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  • Despesismo e opacidade na CCPJ são alvos de intimação no Tribunal Administrativo

    Despesismo e opacidade na CCPJ são alvos de intimação no Tribunal Administrativo

    Contra o obscurantismo, a Justiça. O PÁGINA UM apresentou uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), exigindo acesso a processos disciplinares arquivados por amnistia e às actas do Secretariado e do Plenário. Os documentos, cuja divulgação tem sido recusada pela presidente da CCPJ, Licínia Girão, incluem discussões sobre despesismo e irregularidades administrativas. Licínia Girão invoca o “direito ao esquecimento” e o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), argumentos que o PÁGINA UM contesta, uma vez que são contrários à jurisprudência e à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) vai ter de explicar ao Tribunal Administrativo de Lisboa as razões para manter secretos os processos disciplinares contra jornalistas arquivados no âmbito da amnistia papal, bem como as actas do Secretariado e do Plenário, onde se terá discutido questões relacionadas com o despesismo da sua presidente, Licínia Girão. Numa dessas actas terá havido pressões dos outros membros para que a Licínia Girão devolvesse seis mil euros que esta entidade pública terá suportado para pagar advogados que patrocinaram queixas contra o director do PÁGINA UM.

    A intimação do PÁGINA UM, apresentada na semana passada, visa exigir o acesso aqueles documentos administrativos, após recusas formais da CCPJ. No caso dos processos disciplinares arquivados, Licínia Girão insistir na recusa mesmo após a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) ter dado um parecer que concedia esse direito, embora com alguns expurgos.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ.

    Este novo conflito, justificado por mais um acto de falta de transparência da CCPJ, constituída por nove jornalistas, remonta a Setembro passado, quando o PÁGINA UM solicitou acesso a 15 processos disciplinares encerrados ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, que concedeu amnistia no âmbito da visita do Papa Francisco. A CCPJ alegou que esses documentos estão protegidos pelo “direito ao esquecimento”, impedindo a sua divulgação.

    Contudo, o PÁGINA UM sustenta que, uma vez arquivados, os processos passam a ter natureza administrativa, sendo de acesso público nos termos da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA). O parecer da CADA reforçou esta interpretação, ao considerar que o acesso poderia ser concedido com expurgo de dados pessoais sensíveis. No entanto, Licínia Girão recusou acatar a recomendação, argumentando que a divulgação causaria danos irreversíveis a interesses patrimoniais, sem especificar quais.

    Paralelamente, o PÁGINA UM requereu, em finais de Novembro, as actas de reuniões do Plenário e do Secretariado da CCPJ realizadas entre Junho de 2023 e Dezembro de 2024. A presidente da CCPJ admitiu, em resposta formal, no início deste mês, que o Secretariado, composto por três membros, nem sequer elabora atas, uma situação em flagrante violação do Código do Procedimento Administrativo (CPA). Com efeito, este diploma legal estipula que todas as reuniões de órgãos colegiais devem ser registadas, incluindo a ordem de trabalhos, as deliberações tomadas e os resultados das votações. A ausência de actas compromete a validade das decisões do Secretariado da CCPJ, tornando-as juridicamente nulas e expondo os responsáveis a potenciais responsabilidades financeiras, disciplinares e penais.

    Presidente da CCPJ assume com naturalidade que tem funcionado sem actas no funcionamento do Secretariado, um órgão colegial, em flagrante violação do Código do Procedimento Administrativo, pelo que as decisões são nulas e passíveis de responsabilidade financeira, disciplinar e penal.

    A actuação da CCPJ, e particularmente da sua presidente, tem sido alvo de críticas crescentes, especialmente depois da renúncia de três membros do Plenário, em Outubro passado. Miguel Alexandre Ganhão, Anabela Natário e Isabel Magalhães abandonaram os seus cargos, denunciando práticas de centralismo e despesismo por parte de Licínia Girão.

    Num episódio particularmente controverso, as ex-membros revelaram que a presidente apresentou, em nome pessoal, queixas contra o diretor do PÁGINA UM junto do Conselho Deontológico e do Ministério Público, sem consultar o Plenário. Apesar de ter retirado as queixas, as condições que tentou impor foram rejeitadas pelos colegas, mas terá deixado uma factura de seis mil euros para ser paga.

    Para além dos conflitos internos, a CCPJ tem vindo a aplicar de forma enviesada o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), utilizando-o como argumento para limitar o acesso de jornalistas a informações de interesse público. Esta posição contrasta com decisões judiciais anteriores, como um acórdão de 2021 do Tribunal Central Administrativo do Norte, que estabelece que dados pessoais só estão protegidos se envolverem informações sensíveis, como origem racial, saúde ou convicções religiosas. A jurisprudência confirma ainda que, no caso de pedidos feitos por jornalistas acreditados, a proteção de dados não pode prejudicar o direito à liberdade de expressão e de imprensa.

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    O PÁGINA UM, através da intimação apresentada ao Tribunal Administrativo, exige que a CCPJ disponibilize os documentos solicitados num prazo máximo de 10 dias, sob pena de sanção pecuniária diária de 82 euros em caso de incumprimento. O valor da causa foi fixado em 30.000 euros, refletindo a importância do caso para a transparência administrativa e o escrutínio público.

    Este caso representa mais um capítulo de um já longo historial de controvérsias envolvendo a CCPJ e a sua presidente, Licínia Girão, cuja actuação tem levantado dúvidas sobre a independência e integridade da entidade. A decisão do tribunal será crucial para definir os limites da transparência administrativa e o papel da CCPJ como garante da ética e da disciplina no jornalismo português. Se a intimação for bem-sucedida, poderá estabelecer um precedente importante para reforçar a liberdade de imprensa e o direito de acesso a documentos administrativos.

    Esta nova intimação do PÁGINA UM foi possível, tal como as outras duas dezenas que têm sido apresentadas desde 2022, com o apoio financeiro dos leitores, através do financiamento do FUNDO JURÍDICO.


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  • Concorrência: Tribunais ‘perdoaram’ 25 milhões de euros em multas aplicadas nos últimos dois anos

    Concorrência: Tribunais ‘perdoaram’ 25 milhões de euros em multas aplicadas nos últimos dois anos

    Nos últimos dois anos, quatro de seis grandes processos que foram parar aos tribunais para deliberar sobre condenações da Autoridade da Concorrência resultaram em ‘perdões’ parciais das coimas decididas pelo regulador. As reduções das coimas oscilaram entre os 16% e os 94% e beneficiaram empresas e indivíduos condenados pela Concorrência. Só nestes quatro processos, são 25 milhões de euros que já não têm de ser pagos. Mas, além destes ‘perdões’ aplicados a quem foi ‘apanhado’ a cometer infracções à lei, saltam à vista as muitas tentativas das entidades condenadas em arrastar os casos na Justiça, muitas vezes até à prescrição, como está a suceder com o ‘cartel’ da banca.


    No dia 6 de Setembro de 2022, a Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou uma coima de 2,5 milhões de euros à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) por esta ter realizado a compra da CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A sem ter pedido a devida não oposição do regulador, uma prática conhecida como ‘gun jumping‘. Na sua decisão, a AdC levou em conta o facto de a SCML ter demonstrado “uma colaboração adequada” durante “a fase de análise da operação de concentração notificada” e também “no decurso do processo contra-ordenacional”.

    Contudo, já em 2023, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), apesar de ter confirmado a infracção de ‘gun jumping‘, reduziu o montante da coima a pagar pela SCML para 160 mil euros. O Tribunal justificou a redução de 94% da coima por ” entre outras circunstâncias, ter afastado o dolo imputado pela AdC e concluído pela mera negligência da SCML, bem como por ter concluído que a atuação ilícita da SCML era reconduzível a uma única contra-ordenação”, segundo informação que consta no processo no site da AdC.

    Este é um dos casos recentes em que empresas condenadas pela AdC beneficiam de redução nas coimas graças a decisões na Justiça. No entanto, não é caso único. Outros processos mediáticos investigados pela AdC resultaram na aplicação de coimas aos infractores que, depois, viram os tribunais a reduzir o valor da sanção a pagar.

    Foto: D.R.

    No total, em quatro processos, a ‘poupança’ para as entidades condenadas chegou aos 24,9 milhões de euros, com a redução de coimas a oscilar entre os 16% do montante inicial aplicado pela AdC e os 93,4%.

    O maior ‘perdão’, no valor de 14 milhões de euros, beneficiou a MEO. A empresa de telecomunicações tinha sido condenada pela AdC ao pagamento de uma coima de 84 milhões de euros. Isto porque a empresa realizou e implementou um acordo com a NOWO, “visando a fixação de preços e a repartição do mercado, no mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada (‘standalone‘) no território 37 nacional e no mercado retalhista de serviços de comunicações oferecidos em pacotes convergentes (que incluem serviços de comunicações móveis e fixas) nas áreas geográficas em que a NOWO dispõe de uma rede de comunicações fixas (distritos de Aveiro, Castelo Branco, Évora, Leiria e Setúbal), com o objeto de restringir, de forma sensível”.

    O TCRS confirmou a condenação bem como a coima. Mas a MEO recorreu para o Tribunal da Relação, o qual, num acórdão em 2023, confirmou igualmente a infracção, mas reduziu a coima para 70 milhões de euros. Apesar desta redução, a AdC destacou, no seu relatório de Actividades de 2023, que ” tratou-se da coima mais elevada alguma vez fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de apreciação de decisões da AdC”.

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    Outro caso mediático foi o processo dos CMEC, no qual foi condenada a EDP – Gestão da Produção de Energia, S.A por sentença proferida em 10 de agosto de 2022. Nesse acórdão, o TCRS confirmou a decisão da AdC, de 17 de setembro de 2019, por prática de abuso de posição dominante. A infracção consistiu “na limitação das ofertas do serviço de sistema de regulação secundária pelas centrais CMEC, de modo a transferir atividade e receitas para as suas centrais de mercado e, assim, elevar artificialmente os preços deste serviço e a remuneração das centrais CMEC, entre janeiro de 2009 a dezembro de 2013”, segundo a AdC.

    A EDP foi ainda condenada na sanção acessória de publicação de extrato da presente sentença na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, no prazo de 20 dias úteis após trânsito em julgado. Contudo, a eléctrica recorreu da condenação. A 20 de fevereiro de 2023, o TRL confirmou a infracção mas reduziu a coima aplicada para 70 milhões de euros.

    Também num processo mediático que envolveu empresas do sector da ferrovia, a Justiça baixou o valor das coimas a pagar. As visadas neste caso são a Fergrupo e Somafel, acusadas de celebrar e executar dois acordos entre empresas, visando a fixação do nível dos preços e a repartição do mercado, no âmbito dos concursos lançados pela REFER/IP para a prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, para o período 2015-2017. O objectivo das empresas era “impedir, falsear ou restringir, de forma sensível, a concorrência, cometeram, cada uma, duas infrações”.

    Coimas pagas à Autoridade da Concorrência nos últimos cinco anos, em milhares de euros. Dados de 2024 até ao dia 1 de Dezembro)
    Fonte: AdC

    Neste caso, o TCRS baixou em cerca de 30% o montante das coimas aplicadas pela AdC às empresas visadas e em cerca de 40% às pessoas singulares. A Somafel, por exemplo, viu a sua coima descer de 925 mil euros para 640 mil euros enquanto a coima do Fergrupo baixou de 870 mil euros para 600 mil euros. O TRL manteve a decisão do TCRS mas o acórdão não transitou em julgado, por ter havido recursos para o Tribunal Constitucional.

    Num outro processo mediático, em que a visada foi a Super Bock, em 24 de julho de 2019, a AdC condenou a empresa e um administrador e um diretor da empresa ao pagamento de coimas de valor global superior a 24 milhões de euros por fixação de preços de revenda e de outras condições de transacção. Mas este caso encontra-se “pendente recurso de impugnação judicial da decisão final”.

    Outro caso muito mediático, cuja investigação pela AdC teve início em 2012, o regulador condenou 14 bancos a pagar um total de 225 milhões de euros em coimas. A denúncia partiu do Barclays e, posteriormente, a AdC concluiu que os bancos “trocaram entre si informação sensível, durante um período superior a dez anos, relativamente ao crédito habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas, o que consubstancia uma prática concertada entre concorrentes”. Também neste caso encontra-se pendente recurso de impugnação judicial da decisão final, havendo mesmo bancos a invocar a prescrição da condenação.

    Coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência nos últimos cinco anos. (Valores em milhares de euros / Dados de 2024 até ao dia 1 de Dezembro) / Fonte: AdC

    Apesar de haver em vários processos lugar a redução das coimas por parte dos tribunais, segundo o relatório anual da AdC referente a 2023, considerando um universo de 28 decisões judiciais que envolveram directamente as leis da concorrência, 20 foram favoráveis à AdC, quatro foram parcialmente favoráveis e quatro foram desfavoráveis, o que, segundo o regulador “determina uma taxa de sucesso de cerca de 72% ou de 85% se forem igualmente consideradas as decisões parcialmente favoráveis”.

    Mas a realidade que a AdC enfrenta é a de processos quase eternos na Justiça. “O recurso a meios processuais dilatórios – relativamente recorrente nos processos judiciais da concorrência por parte das empresas – conjugado com a morosidade dos tribunais potencia a prescrição de processos que é geradora de uma impunidade sistémica grave”, afirmou uma porta-voz da AdC ao PÁGINA UM. Frisou que, “quando há situações de prescrição há uma denegação de justiça que põe a aplicação do direito da concorrência e de uma cultura de concorrência”. A mesma fonte destacou que, “para acautelar e regular estas situações, a última revisão à Lei da Concorrência (que transpôs a diretiva ECN+) prevê a suspensão do prazo prescricional durante toda a fase judicial”. Uma medida que pode empurrar mais empresas para colaborarem com a AdC e aceitarem pagar as coimas em vez de avançar para a Justiça.


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  • Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Novas dinâmicas de construção e factores financeiros e conjunturais estão a causar uma redução líquida do parque habitacional em importantes concelhos do país desde 2012. Apesar do Instituto Nacional de Estatística ter revelado hoje que Portugal superou em 2022 a fasquia dos seis milhões de fogos, o valor mais elevado de sempre, uma análise do PÁGINA UM descobriu que cidades como Lisboa, Porto, Loures e Amadora apresentam reduções relavantes face ao ano de 2012. Na região metropolitana da capital são os municípios da Margem Sul e Mafra que mostram mais dinamismo, enquanto que a ‘atracção urbanística’ no Norte se deslocou para as subregiões do Cávado, Ave e Tãmega e Sousa, que já apresentam mesmo taxas de crescimento superiores ao Algarve. E há concelhos do interior e nas regiões autónomas em curioso contra-ciclo.


    Os municípios de Lisboa e Porto perderam, no conjunto, quase seis mil fogos do seu parque habitacional numa década, de acordo com informação hoje revelada pelo Instituto Nacional de Estatística, que actualizou os números de alojamentos familiares respeitantes ao ano de 2022.

    Uma análise do PÁGINA UM à série histórica desde 2012 revela que, no caso dos dois principais municípios do país, a crise habitacional se explica bastante pela estagnação da construção e remodelação. Ao invés de um crescimento a nível nacional, mesmo se ténue – havia mais 104.750 alojamentos em 2022 em comparação com 2012, ultrapassando-se pela primeira vez na História os seis milhões de fogos habitacionais –, a cidade de Lisboa registou um decréscimo de 0,9%, significando uma redução de 3.020 fogos (de 323.196 para 320.176), enquanto o Porto perdeu 2.834 fogos, passando de 137.793 para 134.959, ou seja, uma redução de 2,1%.

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    Mesmo se na região administrativa da Grande Lisboa, os fogos habitacionais ainda cresceram (+0,35%, significando mais 3.706), as dinâmicas urbanísticas estão alteradas face ao que sucedeu até à primeira década deste século. As zonas de suburbanas mais antigas estão a perder dinamismo construtivo. Por exemplo, o concelho de Loures registou uma diminuição de 1.216 fogos (-1,22%) neste período, passando de 99.567 para 98.351. Outro caso de perda foi o da Amadora, que diminuiu em 566 fogos (-0,64%), descendo de 88.007 para 87.441.

    Mesmo em concelhos extensos e com um passo de grande dinamismo, e especulação à mistura, estiveram agora mais ‘recatados’ entre 2012 e 2022. Sintra registou um aumento de 1.554 fogos (+0,85%), atingindo 184.580 em 2022. Cascais cresceu 1.608 fogos (+1,47%), alcançando 111.003, enquanto Oeiras apresentou um acréscimo de 789 fogos (+0,91%), totalizando 87.074.

    Entre os concelhos com maior dinamismo na Área Metropolitana de Lisboa destacam-se Montijo (+5,06%), Seixal (+4,93%), Palmela (+4,86%), Mafra (+4,43%), Sesimbra (+4,11%) e Odivelas (+3,23%), reflectindo um crescimento acentuado, impulsionado pela procura de novas habitações em zonas periféricas. Por outro lado, a estagnação ou saturação são evidentes em concelhos como Vila Franca de Xira (+0,56%) e Almada (+0,57%), onde o parque habitacional está praticamente estabilizado nesta última década.

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    Porto foi o 20º concelho do país que mais parque habitacional perdeu em termos relativos

    A descentralização para zonas periféricas, como Mafra e Montijo, reflecte um fenómeno de suburbanização mais afastada do principal pólo de atracção e com ligações menos directas por transportes públicos. A pressão demográfica e a procura por terrenos acessíveis têm assim transferido o foco da construção para fora do centro urbano.

    No caso da Área Metropolitana do Porto (AMP) também se observa uma dinâmica diversificada, mas tendo como ponto comum a perda do parque habitacional na principal cidade. Entre os concelhos com maior crescimento destacam-se Valongo (+3,26%, +1.321 fogos), Póvoa de Varzim (+3,09%, +1.092 fogos), e Trofa (+2,40%, +377 fogos). Outros concelhos, como Vila do Conde (+2,28%, +869 fogos), Espinho (+1,88%, +298 fogos) e Vila Nova de Gaia (+1,79%, +2.548 fogos), também registaram aumentos, embora com valores médios anuais a rondar os 0,2% ao ano.

    Além do Porto, há sinais de estagnação e de declínio urbanístico em algumas zonas suburbanas. O caso mais evidente é a Maia – que apresentou uma ligeira diminuição de 50 fogos (-0,08%) –, mas o município de Matosinhos (+0,7%) está praticamente com o mesmo número de alojamento de 2012.

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    Dinãmicas urbanísticas no Norte estão mais fortes nas subregiões do Ave, Cávado e Tâmega e Sousa.

    Na região Norte, o fraco dinamismo urbanismo Este contraste reflete uma realidade comum às duas principais áreas metropolitanas: o crescimento das periferias em detrimento dos centros. A ‘migração’ da construção na região Norte desviou-se para outras sub-regiões, sobretudo para o Cávado e o Ave.

    Com efeito, a região do Cávado registou um crescimento expressivo de 5,1% (+9.751 fogos), o maior do país, com destaque para quase todos os seus municípios: Amares, Barcelos, Braga, Esposende e Vila Verde. A única exceção foi Terras do Bouro, que não acompanhou esta tendência.

    Já a região do Ave apresentou um crescimento de 4,7%, o segundo maior do país, O destaque vai para o concelho de Vizela, que cresceu 9,2% e se posiciona como o terceiro município mais dinâmico do país em termos urbanísticos, apenas atrás da Madalena, na ilha do Pico, nos Açores (+14,3%), e da Golegã (+12,1%). Estes dois últimos são os únicos municípios do país com uma taxa de crescimento médio anual superior a 1% entre 2012 e 2022.

    A dicotomia litoral-interior agravou-se evidente. De entre os 78 concelhos com perda de parque habitacional entre 2012 e 2022, a esmagadora maioria são do interior, com destaque para Tarouca (-9,8%), Penela (-8,4%), Coruche (-4,7%), Mação (-4,6%), São Vicente (-4,3%), Soure (-4,2%), Sardoal (-4,0%), Nordeste (-3,6%), Chamusca (-3,3%), Avis (-3,1%), embora surjam outros municípios de áreas metropolitanas. Por exemplo, o Porto foi o 20º concelho com maior perda relativa do património habitacional.

    A view of a city from the top of a hill

    Em todo o caso, as dinâmicas urbanísticas dependem muito de circunstancialismos. Mesmo existindo bastantes municípios do litoral com maiores crescimentos no número relativo de alojamentos habitacionais, encontram-se alguns casos curiosos:  Madalena (+14,3%), Golegã (+12,1%), Campo Maior (+8,7%), Corvo (8,4%, embora se refira apenas a mais 16 fogos), Velas (+5,7%), Manteigas (+5,7%), Odemira (+5,7%) e Penedono (+5,5%), Vila Nova de Paiva (5,5%), Calheta (Madeira, +5,2%) e Oliveira de Frades (+5,1%)

    Apesar de ainda ter concelhos com forte dinamismo urbanístico, a região do Algarve está longe do fulgor de outrora, tendo registado um cr5escimento de 3,76% (+12.984 fogos) entre 2012 e 2022, impulsionado pela procura turística e pela atractividade residencial. Concelhos como Loulé (+4,15%, +4.312 fogos) e Portimão (+3,89%, +3.256 fogos) são exemplos desta vitalidade das betoneiras, mas a taxa de crescimento está já abaixo das registadas pela sub-região do Ave, do Cávado e do Tâmega e Sousa.


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  • Administrador de insolvência da Trust in News diz estar a lutar para não ‘liquidar’ revistas

    Administrador de insolvência da Trust in News diz estar a lutar para não ‘liquidar’ revistas

    Em declarações ao PÁGINA UM, André Correia Pais, administrador de insolvência da Trust in News, diz que a sua máxima prioridade tem sido manter os títulos nas bancas, bem como os empregos dos trabalhadores, e garante ser falso estar a preparar uma liquidação, até por ser essa uma decisão dos credores. Para já, apesar da situação deficitária, o administrador judicial assegura estar a trabalhar para que não haja cortes de fornecimentos e assim manter a produção jornalística e promete que uma pequena parte do subsídio de Natal (1/12) será entregue aos trabalhadores, que acumulam já vários salários em atraso.


    O administrador de insolvência da Trust in News (TIN), dona da revista Visão e de mais 16 títulos de imprensa, diz estar “satisfeito” por Luís Delgado anunciar que tem um plano para a reestruturação do grupo de media, mas desmente algumas das afirmações que aquele ex-jornalista proferiu hoje na Assembleia da República. O sócio único da TIN, e também gerente da empresa, em audição na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, acusou o administrador da insolvência, André Correia Pais, nomeado pelo Tribunal no início deste mês, de não estar interessado em conhecer o seu plano de reestruturação.

    Delgado, que investiu 10 mil euros em 2018 para comprar um portofólio de revista à Impresa, mas que em sete ano acumulou um passivo de mais de 30 milhões de euros, incluindo um rasto de dívidas praticamente incobráveis, assegurou no Parlamento que um alegado “plano, com medidas directas específicas”, que promete vir a apresentar no próximo dia 27 de Dezembro junto do Tribunal de Sintra, “e, previamente a isso, junto do administrador de insolvência”. O ex-jornalista disse, no entanto, que o administrador de insolvência, nomeado pelo Tribunal, André Correia Pais, lhe terá dito que “não tem nenhum plano” para o futuro do grupo de media, insinuou que não estará muito interessado em conhecer o seu. “Mas ser-lhe-á mostrado na altura”, disse Delgado.

    Nomeado pelo Tribunal apenas a 4 de Dezembro, André Correia Pais garantiu ao PÁGINA UM serem falsas as afirmações de Delgado sobre o desinteresse em saber as ideias de Luís Delgado sobre o futuro da empresa de media. “Fico satisfeito por haver mais um plano de reestruturação [para a TIN], mas não é verdade que não queira conhecer o plano dele”, salienta.

    Luís Delgado na audição no Parlamento sobre a situação da Trust in News. / Foto: Imagem de vídeo da AR-TV.

    André Correia Pais frisou também que nos 14 dias em que está em funções como administrador de insolvência da TIN, a sua prioridade tem sido manter as publicações nas bancas e garantir os postos de trabalho, apesar da grave situação deficitária, com as despesas a serem muito superiores às receitas, sem grande liquidez. “O meu dia-a-dia tem sido convencer fornecedores e convencer clientes para manter a empresa em laboração e os títulos em banca”, referiu ao PÁGINA UM, sabendo-se que a opção mais fácil seria a simples insolvência imediata com a consequente liquidação. “Estou a fazer esse esforço correndo riscos a título pessoal, arriscando até o meu património perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social”, afirmou.

    Apesar do ‘chumbo’ do Plano Especial de Revitalização (PER) já revelar uma situação insustentável – com um aumento das dívidas fiscais e à Segurança Social, bem como o agudizar dos salários em atraso -, Correia Pais diz ainda estar a analisar os dados financeiros mais recentes da empresa, somente lhe tendo chegado hoje a informação referente a Outubro. “Não tive ainda tempo de fazer um plano, a minha preocupação tem sido as publicações e os trabalhadores”, afirmou.

    O administrador judicial também desmentiu ao PÁGINA UM a afirmação de Delgado de que pretenderá enviar a empresa para liquidação, tanto mais que nem sequer tem competências para essa decisão. “Disse apenas aos trabalhadores [da TIN] que, se não conseguir pagar os salários de Dezembro até ao dia 31, nos primeiros dias de Janeiro terei de comunicar ao Tribunal que a empresa deverá entrar em liquidação, mas serão os credores a decidir”, afirmou, mas isso é uma imposição legal, uma vez que uma falha no pagamento de salários constitui um incumprimento legal da chamada ‘massa insolvente’.  

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    O administrador diz ainda que “se quisesse, poderia ter declarado que a empresa entrava em liquidação logo no primeiro dia e avançava para despedimento colectivo”, mas defendeu, em declarações ao PÁGINA UM, que a simples suspensão imediata das publicações da TIN não seria uma boa solução, uma vez que os custos fixos referentes aos trabalhadores se manteriam. Ora, isso agravaria a situação da empresa, que está a laborar com “défice de exploração”, com as receitas a serem inferiores aos custos.

    Salientando que apanhou a empresa com uma situação de trabalhadores com “dois ou três meses de salários em atraso”, sendo que alguns já abandonaram a empresa, André Correia Pais adiantou ao PÁGINA UM que que esta quinta-feira os trabalhadores irão receber um doze avos [1/12] do subsídio de Natal. “É o possível neste momento”, lamenta.

    Recorde-se que esta audição de Luís Delgado no Parlamento surgiu no seguimento de requerimentos apresentados pelo Livre e pelo PS, após o ‘chumbo’ do PER pelos principais credores da TIN: Autoridade Tributária e Segurança Social. Durante os dois últimos governos socialistas, liderados por António Costa, a TIN de Luís Delgado acumulou dívidas superiores a 15 milhões de euros ao Estado, mas, apesar disso, a empresa nunca surgiu na lista de credores e a dívida gigantesca esteve escondida durante anos, até ser revelada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado.

    Luís Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, na assinatura do acordo de venda do portefólio tóxico de revistas da Impresa Publishing, em 2018. O negócio salvou a Impresa, mas vai deixar os prejuízos nas mãos dos contribuintes. / Foto: D.R.

    Delgado descartou, hoje, na audição, responsabilidades na insolvência da TIN, culpando a Autoridade Tributária e a Segurança Social pelo ‘chumbo’ do PER iniciado em Maio. Ou seja, Luís Delgado não pagou aquilo que outras empresas cumpridoras têm pago, contribuindo para uma concorrência desleal, mas culpa o Estado, mesmo sendo evidente que, desde 2018, o Governo foi complacente com os ‘calotes’. Além disso, Luís Delgado tem ignorado que os três gerentes da TIN até já foram condenadas a pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos, por uma dívida ao Fisco relativa a 2018 e arriscam mais condenações por dívidas fiscais e à Segurança Social nos anos subsequentes

    Certo é que a cada dia que passa se agrava a situação para os credores da TIN, aos quais caberá a decisão última sobre o destino da empresa e dos 17 títulos, que incluem, além da Visão, a Exame e o Jornal de Letras. Para o administrador de insolvência, alguns títulos poderão ter viabilidade.

    Em todo o caso, este é mais um episódio de um dos mais estranhos negócios de media nos últimos anos, concretizado no início de 2018 quando Delgado comprou à Impresa um portefólio com ‘activos tóxicos’ da Impresa Publishing, por 10,2 milhões de euros. O grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão estava em dificuldades financeiras, tinha falhado uma emissão de obrigações e estava com o mercado de crédito bloqueado. A salvação da Impresa foi a transferência para a TIN de um portefólio de revistas em dificuldades.

    Delgado assumiu, hoje, na audição, que poucos meses depois da compra percebeu que a TIN não seria rentável. “Quando é que percebi que tinha um grupo que não era rentável? Percebi um mês depois de ter comprado, dois meses, cinco anos depois, percebi sempre”, assumiu o ex-jornalista e comentador televisivo aos deputados.

    Garantido está já o facto de que os contribuintes serão lesados em milhões de euros, não apenas pelo ‘buraco’ de mais de 15 milhões de euros, como por um eventual apoio estatal que se estará a preparar no Governo Montenegro para salvar algumas revistas da TIN. Outros credores também dificilmente recuperarão os créditos, como é o caso do Novo Banco que fez empréstimos à TIN para a compra das revistas à Impresa. Foi, na verdade, mais um crédito ruinoso numa altura em que o ‘banco bom’ do colapso do BES estava a receber ajudas públicas para ‘tapar’ perdas herdadas do tempo de Ricardo Salgado.          


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  • Covid-19: DGS quer despachar ‘sobras’ de uma vacina sem farmacovigilância adequada nem compensações por danos

    Covid-19: DGS quer despachar ‘sobras’ de uma vacina sem farmacovigilância adequada nem compensações por danos

    Num país que viveu a pandemia da covid-19 à cata de supostos ‘negacionistas anti-vacinas’ – que incluía quem se opunha à inclusão de jovens e adultos saudáveis nos planos de vacinação, ou considerasse que a imunidade natural era suficiente –, não deixa de ser lamentavelmente irónico que, no final de 2024, Portugal seja um dos poucos da Europa Ocidental que recusa falar das reacções adversas, não tendo montado qualquer plano de compensação das vítimas. E pior: num estranho tabu, o Infarmed nem sequer acompanha a evolução dos casos notificados. A desconfiança e o desamparo têm tido consequências: mesmo na população mais vulnerável, assiste-se a uma crescente recusa da vacina contra a covid-19. Este ano, em comparação com 2023, a ‘procura’ de reforço desceu quase 14%. Foram mais 204 mil portugueses que não quiseram saber da vacina contra a covid-19. E a Direcção-Geral da Saúde, em vez de promover uma melhoria da informação e pugnar pelo apoio às pessoas afectadas, decidiu-se por uma estranha solução: as vacinas que sobraram serão agora administradas no grupo etário dos 50 aos 59 anos. A saúde das pessoas pode ser ‘lixada’; as vacinas é que não podem ir parar ao lixo…


    Não existe qualquer motivo epidemiológico ou de Saúde Pública para a decisão da Direcção-Geral da Saúde (DGS) de alargar o plano de reforço da vacinação contra a covid-19 para a faixa etária dos 50 aos 59 anos, hoje iniciado. O motivo para este alargamento é simples: estão em stock centenas de milhares de doses, que arriscam ir para o lixo, porque cada vez há menos pessoas do grupo dos maiores de 60 anos interessadas em apanhar mais uma dose desta vacina. Isto, num cenário em que são reveladas falhas gravíssimas na farmacovigilância pelo Infarmed num país que insiste em não assumir quaisquer indemnizações e apoios médicos às pessoas que foram afectadas por reacções adversas.

    Conforme o PÁGINA UM mostrou na passada semana, através de dados do Centre for Socio-Legal Studies, Portugal integra o lote de 14 países da União Europeia que optou por nunca implementar qualquer plano de indemnização às vítimas das vacinas contra a covid-19, que integra também a Bélgica, Bulgária, Chipre, Croácia, Espanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Lituânia, Malta, Países Baixos, Roménia e Eslováquia.

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    Ao invés, países como a Áustria, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Itália, Letónia, Luxemburgo, Polónia, Eslovénia e Suécia – que integram também a União Europeia – implementaram sistemas, ou aproveitaram os modelos existentes pré-pandemia – para suportar compensações em casos de dados graves resultantes da administração das vacinas contra a covid-19. Recorde-se que a Comissão von der Leyen isentou de responsabilidades as farmacêuticas. Além dos membros da União Europeia, outros países do Velho Continente têm sistemas desta natureza, designadamente Noruega, Islândia, Noruega, Reino Unido e até Rússia.

    O desinteresse dos portugueses mais idosos pela vacina contra a covid-19 – agravada pela ausência de informação fiável sobre as suas vantagens, num cenário de endemismo do SARS-CoV-2, agora com muito menor virulência numa população com imunidade natural – fica patente não apenas na comparação entre o número de doses administradas no Outono deste ano e o de 2023, como sobretudo no número elevado de pessoas que optaram por aceitar apenas a vacina contra a gripe, cujas vantagens são inequívocas sem efeitos adversos relevantes.

    Com efeito, na época de vacinação outonal do ano passado, segundo um relatório da DGS com informação referente a 10 de Dezembro de 2023, tinham sido administradas 1.516.613 doses contra a covid-19 a maiores de 60 anos, menos 240.186 doses do que as administradas contra a gripe. Deste modo, e considerando uma população de cerca de três milhões de indivíduos nesta faixa etária, em média, por cada 100 pessoas, houve 40 que optaram por não querer nenhuma das vacinas, 50 vacinaram-se contra a gripe e a covid-19, enquanto 10 só quiseram a vacina contra a gripe.

    Comparação entre as doses administradas no Outono de 2023 (até 10 de Dezembro) e no Outono de 2024 (até 8 de Dezembro) de vacinas contra a covid-19 e contra a gripe. Fonte: DGS.

    Ora, este ano, com informação recolhida pela DGS até 8 de Dezembro, o ‘abandono’ da vacina contra a covid-19 aumentou significativamente, não ocorrendo o mesmo para a vacina contra a gripe. De facto, os dados oficiais mostram que, para uma população com idade superior a 60 anos que se manteve estável, houve 1.828.767 pessoas que se vacinaram contra a gripe (mais 26.968 do que em 2023), mas apenas 1.312.295 que quiseram tomar a vacina contra a covid-19, ou seja, foram administradas menos 204.318 doses, o que representa uma queda de quase 14% face a 2023.

    Significa assim que neste Outono, em média, por cada 100 pessoas com mais de 60 anos, houve 39 que optaram por não se vacinarem contra nenhuma daquelas duas doenças, 44 que se vacinaram contra a gripe e a covid-19, e ainda 17 que se vacinaram apenas contra a gripe.

    Assim, em termos concretos, praticamente sete pessoas em cada 100 que se vacinaram no ano passado contra a covid-19 no grupo etário dos maiores de 60 anos disseram ‘não’ este ano, razão pela qual ‘sobraram’ mais de 200 mil doses. Recorde-se que o PÁGINA UM ainda aguarda, ao fim de quase dois anos de uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, uma decisão para acesso aos contratos das vacinas contra a covid-19.

    Sobre os efeitos adversos das administrações dos reforços do Outono de 2024 não existem dados públicos, mas o PÁGINA UM teve acesso à base de dados do Portal RAM, gerida pelo Infarmed, até início de Agosto deste ano. Apesar de a base de dados estar manipulada, com eliminação de variáveis, contrariando um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, um dos aspectos mais relevantes é a falta de acompanhamento das pessoas afectadas po reacções adversas. Num total de 45.337 registos individuais notificados no Portal RAM entre finais de Dezembro de 2020 e Agosto de 2024, contabilizam-se 19.224 pessoas sobre as quais o Infarmed desconhece a evolução dos sintomas ou estado de saúde. Ou seja, em mais de quatro em cada 10 registos (42,4%), o Infarmed não apurou sequer como evoluíram os sintomas e afecções detectadas.

    Países (a azul) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas contra a covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    Numa análise detalhada à variável da evolução das reacções adversas – um processo moroso, porque o ficheiro do Infarmed lista o conjunto de afecções e sintomas numa mesma célula com indicações de progresso por vezes distintas –, observa-se que uma grande parte se refere a problemas que, em princípio, são ligeiros e corriqueiros, como dores no local de vacinação (quase quatro mil casos), dores de cabeça, febre ou dores (centenas de casos). Mas, de entre a lista, constam afecções gravíssimas potencialmente mortais ou com causadores de sequelas profundas. E isto altera de forma radical uma avaliação correcta da segurança das vacinas e impede, desse modo, acções judiciais com pedidos de indemnização.

    Numa averiguação preliminar, o PÁGINA UM detectou, no Portal RAM, 45 casos de miocardites ou pericardites após vacinação cuja evolução permanece desconhecida pelo Infarmed. Há ainda 22 casos de choques anafiláticos, uma reação alérgica grave e potencialmente fatal que pode levar à morte sem tratamento imediato, cuja evolução também se ignora. Foram registados 40 casos de tromboembolismo pulmonar, bloqueio de uma artéria dos pulmões por um coágulo, sem acompanhamento adequado, e 13 casos de acidentes vasculares cerebrais (AVC), suspeitos de estarem fortemente associados às vacinas, cuja evolução permanece incógnita.

    Entre as reações adversas encontram-se ainda 18 casos de síndrome de Guillain-Barré, uma doença autoimune rara que afecta os nervos periféricos e pode levar à paralisia, e 27 casos de paralisia de Bell, uma condição que afeta o nervo facial, sendo por vezes temporária, mas cuja evolução também se desconhece. Foram ainda reportados oito casos de enfarte agudo do miocárdio, 17 casos de trombose venosa profunda, 16 casos de trombocitopenia imune, cinco casos de mielite e 13 casos de vasculite, todos com desfecho desconhecido.

    Extracto da base de dados (em Excel) revelados pelo Infarmed (com mutilação de variáveis), após intervenção do Tribunal Administrativo, e analisados pelo PÁGINA UM para detectar registos com evolução desconhecida de sintomas.

    Na análise das notificações, o PÁGINA UM identificou ainda 63 casos de alterações menstruais e 22 casos de herpes zoster, decorrentes da reactivação do vírus da varicela, todos sem acompanhamento da sua evolução.

    Nenhuma destas pessoas, além das 141 mortes reportadas, beneficiaram de qualquer apoio do Estado nem tão-pouco se conhece se foi analisada, do ponto de vista clínico, a associação factual entre a administração da vacina e os efeitos adversos. E isto também por uma razão simples: o Infarmed, liderado por Rui Santos Ivo, recusa divulgar a variável da casualidade – perante a passividade do Governo e partidos da oposição.


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  • ‘Segurança Marítima na UNL’: Gouveia e Melo violou Estatuto dos Militares das Forças Armadas

    ‘Segurança Marítima na UNL’: Gouveia e Melo violou Estatuto dos Militares das Forças Armadas

    O caso começou por ser uma situação grave, revelada pelo PÁGINA UM na semana passada, em torno da duvidosa ligação do Almirante Gouveia e Melo à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Mas complicou-se e há novas informações que põem em xeque o Chefe do Estado-Maior da Armada. Para ser regente e professor convidado, Gouveia e Melo teria de requerer, ao abrigo do Estatuto Militar, uma acumulação de funções ao Chefe do Estado-Maior da Armada, ou seja, a ele próprio, um impedimento legal. A alternativa – uma autorização informal – também seria ilegal. Mas de ilegalidades está este processo cheio, porque entretanto a Faculdade de Direito da Universidade Nova admitiu que afinal não há qualquer parceria assinada, apesar da regência de Gouveia e Melo a uma cadeira, onde dá uma palestra anual, durar há mais de dois anos, a convite da ex-líder do CDS Assunção Cristas. Eis mais um episódio de um esquema de ‘melhoria artificial’ do currículo do homem que lidera as sondagens para as Presidenciais de 2026.


    O Almirante Gouveia e Melo terá violado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao acumular a regência da cadeira de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL) com o seu cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada.

    O diploma de 2015 explicita que “as funções militares são, em regra, em regime de exclusividade”, embora possa haver situações excepcionais, se forem compatíveis “com o seu grau hierárquico ou o decoro militar”. Sendo certo que a regência de uma cadeira de mestrado é uma função digna, Gouveia e Melo tinha um problema legal: o desempenho de funções em regime de acumulação, independentemente de serem exercidas graciosamente – como alegou a Marinha na semana passada –, “depende da autorização prévia do Chefe do Estado-Maior respectivo”.

    Ora, para a situação específica de Gouveia e Melo existe “um impedimento legal por interesse próprio”, como confirmaram ao PÁGINA UM dois professores universitários de Direito. Conforme estipula o Código do Procedimento Administrativo – que rege também actos desta natureza das Forças Armadas –, os titulares de um órgão no exercício de poderes públicos não podem intervir em qualquer processo “quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”. Isto aplica-se mesmo se as funções forem exercidas a título gracioso, subentendendo-se sempre que Gouveia e Melo obteria, para si, o estatuto de professor universitário, melhorando o currículo público.

    Foto: D.R.

    Pela interpretação desta obrigação, Gouveia e Melo poderia conceder autorização a militares que leccionam em acumulação de funções, mas jamais poderia ‘auto-autorizar-se’. Também jamais poderia delegar essa competência para autorizações num subordinado, uma vez que esse expediente, para contornar a norma de impedimento, violaria o princípio da imparcialidade. O impedimento visa precisamente garantir que o acto não seja praticado por quem tenha um interesse no seu resultado, directa ou indirectamente.

    E assim, não havendo qualquer autorização superior – por exemplo, de uma comissão independente ou do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armada, ou do Ministro da Defesa ou mesmo da Presidência da República –, a ilegalidade e gravidade do procedimento mantêm-se numa outra perspectiva: Gouveia e Melo fez tábua rasa do próprio Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Até por o conhecer bem: em 2020, como adjunto do Planeamento no Estado-Maior das Forças Armadas teve delegação de competências para conceder ou não autorizações requeridas por militares ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas para acumularem funções.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Gouveia e Melo sobre esta situação, e também sobre as autorizações que terá supostamente concedido a um número indeterminado de militares que leccionaram a cadeira de Segurança Marítima no mestrado da UNL, por si regida, mas não houve qualquer resposta. Por lei, mesmo que houvesse uma autorização a esses militares, seria obrigatório um requerimento formal prévio de cada um. Ora, na passada semana, a Marinha não quis indicar quais os militares que deram a cadeira regida por Gouveia e Melo, tanto mais que os seus nomes são omissos no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. O Ministério da Defesa também não respondeu sobre se houve alguma autorização governamental, que, se existisse, teria ocorrido na vigência do Governo Costa, quando a titular da pasta da Defesa era Helena Carreiras.

    Campus de Campolide, onde ainda funciona a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. / Foto: D.R.

    Certo é que, além desta nova questão, a revelação feita pelo PÁGINA UM na semana passada sobre a existência de influências políticas, da ala do CDS, na ‘contratação’ de Gouveia e Melo para reger uma cadeira de Segurança Marítima num mestrado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa está a causar um indisfarçável incómodo, bem patente no manto de silêncio. Com efeito, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não enviou ainda ao PÁGINA UM qualquer acta onde a admissão de Gouveia e Melo tenha sido decidida, antecedida de pareceres de dois professores. Esse acto de transparência e de rigor jurídico não é nenhuma excentricidade ou extravagância – é um acto de normal democraticidade.

    Por exemplo, na sua congénere lisboeta – ou seja, na Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa -, todos as actas dos órgãos de gestão e governo, incluindo as referentes às diversas reuniões do Conselho Científico, estão minuciosamente expostas. Algumas destas actas têm mais de 170 páginas, uma vez que são ali expostas questões de relevância académica numa ‘casa’ que forma juristas há mais de um século, bem mais vetusta do que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa apenas fundada em 1996, onde aparentemente o rigor e a transparência ainda não fizeram ‘escola’. Aqui, nada de actas nem outros documentos de gestão.

    A reitoria da Universidade Nova de Lisboa, liderada por João Sàágua, mantém-se à margem de uma situação que revela a permeabilidade desta instituição universitária às influências políticas e ao ‘tráfico de currículos’. Gouveia e Melo foi colocado na regência de uma cadeira de mestrado por empenhos de Assunção Cristas, coordenadora do mestrado em Direito e Economia do Mar, com a conivência de Mariana França Gouveia, antiga directora da Faculdade e actual presidente do seu Conselho Científico. Ambas, além das ligações ao CDS, são advogadas na sociedade Vieira de Almeida.

    Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. / Foto: D.R.

    De facto, o reitor da Universidade Nova de Lisboa não respondeu a qualquer das questões formuladas pelo PÁGINA UM sobre o modus operandi da ‘contratação’ de Gouveia e Melo, designadamente ao nível do rigor administrativo e da conduta ética. Apesar desse silêncio, fica patente que o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada, para além de todos os outros problemas legais, jamais poderia assumir a regência de uma cadeira de mestrado sem sequer dar qualquer aula digna desse nome.

    Um professor com obrigações de regência não está desobrigado a dar aulas, pelo contrário. E o Código de Ética da Universidade Nova de Lisboa, publicado em Diário da República há uma década, é bastante claro sobre os deveres específicos dos docentes, incluindo o de serem “assíduos e pontuais no exercício das suas funções”. Ora, no caso de Gouveia e Melo, a questão da pontualidade nem se coloca porque é critério inaplicável face a uma assiduidade nula. A legalidade de uma regência sem dar qualquer aula é assim muito duvidosa, tanto mais que Gouveia e Melo não era um simples ‘visitante’. Além da regência ser publicitada, no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa surge com um endereço oficial da instituição universitária pública: henrique.melo@novalaw.unl.pt.

    Entretanto, esta tarde, a RTP revelou que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa assumiu que, afinal, ainda nem sequer existe qualquer parceria, sendo que, nesse aspecto, toda a legalidade está em causa, por não existir aplicação retroactiva. Em nota enviada à televisão pública – depois de recusar responder a perguntas do PÁGINA UM –, a instituição universitária diz que “o documento [parceria] está ainda em processo de formalização [ou seja, não existe], pois o acordo entre as duas instituições é mais amplo, abrangendo outras situações além da regência desta disciplina [Segurança Marítima]”, tendo acrescentado que “a assinatura terá lugar muito em breve”.

    Gouveia e Melo. Foto: EMA.

    Na mesma nota, a Faculdade argumenta que o convite a Gouveia e Melo se fundamentou num relatório subscrito por Assunção Cristas e por Vera Eiró para os anos lectivos de 2022/2023 e 2023/2024. Nenhum desses relatórios terá sido apresentado em Conselho Científico nem sequer foram enviados quando solicitados pelo PÁGINA UM. Existe, obviamente, a possibilidade de serem agora forjados, tanto mais que o convite só pode ser formalizado após aprovação pela “maioria absoluta dos membros do Conselho Científico em exercício de funções, aos quais é previamente facultado o currículo da individualidade a contratar”, algo que nunca sucedeu. E aí já será mais complicado forjar uma acta de uma antiga reunião. Na nota à RTP, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa acaba também por assumir que Gouveia e Melo concede apenas uma palestra anual, o que lhe ‘pareceu’ ser bastante para ser considerado professor convidado com direito a e-mail institucional.

    O PÁGINA UM também colocou questões à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), que ‘supervisiona’ o mestrado onde Gouveia e Melo é regente, questionando se no processo de acreditação, concluído em 2022, ficou prevista a possibilidade de uma parceria com a Marinha e a docência por militares. Não houve ainda resposta.

    Na verdade, a única pessoa que, nesta semana, respondeu às questões do PÁGINA UM foi o eminente cardiologista e professor jubilado José Fragata, que surge ainda no site da Universidade Nova de Lisboa como presidente da Comissão de Ética, um órgão consultivo da reitoria. José Fragata diz que deixou o cargo em 2022, desconhecendo se a comissão ainda existe “e naturalmente quem a preside”, sugerindo que contactasse a Reitoria. E o PÁGINA UM contactou, mas João Sàágua deverá ter tido mais que fazer para dar uma resposta.


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  • AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    AD contra AD: Governo Montenegro quer destruir regime de protecção de solos do Governo Balsemão

    De boas intenções, está o inferno cheio. Mas há medidas que nem sequer se mostram boas na intenção, até porque os resultados serão previsivelmente catastróficos. Para aumentar os terrenos urbanizáveis, alegando ser necessário para fazer face à crise de habitação, o Governo Montenegro prepara-se para dar uma ‘machadada’ ao mais importante legado da política de ordenamento e planeamento do território do século XX, flexibilizando administrativamente, através das autarquias, a passagem de terrenos da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional para fins urbanísticos. Além de ser uma medida com efeitos indesejáveis e promotor esquemas de corrupção – por exemplo, facilitará a passagem de terrenos rurais não edificáveis para áreas urbanas em redor do futuro aeroporto de Lisboa -, há uma ironia política:o Governo Montenegro, eleito sob a sigla de Aliança Democrática, ‘assassina’ assim dois instrumentos de planeamento (leis da Reservas Agrícola e Ecológica Nacional (RAN e REN) aprovados em 1982 e 1983 pelo Governo da Aliança Democrática original, então liderado por Pinto Balsemão, tendo como principal dinamizador dos diplomas o arquitecto Ribeiro Telles. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa integrou também esse Governo, podendo suscitar a legalidade de uma alteração do regime da REN e da RAN por simples decreto-lei, porque estão em causa áreas da competência da Assembleia da República.


    À boleia de uma alegada crise da habitação e de suposta escassez de terrenos para construção, o Governo Montenegro quer destruir todos os alicerces da política de ordenamento e planeamento urbanístico, através de uma alteração da Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, mas a iniciativa pode esbarrar na Assembleia da República por estarem em causa modificações profundas na Lei dos Solos, uma vez que esta é uma matéria da estrita competência dos deputados.  

    Na semana passada, o Governo anunciou que o Conselho de Ministro aprovou um decreto-lei para “permitir às autarquias disponibilizar mais terrenos para a construção de habitação destinada à classe média em todo país”, com a condição de que“pelo menos 70% das casas construídas deverão ser vendidas a preços moderados, um novo conceito criado para abranger o acesso pela classe média, ponderando valores medianos dos mercados local e nacional, e definindo valores máximos para assegurar justiça social”. De acordo com as indicações transmitidas publicamente, a ideia será conceder às autarquias o poder, de forma arbitrária, para alterar usos de solo, passando-o de rústico para urbano.

    people working on building during daytime

    Mas para isso, o Governo Montenegro precisa de flexibilizar os regimes de protecção e condicionamento das áreas de Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional que, como são terrenos rústicos – e actualmente sem capacidade construtiva –, acabam por apresentar um custo mais barato e apetecível para a especulação imobiliária.

    Não deixa de ser irónico que esta tentativa de dar uma ‘machadada’ na política de urbanismo seja uma iniciativa de um Governo que se anunciou sob a sigla AD – Aliança Democrática, ressuscitando a versão de finais dos anos 70 e início dos anos 80, dinamizada inicialmente por Sá Carneiro (PSD), Freitas do Amaral (CDS) e Ribeiro Telles (PPM), e que depois da morte do primeiro continuou com Francisco Pinto Balsemão até 1983.

    Com efeito, foi já no fim desse mandato que o Governo de Pinto Balsemão, que tinha uma forte ‘costela ambientalista’ (Ribeiro Telles, então ministro da Qualidade de Vida), que foram aprovados dois mais importantes instrumentos de protecção ambiental e de urbanismo – a lei da RAN, em Setembro de 1982, e a lei da REN, em Junho de 1983 – sobre as quais se erigiram os planos directores municipais e outros planos de ordenamento. Curiosamente, o actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, integrava este Governo da AD como ministro dos Assuntos Parlamentares.

    Pinto Balsemão, Ribeiro Telles e Marcelo Rebelo de Sousa integraram o Governo AD que aprovou a lei da RAN e da REN, que protegeu solos da construção. O novo Governo AD, de Luís Montenegro, quer transformar em ‘três tempos’ solos rústicos em áreas para o imobiliário. Foto: Museu da Presidência.

    As restrições impostas para os solos da RAN e da REN nunca radicaram em qualquer extremismo ambientalista, sustentando-se numa visão estratégia inter-geracional e mesmo de protecção contra catástrofes naturais. Além de protecção de solos agrícolas, a delimitação de áreas sensíveis no âmbito serve sobretudo para preservar linhas de água e leitos de cheia – para evitar desastres humanos como se observou recentemente na região de Valência –, aquíferos de águas subterrâneos, proteger zonas declivosas e sobretudo evitar um crescimento desenfreado e caótico das zonas urbanas.

    “Esta medida do Governo é inaceitável do ponto de vista da sustentabilidade económica e ambiental, porque, em vez de promover uma aposta na consolidação e reabilitação dos centros urbanos, vai disponibilizar mais terrenos, promovendo o crescimento em ‘mancha de óleo’ para zonas sensíveis com a necessidade de novos e maiores investimentos de infraestruturação”, salienta Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero.

    Aliás, ao invés de promover mais uma maior quantidade de terrenos disponíveis, o efeito expectável será contrário. As construtoras terão tendência a abandonar projectos imobiliárias em zonas consolidadas, preferindo adquirir terrenos rústicos muito mais baratos para depois conseguirem uma viabilização junto das autarquias. Este expediente escancara, além disso, as portas para a especulação e mesmo para a corrupção e outros esquemas ínvios, recordando procedimentos dos anos 90 do século passado, quando se desenvolveu a primeira geração de planos directores municipais. Nessa altura, muitos empresários, em conluio com autarcas, compravam terrenos rústicos, vendo depois essas zonas serem integradas em áreas edificáveis, multiplicando assim o seu valor. Aliás, este tipo de esquemas pode já ocorrido antes deste anúncio do Governo, mas tornar-se-à corriqueiro a nível local, concedendo poderes arbitrários aos políticos.

    Governo prepara-se para destruir um dos maiores legados de político de ordenamento e de urbanismo do século XX, abrindo as portas a esquemas de tráfico de influências e de corrupção no imobiliário.

    Esta alteração no regime dos terrenos rústicos aparenta, aliás, encaixar-se na perfeição para a existêncoa de transações especulativas em torno do futuro aeroporto de Lisboa. A esmagadora maioria dos terrenos envolventes à zona do Campo de Tiro de Alcochete integram a RAN e a REN. Com esta medida do Governo Montenegro, esses terrenos multiplicam de valor ‘da noite para o dia’.

    A ideia de ser a falta de terrenos – e os seus custos elevados – uma das principais causas da crise da habitação em Portugal tem sido uma ideia estafada que não encontra reflexo na realidade dos números, porque o ritmo de construção depende sobretudo das condições económicas e dos ciclos financeiros, bem como da oferta e da procura. Embora se observe agora um recente crescimento populacional nos anos recentes, a uma taxa de 1%, não existe propriamente uma escassez de casas, mas sim uma dificuldade de adaptação dos rendimentos dos portugueses a um mercado que se globalizou, tanto nas zonas urbanas como rurais, neste caso pela procura de segundas residências.

    Por esse motivo, observando a evolução dos licenciamentos de fogos (casas) pelas autarquias desde 2007, com base nos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), conclui-se que o mercado imobiliário está já bastante dinâmico, tendo mesmo registado este ano o valor mais elevado desde 2009, se considerarmos os primeiros 10 meses (Janeiro a Outubro). A nível nacional, os 28.004 fogos licenciados este ano são praticamente cinco vezes mais do que os licenciados em 2014, em plena crise financeira.

    Evolução do número de fogos licenciados em Portugal e nas diversas regiões (NUT II) entre 2007 e 2024 para os primeiros 10 meses de cada ano. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Comparando as licenças de construção concedidas nos últimos 24 meses (Novembro de 2022 a Outubro de 2024) com as do período homólogo anterior (Novembro de 2020 a Outubro de 2022), confirma-se esse dinamismo: um crescimento de 9,3%, passando de 59.558 para 65.092 fogos licenciados. Esse crescimento está sobretudo concentrado na região Norte, que impulsionou nesse período em 12,8%, e particularmente no Grande Porto.

    Nessa sub-região, o crescimento foi de 21%, passando de pouco mais de 14 mil fogos licenciados para mais de 11.700. Na região de Lisboa – que engloba os municípios da Grande Lisbia e da Península de Setúbal –, apesar de se registar um crescimento (3,7%), está a níveis mais modestos. Enquanto nos últimos dois anos se licenciaram 13.033 fogos, no período de Novembro de 2020 a Outubro de 2022 as autarquias tinham concedido licenças para a construção de 12.567 fogos.

    Em todo o caso, existe uma tendência de mudança na tipologia dos fogos licenciados. De acordo com os dados do INE, nos últimos dois anos, as licenças destinam-se para uma tipologia mais pequenas, indo ao encontro da prevalência de uma procura num mercado imobiliário destinado a pessoas sozinhas, casais ou famílias de poucos filhos.

    car on body of water
    O regime da REN serviu sobretudo para suster a construção desenfreada em zonas sensíveis, entre as quais áreas em leitos de cheia.

    Nos últimos dois anos, 44,4% dos fogos licenciados serão T2 ou menores. Os T0 e T1 são representam 17,2%. No período homólogo anterior as tipologias T2 ou menores atingiam os 36,9% e no período entre Novembro de 2018 e Outubro de 2020 foi de 36,5%. Já as tipologias de maiores dimensões (T4 e mais) estão a descer em peso. Nos últimos dois anos são 12,7% do total, quando nos dois períodos homólogos anteriores foram de 15% e 14,9%, respectivamente.

    Se recuarmos aos últimos dois anos do boom imobiliário do início do século – em 2007 e 2008 licenciaram-se mais de 111 mil fogos –, as casas de grandes dimensões (T4 ou mais) representaram 17,8% do total, enquanto T0 e T1 tiveram um peso de apenas 10%. Se juntarmos os T2, a percentagem sobe para os 36,6%, confirmando-se assim que se está a construir mais apartamentos de menores dimensões.


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  • Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Sem contas anuais conhecidas de 2022 e de 2023, com a Super Bock a não querer renovar a organização do festival na Praia do Meco, com a falta de patrocínios para o festival da Zambujeira do Mar e com o Fisco à perna, a outrora pujante empresa de espectáculos de Luís Montez está à beira do precipício. O ‘pequeno toque’ para a queda da Música no Coração é já um passo inevitável. Aquilo que mais surpreende é, na verdade, o facto de ainda estar em funcionamento, pois em finais de 2021 encontrava-se em falência técnica, com capitais próprios negativos de mais de 6,2 milhões de euros, e um passivo colossal de 26 milhões, impossível de pagar, sobretudo agora com o impacte da perda dos festivais Super Bock Super Rock e Sudoeste.


    A caminho do fim. Será apenas uma questão de dias, de semanas ou de meses, mas o fim é irreversível: a Música no Coração, a outrora pujante empresa de espectáculos e de festivas, detentora de uma rede de rádios, está em colapso financeiro, e já nem sequer entregou, como era obrigatório, a Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa aos anos de 2022 e 2023.

    A situação agravou-se no último mês com a decisão da  cervejeira Super Bock de não renovar o contrato com a empresa de Luís Montez, conhecido também por ser genro de Cavaco Silva, para a organização do festival Super Bock Super Rock, que se realiza anualmente na Praia do Meco, como noticiou o Observador no passado dia 21 de Novembro.

    Luís Montez

    Este desfecho era esperado, não apenas pela já débil situação financeira da Música do Coração, mas porque esta até já tinha vendido a rádio associada ao evento à Medialivre – que pretendia comprar frequência para preparar uma rede de rádio própria –, deixando mesmo de emitir em finais do passado mês de Setembro.

    Na mesma linha, o Festival do Sudoeste tem também os dias acabados. Luís Montez anunciou à SIC, há duas semanas, que este festival na Zambujeira do Mar, não tem capacidade de realizar no próximo ano por falta de patrocinadores. Porém, esse é apenas um dos problemas. O PÁGINA UM apurou que, devido a dívidas fiscais, o uso da denominação do Festival Sudoeste foi penhorado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 16 de Janeiro deste ano, aguardando-se ainda uma decisão do tribunal. Apesar disso, a empresa de Luís Montez mantém-se livre de constar na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social, embora esteja sujeito a diversos processos de execução intentados por credores.

    Mesmo sem se conhecer as contas de 2022 e de 2023, o PÁGINA UM sabe que a Música do Coração encontra-se ainda em pior situação face às demonstrações financeiras de 2021, reveladas pelo PÁGINA UM em Abril passado. A ‘holding’ de Luís Montez – que é ainda proprietária de algumas rádios com actividade residual – estava já com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros no final daquele ano, registando um pouco mais de um milhão de euros de prejuízos. O passivo, incluindo empréstimos bancários. aproximava-se dos 26 milhões de euros. Saliente-se que as contas da Música no Coração não estavam consolidadas.

    stage light front of audience

    Na verdade, somente por via de alguma engenharia financeira, o colapso da Música no Coração não se mostrava já mais patente de 2021, pois detectavam-se evidentes sinais de exagero na avaliação dos activos financeiros e excedentes de revalorização. Além disso, nesse ano, a ‘holding’ de Luís Montez tinha uma liquidez praticamente nula, inconcebível numa empresa promotora de espectáculos: em caixa apenas se contavam 3.099 euros.

    Grande parte dos activos (cerca de 11,2 milhões de euros) estavam então contabilizados em participações financeiras através do método da equivalência patrimonial, mas, na verdade, esse montante estaria fortemente inflacionado face à actual situação financeiras das subsidiárias, isto é, das rádios.

    Além disso, o endividamento da Música no Coração era, já em 2021, asfixiante, com empréstimos bancários de longa duração de 14,6 milhões de euros, mais quase 2,8 milhões de euros de contas a pagar a fornecedores, mais 1,4 milhões de euros de dívidas ao Estado e mais cerca de 6,3 milhões de euros em outros compromissos.

    Neste caso, não deixa de ser curioso que, apesar de ter uma empresa em falência técnica, com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, Luís Montez ainda tinha 786 mil euros emprestados a juros. Ou seja, cometia uma ‘sangria’ à sua própria empresa ‘moribunda’.

    O PÁGINA UM tentou contactar Luís Montez para solicitar comentários e saber se havia demonstrações financeiras de 2022 e 2023, mas não obteve resposta.


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  • Vacinas contra a covid-19: vigilância farmacológica desprezou 19.224 portugueses com reacções adversas

    Vacinas contra a covid-19: vigilância farmacológica desprezou 19.224 portugueses com reacções adversas

    Portugal é um dos poucos países europeus sem qualquer esquema expedito de compensação de lesados pelas vacinas contra a covid-19. Na verdade, Portugal está agora na minoria dos países mundiais sem qualquer plano desta natureza, porque desde 2021 houve uma proliferação de decisões governamentais e de outras instituições para, de uma forma solidária, apoiar quem sofreu efeitos adversos das vacinas. Mas em países como o Reino Unido, esses apoios estão a ser contestados por as indemnizações serem pequenas e pouco adequadas. Pior está Portugal, porque nem tem plano de indemnização nem uma farmacovigilância decentes. Os dados do Portal RAM obtidos pelo PÁGINA UM por via de uma intimação no Tribunal Administrativo – mas muitilados pelo Infarmed – revelam uma absurda falta de acompanhamento da evolução dos casos de reacções adversas. Em mais de quatro em cada 10 registos de reacções adversas, o Infarmed não sabe como evoluíram. A esmagadora maioria são sintomas leves, mas há centenas de afecções gravíssimas, entre as quais choques anafiláticos, miocardites, enfartes do miocárdio, AVC e tromboses diversas. A culpa, em Portugal, e com a postura do Infarmed, morre mesmo solteira, mas na companhia de muitas infelizes vítimas.


    Em Outubro passado, o editor da área da saúde da BBC, Fergus Walsh, fazia um balanço da administração das vacinas contra a covid-19. Apesar de defende que o programa de vacinação evitara “mais de um quarto de milhão de internações hospitalares e mais de 120.000 mortes no Reino Unido até Setembro de 2021” dava um enfoque específico sobre os efeitos colaterais, ou seja, sobre as vítimas das reacções adversas, raras em termos relativas, mas já bastante numerosas em termos absolutos pela elevada quantidade de doses administradas.

    E o jornalista destacava os impressionantes números de processos de pedidos de indemnização entrados no âmbito do Plano de Pagamento por Danos Causados por Vacinas (VDPS), criado em 1979, como uma espécie de contrato social entre os indivíduos e o Estado, após um problema de segurança da vacina contra a tosse convulsa em uso na época. A imposição desse plano governamental surgiu depois de uma crescente hesitação vacinal ao longo da década de 70, passando depois a vigorar em relação às demais vacinas, designadamente contra a varíola, difteria, tétano, poliomielite, sarampo, rubéola, tuberculose, meningites, infecção pneumocócica, vírus do papiloma humano (HPV), gripe e, finalmente, covid-19.

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    Em termos gerais, com recurso a relatórios médicos e de farmacovigilância, provando-se uma associação directa e ocorrendo pelo menos uma incapacidade de 60%, este plano de apoio do Reino Unido é automaticamente accionada e concedida uma compensação de 120 mil libras (cerca de 145 mil euros). Neste país, entre o final da década de 1970 e 2020, houve para todas as vacinas pouco menos de 6.500 pedidos entrados por danos causados por reacções adversas, e concedidas 944 indemnizações.

    Mas estes valores subiram vertiginosamente no Reino Unidos com as vacinas da covid-19, sobretudo pelo elevado número de doses administradas da AstraZeneca. Em Outubro passado, no âmbito de um sistema de acesso obrigatório à informação – lamentavelmente inexistente em Portugal –, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS) revelou que já tinha sido recebidas pelo VPDS um total de 15.805 reivindicações sobre reacções adversas graves da vacina contra a covid-19, ou seja, mais do dobro de todas as solicitações de quatro décadas envolvendo outras vacinas. Mas, até agora, somente 181 reivindicações foram consideradas passíveis de recebimento de indemnizações, tendo sido rejeitadas 7.357 solicitações porque o avaliador médico independente considerou não existir causalidade, havendo ainda mais 391 reivindicações que não tiveram sucesso por a vacina, embora causando dano, não provocou incapacidade grave. Isto pode incluir, por exemplo, a cegueira de olho, porque não se atinge os 60% de incapacidade.

    De acordo com a NHS, as reacções adversas agudas mais graves detectadas após as vacinas contra covid-19 incluem anafilaxia, pneumonia bacteriana, paralisia de Bell, neuropatia óptica sequencial bilateral, síndrome de vazamento capilar, síndrome de Guillain-Barré, trombocitopenia imune, resposta imune à vacina, inflamação dos pulmões, enfarte do miocárdio, miocardite/pericardite, embolia pulmonar, acidente vascular cerebral (AVC), mielite transversa, trombose do seio venoso cerebral e vasculite induzida por vacina.

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    Mas as críticas ao sistema do Reino Unido, pelo seu carácter desactualizado e meramente burocrático, tem aumentado, como salienta Fergus Walsh, citando uma advogada de vítimas que critica o VDPS por “oferecer muito pouco, muito tarde e para muito poucas pessoas”, além de que a análise dos casos é feita apenas com base em documentos clínicos, de forma burocrática, sem qualquer exame físico. As críticas têm sido tão grandes que o Governo do Reino Unido aumentou os funcionários que tratam dos processos no VDPS para 80. Antes do programa de vacinação contra a covid-19 eram quatro.

    Este esquema de compensações apoiada pelos Estados, de forma extra-judicial (sem assumpção de culpa pelas farmacêuticas), para apoiar vítimas de reacções adversas causadas pelas vacinas existia em 29 países antes da pandemia, sobretudo na Europa, mas que incluía também os Estados Unidos, a China, a África do Sul e a Nova Zelândia. Portugal não possuía qualquer sistema.

    E os portugueses continuaram assim completamente desprevenidos com o surgimento das campanhas maciças de vacinação, nunca sendo assumido pelo Estado e pelas diversas autoridades de saúde a existência de efeitos adversos relevantes, independentemente da sua prevalência. Assim, de acordo com uma compilação do Centre for Socio-Legal Studies, desde 2021 proliferaram os planos de compensação especificamente para as vacinas contra a covid-19, quer por iniciativa dos próprios Estados, nos países mais ricos, quer por iniciativas de entidades ou corporações, como a African Vaccine Acquisition Trust (AVAT), da União Africana, a COVAX – uma parceria da Coalition for Epidemic Preparedness Innovations (CEPI), a Gavi – The Vaccine Alliance e a Organização Mundial da Saúde (OMS) – e a UNICEF. São 98 o número de países abrangidos, sendo 21 europeus. Portugal não está nem nunca manifestou interesse em estar. Na verdade, Portugal encontra-se no lote muito restrito que aparentemente nega que as vacinas contra a covid-19 possam causar danos colaterais. Ou que despreza ou abandona quem respondeu afirmativamente aos apelos, e pressões, para se vacinar, mesmo quando não se encontrava em grupos de risco.

    Países (a vermelho) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas antes da pandemia da covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    E uma das causas tem sido a postura do Infarmed, o regulador do medicamento em Portugal, que ostensivamente menoriza, manipula e oculta os efeitos adversos das vacinas em território nacional, sempre com o mesmo protagonista: Rui Santos Ivo.

    Único dirigente da Administração Pública no sector da Saúde que se mantém em funções desde o início da pandemia, este farmacêutico com passagens entre cargos públicos e ligações à indústria farmacêutica –, Rui Santos Ivo foi director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) entre 2008 e 2011 –, tendo sido recentemente ‘promovido’ à vice-presidência da Agência Europeia do Medicamento (EMA), cada vez mais uma instituição comunitária que visa defender mais os interesses da indústria do que proteger os cidadãos. Discreto e completamente avesso à transparência, Rui Santos Ivo acabou por fazer aquilo que eram as instruções políticas e as linhas orientadoras da Comissão Europeia. Não levantar ondas, em suma.

    Durante os primeiros dois anos do programa vacinal contra covid-19, o Infarmed ficou conhecido por revelar relatórios de farmacovigilância onde, logo nas primeiras frases, garantia que “a vacinação contra a COVID-19 é a intervenção de saúde pública mais efetiva para reduzir o número de casos de doença grave e morte originados pela infeção pelo SARS-CoV-2”, acrescentando que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a COVID-19 são seguras e efetivas.” Enquanto isso, o presidente do Infarmed obstaculizada, como podia, recorrendo por vezes à mentira, o acesso do PÁGINA UM aos dados brutos das notificações registadas no Portal RAM, ou seja, as reacções adversas identificadas como suspeitas de associação às vacinas.

    Países (a azul) com planos de compensação para os efeitos adversos de vacinas contra a covid-19. Fonte: Centre for Socio-Legal Studies.

    Em Julho passado, através de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul – que reverteu uma absurda sentença de primeira instância, com a juíza a considerar que descarregar ficheiros de uma base de dados era criar um documento novo –, a presidência do Infarmed viu-se na obrigação de revelar os dados em bruto. Porém, mais uma vez, Rui Santos Ivo quis manipular a informação, ‘mutilando’ a base de dados, retirando variáveis relevantes como as idades das vítimas e sobretudo o grau de casualidade apurada, ou seja, a conclusão clínica sobre se associação da reacções adversa à vacina era definitiva, provável, possível ou improvável. Essa é, aliás, a função primordial da farmacovigilância: uma vigilância activa e dinâmica, que acompanha os casos desde o início dos sintomas até ao desfecho, que pode ser uma (infeliz) morte, uma recuperação completa (cura) ou uma recuperação com sequelas, sendo que existirá uma situação intermédia (‘em recuperação’).

    Extracto da base de dados (em Excel) revelados pelo Infarmed (com mutilação de variáveis), após intervenção do Tribunal Administrativo, e analisados pelo PÁGINA UM para detectar registos com evolução desconhecida de sintomas.

    Porém, apesar de Rui Santos Ivo nunca ter manifestado qualquer interesse em disponibilizar os dados completos – e nem sequer ter reagido ao PÁGINA UM sobre uma eventual prevaricação por si cometida por estar a proteger ilegitimamente interesses das farmacêuticas e do Governo –, um dos aspectos mais salientes nos dados em brutos disponibilizados era a quantidade avassaladora à referência “Desconhecido” sobre a evolução de sintomas ou afecções inicialmente detectados. Ou seja, ao fim de meses, e até anos, da primeira detecção das suspeitas de reacções adversas às vacinas, o Infarmed não sabia como evoluíra o estado de saúde dos pacientes. E não estamos a falar de meia dúzia de casos, nem de umas centenas, mas sim de 19.224 pessoas de um total de 45.337 registos individuais introduzidos no Portal RAM entre 27 de Dezembro de 2020 e 28 de Agosto de 2024. Ou seja, em mais de quatro em cada 10 registos (42,4%), o Infarmed não apurou sequer como evoluíram os sintomas e afecções detectadas.

    Numa análise detalhada à variável da evolução das reacções adversas – um processo moroso, porque o ficheiro do Infarmed lista o conjunto de afecções e sintomas numa mesma célula com indicações de progresso por vezes distintas –, observa-se que uma grande parte se refere a problemas que, em princípio, são ligeiros e corriqueiros, como dores no local de vacinação (quase quatro mil casos), dores de cabeça, febre ou dores (centenas de casos). Mas, de entre a lista, constam afecções gravíssimas potencialmente mortais ou com causadores de sequelas profundas. E isto altera de forma radical uma avaliação correcta da segurança das vacinas e impede, desse modo, acções judiciais com pedidos de indemnização.

    Por exemplo, numa averiguação preliminar, o PÁGINA UM detectou 45 registos de pessoas com miocardites ou pericardites após vacinação cuja evolução se mantém irresponsavelmente desconhecida pelo Infarmed. Mas isso é apenas a ponta do icebergue. A evolução de 22 casos de choques anafiláticos – uma reação alérgica grave e potencialmente fatal, que causa dificuldade em respirar e que, sem tratamento imediato (com adrenalina), pode levar à morte – é desconhecida pelo Infarmed. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, foi agora promovido a vice-presidente da Agência Europeia do Medicamento.

    Há também 40 casos de tromboembolismo pulmonar – o bloqueio de uma artéria dos pulmões por um coágulo – para os quais é uma incógnita a sua evolução. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Houve ainda 13 acidentes vasculares cerebrais suspeitos de estarem fortemente associados às vacinas, mas cuja evolução também se desconhece. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Casos de síndrome de Guillain-Barré – uma doença autoimune rara que afeta os nervos periféricos, causando fraqueza muscular progressiva, podendo levar à paralisia – surgem ainda 18 casos no Portal RAM com um desfecho incógnito. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Situações de paralisia de Bell – uma paralisia por vezes apenas temporária devido á inflamação ou compressão do nervo facial – contabilizam-se 27 sem se conhecer a evolução. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Até enfartes agudos do miocárdio se contam com evolução desconhecida. São oito, a que se juntam 13 casos de acidentes vasculares cerebrais (AVC) de evolução desconhecida, mais 17 casos de trombose venosa profunda de evolução desconhecida, mais 16 casos de trombocitopenia imune de evolução desconhecida, mais cinco casos de mielite e 13 de vasculite de evolução desconhecida. Porquê? Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber.

    Considerando a gravidade de muitos destes casos, e também a subnotificação e falta de acompanhamento, é pura especulação o Infarmed apontar ‘apenas’ a ocorrência de 141 mortes em Portugal suspeitas de estarem associadas às vacinas. Tanto mais que se desconhece o grau de causalidade apurada.

    Sede do Infarmed, onde (não) se faz farmacovigilância dos medicamentos.

    Na quantidade absurda de casos sem vigilância digna – e ignora-se a realização de estudos sérios para acompanhar inicialmente menos sérios –, o PÁGINA UM encontrou ainda 63 alterações menstruais sem conhecimento da evolução e mais 22 casos de herpes zoster – ou seja, por reactivação do vírus da varicela – também sem conhecimento da evolução. E muitos mais há nas 19.224 registos analisados. E qual a razão? – pergunta-se de novo. Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed, não responde ou não quer saber. Agora está este responsável acumulando a liderança de um regulador que esconde informação pública relevante – porque o poder político lhe permite – com a cadeira da vice-presidência da Agência Europeia do Medicamento. Terá, por certo, mais do que fazer agora do que preocupar-se com uns milhares de portugueses que foram vítimas indirectas de um programa vacinal onde seria suposto, à moda lusitana, que tudo ficar bem, porque o que corresse mal se esconderia.

    Assim, sem qualquer plano de indemnizações, com falhas escandalosas de vigilância farmacológica e escondendo-se até a casualidade eventualmente apurada, Portugal apresta-se para enterrar a culpa solteira. Salvar-se-á a honra de política e do realpolitik – continuando a vender a ideia de um sucesso de vidas salvas –, mas, metendo a cabeça na areia, não se dignofica, por certo, nem a democracia nem a solidariedade de uma sociedade que se esperaria civilizada e responsável.


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  • Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

    Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

    A Padaria Portuguesa está à venda, e as notícias veiculadas pela imprensa garantem que existem fundos de capital de risco e de private equity interessados no negócio intermediado pelo banco de investimentos Haitong. Mas por detrás desta cadeia de 78 lojas de restauração, além de duas fábricas de panificação, estão muitas fragilidades, com prejuízos elevados durante a pandemia e uma facturação que está em estagnação com margens operacionais modestas. A reputação da empresa de pagar pouco aos funcionários tem sido também uma marca pouco abonatória, e há agora um litígio com o fisco de quase 900 mil euros. No final de Outubro, chegou entretanto uma rival de peso ao mercado português, com a abertura da primeira loja da britânica Pret a Manger, no Centro Colombo, e aparentemente os actuais sócios querem saltar fora do barco. O destino da empresa que teve como sócios iniciais o ex-ministro Dias Loureiro e até Nuno Rebelo de Sousa, filho do actual Presidente da República, parece estar encaminhado. Mas a que preço?


    Salários baixos, anos com prejuízos e uma marca consolidada, com um marketing também assente na figura mediática de um dos sócios, José Diogo Quintela, do quarteto humorístico Gato Fedorento. Para os donos da Padaria Portuguesa, a oportunidade para vender a cadeia de lojas de restauração pode ser única. Os dois últimos anos foram de lucros, mas após dois penosos anos de prejuízos em 2020 e 2021, por via das opções adoptadas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19 terem triturado a Economia e esmagado muitas empresas em áreas como a da restauração e alojamento.

    Apesar dos subsídios do Estado para compensar a perda de rendimento da Padaria Portuguesa no valor de quase 3,9 milhões de euros entre 2020 e 2022, a empresa registou prejuízos de 4,8 milhões de euros no somatório dos anos de 2020 e 2021, regressando aos lucros em 2022 com 887 mil euros de lucros. No ano passado, os lucros até subiram, para 1,6 milhões de euros, mas uma parte substancial devido a activos por impostos diferidos, ou seja, uma forma de compensação fiscal por prejuízos anteriores.

    Mais do que uma real vontade de expandir o seu negócio, a venda pelos sócios – Nuno Carvalho e demais familiares, incluindo José Diogo Quintela – denota pressa para se livrarem de um negócio que já viu melhores dias. Até porque a concorrência por parte de formatos similares está a aumentar. Aliás, a britânica Pret a Manger acaba de inaugurar a sua primeira loja em Portugal, em Lisboa, no Centro Colombo pela ‘mão’ da Ibersol, que opera marcas de ‘fast food‘. E um sinal disso está no facto de no ano passado terem sido distribuídos 800 mil euros de dividendos, numa empresa em anos anteriores apostava sobretudo em investir lucros, só possível por um aumento do endividamento.

    Recorde-se que a Padaria Portuguesa nasceu em 2010 numa pequena fábrica em Samora Correia, tendo, curiosamente, nesta fase como sócios Nuno Carvalho, em nome individual, e a ZDQ Unipessoal, do seu primo José Diogo Quintela. Mais tarde, juntou-se a Bakers Capital, através de um aumento de capital, controlada pelo ex-ministro social-democrata Dias Loureiro. Em 2013, houve outra entrada de um sócio: Nuno Rebelo de Sousa, o agora mediático filho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas foi passagem efémera, porque em 2015 deixou de constar na estrutura societária da empresa. Hoje, a empresa é detida pela ZDQ Unipessoal, de Diogo Quintela, pela Nutelo, de Nuno Carvalho, presidente-executivo, e ainda por outros membros da família.

    No ano de 2019, a Padaria Portuguesa obteve lucros de 1,3 milhões de euros e estava em franca expansão. Mas chegou a pandemia, e Portugal não a geriu como a Suécia. E fechou tudo. Logo em Abril de 2020, Nuno Carvalho criticou essa medida, escrevendo uma carta aberta ao ministro da Economia Pedro Siza Vieira, alertando sobre o impacte dos confinamentos, mas acabou criticado pelo unanimismo imposto do ‘vai ficar tudo bem’. Para a Padaria Portuguesa ficou tudo mal. Mesmo com subsídios à exploração nesse ano por parte do Estado de quase 1,8 milhões de euros, a empresa fechou as contas anuais com prejuízos de mais de 1,5 milhões de euros, à medida que o país prosseguia com a gestão radical da pandemia.

    Aliás, mesmo com alguma abertura do comércio, mas ainda num cenário de forte instabilidade e quase sem turistas, a facturação da Padaria Portuguesa estagnou em 2021, na ordem dos 26 milhões de euros, e mesmo com uma redução nos gastos com pessoal de 4,3 milhões de euros em relação a 2019 e ainda 1,5 milhões de euros em subsídios do Estados, os resultados operacionais foram negativos. E no final, resultados líquidos bateram ainda mais no vermelho: prejuízos de quase 3,3 milhões de euros.

    Foto: D.R.

    Apesar de um regresso aos lucros em 2002, em cerca de 886 mil euros, o mal estava feito e a empresa perdeu gás. No ano passado, o lucro atinguu os 1,6 milhões de euros, mas sobretudo graças à contabilização de impostos ‘derivados’ dos prejuízos na pandemia. Antes de impostos, o resultado foi de apenas 836 mil euros. No mesmo exercício, os sócios aproveitaram para ‘sacar’ 800 mil euros em dividendos, denotando já um sinal de desinvestimento.

    Este ano, a empresa anunciou um plano de expansão que envolve um investimento de 16 milhões de euros para adicionar 40 lojas às actuais 78 e criar 600 empregos até 2028, mas mostra-se evidente que não tem ‘mãos para tocar essa guitarra’, porque, em comparação com 2019, os capitais próprios (‘património’ dos sócios) estão mais baixos em 3,1 milhões de euros e o passivo (sobretudo endividamento) aumentou quatro milhões de euros). Ou seja, a autonomia financeira é bastante baixa.

    A evolução da facturação da empresa, mesmo descontando o impacte da pandemia, foi muito modesta: saltou de 39,4 milhões de euros em 2019 para 42,6 milhões, prevendo a empresa fechar este ano com vendas na ordem dos 44 milhões. Ora, isso significa um aumento da facturação um pouco acima de 10%, muito inferior à taxa de inflação.

    Mas a empresa tem mais alguns pontos fracos, para além de demonstrar uma grande sensibilidade a factores externos e políticos, como sucedeu durante a pandemia. Além disso, o PÁGINA UM apurou que a Padaria Portuguesa tem em curso um litígio judicial com a Autoridade Tributária, tendo entrado no passado dia 22 de Outubro com um processo de impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa por causa de 893.492,41 euros em impostos.

    Mas é, sem dúvida, a reputação de empregador ‘sovina’, baseada em salários baixas, que tem sido o grande ‘calcanhar de Aquiles’ da Padaria Portuguesa, que se tornou quase uma imagem de marca da empresa. De facto, uma análise à evolução dos gastos com pessoal entre 2019 e 2023 mostram uma prevalência de sinais de salários baixos, especialmente quando comparados ao número de empregados.

    Por exemplo, olhando em detalhe para estes dados, em 2019, os gastos com pessoal foram de 15.052.110 euros enquanto em 2023 ascenderam a 15.946.429 euros. Em 2019, a empresa empregava 1.104 trabalhadores, dos quais 939 a tempo inteiro e 165 a tempo parcial. Em 2023, empregava 905 funcionários, dos quais 764 a tempo inteiro e 141 a tempo parcial. Isto resulta em gastos anuais médios por empregado de 13.638 euros, em 2019, e de 17.621 euros em 2023.

    Foto: D.R.

    Apesar de ter existido uma recuperação, este gasto médio por empregado é indicativo de salários baixos. O valor anual médio de 17.621 euros, em 2023, traduzindo-se em cerca de 1.468 euros por mês, incluindo os encargos sociais, sugerindo salários médios líquidos inferiores, especialmente para trabalhadores a tempo parcial. Por outro lado, a proporção de trabalhadores a tempo parcial também contribui para a redução do gasto médio, mas mesmo entre os trabalhadores a tempo inteiro, o valor médio não reflecte salários competitivos, considerando o sector.

    Ora, por um lado, o custo laboral reduzido contribui para margens operacionais mais sustentáveis, especialmente em anos difíceis, como foi o caso de 2020 e 2021. Mas abre a porta ao risco de não conseguir fazer retenção de talentos, já que salários baixos são sinónimo de uma rotatividade elevada de pessoal, afetando a continuidade e eficiência operacional. Há ainda a contabilizar os danos causados na imagem pública, já que a prática sistemática de salários baixos é, em geral, mal recebida pelo público, especialmente em sectores que valorizam práticas laborais éticas.

    Há, portanto, um caminho a percorrer nesta matéria para que a Padaria Portuguesa se torne mais competitiva nesta matéria. Um ajuste salarial proporcional à recuperação seria aconselhável. Com a recuperação das receitas e do EBITDA em 2022 e 2023, seria recomendável que a empresa avaliasse aumentos salariais para reter talentos e melhorar a motivação dos seus empregados. Complementar os salários com benefícios, designadamente formação, subsídios ou incentivos de produtividade, pode mitigar a percepção de uma empresa que paga salários baixos.

    Nuno Carvalho, CEO, (à esquerda) e José Diogo Quintela a participar num programa da RFM, em 2015.

    Num contexto de venda da empresa, apresentar um custo laboral reduzido é um factor que contribui para a viabilidade da empresa, mas pode haver um potencial impacto negativo de uma eventual dependência excessiva de salários baixos em negociações futuras. Supondo que a empresa pudesse aumentar em média em 10% os salários dos seus funcionários, teria um impacto nos resultados e na sustentabilidade do negócio. A margem EBITDA iria cair ligeiramente. Mas, no caso de o comprador ter um forte compromisso ético, o negócio seria atractivo, embora o preço de aquisição fosse reflectir o impacto do aumento salarial.

    Olhando para o mercado, com base no EBITDA de 2023, de 3.343.879 euros, considerando uma avaliação do negócio assente em múltiplos médios de operações de fusão e aquisição na Europa, em 2023, de cinco vezes o EBITDA, a avaliação da empresa ficaria próxima dos 17 milhões de euros.

    Tudo isto ponderado, o eventual futuro dono da cadeia de lojas da Padaria Portuguesa herdará uma marca – para além dos croissants, pão-de-deus e outros produtos conhecidos da empresa – mas também algumas polémicas que ficaram na memória. Quem não se lembra dos bolos-rei empilhados em cima de um caixote do lixo em frente à loja da marca no centro da Graça, em Lisboa. Ou ainda as frases proferidas por Nuno Carvalho, em defesa de uma maior flexibilidade laboral em Portugal. Com um passado de ser uma empresa familiar e algumas polémicas à mistura, em 2025 irá saber-se se a Padaria Portuguesa irá mudar de menu e melhorar a sua política laboral ou se ficará tudo na mesma.


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