janeiro a ser o mês mais letal dos últimos 100 anos –, a primeira quinzena de 2024 para os mais idosos está a ser menos ‘perigosa’ do que os períodos homólogos de 2015 e 2017. É certo que os 3.456 óbitos de maiores de 85 anos impressiona (está a apenas menos 416 do que em 2021), e é um número bem superior às 2.829 e 2.905 mortes contabilizadas, respectivamente em 2015 e 2017. Porém, nesses anos, Portugal não tinha tantos super-idosos.

    two men playing chess

    De acordo com as estimativas populacionais do Instituto Nacional (INE), viviam 268.598 pessoas com mais de 85 anos em 2013, enquanto em 2022 apontava-se para as 365.364. Isso significa que, calculando a taxa de mortalidade para a primeira quinzena de cada ano, em 2015 registaram-se cerca de 101 óbitos por cada 10.000 pessoas desta faixa etária, enquanto em 2017 foi de 95,4. Considerando um crescimento populacional entre 2022 e 2023 similar ao período anterior – o INE ainda não apresentou estimativas para o ano de 2023 –, a primeira quinzena de 2024 acaba por ser menos mortífera: quase 93 mortes por cada 10.000 pessoas com mais de 85 anos.

    Em todo o caso, esta taxa de mortalidade é substancialmente superior ao período homólogo de 2022 e 2023 (65,8 e 73,00 óbitos por 10.000 habitantes), mas também se deve ao forte impacte da pandemia. Na primeira quinzena de 2021, a taxa de mortalidade para este grupo etário foi de cerca de 112 por 10.000 habitantes, e a segunda quinzena até haveria de ser pior. Saliente-se que o aumento relativo anual de super-idosos refreou significativamente: antes de 2020 estava acima de 3%, e nos anos da pandemia ficou abaixo, tendo sido de apenas 2,2% entre 2021 e 2022.

    Se observarmos o grupo dos 75 aos 84 anos, o cenário até se mostra ligeiramente mais favorável a 2024, uma vez que há quatro anos com maior taxa de mortalidade na primeira quinzena do ano. Assim, enquanto para os primeiros 15 dias do ano em curso se regista uma taxa de mortalidade de 23,2 por 10.000 pessoas desta faixa etária, em 2021 foi de 29,7, em 2015 atingiu os 27,2, em 2017 alcançou os 25,1 e em 2018 fixou-se nos 23,4. O valor deste ano, visto em termos de taxa de mortalidade, aparenta estar em linha com os anos anteriores, com excepção do ano de 2021.

    Óbitos, estimativa da população e taxa de mortalidade (por 10.000 habitantes) entre 2014 e 2024 para a primeira quinzena de Janeiro. A taxa de mortalidade foi calculada com o valor da população estimada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) do ano anterior. Para 2024 estimou-se a população de 2023 (ainda não apresentada pelo INE) com base no crescimento do período anterior. Fonte: INE e DGS (SICO). Análise: PÁGINA UM. Ver em maior tamanho.

    Quanto ao grupo dos 65 aos 74 anos, a situação do presente ano é quase semelhante ao da faixa etária subsequente, excepção para 2018 onde a taxa de mortalidade é ligeiramente inferior (8,1 vs. 8,0). Assim, o número de óbitos na primeira quinzena de 2024 para esta faixa etária (953) não é pior, do ponto de vista de Saúde Pública, do que, por exemplo, as 883 mortes neste grupo em 2015, por uma razão relevante: há agora mais quase 160 mil pessoas neste grupo etário.

    Convém referir que esta análise, não apenas por abranger um curto período (15 dias) como por não incluir as causas de morte, apenas teve como objectivo fazer um rápido diagnóstico sobre a situação actual. Aliás, esse é o motivo pelo qual o PÁGINA UM decidiu não apresentar, para já, uma análise ao grupo etário dos 55 aos 64 anos de idade, cujo valor da taxa de mortalidade está a ser superior à generalidade dos anos anteriores para a primeira quinzena de Janeiro, com excepção de 2021.


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