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  • Basaglia em Belo Horizonte

    Basaglia em Belo Horizonte


    Belo Horizonte – “É significativo o fato de que a esquizofrenia atinge as pessoas jovens, exatamente as que têm dificuldade de se adaptarem a uma lógica de vida que os contraria”. Afirmou ontem o psiquiatra italiano Franco Basaglia, que participa do III Congresso Mineiro de Psiquiatria.

    Basaglia lembrou que todas as lutas dos jovens dos anos 60 foram abertas por problemas de drogas e, paradoxalmente, diminuíram os problemas da esquizofrenia. Segundo ele, a esquizofrenia é um dos modos de racionalizar ou de justificar a loucura de modo institucionalizado, é um modo de reagir aos insultos da vida.

    «Esquizofrenia debatida em MG», in Jornal do Comércio, edição n.º 22844, de 20 de Novembro de 1979.

    [No] momento em que o social entra na medicina, o médico já não percebe mais nada, porque está habituado a pensar que o seu doente seja um corpo doente, um tumor, um fígado doente, uma cabeça doente. Não lhe passa pela cabeça que esta pessoa, que esta doença, que esta situação possam ser consequências da vida.

    Franco Basaglia, na primeira resposta dada no debate relativo à conferência «Psiquiatria e Política: o manicómio de Barbacena», proferida em 21 de Novembro de 1979, em Belo Horizonte.


    A impossibilidade de uma apresentação integral, na edição de 22 de Agosto, do texto inicialmente pensado para recordar o nome de Franco Basaglia nas páginas deste jornal, teve a vantagem de funcionar como um favorável imprevisto, por me ter dado a oportunidade de um regresso ao assunto, designadamente para proceder a um exercício de confronto de panoramas de observação em Portugal e no Brasil.

    Caso para usar de empréstimo as palavras de um verso: mais uma vez (noch einmal)!

    E o imprevisto veio a proporcionar igualmente a oportunidade de poder apresentar ao público português a (primeira) versão na nossa língua do texto da última conferência proferida por Franco Basaglia[1], em 21 de Novembro de 1979, em Belo Horizonte, tradução que o PÁGINA UM oferece agora em anexo aos seus leitores.

    Se a aproximação do centenário do nascimento do carismático fundador da corrente da “Psiquiatria Democrática”[2] já vira renascer o interesse médico[3], histórico-biográfico[4], científico[5] e político[6] pelo pensamento e pela (ambivalente e complexa) acção dessa figura, certo é que em nenhum outro país do mundo Franco Basaglia deixou tantas saudades como no Brasil, pelas razões que, numa pequena amostra, tentaremos dar conta nas páginas seguintes.

    1. UMA ESTRANHA DESCOBERTA

    Em abono da bem diferente situação portuguesa, está o facto – é melhor dizê-lo desde já – de Franco Basaglia nunca ter tido ocasião de fazer uma visita a Portugal, diversamente do que sucedeu a Barcelona, onde, com uma só lição, conseguiu que o movimento da psiquiatria democrática florescesse no país vizinho, movimento clandestino, numa primeira fase, e depois mais institucionalizado, designadamente em torno de uma editora (La Revolución Delirante), de um estruturado movimento de psiquiatras, de um site e da persistência de outras ligações a Trieste.

    Todavia, se foi na bacia ocidental do Mediterrâneo (Itália, Grécia, Sérvia, Espanha, mas também: França, Holanda, Bélgica, Escócia, País de Gales, Suécia, Polónia, etc.) e em geral na América do Sul que Basaglia alcançou maior projecção, é deveras espantoso que em Portugal o seu rasto tenha sido nulo, a começar pela formação universitária dos médicos.

    Com efeito, se a curiosidade me levou nestes dias a pesquisar nas bibliotecas das principais Faculdades de Medicina públicas portuguesas (de Lisboa, de Coimbra e do Porto), a primeira descoberta que fiz não me podia ter deixado mais estarrecido: em nenhuma dessas bibliotecas existia uma única obra de Franco Basaglia ou sequer sobre Franco Basaglia.

    Glória por isso aos dois exemplares de obras suas de que dispõem o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, o Instituto de Ciências Sociais e a Faculdade de Psicologia/Instituto de Educação da Universidade de Lisboa – visitas a recomendar, por conseguinte, aos estudantes de Medicina, bem como aos psiquiatras formados em Portugal.

    Sem necessidade de nos alongarmos sobre o assunto, embora o tema da “velha Psiquiatria” praticada entre nós mereça um regresso em força, esta descoberta liminar elucida-nos quanto baste acerca de quatro coisas: (i) que, em Portugal, não há nem pode haver reflexão crítica aprofundada sobre a teoria nem sobre as práticas da Psiquiatria; (ii) que, em Portugal, não existe, nem pode ter existido até agora, pensamento, investigação ou ensino críticos aprofundados da Psiquiatria; (iii) que, em Portugal, não existe, nem pode existir (salvo, como realmente acontece, no plano de personalidades isoladas) uma prática psiquiátrica (hospitalar, comunitária ou privada) que tenha tido em suficiente linha de conta os contributos das novas correntes da Psiquiatria surgidas no último meio século[7]; (iv) é por isso perfeitamente normal que, em Portugal, salvo esses tais casos isolados, o paradigma da Psiquiatria se deva por conseguinte situar ainda entre (o distante) Pinel e o “Manicómio Químico” dos últimos 50 anos[8], com o seu rol de novos “crimes de paz” (Basaglia), a exigir igual denúncia e desmantelamento, tanto mais pelas insidiosas ligações dessas práticas com a sempre cada vez mais poderosa indústria farmacêutica.

    2. FRANCO BASAGLIA NO BRASIL

    Diversamente por isso do que se passou em Portugal, Franco Basaglia teve ocasião de visitar o Brasil por três vezes, visitas que viriam a ter lugar nos seus últimos anos de vida. E o mínimo que se pode dizer, do lado dele, é que soube aproveitar essas viagens como poucos; do lado dos brasileiros, como poderiam eles esquecer alguém que se ofereceu ao Brasil com tal intensidade e carinho e que deles se despediu, na conferência que agora apresentamos, com a declarada tristeza de poder não os voltar a ver?

    Na primeira ocasião, fora convidado para o célebre 1.º Simpósio Internacional de Psicanálise de Grupos e Instituições, realizado entre 25 e 29 de Outubro de 1978, sob organização do argentino Gregório Baremblitt, que conseguiu juntar no Copacabana Palace cerca de 2000 pessoas, para ouvir gente tão célebre como Pierre Guattari, Robert Castel, Erving Goffman, Howard Becker, para não falar da estrela da altura, Sheri Hite[9], mas onde a figura central era sem dúvida o próprio Basaglia[10] (e a vitória que tinha alcançado alguns meses antes na Itália, com a aprovação da lei com o seu nome)[11]. Ora, se o melhor hotel do Rio de Janeiro tinha sido escolhido para o honrar[12], terminadas as palestras, Basaglia preferia no entanto ir para a rua, ao encontro dos sindicatos, dos hospitais psiquiátricos, dos lares e das clínicas, das universidades, dos trabalhadores, dos jornalistas[13]. E, não nos tendo chegado registo escrito das intervenções feitas nesse Simpósio, a boa notícia é a de que estão agora a ser transcritos e preparados os Anais do evento.

    Depois desse primeiro grande impacto, com convites vindos de todos os lados, Basaglia regressaria ao Brasil em Junho e Julho do ano seguinte, para a viagem que, nas suas dimensões humana, política, simbólica e comunicativa, ficou seguramente como a passagem mítica do Professor italiano por terras do Brasil, tendo percorrido diversas cidades (Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Belo Horizonte, Barbacena)[14], para nelas proferir conferências, leccionar cursos e seminários e sobretudo agitar decididamente, sem temer o escândalo[15], as águas do status quo.

    E viria ainda uma terceira vez, para participar com Robert Castel no III Congresso Mineiro de Psiquiatria, organizado entre 15 e 21 de Novembro de 1979, em Belo Horizonte.

    Franco Basaglia em visita ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena. Foto: DR

    Se a primeira e a terceira viagens foram sempre acompanhadas pela imprensa (embora com a devida contenção dos meios afectos ao regime (como a Globo e o Estadão), nenhuma delas se havia de gravar para sempre na memória do Brasil como a viagem do Verão de 1979.

    Com efeito, não foram apenas as dezenas de notícias e de reportagens de televisão feitas sobretudo no seguimento da visita que efectuou ao Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, mas também o facto de:

    • A partir dessa visita, o fotógrafo Hiram Firmino ter feito uma série de reportagens no jornal Estado de Minas, que levariam à publicação do livro Nos Porões da Loucura e, mais tarde, à integração dos respectivos originais no “Museu da Loucura”, inaugurado em 1996 num dos 16 pavilhões do antigo manicómio;
    • O cineasta Helvécio Ratton ter realizado, a partir dessa visita, o documentário Em nome da razão (hoje disponível aqui), com uma extraordinária repercussão logo nesse ano;
    • De a mineira Iole de Freitas, que já participara na organização do 1.º Simpósio de 1978, ter realizado igualmente a curta-metragem Deixa Falar, rodada na recém-criada Cidade de Deus, peça que viria a ser comentada com palavras extremamente duras por Franco Basaglia em Novembro de 1979[16];
    • De ter sido ainda no seguimento dessa visita, uma vez descobertas as fotos feitas por Luiz Alfredo na revista O Cruzeiro de 1961, que veio a ser editado o livro (colônia: uma tragédia silenciosa), organizado em 2008 pelo psiquiatra Jairo Furtado Toledo (aluno do 5.º ano de Medicina por altura da visita de Basaglia a Barbacena e a quem mais tarde seria confiada a direcção do estabelecimento, cujo desmantelamento veio a concretizar);
    Página interior do livro (Colônia: uma tragédia silenciosa), com depoimentos e fotografias.
    • De radicar também nesse momento simbólico o livro publicado em 2013 pela jornalista Daniela Arbex, o Holocausto Brasileiro, com base no qual viria a ser mais tarde realizado o documentário com o mesmo nome (agora disponível aqui, de visualização não recomendada a menores de 16 anos).

    Por fim, deve deixar-se claro que foi também a segunda viagem de Basaglia ao Brasil que esteve na origem das primeiras edições do livro Conferenze brasiliane: na verdade, a primeira edição dessa famosa obra foi publicada no Brasil ainda nesse ano (Franco Basaglia, A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática: conferências no Brasil, São Paulo, Brasil Debates, 1979), em edição coordenada por Darcy Antonio Portolese e Gabriel Roberto Figueiredo (com tradução das partes em italiano de Sônia Soianese e de Maria Celeste Marcondes), tendo havido uma segunda e uma terceira edição (em 1982); ora, foi com base neste texto em português (que não integrava as conferências de Belo Horizonte) que viriam a trabalhar Franca Basaglia e Maria Grazia Giannichedda quando publicaram, na Itália, em 1984, num número especial da revista do movimento, Fogli di Informazioni, a primeira edição italiana das Conferenze brasiliane. E veio a ser apenas no seguimento da descoberta, já no final do século, pelo psiquiatra Antônio Soares Simone, das fitas magnéticas das quatro conferências de Belo Horizonte, proferidas em Novembro de 1979, que se tornou possível publicar na Itália, no ano 2000, o volume das 14 intervenções e debates que constituem a versão canónica das Conferências Brasileiras hoje disponíveis em diversas línguas (ainda que, lamentavelmente, nenhuma delas a portuguesa)[17].

    Capa da edição original do livro
    ‘Holocausto Brasileiro’, de Daniela Arbex, publicado em 2013.

    3. FRANCO BASAGLIA EM BELO HORIZONTE

    Embora Franco Basaglia, vindo de Itália, tenha feito duas viagens a Belo Horizonte, chegou por muitas vezes a Belo Horizonte, no regresso de périplos por outros recantos do estado de Minas Gerais.

    Chegado à cidade nas vésperas da “Semana Franco Basaglia”, que decorreu entre 25 e 29 de Junho de 1979 (onde leccionou um curso, seminários e supervisões), os organizadores do evento quiseram mostrar ao Professor italiano toda a rede de hospitais psiquiátricos públicos que faziam parte da “Fundação hospitalar do Estado de Minas Gerais” (o hospital Gaia Veloso, o Instituto Raul Soares, bem como o Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena)[18].

    Segundo o testemunho de Antônio Soares Simone[19], se a visita aos dois primeiros hospitais já o tinha deixado em choque, a visita a Barbacena «teve nele um impacto tão violento que o deixou deprimido. Basaglia, que devia falar à comunidade terapêutica, chegou à sede do curso [em Belo Horizonte] mas não queria falar. No início, houve um silêncio pesado e depressivo, enquanto o público o incitava a falar». E, tendo começado a referir-se à história da Psiquiatria, foi deixando frases como estas: “há sítios no mundo onde a história parou”, “há situações em que é impossível encontrar soluções de compromisso, porque se o fizermos estaremos a fazer um compromisso com a morte, e com a morte não há compromisso possível”. E, então, acrescenta Soares Simone, «comoveu o público».

    Na narração feita pelas jornalistas italianas Ludovica Jona e Elisa Storace, depois do facto extraordinário de a Junta Militar ter consentido na visita e depois de Basaglia ter visto realmente 1600 pessoas nuas e atadas, na viagem de regresso a Belo Horizonte, ele não disse uma única palavra e, depois disso, mal conseguia falar.

    Depois de ver o que não concebia ver[20], de ouvir (do director de Barbacena) o que não concebia ouvir[21] e de, no final da visita, questionar o «governador da época, Francelino Pereira[22], sobre o que via: um campo de concentração e extermínio, responsável pela fabricação de cadáveres para 17 escolas de medicina»[23], Basaglia não conseguia falar.

    Vista parcial da cidade de Belo Horizonte nos anos 70 do século XX. Foto: DR.

    Mais. Sempre que o tema foi Barbacena, “Basaglia não conseguia falar”: não o conseguiu fazer no final desse dia e tão-pouco o conseguiu na conferência agendada para 21 de Novembro de 1979, com o título “Psiquiatria e Política: o Manicómio de Barbacena”, porque depois de visionar o filme sobre o hospício, a emoção era tal, que teve de confessar mais uma vez a sua dificuldade em falar, ficando-se por desabafos como estes: “Barbacena é a expressão mais evidente de um fascismo reinante, que não quer os pobres à sua mesa”, “Devemos aplaudir chorando este filme, que nos deu a possibilidade de ver contra aquilo que devemos lutar”. E a conferência, nesse último dia do Congresso Mineiro de Psiquiatria, teve de se quedar na realidade pelo debate com os participantes.

    Diante da completa estagnação relativamente à resposta aos problemas da saúde mental no estado de Minas Gerais, estava entretanto em preparação desde 1978 a realização do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, aproveitando o élan que já se fazia sentir um pouco por todo o país quanto à necessidade da reforma psiquiátrica, juntamente com o início da abertura política do regime. Por sua vez, o último congresso, cujas conclusões e promessas tinham caído em total esquecimento, datava já de 1972.

    O III Congresso Mineiro de Psiquiatria não hesitou por isso em traçar como objectivo principal o de “deflagrar um processo político de mudanças na área da saúde mental, em Minas Gerais”[24], para o que convidou dois dos nomes mais reconhecidos e estimados no Brasil, pois se pretendia igualmente que o congresso tivesse um assumido “enfoque social”.

    Robert Castel leccionou o curso «A Ordem Psiquiátrica».

    Franco Basaglia ministrou o curso «Assistência Psiquiátrica e Participação Popular», constituído por quatro conferências (e respectivos debates):

    • Psiquiatria e participação popular (em 17 de Novembro)
    • Alternativas no trabalho em saúde mental (em 19 de Novembro)
    • Psiquiatria e Política: o manicómio de Barbacena (em 21 de Novembro)
    • Público e privado em psiquiatria (em 21 de Novembro)

    Se a terceira destas intervenções se resumiu aos curtos desabafos já referidos, não foi esse o caso da última delas, texto que agora o PÁGINA UM dá a conhecer ao público de língua portuguesa, para ele remetendo o leitor.

    Sobre a preparação, os intervenientes e as conclusões do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, o leitor interessado poderá igualmente obter informação relevante no respectivo relatório final (disponível aqui).

    Relatório Final do III Congresso Mineiro de Psiquiatria.

    Se há 50 anos Barbacena era conhecida como a “Cidade dos Loucos”, tal o número de hospitais psiquiátricos nela existentes[25], e se pôde neste quarto de século voltar a ser chamada, como sempre fora, a “Cidade das Rosas”[26], quem poderá dizer até que ponto a passagem de Franco Basaglia por Belo Horizonte terá contribuído para que a cidade seja objectivamente reconhecida como uma das metrópoles com melhor qualidade de vida, no Brasil e no mundo?!

    Uma nota final.

    Para além da multiplicidade de artigos, de publicações (com dois livros ainda por sair) e de iniciativas que já tiveram lugar durante o corrente ano no Brasil, designadamente o Seminário “A Liberdade é Terapêutica”, realizado nos dias 20 e 21 de Junho pela Fundação Oswaldo Cruz, na Escola Nacional de Saúde Pública (para comemorar o cinquentenário do primeiro congresso da Psiquiatria Democrática, em Gorizia), entre os dias 19 a 21 de Setembro de 2024, vai realizar-se em Barbacena o 28.º Congresso Brasileiro de História da Medicina, tendo entre os seus organizadores o psiquiatra Jairo Toledo.

    José Melo Alexandrino é professor universitário


    N. D. Pode ler AQUI a conferência proferida por Franco Basaglia em Belo Horizonte, no Brasil, no âmbito do III Congresso Mineiro de Psiquiatria, na sede da Associação Médica de Minas Gerais, em 21 de Novembro de 1979.

    A tradução portuguesa, segundo a norma anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, é da autoria de José Melo Alexandrino (Direitos de tradução: ©PÁGINA UM), tomando como referência o texto da primeira edição italiana das 14 conferências de Franco Basaglia, na obra organizada por Franca Ongaro Basaglia e Maria Grazia Giannichedda, Conferenze brasiliane, Raffaello Cortina Editore, Milano, 2000 (também disponível, num outro formato, aqui).

    Além dos agradecimentos devidos às editoras da referida versão italiana das Conferenze brasiliane (de que existe uma nova edição revista de 2018), Franca Ongaro Basaglia e Maria Grazia Giannichedda, o tradutor e o PÁGINA UM desejam igualmente exprimir e reiterar os seus agradecimentos a todos quantos tornaram possível a divulgação da obra mais famosa de Franco Basaglia fora de Itália, as pessoas como tal expressamente referidas na Nota introdutória de Franca Ongaro Basaglia, a saber: Fernanda Nicácio, Paulo Amarante, Denise Dias Barros, Antônio Soares Simone, Giampero Demori, Chiara Lesti, Paulo Vendinha, Claudia Ehrenfreund, Letizia Cesarini Sforza e Pier Aldo Rovatti.


    [1] Acompanhada, como por certo ele faria questão que fosse, da transcrição dos debates com a assistência.

    [2] Não só é esta a designação mais correcta para enquadrar o pensamento e a prática de Franco Basaglia [entre muitos, Maria Stella Brandão Goulart, De profissionais a militantes: a luta antimanicomial dos psiquiatras italianos nos anos 60 e 70, tese de doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2004, pp. 241 ss., acessível aqui; por último, Tom Burns/John Foots (eds.), Basaglia’s International Legacy: From Asylum to Community (e-book), Oxford, Oxford University Press, 2020, pp. 147 ss., 205 ss.], como é a única na qual o próprio Basaglia se reconhecia, na medida em que sempre contestou a integração na Anti-Psiquiatria (segundo a recente entrevista de Paulo Amarante ao Brasil de Fato).

    [3] Bastando para o efeito atentar, por exemplo, no Encontro Internacional (International meeting “Franco Basaglia’s vision: mental health and the complexity of real life. Practice and research”) que, em Dezembro de 2014, reuniu durante quatro dias em Trieste, na Escola Internacional Franca e Franco Basaglia, mais de 250 participantes de 25 países, para uma conferência centrada na definição das actividades e objectivos do Plano de Acção 2014-2018 do Centro associado à OMS de Investigação e de Treino em Saúde Mental de Trieste.

    [4] Francesco Parmegiani/Michele Zanetti, Basaglia. Una biografia, Trieste, Lint Editoriale, 2007; Oreste Pivetta, Franco Basaglia, il dottore dei matti: una biografia, Milano, Dalai, 2012; Rinaldo Conde Bueno, O pensamento de Franco Basaglia: dos caminhos da saúde mental italiana a uma vivência prática em Trieste, São Paulo, Dialética, 2020.

    [5] No plano da história transnacional dos debates e da prática psiquiátrica, Tom Burns/John Foots (eds.), Basaglia’s International Legacy…, cit; em especial, sobre as transformações na prática psiquiátrica, Pietro Cipriano, Basaglia e le metamorfose della psichiatria, Milano, Elèuthera, 2018; Mario Colucci/Pierangelo Di Vittorio, Franco Basaglia: un intellettuale nelle pratiche, Milano, Feltrinelli, 2024.

    [6] Neste aspecto, sobre a defesa radical dos direitos humanos, Wolfgang Jantzen, «Franco Basaglia und die Freiheit eines jeden. Oder: Die Suche nach der verlorenen Psychiatrie», in Jahrbuch der Luria-Gesellschaft, 2015, pp. 66-75 (disponível em <http://basaglia.de/Artikel/Basaglia%202015.korr.pdf>); Roberto Mezzina, «Basaglia after Basaglia: Recovery, human rights, and Trieste today», in Tom Burns/John Foots, Basaglia’s International Legacy…, cit., pp. 43-68.

    [7] Para algumas das vozes italianas dissonantes de Basaglia – aí apresentadas como “relutantes” inventores de novas práticas de saúde mental –, vejam-se, por exemplo, os contributos aí reunidos por Pietro Cipriano (cfr. Basaglia e le metamorfose…, cit., Seconda Parte, pp. 197 ss.).

    [8] Para os interessados e para o aprofundamento do tema, Pietro Cipriano, Basaglia e le metamorfose…, cit., pp. 22 ss., 41 ss., 93 ss.

    [9] Cujas declarações vieram aliás a ser censuradas, na parte em que se referira ao orgasmo feminino.

    [10] Como foi abundantemente noticiado na altura.

    [11] A lei mais radical até hoje aprovada no mundo sobre a matéria.

    [12] Como se refere no episódio 6 do podcast Tutta colpa di Basaglia, citado no texto de 22 de Agosto.

    [13] Como recorda o psiquiatra Paulo Amarante, em entrevista recente: «[lembro-me] muito da forma afetiva, carinhosa e carismática com que ele lidava com as perguntas mais provocativas. Ele respondia à altura, mas sempre com muita dignidade e respeito»; aliás, como já dissera antes: «Basaglia criou um vínculo e uma relação específica com o movimento brasileiro, porque ele tinha essa tendência a pensar que o processo da reforma psiquiátrica não era um movimento técnico, só de leis (ele mesmo fazia críticas à lei italiana), mas um processo de transformação social, cultura e política, que devia ser feito cotidianamente por atores engajados na construção de novas formas de relação com a diversidade, a loucura, a diferença» (in Brasil de Fato, de 19 de Junho de 2024, actualizada a 4 de Julho, disponível aqui).

    [14] Paulo Duarte de Carvalho Amarante (coord.), Autobiografia de um movimento: quatro décadas de Reforma Psiquiátrica no Brasil (1976-2016), Rio de Janeiro, CAPES, 2020, p. 33 (disponível aqui).

    [15] Como titulou a revista Veja, na entrevista a Franco Basaglia publicada a 1 de Novembro de 1979, ou como recentemente lembrado por Silvano Agosti, na entrevista «Basaglia, come Cristo, disse: sono venuto a dare scandalo», in Pietro Cipriano, Basaglia e le metamorfose…, cit., pp. 288 ss.

    [16] A dar lugar à censura de Brasília (ver a notícia «Psiquiatra denuncia e por isso é censurado», in Jornal do Brasil, de 22 de Novembro de 1979, p. 17).

    [17] Designadamente (além das edições italianas de 2000 e de 2018): Franco Basaglia, Psychiatrie et démocratie conférences brésiliennes, trad. francesa de Patrick Faugeras [com Prefácio de Mario Colucci/Pierangelo Di Vittorio e Posfácio de vários], Toulouse, Erès, 2007; Franco Basaglia, Conferencias brasileñas, tradución de Florencia de Molina e Volia, Valladolid, La Revolución Delirante [com Prólogo de Laura Martín], 2021.

    [18] Antônio Soares Simone, na obra organizada por Jair Furtado Toledo, (colônia: uma tragédia silenciosa), cit., p. 29.

    [19] Na abertura do capítulo relativo às Conferências em Belo Horizonte, na obra Conferenze brasiliane.

    [20] Realidade a que mais tarde chamaria “o Terceiro Mundo do Terceiro Mundo” (cfr. Jornal do Brasil, de 19 de Dezembro de 1979, caderno B, p. 6).

    [21] As palavras do director foram estas: «Diante de um doente, sobre o qual se sabe que não têm efeito nem os fármacos nem qualquer outro tratamento, a solução é o método medieval: atá-lo de mãos e pés e deixá-lo apodrecer numa cela, acaso não chegue o neurocirurgião que transforma esta pessoa num vegetal, tirando-lhe vontade e emoções».

    [22] Só em 21 de Novembro de 1979, o Governo viria a ditar a proibição a Basaglia de visitar qualquer outro manicómio no Brasil (cfr. Jornal do Brasil, de 22 de Novembro de 1979, p. 17).

    [23] Cfr. Antônio Soares Simone, na obra organizada por Jair Furtado Toledo, (colônia: uma tragédia silenciosa), cit., p. 29.

    [24] Relatório Final do Congresso, pág. 3.

    [25] Do ponto de vista legal, ao nível federal, a reforma psiquiátrica só veio a ser aprovada no ano de 2001; porém, outros números falam por si: se, em 1980, havia no Brasil 95 000 pessoas internadas em hospitais psiquiátricos (a maioria das quais sem diagnóstico), actualmente, estão internadas apenas 6 000 pessoas; se, em 1980, os manicómios no Brasil eram os locais de morte e abandono que os documentos referidos neste texto testemunham, actualmente, o Brasil conta com mais de 150 centros de saúde mental.

    [26] Assim, o depoimento do Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais, Marcus Vinícius da Silva, na obra organizada por Jair Furtado Toledo, (colônia: uma tragédia silenciosa), cit., p. 17.


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  • Gouveia e Melo tem razão. E depois?

    Gouveia e Melo tem razão. E depois?


    Gouveia e Melo tem razão: qualquer militar fora da efectividade de serviço pode concorrer a um cargo político, e ocupá-lo, como qualquer outro cidadão. É assim em democracia. Então por que não largam os media esta questão?

    Se tantos comentadores se informassem antes de debitar, conheceriam as restrições ao exercício de direitos pelos militares estabelecidas na Constituição (art.270º) e na lei (art.25º a art.33º da Lei de Defesa Nacional). E então emitiam opiniões informadas e substantivas, em vez de só martelarem o tema. Claro que Gouveia e Melo pode ser candidato a eleições políticas, se deixar a efectividade de serviço; para quê insistir na questão? A insistência só dá palco mediático ao protocandidato; e assim se vitimiza (as massas “adoram” vítimas) e compensa o autoritarismo que o revela como aspirante a caudilho – algo tão apreciado pela direita sociológica e alguns membros da sua tribo corporativista. Os jornalistas sabem do seu ofício e não são ingénuos: martelar o tema é só um pretexto para manter a notoriedade. É a notoriedade que lhe garante números menos maus nas sondagens, e a ideia da candidatura.

    De notar que até o comandante de um exército está vinculado a um dever de isenção: “Os militares em efectividade de serviço são rigorosamente apartidários e não podem usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical, nisto consistindo o seu dever de isenção.” (nº2 do art.27º da LDN, reforçado no art.20º do RDM). Gouveia e Melo violou abundantemente este dever de isenção ao emitir opiniões sobre políticas públicas, até de defesa; basta destacar o debate que lançou sobre a conscrição, ou o excesso de elogios pelos quais o PS (que o colocou nos cargos que lhe deram mediatismo) o acusou de ir longe demais. Gouveia e Melo fala várias vezes como se representasse e comandasse as Forças Armadas, menosprezando o CEMGFA, seu chefe militar, que tem essas competências legais. Além disso, não é humanamente possível estar sempre no palco mediático (e reger cadeiras universitárias) e estar “110% ocupado com a Marinha”. A sua atuação revela bem que o comando da Armada é só (mais) um meio para a sua promoção pessoal – e a par se revela a sua vaidade e o seu messianismo, típicos dos caudilhos.

    Gouveia e Melo tem desproporcionada notoriedade mediática e promove a sua imagem pelo cargo que ocupa, sempre a dizer que não faz política. É óbvio que faz. Mas, sem contenção por cima, e mostrando-se sempre simpático para quem lhe pode ser útil, o Governo tem-no protegido (porquê?), em vez de o advertir publicamente (como fez o seu anterior chefe em 2023) ou de o exonerar com justa causa. Face à passividade dos órgãos de soberania ante flagrantes violações de deveres militares e do seu cargo, Gouveia e Melo tem razões válidas para achar-se invulnerável e impune. E os observadores, em todos os setores dos media, à política à justiça, percebem que a passividade dos órgãos de soberania face aos excessos de um funcionário seu subordinado revela fragilidade e receio. Mas têm receio de quê?

    Diz-se que exonerar Gouveia e Melo, ou não o reconduzir, torna-o mártir, e que a agência de comunicação, formal ou informal, que o promove exploraria esse facto; neste cargo pode ser contido. Errado: a promoção mediática resulta mormente do cargo público, que usa para ter palco formal e permanente nos media; mantê-lo em funções só garante que é ele que decide quando sai. A exoneração extemporânea no comando da Armada não deixam dúvidas que os órgãos de soberania exercem o seu poder sem receio; mas o Governo tem de explicar com objectividade a justa causa para o afastar, para esvaziar o “martírio”.

    Regressando ao ponto inicial, há uma apreensão legítima por trás do formalismo: Gouveia e Melo fora da efectividade de serviço não é um militar num cargo político, formalmente; mas a sua conduta substantiva seria ditada por aquilo que o moldou e foi durante 40 anos, chefe militar – não é um “sinal na testa”, é uma marca indelével na personalidade e na conduta. Desde 1979, Gouveia e Melo nunca foi outra coisa senão militar, sobretudo operacional, e submarinista. Nem formação tem noutras áreas. Como disse o General Loureiro dos Santos: “O grande problema dos militares a partir de certa altura é que não sabem fazer mais nada.”

    A comparação com o General Ramalho Eanes menospreza a diferença de idades (40s-60s) com que se colocou a mudança, o percurso académico e a grande flexibilidade e curiosidade intelectuais do PR eleito em 1976. Alguém consegue imaginar Gouveia e Melo, hoje com mais de 60 anos, a fazer, sem favores, investigação e um doutoramento seja no que for?

    Com a memória das massas sobre o vice-almirante das vacinas a dissipar-se, a “agência de comunicação” vai arranjando pretextos para ele ter frequente palco mediático, nos jornais e nas TVs, como já assinalei. Ele cumpre com gosto: exibe-se e debita slogans para fazerem manchetes. Há décadas que debita slogans; e tem êxito com tantos que preferem a imagem à substância. Por isso, não houve reações públicas à frase “Os chefes militares eram mais do tipo Português Suave”, que prova que rejeita as restrições legais ao exercício de direitos pelos militares, que os anteriores (em geral) respeitaram. Entre os quais estão o General Ramalho Eanes, que elogia, enquanto se refere a ele como indíviduo

    Merecem atenção as mais recentes ações de promoção mediática, duas entrevistas e três artigos de opinião. Na primeira entrevista, cumpriu o débito ritmado de slogans para aplauso das massas. O entrevistador parecia perdido, quiçá a fazer um frete; mas prestou-se a fazer um hino à superficialidade e à frivolidade.

    No primeiro artigo, uma jornalista (ligada ao CDS) usou técnicas subtis para disfarçar que ela também está, pelo menos, a promover a notoriedade de Gouveia e Melo. E também martelou o tema do militar na política. Realço ainda esta “pérola”: “São muitos os que informalmente têm insistido junto de Gouveia e Melo para que arrisque uma candidatura a Belém”. Se é verdade, por que razão não pôs nomes? Dizer só “muitos”, e citar afirmações sem as atribuir, sugere uma ideia diferente do que pode ser a realidade: serão “muitos” só a autora e os que sonham com caudilhos? Se queria excluir esta interpretação, devia ter sido clara, e devia atribuir todas as citações.

    Seguiu-se um artigo do director do Sol, com uma narrativa assente em desejos que tenta passar por factos, pretensamente determinista e sem considerar os pontos negativos deste protocandidato mas notando os dos eventuais demais. Calhou vir logo a seguir o relatório 3/2024 do Tribunal de Contas, que aponta falhas graves em processos de despesas da sua responsabilidade; logo o militar tratou de culpar os subordinados – enquanto reserva sempre para si os méritos quando as coisas correm bem. A desresponsabilização não é novidade. Mas onde está o exemplo de integridade, que alguns só pelas aparências lhe atribuem?

    Veio a seguir uma entrevista na RTP. Parecia aquelas conversas entre um funcionário de um clube e o presidente desse clube para a televisão do clube. O entrevistador martelou o tema dos militares na política; e omitiu tudo o que pudesse prejudicar a imagem do entrevistado.

    Por fim, destaco um artigo de opinião, que comentou esta entrevista. É patente a satisfação da autora com a entrevista e a candidatura presidencial. Como todos os anteriores, e outros, sustenta tudo em sondagens. Mas o número de contactos para obter uma resposta é crucial; hoje, longe das eleições, as sondagens representam quase só os ativistas e os que aceitam participar, uma fração cada vez menos significativa da população. Por isso, a notoriedade é decisiva: falar nele evita que a imagem nas massas se dissipe, e desapareça das sondagens, sobretudo face aos “pesos pesados” com um discurso alargado e profundo.

    Nas referidas peças mediáticas vem a ideia de congregar votos à esquerda, o que merece uma gargalhada depois do Caso Mondego, no qual Gouveia e Melo violou os direitos de todos os membros da guarnição do navio perante todo o país e não só.

    Mas o mais importante das referidas peças mediáticas é que nada dizem de substantivo, e ainda menos de negativo, sobre o protocandidato. Nada dizem sobre como alguém famoso por distribuir injeções e sem experiência política pode exercer bem o cargo mais político e menos executivo do regime. Nada dizem sobre o seu restante passado. Nada dizem sobre as virtudes e defeitos de Gouveia e Melo em geral, ou para o cargo de PR. Nada dizem sobre o seu programa. Nada dizem que justifique o voto numa figura com traços messiânicos e autoritários, e falhas graves na gestão pública. Nada informam; nada tentam esclarecer; nada escrutinam; nada acrescentam de substantivo. Parece que acham que se vota com base em slogans feitos manchetes, insistentemente debitadas pelos media. Assim como um cosmético…

    Enfim, são hinos à superficialidade e à frivolidade; não são peças de informação nem de comentário: são peças de propaganda. Têm todo o direito de fazer propaganda por quem quiserem; mas então assumam essa agenda. Em suma, o tema dos militares na política é irrelevante. A questão substantiva é: este militar está a fazer política e campanha política no ativo, violando os deveres militares; os órgãos de soberania fazem de conta que nada se passa; este militar não tem as virtudes que os media lhe atribuem, nem está isento de graves condutas reprováveis no seu passado, apesar de a maioria dos media as evitarem; e este militar é um aspirante a caudilho. Já é tempo de alguém o dizer: Gouveia e Melo não serve para Presidente da República

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


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  • Sindicato dos Jornalistas: o novo incendiário que queima o Jornalismo

    Sindicato dos Jornalistas: o novo incendiário que queima o Jornalismo


    Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No sétimo episódio, analisa-se o estranho fenómeno que levou o Sindicato dos Jornalistas a fazer uma parceria com a farmacêutica Roche em bolsas a atribuir a jornalistas para fazerem trabalhos jornalísticos sobre Saúde. Pior do que isso, é a composição do júri que vai decidir a quem atribuir as bolsas.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Protestantismo: a desgraça que (ainda hoje) se abate sobre nós

    Protestantismo: a desgraça que (ainda hoje) se abate sobre nós


    Uma das maiores quimeras com as quais a Humanidade vive há séculos é a noção de que o Estado moderno foi erigido sobre os alicerces do famigerado Contrato Social. Os autores desta ideia totalmente disparatada, encontraram voz nos escritos de John Locke – iniciador do liberalismo clássico – e de Thomas Hobbes.

    O primeiro, um paladino do Parlamento, defendia uma monarquia limitada pelo sagrado consentimento dos governados, enquanto o segundo, Thomas Hobbes, fervoroso adepto de Carlos II e apologista da monarquia absolutista, pregava que o poder deveria repousar, inabalável, nas mãos de um soberano vigoroso, sob a justificação nobre de evitar a anarquia!

    Ambos partiram da premissa, cuja validade é, no mínimo, questionável, de que os homens existiram, outrora, num estado primitivo e solitário, anterior ao advento do convívio social. John Locke, com uma veia poética e romântica, própria dos sonhadores, pintava esse “estado de natureza” como uma utopia de liberdade absoluta e igualdade inata, onde cada indivíduo desfrutava do direito inalienável de usar a sua razão – supostamente infalível – para governar a sua vida segundo os seus mais íntimos desejos, sem se curvar ao arbítrio de outrem. Resta apenas o enigma sobre as razões da humanidade abandonar esse paraíso terreno!

    Thomas Hobbes (1588-1679). D.R. ©National Trust Images

    Por sua vez, Thomas Hobbes, com uma visão algo mais sombria, retratava o estado de natureza como um cenário de “guerra de todos contra todos”. Nessa condição, não havia qualquer autoridade comum ou leis para domesticar os ímpetos dos indivíduos, que agiam movidos pelos seus interesses e instintos mais primários. O resultado? Um espectáculo de carnificina incessante pela sobrevivência, onde os seres humanos se engalfinhavam por recursos escassos, conduzidos por uma lógica de violência, desconfiança mútua, egoísmo e agressão constante – quadro que nos leva a questionar como a humanidade sobreviveu a tal inferno!

    E qual seria, então, a panaceia apontada por ambos para curar os males da condição humana? O tão celebrado contrato social. Para Locke, os cidadãos deveriam consentir em delegar a sua soberania a um governo que se legitimaria pelo consentimento dos governados – a democracia! No entanto, manteriam o inalienável direito de resistir a essa autoridade e substituí-la caso se tornasse tirânica ou ousasse violar os seus direitos naturais – como a vida, a liberdade e a propriedade. Parece que, ainda que decidissem abandonar o paraíso da liberdade absoluta, poderiam, em última instância, sempre voltar!

    Já Hobbes, com o seu pessimismo característico, argumentava que os seres humanos, tomados pelo pavor de uma morte violenta e movidos pelo desejo de uma existência mais segura e ordenada – afinal, a sua descrição do inferno não era propriamente atraente –, concordaram em assinar um contrato social! Este contrato, naturalmente, implicaria a criação de um governo ou soberano com autoridade absoluta, um “Leviatã”, capaz de impor a paz e a segurança, regulando o comportamento dos indivíduos e protegendo-os da sua própria natureza violenta e competitiva – eis a justificação do Estado moderno, aquele ente magnânimo que nos protege de nós mesmos e de todos os nossos demónios internos!

    Ambos, é claro, esqueceram-se de observar a realidade que os circundava – como bons protestantes, acreditavam que a razão que brotava das suas cabeças era ilimitada, dotada de uma infalibilidade divina. Ignoraram que as relações humanas, na sua essência, são voluntárias e mutuamente benéficas.

    O surgimento da família, por exemplo, não passou de um acto de amor entre um homem e uma mulher, sendo o primeiro, por um capricho da natureza, fisicamente mais forte. Em vez de a mulher dedicar-se exclusivamente ao cuidado dos filhos do macho alfa, o homem, num gesto de altruísmo, passou a assumir as despesas do lar e a proteger tanto a esposa quanto as crianças – uma relação de benefício mútuo.

    Em todas as relações humanas, há senhores e servos, independentes e dependentes. O trabalhador deseja associar-se a um empresário de sucesso para conseguir salários melhores; o paciente quer ser atendido por um médico competente; o aluno, por sua vez, aspira a ser ensinado por um bom professor; o soldado quer lutar ao lado de um grande general.

    Os fracos sempre procuram beneficiar-se de uma aliança com os mais fortes. Após a queda do Império Romano, por exemplo, qual o camponês no seu perfeito juízo preferiria aliar-se a um líder militar fraco? Naturalmente, a resposta é óbvia: ao mais forte! As relações humanas, afinal, existem para o benefício mútuo das partes envolvidas.

    Deus agraciou-nos com uma natureza e meios diversos: uns altos, outros fortes; uns brilhantes e sagazes, outros apenas atléticos. A ideia de que somos todos iguais é uma fantasia pueril, uma quimera digna de contos de fadas. A realidade é mais crua: quanto maior o número de dependentes, maior o sucesso de um indivíduo. Se um senhor feudal, por exemplo, consegue criar condições para que muitos se agreguem, é evidente que conquistou o direito de administrar a justiça nos seus domínios (lei privada). Afinal, o poder emana da propriedade privada. Se esta for mal gerida, se a justiça for negligenciada, se a segurança for um luxo inacessível, nada mais natural do que os dependentes do senhor feudal baterem em retirada.

    O aumento da propriedade privada, portanto, é o indiscutível selo de qualidade das virtudes de um indivíduo. Príncipes, senhores feudais, ou mesmo Repúblicas, como Veneza ou Florença – associações de homens responsáveis por governar – nada mais eram do que formações naturais nas quais os fracos se agrupavam aos fortes na procura de benefícios mútuos. Em suma, o poder reside na habilidade de atrair e reter seguidores, onde a autoridade emerge como um direito nato, e não como um privilégio fabricado; algo tão natural quanto a gravidade, e não uma invenção artificial dos homens.

    grayscale photo of boats near dock

    Do mesmo modo, a Igreja Católica tinha e tem a autoridade inquestionável de interpretar as escrituras. Afinal, foi Cristo, com o auxílio dos seus discípulos, quem a fundou, estabelecendo igrejas e reunindo os fiéis; a sua autoridade é, portanto, auto-evidente e irrevogável. Não foram os fiéis que, num lampejo democrático, decidiram delegar aos seus representantes o poder de eleger bispos e Papas.

    No entanto, como em todas as relações humanas, há sempre o risco de abuso por parte do mais forte, que, assim, deverá estar submetido à lei natural: não pode agredir, não pode coagir, não pode assassinar, não pode invadir a privacidade do outro, não pode impedir a liberdade de movimentação e não pode roubar. Durante a Idade Média, esse poder espiritual e de controlo de abusos foi desempenhado pela Igreja Católica, que, entre outras coisas, tinha a prerrogativa de depor tiranos. Por outro lado, existia e existe o direito à resistência, em que alguém insatisfeito pode procurar outra pessoa para obter, por exemplo, segurança.

    Mas eis que essa ordem natural, em que apenas a lei privada e a lei natural coexistiam harmoniosamente, foi subitamente desafiada pelo famigerado contrato social e a lei pública, o que me leva a levantar uma série de perguntas. Primeiro, até hoje ninguém parece ter visto qualquer evidência de que tal contrato tenha sido, de facto, assinado. Quem seriam as partes contratantes? No mítico estado de natureza de Hobbes e Locke, onde todos eram, supostamente, soberanos e livres, estavam incluídas as mulheres e as crianças? Teriam também rubricado o acordo?

    Nesse estado de natureza, cada homem tinha duas opções: continuar a defender-se sozinho ou associar-se ao mais forte; poderia, mais tarde, abandonar essa relação e procurar um novo aliado ou até mesmo retornar à sua auto-suficiência, à sua soberania. Este homem podia escolher, era verdadeiramente livre. Pois bem, nada disso acontece sob o tal contrato social, onde a protecção deste homem é decidida por outros, pelo tal “povo”. A bem da verdade, trata-se de uma tirania disfarçada, que em nada se assemelha a liberdade!

    Se esse protector é escolhido pelo “povo”, pergunto: quem é exactamente esse “povo”? Todos os que comem e respiram, a população mundial? Ou vamos supor que existem diferentes povos, como traçamos as fronteiras? Por etnia, por cultura, por altura, por sexo? E, dado que cada dia pessoas morrem e outras nascem, não deveria o contrato ser renovado constantemente?

    3 men playing golf on green grass field during daytime

    Por fim, um mero locatário ou empresário deve submeter-me às vontades dos seus inquilinos ou empregados? Ou, colocando de outra forma, com que direito o “povo” ou os seus representantes decidem a parcela dos seus rendimentos a ser extorquida? Onde está a autoridade para tal? Pelo menos, nunca assinou qualquer contrato a dar essa prerrogativa ao “povo”.

    A “Revolução Protestante” foi a precursora da implementação desta ficção chamada contrato social, ao ter promovido a subversão social e a desordem espiritual. A leitura privada das Escrituras fomentou a noção de igualdade entre os fiéis para todas as relações sociais. Esse fermento corrosivo deu à luz o liberalismo e, mais tarde, o marxismo, ambas as doutrinas centradas na premissa fatal de que as hierarquias naturais deveriam ser extintas em nome de uma ilusória igualdade.

    Ao rejeitar a autoridade central da Igreja Católica e do Papa, o protestantismo lançou o mundo numa crise de autoridade que se estendeu para além da esfera religiosa. Primeiro, foi o senhor feudal, depois o monarca absoluto. A soberania individual pregada nas questões de fé evoluiu para a soberania popular nas questões de Estado, lançando as bases do temido contrato social — uma quimera em que a autoridade legítima emana não de Deus, mas do volúvel e caprichoso consenso popular.

    Eis, então, que o protestantismo, na sua cruzada contra a hierarquia natural, promoveu uma sociedade onde todos são considerados iguais diante de Deus, esquecendo convenientemente que o próprio Criador nos fez diferentes, cada qual com os seus dons e propósitos. Esse veneno igualitário corroeu as bases das hierarquias sociais e políticas, pavimentando o caminho para o nascimento de um Estado moderno e secular, esse monstro centralizador que agora se arroga o direito de legislar sobre todas as esferas da vida, públicas e privadas, à custa de qualquer vestígio de autoridade tradicional e natural.

    Para completar o golpe de mestre, o protestantismo foi prontamente instrumentalizado pelos príncipes e líderes seculares que, vendo uma oportunidade dourada de se livrarem das “opressivas” restrições da Igreja Católica, apressaram-se a usurpar terras, bens e poderes eclesiásticos. Estava, assim, aberto o caminho para o despotismo que hoje nos sufoca — um Estado tirânico e absoluto, moldado pela ficção de um governo baseado no consentimento dos governados, mas fundado, na verdade, na transferência descarada de poder para as mãos seculares ávidas de controlo.

    a priest standing at a podium in front of a brick wall

    O glorioso advento do protestantismo, a subverter a ordem divina para instaurar o secularismo triunfante, na sua cruzada para separar a fé e o poder, o protestantismo fez nada menos que acelerar a ascensão de um Estado secular, onde o divino e o sagrado foram jogados às malvas, substituídos por ideais igualitários e racionalistas.

    O Estado moderno tem hoje poderes para confiscar os bens dos seus governados e imiscuir-se em todas as questões de justiça, até mesmo naquelas que dizem respeito aos mais íntimos segredos da vida privada.

    Este Leviatã moderno, vestido com a capa da “soberania popular,” nada mais é do que uma astuta tirania que, sob o pretexto de corrigir todas as injustiças sociais, encontra sempre novos hospedeiros para parasitar — ora através da guerra, ora pela revolução. Que o digam os milhões de almas que pereceram sob as gloriosas bandeiras do Império Britânico ou da Revolução Francesa, todas em nome da igualdade!

    Até a ciência económica não escapou a ser contaminada pelas ideias protestantes. Veja-se o caso de Adam Smith (o verdadeiro pioneiro foi Richard Cantillon), que distinguia entre bens produtivos e luxuosos, como se o moralismo devesse ditar o preço dos prazeres da vida. Ou a teoria do valor baseado no trabalho, essa perniciosa trilha que pavimentou o caminho para as falácias de Karl Marx.

    Hoje, vemos a ciência económica reduzida a agregados, que podem ser manipulados como se fossem guiados pela física, onde o Estado pretende tudo corrigir através do planeamento central, sejam “desequilíbrios macroeconómicos” ou falhas de mercado, ignorando que todas as trocas são voluntárias, enquanto os sábios reguladores e burocratas ainda não conseguiram encontrar o Santo Graal da concorrência perfeita!

    A ladainha continua: o Estado deve regular os salários para corrigir a “injustiça” contra as mulheres e minorias, como se a burocracia pudesse alterar a natureza humana. O Estado deve impor licenças para evitar a entrada dos “maus agentes” no mercado; deve fixar um salário mínimo para proteger os “explorados”; deve imprimir moeda para “estimular a economia,” mesmo enquanto encarceram os falsificadores de moeda por contrafacção, não reconhecendo que o seu Banco Central é o maior manipulador da moeda!

    a statue of a man standing in front of a building

    O Estado moderno até ousa confiscar a riqueza dos cidadãos em nome da redistribuição, impedindo que cada um desfrute do fruto de seu próprio trabalho; impede uma escolha livre, como contratar a reforma ou protecção. E, como corolário, o Estado arroga-se o direito de trancar-nos em casa em nome do “bem comum.”

    A verdade é que, não fosse o conforto material proporcionado pela energia barata — aquela mesma energia que os políticos de hoje diligentemente se encarregam de destruir —, já teríamos percebido que este Estado nascido do protestantismo e do contrato social não é senão uma tirania sem paralelo na história da humanidade. Uma tirania disfarçada de razão, enquanto, na realidade, opera como um intrincado aparato de controlo, coerção e subjugação, de proporções nunca vista.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • A revolução copernicana do Polígrafo: uma partilha basta para ser ‘bastante partilhado’

    A revolução copernicana do Polígrafo: uma partilha basta para ser ‘bastante partilhado’


    A revolução copernicana do Polígrafo: uma partilha basta para ser ‘bastante partilhado’

    Quantidade! Há sempre um mistério e uma nobreza nessa entidade que guia desde os primórdios da civilização – dizem-me. Desde os tempos do grego Pitágoras, o da hipotenusa, que disse que “tudo é número” – o que, em franqueza e sem fraqueza, deve ter sido uma conversa monótona para quem preferisse falar de amor ou de um bom prato de ração Royal Canin Urinary S/O –, até aos dias hodiernos, se anda em busca do verdadeiro significado de “quantidade”.

    Para vós, meros humanos mortais, quantidades como “um” sempre parecerão, assim, singelas, unidimensionais, irrelevantes. Como a vossa vida, única – ao contrário da dos gatos, que usufruem, como se sabe, de sete. Mas não, isso não se aplica na cosmologia do Polígrafo, onde a transcendência filosófica do conceito de quantidade e de partilha arrasta-nos para debates necessariamente mais profundos. Será o “um”, o elemento único, uma expressão metafísica do “bastante”?

    Vejamos. Platão, no seu mundo das ideias, provavelmente teria reservado um trono especial para este número absoluto. A Alegoria da Caverna nunca fez tanto sentido. O “um” partilhado é a projeção da Verdade Última, e nós, os infelizes espectadores, ficamos confinados às sombras do plural – pelo menos quando lemos, e ‘verificamos’, as análises do Polígrafo.

    E quanto à Teologia? Sabe-se, dizem, que Deus é Um, e isso é bastante para bastantes. Quem ousa questionar tal aritmética celestial? “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome…”, assim rezam as Escrituras. Mas, no Polígrafo, a fé moderna parece ser ainda mais minimalista: onde um estiver reunido nas redes sociais, aí estará o glorioso termo “bastante”. Milagres digitais, diria um novo evangelista brasileiro, provavelmente com acesso ao X através de VPN.

    Por esse motivo, o lusitano Polígrafo estará sempre correcto quando, por exemplo e por motivos que N’Gunu Tiny lá saberá, se debruça sobre uma questiúncula do Partido Humanista de Angola para nos afiançar que um despacho foi “bastante partilhado nas redes sociais”, embora o “bastante” tenha sido somente a pessoa do senhor Osvaldo Humberto, um suposto (e discreto) funcionário da empresa National Oilwell Varco, e amigo, entre outros, da Mariazinha Monteiro, do Smith Adebayo Chicoty, do Nadilson Paim e do João Qui Pa Dias, apesar de não se confirmar se estes, ou outros, sequer viram a tal singular partilha, que não vingou por ter tido um ‘epidemiológico’ número de reprodução, o famoso R0, igual a zero.

    O post ‘acusado’ pelo Polígrafo de ter sido “bastante partilhado”. Mais de um mês depois, tem uma partilha.

    O Polígrafo, esse bastião do rigor, teve, enfim, uma epifania matemática que constitui mesmo, arrisco, uma revolução copernicana: o centro do universo da partilha passou a ser um único ponto, um ponto de vista solitário – quiçá, daqui a nada, o do próprio autor que assim se expõe ao Universo num singelo acto de altruísmo ou ainda por um isolado desespero digital.


    Marques, o tudólogo conveniente

    O ‘tudólogo’ é uma figura curiosa do discurso moderno, caracterizado por sua “superciliosa empáfia” – expressão já com direitos reservados – e um ímpeto irresistível de expor as suas vastas (ainda que sempre superficiais) erudições em qualquer tema que venha à tona ou que seja pescada em águas profundas.

    Para um tudólogo não há campo do saber que escape à sua verborragia iluminada, versando com similar desenvoltura sobre astrofísica e filosofia antiga, discorrendo com aparente autoridade sobre as subtilezas da metafísica e dos segredos da alta gastronomia – e quem diz gastronomia, diz intrincados dilemas da política global.

     Para o tudólogo, cada conversa é uma oportunidade de exibir a sua suposta omnisciência, até porque, quanto à omnipresença, a todos já está patente, porque está em todo o lado a falar sobre tudo. Na verdade, um tudólogo é um bitudólogo.

    Pedro Marques, um tudólogo em todo o lado.

    Um bitudólogo é, na essência, um guardião das verdades inabaláveis, mesmo ou sobretudo daquela que ele mesmo inventou.

    Um dos expoentes do tudologismo é Pedro Lopes Marques que, para se armar aos cucos, se apresenta com um currículo extenso e variado, incluindo funções tão díspares como cauteleiro e consultor, além de licenciado em Direito, embora desconfie que tenha sido por linhas tortas que chegou a opinador de tudo o que é imprensa escrita, radiofónica e televisiva.

    Na semana passada, descobri que Marques defende a censura estatal como um meio legítimo de proteger a sociedade, enquanto escreve para uma revista que, curiosamente, passa pelos pingos da chuva, apesar de dever milhões ao Estado. É aqui que o véu da hipocrisia começa a rasgar. O bitudólogo Marques, que com tanta veemência discorre sobre a necessidade de regulação e controlo por parte do Estado para evitar abusos no discurso público, faz tudo isso debaixo do tecto de uma publicação que, por si só, é um monumento à falta de regulação da comunicação social e da fiscalidade – e daí à falta de impunidade.

    A revista Visão, um dos inúmeros ‘locais’ onde Marques publica as suas ‘tudiotices’, deve cerca de 15 milhões de euros ao Estado e acumula dívidas que totalizam 30 milhões de euros, mas o bitudólogo acha que, por exemplo, o Elon Musk deve ser culpado por aquilo que alguns escrevem na sua rede social. Nessa linha, também poderemos ficar descansados: se o Luís Delgado, dono da falida Trust in News e da revista Visão, não pagar as dívidas, Pedro Lopes Marques avança com o seu guito.

    O facto de Marques fechar os olhos a esta contradição é revelador da sua (in)coerência: pregar sobre a necessidade de censura e controlo quando se está num púlpito seguro, especialmente quando esse púlpito é mantido por uma entidade que parece gozar de uma imunidade surpreendente face às suas obrigações fiscais e judiciais. Seria de esperar que alguém tão zeloso na defesa da “verdade” e da “civilidade” também fosse igualmente rigoroso em exigir que o seu próprio veículo de comunicação fosse um exemplo de ética e cumprimento das suas responsabilidades.

    Um Estado é perfeito para censurar ‘inimigos’, mas também bom para permitir calotes aos ‘amigos’…

    Nanja. Para Marques Lopes, a censura é necessária e legítima – desde que, aparentemente, não interfira com as dívidas do seu empregador. O tudólogo Marques é daquele jaez de que se fazem os tudólogos: passaria a defender Musk se Musk comprasse a Trust in News. Mas como a única salvação da Trust in News é o Estado, do Estado só coisas boas… por agora.

    No seu mais recente artigo na Visão, Marques quer que o Estado seja um “paizinho”, que vigie e regule o que todos dizem nas redes sociais, mas parece perfeitamente confortável a trabalhar para uma revista que deve milhões ao mesmo Estado. Fala de responsabilidade e da importância de um Estado forte para controlar os excessos das grandes empresas tecnológicas, enquanto colabora com uma publicação que está atolada em problemas financeiros e que, paradoxalmente, não enfrenta o mesmo rigor que ele deseja para os outros.

    Pedro Marques Lopes coloca-se como um defensor da moralidade pública, mas está ligado a uma instituição que se esquiva das suas obrigações para com o próprio Estado, que ele quer ver fortalecido. É uma hipocrisia tão densa que até os algoritmos de que ele desconfia teriam dificuldade em processá-la. Ele denuncia os perigos da concentração de poder nas mãos de poucos homens, referindo-se a figuras como Elon Musk e Mark Zuckerberg, mas não parece ter problemas em que a Visão continue a funcionar como se estivesse acima da lei.

    No fundo, aquilo que Pedro Marques Lopes parece defender não é a democracia, mas um sistema onde as regras se aplicam selectivamente. Ele quer um Estado forte, mas apenas quando isso serve aos seus próprios interesses e aos interesses daqueles que lhe dão voz. Esta dissonância cognitiva é desconcertante: o tudólogo Marques ergue a bandeira da censura como uma ferramenta de justiça, mas fecha os olhos às injustiças que se desenrolam debaixo do seu próprio nariz. Afinal, talvez o seu conceito de censura seja apenas mais uma arma selectiva, usada para abater os adversários – denominada ‘extrema-direita’, uma espécie de albergue espanhol onde tudo cabe –, enquanto protege os seus aliados. Por agora, porque amanhã pode ser outro dia.


    Obama & ‘Monedas’, ou o provincianismo pacóvio

    Barack Obama, apesar do seu estatuto de reformado, é homem ocupado, como todos saberão. Apesar de as horas de um dia lhe passarem como aos demais, os seus minutos são escassos: daí que ouvir Carminho a despachar o fado ‘O Quarto’ em 1 minuto e 16 segundos no filme ‘Pobres criaturas’ lhe pareceu bastante para a integrar na sua playlist estival no Spotify, em vez de sugerir a versão integral de 3 minutos e 20 segundos.

    Pormenores. Afinal, um ex-presidente dos Estados Unidos, democrata como convém nos tempos de hoje, ir ao cinema e ficar deliciado com uma voz exótica que lhe deve soar vagamente ao espanhol de Porto Rico, é mais do que motivo para o Expresso ir a correr ‘gritar hossanas nas alturas’, que Deus seja glorificado para todo o sempre. Ou melhor, que Carminho seja glorificada nas páginas do semanário de Balsemão na secção “Altos”, e por bênção de Barack Hussein Obama II, e só por isso – e nem sequer por ter editado o álbum onde se insere aquela canção já no longínquo Março de 2023 em Portugal e em Novembro seguinte nos Estados Unidos.

    Portanto, esclarecidos fiquemos sobre o conceito de validação cultural: Barack Obama e a sua playlist de Verão ‘sacada’ de uma sala de cinema.

    Talvez exagere. Os portugueses sempre apreciaram que, do estrangeiro, gostem deles. E, portanto, se nos próximos tempos, a distinta fadista cair nas graças de Trump lá teremos mais um altar erguido em honra de Carminho nas páginas do Expresso, certo? E se for Bolsonaro? Ou Lula? Ou se for Putin? Ou se for Zelensky? Ou Kim Jong-un, que em jovem até teve passaporte brasileiro? Infindáveis possibilidades que auguram uma secção própria, e adequada, para solenizar os encómios estrangeiros à nossa cultura.

    Mas o desmesurado orgulho ao que vem do estrangeiro – que quase se confunde com provincianismo pacóvio – atingiu o zénite no passado sábado com o alcaide de Lisboa Carlos Monedas.

    Perdão, falo de Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que pensava eu ser capital da República Portuguesa, mas que, pelo entusiasmo com ele esteve a promover a etapa inicial da Vuelta a España, mais me pareceu que recuáramos ao Verão de 1640, aos tempos de Miguel de Vasconcelos.

    De Gira em punho – e teve muita sorte de estar a funcionar –, lá vimos ‘Monedas’ glorificar a La Vuelta, orgulhoso por se iniciar na ‘província’ mais oeste de Madrid. E isto quando não me recordo de o ter visto na chamada Volta a Portugal, que somente passou fugaz e discretamente por Lisboa, em 26 de Julho, porque o presidente de uma junta, a de Marvila, achou por bem ‘despachar’ 90 mil euros para a organização da triste prova lusitana meter Lisboa no mapa, em vez de os direccionar em desnecessárias melhorias dos seus fregueses.

    Foi ver onde parou Moedas nesse dia, em que não teve tempo para dar um saltinha à chegada da Vuelta a Portugal no município que preside. Tarefa fácil, porque a agenda do nosso alcaide está agora sempre bem patente e presente no X: esteve a ‘inaugurar’ o plantio de 20o árvores em Sete Rios, na Praça Marechal Humberto Delgado, assassinado pela PIDE em Espanha. Olé!


    Carta de amor de Valentina ao Valentão

    Nem ao leitor mais desatento terá passada desapercebida uma certa dedicada e carinhosa prosa, que o tempo e a História tratará de fazer ombrear com as missivas de Mariana Alcoforado ao militar francês Noël Bouton, Marquês de Chamilly. Não foi em formato de carta secreta, é certo, embora a condição de ‘notícia’ num jornal que vende mil exemplares a coloque num grau de sigilo quase similar, além de em nada retirar o merecido e enternecedor mérito à paixão.

    Publicada no dia 20 de Julho no Diário de Notícias, não tivemos aqui uma pena de uma freira do Convento da Nossa Senhora da Conceição, na alentejana cidade de Beja, mas sim o teclado de uma jornalista de não menor fervor e afeição pelo seu amado: Valentina Marcelino, uma jornalista já considerada a maior especialista mundial em ‘Gouveia e Melo’, conseguiu transformar um simples relato sobre a alocução de um militar a convivas de uma jantarada de oníricos elogios em visceral fogo que incandesce a alma e sublima o espírito temperado com essências vibrantes que transcendem a mera existência. A bem-dizer, escreveu ela uma carta de amor.

    silhouette of person's hands forming heart

    Valentina mal escondeu, na sua notícia, os suspiros e os tremores que, por certo, espraiou no Clube Militar Naval ao ver o seu ‘Chamilly’ sem farda, mas podemos imaginá-los pela prosa enlevada e fascinada perante aquele militar de branca e rala barba, que me lembra sempre um senhor que promove um conhecido pescado que garante apenas uma espinha em cada 41.000 unidades, o que sempre me parece mais seguro do que as vacinas contra a covid-19.

    Enfim, certo é que na leitura, em menos de sete minutos, o leitor cruza-se com encantatórias palavras, sempre meigas, sempre elogiosas, sentindo-se sempre um aroma a maresia, um sabor a grandeza. No início vai logo à espinha, para logo seguir para o coração: “Descontraído, comunicativo e até com umas tiradas de humor, o almirante Gouveia e Melo escolheu o tema da liderança para falar a uma plateia de auditores de Defesa Nacional, militares e deputados, convidados de um jantar-palestra realizado no Clube Militar Naval, em Lisboa, na última quinta-feira.” Prossegue, e logo citando as palavras, sempre modestas, sempre humildes, de um Grande Líder, que menos do que Grande Almirante não poderia ser: “Um chefe militar tem de ter coragem. Ser honesto com o poder político e, quando necessário, vir a público dar a cara. É isso que faço. Se calhar, os chefes militares eram mais do tipo Português Suave, mas eu sou de um género nada suave”.

    Como não se deslumbrar com alguém que se anuncia como sendo o oposto do Português Suave. Até eu acho que o nosso Almirante está, efectivamente, longe do Português Suave; ele é mais Kentucky, o famoso ‘mata-ratos’… Ou será mata-velhos? Não sei. Acho que isso era mais os quadriciclos

    Não nos desviemos. A prosa flui, a partir daqui, dando eco ao lamento do putativo aspirante a ocupar o lugar de Marcelo, por “a Defesa ter estado praticamente fora dos debates da campanha para as Eleições Europeias, apesar da guerra na Europa com impacto em todos países, incluindo Portugal”. E recorda uma entrevista DN-TSF, onde o almirante “chamou a atenção” para a necessidade de “preparar os jovens” para serem, um dia, carne enviada por políticos para enfrentarem canhões em cenários de guerra (perfeitos para lavar dinheiro).

    No parágrafo seguinte, Valentina já não aguenta: “vestido à civil o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA) aproveitou a oportunidade para partilhar das dificuldades no recrutamento para a Marinha”.

    E, claro, não podia faltar, no texto de uma amante – no sentido de admiradora, não sejam más-línguas – doces palavras de saudades à pandemia do ‘vai ficar tudo bem’: “A task force da vacinação e a sua estratégia como coordenador, era o foco da sua intervenção, em que frisou que a coragem, ter valores, assumir a responsabilidade e honestidade são algumas das qualidades que, no seu entender, devem fazer parte de um líder”. Tanta modéstia.

    Ficámos a saber, pela querida ‘almirantenete’ que Gouveia e Melo não é de ferro nem de pedra, tem sentimentos, é um homem que teme os desafios que somente os gestores de logística dos frescos do Modelo Continente, e outros perecíveis, enfrentam: “confessou não ter dormido “toda a noite” quando foi convidado para liderar o processo de vacinação”.  E, escreve ainda Valentina, que um dos motivos por que passou a andar sempre de camuflado, não foi para fazer suspirar as ‘almirantenetes, apesar da justificação oficial de ser “a farda partilhada pelos três ramos” que integravam a task force, foi sobretudo para evidenciar a “guerra contra um vírus”. Ah, e era mesmo guerra, porque nisto não havia lugar para pacifistas, medricas, refugiados, deslocados ou desertores. “As pessoas tinham de escolher um lado. Quem estava contra tinha de se vacinar”, disse o nosso Almirante, e assim redigiu a nossa Valentina. Para quê seguir a Ciência quando se pode antes seguir as palavras de um especialista em faróis e submarinos, ainda por cima humilde, modesto, imbuído de bom-senso, como fica patente no mui ‘patenteado’ Gouveia e Melo?

    Assim sendo, não surpreende que todo o restante texto seja escrito, e descreva, sempre envolto em elegância e admiração, para enaltecer as qualidades de alguém destronou, com grande facilidade, um Diogo Cão, um Bartolomeu Dias, um Pedro Álvares Cabral, um Vasco da Gama, um Afonso de Albuquerque, um Fernão de Magalhães… esse não, que se ofereceu a Castela.

    Embevecida, Valentina recorda, aliás, um outro artigo que escreveu sobre o seu ídolo com o singelo e muy imparcial título: “O que vai ficar para a história da liderança de Gouveia e Melo”. Neste artigo, “alguns dos mais importantes especialistas em liderança elogiaram as opções do almirante”, escreveu Valentina. Nem faltou a opinião de um especialista para meter o nosso Almirante na gávea de proa desta navio chamado Portugal, destacando a sua “genuinidade”, que transmitiu “calma, confiança no trabalho da sua equipa”, ou a de outro que lhe viu “visão estratégica clara”. Aos jornais ainda lhes falta meter na tinta música de violino.

    No panegírico de Valentina ao seu Valentão, não faltou menção à “mesa do CEMA” neste jantar “com lotação esgotada”, onde pontificava Miguel Guimarães, deputado do PSD e ex-bastonário da Ordem dos Médicos, envolvido na polémica das ilegalidades cometidas numa campanha de solidariedade financiada quase exclusivamente por grandes farmacêuticas. Curiosamente, nessa mesma campanha de solidariedade foram desviadas vacinas para médicos não-prioritários, mas isso não interessa nada, Provavelmente, Noël Bouton também tinha os seus pecados e pecadilhos, e a sua Mariana Alcoforado também se calou. O amor é sempre lindo, talvez por ser cego.



    SEMANA 30/2024

    Marrar na parede? Não: é mesmo cair no abismo

    O Francisco Balsemão, não o José (pai) nem o Maria (meio-irmão), mas o Pedro, é o CEO da Impresa, outrora grupo de media que trabalhava para o (e tinha foco no) bem dos leitores e telespectadores. Com esse antigo serviço, credível e atraente, vinha o brinde: as empresas punham-se em fila para publicitar nas ‘plataformas’ da Impresa os seus produtos para serem comprados e usufruídos pelos consumidores que eram atraídos pela informação credível e pelos conteúdos comunicacionais de qualidade. E como era filão apetecível, e não havia espaço para todos, pagava-se bem para anunciar. Ganhavam então todos: leitores / telespectadores, os anunciantes e a própria Impresa.

    Mas isso é coisa do passado. Os produtos (notícias e conteúdos comunicacionais) descredibilizaram-se, e já nem se consegue distinguir o jornalismo da promoção e do marketing empresarial – ao ponto de o próprio CEO da Impresa andar a fazer ‘entrevistas’ numa mixórdia de funções – e como as audiências por tudo isto descambaram, abriu-se a possibilidade às maiores promiscuidades numa fuga para a frente, para onde não há sequer uma parede para marrar mas somente um abismo para cair.

    Post no LinkedIn do CEO da Impresa

    Assim sendo, nem sequer deveria surpreender muito que na apresentação de mais um resultados semestrais desastrosos – 4 milhões de euros de prejuízo, sobretudo pelo agravamento do serviço da dívida por via do endividamento completamente absurdo -, o Pedro (para que se consiga distinguir dos outros dois Francisco Balsemão) continue alegremente a dizer que “vamos continuar a trazer mais valor para anunciantes e agências, reforçando a nossa posição enquanto grupo de media português com mais investimento publicitário”.

    Nem uma palavra para os leitores e telespectadores. Nem uma palavra para o jornalismo. Nada. A Impresa hoje só quer dar “mais valor” aos anunciantes, apresentando cada vez menor qualidade nas ‘plataformas’, e às agências (deduzo que também de comunicação), que querem passar comunicação empresarial como se fosse notícias.

    Deve ser giro um CEO de uma empresa fazer um podcast para o jornal como se fosse mesmo um jornalista…

    Presumo que a estratégia para o desastre vai continuar quando o nosso Pedro acrescenta que “adicionalmente, vamos manter a nossa estratégia de expansão digital e diversificação de fontes de receitas, nomeadamente através da concretização de apostas já anunciadas como a realização do Tribeca Festival em Lisboa e a nossa nova parceria na área da bilhética online com a BOL”. Diversificar significa aqui, presumo, arranjar mais umas ideias para fazer de conta que na Impresa ainda se faz jornalismo e comunicação social.



    SEMANA 29/2024

    Paxlovid!, dizem os democratas. Ivermectina!, dizem os republicanos

    Se considerarmos que o primeiro ano de vida de um gato é aproximadamente igual a 15 anos humanos, que o segundo é igual a 9 anos humanos e que cada ano adicional é igual a 4 anos humanos, então o Biden é um ano mais velho do que eu, sabendo-se – e se não souberem, sabem agora – ter eu nascido no dia 13 de Junho de 2008. Estamos ambos idosos, mas ainda me lembro do que sucedeu há dois anos, talvez porque, nessa altura, contava 72 e não 80 anos.

    Posto isto, mesmo sabendo que Joe Biden está mesmo desmemoriado, e já nem saiba o que lhe dão, acho que, a existir uma cabala nos Estados Unidos, esta não é contra o Trump, mas sim contra o actual Presidente. Não é que logo no dia em que ele coloca a hipótese de sair da corrida eleitoral se houvesse decisão médica, surge com um teste positivo à covid-19? E que lhe fazem? Dão-lhe o mesmíssimo medicamento – o Paxlovid, da Pfizer – que ficou conhecido por ser como o Melhoral (não faz bem, nem faz mal) com a agravante de causar recaídas, como lhe sucedeu em 2022. Lembram-se? Ele, se calhar, não.

    Notícia de Julho de 2022: Biden teve uma recaída depois de lhe ser administrado Paxlovid. Dois anos depois, dão-lhe novamente Paxlovid.

    Enfim, já estou a imaginar nos próximos tempos uma titânica luta ideológica, que nada tem a ver com simpatias terapêuticas: os democratas a quererem à força que Biden tome Paxlovid, para ter recaídas até abandonar a candidatura (e se não resultar, às tantas ainda lhe darão lixívia…), enquanto os republicanos a querem se ele recupere rápido, dando-lhe vitamina D e ivermectina, de sorte a ele se manter na corrida a colecionar gaffes até Novembro. Tempos interessantes, sem dúvida.


    SEMANA 28/2024

    Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz e o seu súbdito Marcelo

    A sinistra (é canhota) Alteza Real Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz, Princesa de Asturias, Princesa de Gerona, Princesa de Viana, Duquesa de Montblanch, Condessa de Cervera e Señora de Balaguer, visitou aos 18 anos um rectângulo na Península Ibérica que, para mal dos pecados do Senhor do Morgado de Fonte Boa (um tal Miguel, de Brito, da parte do pai, e Vasconcelos, da parte da mãe), continua a falar a língua de Camões, e não a língua de Cervantes.

    E muito bem fez a jovem herdeira do trono de Espanha em, pisada esta terra, se pôr a discursar em castelhano na sua visita a Belém, onde muito bem teceu, e se entendeu, uns belíssimos considerandos sobre Portugal, apenas usando, para dar mais ‘salero’, uma palavra na língua de Pessoa – ‘saudade’ – para destacar os nobres sentimentos de seus pais sobre o país vizinho.

    Já Marcelo Rebelo de Sousa – ou será Marcelo Revelo de Sosa? – fez o que um súbdito deve fazer perante a (sua futura) rainha: brindou em castelhano, embora com tão terrível pronúncia que, vos garanto, o Cervantes, lá no sepulcro do Convento de las Trinitarias Descalzas de San Ildefonso, deu ‘erizado’ umas quantas acrobacias, apenas não uns saltos mortais, porque defunto já ele está. Em todo o caso, em resposta ao brinde de Marcelo (ou Marcelo, em castelhano), o Rocinante relinchou ‘iiirrrrí‘ e o Rucio zurrou ‘inhóóó inhóóó‘.


    SEMANA 28/2024

    Salomé e a cabeça da Verdade numa bandeja

    Há agora um novo desporto nos media mainstream: malhar em Lucília Gago e zurzir na Procuradoria-Geral da República, esse malévolo ente que ia dando cabo da vida do nosso querido Costa, o nosso ai Jesus que agora dará mais alegrias ao povo português do que o Ronaldo, já anda a pensar em pousar chuteiras, tornando-se o mais mais inteligente presidente do Conselho Europeu, PNS dixit.

    Ora, na recente entrevista à RTP, Lucília Gago disse que não se sentia responsável pela queda do Governo em Novembro passado, que fora uma decisão pessoal de António Costa, que “poderia continuar a exercer as suas funções” como, exemplificou, aconteceu com Ursula von der Leyen e com Pedro Sánchez. “Não é automático que a instauração de uma investigação tenha como consequência uma demissão”, defendeu.

    Que foi ela dizer, caramba! Caiu logo nas malhas do Polígrafo, o arguto fact-checker com uma impressionante densidade de under-30 na sua redacção, e que agora até já ‘contrata’ under-20, o que, convenhamos, poupa dinheiro em salários, mas mostra-se arriscado porque, geralmente, a memória destas gentes, tal como a idade, é curta.

    Portanto, assentando nisto, lá tivemos o Polígrafo com a jornalista Salomé Leal a pôr a Dona Lucília Gago em ordem, dando-lhe um raspanete, porque, segundo esta veneranda (nada veterana) fact checker, não é comparável a situação de Ursula von der Leyen com a de António Costa, porque, havendo um caso de alegada “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses” nas negociações de vacinas entre a presidente da Comissão Europeia e o CEO da Pfizer, a senhora alemã “não ponderou em momento algum abandonar o cargo apesar da investigação, mas também não foi, ainda, acusada da prática de qualquer crime”.

    Pintura exposta no Museu Nacional de Arte Antiga da autoria de Lucas Cranach, o Velho.

    Isto é uma chatice quando se anda a fazer fact-checking como se fosse gente grande, e depois, vai-se a ver, e entrou-se no jornalismo em 2020. E, portanto, que interessa a Salomé Leal tudo o que sucedeu antes desse prodigioso ano, incluindo, portanto, as acusações (e investigações) que ainda pendiam sobre von der Leyen em 2019 como ministra alemã da Defesa, quando então foi escolhida para a presidência da Comissão Europeia? E não seriam essas situações passadas sobre as quais Lucília Gago se estaria a referir?

    Nanja! Nada!

    brown tabby cat lying on white textile

    Para Salomé Leal, só se deve ver, com antolhos, para a frente de 2020. Para Salomé Leal, só há Político a partir de 2020 (e em particular, para apanhar o ‘erro’ de Lucília Gago, através da notícia do Político de 1 de Abril de 2024, que ela refere como ‘prova’); não há Político antes de 2020, nem existência, nem mundo, nem memória, somente o vazio a.S.L. (ante Salomé Leal).

    Dona Lucília Gago, para a próxima se precaveja: não queira, matusamelicamente, confundir as mentes juvenis, invocando o passada da nossa Ursula von de Leyen antes do Pfizergate; não queira relembrar casos, ‘casinhos’ e ‘casões’ que teve como ministra alemã da Defesa entre 2013 e 2019, como, hélas, se pode ver no período pré-histórico do Político (aqui, aqui, aqui e aqui).

    Enfim, a ignorância é muito atrevida, diz-se – mas numa fact checker armada em paladina da verdade, a ignorância torna-se apenas lamentável. A culpa, parece-me, nem é da Salomé, mas certo é que, com estes fact checkings, a Verdade nos surge assim decepada numa bandeja.


    SEMANA 26/2024

    Gouveia e Melo apanha Putin no cimo do ‘caralho’ (calma: é termo náutico)

    Na Teoria do Caos diz-se que pequenas alterações nas condições iniciais de um sistema complexo podem resultar em grandes e imprevisíveis eventos futuros. Conhecido por Efeito Borboleta, este conceito foi popularizado pelo meteorologista Edward Lorenz nos anos 1960, e é frequentemente ilustrada com a metáfora de que o bater de asas de uma borboleta na Amazónia poderia desencadear uma tempestade no Pacífico.

    Em Portugal, desde que o submarinista Gouveia e Melo se meteu na ‘cesta de gávea’ (também conhecida, em tempos antigos, por ‘caralho‘), a mandar postas de pescada como Chefe do Estado-Maior da Armada, sabemos por isso que, quando uma qualquer embarcação da Rússia levanta âncora de um qualquer porto e cruza águas portuguesas, nos arriscamos a ter a III Guerra Mundial. E por isso, temos de combater o ‘Efeito Borboleta’ com o ‘Efeito Gouveia e Melo’.

    Não tenham dúvidas sobre o ‘Efeito Gouveia e Melo’ para a paz mundial. A III Guerra não sucedeu ainda porque, claro, a Marinha Portuguesa ‘almirantada’ pelo mestre-da-logística-vacineira, putativo candidato a Presidente da República, coloca sempre toda a ‘infantaria náutica’, que ainda flutua, a postos para controlar os malvados espiões russo. Apenas por causa de Gouveia e Melo os russos não sabem ainda como podem sair vitoriosos de um conflito global, porque jamais conseguem vasculhar em descanso o fundo do mar português. São corridos.

    Que o Putin deixe de se armar em carapau de corrida, e tire as mãos da sardinha – com Gouveia e Melo não há cá caldeiradas. Que o Putin se entretenha com o esturjão, que se contente com o caviar. Se não se portar bem, às tantas, leva é uma solha do nosso Almirante… ou uns douraditos da Iglo (passe a publicidade).

    Por tudo isto, celebremos Gouveia e Melo. Celebremos a Marinha Portuguesa que bem viu que o ‘General Skobelev’ não era um banal petroleiro russo com destino a Kalinenegrado, nem que o ‘Akademik Ioffe’ não era um corriqueiro navio russo de passageiros com destino à Libéria, nem o ‘Nikolav Chiker’ um singelo quebra-gelo saído do porto de Mariel em Cuba, onde sabemos que nem há neve. Eram sim uns malvados “navios-espiões russos”, como noticia o Correio da Manhã depois de um comunicado do gabinete de imprensa do nosso Almirante, que só não deram início à III Guerra Mundial porque a nossa bendita Marinha cometeu uma heróica “missão de 90 horas”.

    Imagens retiradas hoje do Marine Traffic com a localização de embarcações, bem como a localização actual do Akademik Ioffe que segue para a Libéria. Cada triângulo representa a localização de uma embarcação de grande porte.

    Feito isto – e que grande feito de Gouveia e Melo comparado com os vulgares ‘passeios’ de Diogo Cão, de Bartolomeu Dias, de Vasco da Gama, de Afonso de Albuquerque e do ‘traidor’ Fernão de Magalhães –, somente se me coloca uma dúvida: será que o Putin não deveria mudar de estratégia, e em vez de mandar navios-espiões com bandeira russa, não deveria antes alugar um embarcação de outro qualquer país para espiolharem as nossas águas territoriais ou a nossa Zona Económica e Exclusiva (ZEE)?

    É que assim isto não tem muita piada! São sempre apanhados pelo olho do Gouveia e Melo, que no cima do ‘caralho’ nada deixa escapar. Dá-lhe, camarada Putin, pelo menos algum trabalho, enquanto ele não segue para Belém: há centenas de navios a cruzarem os mares portugueses, como podes ver ali em cima nas imagens retiradas do Marine Traffic. Escolhe um, para que Gouveia e Melo apanhe todos. Se o homem até já venceu um vírus


    SEMANA 25/2024

    Força Aérea: um zero à esquerda a meter dois zeros à direita

    Na aviação, um número conta muito. Por exemplo, em 1989, um voo da Varig, caiu sem combustível na floresta amazónica, só por por causa de o piloto ter inserido a direcção 027 graus, em vez de 270 graus. Um zero mal metido. Mas esse lamentável caso foi na aviação civil; na Força Aérea, como se viu desde pelo menos o Top Gun, não se brinca em serviço. Um número é um número. Rigor absoluto.

    E daí que se começou a salivar aqui no PÁGINA UM, que muito já viu em contratação pública, quando se detectou, no início desta semana, um ajuste directo celebrado há quase dois anos, mas somente agora publicitado no Portal Base, pelo Estado-Maior da Força Aérea para aquisição de apoio de engenharia relativo a um sistema de comunicações. Valor da ‘coisa’: 7.326.000 euros, ou seja, um ajuste directo de mais de 7,3 milhões de euros, montante que, com IVA, ultrapassaria os 9 milhões de euros. Ainda por cima, sem sequer existir contrato escrito, invocando uma norma inadequada para estes casos.

    man driving helicopter

    Já se imaginava as parangonas – mas vieram as relações públicas estragar a ‘cacha’, confessando um erro, corrigido depois do contacto do PÁGINA UM. Afinal, o contabilista da Força Aérea, talvez um zero à esquerda, tinha inserido dois zeros à direita, a mais. Ou seja, onde antes se lia 7.326.000 euros, passou a ler-se 73.260 euros. E lá se foi a ‘cacha’.

    O director do PÁGINA UM ainda anda a matutar se não deveria ter perguntado por comprovativos que demonstrem que nunca erros deste quilate quando se digitam números nas ordens de transferência. Às tantas, ainda se descobria, no contrato de 2021 (que só foi publicitado este ano) para fornecimento de combustíveis, que o Estado-Maior da Força Aérea em vez de ter pagado 57.276.950,99 euros à Petrogal, afinal enviou-lhe, vá lá, apenas 57,27 euros – ou, para arredondar, 57,27 euros. Erros acontecem: quem não…


    SEMANA 24/2024

    Carlos, o Papa Moedas

    Carlos Moedas já nos habituou a falar na primeira pessoa do plural sempre que, em bicos de pés, quer falar da obra que julga ser só sua: “entregámos chaves de casa”; “homenageámos fulano de tal”; “visitámos a estrada da Beira e a beira da estrada”; “distribuímos isto e aquilo”, “condecorámos sicrano e beltrano”, e hoje [sic, neste caso] “Casámos os noivos de Santo António”.

    Mas, calma, não se pense que nesta função casamenteira, o presidente da Câmara de Lisboa tenha exercido o ministério de sacristão ou de diaconato – que ofensa seria! E, para quem é, nunca aceitável seria o múnus do presbiterado, que isto de ser pároco, cónego, vigário-geral ou monsenhor é coisa de pobre. Merecia Carlos Moedas não menos do que a função, ou título, de bispo, de arcebispo, de cardeal ou de patriarca. Mas como isto seria sempre pouco, acho mesmo que este, hélas, nosso edil deveria estar mesmo no topo da hierarquia, até para fazer jus à função que melhor desempenha com o dinheiro dos contribuintes para se promover: Papa – o nosso Papa Moedas.


    SEMANA 22/2024

    Costa, o Ricardo, sem tempo para ler sobre prémio das estantes IKEA

    O jornalista Ricardo Costa tem quatro relevantes pecularidades biográficas: é cumulativamente director de informação da SIC e director-geral de informação do Grupo Impresa (dona do Expresso); é primo em segundo grau de José Alberto Castelo Branco da Silva Vieira; é irmão de António Luís Santos da Costa; e tem raízes orientais, o que, garantidamente, na douta e constitucionalíssima tese do nosso actual Presidente da República, o tornará “lento”. Só a segunda é irrelevante para a minha ‘arranhadela’.

    Sendo “lento”, ‘marceloscamente’ falando, e tendo tão elevadas funções na direcção de tantos órgãos de comunicação social, compreende-se que Ricardo Costa só leia as ‘gordas’ e que os seus olhos não comam mais do que o primeiro ‘linguado‘, porquanto, como sabe, a partir daí tudo é palha para encher chouriços.

    Por esse motivo, compreende-se que Ricardo Costa tenha vindo a correr dar uma alfinetada no Governo Montenegro por ter eliminado um rectângulo verde, um círculo amarelo e um quadrado vermelho como logótipo da Nação, uma vez que a ‘obra’ acabou de ganhar um prémio de design.

    Confirma-se, assim que Costa, o Ricardo, nem sequer leu a curta notícia da SIC, televisão do qual é director de informação, a qual destaca no seu tweet no X, para criticar “as guerras culturais [quando] chegam ao design”. Se assim não fosse, teria visto que o Grande Prémio CCP 2024, e que deveria ter merecido o máximo destaque, foi entregue à não menos famosa publicidade da estante IKEA: “Boa para guardar livros. Ou 75.800€“, alusiva ao dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária, chefe de gabinete do Costa, o seu António, e que tanto frisson causou às sensibilidades políticas do PS.

    Já agora, bem vistas as coisas, às tantas os 75.800 euros do Escária eram legais: serviriam para pagar ao designer os 74.000 euros do logótipo, e o resto seria para cerveja e tremoços, que para gambas já não daria.


    SEMANA 21/2024

    Mais um frete do Polígrafo; mais um prego no caixão do jornalismo

    A vida anda difícil para todos, e até também para o Polígrafo, apesar dos mais de 400 mil euros por ano que encaixa do Facebook para fazer de cão-de-fila pelas redes sociais. E se quando esteve desempregado, o seu director, Fernando Esteves, fez uma perninha em final de 2018 para sacar quase 20 mil euros num centro hospitalar de Lisboa (sem haver sinal de ter feito ‘coisa’ alguma), mais facilmente pode o Polígrafo fazer fretes – desde que, claro, receba dinheiro. Pregar pregois no caixão do jornalismo, isso é um pormenor…

    Como se sabe, o Polígrafo orgulha-se de ser um órgão de comunicação social exclusivamente de fact-checking, que teve o seu período de ouro na pandemia, com uma função mui útil para consolidar ‘narrativas’, metendo no mesmo saco gente destemperada e racional (desde que ambos os grupos não aceitassem as ‘narrativas’, em versão low cost, porquanto metia estagiários geralmente de Comunicação Social a mandar postas de pescadas sobre complexas questões de Epidemiologia e outras ciências, muitas vezes com especialistas em migrações de sardinhas ou peritos em hidrogeografia que andaram a lançar búzios com modelos matemáticos de vão-de-escada.

    Mas estamos em 2024, e embora haja muita mentira a ser desvendada em campanhas eleitorais, a safra deve andar fraca – e, portanto, o que vier à rede é peixe. E esta semana saiu assim no Polígrafo uma notícia ‘normal’, mas nada habitual num ‘fact checker’, sobre um banal “encontro com jornalistas, esta terça-feira, em Lisboa”, onde Elisa Ferreira, a comissária portuguesa ns Comissão von der Leyen, notou que quando existe “um alargamento da União Europeia há normalmente um impulso brutal da economia” dos países que acabam de aderir ao bloco europeu”. Toda a notícia soa a pé de microfone: a comissária diz, a jornalista anota.

    E, acrescenta ainda a jornalista Ema Gil Pires, com um curioso número de carteira profissional – 7999, que, por ser nova, nem sequer deve saber o que é a cláusula de consciência, que a livra de fazer fretes a mando do ‘patrão’ –, que Elisa Ferreira notou, assim, a “grande oportunidade” que tal seria para o “processo de reconstrução da própria Ucrânia”, numa altura em que se perspectiva “uma eventual inclusão de Kiev no leque de Estados-membros”. E blá blá até ao fim.

    E é bem no fim que se vê o seguinte texto, que deve ser lido ao som de violinos, ou de marcha fúnebre em memória do jornalismo: “Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto ‘EUROPA’. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar“.


    SEMANA 20/2024

    As reuniões do Grande Líder Moedas

    Carlos Moedas, o Presidente da Câmara de Lisboa – ou, antes disso, como salienta na sua conta do X, é “Mayor of Lisbon” e, além disso, também “Maire de Lisbonne” (e direi eu, de igual modo, que será লিছবন চহৰ পৰিষদৰ সভাপতি, em língua assamesa), é um líder. Perdão: é um Líder. Penitência: um Grande Líder. Misericórdia (não a freguesia onde nasci no longínquo ano de 2008): O GRANDE LÍDER!

    O único! Mas nunca sozinho.

    Moedas surge, feito vedeta, a oferecer casas, a acompanhar obras, a distribuir subsídios, a condecorar o periquito, mas nunca o faz sozinho. Usa sempre o plural: oferecemos, acompanhamos, distribuímos, condecoramos. E nós pagamos.

    São pormenores: afinal, o Grande – metonímia para Grande Líder Moedas – liderará sempre COM as pessoas, como titula a sua ‘magnum opus’, dirão os seus empolgados idólatras. E o Macron, que diz de Moedas o que o Maomé dizia de Meca: que “servirá para encorajar e até formar as próximas gerações de cidadãos que queiram fazer viver os seus ideais”.

    Mas calma. Nem sempre o Grande – o Grande Líder Moedas – lidera com as pessoas. Tem de se ter estatuto para se estar COM o Líder. Até em reuniões que, na verdade, servirão para ele – leia-se, Ele – expor a sua liderança. Por exemplo, Moedas reúne COM o presidente da Câmara Municipal do Porto, mas já reúne OS presidentes das autarquias que integram a Área Metropolitana de Lisboa. Mesmo quando se está na mesma sala do Grande não significa que se esteja ao mesmo nível – que assim conste in saecula saeculorum.


    SEMANA 20/2024

    Das invasões do colonialismo às invasões do doutor Nuno Rebelo de Sousa

    Se os filhos vivos têm de pagar pelas invasões cometidas pelos pais mortos, conforme defende o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, parece-me bastante lógico que os pais vivos possam também pagar por invasões dos filhos vivos. E isso pode ser visto ao nível de uma geração ou de dezenas de gerações.

    Assim, enquanto andarmos então a contabilizar, por invasões desde o século XV pelos nossos antepassados, quanto deveremos pagar ao Brasil, à Angola, a Moçambique e a tantos outros territórios dos quatro cantos do Mundo que os nossos pais (no sentido lato do termo) palmilharam, também não nos devemos esquecer de apurar a quem endereçar as facturas pelas invasões ao nosso território ‘perpetradas’ pelos fenícios, pelos gregos, pelos cartagineses, pelos romanos, pelos visigodos, pelos suevos, pelos mouros, pelos espanhóis (sessenta anos) e até pelos franceses (e até dos ingleses que nos vieram ajudar por causa do Napoleão, e não quiseram ir embora facilmente).

    Já agora, talvez fosse boa ideia incluirmos as invasões das nossas antigas colónias – que tínhamos tomado a outros – pelos espanhóis, pelos ingleses, pelos holandeses, pelos alemães, etc.. Talvez não fosse má ideia pedir-lhes indemnizações agora. Ou, pelo menos, reverter péssimos acordos de paz, como aquele em Haia, no ano de 1661, onde se concordou em compensar com 63 toneladas de ouro a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos pelas mais-valias por eles criadas no Nordeste brasileiro, apesar de os termos derrotado no campo da batalha. Ainda lhe entregámos o Ceilão (Sri Lanka).

    Bem mais fácil, na verdade, será obrigar os pais a pagarem pelas invasões dos filhos. Por exemplo, o Doutor Nuno, vindo do Brasil, invadiu Portugal, dirigiu-se ao Serviço Nacional de Saúde e, com isto, desapareceram perto de quatro milhões de euros. O Doutor Marcelo Rebelo de Sousa deveria indemnizar o país por isto, não acham?


    SEMANA 14/2024

    (Ainda) Rosália Amorim & outras histórias (com acentos graves)

    Se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) demorou quase dois meses a retirar a referência da Rosália Amorim na sua base de dados, depois desta ‘sair do armário’ e se assumir como uma marketeer, também eu posso, atendendo à minha felídea idade, preguiçar e nada escrever. E assim por isso, assim ficou o nome da Rosália Amorim, para escarmento, aqui pespegado nesta rubrica por três semanas.

    Enfim, agora vai ficar mais uns dias, porque não achei suficientemente apelativo para justificar um título em destaque a façanha dos ‘jornalistas do oráculo’ da RTP, que titularam, no rescaldo do Sporting-Benfica das meias-finais da Taça de Portugal, sobre os titulares das equipas mas com acento no I; mesmo tendo sido agudo. E nem foi uma vez – que sempre daria para conceder o benefício da dúvida de se tratar de um ‘corvacho’ – mas logo duas, e se calhar até foram três para ser como a conta que Deus fez.

    Enfim, também poderia brincar – não gozar, porque este é um senhor muito distinto e respeitável – com o Professor Jorge Miranda que no Público, à força de querer defender o estapafúrdio Acordo Ortográfico que mete o Pacto de Varsóvia ao nível do Pato à Pequim, acaba a escrever heróico com acento à moda antiga. Mas já nem vale a pena porque o nosso colunista Manuel Monteiro, também ali na concorrência, já lhe disse das muito boas, além de aproveitar para contar deliciosas histórias em redor das palavras como a do menino italiano que ‘inventou’ o petaloso.

    De resto, podia sempre gozar com a Filomena Martins, a meteorojornalista – não é só James Joyce que funde palavras, ó Manel – de serviço do Observador que, desde a minha última arranhadela, já escreveu sobre “chuva de lama“, sobre a depressão Nélson que diz ser “a primeira do rosário de tempestades até à Páscoa” passada, sobre mais poeiras e calor, e sobre a “tempestade Olívia” que vai trazer mais uma “enorme massa de poeira que pode chegar à Suécia“. Ou não. E isto já sem incluir os dois sismos, porque se é para mostrar que o Mundo literalmente está em convulsões, não há melhor mesmo do que a Filomena Martins.


    SEMANA 11/2024

    Rosália Amorim, uma potencial grevista na Ernst & Young?

    Desde que a minha taça com Royal Canin esteja bem apetrechada, sou solidário com todos, incluindo jornalistas em greve, mesmo nos jornais que pensam que uma greve deve servir “para mostrar à sociedade a importância de uma comunicação social livre, actuante e sustentável” (direcção do Público dixit), como se a sociedade não o soubesse, e não para protestar contra a existência de empresários ‘pato bravo’ como aqueles que orquestram despedimentos canalhas, do qual o último exemplo (mas não derradeiro) sucedeu ainda ontem à direcção editorial e a vários jornalistas do DN, mas este episódio lamentável foi já visto, desta vez, com ‘mais classe’ (e sem alarido), porque uma coisa é um despedimento feito pelo ‘chefe do galinheiro’, outra é se a coisa se congemina por um papalvo fundo das Bahamas.

    Mas, verdadeiramente, mais do que saber qual o grau de adesão à greve dos jornalistas ou os efeitos da dita (que vai ser nenhum, excepção ao alívio das consciências, um alívio semelhante a uma mijadela na caixa de areia), a minha felina curiosidade centra-se apenas no comportamento de uma pessoa: será que a actual directora de marketing e marcas da Ernst & Young (EY), Rosália Amorim – que foi orgulhosamente enterrando o DN, quando directora, com as suas parcerias comerciais e fretes que tais -, também vai hoje fazer greve?

    É certo que ela não consta da lista dos ‘238 magníficos jornalistas’ que decidiram mostrar à História, através de uma carta aberta fechada aos outros cinco mil camaradas, que a profissão está ‘sem papel’, mas a nossa magnífica Rosália Amorim mantém incólumes, por falta de vergonha, todos os seus direitos, isto é, a sua bela carteira profissional de jornalista número 1788, porque ainda está activa na CCPJ. Activíssima ainda hoje (pelo menos até às 12h19), 28 esplêndidos dias após ter assumido que anda agora a vender marcas na EY, contratada que foi pela sua excelsa experiência em funções similares no DN e TSF.


    SEMANA 10/2024

    Meteorologia & eu, o gato de Pavlov

    Um felídeo não costuma ser tão estúpido como um canídeo, mas confesso que perante um qualquer anúncio de banal ‘anomalia meteorológica’, que pode ser só sol ou chuva, funciona em mim como a sineta nos cães do russo Ivan Pavlov.

    Quer dizer, não me ponho a salivar, mas vou a correr ao site do Observador, em busca dos textos da Filomena Martins. Nunca falha!

    Por isso, quando hoje li um texto no Público de uns três mil caracteres da Marta Leite Ferreira – que vem da escola do Observador – a anunciar que o “tempo vai piorar nas próximas horas“, vi-me impelido, por forças que jamais controlarei, a ir em busca das previsões da directora-adjunta do Observador. Nunca desilude! Encontrei aquilo que nunca se esconde: nesta segunda-feira houvera escrito meteorológico.

    Êxtase absoluto. Tudo ali é irresistível. Empolgante. Anteontem, Filomena Martins até evocou (ou invocou, já nem sei) tempos e terras de vikings, fazendo-nos, logo no lead, vislumbrar um “bloqueio na Escandinávia [que] abre um corredor para as tempestades chegarem à Península Ibérica”.

    Calma! – ou melhor, não vai haver calma atmosférica alguma. Isto é só a pele. A ‘carnicha’ encontra-se no meio do artigo, aí se revelando que ficará aberto “um enorme e largo corredor para entrarem várias frentes chuvosas e frias pela Península Ibérica adentro: a maior, que se deve transformar numa tempestade de forte impacto, [e que] chega esta quinta, [e] mantém-se sexta, e arrasta mais uma massa de ar polar frio, cujos efeitos se prolongam até ao fim de semana eleitoral”.

    a long boat with two people in it on a lake

    Vai ser uma semana de montanha russa meteorológica. Perdão: repito, para meter aspas, porque a frase anterior é da autoria de Filomena Martins e não quero ser acusado de plágio: “Vai ser uma semana de montanha russa meteorológica.” Até porque parece que o tal corredor vai ficar aberto – “quer na horizontal (para as frentes vindas do lado da Gronelândia, com massas de ar polar), quer até quase na vertical (para as frentes que se formam já junto às ilhas britânicas)” –, assim “permitindo [a negrito no original] comboios de tempestades que entram de forma contínua na Península, umas vezes muito juntas, outras a espaços“.

    Eu acho que isto é mais um carrossel do que uma montanha russa, mas, enfim, deixemos a Filomena Martins meter mais água.


    SEMANA 09/2024

    O farnel dos lagartos deve ter pouco tabaco

    Foi jogo emocionante, o de ontem, no Estádio de Alvalade, onde se defrontou o Sporting e o Benfica, mas mais interessante, por certo, teria sido assistir à cobertura realizada pelos repórteres do jornal Record, que agora têm o Cristiano Ronaldo como o ‘patrão’ principal, com 30% da Medialivre.

    Oficialmente, houve três golos: ao minuto 9 marcou o sportinguista Pedro Gonçalves, depois ao minuto 54 o sportinguista Viktor Gyökeres e, por fim, ao minuto 68 o benfiquista Fredrik Aursnes. De permeio, houve ainda um golo anulado ao benfiquista Di Maria ao minuto 71 (que daria o 2-2) e outro ao sportinguista Nuno Santos ao terceiro minuto de compensação (que daria o 3-1).

    Porém, talvez embalados pelo farnel que, por certo, o Sporting também ofertará aos jornalistas – tal como sucede na Varanda da Luz –, mas com ingredientes especiais, os jornalistas do Record foram ‘relatando’ um ‘desenrolar do marcador’ muito peculiar.

    Ao minuto 55, estava afinal 4-0 para o Sporting.

    Ao minuto 68, o Record fez com que o o golo do Aursnes valesse por dois, colocando um empate na ‘coisa’, porque, para além do golo do norueguês ter valido por dois, acabou também por ‘sacar’ dois golos aos quatro do Sporting. Portanto, 2-2.

    Mas não satisfeito com um empate, os jornalistas concederam no minuto 74, um terceiro golo ao Benfica, colocando o marcador em 2-3 favorável ao Benfica.

    Pena esta vantagem benfiquista ter sido ‘noite de pouca dura’, porque, ao fim de quatro minutitos, houve alguém, talvez o VAR, que retirou dois golos ao Benfica, estabelecendo o resultado final, coincidente com o real.

    Em todo o caso, atenção: não vai haver, afinal, segundo o Record, é mentira que haja um segundo jogo marcado na Luz no início de Abril. Na verdade, ainda sob a influência do ‘farnel dos lagartos’, os jornalistas do Record indicaram que, depois do 2-1 do Sporting, o resultado agregado (das duas mãos) ficou já estabelecido: 5-0 a favor do Benfica.


    A dorsal anticiclónica do Observador

    Somos, por aqui, adeptos incondicionais da jornalista Filomena Martins que, sendo director-adjunta do Observador, desunha-se em fazer jus ao título: observa meticulosamente o tempo, neste caso não numa perspectiva filosófica, mas somente meteorológica, presenteando-nos sempre um Armagedão à primeira lufada ou ao segundo chovisco.

    Em todo o caso, confessamos a nossa desilusão sobre o texto de hoje em que ela anuncia, para a próxima sexta-feira, a denominada Primavera meteorológica, pois nada nos mostra a jornalista-meteorologista mais famosa do país e os seus terríveis rios atmosféricos, nem as tenebrosas ciclogéneses explosivas nem os temíveis ciclones bomba nem os tétricos comboios de tempestades. Só frio, chuva, três massas de ar polar e uma dorsal anticiclónica. Muito pouco. Assim, nunca mais chega o Fim do Mundo!


    SEMANA 08/2024

    Testículos & pénis

    O Correio da Manhã (CM) perde, com este nosso texto, o monopólio de meter genitálias em títulos, mas não poderíamos perder a oportunidade de felicitar a sorte danada dos editores deste jornal de referência (e o mais lido do país) por o método de coacção de um auxiliar de acção médica do Hospital Garcia de Orta consistir em meter a mão numa componente da genitália masculina da vítima de dimensão mais curta – mais curta no sentido do número de letras.

    De facto, por agora, sabíamos, através do nosso CM, que ataques às genitálias masculinas se faziam, por regra, segurando o saco escrotal e apertando as gónadas. Além da dor, já deu títulos bombásticos em cenários nada agradáveis só de imaginar.

    Por exemplo, em 29 de Junho de 2017, “Morre depois da nora lhe esmagar os testículos com as mãos”.

    Também em 28 de Abril de 2016, “Evita morte ao apertar testículos de agressor”.

    Ou, mais recentemente, em 26 de Abril de 2023, “Mulher arranca testículos de vizinho que atacou filha em Angola

    Na verdade, testículos em títulos é um must, garantia de voyeurismo baboso. Como não ler a notícia “Doente internado no Hospital Amadora-Sintra arranca o próprio testículo”? Ou esta: “Homem atira-se à mulher errada e cortam-lhe os testículos com faca enferrujada”? Ou mais esta ainda: “Arranca testículo do ‘ex’ com os dentes por ter negado sexo a três”?

    Mas não há bela sem senão. Jornalisticamente falando, os testículos têm um problema: são grandes demais, ocupam um grande volume num título. São 10 letrinhas monstruosas, não dá jeito nenhum em determinadas situações.

    Por exemplo, imaginem se o tal auxiliar do Hospital Garcia de Orta tivesse apertado os testículos a um idoso para lhe “sacar o código do cartão multibanco”, e comprar depois “bens de elevado valor, como relógios, TV, perfumes, e outros como azeite”. Não cabia. Por sorte, apertou-lhe o pénis, que tem apenas cinco letrinhas, fica pela metade. Cabe na perfeição no desenho da página. Concluindo, apertar um pénis em vez dos testículos é não apenas menos doloroso como muito mais cómodo para a difícil arte de titular um jornal. É um dois em um.


    Ribeiro de bocas, em enxurrada

    Dia 19 de Fevereiro

    Descobrimos ontem para que serve meter uma dezena de candidatos de pequenos partidos numa ‘linha’ a fazer de conta que a televisão pública é muito democrática e dá voz a todos.

    Aquilo serve para, como nas feiras, se mandar uns tirinhos nos bonecos. Sobretudo se se é jornalista. E sobretudo se se é um jornalista do quilate do Luís Ribeiro, que já foi apontado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social de ser um ‘jornalista comercial’ por fazer trabalhos de prestação de serviços a empresas externas (parceiros) numa revista (Visão) que integra uma empresa unipessoal de 10 mil euros que tem 10 milhões de euros de dívida ao Estado. Divertiu-se muito ontem, o Ribeiro, em enxurrada de bocas no X. Hoje, divirto-me.


    ‘todOs’ é menor que ‘todEs’

    Afinal, para o jornal Público, o ‘todes’ não é um símbolo de linguagem inclusiva, mas sim um termo para unir, colocando em pé de igualdade, os partidos com representação parlamentar com aqueles que, coitados, ainda não têm (e alguns nunca terão, pelo andar democrático da carruagem) assento parlamentar.

    Assim, está a jornalista Sofia Neves, hoje no Público, a ser rigorosíssima quando nos garante que “todOs os partidos defendem não existir uma só solução para a crise da habitação”, e depois acaba a listar somente as propostas da Aliança Democrática (PSD, CDS e PPM), Bloco de Esquerda, Chega, Iniciativa Liberal, Livre, PAN, Partido Comunista Português (sem PEV, apesar de coligados) e Partido Socialista.

    Já se tivesse escrito que “todEs os partidos defendem não existir uma só solução para a crise da habitação”, então aí teria mais trabalho, porque se fossem mesmo ‘todEs’ (e não apenas ‘todos’) teria ela que listar as propostas não apenas do grupo do ‘todOs’ mas também as propostas do PCTP/MRPP, do Alternativa Democrática Nacional (ADN), do Volt Portugal, do Juntos pelo Povo (JPP), do Partido Ecologista Os Verdes (esquecido na CDU), do Ergue-te, do Nós, Cidadãos, do Reagir Incluir Reciclar (RIR), da Nova Direita, do Alternativa 21 (Partido da Terra e Aliança) e do Partido Trabalhista Português (PTP).

    Donde se conclui que se mostra muito conveniente, a partir de agora, usar o ‘todOs’ mesmo quando não se trata da ‘totalidade’ (e vejam que termina com E) sem se ser acusado de falta de rigor, porque ‘todOs’ é, assim nos mostra o Público, inferior a ‘todES’. Pode sempre dizer-se que há uma discriminação, mas isso, em campanha para eleições democráticas, e quando são os órgãos de comunicação social a fazer, não conta.


    SEMANA 07/2024

    Dia 17 de Fevereiro

    Abrunhosa, o Senhor da Palavra, e o triste fim de um plagiador

    Esqueçam D. Dinis, o Rei Poeta.

    Reneguem Fernão de Oliveira, João de Barros, Pêro Magalhães de Gândavo e Duarte Nunes de Leão, Príncipes da Gramática.

    Olvidem Luís Vaz de Camões, o Vate de ‘Os Lusiédas’ (versão Porto Canal).

    Omitam Rafael Bluteau, na pena, e Padre António Vieira, na oratória, Imperadores da Língua.

    Menoscambem Camilo, Eça, Saramago e toda a catrefa de Escribas da Lusitânia.

    Posterguem Pedro José da Fonseca, Antonio de Moraes e Antonio Houaiss, Imperadores dos nossos dicionários.

    Não! Nanja. Nenhum destes merece o panteão nem sequer sob a forma de cenotáfio. Todas e quaisquer palavras e fonemas a um só Ente as devemos. Por exemplo:

    “Vamos” – foi ele que inventou.

    “Fazer” – também.

    “O” – com e sem som de U, idem.

    “Que” – de igual modo.

    “Ainda” – claro.

    ”Não” – sim, foi ele.

    ”Foi” – obviamente, foi ele.

    ”Feito” – por ele, e com grande precisão.

    Claro está que este Singular Ser só se deu em ajuntar estas palavras (quer dizer, as que coloquei entre aspas), nesta concreta e sábia sequência, no ano da graça de 2010 (que, no futuro, será conhecido, por bula Inter gravíssimas, como 50 Anno Abrunhosi), através da letra de uma música cantada à cana rachada, pelo que faz todo o sentido o Bloco de Esquerda ser agora condenado por blasfémia não apenas por usar algumas (que digo!, todas) mas sobretudo por deturpar as Palavras do Senhor.

    O filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire atreveu-se a usar em 1982 as palavras do título de uma música de Pedro Abrunhosa de 2010. Sabem o que lhe sucedeu?

    ”Fazer o que nunca foi feito”? Ó Mariana Mortágua! Que foste tu e o teu partido fazer. Atiçaste as Fúrias! Ainda por cima uma blasfémia em que, com a mudança no tempo verbal, especificamente do pretérito perfeito composto do indicativo para o pretérito perfeito simples do indicativo, alteras o foco temporal da frase, indicas que o Senhor (Pedro Abrunhosa) foi impreciso na temporalidade do acto jamais feito.

    Tu já viste no que te meteste? Sabes as consequências?

    Olha, Mariana Mortágua, o filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire atreveu-se em 1982, num texto sobre política educativa, a usar as exactas palavras que o Pedro Abrunhosa deu ao título da sua música em 2010 (“Fazer o que ainda não foi feito”), e sabes o que lhe aconteceu? Está morto! E desde 1997, uns 13 anos antes da música do Pedro Abrunhosa. Assim, incréus, se alcança o poder do Senhor.

    E consta que outros intentaram, nos anos 80 do século passado, escrever também “fazer o que ainda não foi feito” no número 10 da revista Educação em Debate, sem autorização do Senhor Pedro Abrunhosa, e hoje, 17 de Fevereiro de 2024, se mortos não estão, de muito boa saúde não estarão.


    Dia 13 de Fevereiro de 2024

    Ruir ou não roer, that is the question

    Tem mais de quatro séculos o famoso solilóquio de Hamlet, reflectindo sobre a natureza da existência e os dilemas perante o sofrimento da vida e o seu fim no vazio da morte. “To be, or not to be, that is the question“.

    De facto, os ingleses (ou anglófonos) devem ser mais dados do que nós, latinos, às perplexidades, porquanto nunca sabem bem quando são ou quando estão. Mas não pensem que os portugueses não têm também suas dubiedades, nem que seja no acto da escrita.

    Por exemplo, no Correio da Manhã, ou pelo menos o jornalista Rui Pando Gomes, quando se decidiu escrever sobre a final do Super Bowl, teve um dilema: “ruir, ou não roer, that is the question“. De facto, o que poderia acontecer às unhas da Taylor Swift enquanto via o seu namorado, Travis Kelce, tight end do Kansas City Chiefs, bater os San Francisco 49ers? Serem roídas ou ruírem-se?

    Obviamente, o resultado literal de roer unhas – julgo que tal acto implica necessariamente o uso de dentes, pelo que será redundante acrescentar “com os dentes” – é ficar-se com as “unhas roídas”, mas não menos verdade sucede, por extensão de sentido, que roídas em demasia, as unhas podem ficar em perigo de ruir, o que, com algum esforço e vontade, pode dar origem a “unhas ruídas”.

    Portanto, perante o dilema “unhas ruídas, ou unhas roídas, that’s the question“, o jornalista e os editores do Correio da Manhã acharam por bem decidir a favor das “unhas ruídas”. Opção legítima, claro.


    SEMANA 06/2024

    Dia 10 de Fevereiro de 2024

    Isso não se faz! Então não é que hoje, bem no topo da primeira página, logo abaixo do seu nome, e no lado esquerdo de uma menina de lingerie vermelha, o Correio da Manhã (CM) titula: “Comboio Alfa da CP usado em filme pornográfico“, levando, imagino, uma percentagem superior a 0% dos leitores (reparem no nosso extremo rigor, jamais nos podem chamar de exagerados) a correr à página 29, nem sequer reparando, à primeira vista, que a cabeça do Ricardo Salgado (que dizem não estar já ‘bom’ da cabeça) quase tapa o ‘porn’ do pornográfico.

    E depois, olhem: ‘ejaculação precoce’. Afinal, não foi nada daquilo que, naquelas fracções de segundo pela busca sôfrega da página 29, pensariam as pecaminosas e babosas mentes perversas. Na verdade, aquilo que sucedeu foi que “um filme pornográfico com cerca de uma hora tem partes da sua ação filmada dentro da carruagem de comboios da CP”, mas, desgraça, “as cenas mais ‘hardcore’ não se passam dentro da carruagem”. Só temos “a protagonista da película filmada a percorrer [a] composição de um Alfa Pendular”.

    Ora bolas! Pólvora seca. Nadinha mais! Apenas uma senhora vestida de vermelho a passear-se na carruagem, e ao contrário da outra menina que surge na capa do CM (já agora, é a Lusinha Oliveira) nem sequer mostra qualquer lingerie vermelha. Ou de outra cor. Está sempre completamente vestida.

    Em todo o caso, o autor desta ‘linda peça’ de non sense noticioso, o jornalista Miguel Alexandre Ganhão – editor do CM e membro da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista – ainda escreve que “não deixa de ser curioso que a empresa pública apareça associada a este tipo de obra cinematográfica”.

    Aqui, já estamos a imaginar a ilimitada possibilidade de títulos ‘bombásticos’ que este estilo de jornalismo proporciona, se surgirem imagens (não autorizadas, presume-se) de protagonistas de “obra cinematográfica” do estilo hardcore a passearem por locais ou zonas públicas ou privadas antes de, em local mais recatado, mostrarem ‘acção mais concreta’. Eis alguns exemplos:

    Torre Eiffel usada em filme pornográfico

    Mercado da Ribeira usado em filme pornográfico

    Marquês de Pombal usado em filme pornográfico

    Correio da Manhã usado em filme pornográfico

    Bom, se calhar estamos a exagerar. No Correio da Manhã seria impossível. No Correio da Manhã, jamais: é um ‘santificado’ jornal, onde nunca nos passaria pela cabeça associar a ‘badalhoquices’, mesmo se de forma involuntária, não é? Claro que não, caramba! Mesmo que haja por aí imagens que metem classificados com a marca CM, onde surge a divulgar os seus atributos uma “mulata meiga”, uma “bomboca sensual”, uma “loura fogosa” ou uma “gostosa quentinha”. Tudo isto só pode ser uma montagem! E o site no canto superior direito destes classificados (que se calhar o Polígrafo até concluirá ser falso) nem sequer, às tantas, funciona! Tudo fake.


    Dia 6 de Fevereiro de 2024

    Ontem, foi um dia feliz para a imprensa portuguesa com o justo e desejado anúncio da promoção de Rosália Amorim para directora de marketing e comunicação da Ernst & Young (EY), uma consultora que muito trabalhinho tem feito para entidades públicas: contamos no Portal Base 356 contratos de 19,7 milhões de euros.

    Somos apreciadores das qualidades, inatas, de Rosália Amorim na promoção de marcas. Viu-se isso enquanto esteve como directora do Dinheiro Vivo, do Diário de Notícias e na TSF, e também na sua breve passagem na administração da Global Media.

    Na verdade, promover marcas foi o que ela melhor fez nestes cargos de direcção editorial, sobretudo através da sua presença na concretização de parcerias comerciais, mas também na subtileza de algumas notícias ou entrevistas, de tal sorte que nem sempre se conseguia perceber quais eram as que tinham sido pagas ou não. Só não conseguiu promover bem uma marca – ou melhor, conseguiu promovê-la, mas mal: os órgãos de comunicação social da Global Media, e por acrescento o Jornalismo. Aliás, não sou eu, Serafim, que o diz: ainda em Setembro passado, o Conselho de Redacção da TSF se opôs à sua nomeação para a direcção editorial desta rádio, dizendo, preto no branco (como as cores do meu pêlo), que “levanta[va] legítimas dúvidas quanto à sua real capacidade de manutenção de uma política editorial independente”. E ela, mesmo assim, aceitou.

    Por isso, embora haja sempre o ‘risco’ de um qualquer canal televisivo a contratar como ‘comentarista isentíssima’, a sua ida para a EY como directora de marketing e comunicação de uma consultora, além de um justo prémio para uma verdadeira marketeer que vivia no sufoco de ter de parecer jornalista, acaba por ser uma ‘clarificação’ de funções, e sobretudo ‘areja’ o ambiente.

    Ah, e já agora, até para que a notícia do Jornal Económico fique correcta (identifica Rosália Amorim como “ex-jornalista), convém que ela suspenda mesmo a carteira na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista: às 16h18 de hoje ainda estava activa. Não se esqueça, que já vai tarde.


    Dia 5 de Fevereiro de 2024

    De repente, todos estão preocupados com o estado da imprensa, sobre a crise da imprensa, os males da imprensa, e mais não sei o quê da imprensa. E assim sendo, por que não haveria o Centro de Arbitragem Administrativa de encaixar numa sua conferência – dedicada à política da Justiça e ao mediatismo dos casos judiciais – um tempinho para contribuir para uma reposta à magna questão: “Para onde vai o jornalismo?

    Ora, poupem o vosso tempo. Não é preciso ir assistir, porque o programa dá já a resposta, quer no formato, quer nos intervenientes: em meia hora, “Para onde vai o jornalismo” é, basicamente, uma entrevista (como é apresentado) feita por André Macedo a Nuno Santos.

    Sucede que André Macedo – que andou a cirandar, não se sabe por que méritos, pelas direcções do Diário de Notícias e da própria RTP, entre outros lugares de topo em redacções – já nem sequer é jornalista, sendo consultor de empresas de comunicação (sobretudo de apetecíveis farmacêuticas que se fartam de fazer parcerias comerciais), apesar de quando em vez surgir a comentar assuntos na imprensa (de certeza absoluta de forma isentíssima). Eis o futuro do jornalismo: alguém que fez pela vida aproveitando-se do jornalismo, acaba numa empresa de consultadoria de imprensa a entrevistar um jornalista, neste caso Nuno Santos, director da CNN Portugal.

    André Macedo, no canto inferior direito de um painel de comentadores da CNN Portugal, onde Nuno Santos é director editorial.

    Quer dizer: Nuno Santos é, na verdade, um jornalista, mas desde 2011 só ‘de vez em quando’. Na última década, tem sido mais executivo e produtor de conteúdos do que propriamente jornalista – e isso também mostra “para onde vai o jornalismo”.

    Esteve na África do Sul entre 2013 e 2016 como director de conteúdos de um conglomerado de media – onde “a sua paixão e os seus conhecimentos sobre o mundo das telenovelas e do futebol” foram muito elogiados –  e depois seguiu para Espanha para fazer as mesmas tarefas por mais uns anos. Está agora, depois de ter ido montar o Canal 11 da Federação Portuguesa de Futebol e de ser director-geral da TVI (um cargo não-jornalístico), como director editorial da CNN Portugal. Tanto é assim que só muito recentemente Nuno Santos recuperou a sua carteira profissional de jornalista, tendo agora uma numeração (7185) próxima dos ex-estagiários.

    Portanto, sem dúvida, muito oportuno e esclarecedor este evento do Centro de Arbitragem Administrativa: André Macedo e Nuno Santos foram bem escolhidos, embora provavelmente fosse mais adequado que a ‘rubrica’ se intitulasse: “Olhem para onde levámos o jornalismo”.


    SEMANA 05/2024

    Dia 3 de Fevereiro de 2024

    Dizem-me que em antanho, quer dizer em tempos passados, havia a chuva, o sol, o Anthímio de Azevedo, as nuvens, mais as altas e baixas pressões, mais o Costa Alves, mais o anticiclone dos Açores, mais as tempestades e furacões, mais o Costa Malheiro, mais os aguaceiros e as geadas, mais a Sofia Cerveira para algegrar as vistas nos anos 90, e antes a Teresa Abrantes, mais ondulações e mar alterado, mais o José Figueiras, e mais relâmpagos e trovoadas, e mais um sem número de simples fenómenos meteorológicos, que, no passado, nos orientavam, com muita probabilidade de erro, sobre se se deveria levar ou não chapéu de chuva, ou mais ou menos agasalho, também consoante os doutos conselhos das mãezinhas.

    Mas agora, que há todos os satélite e computadores, potentíssimos, já não temos apenas chuva ou sol, vento ou acalmia. Agora temos também a Filomena Martins, directora-adjunta do Observador que é, sem dúvida, a grande jornalista especializada em assuntos meteorológicos, na variante “rio atmosférico”.

    silhouette of trees and purple lightning

    De facto, não sei como ainda sobrevivemos a este ‘novi-clima’ com tanto “rio atmosférico” anunciado pela ‘meteojornalista’ Filomena Martins. Ou, na verdade, não sei como sobreviver à própria Filomena Martins.

    No seu currículo noticioso mais recente, encontro seis notícias a titular o famigerado “rio atmosférico”, sempre num estilo mui peculiar: “Portugal vai ser regado por um rio atmosférico. Vem aí muita chuva já esta terça-feira e deve ficar até meio da próxima semana” (17/10/2022); “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um ‘rio atmosférico’ na quarta-feira” (4/6/2023); “Uma frente Atlântica, duas tempestades e a hipótese de um rio atmosférico. A chuva volta esta sexta-feira, 13” (11/10/2023); “Rio atmosférico atravessa centro do país. Avisos da proteção civil para chuva e vento: sete distritos sob aviso laranja” (25/10/2023); “Quinta-feira chega um rio atmosférico. E a partir de sexta-feira, dezembro entra gelado” (29/10/2023); “Vem aí mais um rio atmosférico esta quinta (há três distritos sob aviso laranja e cinco a amarelo). Mas o frio vai embora” (5/12/2023); “Um rio atmosférico no final da semana. E um Carnaval molhado e já com frio” (2/2/2024).

    E não são apenas os “rios atmosféricos” que a ‘nossa’ Filomena Martins nos concede para nos assustar.Há tudo, menos uns aguaceiros, ou um frio de rachar; já nem temos direito a um calor de ananases, nem tão-pouco a uma saraivada de partir janelas. Nos textos da Filomena Martins, temos sim, além dos rios atmosféricos, as ciclogéneses explosivas, os ciclones bomba e até os comboios de tempestades. Tudo pavoroso. Um Armagedom.

    painting of man walking down a road holding umbrella

    Mudemos, portanto, a protectora do mau tempo, a Santa Bárbara, certamente incapaz de nos precaver contras os malefícios de tamanhas mudanças meteorológicas. Elejamos, em segura alternativa, a Santa Filomena, e oremos a preceito:

    Ó Santa Filomena, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos rios atmosféricos, fazei com que as ciclogéneses explosivas não me atinjam, os ciclones bomba não me assustem e o comboio de tempestades não me abalem a coragem e a bravura“.


    Dia 1 de Fevereiro de 2024

    Os números! Ai os números, esses malvados que interagem com uma coisa chamada Matemática que serve apenas para infernizar a vida de muitos jovens que, fugindo deles (números) e dela (Matemática), escolhem Letras, e em seguida, em estudos superiores (upa! upa!), acabam por se sentar em Comunicação Social, e daí a nada estão a escrever em jornais onde o 8 e o 80, para eles, são iguais. E quem diz 8 e 80, também pode dizer um e mil.

    Ora, é exactamente um erro de 1.000 que, em catadupa, a nossa imprensa cometeu quando ontem quis falar das exportações de canábis medicinal. Ainda no passado mês de Outubro, o Jornal de Notícias tinha falado sobre o tema, com dados do Infarmed, onde se destacou “os 9271 quilos exportados no ano passado [2022]”, acrescentando-se ainda que os números mostravam não haver “sinais de abrandamento”.

    Ora, a nossa Agência Lusa decidiu actualizar a notícia, com dados finais de 2023, e vai daí, pimba: escolheu alguém que mete pouco tabaco na ‘coisa’, e saiu-lhe porcaria, transformando Portugal numa espécie de Afeganistão de outros tempos. Com efeito, o jornalista da Lusa, certamente por uma névoa nos seus neurónios, não achou estranho que, de repente, se andasse a produzir em Portugal 26.000 toneladas de canábis medicinal. Atenção: notem: 26.000 toneladas. Aqui por casa não se fuma, mas 26.000 toneladas são 26.000.000 quilogramas (26 milhões de quilos) ou 26.000.000.000 gramas (26 mil milhões de gramas). Isto dava para muitas trips, presumo.

    Presumo, não: vamos a contas, mas sem a ajuda do jornalista da Lusa. Como um douto acórdão ensina, um ‘cigarrinho’ feito a preceito leva 0,5 gramas; assim, a produção cá do burgo daria para 52 mil milhões de ganzas, mais de seis ganzas por cada alminha desta Terra. E ainda dá para meia, compartilhada com um parceiro, para se ser preciso. E isto, hélas, incluindo crianças e velhos.

    Nenhuma alminha – leia-se, editor da Lusa – reparou neste disparate, e pior: ao belo estilo do churnalism vai daí e acaba tudo publicado, sem ninguém mais reparar, em tudo o que é jornal da praça (Diário de Notícias, Observador, Expresso, Eco, etc.) como se fosse verdade que Portugal exportou 26.000 toneladas, quando, na verdade, foram apenas 26 toneladas (ou seja, 26.000 quilogramas). Mais tabaco, por favor!


    Dia 31 de Janeiro de 2024

    Se achavam que a Nelma Serpa Pinto, a ‘cara bonita’ da SIC Notícias, atingira o zénite na famosa entrevista em que encalacrou Pedro Nuno Santos, desenganem-se. Muitos e elevados voos se lhe auguram. Ou agoiram, acho eu.

    Um deles foi ontem, como moderadora de um ‘estranho’ debate, em prime time da SIC Notícias, sobre longevidade, que é tema agora mui querido da estação e do jornal (Expresso) da família Balsemão. Nelma brilhou como sempre, colocando em discussão a situação dos pobres velhos sem médico de família, daqueles que caíram que nem tordos no início deste Inverno, os lares inumanos e tantos outros temas candentes da Terceira Idade… Nah! Nanja. Foi um debate fofinho. Tinha de ser um debate fofinho. Até porque àquela hora ainda havia crianças levantadas.

    Avise-se. Aquele debate em tom fofinho de prime time na SIC Notícias (com uma jornalista em espaço informativo), ou ainda as dezenas de artigos sobre longevidade no Expresso nos últimos tempos, nada tem a ver com a existência de uns desinteressados ‘parceiros de projecto’ que dão pelo nome de Novartis (farmacêutica) e Fidelidade (seguradora).

    Certamente, que sem este ‘apoiozito’ (misturado com uns cobres) teríamos visto à mesma a Nelma a moderar aquele debate fofinho com aquelas sumidades, onde se destacavam a ex-ministra da Saúde e candidata a deputada pelo PS, mais um coordenador de um projecto governamental, mais uma demógrafa com ligações à DGS.

    Acho que daqui a umas semanitas, a Nelma sobe ainda mais alto, e irá moderar mais um debate na SIC Notícias, sempre em prime time, e em espaço informativo, com a bênção do ‘mano’ Costa (distinto jornalista), desta vez sobre a pesca do bacalhau… com o apoio da Riberalves, da Oliveira da Serra, do Zêzerovo, da Cooperativa Agrícola de Alhos Vedros e da Casa Ermelinda Freitas…


    Dia 30 de Janeiro de 2024

    Dizem-me que o presidente do Sindicato dos Jornalistas escreve n’A Bola, mas não consegui apurar se se dedica mais a desportos de pés ou de mãos. Pouco interessa. O mais relevante é dizer que está em crise. Neste caso, “o mais relevante é dizer que está em crise” tem três leituras possíveis: pode-se aplicar ao presidente do Sindicato dos Jornalistas, ao próprio Sindicato (por metonímia) e ao jornal A Bola. E todas são verdadeiras.

    Já quanto ao sentido de um comunicado de imprensa do Sindicato dos Jornalistas sobre a violência contra estes profissionais, hoje divulgado, onde se fala de um deles que foi “agarrado pelas pernas e pelos braços”, para se ser claro, será obrigatório dizer que tamanha falta de clareza (se involuntária) se deveu ao facto de ter sido escrito com os pés. Senão, atendamos à seguinte frase desta ‘peça’:

    A agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços, de uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura, e a agressão a uma equipa de reportagem do Porto Canal, à porta de uma fábrica em São João da Madeira, são os dois exemplos mais recentes das ameaças físicas à segurança dos profissionais da Comunicação Social, comunicadas no âmbito do programa sobre a segurança dos jornalistas da OSCE.

    De facto, há aqui duas hipóteses sobre a participação de André Ventura, a saber:

    1) “A agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços, de uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura […]”

    2) ou simplesmente “[n]uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura […]”, onde, causado por outras pessoas, entre as quais um militante da Iniciativa Liberal, ocorreu “a agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços […]”

    No primeiro caso, o André Ventura é um cúmplice.

    No segundo caso, o André Ventura é um azarado.

    E o jornalismo, assim escrito, é um desastre, independentemente de o visado ser o dono da malograda Acácia, ainda mais quando sai da pena do Sindicato dos Jornalistas, que deveria dar o exemplo de rigor, de clareza, de objectividade e de isenção. O jornalista que escreveu este comunicado merecia, metaforicamente falando, ser “agarrado pelas pernas e pelos braços” e arrastado para longe. Com doçura, claro.


    Dia 29 de Janeiro de 2024

    Uma simpatia, a Cristina Freitas. Empática também. Parece que esteve para ser obstetra e depois veterinária. Acabou jornalista, na SIC Porto, com a carteira profissional 5393, predicados suficientes para hoje estar a ser mestre-de-cerimónias do Encontro Fora da Caixa, um evento que serve para a Caixa Geral de Depósitos também ‘financiar’ de forma completamente descomprometida a nossa independente imprensa. Bem esteve, por isso, a nossa empática e simpática Cristina Freitas quando, ao chamar Paulo Moita de Macedo, o CEO da benemérita CGD, vislumbrou uma plateia indiferente e lhe deu, pois bem, um raspanete a preceito: “uma salva de palmas, por favor!” É assim mesmo. A Imprensa e o Jornalismo nasceram para isto: para bater palmas a quem merece!


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.


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  • Santa Clara 4.1

    Santa Clara 4.1


    Na vida, como no futebol, há um antes e um depois…

    (golo do Santa Clara, uma chapelada logo a abrir, aos 20 segundos, antecedida de um pontapé na atmosfera do Otamendi; vamos fazer de conta que este jogo começa com um handicap a favor do Santa Clara apenas para ser mais emocionante)

    … e o depois é estarmos já a perder, apesar de nos termos livrado do alemão, do qual nem me recordo do nome [será Alzheimer?], de termos contratado mais um jogador turco de exóticos diacríticos no nome [Aktürkoğlu] e de o regressado Bruno Lage ter mudado meia-equipa, sendo que, mesmo assim, receio não fazer, com isso, uma equipa inteira.

    E, portanto, estamos aqui, na Varanda da Luz, como estivemos há umas semanas: na esperança que isto seja somente um pesadelo, o que parece ser mesmo, mas interminável. Até porque na semana que agora se finda ainda apanhámos mais a notícia de prejuízos de 31,36 milhões de euros na época transacta [até me mete medo analisar oi relatório e contas da SAD], e uma ‘aparição’ de Luís Filipe Vieira na CMTV a chorar-se de lhe terem estragado a dívida [acho que o BES não lhe deu os créditos que ele jugaria merecedor].

    (goloooooooooo…. marca o turco dos dois diacríticos, o Aktürkoğlu; quer dizer, o Kökçü tem duas tremas, mas apenas um diacrítico… enfim, o que conta é o golo de belo efeito, logo na estreia)

    Esperemos que entrada de sendeiro do novo Benfica à Lage tenha sido uma espécie de canto do cisne ao contrário, para assistirmos, no mesmo jogo, à redenção depois da perdição. Ou então a culpa foi da Vitória, que esta noite estava destrambelhada, e andou a cruzar os ares, antes do apito inicial, para pousar onde não devia: o no relvado, bem longe do tratador.

    (goloooooooo… boa, boa!, eis a reviravolta! Florentino, o único jogador anteriormente treinado por Lage, marca de cabeça, após uma assistência pelos ares de Otamendi)

    Agora sim. Finalmente, aos 34 minutos depois do apito inicial, posso então dissertar melhor sobre o antes e o depois, que não diz respeito somente ao despedimento do Robert Schmidt, que garante certamente mais um ano de prejuízos…

    (credooooooo…. remate ao poste direito da baliza do Trubin… isto não anda, de facto, nada fácil)

    Bem, continuamos. Quando comecei, com essa estória do antes e do depois, estava também a lembrar-me [como poderia esquecer] a minha ‘visita de trabalho’ ao estádio de Alvalade para ‘supervisionar’ o Carlos Enes. E… caramba! Como é possível que o Sporting não apenas tenha concedido uma recepção VIP ao PÁGINA UM (com lugar marcado com identificação a preceito) como, de forma retumbante, mete a sandes do farnel do Benfica num bolso. Uma bela e bem apetrechada sandes de leitão de Negrais? Rui Costa: por amor da santa! A partir de agora, só direi bem do ‘farnel da Luz’ quando me presentearam, e me apresentarem, uma sandes de leitão à Bairrada! Não menos…

    (intervalo… descansemos…)

    Enfim, mas bem sei quais as armas do ‘demo’, especialista em tentações – querem que eu vá de novo ao estádio do Sporting só por causa da sandocha de leitão de Negrais. Já não lhe bastava, ao demo, me ter ‘oferecido’ um jogo onde, hélas, se viu um belíssimo jogo.

    (entretanto, recomeça a segunda parte)

    Porém, estou esperançoso que hoje haja mesmo uma redenção, e após a entrada em falso no primeiro lance, se saía daqui com uma exibição de encher olho [a segunda metade da primeira parte mostrou-se já interessante) que ‘enterre’ mesmo o alemão…

    (golooooooo. 3-1: caramba, bela entrada… marca António Silva, na cobrança de um canto do turco do duplo diacrítico, o Kökçü)

    Entretanto, por desfastio, enquanto lá em baixo rola a bola em bom ritmo, e se ouvem cantorias e palmas [há muito tal não se ouviam com esta frequência e entusiasmo], desafio o Chat GPT para me compor o resto da crónica, ‘instruindo-o’ para incluir as referências a eventuais golos. O ‘homem’ entusiasma-se [ainda dizem que a inteligência artificial não tem emoções], metendo-me o Benfica a ganhar por 6-1, sem contar com um (inventado por ele) golo anulado, e somente com pequenos ‘lapsos’ como sejam os golos de Rafa e de João Neves.  

    (goloooooo! E este é real! Di Maria, com uma bela chapelada para facturar)

    Numa ‘coisa’ o Chat GPT parece já ter antecipado, ao escrever-me nessa ‘falsa crónica’ que as manchetes de amanhã dos jornais destacarão “Benfica avassalador” e ainda “Lage traz nova era”, embora caia na real, seguindo o meu estado de espírito: “Palavras fortes que, quem sabe, poderão ser apagadas se na próxima semana voltarmos a tropeçar, mas hoje… hoje tudo parece possível”.

    E parece que sim: ainda faltam 25 minutos, e o 6-1 previsto pelo meu ‘companheiro’ Chat GPT está aqui à mão de semear. Paremos aqui um pouco a crónica para assistir, de forma descontraída, a alguns minutos de jogo, até para ver se o suíço Zeki Amdouni é bom ou não.

    (tudo muito calmo lá em baixo; a única nota de relevo foi o anúncio da presença de 60.145 espectadores nas bancadas, portanto acima dos 60 mil, o que me parece ser a primeira vez que sucede esta época…)

    Como não me parece que haja muito mais para avançar nesta crónica, sucedendo-se as substituições no lado do Benfica, faltando nove minutos para terminar o jogo, já agora, vou fazer outro teste com o ChatGPT: estando o jogo com o Santa Clara em 4-1 aos 81 minutos, qual a probabilidade em percentagem de haver alteração do marcador.

    Responde-me que “considerando o estilo de jogo, a motivação dos jogadores e o desgaste do adversário, a probabilidade de o Benfica marcar mais um golo nos últimos 9 minutos pode ser estimada em 30%.”

    (e bola ao poste, achou eu, a remate de… não sei, estava a escrever…)

    Já o Benfica marcar ainda dois golos, o Chat GPT atira-me com 10% [acho que está a inventar já] e três golos entre 2% e 3%.

    (e grande perdida de… não reparei quem foi, estava a olhar não sei bem para onde)

    Bom, na verdade, pelo que fez o Benfica nos últimos minutos já podiam ter entrado dois…

    (três… grande livre de Amdouni, com a bola a embater com estrondo na barra; seria um grande golo)

    Na verdade, pode não entrar mais nenhum, mas acho que os benfiquistas fizeram hoje as pazes com a equipa. Bem-vindo, Bruno Lage! O futebol tem destas coisas: do desãnimo ao ânimo. Quando é que jogamos com o Sporting para lhe fazermos engolir duas ou três sandes de leitão de Negrais?


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  • Assange, o anti-herói

    Assange, o anti-herói

    Haverá muitas pessoas que não conhecem Julian Assange, outras só se lembrarão do filme ficcionado sobre o hacker-jornalista em que é representado como uma pessoa vaidosa e difícil. Não vi o filme, mas pelo estilo e depois de uma passagem na diagonal, acho que é daqueles cujo trailer é melhor que o próprio filme.

    Outros fixaram-se no suposto assédio sexual sobre uma mulher, ainda que anos mais tarde essa acusação se revelasse falsa, constatando-se ter sido orquestrada pela CIA.

    Também haverá cabeleireiros que se devem lembrar do seu cabelo louro, dourado ou quase branco e dos seus cortes trendy.

    Para outras pessoas mais incautas, a WikiLeaks poderá ser uma ilha paradisíaca no Pacífico que urge visitar porque deve ter resorts incríveis.

    Por outro lado, muitos jornalistas ao início viram na plataforma (impossível de desencriptar), informação de borla e verdadeira, não havendo forma de deturpá-la, uma vez que conduzia ao acesso às próprias fontes, a documentos e emails sigilosos por exemplo, passando sempre pela casa de partida como no velho Monopólio.

    Depois de Assange ser preso, foram deixando de o fazer, o que só nos elucida acerca da força do Poder, porque a informação é eterna no planeta virtual, onde tudo vai desaguar. Está lá, é só clicar.

    Não há político ou potência que não tenha sido interpelada por esta revolução tecnológica, que é a WikiLeaks, denunciando políticos que antes estavam completamente impunes, fazendo com que o jornalista mais tarde fosse acusado de espionagem por Biden, ainda quando era vice-presidente de Obama.

    Nunca se provou que tenha colaborado com qualquer organização ou país.

    Julian Assange
    (Ilustração: Manuel Silva)

    As pessoas do Livre deveriam consultar mais vezes a plataforma. Quem diz do Livre, diz do Chega, porque para Assange não havia bons e maus, dizem. Para outros será um terrorista que favoreceu uns em prol de outros, como se a vida não fosse assim quase sempre.

    Para muitos é um criminoso anarcocapitalista.

    Um exibicionista.

    Um megalómano.

    O western do australiano talvez seja mais parecido com aquelas coboiadas em que a personagem central é um justiceiro como nos filmes chunga spaghetti, já que de qualidade são poucos.

    Mas esses heróis não acabavam na prisão com derrames cerebrais. É o preço de ter aceitado a toma da cicuta como o Sócrates de Atenas, preferindo ser morto, ou ser preso no caso de Assange, já que ser cobarde e ter de viver conhecendo as miseráveis atrocidades do Poder, pode não dar boas noites de sono se não se fizer nada, e o melhor é sacrificar-se pelos valores e pela liberdade de expressão, que com ou sem WikiLeaks continua a ser posta em causa a toda a hora. Não é para todos.

    Mas está aí uma das diferenças entre o cinema e a vida real. O que interessa sobretudo é o que consta nos documentos. Factos.

    Mas quem sou eu?… Algum jornalista, algum cyber-bófia?

    Nada disso, apenas um parolo que de vez em quando está preocupado com a vida e com a ficção.

    Fica mal dizê-lo, mas as injustiças e a ignorância… Enfim, é melhor não… Vou parecer um cripto-romântico!

    A WikiLeaks é sem dúvida o melhor polígrafo de todos e não é feito por estagiários e vigaristas. Foi através da WikiLeaks, que ficámos a saber da proposta da senhora Hillary para bombardear a embaixada do Equador em Inglaterra com o objectivo de assassinar Assange através do uso de drones.

    Para muitos, Hillary Clinton é uma humanista e pacifista que teve o azar de ser enganada pelo outro senhor do Arkansas também humanista e sensível que até tocava trompete. Mas felizmente apareceu o psicólogo de massas Obama que bombardeou mais países do que a droga que o Lou Reed consumiu.

    A grande vitória de Assange foi a pior derrota da História para as agências de inteligência como a CIA, e o seu crime foi ser jornalista e expor o que os assassinos planetários em massa fazem sem que os media tradicionais denunciem, tornando-se eles mesmos até coniventes com o que escondem. Mas é tudo conspiração quando não rima com o verbo oficial, já sabemos.

    Mas que é verdade que a CNN em tempos publicou os crimes de guerra atrozes dos EUA no Afeganistão e no Iraque e depois deixou de o fazer, sabemos; que mostrou a aniquilação massiva de civis em vários locais do mundo, também sabemos; que Israel financiou o Hamas não é novidade para poucos, mas será para a maioria; que a plataforma expõe a forma como os governos da América Latina são completamente controlados pelos EUA também só não sabe quem não quiser. Mesmo os políticos mais esquerdistas, como Obrador, do México, que quis militarizar o país em conluio total com a presidência dos EUA ou Alberto Fernandez da Argentina também lá estão a fazer das suas, mas sempre com a conversa dos trabalhadores e das boas intenções esquerdistas a adocicar os discursos.

    Até os Kissinger papers da década de 70 por lá navegam como se fosse um barco que nunca vai ao fundo, já para não falar da informação secreta das monarquias europeias e até da saudita.

    Há também informação que baste acerca da tortura e do assassinato sem piedade de jornalistas e civis por parte de muitos que têm a bênção dos media mainstream em geral.

    Enfim, quem quiser ler a WikiLeaks despenderá mais tempo a fazê-lo que nos Miseráveis de Victor Hugo.

    Hilary Clinton
    (Ilustração: Manuel Silva)

    Assange só ficou oficialmente preso no governo Trump em 2019. O próprio Trump aproveitou informação da WikiLeaks para derrotar Hillary, mas depois não quis mais saber do jornalista, tendo inclusivamente prometido libertá-lo antes de ser presidente. Ainda há quem pense que o americano saído da casca é uma alternativa ao Deep State. É tão só um plano B de um traidor que gosta da Playboy e que chegou a dizer que nem conhecia a Wikileaks anos depois.

    Não é fácil libertarmo-nos desta gente, cujo desporto preferido é contrair dívida e alimentar bancos centrais.

    Numa entrevista, respondendo sobre quem era o seu maior inimigo, Assange disse tratar-se da ignorância. O jornalista, com nacionalidade equatoriana, não brinca em serviço, mas há quem não veja isso assim, considerando que revelar segredos de Estado não é a melhor via para se ser feliz e pode ser um crime grave. Mas isso seria tinta para outro papel, como dizem os polacos.

    Voltando um pouco atrás, sabe-se que antes de ser acolhido pela Embaixada do Equador esteve a viver durante anos disfarçado num bosque, numa cabana e movendo-se em hotéis com uma identidade falsa.

    Entre 2012 e 2019, esteve, então, “preso” num quarto nessa Embaixada latina, mas suspeita-se que o presidente Rafael Correa, espiava-o através uma empresa espanhola vinculada à CIA dentro da própria embaixada. É tramado ser presidente.

    Há cinco anos Assange foi direitinho para uma cela de três metros por dois em Inglaterra.

    Uns anos antes e já detido, ainda conseguiu participar na fuga de Snowden para a Rússia, planeando o resgate do informático num avião de John McAfee, outro hacker que depois apareceu morto em condições muito estranhas numa prisão em Barcelona.

    McAfee é o responsável pelo anti-vírus que temos no computador chamado… McAfee.

    Se Assange não conseguiu um asilo na Rússia foi porque nunca cedeu a ninguém e quis expor também as cumplicidades de Putin com os Clinton e com Bush, revelando a história do urânio por exemplo. Mas certamente haveria muito mais para expor da Rússia e de Putin. Nas condições em que Assange ficou, eu tentaria logo arranjar protecção, não sou maluco. Ser neutro, neste mundo, nem num poema. Por isso há quem jure que beneficiou Putin.

    Mas ao invés de se informarem melhor, as pessoas em geral preferem continuar a consultar sites pornográficos e vídeos de gatos a tocar piano. Não tem mal, é certo, mas há mais coisas interessantes para fazer.

    Uma das conquistas do Poder tecno-político foi esse. Esvaziou a mente humana com distracção, mas isso é ar para outro balão, como dizem os alemães.

    Ora eu cá também gosto de me distrair, mas prefiro um corneto de chocolate na praia mesmo sabendo que tanto a praia como o gelado devem estar cheios de químicos.

    Vás para onde vás, és sempre passível de ser sabotado. Até a alimentação saudável hoje já é uma doença. Uma obsessão… Vá. Obsessão também é doença segundo o DSM , mas para esse manual também tudo é doença mental e estamos todos a precisar de psicotrópicos. Sobretudo quem os inventa. Aqui estou a fugir do tema, ou talvez não.

    Entretanto, há dois meses e meio, o jornalista saiu da prisão voando directamente para a Austrália, o seu país de origem onde se juntou à sua mulher Stella que deu há uns tempos uma entrevista ao PÁGINA UM e que poderá ser vista aqui.

    Devo acrescentar que esse país dos cangurus, não é muito seguro. Criou “campos de concentração” para dissidentes do covid. Mas vamos ver se lhe corre bem a estadia, de forma que possa assistir em paz um dia a um encontro de ténis jogado por outro “herói” do nosso tempo, o tenista Djokovic, que não quis ser patrocinado pela Pfizer, dando um match point à pseudo-ciência. 

    Há esperança para a humanidade de vez em quando, mesmo que hoje uma parte significativa do mundo na sua auto-representação ache que tem os dias contados. Eu não penso isso e continuo a gostar de ver ténis mesmo que a Adidas agora se considere humanista e tenha entrado no desporto da moda da filantropia e do politicamente correcto. Talvez seja bom consultar a WikiLeaks e ver se há algum email da Adidas para a Coreia do Norte, nunca se sabe. Ir dar uma volta até à WikiLeaks deveria ser um desporto universal, mas também não quer dizer que esteja lá tudo. E se não estiver, não quer dizer que não tenha acontecido. A WikiLeaks não é Deus nem pretende formar uma religião. 

    A notícia da libertação do jornalista australiano parece ter trazido alguma novidade ao mundo, pelo menos no dia em que isso aconteceu foi notícia nalguns órgãos. Depois já não se falou de Assange porque ainda andam por aí muitos gatos à solta a tocar piano à espera de visualizações e muitos vírus mortais à espera do seu dia triunfal para sair do meio do “gelo” como anunciado, para começarem a assustar pessoas.

    Passando pela Wikipédia para ver o que se diz sobre o australiano e fiquei a saber alguma coisa, mas entretanto fui ver o que é que a Wikipédia diz da Wikipédia já que este texto é um pouco wiki até. Diz o seguinte:

    A Wikipédia é um projeto de enciclopédia colaborativa, universal e multilíngue estabelecido na internet sob o princípio wiki. Tem como propósito fornecer um conteúdo livre, objetivo e verificável, que todos possam editar e melhorar. O projeto é definido pelos princípios fundadores e o conteúdo é disponibilizado sob a licença Creative Commons BY-SA e pode ser reutilizado sob a mesma licença, desde que respeitando os termos de uso. Todos podem publicar conteúdo on-line desde que criem uma conta e sigam as regras básicas, como verificabilidade ou notoriedade.

    Henry David Thoreau
    (Ilustração: Manuel Silva)

    Desisti. Se nem a própria Wikipédia diz a verdade sobre a Wikipédia quanto mais sobre o Assange.

    Vários políticos e até presidentes de países deram as graças pela libertação de Assange, entre eles Lula da Silva, mas parece estranho políticos darem graças pelo jornalismo livre. O The Guardian também o fez, mas lembro-me da perseguição feita por esse órgão e quase todos, a quem não concordasse com as políticas abusivas inconstitucionais durante a pandemia, abrindo precedentes perigosos em nome de sabe-se lá de quê, chegando a ser escorraçados.

    É certo que há muita mentira e desinformação por aí, a começar pelo jornalismo mainstream e por malucos ligados à extrema-direita, por exemplo, e não será fácil lidar com essa esquizofrenia galopante. A única coisa que muitas pessoas pedem, estando eu aí incluído, é que os assuntos sejam discutidos com transparência e neutralidade, apanágio do verdadeiro jornalismo que quando foi nobre, adorava a diversidade de opinião e o contraditório. E depois que cada um tome as suas decisões e aí a plataforma de que falo pode ajudar a que todos sejamos um pouco jornalistas já que estamos a precisar de ir ao cinema outra vez, mas para ver filmes com princípio, meio e fim.

    Filmes que tragam novamente alguma poética ao espectador, e já agora alguma coerência. Porque isso de a realidade ser uma sala de cinema, já chega. Tem piada, mas cansa muito. Qualquer dia está tudo aos tiros. E é chato.

    Anda muita gente a ver-se ao espelho, mas a usar um espelho turvo e cheio de ferrugem ao qual nos estamos a começar a habituar. Precisávamos, mas era de um espelho feito de areia, é certo, mas não daquela que nos andam constantemente a atirar para os olhos.

    Thoreau disse que perante uma lei injusta é uma obrigação e um dever desobedecer.

    Assange certamente leu Thoreau.

    Ruy Otero é artista media

    Ilustrações de Manuel Silva


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  • Taxa de inflação: um embuste?

    Taxa de inflação: um embuste?


    A democracia, esse grandioso espectáculo em que o “povo” – seja lá quem for – elege os seus próprios parasitas, conhecidos por políticos. Para ingressar nesse selecto grupo, são necessárias aptidões peculiares: ser demagogo, popular e exímio mentiroso. A genialidade desta farsa reside na sua natureza despersonalizada; ao contrário da monarquia absoluta, onde o bandido tinha um rosto identificável e que podia ser odiado, enquanto na democracia todos aspiram ao papel de parasita. Afinal, se os ladrões foram eleitos por mim, são “os meus ladrões”, e assim o poder perpetua-se sem resistência.

    Além disso, não podemos esquecer a feroz competição entre esses salteadores, cada um prometendo mais favores e benesses aos grupos de pressão – sejam plutocratas, multinacionais ou sindicatos – na busca incessante pela reeleição. Em vez de limitarem o poder dessa ficção chamada Estado, alimentam-na, com promessas que apenas servem para invadir cada vez mais a vida dos cidadãos, sob o disfarce de uma “eleição legítima”. No final, o Estado expande-se, o indivíduo definha, e a liberdade evapora-se, num jogo de cartas marcadas.

    Quando um Governo, composto por parasitas, cede aos pedidos dos grupos de pressão, necessita inevitavelmente de mais recursos e de maior controlo para implementar e gerir as políticas exigidas. Isso frequentemente conduz à expansão do poder centralizado, culminando na formação de um cartel de grupos mafiosos, como é o caso da União Europeia.

    macro photography of green aphid

    Primeiro, através da criação de regulações, de supervisores e de burocracias, visando gerir e fiscalizar os benefícios e programas concedidos aos grupos de interesse. Isso exige uma coordenação centralizada para garantir que as políticas sejam aplicadas uniformemente em toda a jurisdição sob a alçada do Estado.

    Em segundo lugar, à medida que o Governo assume novas responsabilidades, o seu alcance sobre a vida dos cidadãos amplia-se. Isso pode incluir desde políticas sociais e económicas até à regulamentação de aspectos culturais e educacionais, todos geridos por uma autoridade central.

    Por fim, como sobredito, a extorsão do gado intensifica-se, dada a necessidade de financiar os programas e benefícios prometidos pelos bandidos que aspiram a ser eleitos. O Governo necessita, assim, de aumentar a arrecadação de impostos ou contrair dívidas. Mas, como se sabe, nunca é suficiente.

    A democracia, na sua brilhante “generosidade”, erradicou o ouro e a prata — os meios de troca escolhidos pelo mercado desde há milénios —, substituindo-os por simples papelinhos, ou, nos dias de hoje, por meros registos informáticos (amanhã, será o Euro Digital). Estas “moedas fiduciárias”, cuja produção não custa praticamente nada, foram confiadas a um autodenominado “independente” banqueiro central, que mais parece um comissário soviético.

    Para que o roubo passasse despercebido, o protestantismo positivista inventou o índice de preços, uma ficção científica digna de aplausos. Esse índice, supostamente, mede a inflação, permitindo ao povo manter-se actualizado sobre o poder aquisitivo do “seu dinheiro”.

    É imperativo recordar que o dinheiro serve apenas como um meio de troca, facilitando transacções e evitando a dupla coincidência de desejos característica das trocas directas. Por ser um fenómeno de mercado, o dinheiro não mede nada. Os preços, por sua vez, só fazem sentido como proporções, pois tanto o dinheiro (a escala) como os bens ou serviços (os objectos de medição) estão sujeitos a mudanças constantes, a ideia de uma medição absoluta torna-se impossível.

    Assim, quando se diz que uma maçã custa 1 Euro e uma laranja custa 2 Euros, não significa que a laranja vale exactamente o dobro da maçã; o valor relativo pode variar conforme a oferta, a procura ou a percepção de valor – algo que definitivamente não pode ser medido; em que unidade se mede isso? Portanto, a ilusão de medir algo tão mutável quanto a Economia é apenas mais uma ferramenta na vasta caixa de truques do positivismo.

    bird opening slice bread pack

    Imaginemos uma Economia onde existe apenas um bem: maçãs. A quantidade total de Euros em circulação é fixa, digamos 100 Euros, e a produção anual é de 100 maçãs, o que resulta num preço de mercado de 1 Euro por maçã. Com o tempo, o capital acumulado — em máquinas, fábricas, estradas, etc. — permite um aumento na produção, passando, por exemplo, para 110 maçãs por ano, um aumento de 10%. Agora, suponha-se que o banqueiro central lá do sítio decide imprimir mais 10 Euros.

    Neste cenário, se a procura por maçãs e por dinheiro permanece constante, o preço de uma maça fixa-se novamente em 1 Euro. A democracia, com as suas métricas de “inflação” manipuladas, diria que não houve inflação, pois os preços não subiram – milagre, inflação 0%! Contudo, na realidade, houve uma inflação de 10% na oferta monetária, e os preços deveriam ter caído para 0,9 Euros por maçã, reflectindo o aumento na produção. O efeito real no bolso dos consumidores seria, portanto, uma maior capacidade de compra devido à maior oferta de bens, mas isso é ocultado pela taxa de inflação oficial que nos diz que os preços estão estáveis, sem variação!

    Os preços não medem valores absolutos, mas apenas relações de troca. Suponhamos que, antes da putativa pandemia, uma consulta médica custava 80 Euros e um café 0,8 Euros, estabelecendo um rácio de troca de 100 cafés por consulta. Se a impressora do BCE provocar uma subida homogénea de preços de 50%, com a consulta agora a 120 Euros e o café a 1,2 Euros, o nosso médico manterá o mesmo poder de compra, desde que a inflação afecte de forma equitativa todos os bens e serviços que consome regularmente. Assim, uma inflação dos preços em 50% não impacta a sua vida.

    A moderna teoria económica erroneamente afirma que os preços medem o valor. Na verdade, uma troca ocorre precisamente porque as partes envolvidas atribuem valores diferentes ao mesmo bem; se assim não fosse, a troca não aconteceria. Consideremos um agricultor com cinco cavalos homogéneos: o primeiro cavalo é destinado à necessidade mais urgente, como puxar um arado, enquanto o último pode ser usado para actividades menos urgentes, como passear. Assim, o valor de um bem depende da necessidade menos urgente que se deixa de atender, explicando por que o pão, essencial à sobrevivência, vale menos que a platina, um metal escasso reservado para necessidades muito específicas.

    Imagine que estou num café na Av. da Liberdade, em Lisboa, e desejo tomar um café. Eu poderia preferir o café a 3,5 Euros; ou seja, até esse valor, dou mais importância ao café do que ao dinheiro. No entanto, se o café custar 1,5 Euros, aceito a transacção, pois está abaixo do meu limiar. Para o proprietário da cafetaria, o café, sendo abundante no seu inventário, não tem o mesmo valor; daí a troca ocorrer. O preço de 1,5 Euros é apenas uma relação de troca, uma intermediação entre serviços. Se eu viver de serviços de corretagem estou a trocá-los por um café, com o dinheiro a servir de intermediário dado que não satisfaz qualquer necessidade humana.

    assorted bunch of fruit lot

    Convém destacar que a impressão de dinheiro simplesmente redistribui riqueza, sem criar valor real. Tomemos o exemplo de Alves dos Reis, que falsificava notas do Banco de Portugal e as gastava, por exemplo, exclusivamente em prostitutas; o preço deste “serviço” em Lisboa dispararia, uma vez que a sua preferência por dinheiro é diminuta, dada a sua fartura. Essa inflação de preços iria espalhar-se, afectando em primeiro lugar os bens preferidos das prostitutas e assim sucessivamente. Os primeiros a receber o dinheiro falso beneficiam-se dos preços não inflacionados, o que é notório nas subidas das cotações das acções e obrigações e nos preços do imobiliário nas últimas décadas, atendendo que o dinheiro impresso pelos bancos comerciais se dirigiu em grande medida para estes mercados.

    Como é que o índice de preços capta o efeito das novas notas introduzidas pelo burlão Alves dos Reis? Qual é o real impacto da expansão da massa monetária? Qual o impacto da nova oferta, depois dos novos empreendedores de bordéis que, visando atrair este famoso cliente, decidem aumentar a oferta e a qualidade das suas “funcionárias”? Se subitamente o Alves dos Reis fosse convertido por um padre zeloso e perdesse o interesse pelos bordéis? Se estes serviços nem sequer constam do índice de preços, como captariam o impacto da nova massa monetária introduzida por Alves dos Reis?

    Então, o índice de preços opera num universo paralelo, onde o surgimento de novos produtos de “qualidade superior” ao mesmo preço indica uma “redução” dos preços. Quais são os critérios? Se os proprietários dos bordéis introduzem novas “fantasias” ao mesmo preço, como quantificam o “desconto”? Quem é o iluminado que decide?

    Na Economia contemporânea, novos produtos inundam constantemente o mercado. Como comparar médias de preços ao longo do tempo se a própria “cesta” de bens muda constantemente? E quando os consumidores trocam carne de vaca por frango por ser mais barato, eliminando a primeira do índice? Não seria isto uma piada de mau gosto disfarçada de estatística?

    Se há preços diferentes para quase todos os bens e novas variações surgem constantemente, como é o caso de ovos comuns e ovos “ecológicos”, ou ainda de diferentes marcas — quem garante que os burocratas do Governo conseguem captar essas mudanças incessantes? Que critérios obscuros aplicam para medir essas variações? Será que têm alguma fórmula mágica para compreender as complexidades do mercado? Ou será que tudo isto é apenas uma ficção orquestrada, um jogo de sombras onde o preço é tão manipulável quanto o discurso de um político?

    O índice de preços é um exercício de ilusionismo estatístico, ancorado na fantasia de uma cesta de bens fixa como unidade de medida. Não há qualquer método científico para se medir o “nível de preços”. O proprietário de uma casa, por exemplo, não se torna subitamente mais rico apenas porque o índice de preços das casas sobe — especialmente se não planeia vendê-la. O mesmo se aplica ao mercado de acções; um aumento num índice não transforma, magicamente, a prosperidade da população.

    grayscale photography of woman opening her mouth

    Falar de um “nível de preços” ou de uma “riqueza geral” para toda a Economia é tão sensato quanto tentar medir o peso de um pensamento! Cada pessoa, cada família, cada região possui uma estrutura de preços única, com variações distintas no seu poder de compra. Pretender medir isso para toda uma Economia é tão frutífero quanto calcular a “riqueza nacional” ao somar os preços de propriedades, títulos e acções e proclamar que isto, por si só, é o retrato da prosperidade de um país.

    Por fim, é sempre um espectáculo hilariante assistir às conferências de imprensa de Christine Lagarde e Jerome Powell, onde nos revelam que a meta mágica é uma inflação de 2%. Por que não 1,9% ou 2,1%? São estas taxas inflacionárias heresias? Como é que estes “iluminados”, na verdade planeadores centrais, conseguem discernir as preferências temporais de milhões de consumidores para decretar se a taxa de juro será de 4% ou 5%? O cúmulo é ver liberais de pacotilha a defenderem tais burocratas, como se eles soubessem algo, quando na verdade nada sabem e esquecem-se que servem exclusivamente para roubar silenciosamente a população através do imposto mais pérfido de todos: a inflação!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • Us discurços dus noços pulíticos

    Us discurços dus noços pulíticos


    A carreira política, em Portugal, deveria ser caso de estudo.

    Quem são os nossos políticos? Como são escolhidos? Que características devem possuir? Quais os seus currículos?

    Os portugueses, tão exigentes no que respeita à escolha nalgumas profissões, pouco ou nada se preocupam na altura de eleger aqueles que nos governam.

    Os deputados, é sabido, são eleitos sem que os eleitores consigam identificar a maioria deles porque votam em listas com dezenas de nomes, mas onde só os dois ou três primeiros lhes são familiares.

    Os Governos saem dessas eleições, já que o Primeiro-Ministro será, em princípio, o líder do Partido Político que as ganhar, o que deveria aumentar a responsabilidade dos cidadãos eleitores.

    Já ficaria contente se houvesse o mesmo cuidado que têm, por exemplo, na escolha das direcções dos clubes de futebol de que são adeptos.

    E, principalmente, se estivessem dispostos a pagar salários equivalentes à excelência de cada candidato.

    Custa-me compreender que aceitem que os clubes paguem ordenados mensais de dezenas de milhares de euros e considerem que Ministros, que vão decidir tudo sobre a nossa vida, ganham demasiado ao auferir, num ano, menos do que miúdos de vinte anos, futebolistas, numa semana.

    Os ordenados pagos aos nossos governantes levam a que os melhores de nós procurem outros empregos, muitas vezes no estrangeiro, deixando que os lugares passem a ser ocupados por pessoas que não conseguiriam qualquer lugar na direcção de uma empresa privada de média dimensão.

    Percebemos isso ao ver o país na cauda da Europa e com tendência a ser cada vez mais pobre.

    Os deprimentes discursos dos nossos governantes são a prova da sua incapacidade e ignorância.

    É gente que governa um País e nem sequer consegue falar, ou escrever, correctamente, a sua língua.

    Os exemplos são inúmeros.

    Recentemente a Ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, explicava que uma das causas dos incêndios florestais tinha a ver com a “urologia” dos terrenos.

    Não faço ideia do que irá naquela cabeça, mas talvez ela quisesse dizer “orografia”, ou “orologia” [a ciência que estuda os fenómenos orográficos], e não chegasse lá o seu conhecimento de português. 

    Prefiro isso à hipótese de a senhora pensar que as árvores ali plantadas, por qualquer problema de rins, não conseguiam apagar o fogo por dificuldade em urinar.

    Já o Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, garantiu com toda a pompa e circunstância que aos beneficiários de pensões “será-lhes paga” uma verba extraordinária.

    Se for tão extraordinária como a sua aversão à língua portuguesa em breve os reformados estarão a receber um ordenado equiparado ao dos futebolistas!

    Continuando a subir na hierarquia, passemos aos Presidentes da República.

    Cavaco Silva, Primeiro-Ministro em dois mandatos e Presidente da República noutros tantos, o homem que “nunca se enganava e raramente tinha dúvidas” achou por bem, num momento raro de humildade, agradecer aos “cidadões” que nele tinham votado.

    Razão tinha um meu Amigo, Carlos Esperança, ele sim um brilhante Cronista, com textos magníficos escritos num português exemplar, ao dizer que “Cavaco já escreveu mais livros do que os que leu”…

    O actual Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, ao comentar o recente tremor de terra, do alto da sua sapiência, afirmou à plebe:

    “O sismo revelou que, felizmente, o sistema de segurança e protecção civil português é robusto e eficaz no caso de não ser preciso fazer nada.”

    Fantástica notícia.

    O alívio que todos os portugueses tiveram ao ouvi-lo!

    “Se não for preciso fazer nada o sistema de segurança e protecção civil é robusto e eficaz”. Já se for necessário agir, cada um que se desenrasque!

    Podem ser incompetentes, mas são cómicos e baratos.

    Tudo porque consideramos que não vale a pena investir em governantes capazes, ainda que mais caros.

    Deixo uma história que mostra como é errada esta opção:

    Consta que Deus, depois de criar o Homem, viu que Adão não estava muito feliz e perguntou-lhe a razão.

    – “Sinto-me muito só” – disse este – “gostava de ter uma companhia!”

    – “Que tipo de companhia?” – questionou o Criador.

    – “Outra pessoa, mas que fosse bonita, inteligente, compreensiva, amiga.”

    – “Tudo bem. Vai custar-te um olho!”

    – “Um olho??? Caríssimo!!! O que é que consegues arranjar por uma costela?”

    E, pronto.

    Os problemas causados pelo regatear já vêm de longe.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Ambiente, clima e democracia: para onde caminhamos?

    Ambiente, clima e democracia: para onde caminhamos?


    O Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC) atualizado, e em consulta pública até esta quinta-feira, 5 de 5etembro, é suposto ser o eixo da política energética e climática, em execução entre 2021 e 2030, para que Portugal se transforme numa “sociedade neutra em carbono”, sobretudo através da “redução das emissões de GEE e o compromisso da neutralidade climática até 2045, conforme preconizado pela Lei de Bases do Clima”. Para isso, 96% da energia produzida no sistema eletroprodutor português deverá ser de origem renovável, e dessa energia 40% terá de ser de origem eólica e 42% de origem solar.

    O Plano aponta oito Objetivos Nacionais (PNEC, pág. 35), de entre os quais destaco o Objetivo 8: “Garantir uma transição justa, equitativa, democrática e coesa”. Como activista ambiental, não tenho dúvidas em dizer que este objetivo está longe de ser implementado.

    path surrounded by green grass and trees

    São inúmeras as causas ambientais activas pelo país: SOS Quinta dos Ingleses, em Carcavelos; Dunas Livres, entre Tróia e Melides; Salvem os Sobreiros de Morgavel, em Sines; Minas Não, em Covas do Barroso; Contra a Ampliação da Mina de Alvarrões, na Serra da Estrela; Não às obras na Cascata do Tahiti e aos Painéis nas Barragens de Paradela e Samalonde, no Gerês, o nosso único Parque Nacional; ou Juntos pelo Divor em Évora – apenas para nomear algumas.

    Directamente envolvida ou a acompanhar o evoluir de algumas destas causas, a percepção é a de que, no geral, as populações que nelas participam, genuinamente interessadas e preocupadas, tanto com as questões ambientais como com o património paisagístico e cultural dos lugares onde vivem, não têm sido devidamente escutadas.

    Com demasiada frequência as questões remetidas por interpelação em consulta pública, em assembleia municipal ou de freguesia, por carta, por e-mail, por petição à Assembleia da República, por manifesto ou protesto público, acabam sem ser cabalmente respondidas, ou são mesmo simplesmente ignoradas. Algumas destas causas, entretanto levadas a tribunal, entram num impasse que pode levar anos a resolver, consumindo recursos e tempo de todas as partes envolvidas.

    Neste PNEC, pouco ou quase nada se refere à importância da conservação, regeneração e criação de espaços florestais e da Natureza, essenciais como sumidouros de carbono e de calor, áreas de biodiversidade e de conservação dos solos e aquíferos para prevenir tanto as secas, como as cheias. Como contraponto às ilhas de betão e actividade humana, dentro e fora dos centros urbanos, as florestas e outros espaços onde a natureza respira, tornaram-se fundamentais, como, aliás, se reconheceu recentemente na Lei do Restauro da Natureza, aprovada pela União Europeia, com o voto favorável de Portugal.

    green grass field near road during daytime

    Qual, então, o sentido de se destruírem ecossistemas existentes para se criarem parques de energia solar ou eólica?

    No âmbito do Objetivo 8, o PNEC indica, como linha de actuação, “promover plataformas de diálogo e debate permanentes e duradouras, à escala nacional e local, que envolvam os principais agentes dos vários setores, e que possam contribuir de forma ativa para a construção de uma política energética mais transparente, proactiva e inclusiva, que assegure o cumprimento das metas e compromissos nacionais em matéria de energia” (PNEC, pág. 138).

    Passemos à sua concretização efectiva. Para além das consultas públicas online, é essencial sentar à mesma mesa, para ouvir e dialogar de forma construtiva, compreender as razões de quem quer ser escutado, e tudo fazer para verter essa informação nas decisões que enformam e melhoram a gestão desses políticas e recursos. Por parte do Governo, Assembleia da República, autarquias, e demais instituições, sobretudo da área ambiental, como a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF).

    blue and white solar panel lot

    O artigo 48º da nossa Constituição consagra aos cidadãos o direito de participação na vida pública, nomeadamente “tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos,” e “ser esclarecidos objetivamente sobre atos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos”.

    A democracia e a cidadania participativa só se tornam plenas se exercidas proactiva e regularmente, tanto pelos cidadãos como pelas instituições do Estado. O propósito não é mais do que encontrar as melhores decisões em favor do interesse público: desenvolver uma sociedade neutra em carbono, sem pôr em causa o desenvolvimento sustentável e a produção de energia mais limpa, nem os direitos a viver em ambiente sadio e à proteção do património local.

    Silvie Lai é activista ambiental e licenciada em Ciências da Comunicação e mestre em Estudos Europeus


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.