Confirmei também que a palavra gralhas aparece escrita no texto que anuncia a conversa em áudio com um erro. Em vez de gralhas está gralhar. Uma gralha na gralha. Teriam os dois autores feito de propósito? Ou toda a gente tem direito à sua gralha? Mesmo que nas gralhas?
O mundo das palavras e da linguagem tanto pode ser formal como rebelde, até pode ser os dois ao mesmo tempo e por isso declaro o meu amor profundo às palavras e a minha amizade enorme pelos dois intervenientes do podcast que tornam a vida mais gramaticalmente correcta, ainda que também mais politicamente incorrecta. É maravilhoso.
Isto a propósito das palavras usadas pelo primeiro-ministro numa recente conferência em que aproveitou, e já que estava num simpósio cujo título era O Futuro dos Media, organizado pela Plataforma dos Media Privados, para dizer que certos comportamentos dos jornalistas “não valorizam a profissão”, referindo-se ao uso de auriculares por parte dos mesmos e ao facto de receberem perguntas sopradas pelos superiores.
Deixou assim uma espécie de recado para que os jornalistas fossem mais “tranquilos” e “não tão ofegantes”, palavras suas, na hora de insistirem, por exemplo, com perguntas aos primeiros-ministros.
Tranquilos e ofegantes…
Não é que as palavras estejam erradas no contexto, mas…
Referiu-se também ao facto de muitas vezes terem as perguntas escritas no telemóvel, estando a ler no momento do confronto sem sequer olharem de frente para o visado, deixando a entender que não é uma profissão conhecida por ter grande liberdade, pelo menos pelos soldados todo-o-terreno.
Luís Montenegro deve saber bem do que fala e está a mentir. Ou a contar uma inverdade como se costuma eufemisticamente dizer nos corredores dos antigos raios catódicos, isto para usar uma liberdade meio digital… vá. Fica sempre bem.
Toda a gente sabe que os primeiros-ministros gostam é de perguntas originais e incomodativas e até espontâneas vindas dos profissionais da comunicação que estão no plateau. Mas como o primeiro-ministro anda nisto há muito tempo, acha que as perguntas são feitas sempre pelo topo da pirâmide, pirâmide essa que os governos alimentam com dinheiro público.
Não, Luís Montenegro. És, como diz o Presidente, um saloio que não percebe nada de auriculares (sempre quis tratar por tu um chefe de governo).
Assim, não serão muitas as vezes que me verão a defender jornalistas, mas é que aqui, coitados deles, que mais uma vez estão a ser tramados pela mentira, ou pelo conceito de pós-verdade a que se sujeitam enquanto profissionais da palavra (senão mesmo da antiga verdade), e já agora, vitimas do ódio destilado pelos primeiros-ministros sempre cheios de medo dessa classe que qualquer dia só terá lugar cativo em Sundance (para quem não sabe, é um festival de cinema independente com actores de Hollywood).
Para confirmar o que digo, faço um apelo à memória, pedindo para os leitores recordarem a agreste acutilância senão mesmo a severidade generalizada, na hora de os jornalistas questionarem o anterior primeiro-ministro, tanto em estúdio como noutros espaços. Mas quiçá esse estivesse à altura, e até diziam que queria era livrar-se do país, portanto, viessem as balas.
Toda a gente sabe ou devia saber que é mentira. Os jornalistas são conhecidos pela sua independência e pela imaginação na hora de questionar o Poder. São pagos para isso, doa a quem doer, mesmo que seja para arrasar os donos das empresas às quais pertencem.
Como prova disso, o jornalista e pivot João Póvoa Marinheiro deixou isso muito claro quando leu um texto ao finalizar o seu telejornal, em que acentuava o carácter independente do jornalismo. Declaração essa, vinda da direcção de informação da CNN, empresa conhecida pela sua liberdade informativa.
Estou com o jornalismo e com os jornalistas neste episódio rocambolesco em que o primeiro-ministro devia era ser segundo ou terceiro ministro.
Se há coisa à qual os jornalistas ainda não sucumbiram foi à sua singular independência. Há mesmo quem defenda que a classe devia mostrar mais o seu clubismo ou mesmo a sua ideologia, já que falamos também de seres humanos que têm sentimentos e posições políticas em democracia, mas quanto a mim… não.
Devem continuar como estão. A verdade tem sempre um preço e raramente está em saldos.
Está bem, nem sempre vestem muito bem, ok.
Está bem, nem sempre têm a carteira profissional actualizada, ok.
Nem sempre têm uma boa dicção e dou mesmo de barato que alguns escrevam e falem com muitos erros (isto para fazer raccord com o início do texto), e não articulem muito bem certas palavras, mas se há coisa importante a que devem agarrar-se é à autonomia e imparcialidade sempre difícil de manter também por causa de primeiros-ministros que deviam saber que a liberdade informativa é uma pérola fruto de uma conquista com muito derrame de sangue, suor e lágrimas por parte dos profissionais do sector.
Como foi frisado em comunicado por várias redacções e direcções entre as quais a da RTP, os primeiros-ministros não percebem nada de trâmites técnicos e este em particular teve de sujeitar-se a uma humilhação com uma explicação técnica à frente de toda a gente no canal público.
Os auriculares servem para os profissionais perceberem quando estão no ar ou mesmo para ficarem a saber dos atrasos dos primeiros-ministros.
Servem sobretudo para a gestão da logística.
Acredito mesmo que haja jornalistas que enquanto esperam pelos primeiros-ministros, façam dos auriculares receptores para ouvirem Vivaldi ou Beethoven antes dos embates que se aproximam.
Já quanto aos telemóveis, não acredito que tenham lá as perguntas escritas por alguém. De certeza que estão é a informar-se até à última hora, acerca do assunto para o qual foram destacados.
Sim, têm muitos defeitos, mas esse não será um deles.
A Kamala Harris é que tem sempre um brinco para disfarçar a presença de um auricular. E como é que sabemos disso? Claro, pelos jornalistas que não brincam em serviço.
Está certo, nem sempre os jornalistas estão bem maquilhados… mas o que é que isso importa? Também é verdade que alguns se aventuram em livros de receitas e até em romances cabalísticos, já para não falar de outros que são poetas em horário nobre. Está certo, há um certo abuso provavelmente fruto mais da vaidade do que do conhecimento, mas neste caso estou com eles.
Concluo esta defesa, propondo que larguem de vez os auriculares para provarem aos primeiros-ministros dos diferentes países que não recebem recados de ninguém.
Aliás proponho também que tanto primeiros-ministros, como jornalistas, comecem a usar apenas nas suas encenações e conferências, um nariz de palhaço.
Nada de tecnologia. Polui demais.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Correio Mercantil foi um periódico brasileiro do século XIX (1848-1868), onde o grande Machado de Assis deu os seus primeiros passos. Pareceu assim oportuno ao PÁGINA UM, no contexto da actual mercantilização da imprensa portuguesa, ‘contratar’ o protagonista do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas para umas epístolas quinzenais. Desta vez, o piparote de Brás Cubas vai para Francisco Pedro Balsemão, no decurso da sua entrevista na SIC.
As senhoras leitoras e os senhores leitores certamente já se depararam com figuras de incomum bravura, invulgar destreza e inabalável audácia, e que, sagazes e bem capazes, superam as agruras mais terríficas e os mais temíveis obstáculos, contrariando a má sina que sempre os quis arredar do sucesso.
Está esse vosso mundo pejado desses heróis, alguns aqui ao meu lado, que, arremessados contra o rochedo da adversidade, se soergueram, depois, altivos e, claro, triunfantes.
Não me é agora mister enaltecer tais personagens dignas dos versos de Camões, porque, recentemente, na ocidental praia Lusitana, ali nos arredores da Quinta da Marinha, se agigantou um espécime mui nobre de fauna humana que coloca rasteiros os voos das águias.
“De parcas vestes e incomuns percursos”, poderá algum ingrato murmurar à entrada, “será, porventura, este seu, ou nosso, herói oriundo de estirpe modesta?”. Ah, se tal fosse o caso, a história seria menos trágico-cómica e somente heróica!
Não. Nem sempre as proezas se medem pela superação do braço; também há o capricho do berço, embora o nosso herói, que já agora posso anunciar-vos a nominata – Francisco –, se arraste mais hoje cavalgando um império, outrora brilhante nos fastos da imprensa nacional, em espasmos de uma falência semi-escondida por cortinas de retórica.
Mas que importa o sol, a treva, a sombra – como clamava o meu patrício Augusto dos Anjos, que se finou aos 30 anos.
Ou então, como gritava o Álvaro de Campos, alias Fernando Pessoa, na sua Ode Triunfal:
Que importa tudo isto, mas que importa tudo isto
Ao fúlgido e rubro ruído contemporâneo,
Ao ruído cruel e delicioso da civilização de hoje?
Tudo isso apaga tudo, salvo o Momento,
O Momento de tronco nu e quente como um fogueiro,
O Momento estridentemente ruidoso e mecânico,
O Momento dinâmico passagem de todas as bacantes
Interessa sim saber que Francisco, meu caro leitor, nasceu envolto nas alvas sedas de uma cuna que não soube senão exalar opulência. Desde a mais tenra idade, o rebento do grande barão dos media lusos, fugaz primeiro líder de um governo da Nação, teve a primazia de comungar com o mundo através de cruzeiros exóticos e outras viagens oníricas que lhe moldaram, por certo, um espírito cosmopolita. “Ainda me lembro de Gilbraltar, do Estreito de Messina e de Corfu”, recorda-nos o jovem herdeiro, qual Ulisses lusitano, parafraseando Homero e a encher o peito com reminiscências dos seis anos de idade, quando a Ryanair, a EasyJet e a Vuelling não faziam ainda voos ao preço da uva mijona, e ainda nos tempos em que havia gentes de Trás-os-Montes que nunca tinham visto o mar.
Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa.
Disso, porém, convenhamos, não é já atributo invejável, nem guardar berlindes em casa, mas, digam-me, desafio-vos: que outras empresas têm a ventura de acolher um líder tão sabiamente lapidado pelo oráculo das MTV Awards, e que, aos treze anitos, desfaleceu ante a imagem mitológica de Kurt Cobain? Não percebi bem se foi por essas alturas que teve ele uma epifania, não para dedilhar guitarra, ou snifar coca, mas para ser jornalista, iludido por testes psicotécnicos. Ah, inocente embriaguez dos infantes!
Mas a vida, meus amigos, qual senhora austera, encarregou-se de lhe mostrar outros caminhos – “mais pragmáticos”, como assim descreve o infante Dom Francisco. Na verdade, os tais pragmáticos descaminhos levaram-no até à liderança de um império que, tal qual o de D. Sebastião, há muito se perdeu na neblina do infortúnio. Em que, pois, se distingue este CEO de outros tantos figurões cuja presença é requerida em jantares de gala e conferências desinteressantes?
Em nada. O segredo, revelado na entrevista ao seu canal televisivo, com o pudor de uma aparente confissão, é uma a rara combinação entre a ‘privilegiatura honesta’ e a ‘humildade aristocrática’, atributo daqueles que, alcandorados à torre de marfim, acreditam piamente que o fizeram pelo seu valor e não pelos genes.
O meu leitor mais perspicaz poderia aqui questionar-se: “Mas como, caro Brás Cubas, se explica este divórcio entre vocação e realidade? Como se passa de um sonhado jornalista, que nunca se exercitou, para a liderança de um grupo de media outrora imponente, regido ao som de violinos para abafar o afundanço?”
Aí reside o espírito trágico-cómico, que, convenhamos, até engrandece a narrativa do CEO Francisco: é que ele, na sua irremediável cegueira, nunca verdadeiramente se afastou da verve jornalística. “Sempre quis ser jornalista”, insiste, qual mantra de um desejo inatingível por malignas forças, como se as marés do destino, guiadas pelo sopro paternal, o houvessem deitado à deriva numa inóspita e hostil praia, ou na carreira 1706 que sai de Alfornelos às 04h56 em direcção à Avenida da Liberdade para limpar escritórios, tendo ainda de permeio que mudar para a 746, sem esquecer o tempo para preparar o aconchego de mantimentos na marmita para a criançada dejejuar no Agrupamento de Escolas Fernando Namora, na Brandoa.
Enfim, em vez da pena afiada do jornalista, coube ao Francisco a desgraça do Excel e da acta, do lay-off e da alienação de activos, da negociação de ‘media partners’ e de contratos comerciais de mercantilização do jornalismo, como quem, a meio de uma peça shakespeariana, se vê obrigado a trocar a falange do herói pela figura patética do bufão.
Ah, loucura! Na verdade, o nosso herói há muito deixou de se ver ao espelho, enredado que está numa presunção tão ridiculamente inflada que o leva a citar antepassados remotos e fábulas dinásticas. “Não foi por ser filho de quem sou que cheguei a presidente”, reitera o pobre diabo com ar grave e punhos cerrados – estou claramente a exagerar na pose, que um herói sempre é contido –, como quem ousa desafiar o bom senso e a evidência.
Seria risível se não fosse absolutamente patético. Não fosse, de facto, filho do outro Francisco, e este nosso Francisco nunca teria ao seu dispor a confortável poltrona da falência para vergar as costas.
Ah, mas não são apenas a desmesura e a soberba que iluminam os nossos risos irónicos; há também a ignorância de um mérito desmerecido, um despudor próprio dos filhos de património que, julgando ter alçado o trono por força de braço, não se enxergam como caricaturas do privilégio. Tem ele agora o Expresso, esse emblema de outra era, subjugado agora ao vil e viscoso prato de lentilhas – vendendo a primogenitura do jornalismo por lugar em comendas menores, por contratos publicitários de conteúdo fabricado, e, sempre, com uma genuflexão reverente ao poder. E tem ele agora a SIC, a nau errante a vagar no pantanoso oceano das audiências, mal distinguindo a esfera do entretenimento do abismo do sensacionalismo rasteiro.
Francisco, qual moderno Polichinelo, a quem nada é vetado, fez-se grande em bravatas menores; acariciou o ego com os louros do pai; gabou-se de conquistas que nunca suas foram. No fim, toda a ruína, todo o desconcerto, toda a falência, serão justificadas, por certo, com as palavras certas – um léxico arranjado para iludir o senso comum, uma retórica de negação contínua que só poderia exalar de um homem que aprendeu desde cedo a brincar fora de casa, alheio à dura realidade.
Mas isso sou eu a dizer, porque, entretanto, a mãozinha do Estado está aí para adiar a queda deste decadente império, e para dar oportunidade a que Francisco, embevecido com o reflexo distorcido de virtudes que nunca verdadeiramente teve, ainda se mantenha por alguns anos mais como um Romeu provinciano, crendo-se cosmopolita por ter provado os ralos prazeres de uma discoteca londrina em tempos de juventude.
Triste fim se anuncia, porém, nesta tragicomédia: veremos, um dia, Francisco, o príncipe herdeiro, filho de deuses, sentado numa casa em ruínas, feito CEO por desígnio de sangue e não por tino, cair com estrondo das alturas – não porque tenha tentado alcançar as estrelas, mas porque acreditou, em sua infinita vaidade, que lá residia.
N.D. O título Correio Mercantil é uma marca nacional do PÁGINA UM em processo de aprovação de registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Quanto ao nome do autor (Brás Cubas), será o pseudónimo usado em exclusivo por Pedro Almeida Vieira nestas crónicas, constituindo apenas uma humilde homenagem a Machado de Assis e ao seu personagem. Tal não deve ser interpretado como sinal de menor rigor na análise crítica que aqui se apresenta, independentemente do carácter jocoso, irónico ou sarcástico.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
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RTP, a ‘pobre’ empresa pública que dá lucro porque recebe 190 milhões de euros dos contribuintes
Não deixa de ser maravilhoso onde, grassando a iliteracia financeira, basta alguém ter olho, mesmo que visgarolho, para se ser rei. Isto a pretexto de Nicolau Santos, presidente do Conselho de Administração da RTP, antigo jornalista especialista em assuntos económicos e formado nas cadeiras do Instituto Superior de Economia e Gestão, ter avisado os deputados de que as contas da empresa pública podem deixar de dar lucro, passando para o vermelho (prejuízos), se lhe tirarem a publicidade e os contribuintes não derem mais esmola.
É, no mínimo, extraordinário que o presidente de uma empresa pública que tem como melhor cliente pagante os contribuintes – que vendo ou não vendo a RTP lhe entregaram no ano passado 190 milhões de euros – estar receoso de poder dar prejuízo se lhe cortarem 23 milhões de euros de publicidade. É, no mínimo, uma falácia dizer que a RTP lucrou 2,5 milhões de euros, quando isso se deve ao desvio da contribuição audiovisual, que não é mais do que um subsídio à exploração para não haver ‘buracos’ colossais a serem tapados posteriormente pelo accionista Estado através de impostos dos contribuintes. Na verdade, a RTP é uma empresa tão economicamente sustentável como um adolescente a quem os pais dão uma mesada.
Audição do Conselho de Administração da RTP na Assembleia da Republica sobre o Plano de Acção para a Comunicação Social.
Mas Nicolau Santos, mais do que desejar ser gestor, quer ser um verdadeiro pintor de quadros financeiros. Numa jogada magistral na Assembleia da República, transformou a RTP numa espécie de “mártir” do serviço público de televisão, a quem até podem tirar tudo, mesmo a publicidade, mas com um se: “se, como a RTVE [Espanha], tivermos 1.100 milhões de euros de apoios públicos”.
Nicolau fez o que muitos génios das finanças fazem: aproveita-se da iliteracia financeira do público e da falta de paciência para detalhes. Afinal, quem tem tempo para fazer contas?
Primeiro, Nicolau esquece de mencionar um detalhe crucial: a RTVE, que recebe os tais 1.100 milhões de euros do Estado espanhol – ou seja, quase seis vezes mais do que a RTP em termos absolutos –, já não tem publicidade nenhuma. Zero. Nada. Já a RTP, além do apoio estatal, conta ainda os tais 23 milhões de euros provenientes dos anunciantes. Portanto, somemos isto (e há outros ‘pós’), e as receitas por via do Estado e anunciantes valeram no ano passado cerca de 113 milhões de euros.
Pegando no PIB de Portugal, que foi no ano passado de 267,4 mil milhões de euros, e no PIB de Espanha, que foi de 1.498,3 mil milhões, podemos fazer uma comparação proporcional. A RTVE recebe 1.100 milhões de euros, o que corresponde a 0,073% do PIB espanhol. Já a nossa RTP, com os 213 milhões (apoio estatal mais publicidade), recebeu 0,080% do PIB português. Sim, leu bem: em termos relativos, a RTP já recebe bem mais do que a RTVE – e apresenta-nos ainda o Preço Certo e oferece-nos o piscar de olho do José Rodrigues dos Santos. Isto não encaixa bem na narrativa da vítima, pois não?
Assim, se tivermos a audácia de converter a realidade portuguesa para o contexto espanhol, vemos que se a RTVE recebesse 0,080% do PIB de Espanha por não ter publicidade, então deveria encaixar 1.200 milhões de euros, e não ‘apenas’ 1.100 milhões. Mas, o que são 100 milhões?
Nicolau Santos, presidente do Conselho de Administração da RTP
Por outro lado, se retirarmos toda a publicidade à RTP, a contribuição audiovisual representa 0,071% do PIB português, pelo que, contas feitas, bastaria um reforço de cerca de 5 milhões de euros à empresa pública para compensar a perda de 23 milhões de euros de publicidade, de modo a ficar equivalente ao modelo espanhol.
Enfim, mas aquilo que importa é fazer parecer que a RTP está ao abandono, desamparada num oceano de desigualdade face aos seus pares europeus, quase a desfalecer. Na verdade, o que muitos não querem é que o fim da publicidade mexa nos beneficiários dos subcontratos (58,7 milhões de euros em 2023), nos cachets e avenças (mais 7,5 milhões de euros em 2023), nas rendas e alugueres (11,5 milhões de euros em 2023), nos trabalhos especializados (5,6 milhões de euros em 2023) e de muitas outras coisas necessárias à boa gestão de uma empresa que tem de pagar ainda, claro, os salários dos 1809 funcionários que encaixam um salário líquido médio de 2.900 euros em 14 ‘tranches’ por ano.
Isso, sim, são coisas importantes a serem preservadas…
A inflação, essa minudência para o tudólogo Daniel Oliveira
Integrante da selecta casta mediática dos tudólogos, Daniel Oliveira tem uma particularidade: vive sob a esfera do Grupo Impresa, desmultiplicando-se em aparições e mais aparições, em diversos formatos e subformatos, ora como cronista, ora como anfitrião de podcasts, ora como analista a solo e em dueto, ora como membro de um programa semanal de comentário político.
E foi exactamente neste último formato, o Eixo do Mal – em que se perpetua e, envelhecendo, se mostra cada vez mais parecido com Herberto Helder, mas sem similar artéria poética – que Daniel Oliveira confirma o calcanhar de Aquiles dos tudólogos: de tanto falarem, pouco tempo têm para aprender. E assim sendo, amiúde, saem disparates.
Perfil do X de Daniel Oliveira, onde surge um cão que pode ser bem capaz de comer gatos…
Foi o que aconteceu no mais recente programa Eixo do Mal, onde se ficou a saber que Daniel Oliveira, um ex-comunista e ex-bloquista, mas sempre um homem de esquerda, não só ganha mais do que 2.000 euros mensais desde que abandonou as funções de assessor de imprensa do Bloco de Esquerda, no início do século, como também não saberá o que é inflação. “Eu até aos 35 anos nunca ganhei 2.000 euros”, clamou Daniel Oliveira, enquanto a sua colega Clara Ferreira Alves se insurgia contra os baixos salários dos jovens.
Confesso que não aprecio a figura de Daniel Oliveira, sobretudo porque, embora tenha recentemente apelado para que não se comam nem gatos nem cães, eu sei que ele tem um cão, e nada me garante que o seu cão não come gatos. Porém, independentemente disso, chamou-me a atenção ele considerar que um jovem de hoje é abastado se ganhar 2.000 euros, até porque, segundo ele, só começou a ganhar isso a partir dos 35 anos.
Vejo que existem duas hipóteses, nenhuma lhe sendo favorável à imagem, para esta boutade de Daniel Oliveira: ou ele, homem de esquerda, ganha tão bem como um capitalista imune à subida de preços, ou então nunca sequer percebeu como a inflação (ainda mais nos últimos anos) ‘come’ os salários reais, sobretudo por causa da ‘impressora’ do Banco Central Europeu andar a financiar as dívidas públicas e os desmandos da União Europeia.
[Já agora, diz-me o meu dono que os políticos descobriram que mais vale fazer ‘nascer do céu’ dinheiro, causando inflação, do que aplicar mais impostos. Com impostos ou com inflação, o resultado é o mesmo – salários reais valem menos –, mas na inflação pode culpar-se a Rússia, e num aumento de impostos não.]
Enfim, estou tentado a optar pela segunda opção, ou seja, Daniel Oliveira não sabe o que é inflação, e como esse ‘pormenor’ esquecido torna ridícula aquela sua frase.
Daniel Oliveira, dixit.
De facto, tendo nascido em Julho de 1969, quando Daniel Oliveira fez 35 anos, estávamos em 2004. Há 20 anos, portanto. E assim, portanto, um salário de 2.000 euros em Julho de 2004 equivaleria, contas feita com os dados do INE com o índice de preços ao consumidor (IPC), a um salário de 1.402 euros em Agosto de 2024. Ou seja, apenas com a inflação, os 2.000 euros perderam cerca de 30% do seu valor em 20 anos, pelo que se mostra ridícula a comparação. Na verdade, para ter o mesmo poder de compra de um jovem de 2004 que ganhasse 2.000 euros, o jovem de 2024 teria de ganhar um pouco mais de 2.860 euros.
Mas exigir que o Daniel Oliveira entenda as ‘minudências’ da inflação – ele, um tudólogo com o 12º ano de escolaridade como formação académica, e sem tempo para desperdiçar em ser auto-didacta sobre assuntos económicos, que já lhe basta ter de passear o cão –, talvez seja demasiado. Afinal, que seria do Mundo se ele, em vez de comentar todos os dias, andasse a estudar os assuntos de que fala com tanta sapiência? [sapiência é sinónimo de burrice, não é?]
A revolução copernicana do Polígrafo: uma partilha basta para ser ‘bastante partilhado’
Quantidade! Há sempre um mistério e uma nobreza nessa entidade que guia desde os primórdios da civilização – dizem-me. Desde os tempos do grego Pitágoras, o da hipotenusa, que disse que “tudo é número” – o que, em franqueza e sem fraqueza, deve ter sido uma conversa monótona para quem preferisse falar de amor ou de um bom prato de ração Royal Canin Urinary S/O –, até aos dias hodiernos, se anda em busca do verdadeiro significado de “quantidade”.
Para vós, meros humanos mortais, quantidades como “um” sempre parecerão, assim, singelas, unidimensionais, irrelevantes. Como a vossa vida, única – ao contrário da dos gatos, que usufruem, como se sabe, de sete. Mas não, isso não se aplica na cosmologia do Polígrafo, onde a transcendência filosófica do conceito de quantidade e de partilha arrasta-nos para debates necessariamente mais profundos. Será o “um”, o elemento único, uma expressão metafísica do “bastante”?
Vejamos. Platão, no seu mundo das ideias, provavelmente teria reservado um trono especial para este número absoluto. A Alegoria da Caverna nunca fez tanto sentido. O “um” partilhado é a projeção da Verdade Última, e nós, os infelizes espectadores, ficamos confinados às sombras do plural – pelo menos quando lemos, e ‘verificamos’, as análises do Polígrafo.
E quanto à Teologia? Sabe-se, dizem, que Deus é Um, e isso é bastante para bastantes. Quem ousa questionar tal aritmética celestial? “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome…”, assim rezam as Escrituras. Mas, no Polígrafo, a fé moderna parece ser ainda mais minimalista: onde um estiver reunido nas redes sociais, aí estará o glorioso termo “bastante”. Milagres digitais, diria um novo evangelista brasileiro, provavelmente com acesso ao X através de VPN.
Por esse motivo, o lusitano Polígrafo estará sempre correcto quando, por exemplo e por motivos que N’Gunu Tiny lá saberá, se debruça sobre uma questiúncula do Partido Humanista de Angola para nos afiançar que um despacho foi “bastante partilhado nas redes sociais”, embora o “bastante” tenha sido somente a pessoa do senhor Osvaldo Humberto, um suposto (e discreto) funcionário da empresa National Oilwell Varco, e amigo, entre outros, da Mariazinha Monteiro, do Smith Adebayo Chicoty, do Nadilson Paim e do João Qui Pa Dias, apesar de não se confirmar se estes, ou outros, sequer viram a tal singular partilha, que não vingou por ter tido um ‘epidemiológico’ número de reprodução, o famoso R0, igual a zero.
O post ‘acusado’ pelo Polígrafo de ter sido “bastante partilhado”. Mais de um mês depois, tem uma partilha.
O Polígrafo, esse bastião do rigor, teve, enfim, uma epifania matemática que constitui mesmo, arrisco, uma revolução copernicana: o centro do universo da partilha passou a ser um único ponto, um ponto de vista solitário – quiçá, daqui a nada, o do próprio autor que assim se expõe ao Universo num singelo acto de altruísmo ou ainda por um isolado desespero digital.
Marques, o tudólogo conveniente
O ‘tudólogo’ é uma figura curiosa do discurso moderno, caracterizado por sua “superciliosa empáfia” – expressão já com direitos reservados – e um ímpeto irresistível de expor as suas vastas (ainda que sempre superficiais) erudições em qualquer tema que venha à tona ou que seja pescada em águas profundas.
Para um tudólogo não há campo do saber que escape à sua verborragia iluminada, versando com similar desenvoltura sobre astrofísica e filosofia antiga, discorrendo com aparente autoridade sobre as subtilezas da metafísica e dos segredos da alta gastronomia – e quem diz gastronomia, diz intrincados dilemas da política global.
Para o tudólogo, cada conversa é uma oportunidade de exibir a sua suposta omnisciência, até porque, quanto à omnipresença, a todos já está patente, porque está em todo o lado a falar sobre tudo. Na verdade, um tudólogo é um bitudólogo.
Pedro Marques, um tudólogo em todo o lado.
Um bitudólogo é, na essência, um guardião das verdades inabaláveis, mesmo ou sobretudo daquela que ele mesmo inventou.
Um dos expoentes do tudologismo é Pedro Lopes Marques que, para se armar aos cucos, se apresenta com um currículo extenso e variado, incluindo funções tão díspares como cauteleiro e consultor, além de licenciado em Direito, embora desconfie que tenha sido por linhas tortas que chegou a opinador de tudo o que é imprensa escrita, radiofónica e televisiva.
Na semana passada, descobri que Marques defende a censura estatal como um meio legítimo de proteger a sociedade, enquanto escreve para uma revista que, curiosamente, passa pelos pingos da chuva, apesar de dever milhões ao Estado. É aqui que o véu da hipocrisia começa a rasgar. O bitudólogo Marques, que com tanta veemência discorre sobre a necessidade de regulação e controlo por parte do Estado para evitar abusos no discurso público, faz tudo isso debaixo do tecto de uma publicação que, por si só, é um monumento à falta de regulação da comunicação social e da fiscalidade – e daí à falta de impunidade.
A revista Visão, um dos inúmeros ‘locais’ onde Marques publica as suas ‘tudiotices’, deve cerca de 15 milhões de euros ao Estado e acumula dívidas que totalizam 30 milhões de euros, mas o bitudólogo acha que, por exemplo, o Elon Musk deve ser culpado por aquilo que alguns escrevem na sua rede social. Nessa linha, também poderemos ficar descansados: se o Luís Delgado, dono da falida Trust in News e da revista Visão, não pagar as dívidas, Pedro Lopes Marques avança com o seu guito.
O facto de Marques fechar os olhos a esta contradição é revelador da sua (in)coerência: pregar sobre a necessidade de censura e controlo quando se está num púlpito seguro, especialmente quando esse púlpito é mantido por uma entidade que parece gozar de uma imunidade surpreendente face às suas obrigações fiscais e judiciais. Seria de esperar que alguém tão zeloso na defesa da “verdade” e da “civilidade” também fosse igualmente rigoroso em exigir que o seu próprio veículo de comunicação fosse um exemplo de ética e cumprimento das suas responsabilidades.
Um Estado é perfeito para censurar ‘inimigos’, mas também bom para permitir calotes aos ‘amigos’…
Nanja. Para Marques Lopes, a censura é necessária e legítima – desde que, aparentemente, não interfira com as dívidas do seu empregador. O tudólogo Marques é daquele jaez de que se fazem os tudólogos: passaria a defender Musk se Musk comprasse a Trust in News. Mas como a única salvação da Trust in News é o Estado, do Estado só coisas boas… por agora.
No seu mais recente artigo na Visão, Marques quer que o Estado seja um “paizinho”, que vigie e regule o que todos dizem nas redes sociais, mas parece perfeitamente confortável a trabalhar para uma revista que deve milhões ao mesmo Estado. Fala de responsabilidade e da importância de um Estado forte para controlar os excessos das grandes empresas tecnológicas, enquanto colabora com uma publicação que está atolada em problemas financeiros e que, paradoxalmente, não enfrenta o mesmo rigor que ele deseja para os outros.
Pedro Marques Lopes coloca-se como um defensor da moralidade pública, mas está ligado a uma instituição que se esquiva das suas obrigações para com o próprio Estado, que ele quer ver fortalecido. É uma hipocrisia tão densa que até os algoritmos de que ele desconfia teriam dificuldade em processá-la. Ele denuncia os perigos da concentração de poder nas mãos de poucos homens, referindo-se a figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg, mas não parece ter problemas em que a Visão continue a funcionar como se estivesse acima da lei.
No fundo, aquilo que Pedro Marques Lopes parece defender não é a democracia, mas um sistema onde as regras se aplicam selectivamente. Ele quer um Estado forte, mas apenas quando isso serve aos seus próprios interesses e aos interesses daqueles que lhe dão voz. Esta dissonância cognitiva é desconcertante: o tudólogo Marques ergue a bandeira da censura como uma ferramenta de justiça, mas fecha os olhos às injustiças que se desenrolam debaixo do seu próprio nariz. Afinal, talvez o seu conceito de censura seja apenas mais uma arma selectiva, usada para abater os adversários – denominada ‘extrema-direita’, uma espécie de albergue espanhol onde tudo cabe –, enquanto protege os seus aliados. Por agora, porque amanhã pode ser outro dia.
Obama & ‘Monedas’, ou o provincianismo pacóvio
Barack Obama, apesar do seu estatuto de reformado, é homem ocupado, como todos saberão. Apesar de as horas de um dia lhe passarem como aos demais, os seus minutos são escassos: daí que ouvir Carminho a despachar o fado ‘O Quarto’ em 1 minuto e 16 segundos no filme ‘Pobres criaturas’ lhe pareceu bastante para a integrar na sua playlist estival no Spotify, em vez de sugerir a versão integral de 3 minutos e 20 segundos.
Pormenores. Afinal, um ex-presidente dos Estados Unidos, democrata como convém nos tempos de hoje, ir ao cinema e ficar deliciado com uma voz exótica que lhe deve soar vagamente ao espanhol de Porto Rico, é mais do que motivo para o Expresso ir a correr ‘gritar hossanas nas alturas’, que Deus seja glorificado para todo o sempre. Ou melhor, que Carminho seja glorificada nas páginas do semanário de Balsemão na secção “Altos”, e por bênção de Barack Hussein Obama II, e só por isso – e nem sequer por ter editado o álbum onde se insere aquela canção já no longínquo Março de 2023 em Portugal e em Novembro seguinte nos Estados Unidos.
Portanto, esclarecidos fiquemos sobre o conceito de validação cultural: Barack Obama e a sua playlist de Verão ‘sacada’ de uma sala de cinema.
Talvez exagere. Os portugueses sempre apreciaram que, do estrangeiro, gostem deles. E, portanto, se nos próximos tempos, a distinta fadista cair nas graças de Trump lá teremos mais um altar erguido em honra de Carminho nas páginas do Expresso, certo? E se for Bolsonaro? Ou Lula? Ou se for Putin? Ou se for Zelensky? Ou Kim Jong-un, que em jovem até teve passaporte brasileiro? Infindáveis possibilidades que auguram uma secção própria, e adequada, para solenizar os encómios estrangeiros à nossa cultura.
Mas o desmesurado orgulho ao que vem do estrangeiro – que quase se confunde com provincianismo pacóvio – atingiu o zénite no passado sábado com o alcaide de Lisboa Carlos Monedas.
Perdão, falo de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que pensava eu ser capital da República Portuguesa, mas que, pelo entusiasmo com ele esteve a promover a etapa inicial da Vuelta a España, mais me pareceu que recuáramos ao Verão de 1640, aos tempos de Miguel de Vasconcelos.
De Gira em punho – e teve muita sorte de estar a funcionar –, lá vimos ‘Monedas’ glorificar a La Vuelta, orgulhoso por se iniciar na ‘província’ mais oeste de Madrid. E isto quando não me recordo de o ter visto na chamada Volta a Portugal, que somente passou fugaz e discretamente por Lisboa, em 26 de Julho, porque o presidente de uma junta, a de Marvila, achou por bem ‘despachar’ 90 mil euros para a organização da triste prova lusitana meter Lisboa no mapa, em vez de os direccionar em desnecessárias melhorias dos seus fregueses.
Foi ver onde parou Moedas nesse dia, em que não teve tempo para dar um saltinha à chegada da Vuelta a Portugal no município que preside. Tarefa fácil, porque a agenda do nosso alcaide está agora sempre bem patente e presente no X: esteve a ‘inaugurar’ o plantio de 20o árvores em Sete Rios, na Praça Marechal Humberto Delgado, assassinado pela PIDE em Espanha. Olé!
Carta de amor de Valentina ao Valentão
Nem ao leitor mais desatento terá passada desapercebida uma certa dedicada e carinhosa prosa, que o tempo e a História tratará de fazer ombrear com as missivas de Mariana Alcoforado ao militar francês Noël Bouton, Marquês de Chamilly. Não foi em formato de carta secreta, é certo, embora a condição de ‘notícia’ num jornal que vende mil exemplares a coloque num grau de sigilo quase similar, além de em nada retirar o merecido e enternecedor mérito à paixão.
Publicada no dia 20 de Julho no Diário de Notícias, não tivemos aqui uma pena de uma freira do Convento da Nossa Senhora da Conceição, na alentejana cidade de Beja, mas sim o teclado de uma jornalista de não menor fervor e afeição pelo seu amado: Valentina Marcelino, uma jornalista já considerada a maior especialista mundial em ‘Gouveia e Melo’, conseguiu transformar um simples relato sobre a alocução de um militar a convivas de uma jantarada de oníricos elogios em visceral fogo que incandesce a alma e sublima o espírito temperado com essências vibrantes que transcendem a mera existência. A bem-dizer, escreveu ela uma carta de amor.
Valentina mal escondeu, na sua notícia, os suspiros e os tremores que, por certo, espraiou no Clube Militar Naval ao ver o seu ‘Chamilly’ sem farda, mas podemos imaginá-los pela prosa enlevada e fascinada perante aquele militar de branca e rala barba, que me lembra sempre um senhor que promove um conhecido pescado que garante apenas uma espinha em cada 41.000 unidades, o que sempre me parece mais seguro do que as vacinas contra a covid-19.
Enfim, certo é que na leitura, em menos de sete minutos, o leitor cruza-se com encantatórias palavras, sempre meigas, sempre elogiosas, sentindo-se sempre um aroma a maresia, um sabor a grandeza. No início vai logo à espinha, para logo seguir para o coração: “Descontraído, comunicativo e até com umas tiradas de humor, o almirante Gouveia e Melo escolheu o tema da liderança para falar a uma plateia de auditores de Defesa Nacional, militares e deputados, convidados de um jantar-palestra realizado no Clube Militar Naval, em Lisboa, na última quinta-feira.” Prossegue, e logo citando as palavras, sempre modestas, sempre humildes, de um Grande Líder, que menos do que Grande Almirante não poderia ser: “Um chefe militar tem de ter coragem. Ser honesto com o poder político e, quando necessário, vir a público dar a cara. É isso que faço. Se calhar, os chefes militares eram mais do tipo Português Suave, mas eu sou de um género nada suave”.
Como não se deslumbrar com alguém que se anuncia como sendo o oposto do Português Suave. Até eu acho que o nosso Almirante está, efectivamente, longe do Português Suave; ele é mais Kentucky, o famoso ‘mata-ratos’… Ou será mata-velhos? Não sei. Acho que isso era mais os quadriciclos…
Não nos desviemos. A prosa flui, a partir daqui, dando eco ao lamento do putativo aspirante a ocupar o lugar de Marcelo, por “a Defesa ter estado praticamente fora dos debates da campanha para as Eleições Europeias, apesar da guerra na Europa com impacto em todos países, incluindo Portugal”. E recorda uma entrevista DN-TSF, onde o almirante “chamou a atenção” para a necessidade de “preparar os jovens” para serem, um dia, carne enviada por políticos para enfrentarem canhões em cenários de guerra (perfeitos para lavar dinheiro).
No parágrafo seguinte, Valentina já não aguenta: “vestido à civil o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA) aproveitou a oportunidade para partilhar das dificuldades no recrutamento para a Marinha”.
E, claro, não podia faltar, no texto de uma amante – no sentido de admiradora, não sejam más-línguas – doces palavras de saudades à pandemia do ‘vai ficar tudo bem’: “A task force da vacinação e a sua estratégia como coordenador, era o foco da sua intervenção, em que frisou que a coragem, ter valores, assumir a responsabilidade e honestidade são algumas das qualidades que, no seu entender, devem fazer parte de um líder”. Tanta modéstia.
Ficámos a saber, pela querida ‘almirantenete’ que Gouveia e Melo não é de ferro nem de pedra, tem sentimentos, é um homem que teme os desafios que somente os gestores de logística dos frescos do Modelo Continente, e outros perecíveis, enfrentam: “confessou não ter dormido “toda a noite” quando foi convidado para liderar o processo de vacinação”. E, escreve ainda Valentina, que um dos motivos por que passou a andar sempre de camuflado, não foi para fazer suspirar as ‘almirantenetes, apesar da justificação oficial de ser “a farda partilhada pelos três ramos” que integravam a task force, foi sobretudo para evidenciar a “guerra contra um vírus”. Ah, e era mesmo guerra, porque nisto não havia lugar para pacifistas, medricas, refugiados, deslocados ou desertores. “As pessoas tinham de escolher um lado. Quem estava contra tinha de se vacinar”, disse o nosso Almirante, e assim redigiu a nossa Valentina. Para quê seguir a Ciência quando se pode antes seguir as palavras de um especialista em faróis e submarinos, ainda por cima humilde, modesto, imbuído de bom-senso, como fica patente no mui ‘patenteado’ Gouveia e Melo?
Assim sendo, não surpreende que todo o restante texto seja escrito, e descreva, sempre envolto em elegância e admiração, para enaltecer as qualidades de alguém destronou, com grande facilidade, um Diogo Cão, um Bartolomeu Dias, um Pedro Álvares Cabral, um Vasco da Gama, um Afonso de Albuquerque, um Fernão de Magalhães… esse não, que se ofereceu a Castela.
Embevecida, Valentina recorda, aliás, um outro artigo que escreveu sobre o seu ídolo com o singelo e muy imparcial título: “O que vai ficar para a história da liderança de Gouveia e Melo”. Neste artigo, “alguns dos mais importantes especialistas em liderança elogiaram as opções do almirante”, escreveu Valentina. Nem faltou a opinião de um especialista para meter o nosso Almirante na gávea de proa desta navio chamado Portugal, destacando a sua “genuinidade”, que transmitiu “calma, confiança no trabalho da sua equipa”, ou a de outro que lhe viu “visão estratégica clara”. Aos jornais ainda lhes falta meter na tinta música de violino.
No panegírico de Valentina ao seu Valentão, não faltou menção à “mesa do CEMA” neste jantar “com lotação esgotada”, onde pontificava Miguel Guimarães, deputado do PSD e ex-bastonário da Ordem dos Médicos, envolvido na polémica das ilegalidades cometidas numa campanha de solidariedade financiada quase exclusivamente por grandes farmacêuticas. Curiosamente, nessa mesma campanha de solidariedade foram desviadas vacinas para médicos não-prioritários, mas isso não interessa nada, Provavelmente, Noël Bouton também tinha os seus pecados e pecadilhos, e a sua Mariana Alcoforado também se calou. O amor é sempre lindo, talvez por ser cego.
SEMANA 30/2024
Marrar na parede? Não: é mesmo cair no abismo
O Francisco Balsemão, não o José (pai) nem o Maria (meio-irmão), mas o Pedro, é o CEO da Impresa, outrora grupo de media que trabalhava para o (e tinha foco no) bem dos leitores e telespectadores. Com esse antigo serviço, credível e atraente, vinha o brinde: as empresas punham-se em fila para publicitar nas ‘plataformas’ da Impresa os seus produtos para serem comprados e usufruídos pelos consumidores que eram atraídos pela informação credível e pelos conteúdos comunicacionais de qualidade. E como era filão apetecível, e não havia espaço para todos, pagava-se bem para anunciar. Ganhavam então todos: leitores / telespectadores, os anunciantes e a própria Impresa.
Mas isso é coisa do passado. Os produtos (notícias e conteúdos comunicacionais) descredibilizaram-se, e já nem se consegue distinguir o jornalismo da promoção e do marketing empresarial – ao ponto de o próprio CEO da Impresa andar a fazer ‘entrevistas’ numa mixórdia de funções – e como as audiências por tudo isto descambaram, abriu-se a possibilidade às maiores promiscuidades numa fuga para a frente, para onde não há sequer uma parede para marrar mas somente um abismo para cair.
Post no LinkedIn do CEO da Impresa
Assim sendo, nem sequer deveria surpreender muito que na apresentação de mais um resultados semestrais desastrosos – 4 milhões de euros de prejuízo, sobretudo pelo agravamento do serviço da dívida por via do endividamento completamente absurdo -, o Pedro (para que se consiga distinguir dos outros dois Francisco Balsemão) continue alegremente a dizer que “vamos continuar a trazer mais valor para anunciantes e agências, reforçando a nossa posição enquanto grupo de media português com mais investimento publicitário”.
Nem uma palavra para os leitores e telespectadores. Nem uma palavra para o jornalismo. Nada. A Impresa hoje só quer dar “mais valor” aos anunciantes, apresentando cada vez menor qualidade nas ‘plataformas’, e às agências (deduzo que também de comunicação), que querem passar comunicação empresarial como se fosse notícias.
Deve ser giro um CEO de uma empresa fazer um podcast para o jornal como se fosse mesmo um jornalista…
Presumo que a estratégia para o desastre vai continuar quando o nosso Pedro acrescenta que “adicionalmente, vamos manter a nossa estratégia de expansão digital e diversificação de fontes de receitas, nomeadamente através da concretização de apostas já anunciadas como a realização do Tribeca Festival em Lisboa e a nossa nova parceria na área da bilhética online com a BOL”. Diversificar significa aqui, presumo, arranjar mais umas ideias para fazer de conta que na Impresa ainda se faz jornalismo e comunicação social.
SEMANA 29/2024
Paxlovid!, dizem os democratas. Ivermectina!, dizem os republicanos
Se considerarmos que o primeiro ano de vida de um gato é aproximadamente igual a 15 anos humanos, que o segundo é igual a 9 anos humanos e que cada ano adicional é igual a 4 anos humanos, então o Biden é um ano mais velho do que eu, sabendo-se – e se não souberem, sabem agora – ter eu nascido no dia 13 de Junho de 2008. Estamos ambos idosos, mas ainda me lembro do que sucedeu há dois anos, talvez porque, nessa altura, contava 72 e não 80 anos.
Posto isto, mesmo sabendo que Joe Biden está mesmo desmemoriado, e já nem saiba o que lhe dão, acho que, a existir uma cabala nos Estados Unidos, esta não é contra o Trump, mas sim contra o actual Presidente. Não é que logo no dia em que ele coloca a hipótese de sair da corrida eleitoral se houvesse decisão médica, surge com um teste positivo à covid-19? E que lhe fazem? Dão-lhe o mesmíssimo medicamento – o Paxlovid, da Pfizer – que ficou conhecido por ser como o Melhoral (não faz bem, nem faz mal) com a agravante de causar recaídas, como lhe sucedeu em 2022. Lembram-se? Ele, se calhar, não.
Notícia de Julho de 2022: Biden teve uma recaída depois de lhe ser administrado Paxlovid. Dois anos depois, dão-lhe novamente Paxlovid.
Enfim, já estou a imaginar nos próximos tempos uma titânica luta ideológica, que nada tem a ver com simpatias terapêuticas: os democratas a quererem à força que Biden tome Paxlovid, para ter recaídas até abandonar a candidatura (e se não resultar, às tantas ainda lhe darão lixívia…), enquanto os republicanos a querem se ele recupere rápido, dando-lhe vitamina D e ivermectina, de sorte a ele se manter na corrida a colecionar gaffes até Novembro. Tempos interessantes, sem dúvida.
SEMANA 28/2024
Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz e o seu súbdito Marcelo
A sinistra (é canhota) Alteza Real Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz, Princesa de Asturias, Princesa de Gerona, Princesa de Viana, Duquesa de Montblanch, Condessa de Cervera e Señora de Balaguer, visitou aos 18 anos um rectângulo na Península Ibérica que, para mal dos pecados do Senhor do Morgado de Fonte Boa (um tal Miguel, de Brito, da parte do pai, e Vasconcelos, da parte da mãe), continua a falar a língua de Camões, e não a língua de Cervantes.
E muito bem fez a jovem herdeira do trono de Espanha em, pisada esta terra, se pôr a discursar em castelhano na sua visita a Belém, onde muito bem teceu, e se entendeu, uns belíssimos considerandos sobre Portugal, apenas usando, para dar mais ‘salero’, uma palavra na língua de Pessoa – ‘saudade’ – para destacar os nobres sentimentos de seus pais sobre o país vizinho.
Já Marcelo Rebelo de Sousa – ou será Marcelo Revelo de Sosa? – fez o que um súbdito deve fazer perante a (sua futura) rainha: brindou em castelhano, embora com tão terrível pronúncia que, vos garanto, o Cervantes, lá no sepulcro do Convento de las Trinitarias Descalzas de San Ildefonso, deu ‘erizado’ umas quantas acrobacias, apenas não uns saltos mortais, porque defunto já ele está. Em todo o caso, em resposta ao brinde de Marcelo (ou Marcelo, em castelhano), o Rocinante relinchou ‘iiirrrrí‘ e o Rucio zurrou ‘inhóóó inhóóó‘.
SEMANA 28/2024
Salomé e a cabeça da Verdade numa bandeja
Há agora um novo desporto nos media mainstream: malhar em Lucília Gago e zurzir na Procuradoria-Geral da República, esse malévolo ente que ia dando cabo da vida do nosso querido Costa, o nosso ai Jesus que agora dará mais alegrias ao povo português do que o Ronaldo, já anda a pensar em pousar chuteiras, tornando-se o mais mais inteligente presidente do Conselho Europeu, PNS dixit.
Ora, na recente entrevista à RTP, Lucília Gago disse que não se sentia responsável pela queda do Governo em Novembro passado, que fora uma decisão pessoal de António Costa, que “poderia continuar a exercer as suas funções” como, exemplificou, aconteceu com Ursula von der Leyen e com Pedro Sánchez. “Não é automático que a instauração de uma investigação tenha como consequência uma demissão”, defendeu.
Que foi ela dizer, caramba! Caiu logo nas malhas do Polígrafo, o arguto fact-checker com uma impressionante densidade de under-30 na sua redacção, e que agora até já ‘contrata’ under-20, o que, convenhamos, poupa dinheiro em salários, mas mostra-se arriscado porque, geralmente, a memória destas gentes, tal como a idade, é curta.
Portanto, assentando nisto, lá tivemos o Polígrafo com a jornalista Salomé Leal a pôr a Dona Lucília Gago em ordem, dando-lhe um raspanete, porque, segundo esta veneranda (nada veterana) fact checker, não é comparável a situação de Ursula von der Leyen com a de António Costa, porque, havendo um caso de alegada “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses” nas negociações de vacinas entre a presidente da Comissão Europeia e o CEO da Pfizer, a senhora alemã “não ponderou em momento algum abandonar o cargo apesar da investigação, mas também não foi, ainda, acusada da prática de qualquer crime”.
Pintura exposta no Museu Nacional de Arte Antiga da autoria de Lucas Cranach, o Velho.
Isto é uma chatice quando se anda a fazer fact-checking como se fosse gente grande, e depois, vai-se a ver, e entrou-se no jornalismo em 2020. E, portanto, que interessa a Salomé Leal tudo o que sucedeu antes desse prodigioso ano, incluindo, portanto, as acusações (e investigações) que ainda pendiam sobre von der Leyen em 2019 como ministra alemã da Defesa, quando então foi escolhida para a presidência da Comissão Europeia? E não seriam essas situações passadas sobre as quais Lucília Gago se estaria a referir?
Nanja! Nada!
Para Salomé Leal, só se deve ver, com antolhos, para a frente de 2020. Para Salomé Leal, só há Político a partir de 2020 (e em particular, para apanhar o ‘erro’ de Lucília Gago, através da notícia do Político de 1 de Abril de 2024, que ela refere como ‘prova’); não há Político antes de 2020, nem existência, nem mundo, nem memória, somente o vazio a.S.L. (ante Salomé Leal).
Dona Lucília Gago, para a próxima se precaveja: não queira, matusamelicamente, confundir as mentes juvenis, invocando o passada da nossa Ursula von de Leyen antes do Pfizergate; não queira relembrar casos, ‘casinhos’ e ‘casões’ que teve como ministra alemã da Defesa entre 2013 e 2019, como, hélas, se pode ver no período pré-histórico do Político (aqui, aqui, aqui e aqui).
Enfim, a ignorância é muito atrevida, diz-se – mas numa fact checker armada em paladina da verdade, a ignorância torna-se apenas lamentável. A culpa, parece-me, nem é da Salomé, mas certo é que, com estes fact checkings, a Verdade nos surge assim decepada numa bandeja.
SEMANA 26/2024
Gouveia e Melo apanha Putin no cimo do ‘caralho’ (calma: é termo náutico)
Na Teoria do Caos diz-se que pequenas alterações nas condições iniciais de um sistema complexo podem resultar em grandes e imprevisíveis eventos futuros. Conhecido por Efeito Borboleta, este conceito foi popularizado pelo meteorologista Edward Lorenz nos anos 1960, e é frequentemente ilustrada com a metáfora de que o bater de asas de uma borboleta na Amazónia poderia desencadear uma tempestade no Pacífico.
Em Portugal, desde que o submarinista Gouveia e Melo se meteu na ‘cesta de gávea’ (também conhecida, em tempos antigos, por ‘caralho‘), a mandar postas de pescada como Chefe do Estado-Maior da Armada, sabemos por isso que, quando uma qualquer embarcação da Rússia levanta âncora de um qualquer porto e cruza águas portuguesas, nos arriscamos a ter a III Guerra Mundial. E por isso, temos de combater o ‘Efeito Borboleta’ com o ‘Efeito Gouveia e Melo’.
Não tenham dúvidas sobre o ‘Efeito Gouveia e Melo’ para a paz mundial. A III Guerra não sucedeu ainda porque, claro, a Marinha Portuguesa ‘almirantada’ pelo mestre-da-logística-vacineira, putativo candidato a Presidente da República, coloca sempre toda a ‘infantaria náutica’, que ainda flutua, a postos para controlar os malvados espiões russo. Apenas por causa de Gouveia e Melo os russos não sabem ainda como podem sair vitoriosos de um conflito global, porque jamais conseguem vasculhar em descanso o fundo do mar português. São corridos.
Que o Putin deixe de se armar em carapau de corrida, e tire as mãos da sardinha – com Gouveia e Melo não há cá caldeiradas. Que o Putin se entretenha com o esturjão, que se contente com o caviar. Se não se portar bem, às tantas, leva é uma solha do nosso Almirante… ou uns douraditos da Iglo (passe a publicidade).
Por tudo isto, celebremos Gouveia e Melo. Celebremos a Marinha Portuguesa que bem viu que o ‘General Skobelev’ não era um banal petroleiro russo com destino a Kalinenegrado, nem que o ‘Akademik Ioffe’ não era um corriqueiro navio russo de passageiros com destino à Libéria, nem o ‘Nikolav Chiker’ um singelo quebra-gelo saído do porto de Mariel em Cuba, onde sabemos que nem há neve. Eram sim uns malvados “navios-espiões russos”, como noticia o Correio da Manhã depois de um comunicado do gabinete de imprensa do nosso Almirante, que só não deram início à III Guerra Mundial porque a nossa bendita Marinha cometeu uma heróica “missão de 90 horas”.
Imagens retiradas hoje do Marine Traffic com a localização de embarcações, bem como a localização actual do Akademik Ioffe que segue para a Libéria. Cada triângulo representa a localização de uma embarcação de grande porte.
Feito isto – e que grande feito de Gouveia e Melo comparado com os vulgares ‘passeios’ de Diogo Cão, de Bartolomeu Dias, de Vasco da Gama, de Afonso de Albuquerque e do ‘traidor’ Fernão de Magalhães –, somente se me coloca uma dúvida: será que o Putin não deveria mudar de estratégia, e em vez de mandar navios-espiões com bandeira russa, não deveria antes alugar um embarcação de outro qualquer país para espiolharem as nossas águas territoriais ou a nossa Zona Económica e Exclusiva (ZEE)?
É que assim isto não tem muita piada! São sempre apanhados pelo olho do Gouveia e Melo, que no cima do ‘caralho’ nada deixa escapar. Dá-lhe, camarada Putin, pelo menos algum trabalho, enquanto ele não segue para Belém: há centenas de navios a cruzarem os mares portugueses, como podes ver ali em cima nas imagens retiradas do Marine Traffic. Escolhe um, para que Gouveia e Melo apanhe todos. Se o homem até já venceu um vírus…
SEMANA 25/2024
Força Aérea: um zero à esquerda a meter dois zeros à direita
Na aviação, um número conta muito. Por exemplo, em 1989, um voo da Varig, caiu sem combustível na floresta amazónica, só por por causa de o piloto ter inserido a direcção 027 graus, em vez de 270 graus. Um zero mal metido. Mas esse lamentável caso foi na aviação civil; na Força Aérea, como se viu desde pelo menos o Top Gun, não se brinca em serviço. Um número é um número. Rigor absoluto.
E daí que se começou a salivar aqui no PÁGINA UM, que muito já viu em contratação pública, quando se detectou, no início desta semana, um ajuste directo celebrado há quase dois anos, mas somente agora publicitado no Portal Base, pelo Estado-Maior da Força Aérea para aquisição de apoio de engenharia relativo a um sistema de comunicações. Valor da ‘coisa’: 7.326.000 euros, ou seja, um ajuste directo de mais de 7,3 milhões de euros, montante que, com IVA, ultrapassaria os 9 milhões de euros. Ainda por cima, sem sequer existir contrato escrito, invocando uma norma inadequada para estes casos.
Já se imaginava as parangonas – mas vieram as relações públicas estragar a ‘cacha’, confessando um erro, corrigido depois do contacto do PÁGINA UM. Afinal, o contabilista da Força Aérea, talvez um zero à esquerda, tinha inserido dois zeros à direita, a mais. Ou seja, onde antes se lia 7.326.000 euros, passou a ler-se 73.260 euros. E lá se foi a ‘cacha’.
O director do PÁGINA UM ainda anda a matutar se não deveria ter perguntado por comprovativos que demonstrem que nunca erros deste quilate quando se digitam números nas ordens de transferência. Às tantas, ainda se descobria, no contrato de 2021 (que só foi publicitado este ano) para fornecimento de combustíveis, que o Estado-Maior da Força Aérea em vez de ter pagado 57.276.950,99 euros à Petrogal, afinal enviou-lhe, vá lá, apenas 57,27 euros – ou, para arredondar, 57,27 euros. Erros acontecem: quem não…
SEMANA 24/2024
Carlos, o Papa Moedas
Carlos Moedas já nos habituou a falar na primeira pessoa do plural sempre que, em bicos de pés, quer falar da obra que julga ser só sua: “entregámos chaves de casa”; “homenageámos fulano de tal”; “visitámos a estrada da Beira e a beira da estrada”; “distribuímos isto e aquilo”, “condecorámos sicrano e beltrano”, e hoje [sic, neste caso] “Casámos os noivos de Santo António”.
Mas, calma, não se pense que nesta função casamenteira, o presidente da Câmara de Lisboa tenha exercido o ministério de sacristão ou de diaconato – que ofensa seria! E, para quem é, nunca aceitável seria o múnus do presbiterado, que isto de ser pároco, cónego, vigário-geral ou monsenhor é coisa de pobre. Merecia Carlos Moedas não menos do que a função, ou título, de bispo, de arcebispo, de cardeal ou de patriarca. Mas como isto seria sempre pouco, acho mesmo que este, hélas, nosso edil deveria estar mesmo no topo da hierarquia, até para fazer jus à função que melhor desempenha com o dinheiro dos contribuintes para se promover: Papa – o nosso Papa Moedas.
SEMANA 22/2024
Costa, o Ricardo, sem tempo para ler sobre prémio das estantes IKEA
O jornalista Ricardo Costa tem quatro relevantes pecularidades biográficas: é cumulativamente director de informação da SIC e director-geral de informação do Grupo Impresa (dona do Expresso); é primo em segundo grau de José Alberto Castelo Branco da Silva Vieira; é irmão de António Luís Santos da Costa; e tem raízes orientais, o que, garantidamente, na douta e constitucionalíssima tese do nosso actual Presidente da República, o tornará “lento”. Só a segunda é irrelevante para a minha ‘arranhadela’.
Sendo “lento”, ‘marceloscamente’ falando, e tendo tão elevadas funções na direcção de tantos órgãos de comunicação social, compreende-se que Ricardo Costa só leia as ‘gordas’ e que os seus olhos não comam mais do que o primeiro ‘linguado‘, porquanto, como sabe, a partir daí tudo é palha para encher chouriços.
Por esse motivo, compreende-se que Ricardo Costa tenha vindo a correr dar uma alfinetada no Governo Montenegro por ter eliminado um rectângulo verde, um círculo amarelo e um quadrado vermelho como logótipo da Nação, uma vez que a ‘obra’ acabou de ganhar um prémio de design.
Confirma-se, assim que Costa, o Ricardo, nem sequer leu a curta notícia da SIC, televisão do qual é director de informação, a qual destaca no seu tweet no X, para criticar “as guerras culturais [quando] chegam ao design”. Se assim não fosse, teria visto que o Grande Prémio CCP 2024, e que deveria ter merecido o máximo destaque, foi entregue à não menos famosa publicidade da estante IKEA: “Boa para guardar livros. Ou 75.800€“, alusiva ao dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária, chefe de gabinete do Costa, o seu António, e que tanto frisson causou às sensibilidades políticas do PS.
Já agora, bem vistas as coisas, às tantas os 75.800 euros do Escária eram legais: serviriam para pagar ao designer os 74.000 euros do logótipo, e o resto seria para cerveja e tremoços, que para gambas já não daria.
SEMANA 21/2024
Mais um frete do Polígrafo; mais um prego no caixão do jornalismo
A vida anda difícil para todos, e até também para o Polígrafo, apesar dos mais de 400 mil euros por ano que encaixa do Facebook para fazer de cão-de-fila pelas redes sociais. E se quando esteve desempregado, o seu director, Fernando Esteves, fez uma perninha em final de 2018 para sacar quase 20 mil euros num centro hospitalar de Lisboa (sem haver sinal de ter feito ‘coisa’ alguma), mais facilmente pode o Polígrafo fazer fretes – desde que, claro, receba dinheiro. Pregar pregois no caixão do jornalismo, isso é um pormenor…
Como se sabe, o Polígrafo orgulha-se de ser um órgão de comunicação social exclusivamente de fact-checking, que teve o seu período de ouro na pandemia, com uma função mui útil para consolidar ‘narrativas’, metendo no mesmo saco gente destemperada e racional (desde que ambos os grupos não aceitassem as ‘narrativas’, em versão low cost, porquanto metia estagiários geralmente de Comunicação Social a mandar postas de pescadas sobre complexas questões de Epidemiologia e outras ciências, muitas vezes com especialistas em migrações de sardinhas ou peritos em hidrogeografia que andaram a lançar búzios com modelos matemáticos de vão-de-escada.
Mas estamos em 2024, e embora haja muita mentira a ser desvendada em campanhas eleitorais, a safra deve andar fraca – e, portanto, o que vier à rede é peixe. E esta semana saiu assim no Polígrafo uma notícia ‘normal’, mas nada habitual num ‘fact checker’, sobre um banal “encontro com jornalistas, esta terça-feira, em Lisboa”, onde Elisa Ferreira, a comissária portuguesa ns Comissão von der Leyen, notou que quando existe “um alargamento da União Europeia há normalmente um impulso brutal da economia” dos países que acabam de aderir ao bloco europeu”. Toda a notícia soa a pé de microfone: a comissária diz, a jornalista anota.
E, acrescenta ainda a jornalista Ema Gil Pires, com um curioso número de carteira profissional – 7999, que, por ser nova, nem sequer deve saber o que é a cláusula de consciência, que a livra de fazer fretes a mando do ‘patrão’ –, que Elisa Ferreira notou, assim, a “grande oportunidade” que tal seria para o “processo de reconstrução da própria Ucrânia”, numa altura em que se perspectiva “uma eventual inclusão de Kiev no leque de Estados-membros”. E blá blá até ao fim.
E é bem no fim que se vê o seguinte texto, que deve ser lido ao som de violinos, ou de marcha fúnebre em memória do jornalismo: “Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto ‘EUROPA’. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar“.
SEMANA 20/2024
As reuniões do Grande Líder Moedas
Carlos Moedas, o Presidente da Câmara de Lisboa – ou, antes disso, como salienta na sua conta do X, é “Mayor of Lisbon” e, além disso, também “Maire de Lisbonne” (e direi eu, de igual modo, que será লিছবন চহৰ পৰিষদৰ সভাপতি, em língua assamesa), é um líder. Perdão: é um Líder. Penitência: um Grande Líder. Misericórdia (não a freguesia onde nasci no longínquo ano de 2008): O GRANDE LÍDER!
O único! Mas nunca sozinho.
Moedas surge, feito vedeta, a oferecer casas, a acompanhar obras, a distribuir subsídios, a condecorar o periquito, mas nunca o faz sozinho. Usa sempre o plural: oferecemos, acompanhamos, distribuímos, condecoramos. E nós pagamos.
São pormenores: afinal, o Grande – metonímia para Grande Líder Moedas – liderará sempre COM as pessoas, como titula a sua ‘magnum opus’, dirão os seus empolgados idólatras. E o Macron, que diz de Moedas o que o Maomé dizia de Meca: que “servirá para encorajar e até formar as próximas gerações de cidadãos que queiram fazer viver os seus ideais”.
Mas calma. Nem sempre o Grande – o Grande Líder Moedas – lidera com as pessoas. Tem de se ter estatuto para se estar COM o Líder. Até em reuniões que, na verdade, servirão para ele – leia-se, Ele – expor a sua liderança. Por exemplo, Moedas reúne COM o presidente da Câmara Municipal do Porto, mas já reúne OS presidentes das autarquias que integram a Área Metropolitana de Lisboa. Mesmo quando se está na mesma sala do Grande não significa que se esteja ao mesmo nível – que assim conste in saecula saeculorum.
SEMANA 20/2024
Das invasões do colonialismo às invasões do doutor Nuno Rebelo de Sousa
Se os filhos vivos têm de pagar pelas invasões cometidas pelos pais mortos, conforme defende o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, parece-me bastante lógico que os pais vivos possam também pagar por invasões dos filhos vivos. E isso pode ser visto ao nível de uma geração ou de dezenas de gerações.
Assim, enquanto andarmos então a contabilizar, por invasões desde o século XV pelos nossos antepassados, quanto deveremos pagar ao Brasil, à Angola, a Moçambique e a tantos outros territórios dos quatro cantos do Mundo que os nossos pais (no sentido lato do termo) palmilharam, também não nos devemos esquecer de apurar a quem endereçar as facturas pelas invasões ao nosso território ‘perpetradas’ pelos fenícios, pelos gregos, pelos cartagineses, pelos romanos, pelos visigodos, pelos suevos, pelos mouros, pelos espanhóis (sessenta anos) e até pelos franceses (e até dos ingleses que nos vieram ajudar por causa do Napoleão, e não quiseram ir embora facilmente).
Já agora, talvez fosse boa ideia incluirmos as invasões das nossas antigas colónias – que tínhamos tomado a outros – pelos espanhóis, pelos ingleses, pelos holandeses, pelos alemães, etc.. Talvez não fosse má ideia pedir-lhes indemnizações agora. Ou, pelo menos, reverter péssimos acordos de paz, como aquele em Haia, no ano de 1661, onde se concordou em compensar com 63 toneladas de ouro a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos pelas mais-valias por eles criadas no Nordeste brasileiro, apesar de os termos derrotado no campo da batalha. Ainda lhe entregámos o Ceilão (Sri Lanka).
Bem mais fácil, na verdade, será obrigar os pais a pagarem pelas invasões dos filhos. Por exemplo, o Doutor Nuno, vindo do Brasil, invadiu Portugal, dirigiu-se ao Serviço Nacional de Saúde e, com isto, desapareceram perto de quatro milhões de euros. O Doutor Marcelo Rebelo de Sousa deveria indemnizar o país por isto, não acham?
SEMANA 14/2024
(Ainda) Rosália Amorim & outras histórias (com acentos graves)
Se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) demorou quase dois meses a retirar a referência da Rosália Amorim na sua base de dados, depois desta ‘sair do armário’ e se assumir como uma marketeer, também eu posso, atendendo à minha felídea idade, preguiçar e nada escrever. E assim por isso, assim ficou o nome da Rosália Amorim, para escarmento, aqui pespegado nesta rubrica por três semanas.
Enfim, agora vai ficar mais uns dias, porque não achei suficientemente apelativo para justificar um título em destaque a façanha dos ‘jornalistas do oráculo’ da RTP, que titularam, no rescaldo do Sporting-Benfica das meias-finais da Taça de Portugal, sobre os titulares das equipas mas com acento no I; mesmo tendo sido agudo. E nem foi uma vez – que sempre daria para conceder o benefício da dúvida de se tratar de um ‘corvacho’ – mas logo duas, e se calhar até foram três para ser como a conta que Deus fez.
Enfim, também poderia brincar – não gozar, porque este é um senhor muito distinto e respeitável – com o Professor Jorge Miranda que no Público, à força de querer defender o estapafúrdio Acordo Ortográfico que mete o Pacto de Varsóvia ao nível do Pato à Pequim, acaba a escrever heróico com acento à moda antiga. Mas já nem vale a pena porque o nosso colunista Manuel Monteiro, também ali na concorrência, já lhe disse das muito boas, além de aproveitar para contar deliciosas histórias em redor das palavras como a do menino italiano que ‘inventou’ o petaloso.
De resto, podia sempre gozar com a Filomena Martins, a meteorojornalista – não é só James Joyce que funde palavras, ó Manel – de serviço do Observador que, desde a minha última arranhadela, já escreveu sobre “chuva de lama“, sobre a depressão Nélson que diz ser “a primeira do rosário de tempestades até à Páscoa” passada, sobre mais poeiras e calor, e sobre a “tempestade Olívia” que vai trazer mais uma “enorme massa de poeira que pode chegar à Suécia“. Ou não. E isto já sem incluir os dois sismos, porque se é para mostrar que o Mundo literalmente está em convulsões, não há melhor mesmo do que a Filomena Martins.
SEMANA 11/2024
Rosália Amorim, uma potencial grevista na Ernst & Young?
Desde que a minha taça com Royal Canin esteja bem apetrechada, sou solidário com todos, incluindo jornalistas em greve, mesmo nos jornais que pensam que uma greve deve servir “para mostrar à sociedade a importância de uma comunicação social livre, actuante e sustentável” (direcção do Público dixit), como se a sociedade não o soubesse, e não para protestar contra a existência de empresários ‘pato bravo’ como aqueles que orquestram despedimentos canalhas, do qual o último exemplo (mas não derradeiro) sucedeu ainda ontem à direcção editorial e a vários jornalistas do DN, mas este episódio lamentável foi já visto, desta vez, com ‘mais classe’ (e sem alarido), porque uma coisa é um despedimento feito pelo ‘chefe do galinheiro’, outra é se a coisa se congemina por um papalvo fundo das Bahamas.
Mas, verdadeiramente, mais do que saber qual o grau de adesão à greve dos jornalistas ou os efeitos da dita (que vai ser nenhum, excepção ao alívio das consciências, um alívio semelhante a uma mijadela na caixa de areia), a minha felina curiosidade centra-se apenas no comportamento de uma pessoa: será que a actual directora de marketing e marcas da Ernst & Young (EY), Rosália Amorim – que foi orgulhosamente enterrando o DN, quando directora, com as suas parcerias comerciais e fretes que tais -, também vai hoje fazer greve?
É certo que ela não consta da lista dos ‘238 magníficos jornalistas’ que decidiram mostrar à História, através de uma carta aberta fechada aos outros cinco mil camaradas, que a profissão está ‘sem papel’, mas a nossa magnífica Rosália Amorim mantém incólumes, por falta de vergonha, todos os seus direitos, isto é, a sua bela carteira profissional de jornalista número 1788, porque ainda está activa na CCPJ. Activíssima ainda hoje (pelo menos até às 12h19), 28 esplêndidos dias após ter assumido que anda agora a vender marcas na EY, contratada que foi pela sua excelsa experiência em funções similares no DN e TSF.
SEMANA 10/2024
Meteorologia & eu, o gato de Pavlov
Um felídeo não costuma ser tão estúpido como um canídeo, mas confesso que perante um qualquer anúncio de banal ‘anomalia meteorológica’, que pode ser só sol ou chuva, funciona em mim como a sineta nos cães do russo Ivan Pavlov.
Quer dizer, não me ponho a salivar, mas vou a correr ao site do Observador, em busca dos textos da Filomena Martins. Nunca falha!
Por isso, quando hoje li um texto no Público de uns três mil caracteres da Marta Leite Ferreira – que vem da escola do Observador – a anunciar que o “tempo vai piorar nas próximas horas“, vi-me impelido, por forças que jamais controlarei, a ir em busca das previsões da directora-adjunta do Observador. Nunca desilude! Encontrei aquilo que nunca se esconde: nesta segunda-feira houvera escrito meteorológico.
Êxtase absoluto. Tudo ali é irresistível. Empolgante. Anteontem, Filomena Martins até evocou (ou invocou, já nem sei) tempos e terras de vikings, fazendo-nos, logo no lead, vislumbrar um “bloqueio na Escandinávia [que] abre um corredor para as tempestades chegarem à Península Ibérica”.
Calma! – ou melhor, não vai haver calma atmosférica alguma. Isto é só a pele. A ‘carnicha’ encontra-se no meio do artigo, aí se revelando que ficará aberto “um enorme e largo corredor para entrarem várias frentes chuvosas e frias pela Península Ibérica adentro: a maior, que se deve transformar numa tempestade de forte impacto, [e que] chega esta quinta, [e] mantém-se sexta, e arrasta mais uma massa de ar polar frio, cujos efeitos se prolongam até ao fim de semana eleitoral”.
Vai ser uma semana de montanha russa meteorológica. Perdão: repito, para meter aspas, porque a frase anterior é da autoria de Filomena Martins e não quero ser acusado de plágio: “Vai ser uma semana de montanha russa meteorológica.” Até porque parece que o tal corredor vai ficar aberto – “quer na horizontal (para as frentes vindas do lado da Gronelândia, com massas de ar polar), quer até quase na vertical (para as frentes que se formam já junto às ilhas britânicas)” –, assim “permitindo [a negrito no original] comboios de tempestades que entram de forma contínua na Península, umas vezes muito juntas, outras a espaços“.
Eu acho que isto é mais um carrossel do que uma montanha russa, mas, enfim, deixemos a Filomena Martins meter mais água.
SEMANA 09/2024
O farnel dos lagartos deve ter pouco tabaco
Foi jogo emocionante, o de ontem, no Estádio de Alvalade, onde se defrontou o Sporting e o Benfica, mas mais interessante, por certo, teria sido assistir à cobertura realizada pelos repórteres do jornal Record, que agora têm o Cristiano Ronaldo como o ‘patrão’ principal, com 30% da Medialivre.
Oficialmente, houve três golos: ao minuto 9 marcou o sportinguista Pedro Gonçalves, depois ao minuto 54 o sportinguista Viktor Gyökeres e, por fim, ao minuto 68 o benfiquista Fredrik Aursnes. De permeio, houve ainda um golo anulado ao benfiquista Di Maria ao minuto 71 (que daria o 2-2) e outro ao sportinguista Nuno Santos ao terceiro minuto de compensação (que daria o 3-1).
Porém, talvez embalados pelo farnel que, por certo, o Sporting também ofertará aos jornalistas – tal como sucede na Varanda da Luz –, mas com ingredientes especiais, os jornalistas do Record foram ‘relatando’ um ‘desenrolar do marcador’ muito peculiar.
Ao minuto 55, estava afinal 4-0 para o Sporting.
Ao minuto 68, o Record fez com que o o golo do Aursnes valesse por dois, colocando um empate na ‘coisa’, porque, para além do golo do norueguês ter valido por dois, acabou também por ‘sacar’ dois golos aos quatro do Sporting. Portanto, 2-2.
Mas não satisfeito com um empate, os jornalistas concederam no minuto 74, um terceiro golo ao Benfica, colocando o marcador em 2-3 favorável ao Benfica.
Pena esta vantagem benfiquista ter sido ‘noite de pouca dura’, porque, ao fim de quatro minutitos, houve alguém, talvez o VAR, que retirou dois golos ao Benfica, estabelecendo o resultado final, coincidente com o real.
Em todo o caso, atenção: não vai haver, afinal, segundo o Record, é mentira que haja um segundo jogo marcado na Luz no início de Abril. Na verdade, ainda sob a influência do ‘farnel dos lagartos’, os jornalistas do Record indicaram que, depois do 2-1 do Sporting, o resultado agregado (das duas mãos) ficou já estabelecido: 5-0 a favor do Benfica.
A dorsal anticiclónica do Observador
Somos, por aqui, adeptos incondicionais da jornalista Filomena Martins que, sendo director-adjunta do Observador, desunha-se em fazer jus ao título: observa meticulosamente o tempo, neste caso não numa perspectiva filosófica, mas somente meteorológica, presenteando-nos sempre um Armagedão à primeira lufada ou ao segundo chovisco.
Em todo o caso, confessamos a nossa desilusão sobre o texto de hoje em que ela anuncia, para a próxima sexta-feira, a denominada Primavera meteorológica, pois nada nos mostra a jornalista-meteorologista mais famosa do país e os seus terríveis rios atmosféricos, nem as tenebrosas ciclogéneses explosivas nem os temíveis ciclones bomba nem os tétricos comboios de tempestades. Só frio, chuva, três massas de ar polar e uma dorsal anticiclónica. Muito pouco. Assim, nunca mais chega o Fim do Mundo!
SEMANA 08/2024
Testículos & pénis
O Correio da Manhã (CM) perde, com este nosso texto, o monopólio de meter genitálias em títulos, mas não poderíamos perder a oportunidade de felicitar a sorte danada dos editores deste jornal de referência (e o mais lido do país) por o método de coacção de um auxiliar de acção médica do Hospital Garcia de Orta consistir em meter a mão numa componente da genitália masculina da vítima de dimensão mais curta – mais curta no sentido do número de letras.
De facto, por agora, sabíamos, através do nosso CM, que ataques às genitálias masculinas se faziam, por regra, segurando o saco escrotal e apertando as gónadas. Além da dor, já deu títulos bombásticos em cenários nada agradáveis só de imaginar.
Mas não há bela sem senão. Jornalisticamente falando, os testículos têm um problema: são grandes demais, ocupam um grande volume num título. São 10 letrinhas monstruosas, não dá jeito nenhum em determinadas situações.
Por exemplo, imaginem se o tal auxiliar do Hospital Garcia de Orta tivesse apertado os testículos a um idoso para lhe “sacar o código do cartão multibanco”, e comprar depois “bens de elevado valor, como relógios, TV, perfumes, e outros como azeite”. Não cabia. Por sorte, apertou-lhe o pénis, que tem apenas cinco letrinhas, fica pela metade. Cabe na perfeição no desenho da página. Concluindo, apertar um pénis em vez dos testículos é não apenas menos doloroso como muito mais cómodo para a difícil arte de titular um jornal. É um dois em um.
Ribeiro de bocas, em enxurrada
Dia 19 de Fevereiro
Descobrimos ontem para que serve meter uma dezena de candidatos de pequenos partidos numa ‘linha’ a fazer de conta que a televisão pública é muito democrática e dá voz a todos.
Aquilo serve para, como nas feiras, se mandar uns tirinhos nos bonecos. Sobretudo se se é jornalista. E sobretudo se se é um jornalista do quilate do Luís Ribeiro, que já foi apontado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social de ser um ‘jornalista comercial’ por fazer trabalhos de prestação de serviços a empresas externas (parceiros) numa revista (Visão) que integra uma empresa unipessoal de 10 mil euros que tem 10 milhões de euros de dívida ao Estado. Divertiu-se muito ontem, o Ribeiro, em enxurrada de bocas no X. Hoje, divirto-me.
‘todOs’ é menor que ‘todEs’
Afinal, para o jornal Público, o ‘todes’ não é um símbolo de linguagem inclusiva, mas sim um termo para unir, colocando em pé de igualdade, os partidos com representação parlamentar com aqueles que, coitados, ainda não têm (e alguns nunca terão, pelo andar democrático da carruagem) assento parlamentar.
Assim, está a jornalista Sofia Neves, hoje no Público, a ser rigorosíssima quando nos garante que “todOs os partidos defendem não existir uma só solução para a crise da habitação”, e depois acaba a listar somente as propostas da Aliança Democrática (PSD, CDS e PPM), Bloco de Esquerda, Chega, Iniciativa Liberal, Livre, PAN, Partido Comunista Português (sem PEV, apesar de coligados) e Partido Socialista.
Já se tivesse escrito que “todEs os partidos defendem não existir uma só solução para a crise da habitação”, então aí teria mais trabalho, porque se fossem mesmo ‘todEs’ (e não apenas ‘todos’) teria ela que listar as propostas não apenas do grupo do ‘todOs’ mas também as propostas do PCTP/MRPP, do Alternativa Democrática Nacional (ADN), do Volt Portugal, do Juntos pelo Povo (JPP), do Partido Ecologista Os Verdes (esquecido na CDU), do Ergue-te, do Nós, Cidadãos, do Reagir Incluir Reciclar (RIR), da Nova Direita, do Alternativa 21 (Partido da Terra e Aliança) e do Partido Trabalhista Português (PTP).
Donde se conclui que se mostra muito conveniente, a partir de agora, usar o ‘todOs’ mesmo quando não se trata da ‘totalidade’ (e vejam que termina com E) sem se ser acusado de falta de rigor, porque ‘todOs’ é, assim nos mostra o Público, inferior a ‘todES’. Pode sempre dizer-se que há uma discriminação, mas isso, em campanha para eleições democráticas, e quando são os órgãos de comunicação social a fazer, não conta.
SEMANA 07/2024
Dia 17 de Fevereiro
Abrunhosa, o Senhor da Palavra, e o triste fim de um plagiador
Esqueçam D. Dinis, o Rei Poeta.
Reneguem Fernão de Oliveira, João de Barros, Pêro Magalhães de Gândavo e Duarte Nunes de Leão, Príncipes da Gramática.
Olvidem Luís Vaz de Camões, o Vate de ‘Os Lusiédas’ (versão Porto Canal).
Omitam Rafael Bluteau, na pena, e Padre António Vieira, na oratória, Imperadores da Língua.
Menoscambem Camilo, Eça, Saramago e toda a catrefa de Escribas da Lusitânia.
Posterguem Pedro José da Fonseca, Antonio de Moraes e Antonio Houaiss, Imperadores dos nossos dicionários.
Não! Nanja. Nenhum destes merece o panteão nem sequer sob a forma de cenotáfio. Todas e quaisquer palavras e fonemas a um só Ente as devemos. Por exemplo:
“Vamos” – foi ele que inventou.
“Fazer” – também.
“O” – com e sem som de U, idem.
“Que” – de igual modo.
“Ainda” – claro.
”Não” – sim, foi ele.
”Foi” – obviamente, foi ele.
”Feito” – por ele, e com grande precisão.
Claro está que este Singular Ser só se deu em ajuntar estas palavras (quer dizer, as que coloquei entre aspas), nesta concreta e sábia sequência, no ano da graça de 2010 (que, no futuro, será conhecido, por bula Inter gravíssimas, como 50 Anno Abrunhosi), através da letra de uma música cantada à cana rachada, pelo que faz todo o sentido o Bloco de Esquerda ser agora condenado por blasfémia não apenas por usar algumas (que digo!, todas) mas sobretudo por deturpar as Palavras do Senhor.
O filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire atreveu-se a usar em 1982 as palavras do título de uma música de Pedro Abrunhosa de 2010. Sabem o que lhe sucedeu?
”Fazer o que nunca foi feito”? Ó Mariana Mortágua! Que foste tu e o teu partido fazer. Atiçaste as Fúrias! Ainda por cima uma blasfémia em que, com a mudança no tempo verbal, especificamente do pretérito perfeito composto do indicativo para o pretérito perfeito simples do indicativo, alteras o foco temporal da frase, indicas que o Senhor (Pedro Abrunhosa) foi impreciso na temporalidade do acto jamais feito.
Tu já viste no que te meteste? Sabes as consequências?
Olha, Mariana Mortágua, o filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire atreveu-se em 1982, num texto sobre política educativa, a usar as exactas palavras que o Pedro Abrunhosa deu ao título da sua música em 2010 (“Fazer o que ainda não foi feito”), e sabes o que lhe aconteceu? Está morto! E desde 1997, uns 13 anos antes da música do Pedro Abrunhosa. Assim, incréus, se alcança o poder do Senhor.
E consta que outros intentaram, nos anos 80 do século passado, escrever também “fazer o que ainda não foi feito” no número 10 da revista Educação em Debate, sem autorização do Senhor Pedro Abrunhosa, e hoje, 17 de Fevereiro de 2024, se mortos não estão, de muito boa saúde não estarão.
Dia 13 de Fevereiro de 2024
Ruir ou não roer, that is the question
Tem mais de quatro séculos o famoso solilóquio de Hamlet, reflectindo sobre a natureza da existência e os dilemas perante o sofrimento da vida e o seu fim no vazio da morte. “To be, or not to be, that is the question“.
De facto, os ingleses (ou anglófonos) devem ser mais dados do que nós, latinos, às perplexidades, porquanto nunca sabem bem quando são ou quando estão. Mas não pensem que os portugueses não têm também suas dubiedades, nem que seja no acto da escrita.
Por exemplo, no Correio da Manhã, ou pelo menos o jornalista Rui Pando Gomes, quando se decidiu escrever sobre a final do Super Bowl, teve um dilema: “ruir, ou não roer, that is the question“. De facto, o que poderia acontecer às unhas da Taylor Swift enquanto via o seu namorado, Travis Kelce, tight end do Kansas City Chiefs, bater os San Francisco 49ers? Serem roídas ou ruírem-se?
Obviamente, o resultado literal de roer unhas – julgo que tal acto implica necessariamente o uso de dentes, pelo que será redundante acrescentar “com os dentes” – é ficar-se com as “unhas roídas”, mas não menos verdade sucede, por extensão de sentido, que roídas em demasia, as unhas podem ficar em perigo de ruir, o que, com algum esforço e vontade, pode dar origem a “unhas ruídas”.
Portanto, perante o dilema “unhas ruídas, ou unhas roídas, that’s the question“, o jornalista e os editores do Correio da Manhã acharam por bem decidir a favor das “unhas ruídas”. Opção legítima, claro.
SEMANA 06/2024
Dia 10 de Fevereiro de 2024
Isso não se faz! Então não é que hoje, bem no topo da primeira página, logo abaixo do seu nome, e no lado esquerdo de uma menina de lingerie vermelha, o Correio da Manhã (CM) titula: “Comboio Alfa da CP usado em filme pornográfico“, levando, imagino, uma percentagem superior a 0% dos leitores (reparem no nosso extremo rigor, jamais nos podem chamar de exagerados) a correr à página 29, nem sequer reparando, à primeira vista, que a cabeça do Ricardo Salgado (que dizem não estar já ‘bom’ da cabeça) quase tapa o ‘porn’ do pornográfico.
E depois, olhem: ‘ejaculação precoce’. Afinal, não foi nada daquilo que, naquelas fracções de segundo pela busca sôfrega da página 29, pensariam as pecaminosas e babosas mentes perversas. Na verdade, aquilo que sucedeu foi que “um filme pornográfico com cerca de uma hora tem partes da sua ação filmada dentro da carruagem de comboios da CP”, mas, desgraça, “as cenas mais ‘hardcore’ não se passam dentro da carruagem”. Só temos “a protagonista da película filmada a percorrer [a] composição de um Alfa Pendular”.
Ora bolas! Pólvora seca. Nadinha mais! Apenas uma senhora vestida de vermelho a passear-se na carruagem, e ao contrário da outra menina que surge na capa do CM (já agora, é a Lusinha Oliveira) nem sequer mostra qualquer lingerie vermelha. Ou de outra cor. Está sempre completamente vestida.
Em todo o caso, o autor desta ‘linda peça’ de non sense noticioso, o jornalista Miguel Alexandre Ganhão – editor do CM e membro da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista – ainda escreve que “não deixa de ser curioso que a empresa pública apareça associada a este tipo de obra cinematográfica”.
Aqui, já estamos a imaginar a ilimitada possibilidade de títulos ‘bombásticos’ que este estilo de jornalismo proporciona, se surgirem imagens (não autorizadas, presume-se) de protagonistas de “obra cinematográfica” do estilo hardcore a passearem por locais ou zonas públicas ou privadas antes de, em local mais recatado, mostrarem ‘acção mais concreta’. Eis alguns exemplos:
Torre Eiffel usada em filme pornográfico
Mercado da Ribeira usado em filme pornográfico
Marquês de Pombal usado em filme pornográfico
Correio da Manhã usado em filme pornográfico
Bom, se calhar estamos a exagerar. No Correio da Manhã seria impossível. No Correio da Manhã, jamais: é um ‘santificado’ jornal, onde nunca nos passaria pela cabeça associar a ‘badalhoquices’, mesmo se de forma involuntária, não é? Claro que não, caramba! Mesmo que haja por aí imagens que metem classificados com a marca CM, onde surge a divulgar os seus atributos uma “mulata meiga”, uma “bomboca sensual”, uma “loura fogosa” ou uma “gostosa quentinha”. Tudo isto só pode ser uma montagem! E o site no canto superior direito destes classificados (que se calhar o Polígrafo até concluirá ser falso) nem sequer, às tantas, funciona! Tudo fake.
Dia 6 de Fevereiro de 2024
Ontem, foi um dia feliz para a imprensa portuguesa com o justo e desejado anúncio da promoção de Rosália Amorim para directora de marketing e comunicação da Ernst & Young (EY), uma consultora que muito trabalhinho tem feito para entidades públicas: contamos no Portal Base 356 contratos de 19,7 milhões de euros.
Somos apreciadores das qualidades, inatas, de Rosália Amorim na promoção de marcas. Viu-se isso enquanto esteve como directora do Dinheiro Vivo, do Diário de Notícias e na TSF, e também na sua breve passagem na administração da Global Media.
Na verdade, promover marcas foi o que ela melhor fez nestes cargos de direcção editorial, sobretudo através da sua presença na concretização de parcerias comerciais, mas também na subtileza de algumas notícias ou entrevistas, de tal sorte que nem sempre se conseguia perceber quais eram as que tinham sido pagas ou não. Só não conseguiu promover bem uma marca – ou melhor, conseguiu promovê-la, mas mal: os órgãos de comunicação social da Global Media, e por acrescento o Jornalismo. Aliás, não sou eu, Serafim, que o diz: ainda em Setembro passado, o Conselho de Redacção da TSF se opôs à sua nomeação para a direcção editorial desta rádio, dizendo, preto no branco (como as cores do meu pêlo), que “levanta[va] legítimas dúvidas quanto à sua real capacidade de manutenção de uma política editorial independente”. E ela, mesmo assim, aceitou.
Por isso, embora haja sempre o ‘risco’ de um qualquer canal televisivo a contratar como ‘comentarista isentíssima’, a sua ida para a EY como directora de marketing e comunicação de uma consultora, além de um justo prémio para uma verdadeira marketeer que vivia no sufoco de ter de parecer jornalista, acaba por ser uma ‘clarificação’ de funções, e sobretudo ‘areja’ o ambiente.
Ah, e já agora, até para que a notícia do Jornal Económico fique correcta (identifica Rosália Amorim como “ex-jornalista“), convém que ela suspenda mesmo a carteira na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista: às 16h18 de hoje ainda estava activa. Não se esqueça, que já vai tarde.
Dia 5 de Fevereiro de 2024
De repente, todos estão preocupados com o estado da imprensa, sobre a crise da imprensa, os males da imprensa, e mais não sei o quê da imprensa. E assim sendo, por que não haveria o Centro de Arbitragem Administrativa de encaixar numa sua conferência – dedicada à política da Justiça e ao mediatismo dos casos judiciais – um tempinho para contribuir para uma reposta à magna questão: “Para onde vai o jornalismo?”
Ora, poupem o vosso tempo. Não é preciso ir assistir, porque o programa dá já a resposta, quer no formato, quer nos intervenientes: em meia hora, “Para onde vai o jornalismo” é, basicamente, uma entrevista (como é apresentado) feita por André Macedo a Nuno Santos.
Sucede que André Macedo – que andou a cirandar, não se sabe por que méritos, pelas direcções do Diário de Notícias e da própria RTP, entre outros lugares de topo em redacções – já nem sequer é jornalista, sendo consultor de empresas de comunicação (sobretudo de apetecíveis farmacêuticas que se fartam de fazer parcerias comerciais), apesar de quando em vez surgir a comentar assuntos na imprensa (de certeza absoluta de forma isentíssima). Eis o futuro do jornalismo: alguém que fez pela vida aproveitando-se do jornalismo, acaba numa empresa de consultadoria de imprensa a entrevistar um jornalista, neste caso Nuno Santos, director da CNN Portugal.
André Macedo, no canto inferior direito de um painel de comentadores da CNN Portugal, onde Nuno Santos é director editorial.
Quer dizer: Nuno Santos é, na verdade, um jornalista, mas desde 2011 só ‘de vez em quando’. Na última década, tem sido mais executivo e produtor de conteúdos do que propriamente jornalista – e isso também mostra “para onde vai o jornalismo”.
Esteve na África do Sul entre 2013 e 2016 como director de conteúdos de um conglomerado de media – onde “a sua paixão e os seus conhecimentos sobre o mundo das telenovelas e do futebol” foram muito elogiados – e depois seguiu para Espanha para fazer as mesmas tarefas por mais uns anos. Está agora, depois de ter ido montar o Canal 11 da Federação Portuguesa de Futebol e de ser director-geral da TVI (um cargo não-jornalístico), como director editorial da CNN Portugal. Tanto é assim que só muito recentemente Nuno Santos recuperou a sua carteira profissional de jornalista, tendo agora uma numeração (7185) próxima dos ex-estagiários.
Portanto, sem dúvida, muito oportuno e esclarecedor este evento do Centro de Arbitragem Administrativa: André Macedo e Nuno Santos foram bem escolhidos, embora provavelmente fosse mais adequado que a ‘rubrica’ se intitulasse: “Olhem para onde levámos o jornalismo”.
SEMANA 05/2024
Dia 3 de Fevereiro de 2024
Dizem-me que em antanho, quer dizer em tempos passados, havia a chuva, o sol, o Anthímio de Azevedo, as nuvens, mais as altas e baixas pressões, mais o Costa Alves, mais o anticiclone dos Açores, mais as tempestades e furacões, mais o Costa Malheiro, mais os aguaceiros e as geadas, mais a Sofia Cerveira para algegrar as vistas nos anos 90, e antes a Teresa Abrantes, mais ondulações e mar alterado, mais o José Figueiras, e mais relâmpagos e trovoadas, e mais um sem número de simples fenómenos meteorológicos, que, no passado, nos orientavam, com muita probabilidade de erro, sobre se se deveria levar ou não chapéu de chuva, ou mais ou menos agasalho, também consoante os doutos conselhos das mãezinhas.
Mas agora, que há todos os satélite e computadores, potentíssimos, já não temos apenas chuva ou sol, vento ou acalmia. Agora temos também a Filomena Martins, directora-adjunta do Observador que é, sem dúvida, a grande jornalista especializada em assuntos meteorológicos, na variante “rio atmosférico”.
De facto, não sei como ainda sobrevivemos a este ‘novi-clima’ com tanto “rio atmosférico” anunciado pela ‘meteojornalista’ Filomena Martins. Ou, na verdade, não sei como sobreviver à própria Filomena Martins.
No seu currículo noticioso mais recente, encontro seis notícias a titular o famigerado “rio atmosférico”, sempre num estilo mui peculiar: “Portugal vai ser regado por um rio atmosférico. Vem aí muita chuva já esta terça-feira e deve ficar até meio da próxima semana” (17/10/2022); “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um ‘rio atmosférico’ na quarta-feira” (4/6/2023); “Uma frente Atlântica, duas tempestades e a hipótese de um rio atmosférico. A chuva volta esta sexta-feira, 13” (11/10/2023); “Rio atmosférico atravessa centro do país. Avisos da proteção civil para chuva e vento: sete distritos sob aviso laranja” (25/10/2023); “Quinta-feira chega um rio atmosférico. E a partir de sexta-feira, dezembro entra gelado” (29/10/2023); “Vem aí mais um rio atmosférico esta quinta (há três distritos sob aviso laranja e cinco a amarelo). Mas o frio vai embora” (5/12/2023); “Um rio atmosférico no final da semana. E um Carnaval molhado e já com frio” (2/2/2024).
E não são apenas os “rios atmosféricos” que a ‘nossa’ Filomena Martins nos concede para nos assustar.Há tudo, menos uns aguaceiros, ou um frio de rachar; já nem temos direito a um calor de ananases, nem tão-pouco a uma saraivada de partir janelas. Nos textos da Filomena Martins, temos sim, além dos rios atmosféricos, as ciclogéneses explosivas, os ciclones bomba e até os comboios de tempestades. Tudo pavoroso. Um Armagedom.
Mudemos, portanto, a protectora do mau tempo, a Santa Bárbara, certamente incapaz de nos precaver contras os malefícios de tamanhas mudanças meteorológicas. Elejamos, em segura alternativa, a Santa Filomena, e oremos a preceito:
Os números! Ai os números, esses malvados que interagem com uma coisa chamada Matemática que serve apenas para infernizar a vida de muitos jovens que, fugindo deles (números) e dela (Matemática), escolhem Letras, e em seguida, em estudos superiores (upa! upa!), acabam por se sentar em Comunicação Social, e daí a nada estão a escrever em jornais onde o 8 e o 80, para eles, são iguais. E quem diz 8 e 80, também pode dizer um e mil.
Ora, é exactamente um erro de 1.000 que, em catadupa, a nossa imprensa cometeu quando ontem quis falar das exportações de canábis medicinal. Ainda no passado mês de Outubro, o Jornal de Notícias tinha falado sobre o tema, com dados do Infarmed, onde se destacou “os 9271 quilos exportados no ano passado [2022]”, acrescentando-se ainda que os números mostravam não haver “sinais de abrandamento”.
Ora, a nossa Agência Lusa decidiu actualizar a notícia, com dados finais de 2023, e vai daí, pimba: escolheu alguém que mete pouco tabaco na ‘coisa’, e saiu-lhe porcaria, transformando Portugal numa espécie de Afeganistão de outros tempos. Com efeito, o jornalista da Lusa, certamente por uma névoa nos seus neurónios, não achou estranho que, de repente, se andasse a produzir em Portugal 26.000 toneladas de canábis medicinal. Atenção: notem: 26.000 toneladas. Aqui por casa não se fuma, mas 26.000 toneladas são 26.000.000 quilogramas (26 milhões de quilos) ou 26.000.000.000 gramas (26 mil milhões de gramas). Isto dava para muitas trips, presumo.
Presumo, não: vamos a contas, mas sem a ajuda do jornalista da Lusa. Como um douto acórdão ensina, um ‘cigarrinho’ feito a preceito leva 0,5 gramas; assim, a produção cá do burgo daria para 52 mil milhões de ganzas, mais de seis ganzas por cada alminha desta Terra. E ainda dá para meia, compartilhada com um parceiro, para se ser preciso. E isto, hélas, incluindo crianças e velhos.
Nenhuma alminha – leia-se, editor da Lusa – reparou neste disparate, e pior: ao belo estilo do churnalism vai daí e acaba tudo publicado, sem ninguém mais reparar, em tudo o que é jornal da praça (Diário de Notícias, Observador, Expresso, Eco, etc.) como se fosse verdade que Portugal exportou 26.000 toneladas, quando, na verdade, foram apenas 26 toneladas (ou seja, 26.000 quilogramas). Mais tabaco, por favor!
Dia 31 de Janeiro de 2024
Se achavam que a Nelma Serpa Pinto, a ‘cara bonita’ da SIC Notícias, atingira o zénite na famosa entrevista em que encalacrou Pedro Nuno Santos, desenganem-se. Muitos e elevados voos se lhe auguram. Ou agoiram, acho eu.
Um deles foi ontem, como moderadora de um ‘estranho’ debate, em prime time da SIC Notícias, sobre longevidade, que é tema agora mui querido da estação e do jornal (Expresso) da família Balsemão. Nelma brilhou como sempre, colocando em discussão a situação dos pobres velhos sem médico de família, daqueles que caíram que nem tordos no início deste Inverno, os lares inumanos e tantos outros temas candentes da Terceira Idade… Nah! Nanja. Foi um debate fofinho. Tinha de ser um debate fofinho. Até porque àquela hora ainda havia crianças levantadas.
Avise-se. Aquele debate em tom fofinho de prime time na SIC Notícias (com uma jornalista em espaço informativo), ou ainda as dezenas de artigos sobre longevidade no Expresso nos últimos tempos, nada tem a ver com a existência de uns desinteressados ‘parceiros de projecto’ que dão pelo nome de Novartis (farmacêutica) e Fidelidade (seguradora).
Certamente, que sem este ‘apoiozito’ (misturado com uns cobres) teríamos visto à mesma a Nelma a moderar aquele debate fofinho com aquelas sumidades, onde se destacavam a ex-ministra da Saúde e candidata a deputada pelo PS, mais um coordenador de um projecto governamental, mais uma demógrafa com ligações à DGS.
Acho que daqui a umas semanitas, a Nelma sobe ainda mais alto, e irá moderar mais um debate na SIC Notícias, sempre em primetime, e em espaço informativo, com a bênção do ‘mano’ Costa (distinto jornalista), desta vez sobre a pesca do bacalhau… com o apoio da Riberalves, da Oliveira da Serra, do Zêzerovo, da Cooperativa Agrícola de Alhos Vedros e da Casa Ermelinda Freitas…
Dia 30 de Janeiro de 2024
Dizem-me que o presidente do Sindicato dos Jornalistas escreve n’A Bola, mas não consegui apurar se se dedica mais a desportos de pés ou de mãos. Pouco interessa. O mais relevante é dizer que está em crise. Neste caso, “o mais relevante é dizer que está em crise” tem três leituras possíveis: pode-se aplicar ao presidente do Sindicato dos Jornalistas, ao próprio Sindicato (por metonímia) e ao jornal A Bola. E todas são verdadeiras.
Já quanto ao sentido de um comunicado de imprensa do Sindicato dos Jornalistas sobre a violência contra estes profissionais, hoje divulgado, onde se fala de um deles que foi “agarrado pelas pernas e pelos braços”, para se ser claro, será obrigatório dizer que tamanha falta de clareza (se involuntária) se deveu ao facto de ter sido escrito com os pés. Senão, atendamos à seguinte frase desta ‘peça’:
“A agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços, de uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura, e a agressão a uma equipa de reportagem do Porto Canal, à porta de uma fábrica em São João da Madeira, são os dois exemplos mais recentes das ameaças físicas à segurança dos profissionais da Comunicação Social, comunicadas no âmbito do programa sobre a segurança dos jornalistas da OSCE.“
De facto, há aqui duas hipóteses sobre a participação de André Ventura, a saber:
1) “A agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços, de uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura […]”
2) ou simplesmente “[n]uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura […]”, onde, causado por outras pessoas, entre as quais um militante da Iniciativa Liberal, ocorreu “a agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços […]”
No primeiro caso, o André Ventura é um cúmplice.
No segundo caso, o André Ventura é um azarado.
E o jornalismo, assim escrito, é um desastre, independentemente de o visado ser o dono da malograda Acácia, ainda mais quando sai da pena do Sindicato dos Jornalistas, que deveria dar o exemplo de rigor, de clareza, de objectividade e de isenção. O jornalista que escreveu este comunicado merecia, metaforicamente falando, ser “agarrado pelas pernas e pelos braços” e arrastado para longe. Com doçura, claro.
Dia 29 de Janeiro de 2024
Uma simpatia, a Cristina Freitas. Empática também. Parece que esteve para ser obstetra e depois veterinária. Acabou jornalista, na SIC Porto, com a carteira profissional 5393, predicados suficientes para hoje estar a ser mestre-de-cerimónias do Encontro Fora da Caixa, um evento que serve para a Caixa Geral de Depósitos também ‘financiar’ de forma completamente descomprometida a nossa independente imprensa. Bem esteve, por isso, a nossa empática e simpática Cristina Freitas quando, ao chamar Paulo Moita de Macedo, o CEO da benemérita CGD, vislumbrou uma plateia indiferente e lhe deu, pois bem, um raspanete a preceito: “uma salva de palmas, por favor!” É assim mesmo. A Imprensa e o Jornalismo nasceram para isto: para bater palmas a quem merece!
Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.
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Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No novo episódio, analisa-se o fenómeno do Solutions Journalism (SoJo) que arrisca ser antes um NoJo (No-Journalism) se depender, como acontece em muitos casos, de fontes de financiamento que acabam por ‘desviar’ jornalistas do seu papel de investigar e escrutinar o poder.
Que as guerras no Leste da Europa e no Médio Oriente fazem vítimas inocentes, já ninguém duvida. A novidade, aqui, nesta minha crónica julgo, é André Ventura ser, na minha opinião, uma dessas vítimas.
Calma jovem fã dos tik-toks da Rita Matias; calma ancião que vês no Ventura o Moisés que abrirá os mares da expulsão de nepaleses. Calma. Não fiquem por aqui e leiam até ao fim.
André Ventura é dos políticos com mais tempo de antena na comunicação social portuguesa. Já o era antes de o Chega ter eleito cinquenta deputados e, também por essa ordem de razão, continua a ser daqueles que mais vemos no pequeno ecrã.
Não é que ele tenha muito para dizer; de facto, não tem, mas a vida de um partido sem ideologia, como o Chega, que vive do protesto do momento, depende da sua exposição mediática e, de alguma forma, da sua capacidade em conseguir marcar a agenda.
Líderes com ideias e ideais vivem do seu pensamento. Sem qualquer uma delas, sobra apenas o barulho como acto contínuo de sobrevivência -é esse exactamente o caso de André Ventura e do Chega, um partido de um homem só, apesar das tentativas de espalhar alguns deputados, os menos grunhos, nos painéis de debate dos diferentes canais de informação.
Com o tempo de antena dispensado pelas televisões às guerras na Ucrânia, Gaza e agora Líbano, sobra menos do que o habitual para os disparates do Ventura. Mas ninguém o pode condenar por falta de activismo na busca de um holofote, de um microfone ou de um conflito.
Se o país arde, o bombeiro André convoca conferências de imprensa para exigir penas maiores para os pirómanos. Não vai pegar num balde para ajudar, falar de eucaliptos ou da limpeza das matas. Nada de coisas que possam dar trabalho. Vai apenas criar mais um alvo para o ódio; neste caso, quatro ou cinco malucos que puxam fogo à mata. Sobre o negócio que, posteriormente, se faz na zona ardida… fica para outra altura.
Mas, enfim, o drama real é mesmo ver as casas em chamas, mortes de bombeiros e aldeias arrasadas. Os holofotes não se fixam no Ventura, e isso é uma chatice.
Surge então o Orçamento de Estado (OE) e uma nova oportunidade de brilhar. Desde as eleições que o Chega se queixa do ‘cordão sanitário’ imposto pela AD e, em cada oportunidade, faz o possível para que o PSD se arrependa dessa decisão. Por exemplo, na aprovação de medidas impostas pelo PS no Parlamento contra o Governo.
Também nas discussões do OE, o nosso André não conseguiu estar no centro da decisão. O PSD andou a namorar toda a gente, desde logo o PS e até a IL. E, no fim, deu algum tempo de antena ao Chega, para ver se o PS mordia o isco. Percebeu-se agora que o PS não estava disponível para aceitar o IRS Jovem e, mesmo assim, o Governo parece ter pouca vontade de falar com o Chega, preferindo ir novamente para eleições. O ‘pastor’ André e os seus 49 discípulos ficam naquela situação caricata de serem a terceira força no Parlamento, mas continuarem sem contar para o Totobola. Não há quem veja nessa gente um parceiro fiável. Porque será?
O Presidente da República veio dar uma mãozinha à decência e meteu-se na discussão, avisando que o impasse nas negociações poderia deixar o Governo nas mãos do Chega. O André ficou possesso e toca de convocar nova conferência de imprensa para cascar no Marcelo. “Até parece que ficar nas mãos do Chega é algo negativo”, disse ele com ar ternurento aos jornalistas. Então não é, rapaz? Não achas que Portugal tem já problemas com fartura?
Falando em problemas, e com os israelitas a continuarem a ocupar espaço de antena com as preparações para a invasão do Líbano, eis que o bom do André se lembrou de criar problemas onde não existem. Tudo em nome da agenda mediática onde o Chega está com dificuldades em pontuar.
A Economia portuguesa depende, neste momento, fortemente da mão-de-obra imigrante. A Segurança Social engordou com as contribuições dos estrangeiros; a hotelaria, a restauração, a construção e a agricultura dependem muitíssimo dos que escolhem Portugal para trabalhar. E essa fatia da população ronda os 10% daqueles que habitam o nosso país. Até o Governo, mesmo infiltrado com conservadores do calibre de Nuno Melo, já assumiu que a imigração é fundamental para manter o país a funcionar.
Aliás, convenhamos, não é preciso ser um Einstein para entender a problemática. Num país envelhecido, com baixa natalidade, baixos salários e que exporta boa parte das pessoas com maior formação, quem esperam que trabalhe por 800 euros? Noruegueses, alemães e belgas? Ou nepaleses, paquistaneses e brasileiros?
Meus amigos, à partida, o fluxo migratório dá-se na direcção de países mais ricos. Encontrar alguém mais pobre do que Portugal, entre louros e arianos que agradem ao Chega, não parece ser tarefa fácil.
Portanto, sendo a imigração algo positivo para Portugal, o que decide André Ventura? Agendar uma manifestação para os mandar embora e “devolver Portugal aos portugueses”. Com isso conseguiu criar um momento político, mais umas horas de emissão e inventar uma agenda que não existia. E, claro, conseguiu agradar aos seus eleitores com um discurso de ódio e racismo primário.
Curiosamente, o Chega convocou esta manifestação para o dia seguinte outra manifestação nacional, esta a propósito de um problema real: o acesso à habitação. Outro tema sobre o qual o Chega não tem nada para dizer porque o ódio, como perceberão, serve para ser direccionado somente para pobres e estrangeiros. Não é para afrontar os poderes instalados e, muito menos, os mais ricos.
Notem até que, apesar de andar sempre com a falácia dos subsídios para os imigrantes, apesar dos números nos dizerem que estes contribuem sete vezes mais do que recebem, André Ventura sugeriu, no passado dia 25 de Setembro, que o Estado deveria subsidiar as empresas para que pudessem aumentar o salário mínimo.
Estão a ver a contradição? Um homem que dizia que era necessário cortar 50% do RSI no Acores – falamos de prestações de aproximadamente 100 euros –, afirma agora que o Governo deve subsidiar empresas para que paguem salários decentes.
André Ventura, ou o Chega (já que são a mesma pessoa), não tem nada contra subsídios estatais; só não gosta é que sejam dirigidos aos mais desfavorecidos.
Enfim, os anos passam, os votos aumentam, o grupo parlamentar cresce e tudo aquilo que o Chega continua a ter para oferecer é ódio, divisão e racismo, e ainda uma aterradora falta de princípios e de ideias.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Num palco um actor muito parecido fisicamente com Biden está deitado na sua cama meio presidencial, parecendo ter um edredon roto a cobri-lo. Uma televisão Sony de tamanho médio está por cima de uma cómoda de estilo clássico em madeira de nogueira Bassano, totalmente feita em Itália por mestres artesãos, da qual se orgulha muito. Pelo menos parece, mas é tudo feito em esferovite.
Tipo Teatro.
A televisão Sony é mesmo Sony.
No momento em que o telefone vermelho toca, Biden ensaia alguns movimentos de ginástica típicos para a idade, fazendo com que pareça uma aranha a tentar escapulir de uma armadilha com uma estranha coreografia, embora cómica e meio atabalhoada. O publico ri.
Ilustração: Ruy Otero
Biden parece estar bem disposto e atende.
-Jo, como estás?
É Trump. O conhecido Donald. A voz é igualzinha e não é feita pela A.I.
O público bate palmas.
-Estava a ver que não dizias nada, velho cowboy!
-Viste?
-Sim. Calma. Mas só vi hoje porque àquela hora, sabes como é que é…
-Não, por acaso não sei Jo.
Exclama Trump intrigado, parecendo, no entanto, estar a ser verdadeiro.
-Um dia saberás. Já não falta muito.
Ilustração: Ruy Otero
Trump, pelo silêncio manifestado, mostra um certo desconforto não parecendo entender a frase misteriosa de Biden.
-Sabes cowboy, tenho estado entretido com aquele país ao lado de Espanha…
Continua o actual presidente.
-Sim. Marrocos.
Atira Trump sem acertar no alvo.
-Não. Mais para cima.
-Mais para cima é mar.
O publico ri.
Não interessa. Na televisão não param de dar uma notícia sobre um gang que fugiu de uma prisão de alta segurança, até parece uma cena de um filme com o velho Clint. Tinha lá um argentino que se disfarçava e tudo, com operações e não sei quê. E um inglês ou que é, que era bom até a mãe lhe dar uma pistola para as mãos. E confesso que ia alternando o teu debate com as noticias parvas desse país. E como tenho tradutor automático… Posso ver o mundo inteiro com todas as línguas.
-Ok. Compreendo.
Ilustração: Ruy Otero
Responde Trump um pouco aturdido.
-É aquele país que tem aquele presidente amalucado que já cá veio uma ou outra vez. Até acho que o conheceste. (Pigarreia para aclarar a voz).
-Sim, sim. Portugal. Já sei.
Lembra-se depois de fazer um esforço para avivar a memória.
-Pois é. Portugal, temos lá numa das ilhas, coisas militares.
-Esse país é muita maluco. É dos que mais devem e fazem tudo o que lhes dizem lá os outros, mas é conhecido por ter boas praias no Sul, tipo Flórida.
Remata o homem do cabelo laranja.
-Sim, isso mesmo. Jogam bem à bola. A Madonna vive ou vivia lá.
Confirma Biden, contente pelo amigo ter acertado.
-Sim, sim. Essa cab…
Trump anui, embora se auto censure quando vai referir-se à cantora, e claro que o público ri. Depois continua:
-Esse Presidente foi dos que mais disparates disse quando estive com ele numa cimeira qualquer. Mas era divertido, tentava dizer piadas e falava daquele jogador que tem a mãe sempre atrás e mais não sei quê… Ninguém lhe ligava.
Remata Trump, ficando ligeiramente menos sério.
-Mas era dos mais lambe-botas e não parecia regular muito bem. Não admira que nesse pequeno país, os criminosas fujam da prisão como quem vai a um acampamento tomar uma vacina.
-Essa tá boa.
Ilustração: Alex Farac
Interrompe Trump enquanto Biden pigarreia novamente. Uma parte da audiência assobia quando ouve falar em vacina.
-Donald, queres acreditar que fugiram nas calmas por uma escada enquanto fumavam uns cigarros americanos. E que o arame electrificado não estava ligado porque senão toda a energia da prisão ia abaixo, já para não falar dos infravermelhos que também estavam estragados.
-Bolas! Foi de noite?
-Não! Foi logo de manha à luz do dia. Tipo 10.
-Inacreditável!
-O director ou que é, estava de férias e outro qualquer que mandava estava doente há montes de tempo. Tenho-me divertido muito a ver televisão ultimamente. Já nem vou à net.
-Estou a ver Jo.
-Ah. Escuta… E quase ao mesmo tempo nesse país assaltaram o Ministério da Administração Inte…
-O que é isso?
É aquele Ministério que controla as policias.
-Não acredito. Pensava que esse tipo de coisas acontecia no Cazaquistão.
-Não. A Europa agora está assim. E sabes o que é que roubaram do Ministério?
Tcham, tcham…
-Dinheiro.
Arrisca Trump.
-Não. 8 computadores.
-O mundo anda mesmo maluco.
Ilustração: Alex Farac
Conclui o dono da Trump Tower.
-E esse tarado do presidente deles ainda veio minimizar o problema, ou qualquer coisa assim e toda a gente gozou. Sempre gostei do Teatro do Absurdo, de Ionesco.
-Eu já tinha ouvido dizer que nesse país atrasado, os prisioneiros de um estabelecimento qualquer, é que montaram o sistema de vigilância, com câmaras e tal, tipo esse teatro que tu gostas.
O publico ri.
-Acho que sim. Tenho rido muito com notícias desse tipo, agora que tenho mais tempo. Outro país meio maluco é a Espanha. O catalão não sei quantos, não podia entrar no país senão ía preso e foi lá fazer um colóquio ou que é, numa praça, e depois fugiu. É muito cómico.
-Mas o que é que achaste do debate?
Biden cai um pouco em si.
-Desculpa, Donald. Mas é que isto tudo o que está acontecer na Europa é tão entretido e sabendo que eles gozavam tanto connosco, sobretudo os franceses, que eu não dei assim tanta atenção ao teu show. Estou muito atento à queda deles.
-Percebo.
Biden continua e é assaltado por uma súbita energia.
-Por exemplo a França e aquele com nome de marca desportiva que trabalhou cá na Goldman…
-O Macron!..
Dispara Trump peremptoriamente.
-Pois esse. Agora nomeou um qualquer para primeiro-ministro que ninguém quer. E é só problemas lá com a esquerda deles. Não viste os Jogos Olímpicos? Nós sabemos porque é que tem de ser assim esta confusão toda. Mas os europeus estão a exagerar. Ainda vão acabar com aquilo mais cedo que o previsto. É muito giro Donald. Tens de aceitar. Eu já nem preciso de ver filmes. Os telejornais estão cada vez melhores.
-E na Bélgica viste aquilo da Audi?
Pergunta Trump
-Mais ou menos. Conta lá.
-Os operários da fábrica da Audi roubaram para aí mais de 200 chaves dos novos carro para que os clientes não possam entrar nesse mesmos carros e fizeram greve e agora a Audi não pode enviar as viaturas aos novos donos. Acho que foi na Bélgica sim. É qualquer coisa do género. A Europa é isso. Carros brutais sem chaves.
O público bate palmas,
-Pois, até a Audi… Os alemães… Ou os belgas, quem diria. Biden dá uma gargalhada e quase que se engasga. E depois remata meio atabalhoadamente:
-Isto cada vez lá na Europa está mais parecido com sei lá o quê…
-Sim. Eu sei. Mas viste ou não com alguma atenção o nosso programa de ontem?
Ilustração: Alex Farac
Pergunta o ex-Presidente, mudando assim o tom da conversa.
-Mais ou menos. Aquela mulher irrita-me muito. Tem uma voz muito nasalada acompanhada de umas flutuações estranhas para o meu gosto, e ao vivo também, ainda parece que faz de propósito para ser pior. Evito muito estar com ela, acho que sabes isso. E juro-te, quase não a consigo ouvir. Sabes que nunca gostei muito da Kamala e acho que a gentalha já percebeu. Também aqueles moderadores que faziam as perguntas deviam ter-te mais posto em causa com o fact-checking.
-Sim. Chatearam pouco. Pensava que iam provocar mais. Isso até estava meio combinado.
-Claro.
-Mas são um bocado estúpidos.
-Sabes como é que é a maralha da ABC… Mas deixa estar, já ninguém liga muito a isso. Está tudo quase a acabar e é melhor divertirmo-nos, mas é. Para problemas já basta Israel.
-Sim, sim. Isso é um problema sério Jo.
Confirma Trump.
-E já agora é melhor ir ali ver os meus cães que podem não estar seguros e ainda aparece aí um haitiano esfomeado…
-Pára Jo! Ouviste essa?
-Foi muito boa. Mas como é verdade vou mesmo ver se o Duffy está ali no jardim.
-E já agora não tens gatos?
-Pára, Donald!
Mas Biden não tira os olhos da televisão enquanto ri e conversa com Donald, pois passam mais noticias de Portugal. Desta vez dizem que os policias foram informados da fuga dos criminosos através de um canal dúbio de televisão, umas horas depois.
O público aplaude de pé, em êxtase.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Ruy Otero e Alex Farac
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Ainda este ano, o actual presidente da Argentina, Javier Milei, afirmou, sem papas na língua, que o Estado é uma Máfia, uma organização criminosa. Porém, permitam-me discordar. Dizer que o Estado é uma Máfia é, no mínimo, subestimar a nobreza do crime organizado. A Máfia tem a decência de nos extorquir e seguir o seu caminho. Um breve e quase civilizado encontro de negócios.
Já o Estado? O Estado vai muito além disso. Rouba-nos com uma voracidade que faria até o mais empedernido mafioso corar de vergonha. Como se isso não bastasse, “oferece-nos” escolas públicas para doutrinar as nossas crianças e jovens, alimentando-os com essa fábula tragicómica de que suas acções visam o “bem comum”.
No Estado do Vaticano, os autoproclamados representantes de Deus passeiam entre nós, mortais, adornados em vestes sumptuosas, lançando-nos promessas de redenção; no entanto, não podemos esquecer-nos das igrejas e dos conventos, grandiosos palcos por onde dão as suas missas e tecem, com esmero, as suas encíclicas. No entanto, permitam-me uma confissão: creio, sim, que Deus de facto existe, mas não necessito desses veneráveis senhores nem dos seus monumentais edifícios para chegar a tal conclusão.
Agora, o tal Estado moderno, essa entidade que nos cerca por todos os lados, é outra questão. Uma verdadeira obra de ficção, apesar dos seus imponentes tribunais, palácios, edifícios e discursos recheados de solenidade. Uma construção colectiva tão inverosímil quanto um romance de terceira categoria.
Reparem, ninguém mais “paga impostos” directamente ao Senhor Montenegro ou ao Senhor Pedro Nuno Santos, como antigamente se pagava ao príncipe, ao monarca ou ao senhor feudal. Não! Agora, todos nós pagamos ao ser mítico conhecido como Portugal. Pergunto: onde estão as provas visuais dessa entidade omnipresente? Alguém viu o Estado em carne e osso? Ou será que, tal como tantos outros mitos, só habita nos nossos pesadelos?
O que temos, na realidade, é um grupo de indivíduos organizados, convenientemente agregados em partidos políticos, que se especializam na nobre arte de assaltar a população para, em seguida, deliberarem como esbanjar o saque a que chamam pomposamente Orçamento de Estado. Outrora, ao menos, havia um rosto a assumir a empreitada: fosse um Califa, um César, um Rei ou um Faraó. Na verdade, era mais honesto.
Convenhamos, roubar em nome de uma entidade imaginária é infinitamente mais confortável do que fazê-lo em nome de uma pessoa de carne e osso. Se víssemos alguém opulento, barrigudo, a tirar-nos o dinheiro para depois gastar em palácios e banquetes, a indignação seria imediata. Mas, quando é uma entidade abstracta, o roubo torna-se surpreendentemente mais palatável. Chama-se a isso “tributar” o rebanho. Tudo em nome de uma quimera.
Este culto ao imaginário Estado assemelha-se muito a um culto religioso: todos se levantam ao som do hino, sabem a letra de cor e entoam-no com fervor. Conhecem a sua história, os seus mártires e os seus heróis. No entanto, poucos compreendem que essa entidade venerada é uma ilusão, um artifício engenhoso criado por uma máfia organizada para nos extorquir com uma facilidade alarmante.
A escola pública assume o protagonismo na grandiosa construção do Estado moderno. É lá que somos iniciados nos mistérios da língua oficial, na sua história meticulosamente seleccionada, onde reis e presidentes são catalogados com precisão quase científica entre bons e maus. Os bons, obviamente, são aqueles que alargaram as fronteiras do Estado ou o consolidaram com punho de ferro, enquanto os maus são os infelizes que tiveram a ousadia de manter a paz e evitar a opressão.
Aprendemos, igualmente com a mesma solenidade, que devemos estar prontos a dar a nossa vida por essa dissimulação chamada Estado, aceitando, sem pestanejar, a nobre escravatura do serviço militar, essa forma requintada de servidão voluntária. Em suma, inculcam-nos a virtuosa ideia de que devemos ser saqueados sem resistência, ser fiéis servos, e até entregar as nossas vidas por essa entidade abstracta e distante, enquanto, de maneira conveniente, relegamos a família, a religião e a comunidade — os verdadeiros laços que nos sustentam — para um segundo plano, como meros detalhes insignificantes no altar do sacrossanto Estado.
O que realmente se deveria ensinar às crianças era a verdadeira génese do poder político. A história começa com um grupo de bandidos organizados que desciam os vales para saquear os pobres camponeses, aquelas almas desgraçadas que tinham o único defeito de trabalhar e produzir algo de valor.
Depois do saque, como bons ladrões, fugiam às pressas. Mas um dia, um deles, num lampejo de genialidade, sugeriu: “Por que fugimos? Se colocássemos esses camponeses a trabalhar para nós permanentemente?” Organizados e armados, decretaram: “A partir de hoje, pagareis 10% do que produzis”. Os bandidos passaram então a desfrutar de banquetes, de palácios e das melhores mulheres. Ainda não era um governo, mas atirara-se a primeira pedra.
Com o passar do tempo, essa simpática extorsão começou a revelar-se trabalhosa. Manter os camponeses obedientes era um esforço, uma verdadeira canseira; pior, sempre havia o risco de uma revolução — poderiam matar os nobres bandidos! Que horror! Foi então que surgiu a brilhante ideia: criar um aparato ideológico. Poetas, filósofos, escritores, trovadores e arquitectos, todos dedicados a justificar o poder. Ou, se a coisa ficasse mais sofisticada, até uma casta sacerdotal, como na Roma Antiga, para dar aquele toque divino à opressão. O Estado deixara de ser apenas um assalto institucionalizado e transformou-se numa verdadeira obra de arte, onde o poder se justificava pelo divino.
O verdadeiro salto surgiu com a fábula do “pacto social”. De acordo com essa fantasia, em algum momento da história, o “povo” decidiu, numa epifania colectiva, ceder a sua soberania a uma entidade superior, composta por todos nós – o mítico “povo” – que, por sua vez, teria a missão nobre de proteger a nossa propriedade privada, as nossas vidas, e outras causas sublimes.
Esse pacto, como é óbvio, nunca aconteceu. Ninguém o assinou, ninguém jamais se comprometeu com tal acordo. Quando se firma um pacto, há duas partes e um juiz imparcial para arbitrar os conflitos, e, acima de tudo, a possibilidade de revogá-lo pela vontade das partes envolvidas. Mas aqui, que curioso!, ninguém até hoje conseguiu descobrir esse tal mítico “pacto”.
Depois, para apimentar ainda mais a ficção, surgiram os economistas a emprestar um verniz “científico” à coisa. A moderna “ciência”! Economistas, como Paul Samuelson, Richard Musgrave, Francis Bator – todos empenhados em usar fórmulas e teorias para dar ao Estado um ar de legitimidade. Agora não temos apenas um pacto social imaginário, mas também uma “justificação científica”! Até as Universidades se tornaram em agentes de propaganda e manipulação: as falhas de mercado, os bens públicos, as externalidades… tudo muito bem elaborado, mas sempre com o mesmo fim: legitimar a velha extorsão do rebanho. A intervenção do Estado, vejam só, passou a ser algo justificado pela “ciência”.
Paul Samuelson (1915-2009)
Montou-se assim um aparato completo, sustentado pela propaganda e pela coerção do indivíduo. O cidadão, coitado, é forçado a aceitar polícias e fiscais em cada esquina, reguladores e supervisores que o impedem de abrir um negócio, e, caso ele ouse ter sucesso, a aterrorizarem-no durante o percurso. Tudo isso, claro, em nome da sacrossanta necessidade científica de que tal intervenção é imprescindível!
Mas voltemos ao básico: os saqueadores do vale são os mesmos de sempre, apenas trocaram os porretes por uma maquinaria de coerção nunca antes vista.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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Ditaduras são reconhecíveis pela violência e o horror. Assim, nada mais justo que as descrevamos através de termos como “sombra”, “escuridão”, “trevas”. Cá entre nós: elas merecem. Mas serão só isso? Certamente, não. Na contraface do espectro fantasmagórico que projetam existe a burrice. Não raro uma ignorância miúda mas uma daquelas de espessura colossal. Vejamos o caso da ditadura que mais conheço – graças à infausta condição de nela viver durante 21 anos – que é a brasileira. E que, neste ano, completou os 60 anos de sua implantação. De 1964 a 1984 não apenas as pessoas mas a inteligência foi torturada. Apanhou na cara, foi pendurada no pau-de-arara, recebeu choques de alta voltagem. Vamos à casuística. Que é apenas exemplificativa mas jamais exaustiva:
Prendam o Feydeau
Corria 1966 e um coronel, de nome Washington Bermudez, esbravejou contra o elenco que encenava peça do dramaturgo francês George Feydeau em Porto Alegre, cidade do Sul do Brasil. Bermudez exigiu a presença de todos os envolvidos em seu gabinete, inclusive de Feydeau. Relataram-lhe que, entre seu desejo de interrogar Feydeau e o mundo real havia um Atlântico de distância e mesmo assim sua ordem chegara 45 anos após a morte do intimado.
O valor da polícia
Para não ficar atrás, outro coronel, Joaquim Gonçalves, de Minas Gerais, declarou que os jornalistas “deveriam apanhar da polícia não apenas durante a passeata, mas antes também”. Isto porque não reconheciam o valor dos agentes da lei e da ordem. E ilustrou: “Os fotógrafos, por exemplo, nunca fotografam os estudantes batendo no policial”.
Queremos o Sófocles!
Era 1965 e o Brasil se juntara aos marines norte-americanos na invasão da República Dominicana para entronizar outra ditadura. No Rio, os atores e atrizes da peça Electra, de Sófocles, queriam fazer alguma coisa. E a atriz Isolda Cresta, antes da função, leu um manifesto contra o papelão das tropas brasileiras no exterior. Foi presa. No dia seguinte, apareceu um agente da polícia política no teatro. Disse que todos ali eram “subversivos”. Mas queria mesmo saber “quem é esse tal de Sófocles? Onde ele está?” Contrafeito, teve que ouvir que o sujeito que queria prender habitava outro plano havia dois milênios.
Desvairados e vagabundos
Em janeiro de 1968, o general Juvêncio Façanha, diretor do Departamento de Polícia Federal, deu declaração autoexplicativa sobre a sofisticação dos quadros da ditadura que lidavam com a questão cultural. “A classe teatral só tem intelectuais, pés sujos, desvairados e vagabundos, que entendem de tudo menos de teatro”.
Xixi com censura
Para tornar ainda pior tudo o que já estava ruim, o Ato Institucional 5, expelido pelos generais em 1968, colocou censores-militares na redação do Correio da Manhã, no Rio. Suas tesouras eram infatigáveis. Qualquer possibilidade de crítica ao regime era sumariamente seccionada. Foi em uma dessas que o Papa Paulo VI levou a pior. Na tradicional mensagem natalina aos cristãos do mundo, o pontífice citava os “povos oprimidos”. Como “povos” e “oprimidos” separados já pareciam suspeitos, juntos eram algo simplesmente intolerável. E Paulo VI não escapou. Depois disso, alguém afixou um cartaz com uma recomendação de muito bom senso no banheiro masculino. Dizia: “Não faça xixi com os censores: eles cortam tudo”.
Torturas de amor.
“Hoje que a noite está calma/ E que minh’alma esperava por ti/ Apareceste afinal/ Torturando este ser que te adora”, são os versos iniciais de Torturas de amor, bolero de Waldick Soriano. Mas era 1974 e os censores entenderam que “tortura” e “bolero”, além de não rimarem, não tinham o direito de frequentar as mesmas notas. Portanto, a melosa canção foi proibida de tratar de torturas mesmo que fossem “de amor”. Curiosamente, o proscrito Soriano era bastante íntimo do estado de coisas que condenou sua letra. Em 1973, o cantor defendeu a ação dos grupos de extermínio. Achava também que Jesus Cristo era um “arruaceiro e enganador”.
Os hippies que vieram da URSS
Maioral do Centro de Informações do Exército, o general Milton Tavares de Souza palestrou na Escola Superior de Guerra para ensinar que “o movimento hippie foi criado em Moscou”. Já o ministro do Exército, Fernando Bethlem, vinculou a União Soviética às drogas “pelo interesse dos comunistas em corromper as mentes jovens”. Um terceiro general, Ferdinando de Carvalho, levou sua paranoia à literatura. Seu romance Os Sete Matizes do Rosa descreve as agruras de um pai cujo filho fora a um show de rock que desembocou em um “bacanal de nudismo”. O festival fora “organizado pelos comunistas”.
Julinho, o que foi sem nunca ter sido
Para um compositor que nunca existiu, Julinho da Adelaide foi muito bem sucedido. Em 1974, implantou duas músicas no ouvido do brasileiro: Acorda Amor e Jorge Maravilha. Nos jornais, apareceu uma entrevista sua falando mal de Chico Buarque. “Não tem voz”, sentenciou. Era uma época em que nenhuma das músicas de Chico sobrevivia à censura prévia. Enquanto isso, as canções de Julinho passavam incólumes. O que os censores não sabiam era que Julinho – cuja graça era Júlio César de Oliveira conforme constava no formulário da Censura – não fora nascido mas inventado. Era o modo matreiro que Chico Buarque encontrou para ludibriar suas tesouras.
Insulto, não!
Quando a peça Um Bonde Chamado Desejo, de Tennessee Williams, foi interditada, a atriz Maria Fernanda apelou à sensibilidade do presidente da União Democrática Nacional que, confrontando o próprio nome de batismo, não era “união”, “nacional” e muito menos “democrática”, tanto que apoiara o golpe militar. Seu presidente era o deputado federal Ernani Sátiro. A conversa começou ruim e foi piorando até que, lá pelas tantas, a atriz inconformada bradou “Viva a Democracia!” E o deputado rebateu de pronto: “Insulto eu não tolero!”
Devassa na biblioteca
Quando o apartamento de Ferreira Gullar, no Rio, recebeu a visita da polícia política, o poeta ficou preocupado com a devassa na sua biblioteca e a quantidade de obras confiscadas. Em determinado momento, um livro de arte também acabou recolhido. Estranhou como um volume sobre pintura poderia ameaçar a segurança da pátria e perguntou ao agente qual o perigo que representava aquele tomo com o título de “Cubismo”. O policial explicou que a razão era óbvia e estava no próprio título. Ou seja, cubismo, para ele, só poderia ser algo ligado à Cuba.
Shakespeare amputado
O mundo festejava o quarto centenário de nascimento do pai de todos os dramaturgos, William Shakespeare. Mas era 1964 e o Brasil emitiu uma nota dissonante. Ninguém poderia imaginar que, a descansar sob a terra havia 348 anos, o autor de Macbeth, Romeu e Julieta, Otelo e mais 35 peças, pudesse irradiar suficiente potencial subversivo para afligir as autoridades abaixo da linha do equador. Mas foi o que aconteceu: nos 400 anos do bardo de Stratford-upon-Avon, a censura passou-lhe a faca nas falas que escreveu para A Megera Domada, então em cartaz.
Encontro com Kafka
Algumas das situações vividas na autocracia brasileira provém dos labirintos de Franz Kafka. Uma delas alcançou o empresário Fernando Gasparian, às vésperas do lançamento de seu semanário Opinião, em 1972. Chamado à Polícia Federal, ouviu do major que o atendeu que “no Brasil não existe censura prévia” e que poderia publicar “o que quisesse”. Em seguida, o major retirou da gaveta uma lista com 210 assuntos que ninguém poderia publicar mesmo que quisesse. Gasparian pediu-lhe uma cópia. Ouviu uma negativa e uma explicação: “A lista é secreta”.
Ayrton Centeno é jornalista e autor do livro ‘Dicionário da ditadura‘, volume com 530 verbetes que reproduzem factos, figuras e farsas do golpe militar no Brasil em 1964
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Há sempre uma primeira vez. Hoje, por exemplo, foi a primeira vez que vi uma pomba no metro, neste caso no átrio da estação do Marquês, cheio de ‘águias’. As verdadeiras águias, a Vitória e a Gloriosa, chamar-lhe-iam um figo, o que talvez não seja uma metáfora feliz, porquanto não consta que os indivíduos da espécie Haliaeetus leucocephalus sejam frugívoros. Em todo o caso, mesmo carnívoros, duvido que a Vitória ou a Gloriosa [por acaso, não sei se são machos ou fêmeas) metessem o dente – força de expressão – à sande de panado que tenho defronte de mim, a primeira que integra o mais famigerado farnel do futebol (FFF), que não sendo de deitar fora, ainda fica aquém daquela rechonchuda sandocha de leitão de Negrais que degluti, com bom proveito, no ‘estádio dos lagartos’.
Por falar em primeira vez, também é a primeira vez, desde que nasceu este Da Varanda da Luz, que venho assistir a um jogo da Liga dos Campeões, que se deve, sobretudo, por ter faltado, hélas, pela primeira vez a um jogo da Liga Portuguesa, uma vez que estava em Roma no sábado passado, pelo que perdi uma vitória retumbante do Benfica, mesmo se com entrada em falso. Daí a razão para esta crónica não se chamar Gil Vicente 5.1, embora não desdenhe que se venha a titular Atético de Madrid 5.1. Veremos…
(entretanto, deixei o jogo iniciar-se sem avisar, e o Oblak, meu grande traidor, salvou ao minuto 8 o Atlético de Madrid de sofrer o primeiro golo com uma defesa com a classe que se lhe reconhece desde que vestiu de vermelho; bom cabeceamento do meu ‘alter-grego’ PAVlidis)
Estando na Cidade Eterna, como adiantei, ainda tentei substituir a crónica de sábado, não com uma visita ao Papa, mas com uma passagem no Estádio Olímpico, aproveitando o jogo entre o AS Roma e o Veneza para o Calcio. O Roma, que já foi de Mourinho e Rui Patrício – e agora é apenas de Svilar e de Cristante, que já foram ‘águias’ sem grandes voos – está como o Benfica esteve nos tempos daquele alemão de triste memória: a jogar mal. Não sei como jogou no sábado passado, porque me andaram a ‘emperrar’ a acreditação, até que não me deram, o que resultou na minha ‘represália’ sob a forma de bruxedo, que não foi assim tão forte, pois, apesar da AS Roma ter estado a perder, deu a volta ao resultado, terminando a ganhar à rasca por 2-1.
(gooooooooolooooooooo!!!! Benfica!!! Com ascendente nos últimos minutos, marca o turco do duplo diacrítico, Aktürkoğlu, depois de uma excelente desmarcação, a passe do Aursnes)
Enfim, e por falar mais uma vez na primeira vez: não foi a primeira vez que perdi um golo do Benfica enquanto estou na Varanda da Luz a tentar meter, por debaixo da mesa, a ficha no raio de tomadas muito mal colocadas. Ainda mais, fiz aqui uma distensão muscular na perna direito, porque por aqui está tudo cheio de jornalistas e tive de fazer alguma ginástica… e a idade já não perdoa a falta de alongamentos. Vejamos se não fiz aqui uma daquelas microrroturas à futebolistas.
(caraças!, bola na trave da baliza do Trubin; sem saber nem escrever, o Atlético de Madrid quase empatava)
Também é a primeira vez que estou a assistir a um jogo ao lado da equipa de relatadores da TSF, que não conheço, mas que são tipos de boa visão e de boa técnica vocal. Enfim, só estreias e ineditismos…
(e o Benfica quase marcava por PAVlidis, com a bola quase a roçar, do lado de fora, o poste esquerdo da baliza de Oblak, que espero vir a ter hoje uma noite infeliz)
Entretanto chega o intervalo, e o Benfica fez, pela primeira vez desde há muito tempo [como se sabe uma primeira vez pode ser sempre um evento que se segue ao último, que assim deixa de ser o último], uma belíssima primeira parte.
Estou esperançoso de uma segunda parte ao estilo do melhor Benfica. Sente-se nas bancadas uma euforia muito boa saudável boa onda, uma noite europeia e, se me permitem pela primeira vez não vou escrever mais nada nesta crónica especial Da Varanda da Luz, a não ser apontar os, espero, (muitos) mais golos do Benfica.
(goloooooooo… minuto 52: 2-0, marca Di Maria de penalti, depois de o VAR ter alertado o árbitro para um pisão sobre PAVlidis)
(goooolllooooo!!!! Mais um, ao minuto 75, marca Bah, de cabeça, ou coisa parecida, nio seguimento de um canto)
Eu previa, pela primeira vez, que assistiria, como há muito não se via, pela primeira vez, talvez, na curta história deste Da Varanda da Luz, a uma daquelas épicas noites europeias. Pelo menos, não me recordo de um jogo em que todos os jogadores, sem excepção, tiveram prestações tão boas. Que grande Benfica se tem agora… sem o João Mário e o Roger Schmidt. E o Kökçü está um senhor jogador…
Ao minuto 79, grita-se olé a cada passe dos jogadores do Benfica, depois de uma bela sequência de passes sem que os madrilenos tenham sequer o sonho de cheirar a chicha uma vez que seja… Respira-se uma gloriosa noite europeia e grita-se “só mais um!”
(e… goloooooooooooo… de Kökçü, a concretizar a marcação de uma grande penalidade a punir falta sobre o suíço Amdouni. Minuto 84. ‘Granda’ cabazada!)
Caramba, não cumpri o prometido: ainda pincelei a segunda parte com uns breves comentários, e saio daqui eufórico. Pela primeira vez, de facto, constato ser impossível escrever uma crónica isenta e independente sobre um clube do nosso coração quando este pratica bom futebol. Mas não regresses, Schmidt! Afinal, este Da Varanda da Luz nunca quis ser independente nem isento…
Ah, e acho que a pomba do Marquês deu sorte!
Comentário especial de Tiago Franco (a pedido expresso e escrito ‘a quente’)
Praticamente com os mesmos jogadores que Robert Schmidt tinha à disposicão, Bruno Lage optou por aquilo que os brasileiros designam por “feijão com arroz”, ou seja, 11 jogadores nas suas posicões. Juntou-lhe uma pitada de motivação, substituições com sentido, leitura do jogo a partir do banco e, voilà, o básico para uma equipa profissional de futebol funcionar voltou a aparecer na Luz.
A partir daí, foi deixar que os artistas fizessem o resto. Turcos, argentinos, ucranianos, espanhóis e nórdicos, numa mistura de talento imigrante que até o Ventura aprovaria, soltaram-se e voltaram a ter alegria de jogar. O Atlético de Madrid era, até agora, o desafio mais exigente da era Bruno Lage, e para quem, como eu, tinha algumas duvidas, ficaram dissipadas quando percebi como Carreras enchia o antigo corredor de Morato (lembram-se?) com a confianca de quem nunca ali tinha nascido.
Num relvado com seis campeões do Mundo, foram os do Benfica que deram mais nas vistas. O Atlético ameaçou apenas no final da primeira parte, mas Simeone fez o favor de estragar tudo ao intervalo, tirando os melhores do meio-campo. A segunda parte foi de varridela total, acabando o jogo com 11 remates enquadrados contra ZERO dos espanhóis. Uma exibicão quase perfeita e que há dois meses seria absolutamente impensável. Que bom ver Kökçü no centro, Carreras na linha, um avançado (Pavlidis) em vez de um pino (Tengsted), um trinco (Florentino) com Aursnes ali por perto, e extremos que não passam apenas para trás. Em resumo, que bom ter a equipa de volta, um treinador no banco e 62 mil alegres almas na Catedral. Noite de Gala, finalmente.
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Correio Mercantil foi um periódico brasileiro do século XIX (1848-1868), onde o grande Machado de Assis deu os seus primeiros passos. Pareceu assim oportuno ao PÁGINA UM, no contexto da actual mercantilização da imprensa portuguesa, ‘contratar’ o protagonista do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas para umas epístolas quinzenais. Desta vez, o piparote de Brás Cubas vai o prefácio de Valter Hugo Mãe na edição de ‘Os Lusíadas’ em comemoração aos 500 anos de Luís de Camões.
Ah, vaidade! Essa busca pela validação externa, que nos infla o peito, como se fôssemos balões subindo como Ícaro, embora a terra e seus torrões, e também o ridículo, e não o abrasador sol, nos puxe sempre, nestes acasos e preparos, pela ponta dos pés, cruel e irremediavelmente. Razão tinha Matias Aires, com o seu olhar perspicaz, quando desnudou a Humanidade, não poupando um único felicíssimo vaidoso. Por mais que nos embelezemos, com as roupas mais finas, com as cortesias mais elegantes, com as palavras mais eruditas, somos, no fundo, pouco mais que pavões sem plumas, cacarejando orgulhosos no meio de um chavascal charco.
Bem sei que, a muitos, é a vaidade que os move, que os faz crer no reconhecimento dos seus conterrâneos e na imortalidade quando estiverem na terra, ou em cinzas. Homem sábio, esse Matias Aires que, apesar de nascido na entediante capitania de São Paulo, já pressentia as risadas que damos diante do espelho, nos ensinou que buscamos incessantemente o aplauso, como se o aplauso dos outros nos convertesse em alguma coisa mais nobre do que o pó ao qual regressaremos. O homem, afinal, é vaidoso até quando finge ser modesto, tal como eu mesmo, que agora declamo sobre vaidade, fingindo estar acima dela – e, no entanto, me comprazendo do exercício da palavra.
Mas se até eu – um escriba póstumo que só se deu a conhecer quando morto – não estou imune à vaidade, pelo menos jamais poderei ser acusado de superciliosa empáfia, porque já se me tinha ido as sobrancelhas quando à estampa deram as minhas póstumas memórias.
Ah, mas os escribas vivos! Esses, esses sempre ávidos, esses rastejantes que, não satisfeitos em tropeçar nas próprias pernas, ainda insistem em escalar os ombros dos cadáveres alheios. São criaturas, isso admito, afáveis mas petulantes, quase comoventes, não fosse o espectáculo tão grotesco, tão patético, que nos oferecerem, e que se assemelham àquele bufão de feira insistindo em piruetas para um público que nem sequer é de maus costumes.
Enfim, eu, que morto estou, sim, meus senhores e senhoras donzelas, defunto com todas as letras e os pingos nos is, vejo-me agora compelido a escrever sobre os vivos que tentam parasitar a fama dos mortos, quais carraças literárias agarradas ao osso do sucesso póstumo.
Eu, Brás Cubas, que só permiti a minha própria escrita sobre mim mesmo após a conveniente travessia do Aqueronte, ergo-me agora do túmulo, depois de muito capim ter já comido pela raiz, para emitir um aviso. Cuidai-vos, vivos!, cuidai-vos e não vos atreveis jamais a tomar o meu brilho literário para iluminar as vossas estreitas existências, incluindo literárias. E ouso dizer-vos: aquele que se arriscar a tal ofício, receberá mais que um simples peteleco deste espectro insolente que daqui vos fala. Ah, sim! Ficará esse impertinente desditoso com verrugas nos pés, que nem o Miguel Vila Pouca, por muito que José Gabriel Quaresma interceda, será capaz de as arrancar com cinzel, espátula ou qualquer engenhoca do século XXI. Ficará o malandro a coçar os pés enquanto tenta, em desespero, alinhar meia dúzia de ideias que valham a tinta que nelas se gastará.
Convenhamos, porém, haver algo mais trágico que um simples escritor medíocre: é o bajulador que, com ar grave, tenta elevar-se ao fazer encómios aos maiores gigantes mortos. Ah, como é risível a figura de quem se espreme em exaltações banais, na esperança vã de que, ao tecer loas ao imortal, consiga ele próprio imortalizar-se. Estes medíocres são incapazes do silêncio, de aceitarem ser varridos pelo esquecimento de um modo discreto. Não! Antes, querem empoleirar-se nas costas de um Camões, esperando que o grande Luís, já também sem o olho que lhe restou, os veja, e que, ao contrário do Herberto Helder (poeta pouco dado a abrir uma porta), grite da janela: só aceito o Valter Hugo Mãe a dar-me a mão para eu deixar de ser anão!
[devo antes escrever valter hugo mãe?]
Valter Hugo Mãe, vestido e com barbas, antes de prefaciar ‘Os Lusíadas’.
Ah, dizem-me que o bom do senhor Lemos, valter hugo de nominata, antes de se apodar da mãe (ou do mãe) é escritor de renome, premiado mesmo com o Prémio Saramago – uma láurea que, presumo, serve para enfeitar prateleiras e envaidecer almas pequenas –, e tornou-se famosos por terras de Pindorama desde que, em 2011, chorou em Paraty e causou cachoeira de lágrimas numa plateia. Ainda pensei, de início, que ele tinha cantado, mas afinal, não, só leu mesmo uma carta.
Confesso-vos que eu, defunto curioso, ou curioso defunto, ainda tentei mas não consegui passar da terceira página de qualquer obra por ele parida. Não foi sequer por estilo, mas por paciência. As suas palavras deslizam diante das minhas desidratadas órbitas, e tudo aquilo me parece um exercício de banalidades. Armado em original, forçando uma profundidade que mal passa de um poço seco, onde nem a mais mísera gota de talento faz eco.
E o que dizer da sua pose estudada, daquele culto da auto-imagem tão próprio de quem se acha enigmático e especial? O homem fotografa-se em todas as posições possíveis e imaginárias: ora encarando o infinito, ora deitado no chão como um mártir moderno, ora – pasme-se! – nu. Sim, nu, como se a nudez lhe trouxesse alguma dignidade literária. Ainda que prefira a nudez à roupa que o cobre de clichés, nem nu lhe encontro graça. O que hei-de inventar?
Mas o ridículo (ou a estupidez, tanto faz), como dizia Einstein, segue no infinito, e gostava de saber quem foi a besta que julgou que valter hugo mãe deveria prefaciar a edição comemorativa de ‘Os Lusíadas’ a pretexto dos 500 anos do nascimento do Camões. Ah, só esta ideia bastaria para o grande épico arrancar o segundo olho e atirar-se ao Tejo, em desespero. Como pôde a Porto Editora, em sua suposta sapiência, permitir tamanho desaforo? Leio o dito prefácio, em sete parágrafos – imaginem se fosse em dez cantos – e nem sei por onde começar.
Estátua de Luís de Camões no Gabinete Real Gabinete Português de Leitura, no Rio de Janeiro.
Com toda a sua pose, vem ele nos falar de um “espaço imaterial” que nos implica profundamente. Ora, senhor mãe, eu pergunto: quem, neste reino dos vivos e dos mortos, pode levar a sério tamanha verborragia? Espaço imaterial, sim, e o que mais? A nuvem dos sonhos? O sopro etéreo da existência? Tantas palavras ocas, soltas ao vento, que não se agarram a nada, mas que, no entanto, aspiram a ser algo profundo, algo “inesgotável”, segundo o próprio.
Ah, prezado valter hugo mãe, sois um hábil artífice de frases de efeito, um ourives de máximas ocas, um filósofo das grandiosas metáforas vazias, um alquimista de balofas paremias, um maestro na sinfonia de ampulosas inanidades! Nem sei se a tua pena desliza sobre o papel ou se, de facto, pensas que alças voos tão altos que nós, reles mortais, nos contentamos em admirar a tua sombra.
Vejamos: escreves que “domar o Adamastor e contar como se domou o Adamastor podem ser grandezas semelhantes.” Ah, sim, claro! Domar monstros míticos e tagarelar sobre isso devem, sem dúvida, estar no mesmo patamar de grandeza! Afinal, nada mais audaz do que vencer uma tempestade atlântica e, logo em seguida, puxar uma cadeira e narrar o feito como quem descreve uma tranquila manhã de domingo no parque. Senti-me quase tentado a domar o meu Adamastor pessoal – quem sabe aquela conta de padaria que nunca quitei.
E, sobre a arte, esse cofre de tesouros que “quanto por mais gentes se distribui, mais rica se torna”! Oh, valter, valter, que prodigiosa economia inventaste! E eu que, por ignorância, acreditava que o valor da arte residia na sua singularidade, na sua beleza, na sua raridade, sou agora educado por ti! Que fortuna maior há do que ver a arte convertida em moeda corrente, que circula entre os dedos de todos, multiplicando-se como os pães da fábula bíblica? A cada novo olhar, eis uma pepita de ouro a surgir, como por mágica!
Camões, coitado, que o diga – a sua epopeia já deve estar mais rica do que qualquer baú de tesouros do Ali Babá, embora tenha ele morrido na penúria. Ai, Portugal, como bem gritou o Almada Negreiros, a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões! E assim eis-te, valter, prestes a sacar uns cobres por um reles prefácio de sete parágrafos sobre quem escreveu dez cantos em perfeitos versos decassílabos heróicos com oitavas-rimas. Meu sacripanta!
Valter Hugo Mãe, vestido e sem barbas, antes de prefaciar ‘Os Lusíadas’.
Só te perdoo porque, enfim, nos ofereces pérolas de basófia: “É preciso amar Camões como um diamante que nasce a partir das carnes vivas e mortas, do que floriu e do que se viu deitado a escombros.” Ah, que imagem pungente! Um diamante brotando de carnes mortas e vivas, um verdadeiro milagre da Natureza! Talvez seja um novo ramo da Geologia, que desconheço, em que as pedras preciosas emergem não de minas profundas ou de riachas obscuros, mas de necrotérios e de jardins floridos, ou de um talho e de um curral de bácoros.
Quem diria! Afinal, amar Camões está já longe de ser uma questão de gosto literário, mas antes um exercício de espeleologia emocional, onde escavamos os escombros do passado em busca da jóia perdida entre cadáveres poéticos. Só me pergunto, ainda, se o Camões, o bom do zarolho, lá nas suas eternas Ilhas dos Amores, ao ouvir tudo isso, solta um riso sarcástico ou um suspiro cansado. Enfim, valter hugo mãe, tu que julgas domar a língua do Vate com a mesma leveza com que outros controlam mostrengos, escreves como quem monta fogos de artifício: brilhas por instantes, deixas o rastro no ar, mas depois, ah, depois, parafraseando Sá de Miranda, que farei das tuas literárias flatulências quando tudo arder?
N.D. O título Correio Mercantil é uma marca nacional do PÁGINA UM em processo de aprovação de registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Quanto ao nome do autor (Brás Cubas), será o pseudónimo usado em exclusivo por Pedro Almeida Vieira nestas crónicas, constituindo apenas uma humilde homenagem a Machado de Assis e ao seu personagem. Tal não deve ser interpretado como sinal de menor rigor na análise crítica que aqui se apresenta, independentemente do carácter jocoso, irónico ou sarcástico.
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