Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No sexto episódio, analisa-se o estranho fenómeno que afectou a cobertura jornalística de um anúncio da supermodelo Elle MacPherson e as notícias sobre a decisão do Brasil de aderir ao grupo de países que proíbe a liberdade de expressão e persegue opositores reais ou potenciais.
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A sombra do tempo
Hoje, na rubrica ‘Caderno dos Mundos’, uma reportagem de Rui Araújo, emitida na TVI em Junho de 2017, com um olhar sobre a vida dos homens detidos no Estabelecimento Prisional de Olhão.
É tempo de partirmos. Os presos ficam com a noite que não pertence a ninguém, graças a Deus.
(Foto: Rui Araújo)Estabelecimento Prisional de Olhão, uma manhã destas.
A história deles começa aqui.
07:45
É o momento da alvorada redentora ou nem por isso porque o mundo carceral é sinónimo de castigo, constrangimento, exclusão ou, por outras palavras, isolamento.
Os presos — e eles são 65 aqui — passam quase 15 horas por dia na cela. Daqui a um quarto de hora é o momento da abertura geral. A punição, que se quer exemplar, do culpado ou do inimigo social passa pela disciplina, o respeito dos horários. E há horas para tudo apesar de o tempo, aqui, significar sobretudo imobilidade e alheamento do real. E… aprendizagem do vazio porque a prisão é isso mesmo: vacuidade.
Luís, 31 anos, primeiro testemunho. Primeiro retrato da prisão.
— Eu fui condenado por tráfico de droga e posse de arma. Falta-me cerca de 4 anos para sair. A minha condenação é de 6 anos e 2 meses, mas não conto muito o tempo porque o tempo a mim custa-me a passar. Assim, se não contar, quando dou por conta já alguma coisa passou. Estive um ano a trabalhar em Espanha só que a coisa não correu bem lá. Era marítimo. Ia ao polvo… Quando voltei para Portugal vi os meus filhos a passar fome. Tinha o caminho da droga para vender. Não tinha mais nada. Pois… ou via-os a passarem fome ou vendia droga. Eu escolhi vender droga! E depois habituei-me ao sistema de vida que a droga me dava. Eu, um dia estava a ver os meus filhos passar fome. Passado um mês já tinha dinheiro que sobrasse para tudo: para carros, para casas, para boas vidas… Saídas todos os dias. Dinheiro não faltava… Habituei-me àquela vida e deixei-me levar ao sabor do crime… E, hoje em dia, estou a pagar pela escolha que fiz. Eu não estou aqui por culpa de ninguém. A culpa de eu estar aqui é minha…
Mea culpa, ingénua. Ou mera ladainha de circunstância. E as mesmas justificações para as mesmas misérias de sempre. A material e a outra, a taparem a vergonha.
Luís. (Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) 08:00
Alvorada.
É a abertura geral da camarata e das 18 celas. A disciplinar está vazia hoje. Ergue-se um clamor surdo na Zona. O ‘conto’ dos 28 preventivos e dos 37 condenados é logo a seguir. É ainda o momento da higiene. Um duche a correr. O Despacho 2/2015 — o “Horário Prisional” — é peremptório: 10 minutos bem contados para limparem os corpos curtidos de sol e de salmoura, roídos por dentro. Não se sabe de quê…
Flávio, 23 anos, mais uma contrição bem intencionada ou mais uma elegia sobre a falência da família.
— O meu nome é Flávio. Tenho 23 anos. Apanhei 5 anos e 5 meses. Estou preso há 1 ano e 3 meses. Como é que eu vim parar aqui? Vim por tráfico. Por vários crimes. Na altura um gajo não pensava bem no que fazia…
08:10
Pequeno-almoço. Pequeno-almoço no refeitório que serve também de parlatório e de sala-de-aulas. É à vez já que o espaço é exíguo.
— A minha história de vida… Cresci só com a minha mãe e os os meus irmãos. Conheci o meu pai com 15, 16 anos na altura. Apareceu uma vez. O que é que eu andava a fumar? O encontro não foi assim muito agradável… E mais? Ninguém gosta de estar aqui. Estamos presos. Sozinhos, não estamos. Conhecemos sempre um ou outro. Passamos aí o dia. Jogamos à bola, às cartas. O que houver a gente joga. — conta Flávio.
Flávio. (Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) Mas quem é esta gente? Homicidas, traficantes de droga, ladrões. Há de tudo. De todas as origens e idades. O mais novo tem 19 anos. O mais velho 68.
— O que é que custa mais aqui? Você quando entra você perde tudo o que tinha. Namoradas, amigos, não sei quê. O que vai estar cá é só a sua família. O que custa não é estar trancado. O que custa é esquecerem-se da gente… — acrescenta o jovem preso.
É preciso amarrar as pontas. Aqui, como lá fora, o pior é a indiferença. A do presente. A dos homens, à falta de da Deus.
08:45
Fecho.
Os presos regressam às celas. Daqui a 10 minutos há ‘conto’ outra vez.
— Ora vamos embora. Tá na hora… — diz um guarda.
São sobretudo portugueses e cabo-verdianos. Os outros são espanhóis, romenos, marroquinos e guineenses. Mais os guardas: 28 homens e quatro mulheres. Ao fim e ao cabo outras tantas histórias de desiludidos que passam mais tempo na cadeia do que os próprios presos.
Vladimir, 50 anos, foi contrabandista. É guarda há 22 anos.
— Venho de uma família pobre do Alto Alentejo, que a terra é Campo Maior. Sete irmãos. Comigo éramos oito. Depois, tive que deixar a escola para acompanhar a minha mãe na minha zona que o trabalho era pouco. E a minha mãe era contrabandista. Tive que acompanhar a minha mãe para ajudar a criar os meus irmãos.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) 08:55
Mais um ‘conto’. Não há tempo a perder. Dez minutos depois é a reabertura das celas. Os presos que não têm aulas nem trabalho vão para onde querem: pátio, ginásio ou bar.
A imagem ambígua dos guardas — ausência de reconhecimento público e não só — é uma realidade desde sempre. A política de recursos humanos melhorou, mas o peso de décadas de centralismo hierárquico, de gestão quase autocrática, e um clima social marcado por uma conflictualidade latente não poupam a profissão.
João Ribas. Beirão de gema. 21 anos de serviço. Um homem atormentado…
— Sou guarda prisional há 21 anos. Neste momento sou guarda principal. Estou no Algarve. E após um curso vim para o Algarve por opção. A Portimão. Entretanto, fui deslocado para Olhão, sem querer. Sem nós querermos foi uma corporação inteira movida, mexendo com as vidas. Mexendo com tudo… Estragando certas vidas, como foi o meu caso…
Uma noite, já lá vão quase dois anos, o guarda armadilhou a casa com botijas de gás e barricou-se. Chegou a dar dois tiros, mas acabou por render-se à PSP. Resistiu à tentação do abismo.
— Ao mesmo tempo eu sou um dos gajos mais revoltados aqui dentro… — conclui.
João Ribas. (Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) Vigiar, isolar e punir — a lógica da prisão é essa. E a sua perenidade parece estar garantida.
— Olá, boa tarde. Olha, Bruno, hoje ficas tu com a rega das aromáticas e o senhor Gilberto faz a retirada das infestantes. — avisa uma monitora.
A missão de reinserção, que passa pelos estudos, a formação profissional ou o exercício de uma actividade laboral, só vem depois. O resto é rap!
Hugo, aliás Chimbóia, 33 anos. Crime: furtos qualificados.
— Palavras do preso 00737, Chimbóia: Eu expresso no verso o incompleto imenso, extensivelmente intenso, porque penso. Estou preso porque mereço. Uma vida perdida chama-se a vida possível, não me convence, confesso. Há mais caminho para além deste. Eu sei que a cadeia choca milhares de gente. A cadeia não é boa nem para o teu oponente. É evidente que o complemento não será bem pior. Estás privado da liberdade. É um osso duro de roer. Ouve bem, convém que me possas entender… Nada vem à tua vida que não consigas suportar. Se errares, tem cuidado! Podes vir cá parar. É de evitar pois aqui já não podes lutar. A tua luta continua, mas é inválida aqui. Aqui, já não estás na rua. Vais lutar contra ti.
Ninguém pode viver sem esperança. Mais não seja a esperança de fugir. O importante é não desistir, nunca.
Bruno é um dos raros presos que frequenta a biblioteca do estabelecimento. É o seu refúgio para as poucas horas autónomas, devolutas. Tem 30 e poucos anos. É toxicodependente e traficante. Foi apanhado. Está, aqui, há 3 anos e 3 meses.
— A leitura para mim é uma fuga. Posso encarnar qualquer personagem quando leio um livro. Sou um actor. Sinto-me um actor quando leio um livro. Leio um livro e, às vezes, uso essas ideias para escrever uma música ou para me sentir também bem disposto. É sempre uma lição de vida. Um livro é sempre uma lição de vida. É bons conselhos. Qualquer livro, no fim, tem um bom conselho…
11:45
Almoço.
— Tira lá dois cafés aí, pá!
O bar também serve de drogaria e de mercearia. Abre depois do almoço. Um preso serve os outros presos. Apesar de não haver concorrência, os preços praticados aqui são módicos: café a 20 cêntimos, água a 15… O dinheiro, o pouco que circula, não dá para mais.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) 14:30 – 17:00
Às 14:30, depois do fecho, do ‘conto’ e da reabertura há mais actividades.
A aula da professora Paula Serina começa com um documentário televisivo sobre Olhão, aqui tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. O marroquino El-Mahdi e os espanhóis Bebito e Diego escutam. Três histórias. Três destinos a cumprir, mas já lá iremos.
O nível escolar dos 65 reclusos é aquilo que é: um desastre. Feitas as contas, 90% dos reclusos (89,2% mais exactamente) atingiram no máximo o 3.º ciclo. O que vale é não haver na prisão espaço para máscaras deformadoras. Os homens, aqui, não se medem aos diplomas.
José. 55 anos. A primeira vez que foi preso tinha 18.
— Eu, desde 1978, passei por várias cadeias, seja em França e em Portugal, por vários crimes. Crimes diferentes. Foi furto, proxenetismo, tráfico de droga, moeda falsa, assaltos à mão armada e falsificação. Já passei por várias cadeias que não têm nada a ver com as nossas. São muito mais violentas. Mais complicadas. E a primeira cadeia que conheci foi a de Les Baumettes (Paris) onde estive preso mais de 14 anos. Já estive preso na cadeia de Bordéus, já estive preso na cadeia de Aix-en-Provence, já estive preso na cadeia de La Rochelle, já estive preso na Centrale de Saint-Martin-de-Ré, já estive preso na cadeia de Lorient-Ploemeur. Como é que eu hei-de dizer? Eu acho que aquilo que fiz na minha vida foi uma aventura. Foi um sonho porque já tive muito como hoje não tenho nada… Tenho mais experiência de vida cá dentro que lá fora. Estou muito sozinho. É normal. Uma pessoa tem os dele. Gostava de os ver… Eu já perdi dentro da cadeia as pessoas mais queridas que eu tinha. Foi a minha mãe. Foi a minha avó. Perdi-as dentro de uma cadeia, sem ir a funerais, sem ir a nada, sem ir a coisa nenhuma. Uma pessoa vai endurecendo…
Com a usura do tempo, os exames de consciência, por mais lúcidos ou inquietos que sejam de pouco valem. É como os remorsos. A decepção, aqui, é compreensível.
— Hoje, o Fernando vai lá para o fundo meter o aro na porta da casa-de-banho com o outro rapaz. O Patrick vai ajudar o Anildo ali a betumar a casa-de-banho, que é o que falta.
No pátio da zona perimética o guarda Bruno, que é arquitecto, organiza a rotina dos dias: a construção de duas salas de aulas e de uma camarata, quartos para as visitas íntimas. É a primeira iniciativa deste género no Algarve. Faz parte. Consta da própria Lei: três horas inolvidáveis (ou não) uma vez por mês.
— Não é só chegar ali e fazer, construir. Isto tem uma particularidade porque eles… se nós tivermos um ferro no chão, nós olhamos para ele e é um ferro. Se nós o metermos ao alto é um gradão. É uma grade fria. As coisas falam. As paredes falam… Se nós passarmos a mão, por exemplo, nesta tábua isto fala. Tem a sua textura. A sua rigidez. Se calhar, para nós é mais uma porta em casa. Esta porta ao alto, fechada numa cela, quando fecha a porta às sete da noite, a sensação, o bater do coração, a cabeça… Tudo pensa diferente. E ela fecha e ouve-se a tranca. E é complicado!
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) O guarda é um poeta e, às vezes, apetece ser — já dizia outro poeta, Antonio Machado. O que é preciso é não perdermos o contacto com o chão e evitarmos os púlpitos. Sem isso não temos uma ideia aproximada da nossa estatura.
Chefe Hélder. Trinta e dois anos de prisão. A história de um homem simples que as grades não desapossaram da humanidade.
— Eu sou o Chefe Hélder Correia. Estou a cumprir uma pena até este momento de quase 32 anos de cadeia. Sou a pessoa mais antiga deste estabelecimento prisional. Tenho um percurso prisional que iniciou em 1984, precisamente no dia em que nasceu o meu primeiro filho. Esta é uma história engraçada. Apresentei-me ao serviço no Estabelecimento Prisional de Faro. Tinha como chefe o Chefe Gonçalves. Cheguei ao pé dele e digo: — Chefe, eu preciso de sair mais cedo porque a minha esposa foi para o Hospital de Faro ter um bebé. E eu queria ver o estado dela. E o chefe olhou para mim e diz-me assim: — Vá lá, mas não se habitue…
Ainda há homens felizes. Afinal a prisão não mata tudo!
Na quietude da camarata, Paulo, 46 anos, os olhos fitos no papel, lavra palavras de amor. Não precisou de coragem para ficar só. Foi caçado por tráfico de estupefacientes. É um homem atormentado. Escreve à mulher uma, duas, quatro cartas todos os dias.
«Olá, meu Amor. Como te sentes hoje? Melhor? E bem disposta, Minha Maria? Hoje, foi um mau dia para nós, Meu Amor. Não nos encontrámos como devíamos. A nossa Felicidade há-de chegar um dia, Amor da minha vida. Mais uma coisa, Amor. Vê lá se me escreves porque estou cheio de saudades tuas, Minha vida. Oh, Minha flor. Agora, vou-te deixar por uns momentos Meu Amor. Volto já. Adoro-te com muito Amor.»
A mulher está presa em Odemira. Amar cegamente pode ser um unguento para impedir a renúncia. Pode. Maria é o nome do salvamento ou da perdição, mas vamos por partes.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) Mudança de cenário. E regresso às aulas. Hoje é dia de substantivos. E de entrevistas.
— Não julgo. Não comento. Eu estou aqui a ensinar-lhes a minha língua para que eles melhorem a comunicação quando vão a tribunal, porque enquanto cidadãos estrangeiros muitas vezes a comunicação com o advogado e o juiz acaba por dificultar. A língua é uma barreira. — explica a professora Paula Serina.
Ria Formosa.
O vídeo com música para descobrirem a terra onde vivem e não conhecem está a chegar ao fim.
El Mahdi é marroquino. Era camionista. Foi condenado por tráfico de droga. É aluno de Português. Não tem visitas, mas o pior é outra coisa…
— A história? A minha história é… É difícil: Eu não tenho história. É melhor não contar…
— E a prisão é o quê para si?
— Para mim é uma escolha da vida, mas correu tudo mal.
— Tem um filho que não conhece…
— Só das fotos. Tem dois anos. Nunca… nunca o vi. Só nas fotos. E oiço-o no telefone. Agora, já começa a falar.
— Suleiman…
— Chama-se Suleiman.
— Qual é o seu sonho?
— O sonho é estar com a minha família e brincar com o meu filho, sair, levar o meu filho para fora e andar na rua… Isso dói.
— Shukran.
— De nada.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) À tarde cada um deixa correr o tempo como quer. Como pode. O aconchego para os muçulmanos daqui passa pela Fé. Rezam cinco vezes ao dia. A dhohr — a primeira oração da tarde — é agora.
Pedro, 27 anos, foi condenado a seis anos de cadeia. A mãe, o padrasto e o irmão também estão presos. A namorada, já esteve.
— Fui condenado a seis anos de prisão por tráfico de drogas. Estou detido há dois anos e sete meses. Tenho uma mãe presa, um irmão e um padrasto. O que mais me custa aqui dentro é estar longe das pessoas que eu mais gosto: os meus filhos e a minha família. Se tenho algum objectivo de vida? Tenho. Isso fez-me tornar uma pessoa totalmente diferente porque eu era, posso dizer, uma pessoa violenta, agressiva. Hoje em dia sou uma pessoa diferente. Como se diz, há males que vêm por bens. Espero conseguir ser uma pessoa diferente daquilo que eu era lá fora. Uma pessoa melhor. Ter as minhas coisas honestamente. Basicamente é isso.
Só basicamente. O discurso bem intencionado e politicamente correcto — conivente com o sistema — deixa algumas dúvidas sobre a sua autenticidade. Nas entrelinhas está, quiçá, a perspectiva de uma precária…
A saída anticipada é uma prioridade para estes homens apesar de a cadeia de Olhão ser um oásis no panorama carceral português.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) O trabalho — incluindo no exterior — está reservado a poucos. Na horta do Patacão, por exemplo, para ajudar o Banco Alimentar do Algarve. E na cidade de Olhão para edificar ou recuperar edifícios da Junta de Freguesia, como estes viveiros.
— Todo este edifício foi restaurado por eles e se vos disser que ficou ao erário público em um quarto do valor inicialmente previsto é a pura da verdade. Estes homens foram excelentes. Foram de uma dedicação ímpar. E mais: eu sinto em cada um deles… Eles querem e sentiram que efectivamente participaram em algo de bom para todos. — palavras de Luciano de Jesus, presidente da Junta de Freguesia de Olhão.
Regresso à prisão.
A parceria é para continuar. A Junta de Freguesia de Olhão pretende criar, através de uma parceria com a cadeia e o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) dois postos de trabalho para reclusos.
— Obviamente, não sejamos utópicos. Há situações de insucesso como em tudo na vida, mas a grande maioria tenta e quer não voltar á cadeia. — declara Carlos Moreira, director do Estabelecimento Prisional de Olhão.
A boa vontade do director da cadeia de Olhão não chega para alterar a realidade. A reinserção em Portugal é ilusória, para não dizer virtual.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) 17:40
Jantar.
A principal ligação entre o mundo social e o mundo penitenciário é a obsessão da segurança. A realidade carceral continua a ser acima de tudo sinónimo de punição e de isolamento. É por isso que democracia e prisão são antinómicos. Sempre foram.
Hora da última confissão.
— Olá, sou espanhol. Estou condenado por tráfico a 5 anos e 5 meses na cadeia de Olhão. Apanharam-me há 17 meses. E pedi transferência para Espanha. Para o meu país. E aquilo de que temos mais saudades aqui é da família. Agora, damos mais valor à liberdade. Mais do que antes. Muito mais… É uma experiência nova que tento esquecer. Mais adiante tentarei olvidar, tanto quanto puder. É verdade…
É verdade. Tão verdade quanto a liberdade só existir para quem luta.
(Foto: Captura a partir de imagem de Romeu Carvalho/TVI) 19:00
Hora do encerramento e do ‘conto’. E princípio de mais uma noite de prisão.
É o momento de esquecer a desilusão ou a falência do passado, a amargura do presente e de começar a sonhar com outro destino para um dia mais tarde o cumprirem. Talvez. Levarem a cruz ao calvário sem fatalismos e sem desculpas.
22:00
Hora do Silêncio ou nem por isso. É tempo de partirmos. Eles ficam com a noite que não pertence a ninguém, graças a Deus.
Uma noite destas. A nossa história acaba aqui.
Reportagem originalmente emitida na TVI em 23 de Junho de 2017. Texto de Rui Araújo, imagem de Romeu Carvalho edição de imagem de Miguel Freitas.
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Limpezas na Marinha: este ano, Gouveia e Melo já soma ajustes directos de quase quatro milhões
Embora o actual Chefe do Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, tenha usado o camuflado como ‘imagem de marca’ durante a pandemia, é o branco, a cor da limpeza, que mais se associa à Marinha. Mas este ano, o ramo das Forças Armadas liderado pelo homem que se tornou ‘herói da logística’, apenas consegue manter as suas instalações limpas recorrendo a sucessivos ajustes directos, porque um concurso público agregado aberto no início de 2022 ‘naufragou’, e no ano passado um novo concurso público só previu a limpeza durante três meses. Por via de contratos de ‘mão beijada’, que beneficiaram sobretudo duas empresas, este ano já foram ‘limpos’ quase quatro milhões de euros por esta via, três vezes mais do que em 2022 e 2023. Além disso, a Marinha usou um expediente que levanta muitas dúvidas legais: admitiu ao PÁGINA UM que ‘ofereceu’ os contratos às empresas a quem fez uma consulta preliminar ao mercado, algo que viola os princípios da não discriminação e da transparência.
Um concurso público da Marinha aberto em Novembro do ano passado para, entre outros lotes, comprar esfregonas, vassouras, esponjas em nylon, trapos, pás de plástico, panos de flanela para o pó e sacos de lixos foi concluído com sucesso no ‘tempo de um ai’. No início de Fevereiro deste ano, já estavam a ser celebrados contratos com diversas empresas concorrentes, para cumprir o plano de compras de 2024, com montantes que iam de 20,40 euros até pouco mais de 17 mil euros.
Porém, no ramo das Forças Armadas que tem hoje a liderar o homem que se destacou nas operações de logística da vacinação contra a covid-19, o almirante Gouveia e Melo, foi um autêntico ‘cabo das tormentas’ despachar um concurso público para a limpeza de diversas instalações militares aberto em Fevereiro de 2022. Em abono da verdade, o concurso público ‘naufragou’. Resultado prático: este ano têm-se somado sucessivos ajustes directos sem se conhecerem os verdadeiros motivos do imbróglio de um procedimento concursal iniciado há 30 meses nem os motivos para a preferência agora concedida sobretudo a duas empresas de limpeza, a Intelimpe e a Lucena & Lucena.
O mais recente ajuste directo desta natureza beneficiou a empresa Fine Facility Services, contratada até ao final de Dezembro por serviços de limpeza da Base Naval de Lisboa, do Comando do Corpo de Fuzileiros e do Depósito de Munições, entre outros departamentos da Marinha. Vai receber, de ‘mão beijada’, um total de 584 mil euros, que se ‘transformam’ em 718 mil euros com IVA. Mas mais ‘sorte’ teve a sua concorrente Interlimpe, que conseguiu arrecadar, apenas desde Fevereiro de 2024, seis ajustes directos que já totalizam mais de 1,47 milhões de euros, que aumentam para mais de 1,8 milhões de euros com IVA.
Também afortunada aparenta ser a Lucena & Lucena – uma empresa de Matosinhos com apenas três anos e um capital social de apenas 5.000 euros, que pertence a um casal que viverá no Brasil –, que celebrou, entre Fevereiro e Julho deste ano, quatro ajustes directos para limpeza de instalações da Armada. O valor potencial destes contratos sem concorrência aproxima-se dos 990 mil euros, que aumentam para mais de 1,2 milhões de euros com IVA.
De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, incluindo um contrato de compra de papel higiénico com folha dupla de 12.450 euros – que deverá dar para 50 mil rolos, embora o caderno de encargos nem sequer indique a quantidade a entregar –, a Marinha já contabiliza, para serviços e produtos de limpeza, 16 ajustes directos nos primeiros oito meses do presente ano. No total, a factura já ultrapassa os 3,1 milhões de euros, ou seja, 3,85 milhões de euros contando com o IVA.
Confrontando os valores registados este ano para serviços de limpeza, mostra-se evidente um aumento substancial dos ajustes directos, não tanto em número mas sobretudo em montantes. Por exemplo, em todo o ano passado, a estrutura militar liderada por Gouveia e Melo celebrou 16 ajustes directos, embora totalizando 974 mil euros (sem IVA), ou seja, apenas um terço daquilo que registou em apenas oito meses de 2024. Em 2022, o primeiro ano com Gouveia e Melo em funções de topo, a Marinha tinha celebrado 35 ajustes directos, mas sem chegar à fasquia de um milhão de euros (995 mil, sem IVA). Em contraste, os serviços de limpeza e de aquisição de produtos de limpeza contratados por concurso público atingiram 2,01 e 1,21 milhões de euros, respectivamente em 2022 e 2023. Este ano, em oito meses, por concurso público apenas se celebraram contratos no valor de 131 mil euros, todos de pequeno valor.
Almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada. Foto: DR Um conjunto de seis questões foram enviadas pelo PÁGINA UM ao Chefe do Estado-Maior da Armada, pedindo esclarecimentos, entre outros aspectos, sobre a sistemática opção pelos ajustes directos em serviços de necessidade contínua e programável, uma porta-voz da Marinha diz terem sido “motivos extraordinários e num âmbito muito restrito” que levaram à decisão dos ajustes directos, após o concurso público de 2022 – que agregava 22 lotes de diversos ramos das Forças Armadas – ter sofrido “diversas vicissitudes procedimentais, normais em procedimentos contratuais”, tendo estes sido concluídos apenas “no final de Maio”.
Acrescente-se, contudo, que, além de a Marinha não ter explicitado, apesar de pedido reiterado, quais as vicissitudes procedimentais que alegadamente existiram, não é (ou não deveria ser) uma situação normal a não conclusão de um concurso público ao fim de 30 meses. Aliás, aparentemente, o Estado-Maior da Armada não terá contado toda a ‘história verdadeira’ ao PÁGINA UM, porque o concurso aberto em Fevereiro de 2022 já nem sequer será aproveitável. Tanto assim que em Julho do ano passado foi aberto pela Marinha um novo concurso público para serviços de limpeza, mas para apenas os três últimos meses de 2023, provavelmente por razões orçamentais.
Apesar de o Estado-Maior da Armada ter colocado a informação errada no Portal Base sobre este concurso público, repartido em 20 lotes, referindo que foi ganho apenas pela Interlimpe, contra cinco concorrentes, na verdade esta empresa arrecadou 11 lotes e a Lucena & Lucena um total de nove, com um custo global de 733 mil euros. Certo é que, neste caso, este concurso público ficou decidido em menos de quatro meses, uma vez que os contratos para os 20 lotes foram assinados em Outubro do ano passado.
Porém, terminada a vigência de apenas três meses destes contratos dos 20 lotes, e sem haver novo concurso público concluído para garantir serviços de limpeza ao longo de 2024, a Marinha decidiu então lançar mão de sucessivos ajustes directos. E esta é a principal razão para já se atingirem quase quatro milhões de euros em serviços e produtos de limpeza. E é para tentar justificar a falta de planeamento que a Marinha tenta usar a estratégia da tergiversação.
Base Naval de Lisboa, no Alfeite. Foto: DR Com efeito, perguntado como são feitas as escolhas específicas das empresas que, por ausência de concorrência, beneficiam dos ajustes directos, e se existe uma justificação por escrito (para ser enviada), a porta-voz de Gouveia e Melo diz ter-se optado “por efectuar consultas preliminares ao mercado nos termos do artigo 35º-A do CCP [Código dos Contratos Públicos], tendo como racional na escolha dos operadores económicos a consultar as empresas que já se encontravam a prestar os serviços de limpeza e as empresas a quem, no âmbito do procedimento agregado do MDN [Ministério da Defesa Nacional], foram adjudicados os serviços, ou seja, aquelas que dispunham de capacidade de resposta imediata por conhecer os serviços e as infraestruturas a limpar”.
Em termos práticos, apesar de não explicado, o Estado-Maior da Armada estabeleceu ajustes directos, pelo que se apura, apenas com as duas empresas – Intelimpe e Lucena & Lucena – que tinham vencido os concursos públicos do último trimestre de 2023, em detrimento da concorrência. E alega urgência imperiosa que, na verdade, se deverá prolongar, na generalidade dos casos, até ao final do presente ano. Acrescente-se também que o alegado uso pela Marinha de uma consulta ao mercado para decidir pela escolha das empresas beneficiadas com ajustes directos mostra-se opção polémica e eventualmente ilegal. Com efeito, a consulta ao mercado constitui somente uma fase de preparação do procedimento para a formação de contratos e requer, por isso, especiais cuidados, devendo cingir-se a consultas informais de mercado, através da “solicitação de informações ou pareceres de peritos, autoridades independentes ou agentes económicos, que possam ser utilizados no planeamento da contratação”.
Nessa linha, a consulta preliminar às “empresas que já se encontravam a prestar os serviços de limpeza e as empresas a quem, no âmbito do procedimento agregado do MDN [Ministério da Defesa Nacional], foram adjudicados os serviços”, como refere a Marinha na resposta ao PÁGINA UM, aparenta configurar uma violação ao CCP. E isto porque a lei destaca que a consulta preliminar “não pode ter por efeito distorcer a concorrência, nem resultar em qualquer violação dos princípios da não discriminação e da transparência”, o que sucederá se, posteriormente à consulta a uma empresa, a entidade pública adjudicante lhe oferece de ‘mão beijada’ um ajuste directo.
Aliás, a norma do CCP sobre a consulta preliminar ao mercado explicita, por esse motivo, que ”quando um candidato ou concorrente, ou uma empresa associada a um candidato ou concorrente, tiver apresentado informação ou parecer à entidade adjudicante ou tiver sido consultada […] ou tiver participado de qualquer outra forma na preparação do procedimento de formação do contrato, a entidade adjudicante [neste caso, a Marinha] deve tomar as medidas adequadas para evitar qualquer distorção da concorrência em virtude dessa participação”.
Fuzileiros em acção. Foto: DR. E acrescenta essa norma que “são consideradas medidas adequadas, entre outras, a comunicação aos restantes candidatos ou concorrentes de todas as informações pertinentes trocadas no âmbito da participação do candidato ou concorrente na preparação do procedimento de formação do contrato, com inclusão dessas informações nas peças do procedimento”. Ora, como a Marinha fez ajustes directos com as empresas que consultou, sem ponderar sequer outros procedimentos, esta norma do CCPJ terá sido assim violada.
Saliente-se que o PÁGINA UM solicitou a Gouveia e Melo que fossem enviadas as justificações escritas para a escolha por ajuste directo das empresas, mas sem sucesso. Também não foi respondida a questão sobre as regras existentes no Estado-Maior da Armada com vista à redução dos contratos de ‘mão beijada’, sobretudo para a aquisição de bens e serviços onde exista concorrência conhecida, como é o caso evidente dos serviços de limpeza.
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Dona do Diário de Notícias está em falência técnica e mentiu ao regulador
Ao regulador, e publicamente, a Global Media diz ter ainda capitais próprios positivos, acima de sete milhões de euros, mas nas suas contas consolidadas mostra afinal uma situação de falência técnica, depois de prejuízos no ano passado de mais de sete milhões de euros. Acrescem ainda dívidas ao Estado de nove milhões de euros, que foram ‘ignoradas’ quando o Governo Montenegro decidiu comprar as participações na Lusa detidas por este grupo de media, novamente dominado por Marco Galinha. Com a transmissão recente da exploração de diversos títulos e a venda da TSF a um grupo de empresários liderado por Domingos de Andrade, o cenário da Global Media, que ficou apenas integralmente com o Diário de Notícias, é mais do que sombrio. E o Estado está assim prestes a assumir outro ‘calote’, adicionado ao da Trust in News, o grupo liderado por Luís Delgado, que tem uma dívida fiscal e à Segurança Social de 15 milhões de euros.
A Global Media – o grupo de media proprietário do Diário de Notícias – está em falência técnica, apesar de ter revelado no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma situação financeira bastante diferente.
Dominado de novo pelo empresário Marco Galinha, após um conturbado período em que foi dominado por um fundo das Bahamas – que viria a culminar em ameaças de despedimento colectivo e em salários em atraso –, este grupo de media e o seu sócio maioritário, a Páginas Civilizadas, venderam recentemente a sua participação na Agência Lusa ao Estado, bem como diversos títulos, com Jornal de Notícias à cabeça, e a empresa proprietária da TSF a um grupo de investidores. Neste último caso, os montantes envolvidos são desconhecidos, ignorando-se também se os compradores assumiram as dívidas passadas.
Certo é que, no âmbito da obrigatoriedade de transmissão de indicadores financeiros ao regulador dos media, a Global Media referiu que detinha ainda capitais próprios positivos da ordem dos 7,1 milhões de euros, apesar de um passivo de 46,5 milhões de euros. Eram valores pouco famosos – indiciando que em seis anos perdera mais de 24 milhões de euros de capital –, mas a serem verdadeiros sempre colocava o grupo de media acima da ‘linha de água’. Mas não são. Na verdade, de acordo com o balanço entregue neste mês pela própria Global Media na base de dados das contas anuais, a empresa está em falência técnica, de acordo com as contas consolidadas de 2023, isto é, apresenta um capital próprio negativo. E bem negativo: – 2.022.714 euros.
Significa assim que desde que Marco Galinha se tornou um accionista relevante no início de 2020 – em que terá adquirido o controlo da Global Media, através da Páginas Civilizadas, que então criou –, este grupo de media acumulou prejuízos de 28,3 milhões de euros. E com os valores negativos do capital próprio no final de 2023, agora revelados pelo PÁGINA UM, os accionistas terão perdido quase 18 milhões de euros face aos valores de 2019. Em simultâneo, os activos definharam: a Global Notícias tinha em 2018 activos no valor de 76,7 milhões de euros; no final do ano passado cifravam-se apenas em 41,4 milhões. Ou seja, sumiram-se mais de 35 milhões de euros em sete anos.
Os principais indicadores financeiros da Global Media no final do ano passado – portanto, ainda antes das alienações das participações na Lusa e da venda, em contornos desconhecidos, do Jornal de Notícias e da TSF – mostram já uma situação deplorável, mantendo-se, além do mais, uma elevadíssima dívida ao Estado: 8.978.101 euros. Este montante é cerca de 1,1 milhões de euros mais baixo do que em 2022, mas estranhamente, tal como sucede com a Trust in News, a Global Media nunca teve de sofrer o opróbrio de ver o seu nome na lista dos devedores ao Fisco ou à Segurança Social.
Desde que Marco Galinha assumiu um papel preponderante, a partir de 2020, quase 18 milhões de euros ‘sumiram’ dos capitais próprios da Global Media. Apesar desta enorme dívida ao Estado, o Governo de Montenegro terá aceitado entregar grande parte do dinheiro da alienação das participações da Global Media e da Páginas Civilizadas na Agência, que valeriam cerca de 2,5 milhões de euros. Segundo as notícias então veiculadas, apenas uma dívida de cerca de um milhão de euros da Páginas Civilizadas ao Estado foi deduzida, pelo que o valor líquido da operação terá sido de 1.489.933,65 euros. Ou seja, o Governo Montenegro ignorou a dívida da Global Media ao Estado, de quase 9 milhões de euros, e passou-lhe o cheque.
Além das dívidas ao Estado, a dimensão e tipologia do endividamento da Global Media no final do ano passado são, aliás, aterradoras. Além de empréstimos bancários da ordem dos 6,4 milhões de euros, o grupo de media devia ainda, no final de 2023, quase 9,2 milhões de euros a fornecedores, havendo ainda 9,3 milhões de euros a credores não identificados. Além de provisões e responsabilidade de pagamento de rescisões, que totalizam quase 2,9 milhões de euros, o grupo deve 11,6 milhões de euros aos seus próprios accionistas. O PÁGINA UM sabe que, fora do perímetro de consolidação, a Global Media tem ainda um empréstimo feito pela sua subsidiária de 6,7 milhões de euros, um crédito que, a não ser pago, colocará a empresa de impressão de jornais em maus lençóis.
O envio de informação falsa ou com lacunas por parte de grupos de media para o Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC, não é novidade, e tem sido reiteradamente detectado pelo PÁGINA UM. Porém, essa é questão que, na aparência, e apesar de revelar um desrespeito pela transparência num sector sensível, não incomoda absolutamente nada o regulador dos media. Instada a informar se já tinha conferido este ano a veracidade da informação financeira transmitida pelos grupos de media de maior dimensão (com uma facturação de, pelo menos, 10 milhões de euros), fonte do regulador presidido por Helena Sousa diz ser “da responsabilidade das entidades que prosseguem atividades de comunicação social o reporte completo e correcto da informação”, indicando que somente faz fiscalização numa “base de amostragem” ou intervém após uma denúncia ou exposição. E relembra ainda “a falta de comunicação ou a comunicação defeituosa dos elementos a reportar à luz deste enquadramento normativo poderão constituir contraordenação grave ou muito grave”.
Sede da ERC: regulador mostra confrangedora passividade, fiscalizando por amostra e intervindo apenas após denúnicas. São, contudo, palavras que não encontram respaldo na realidade. A ERC não emitiu ainda qualquer deliberação com vista à abertura de processos de contra-ordenação por omissão ou falsas declarações ou ocultação de credores e clientes. Há mesmo empresas de media que nunca sequer apresentaram contas no Portal da Transparência e que nunca foram incomodadas pelo regulador.
O PÁGINA UM colocou questões sobre estas matérias a Marco Galinha, mas não obteve ainda qualquer resposta.
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Câmara da Covilhã é uma ‘casa santa’ para o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão
“Amigos, amigos, negócios à parte” – assim reza o adágio. Mas há uma excepção, pelo menos na Covilhã: se quem pagar a conta for o Erário Público, então pode ser ‘amigos, amigos, negócios incluídos’, porque não será de estranhar que um presidente da autarquia contrate sucessivamente por ajuste directo um seu correligionário de longa data, por sinal provedor da Santa Casa da Misericórdia do vizinho Fundão, para serviços jurídicos. E se for necessário ‘inventar’ que não há, entre os 40.065 advogados existentes em Portugal, outro igual ao amigo, alegue-se então ser ele um ‘primus inter pares’, para se prescindir de concurso público aberto e transparente. Numa investigação do PÁGINA UM, conheça a fantástica relação comercial entre o edil Vítor Pereira, que também acumula a liderança da Federação Distrital de Castelo Branco do Partido Socialista, e o advogado Jorge Gaspar, que tem sido frutuosa para o segundo: 432 mil euros sem ‘espinhas’. O mais recente contrato de ‘mão beijada’ ocorreu há cerca de três semanas e ‘pinga’ até meio de 2027.
No final do ano passado, estavam registados 40.065 advogados em Portugal, segundo a Ordem dos Advogados, mas o advogado e presidente da autarquia da Covilhã, o socialista Vítor Pereira, não teve dúvidas em contratar com dinheiros públicos, no início deste mês, o seu antigo colega de escritório, Jorge Gaspar, entregando-lhe uma nova avença mensal de 4.000 euros para os próximos três anos, por alegadamente não existir “concorrência por motivos técnicos”. Em todo o país, presume-se; daí não se ter a autarquia do distrito de Castelo Branco aberto um concurso público para prestar serviços jurídicos, pois seria uma inutilidade, porquanto, a atender às razões invocadas (ausência de concorrência), Jorge Gaspar nunca teria quem o igualasse, quanto mais o superasse.
E quem é Jorge Gaspar? Considerando a existência de 40.065 advogados, será então um ‘primus inter pares’, uma ‘pérola’ mesmo se sedeado num pequeno escritório de advocacia na Covilhã, sem parceiros, mas com estatuto social suficiente para liderar também a Santa Casa da Misericórdia do Fundão, uma instituição de solidariedade social fortemente financiada pela Estado, embora com um passivo que subiu dos 6,1 milhões de euros em 2018 para 10,3 milhões no ano passado.
Covilhã: amigos, amigos; negócios incluídos. Foto: D.R. A inusitada contratação do advogado Jorge Gaspar – através de uma justificação perfeitamente ridícula e falaciosa, apenas com o objectivo de contornar as limitações legais aos ajustes directos – foi concretizada no passado dia 30 de Julho, tendo sido disponibilizada três dias depois no Portal Base. Este contrato, que tem Vítor Pereira e Jorge Gaspar como signatários, não é acompanhado na plataforma da contratação pública pelo caderno de encargos, não estipula em concreto as tarefas específicas a executar, que poderiam fazer alguma luz para o facto de este causídico ser considerado único, ou seja, sem concorrência possível de se encontrar. O presidente da Câmara da Covilhã, que também é líder da Federação Distrital de Castelo Branco do Partido Socialista, não respondeu às perguntas do PÁGINA UM.
Certo é que este é um contrato entre dois amigos de longa data da cidade da Covilhã, algo que pode ser visto como um hino à fraternidade, mas com o senão de envolver dinheiros públicos. E não é amizade recente: já ultrapassou três décadas e meia. Não tão longa é a relação de negócios entre o edil Vítor Pinheiro e o causídico Jorge Gaspar. Começou em 2014, um ano depois do ex-deputado socialista ter vencido as suas primeiras eleições autárquicas. Nesse ano, o presidente da autarquia da Covilhã mostrou-se grato ao seu antigo patrono, Antunes Ferreira, e entregou um ajuste directo de 48 mil euros à sociedade de advogados Antunes Ferreira, Jorge Gaspar & Associados, ou seja, começou a relação comercial. A norma para o ajuste directo tinha, neste caso, uma base legal, porque era então possível este procedimento para montantes inferiores a 75 mil euros.
Este contrato terminaria em meados de 2015, mas só em 2016, mais precisamente em Julho, Vítor Pereira achou que, apesar da existência do habitual departamento jurídico camarário, precisava novamente do seu amigo Jorge Gaspar, e assim o contratou, dessa vez apenas a ele. Por um ano, em ajuste directo se ‘ajustou’ o pagamento de 48 mil euros por 365 dias de trabalho, ou seja, 4.000 euros por mês. Como o preço era inferior a 75 mil euros, o contrato mostrava-se legal por esta via.
Vítor Pereira, advogado e presidente da autarquia socialista da Covilhã desde 2013, considera o seu amigo Jorge Gaspar como o único capaz de executar tarefas que já custaram mais de 420 mil euros ao município. Foto: CMC No ano seguinte, em Julho de 2017, foi repetida a ‘dose’: mais 12 meses com a avença de 4.000 euros, num total de 48 mil euros no ano. O limite legal para o ajuste directo era então de 50 mil euros, e o contrato entre os dois amigos foi concretizado pouco mais de um mês antes de uma alteração legislativa que procurava impedir a sucessão de ajustes directos por valores ‘cirurgicamente’ abaixo do limite. Ou seja, a partir desse momento, em teoria deixavam de ser possíveis ajustes directos (ou adjudicações após consulta prévia) a entidades ou pessoas que no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores tivessem sido contratados por essa via, e se fossem ultrapassados limites relativamente baixos.
Mas onde o Código dos Contratos Públicos fecha uma porta aos abusos, a imaginação e os expedientes encontram sempre uma brecha, ou rasgam uma janela. Por esse motivo, mudou a estratégia do presidente da Câmara da Covilhã para contratar o amigo Jorge Gaspar por ajuste directo, sem os incómodos da concorrência. Assim, apesar de ter sido divulgado apenas em Novembro de 2021, o ajuste directo celebrado em 20 de Julho de 2018, no habitual valor de 48 mil euros com a duração de um ano, apresentou já como justificação um critério material, ou seja, um expediente que permite qualquer valor desde que se possa encaixar numa das excepções do Código dos Contratos Públicos. E foi aqui que se começou a ‘inventar’ que Jorge Gaspar era um advogado tão especial que, enfim, a sua contratação por ajuste directo se mostrava inevitável por “não exist[ir] concorrência por motivos técnicos”.
O PÁGINA UM consultou diversos peritos que asseguraram que a amizade ou a confiança não podem ser invocadas como “motivo técnico” para uma contratação por ajuste directo (ou consulta prévia), ainda mais quando se está perante um mercado fortemente concorrencial como o da advocacia.
Depois deste ajuste directo de 2018, no Portal Base apenas surge um novo contrato entre a autarquia da Covilhã e Jorge Gaspar em Julho de 2021, voltando-se a alegar novamente o critério material de inexistência de concorrência. E desta vez, para não se estar a repetir a ‘cantiga’ dos outros anos, o presidente Vítor Pereira tratou de compor um contrato com a duração de três anos pelo valor global de 144 mil euros, dando assim os habituais 4.000 euros por mês. Nessa linha, o contrato do passado mês de Julho acaba assim por ser um déjà vu: até meados de 2027, ‘imune’ à inflação, serão 4.000 euros a pingar por mês. Em suma, descontando o primeiro contrato, ainda celebrado com a sociedade de advogados, Jorge Gaspar ‘sacou’ do seu amigo Vítor Pereira 432 mil euros em dinheiros públicos, sempre através de ajustes directos, e sempre sem os incómodos da concorrência, e sem sequer se saber os processos em que terá trabalhado.
Vítor Gaspar (ao centro), em Julho, durante uma visita de deputados do Grupo Parlamentar Socialista à Santa Casa da Misericórdia do Fundão, onde se destaca Alexandra Leitão e Ana Mendes Godinho, antiga ministra da Segurança Social. Foto: SCMF Apesar de a Câmara da Covilhã – a entidade pública que deve responder pela contratação – nada ter dito ao PÁGINA UM, o advogado Jorge Gaspar reagiu, questionando alegadas “encomendas” nesta investigação jornalística, que ‘nasceu’ de uma pesquisa no Portal Base. Mas o causídico covilhanense ‘sem igual’ diz presumir que na base desta investigação jornalística esteja “o mesmo covarde que, após a minha primeira contratação pelo Município da Covilhã, apresentou uma denúncia anónima na PJ [Polícia Judiciária]”, que assegura ter sido arquivada pelo Ministério Público.
Jorge Gaspar defende, aliás, a legalidade de todos os contratos, apesar das evidências, dizendo que “a relação entre advogado e cliente tem subjacente uma relação de confiança, pessoal e profissional, pelo que as pessoas singulares e os representantes das pessoas coletivas, particulares ou públicas, procuram para os patrocinar juridicamente os advogados e/ou jurisconsultos e quem confiam, quer pelas suas qualidades pessoais, quer pelas suas qualidades e competências profissionais”. E o advogado ‘puxa dos galões’ para demonstrar que, na sua perspectiva, não existem mesmo dúvidas quanto aos facto de ser um ‘primus inter pares’: “os quase 34 anos de advocacia, os milhares de clientes, pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou particular, que já patrocinei, bem como os colegas e magistrados com quem tenho trabalhado, falam por mim”, diz. O presidente da Câmara da Covilhã, que pelo facto de ter contratado, poderia (e deveria) falar, optou por não o fazer.
Jorge Gaspar acrescenta também, à laia de argumento de não ser o único a beneficiar de dinheiros públicos de ‘mão beijada’, achar “estranho que tendo o Município da Covilhã um outro advogado avençado, com uma avença de valor superior à que me é paga, cujo contrato existe há décadas, inicialmente com o pai, ilustre advogado, e actualmente e desde há mais de 20 anos, com o filho, igualmente ilustre advogado, só suscite estranheza e curiosidade a minha contratação, quando o meu prestígio e competência profissionais não são menores do que os daqueles ilustres profissionais”.
Saliente-se, contudo, que antes mesmo desta ‘sugestão’ de Jorge Gaspar, já o PÁGINA UM detectara a outra avença para serviços jurídicos, beneficiando por ajuste directo a sociedade Fontes Neves & Associados, fundada na Covilhã por um antigo delegado do Procurador da República, António Fontes Neves, e agora liderada pelo seu filho David. No entanto, de acordo com a consulta ao Portal Base, onde devem constar todos os contratos públicos desde 2009, as relações entre a autarquia liderada desde 2013 pelo socialista Vítor Pereira são, porém, mais pontuais com a Fontes Neves & Associados. Na verdade, sob a liderança do actual presidente da edilidade covilhanense, somente foi assinado um ajuste directo, em finais de Maio de 2022, com uma duração de três anos e um valor de 252 mil euros, ou seja, uma avença mensal de 7.000 euros.
Neste caso, porém, o argumento para a contratação não foi a ausência de concorrência, mas antes um outro ‘expediente’ cada vez mais comum para contornar o concurso público: a alegada dificuldade “na elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas”. Conhecer os motivos desta contratação também não foi possível, uma vez que também em relação a esta contratação o presidente da autarquia da Covilhã não deu resposta.
Para a autarquia da Covilhã, Jorge Gaspar não é um entre mais de 40 mil advogados portugueses: é o único advogado capaz de defender os interesses do município… Já Jorge Gaspar não esconde a longa relação que tem com o edil da Covilhã, mas considera não existirem motivos para colocar em causa a legitimidade ou a ética dos procedimentos contratuais. “Quanto ao meu relacionamento com o atual Presidente da Câmara, além de termos estagiado, em simultâneo, com o mesmo patrono [Antunes Ferreira] e de termos trabalhado durante algum tempo no escritório daquele (do qual o s[enho]r. Presidente saiu, há mais de 25 anos, para abrir escritório próprio e eu fiquei, acabando por constituir uma sociedade de advogados com o meu ex-patrono), nunca existiu qualquer outro relacionamento profissional ou negocial, seja de que natureza for”, assegura Jorge Gaspar.
E o advogado ‘sem concorrência’ não esconde que “sempre t[e]ve uma relação de amizade com o Dr. Vitor Pereira, mesmo após a sua saída do escritório, tal como mantenho com outros autarcas, empresários, colegas de profissão, etc.”, se bem que, acrescenta, teve mesmo assim “ ocasião de litigar em processos em que o Dr. Vítor Pereira, enquanto exerceu advocacia, patrocinava a parte contrária, defendendo cada um, o melhor possível, os interesses dos seus clientes”. E conclui: “o S[enho]r. Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, tal como os demais vereadores do executivo camarário, conhecem bem as minhas qualidades pessoais e profissionais, que me levaram a granjear o prestígio que me é reconhecido não só na cidade da Covilhã, mas em toda a Beira Interior, onde mais trabalho”.
Portanto, concluindo, para o advogado Jorge Gaspar, tudo normal nos sucessivos contratos por ajuste directo com a câmara municipal liderada pelo amigo de longa data Vítor Pereira, usando-se dinheiros públicos… e esta notícia nem sequer tem, nessa perspectiva, uma razão para existir.
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Península de Tróia: Acidentes rodoviários ‘aceleram’ com turismo de luxo
Disparou o número de acidentes rodoviários na estrada que liga a agora afamada povoação do Carvalhal à península de Tróia. O ano de 2023 foi responsável por um terço do total de número de sinistros registados na zona no último quinquénio. De 14 acidentes registados em 2022, o número saltou para 45 no ano passado. Mas esta tendência preocupante pode ser apenas o início de uma constante escalada de sinistros automóveis naquela via. Isto porque a Guarda Nacional Republicana observa também um maior número de infracções de trânsito na estrada na zona, nomeadamente o desrespeito pelos semáforos e também pelo traço contínuo. Recorde-se que um acidente recente na EN 261, junto a Comporta, vitimou mortalmente um jovem casal e deixou três feridos graves. O sinistro, em destaque nos media, marcou pela tragédia e deve servir de alerta. A GNR relaciona o maior número de desastres na zona com o aumento do tráfego devido “a deslocações por motivos profissionais bem como ao aumento da atividade turística naquela região” e apela à precaução dos condutores.
Mais empreendimentos, mais negócios e mais turistas têm levado mais carros para uma zona outrora pacata e que só “animava” em Agosto. A península de Tróia e toda a costa até Melides ganharam ainda mais fama entre os famosos e não só. Os ‘bólides’ chegam pela autoestrada e pelo ‘ferry’ que liga Tróia a Setúbal. O aumento do tráfego na zona está a dar dores de cabeça à Guarda Nacional Republicana (GNR), que registou, em 2023, mais do dobro dos acidentes rodoviários entre o Carvalhal e Tróia, uma via com cerca de 26 quilómetros, quase sempre de rectas. De 14 acidentes em 2022, no ano passado já entraram para as estatísticas 45 acidentes.
Em 2024, a tendência de aumento do número de sinistros rodoviários na zona mantém-se. Mas não são apenas os desastres na via que são um sinal de alerta para as autoridades. A GNR também observa um maior número de infracções por parte dos condutores.
“É uma pouca vergonha. Mesmo no centro do Carvalhal, passam constantemente na Avenida a acelerar. Este fim-de-semana recebi 30 ou 40 mensagens e tenho recebido muitas queixas. Mataram um cão de estimação e fugiram”. O relato é de Nuno Carvalho, presidente da Junta de Freguesia do Carvalhal. “A Comporta e o Carvalhal cresceram de uma maneira gigante. Não há sinalização, as autoridades não têm os meios necessários e há falta de civismo”, disse ao PÁGINA UM.
A praia da Comporta é uma das procuradas na zona. O aumento do turismo na zona entre Melides e Tróia tem gerado um acréscimo de tráfego automóvel e também do número de acidentes e das infracções. (Foto: D.R.) Nste mês de Agosto, um acidente na Estrada Nacional (EN) 261, junto a Comporta, vitimou um jovem casal e deixou ainda três feridos. Com a excepção deste trágico acidente, nos últimos cinco anos, os sinistros na região têm causado sobretudo feridos ligeiros. Mas o acidente fatal ocorrido neste mês é visto como um sinal de alerta numa região que se tornou na coqueluche do turismo de luxo a nível nacional.
Na realidade, do Carvalhal a Tróia, há duas vias distintas: a EN 261 entre o Carvalhal e a Comporta, com cerca de 10 quilómetros; e a EN 253-1 entre a Comporta e Tróia, com 16 quilómetros. Ambas as vias têm tido um aumento de procura por força da pressão turística e do crescente número de novas construções e obras de empreendimentos na região. O problema estende-se também à EN 253, entre Comporta e Alcácer do Sal, e também à EN 261, mais a sul.
À crescente pressão ambiental e urbanística, junta-se o maior tráfego rodoviário em estradas compostas sobretudo por rectas, mas com curvas sem visibilidade. Quem conduz na zona sabe que nem todos respeitam as velocidades máximas permitidas, nem os semáforos existentes junto a Comporta. As ultrapassagens velozes, com ‘bólides’ a passar à frente de várias viaturas de uma vez, são o ‘normal’.
Sinistros rodoviários na estrada que liga o Carvalhal a Tróia. (Fonte: GNR/ Comando Territorial de Setúbal. Dados: Em Unidades) Acresce que as vias têm vindo a ser alvo de melhoramentos, com antigos buracos e desníveis a serem substituídos por novo alcatrão, que deixa o convite a mais velocidade. Praticamente não há bermas, apenas areia para onde se têm desviado alguns condutores para evitar acidentes, normalmente a fugir de viaturas a fazer ultrapassagens perigosas.
A GNR, através do Comando Territorial de Setúbal, contabilizou, nos últimos cinco anos, um total de 144 acidentes entre o Carvalhal e Tróia. Um terço destes acidentes ocorreu em 2023, com a EN 261 a ser responsável por 86 sinistros e a EN 253-1 por 58. A preocupação das autoridades é justificada: de 14 acidentes em 2022, o número disparou para 45 no ano passado. Também nesse ano, a maior parte dos acidentes ocorreu na EN 261, que registou 33 desastres, face aos 17 observados na EN 253-1.
O número de feridos também aumentou. Nos últimos cinco anos, os acidentes na zona provocaram 45 feridos, dos quais 42 ligeiros e três graves. Dos quatro feridos registados em acidentes na zona em 2022, o número de vítimas saltou para 13 feridos em 2023. O último ano com um número de feridos similar foi o de 2020, mas nos restantes o número de vítimas de acidentes naquelas vias não passava da meia dúzia.
A EN 261, entre o Carvalhal e a Comporta, registou 33 acidentes rodoviários em 2023, contra oito em 2022. Na EN 253-1, que liga a Comporta a Tróia, o número de sinistros na via duplicou, passando de seis para 12. (Imagem: Mapa do Microsoft Bing) A GNR indicou ao PÁGINA UM que, “ao longo dos últimos anos, é possível verificar um aumento de tráfego nestas vias, estando estes factos diretamente associados a deslocações por motivos profissionais bem como ao aumento da atividade turística naquela região”.
Quanto ao número de infracções, também tem vindo a crescer. “No que diz respeito ao número de contraordenações registadas naqueles troços, comparando igual período de 2023 e 2024 (Janeiro a Julho), verifica-se um ligeiro aumento no registo de infrações relativas ao desrespeito da sinalização luminosa e à transposição de linha longitudinal contínua”, referiu a GNR em resposta a questões do PÁGINA UM.
A tendência em termos de aumento de sinistros parece manter-se em 2024. Nos primeiros sete meses deste ano, o número total de acidentes vai em 17, com quatro feridos ligeiros a registar, ultrapassando, assim, o número de sinistros registado em todo o ano de 2022. Mas ainda falta contabilizar o mês de Agosto, quando a zona recebe muitos turistas, e também o início do Outono e do Inverno, quando a chuva e o nevoeiro ‘traem’ alguns condutores.
O parque de estacionamento da praia da Comporta conta agora com uma maior zona alcatroada para receber viaturas ligeiras e autocarros. O cheiro a alcatrão é, de resto, o primeiro cartão de visita que recebem os turistas que se deslocam até esta praia que está rodeada de dunas, arrozais e habitats diversos que estão sob ameaça perante a crescente pressão imobiliária e turística de luxo.
(Foto: PÁGINA UM)No Carvalhal, a Junta de Freguesia conseguiu financiamento privado para instalar lombas e travar os ‘aceleras’, mas a Câmara Municipal de Grândola não autorizou a operação. “Os políticos são todos iguais, só muda a cor. Fica tudo para o último ano, o ano de eleições, para tirarem a fotografia”, lamentou Nuno Carvalhal. Adiantou que “a Câmara tem um plano para a mobilidade e segurança rodoviária”, que “vai arrancar em Outubro, a tempo das eleições”. Mas o presidente da Junta do Carvalhal teme que venha tarde para alguns condutores. “Vai aumentar [o número de acidentes] e a qualquer momento há o risco de haver uma tragédia dentro da aldeia”, referiu, apontando que actualmente, ao fim-de-semana, chegam ao Carvalhal entre 3000 e 4000 pessoas. “É muita gente, há muita juventude, muitas festas”.
A GNR, “através do Destacamento Territorial de Grândola, para além do patrulhamento existente, tem realizado várias ações de fiscalização de âmbito rodoviário nas principais vias à sua responsabilidade, sendo a segurança rodoviária e a redução do número de vítimas mortais na estrada, uma prioridade estratégica para a Guarda”. Mas, apesar da fiscalização, nem sempre é possível evitar a ocorrência de tragédias, como a que se deu este mês.
Por isso, e enquanto não chega o ano de eleições autárquicas, que traga sinalização nas estradas e outras medidas de reforço da segurança rodoviária na região, a GNR “apela a que sejam observados alguns conselhos de segurança, aquando do exercício da condução”, nomeadamente “adequar a velocidade às condições meteorológicas, às caraterísticas da via e ao volume de tráfego rodoviário”. Também recomenda aos condutores que evitem “realizar manobras perigosas que possam resultar em embaraço para o trânsito ou que, de alguma forma, possam originar acidentes”, além de que apela ao “cumprimento da sinalização rodoviária” e à adopção de “uma condução atenta, cautelosa e defensiva”.
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Nova SBE: Miguel Pinto Luz deixou fundação em condições de perder estatuto de utilidade pública
O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, presidiu a fundação que gere o campus da Nova SBE, em Carcavelos, e ‘esqueceu-se’ que, para manter o estatuto de utilidade pública concedido pelo Governo socialista em finais de 2020, teria de enviar os relatórios de contas e das actividades. Não o fez em 2023, em relação ao ano de 2022, e não deixou nada preparado para se enviarem a tempo os documentos respeitantes ao ano passado. Resultado: pela Lei-Quadro, a Fundação Alfredo de Sousa cometeu uma “violação reiterada” dos deveres susceptível de perder o estatuto de utilidade pública durante pelo menos cinco anos e a devolver os benefícios fiscais já obtidos. Mas para se aplicar a máxima ‘dura lex, sed lex’ será necessário que o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros se mexa. O PÁGINA UM fez a pergunta a Paulo Lopes Marcelo. Do outro lado, o silêncio num assunto sobre o qual o ministro Pinto Luz, o presidente da Nova SBE e o reitor da Universidade Nova de Lisboa também nada dizem. Talvez na esperança de saírem de um vergonhoso imbróglio sem ninguém os envergonhar. Ou responsabilizar.
A Fundação Alfredo de Sousa, a entidade gestora do Campus de Carcavelos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) está em risco de perder o estatuto de utilidade pública concedida em Outubro de 2020. Em causa está a violação considerada “reiterada” da respectiva Lei-Quadro por parte da instituição que até Março foi presidida por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas e Habitação. O actual governante, em representação da autarquia de Cascais, foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa desde 2017 e a liderou a partir de Abril de 2021, até ao convite de Luís Montenegro para integrar o seu Governo.
De acordo com a Lei-Quadro, para ser mantido o estatuto de utilidade pública – que, além de constituir um factor de marketing relevante, concede diversos benefícios fiscais e tarifários, bem como um regime especial ao abrigo do Código das Expropriações –, as entidades que o recebem têm de comunicar à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM) o relatório e contas anual e o relatório de actividades, bem como publicitar a lista dos titulares dos órgãos sociais em funções, com indicação do início e do termo dos respectivos mandatos. O prazo para comunicação obrigatória dos relatórios é de “seis meses a contar da data do encerramento desse exercício”, devendo estes também estar disponíveis ao público em geral.
Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021. Ora, conforme o PÁGINA UM revelou no passado dia 8, a Fundação Alfredo de Sousa não aprovou sequer ainda as contas de 2021 – que era da responsabilidade máxima da administração presidida Miguel Pinto Luz –, e passados quase oito meses de 2024 também não estão aprovadas as relativas ao exercício de 2023, o que constitui, de forma clara, motivo de revogação do estatuto de utilidade pública. Com efeito, de acordo com a Lei-Quadro, constitui fundamento susceptível de determinar a revogação “o incumprimento, em dois anos seguidos ou três interpolados, dentro do período total de validade do estatuto de utilidade pública” dos deveres, entre outros, da comunicação dos relatórios com as demonstrações financeiras e de actividades. Se tal suceder, prevê a legislação, a Fundação Alfredo de Sousa apenas poderá requerer novamente a atribuição do estatuto de utilidade pública “passados cinco anos da decisão de revogação”.
Porém, para que essa sanção seja aplicada – que pode também resultar até na restituição dos benefícios entretanto obtidos pela Fundação Alfredo de Sousa, até por estar em falta desde que obteve o estatuto em finais de 2020 –, será necessário que a SGPCM tome a iniciativa. Com efeito, na prática, cabe ao actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, determinar a realização de inquéritos, sindicâncias, inspeções e auditorias às entidades beneficiárias do estatuto de utilidade pública. E como são evidentes as violações – dois anos com atraso na apresentação obrigatória de relatórios –, a Lei-Quadro não deixa grande escapatória, a não ser política, à revogação do estatuto de utilidade pública do Fundação Alfredo de Sousa, com todas as consequências que daí advêm por estar associada a uma universidade pública e sobretudo por ter tido Miguel Pinto Luz a liderá-la durante dois anos.
Paulo Lopes Marcelo, actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: terá coragem de aplicar a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública contra uma fundação presidida até este ano pelo ministro das Infraestruturas? O PÁGINA UM colocou questões ao secretário de Estado Paulo Lopes Marcelo sobre esta matéria, mas não obteve resposta, somando-se assim aos comprometedores silêncios de todos responsáveis directa e indirectamente envolvidos na gestão da Fundação Alfredo de Sousa. Recorde-se que, para a edição anterior do PÁGINA UM, tinham sido pedidos esclarecimentos e informações a Miguel Pinto Luz, ao actual presidente da Nova SBE, Paulo Oliveira, e ao reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, que se demitiu no início deste ano da presidência do Conselho de Curadores da fundação, que necessita de dar um parecer para que as contas sejam depois aprovadas.
Aliás, na aparência, a Fundação Alfredo de Sousa, com apenas dois funcionários, está à deriva, porque Miguel Pinto Luz ainda nem sequer foi substituído e a sua renúncia nem sequer está formalmente registada, o que não surpreende porque a sua nomeação em Abril de 2021 somente surge registada em Março de 2024. Por outro lado, além da renúncia de João Sàágua ao Conselho de Curadores, o presidente da Nova SBE nunca se mostrou interessado em assumir um cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa, ao contrário do seu antecessor, Daniel Traça, um dos ‘pais’ do Campus de Carcavelos.
Mostra-se patente, aliás, que o modelo de gestão da Nova SBE, através de uma fundação – que, além da autarquia de Cascais e da Universidade Nova de Lisboa, conta com a participação do Banco Santander, da Jerónimo Martins e da Arica – está estruturalmente deficitário, o que não abona a favor de uma faculdade prestigiada internacionalmente na área da Economia e Finanças. Depois da inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, as receitas da Fundação Alfredo de Sousa, provenientes da renda e aluguer dos espaços que construiu, nunca foram suficientes, até porque era ‘obrigada’ a desviar parte dos donativos para a própria Nova SBE, o que também levanta dúvidas de legalidade.
Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República. O PÁGINA UM, conforme revelou na edição anterior, teve acesso às contas ainda não aprovadas de 2022 e 2023 da Fundação Alfredo de Sousa – apenas assinadas por cinco dos oito administradores, e ainda sem parecer do Conselho de Curadores –, que mostram prejuízos acumulados de quase 7,9 milhões de euros e um elevado endividamento, com o passivo total superior a 31 milhões de euros, dos quais mais de 13 milhões são empréstimos bancários ao Banco Europeu do Investimento e ao Banco Santander.
Mais preocupante ainda, por se tratar de uma fundação com um património sobretudo assente nos edifícios do Campus de Carcavelos, é a ‘pressão’ financeira causada pelas depreciações, que no ano passado atingiram os 2,8 milhões de euros, que se aproximam dos 3,3 milhões de euros de rendas e alugueres. Para agravar o cenário futuro, as expectativas em redor de donativos não são muito risonhas. Neste ano, os doadores ainda assumem entregas próxima de 3,2 milhões de euros, mas esse valor será de metade (1,6 milhões) em 2025. Para 2030, somente há garantia, por agora, de receber 150 mil euros.
N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.
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Regulador dos media dá ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos por causa de Marta Temido
Foi a 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, mas a entrevista na RTP conduzida por José Rodrigues dos Santos à cabeça-de lista do Partido Socialista, Marta Temido, na recente campanha para o Parlamento Europeu, aqueceu muito e o ambiente não ficou nada arejado. E não foi apenas nas redes sociais que se debateu o ‘confronto’: houve três queixas a acabar na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que achou bem criticar o estilo do jornalista da RTP na condução da entrevista. Uma ingerência “intolerável e fascistinha” do regulador, diz o especialista em media Eduardo Cintra Torres, perante a polémica deliberação que foi votada apenas por três dos cinco membros da ERC. A presidente do regulador, Helena Sousa, não participou na aprovação.
Foi o momento mais mediático da recente campanha eleitoral para o Parlamento Europeu: a entrevista do jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos à cabeça-de-lista do Partido Socialista, Marta Temido, na noite do dia 5 de Junho, acabou azeda, sobretudo pelo ‘confronto’ em redor da “subsidiodependência” de Portugal relativamente aos fundos europeus. No rescaldo, houve quem criticasse a postura do jornalista, outros o comportamento da ex-ministra da Saúde, agora eurodeputada, que se despediu com acrimónia, quando Rodrigues dos Santos agradeceu a sua presença.
Nos dias seguintes, tanto nas redes sociais como até no Polígrafo, discutiu-se e dissecou-se apaixonadamente este ‘confronto’, e houve três pessoas que se dispuseram a queixar-se à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), acusando José Rodrigues dos Santos de ter feito uma entrevista que era “uma vergonha para a TV pública”, com “perguntas capciosas, baseadas em informações falsas, tom violento, contestando todas as respostas”, agindo com “uma postura agressiva” que ultrapassara “em muito a razoabilidade da educação e boas maneiras”.
Marta Temido não apreciou entrevista e depediu-se com acrimónia. Apesar de não ser nada consensual que o regulador intervenha em matérias do foro editorial, e sobretudo de estilo, certo é que a ERC deu seguimento às queixas e acabou mesmo por aprovar uma deliberação que constitui um ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos. Com efeito, na deliberação aprovada no passado dia 7, mas somente hoje revelada, o Conselho Regulador – sem a presença da sua presidente, Helena Sousa – critica o conhecido pivot da RTP por se ter afastado “do registo de factualidade e das regras de condução da entrevista jornalística”, e que “não foi conferido espaço à entrevistada para expor os seus pontos de vista”. E conclui ainda que “a forma como decorreu a entrevista é susceptível de prejudicar o direito dos telespectadores de serem informados”, em violação do que garante a Constituição.
A polémica deliberação do regulador – que não detém atribuições para se imiscuir em estilos e abordagens, apesar de ser uma tentação à qual não resiste –, aprovada apenas por três dos cinco membros do Conselho Regulador, “revela uma atitude condenável de interferir na liberdade jornalística”, defende Eduardo Cintra Torres, professor universitário e especialista em media. Destacando que a deliberação não contraria sequer a argumentação defendida no processo por José Rodrigues dos Santos, Cintra Torres diz também que não é esclarecido “se as queixas contra a entrevista tiveram origem na candidatura eleitoral da entrevistada”.
Este aspecto não é, aliás, despiciendo, uma vez que as queixas sobre a cobertura mediática no decurso das campanhas por parte de representantes partidárias têm de seguir trâmites, passando primeiro pela Comissão Nacional de Eleições. Cintra Torres, que é também comentador no Correio da Manhã e na CMTV, lamenta ainda que “os membros da ERC que assinam a deliberação, sem experiência jornalística, tomem partido pela pessoa política entrevistada”, quando a função do entrevistador, como foi feito por José Rodrigues dos Santos, foi insistir quando Marta Temido quis fugir às perguntas. “É inacreditável que a ERC se intrometa no modo de realizar entrevistas, para mais falseando a realidade”, defende Cintra Torres, concluindo que este tipo de ingerência “é intolerável e é um toque ‘fascistinha’, contrariando até o caminho seguido, em geral, pelo anterior Conselho Regulador”, e ameaça ser “um regresso aos tempos negros da dupla socratinista Azeredo Lopes-Estrela Serrano”.
Entidade Reguladora para a Comunicação Social continua na sua senda de criticar mais do que defender jornalistas. Sem pretender abordar o caso em concreto, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz ser “incontestavelmente a favor da total liberdade de informação” e que, sem prejuizo de se apreciar ou não estilos, “não cabe ao regulador apreciar a condução de uma entrevista”.
O PÁGINA UM está a tentar, ainda sem sucesso, uma reacção de José Rodrigues dos Santos. Em todo o caso, no processo levantado pelo regulador dos media, o jornalista da RTP argumentou que “não houve nenhuma acção para impedir a entrevistada de prestar esclarecimentos quando ela estava a responder efetivamente às perguntas nem qualquer ‘tom violento’ e ‘agressão’, a não ser que se defina os repiques como agressões”.
Rodrigues dos Santos sublinhou ainda que os “repiques nestas entrevistas constituíram um esforço para impedir respostas evasivas a perguntas concretas, e também um esforço para obter respostas factualmente verdadeiras ou que não induzissem em erro”, sustentando ainda que “as entrevistas com políticos tendem a ter uma natureza confrontacional porque o entrevistador procura assumir-se como “advogado do diabo“.
Contudo, para a ERC, aparentemente, por esta deliberação, o jornalista deve pensar agora sempre duas vezes antes de perguntar ou escrever algo que possa resultar numa queixa, que em seguida culmina num ‘puxão de orelhas’ do (atento) regulador.
N.D. Acrescentado, às 21h00 de 22/08/2024, o comentário de Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas.
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Pedidos de asilo de menores não acompanhados quase duplicaram no primeiro semestre
Segundo o Conselho Português para os Refugiados (CPR), Portugal registou um aumento de 82% no número de pedidos de protecção internacional por parte de menores não acompanhados, no primeiro semestre deste ano. Os dados mostram que, no total, houve 111 pedidos de asilo feitos pela primeira vez por parte de menores não acompanhados. Estes dados superam os pedidos registados em todo o ano de 2023. Dado o elevado número de requerentes, o CPR não conseguiu acolher todas as crianças e jovens, sendo que alguns foram acolhidos por outras organizações por indicação do Instituto da Segurança Social.
Disparou o número pedidos de protecção internacional por parte de crianças e jovens não acompanhados, no primeiro semestre deste ano, em Portugal. No total, foram registados pedidos de asilo pela primeira vez por 111 menores não acompanhados, o que representa um aumento de 82% face ao número de pedidos registados na primeira metade de 2023, segundo o Conselho Português para os Refugiados (CPR). O número de pedidos observado na primeira metade deste ano ultrapassa os 108 que foram observados em todo o ano de 2023.
O pedido de protecção internacional inclui todos os que fogem de países onde existem conflitos ou onde podem ser perseguidos.
“Tendo em conta o elevado número de pedidos de proteção internacional apresentados por menores não acompanhados, o CPR não consegue acolher todos os MENA [menores não acompanhados], sendo que são acolhidos por outras organizações por indicação do Instituto da Segurança Social”, indicou Tito Campos e Matos, vice-presidente do CPR, ao PÁGINA UM. O CPR acolheu 27 menores.
(Foto: D.R./CPR) Mas também se observou uma subida no número global de pedidos de protecção internacional, embora não tão expressivo quanto o observado nas crianças e jovens não acompanhados. “De acordo com os nossos registos e com os pedidos de proteção internacional que nos foram comunicados pelas autoridades, verificou-se um aumento de 16% do número de pedidos de proteção internacional no primeiro semestre de 2024 por comparação ao primeiro semestre de 2023”, informa o CPR. O número de pedidos passou de 1.075 na primeira metade de 2023 para 1.246 no mesmo período deste ano.
“Quanto ao número de pedidos de protecção internacional apresentados por menores não acompanhados, verificou-se um aumento mais significativo, na ordem dos 82% no primeiro semestre de 2024, por comparação com o primeiro semestre de 2023”, subindo de 61 pedidos para 111.
Nos termos da Lei do Asilo, do total de pedidos de asilo, “264 requerentes foram identificados como particularmente vulneráveis, incluindo 111 crianças não acompanhadas”, sendo que apenas “21% dos requerentes são mulheres”. Em termos de país de origem, os pedidos foram apresentados “por requerentes de 69 nacionalidades e apátridas, sendo Afeganistão, Colômbia, Gâmbia e Senegal os países de origem mais representativos”.
(Foto: D.R./CPR) O CPR é a única organização em Portugal que gere várias estruturas dedicadas ao acolhimento de requerentes de asilo pela primeira vez. Esta organização sem fins lucrativos gere três centros de acolhimento “para requerentes e beneficiários de proteção internacional dedicados a requerentes espontâneos, refugiados reinstalados, além de um centro especializado para crianças e jovens estrangeiros não acompanhados e uma creche/jardim-de infância”. Este ano, deu-se uma mudança na gestão de pedidos de asilo e acolhimento, com a entrada em funcionamento da Agência para a Integração Migrações e Asilo (AIMA). Outras organizações, para além do CPR, passaram a acolher requerentes de proteção internacional durante a fase de admissibilidade.
O CPR acolheu, no primeiro semestre deste ano, “915 requerentes espontâneos, incluindo 27 crianças não acompanhadas”. Também “acolheu, a partir de Junho, 120 requerentes espontâneos em fase de instrução no âmbito de Protocolo de Cooperação com o ISS [Instituto da Segurança Social]”.
No âmbito do Programa Nacional de Reinstalação, o CPR garantiu acolhimento a 54 refugiados reinstalados, nomeadamente nacionais do Irão, Iraque, Síria, Eritreia e Sudão, provenientes da Turquia, do Egipto e da Jordânia. Foram também acolhidos pelo CPR 34 Afegãos ao abrigo do programa de evacuação humanitária e 2 requerentes provenientes de resgates de barcos humanitários no Mediterrâneo. Além disso, o CPR acolheu ainda 10 cidadãos provenientes da Ucrânia.
Além de acolher os requerentes de asilo, o CPR contabilizou ainda, na primeira metade deste ano, 13.838 atendimentos jurídicos, sociais, de integração e psicológicos a requerentes e beneficiários de proteção internacional de 83 nacionalidades.
(Foto: D.R./ CPR) Na União Europeia, o número de pedidos de pedidos de protecção internacional, diminuiu 5% nos primeiros seis meses deste ano, comparando com o mesmo período de 2023, abrangendo 76.795 pedidos, segundo dados do Eurostat.
De resto, em termos anuais, Portugal tem registado um aumento dos pedidos, e 2023 não foi uma excepção. No ano passado, foram comunicados ao CPR, 2.565 pedidos de protecção internacional espontâneos, o que representa um aumento 20% face ao ano anterior. Destes, 482 requerentes foram identificados como particularmente vulneráveis, incluindo 108 crianças não acompanhadas. Quanto ao género, apenas 26% eram mulheres.
Relativamente a 2023, o CPR garantiu acolhimento a 1.937 requerentes espontâneos, o que corresponde a um aumento de 23% relativamente ao ano anterior. No caso dos menores não acompanhados, esta entidade concedeu guarida a 62 crianças em 2023.
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Fornecedores escolhidos a dedo: Parques de Sintra gasta quase meio milhão em ‘bibelots’ para turistas
A gestora dos parques e monumentos de Sintra ‘queimou’ 455 mil euros em 15 dias, em dois ajustes directos para rechear as suas lojas com ‘souvenirs’ para turistas. A despesa em ‘marketing cultural’ abrangeu a compra, sem concurso, de produtos como sabonetes, canecas e bases para tachos em cortiça com azulejo pintado. A Parques de Sintra – Monte da Lua alega existirem critérios materiais para contornar a necessidade de fazer concursos públicos. E garante que o merchandising é um negócio lucrativo, não se tratando de despesas, mas de investimento, já que obtém retorno para os seus cofres. Mas estas não foram as únicas compras feitas sem concurso pela Parques de Sintra – Monte da Lua, que em menos de dois meses ‘estoirou’ mais de um milhão de euros em contratos de valor avultado feitos com fornecedores escolhidos a dedo.
À grande e à francesa. Foi assim que, no espaço de duas semanas, a Parques de Sintra – Monte da Lua (PSML) fez ‘voar’ 455,1 mil euros de dinheiro dos contribuintes na compra de sabonetes e outros ‘recuerdos‘ para vender a turistas, através de duas compras a fornecedores escolhidos a dedo, sem concurso.
Só num dos contratos, firmado a 7 de Agosto, a gestora dos parques e monumentos de Sintra ‘largou’ 307,5 mil euros (com IVA incluído) para rechear as suas lojas com canecas, bases para tachos em cortiça com azulejo, cadernos, sacos e outros ‘bibelots‘ de ‘marketing cultural’. A ‘sorte grande’ saiu à empresa Liquid Brand Unipessoal, que ganhou o contrato para fornecer, durante três anos, “produtos de merchandising cultural com design de autor para revenda” sem ter de enfrentar concorrência.
(Foto: D.R.) A carta-convite enviada a esta empresa foi assinada pela presidente da PSML, Florinda Cruz. A Parques de Sintra justificou a opção pelo ajuste directo com o artigo 24º, número 1, alínea a), do Código dos Contratos Públicos (CCP), que prevê a excepção quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nenhum concorrente tenha apresentado proposta, todas as propostas tenham sido excluídas com fundamento na primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 70.º, nenhum candidato se haja apresentado, ou todas as candidaturas tenham sido excluídas com fundamento nas alíneas c), j) ou l) do n.º 2 do artigo 184.º” do CCP.
Contudo, consultado o Diário da República, não se encontra nenhum anúncio da PSML relativo a abertura de concurso para a compra de produtos de merchandising. Contactada, a PSML respondeu que houve um “lapso” e que, afinal, o ajuste directo foi feito ao abrigo do artigo 24º, número 1, alínea e), subalínea iii) do CCP, ou seja, por ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. E indicou que esta fundamentação está expressa nas peças de procedimento que acompanham o anúncio do ajuste directo.
Entretanto, a PSML corrigiu a fundamentação que constava no anúncio no Portal Base. Contudo, consultadas peças de procedimento que acompanham o anúncio do ajuste directo, apenas na carta-convite se encontra a fundamentação referida pela PSML, mas sem mencionar a alínea iii) do mesmo artigo do CCP, a qual justifica a ausência de concurso com a fundamentação de que é necessário proteger direitos, incluindo de propriedade intelectual. O que consta da carta-convite é a apenas a invocação do artº 24, número 1, alínea e), que justifica o ajuste directo quando “as prestações que constituem o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade por uma das seguintes razões”. Fica-se, assim, sem saber oficialmente, de forma documentada, o motivo para a ausência de concurso.
Segundo o CCP, o ajuste directo em caso de compra de bens ou serviços deve ser de montante inferior a 20 mil euros. Mas a Lei admite excepções em caso de haver ‘critérios materiais’ específicos. Consultando o Portal Base, verifica-se que a excepção passou a ser a norma e muitas entidades públicas passaram a entregar milhares ou mesmo milhões de euros a um só fornecedor, que é escolhido a dedo, sem que haja um procedimento concursal, alegando as mais diversas justificações, as quais não são aplicáveis em diversos casos.
O segundo fornecedor escolhido a dedo para fornecer bens para as lojas da PSML foi a conhecida fabricante de sabonetes nortenha Castelbel Artigos de Beleza, que facturou 147,6 euros (com IVA incluído) num contrato por ajuste directo firmado no dia 30 de Julho.
Alguns dos objectos adquiridos pela Parques de Sintra num ajuste directo em que não são revelados os preços por unidade. A empresa alegou que optou por um ajuste directo por não ter tido sucesso um concurso que lançou. Mas não se encontra no Diário da República o anúncio a tal concurso, no último ano. (Fotos: Imagens que constam no caderno de encargos do ajuste directo de ‘marketing cultural’) Neste caso, ao invés de lançar um concurso, dando a oportunidade a outros fornecedores para fornecerem as lojas da PSML, a empresa decidiu escolher sozinha a Castelbel para fornecer sabonetes, velas aromáticas, difusores de perfume e saquetas perfumadas. Para realizar este ajuste directo, a PSML alegou ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”.
Este é o segundo ajuste directo firmado com a Castelbel. Em 2018, a PSML firmou um contrato com a empresa nortenha invocando o artigo 24.º, n.º 1, alínea e), subalínea ii), do CCP, ou seja, alegando que não exista mais nenhuma empresa que pudesse fornecer os artigos pretendidos de perfumaria para revenda por motivos técnicos.
Mas a opção pelo ajuste directo para ‘rechear’ as lojas com artigos de revenda é recorrente. Em Novembro de 2023, a PSML publicou no Portal Base um contrato por ajuste directo no montante de 150 mil euros com a empresa Gatafunhos para a aquisição de artigos de merchandising, nomeadamente canecas, t-shirts e sweat-shirts. Em Setembro de 2022, já tinha sido celebrado um contrato similar no valor de 75 mil euros, sem que fosse divulgado o preço unitário de cada produto a comprar. Aliás, chegaram a ser vendidos, no âmbito deste contrato, produtos que não constavam do contrato celebrado com a Gatafunhos. Na altura, o director de comunicação da PSML, Rui Mateus, justificou ao PÁGINA UM que “inicialmente, o contratante pode estabelecer os produtos que previsivelmente pretende obter, mas podem ser criados, ao longo da execução do contrato, novos produtos ou produtos que sejam claramente mais vendáveis”, dependendo do ‘apetite’ dos consumidores e das tendências do mercado. Também garantiu que o negócio compensou, já que “uma despesa de 75 mil euros originou uma receita superior a 200 mil euros”.
Mas estes são apenas dois dos ajustes directos feitos pela PSML, mas a empresa, só nos últimos dois meses, gastou cerca de um milhão de euros dos contribuintes em 16 contratos por ajuste directo relativos à compra de bens e contratação de serviços diversos, desde a instalação de máquinas de venda automática de bebidas, a actividades equestres e compra de material de canalização, passando pela contratação de serviços de comunicações móveis à Meo. Tudo sem concurso ou por serem de valor abaixo dos 20 mil euros ou alegando-se critérios materiais específicos.
(Foto: D.R./Parques de Sintra) Dos ajustes directos contratados desde o início de Julho, cinco envolvem montantes globais acima dos 100 mil euros. É o caso dos dois contratos com a Castelbel e a Liquid Brand Unipessoal e mais três. Um deles, publicado no dia 14 de Agosto no Portal Base, diz respeito a “Aquisição de chocolate quente, derivados, chás, bebidas sem glúten e açucaradas para venda nos espaços de Cafetaria e Restauração sob a gestão da Parques de Sintra”. Neste caso, a PSML escolheu a empresa Natfood Portugal, Limitada, que factura 98.000 euros (sem IVA), para fazer o fornecimento daqueles produtos a quiosques e cafetarias da PSML durante dois anos.
Estranhamente, para justificar não ter feito concurso, a PSML invocou o artigo 20º, número 1, alínea d) do CCP que permite a opção pelo ajuste direto, “quando o valor do contrato for inferior a € 20 000”.
Um outro ajuste directo avultado foi feito no início de Julho com a Multimac Hito Innovation, no montante global de 239 mil euros referente a “serviço de suporte e manutenção do sistema de bilhética”. Também no início do mês passado, a PSML assinou um contrato por ajuste directo com a Revelamos Jornalismo e Fotografia no valor de 125 mil euros, a que acresce IVA, para a “aquisição de artigos com imagens de autor”.
A verdade é que a vida não corre mal à PSML, uma sociedade anónima de capitais públicos criada em 2000, e que tem como actuais acionistas a Direção-Geral do Tesouro e Finanças, com uma participação de 35%, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, também com uma participação de 35% e o Turismo de Portugal e a Câmara Municipal de Sintra, ambos com 15% do capital.
Pormenor do Palácio Nacional de Queluz. (Foto: D.R./PSML) Em 2023, as receitas da empresa pública subiram 25,3% face ao ano anterior, fixando-se em 34,7 milhões de euros, mas o valor ficou ligeiramente abaixo da facturação em 2019, antes da pandemia de covid-19 e das medidas radicais impostas pelo Governo, que arrasaram o sector do turismo e da restauração e atiraram a PSML para o registo de prejuízos em 2020 e 2021.
Segundo a empresa, a sua principal fonte de receitas continua a ser a venda de bilhetes (para se visitar o Palácio da Pena, por exemplo, o custo de um bilhete normal é de 20 euros), que representou 80% total em 2023. A restauração corresponde a 9% das receitas e as lojas 4%. A empresa teve um lucro de 7,132 milhões de euros em 2023, uma ligeira descida face aos 7,264 milhões de euros obtidos em 2022. Ainda assim, os valores estão aquém do lucro de 10,2 milhões de euros observados em 2019.
Mas, seja com lucro ou com prejuízo, a obrigação de observação de regras de transparência no uso de dinheiros públicos é a mesma e o que é certo é que em vários contratos celebrados pela PSML a justificação para a opção pelo ajuste directo deixa muito a desejar.
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