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  • Portugal: este país não é para vivos

    Portugal: este país não é para vivos


    PRÉ-VENDA na LOJA DO PÁGINA UM da obra CORREIO MERCANTIL DE BRÁS CUBAS (até 10 de Setembro)

    (não inclui esta crónica inédita; para ler o prólogo e três crónicas do livro, veja aqui)

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    Há em Portugal uma escola de prantear tragédias que faria inveja às carpideiras de Tebas, às viúvas de Jerusalém e, ouso dizer, ao próprio São Roberto Belarmino – sim!, esse mesmo, o cardeal jesuíta que quis tratar da saúde a Galileu Galilei –, que em De Arte Bene Moriendi ensinava que a boa morte é a consumação de uma vida virtuosa, e não o coroamento de uma existência de incúrias e descuidos.

    Pois, sim. Mas se é verdade que Belarmino pregava o arrependimento como chave para o bem morrer, Portugal prefere só o espectáculo: não se arrepende, antes decreta luto e soleniza. Por isso, neste Estado luso – e no estado em que andais –, asseguro-vos, discretas donzelas e circunspectos cavalheiros: mesmo que pequeis à vontade, que vivais na incúria, na preguiça, no desleixo, no comodismo, na desatenção, na negligência, na imperícia, na omissão, no descuido e até no dolo mais descarado, no momento da vossa morte — se ela se der com estrondo e sobretudo com culpa pública — sereis guindados à glória dos altares cívicos, com missa de corpo presente, luto nacional, coroas de flores e lágrimas televisivas que fariam corar as bem-aventuranças.

    Foi assim na queda da ponte de Entre-os-Rios em 2001, quando a engenharia lusitana, num acto de fé pascaliana, apostou que a ponte se manteria de pé sem manutenção — e perdeu a aposta. Foi assim nas chamas de 2017, quando mais de cem almas se transformaram em holocausto rodoviário, encerradas em estradas sem escape, como se o Leviatã hobbesiano tivesse decidido cobrar tributo. E é assim agora, com o funicular da Glória — que ironia nominal! — que se despencou, depois de uma vistoria feita poucas horas antes, certificada com a mesma solenidade de um sacramento, garantindo que estava apto a durar. Durou, sim: mais umas horas até à derradeira viagem, quando se fez do trilho catre e da cabine esquife, para lamento das famílias e gáudio das estatísticas da criminalidade travestida de acidente.

    Eu, Brás Cubas, que expirei na minha chácara de Catumbi com onze amigos à beira do meu buraco, sem coroas de flores nem discursos de Estado, confesso que às vezes invejo este vosso país. Não tive luto nacional, não tive trombetas nem orquestra, e tampouco um imperador que me enviasse condolências. Mas Portugal, esse país que me poderia ter mantido súbdito se tivesse deixado a Inglaterra ficar com o apêndice cecal da Europa que Napoleão tanto ambicionou, sabe fazer funerais. Portugal é, em pleno, um país que não se governa, mas que se enterra com magnificência.

    Olhem o ritual: primeiro, a comoção mediática, de três ou quatro dias, com luto oficial, envio de condolências, directos televisivos junto aos destroços e coroas de flores à farta. Depois, a romaria política aos velórios e homenagens, como o da Igreja de São Domingos com a presença simultânea dos contritos 3M — Marcelo, Montenegro e Moedas —, gravata preta, desempenhando o seu papel num evangelho cívico.

    Seguir-se-ão missas de sufrágio, televisionadas, com homilias que citam o Livro de Jó (“O Senhor o deu, o Senhor o tirou”) e a Carta aos Coríntios (“A morte foi tragada pela vitória”), misturadas com um pouco de Rousseau para temperar o caldo. Tudo para que o povo chore em uníssono e a catarse colectiva seja integral.

    Enquanto isso, havia um ortopedista de plantão nos serviços de urgência de toda a cidade de Lisboa e o pomposo Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Ferroviários, esse Sísifo lusitano, tem menos inspectores do que palavras na nominata, contando somente um investigador ferroviário para carregar a pedra da responsabilidade até ao topo do monte burocrático, de onde ela invariavelmente rolará para o esquecimento. Mas o que importa isso? Importante é um país decretar luto nacional sem saber ainda quantos mortos há, mobilizar quinze médicos legistas para imediatas autópsias nocturnas — enquanto nas urgências os vivos esperam sem médicos — e garantir que as lágrimas e as palavras sugeridas por spin doctors sejam devidamente transmitidas em directo.

    Portugal não sabe prevenir, mas sabe lamentar: é um país que, como disse Santo Agostinho, “ama a cidade dos homens mais que a Cidade de Deus”, e por isso celebra a morte com solenidade, como se fosse um sacramento cívico. Recordo-me do Eclesiastes — “há tempo de nascer e tempo de morrer” —, mas em Portugal há sobretudo tempo para decretar luto, tempo para discursar, tempo para mandar coroas de flores.

    E aqui entra a parte mais sublime da liturgia: desde 2022, fazendo jus a um país funesto, o vosso Presidente da República já encomendou 190 mil euros em coroas fúnebres. Sim, noves fora, é muita flor – e muito dinheiro. Seria dinheiro suficiente para arranjar os cabos do funicular da Glória? Ou seria preferível que a Carris não gastasse 600 mil euros por ano em jardineiros? Não sei: afinal, para quê prevenir se é tão mais edificante carpir depois?

    Dir-me-ão que sou cáustico, que exagero, que o país não é só lágrimas nem cerimónias fúnebres, que também faz leis, governa, constrói estradas, gere hospitais – nem sempre bem e a custos módicos, é certo. Concedo. Mas há aqui uma estética da morte que em Portugal é cultivada como um jardim barroco: as bandeiras a meia-haste, as notas de pesar, os retratos das vítimas em montagem audiovisual ao som de Samuel Barber, tudo é preparado para a fotografia, para o directo, para o lamento partilhado nas redes sociais.

    Enquanto os vivos esperam anos por justiça, os mortos são velados em altares de veludo. Enquanto os vivos padecem nas listas de espera, os defuntos têm prioridade de autópsia e honras de corpo presente. Mas não se diga que isto é pouca coisa. Certos países nada têm disto que o Estado vos concede: um consolo colectivo, uma espécie de purgatório antecipado: já que se falhou em garantir a segurança dos vivos, ao menos se canonizam os mortos. Mesmo se, convenhamos, se trate de uma economia moral curiosa: o Estado falha em zelar pela vida, mas compensa com pompa na morte, como se a bandeira a meia-haste fosse indulgência plenária para os pecados de omissão.

    Eis o triunfo da liturgia sobre a prudência, da estética sobre a ética. Pascal diria que é a grandeza e a miséria do homem: falhar na vida, redimir-se na morte — em Portugal, os políticos assim procedem, embora para tratar da vida deles e cuidar do funeral dos outros – e com fundos do Orçamento de Estado.

    E, assim, o vosso país continuará, entre lágrimas e velas, seguindo os passos do seu fatídico destino, paradoxalmente à espera da próxima tragédia para logo depois repetir o rito. De certo modo, é comovente. De outro, é aterrador – grotesco, mesmo. Como defunto que sou, ouso porém aconselhar: vivei com prudência perante as obras e feitos dos políticos, para que não preciseis de ser carpidos com tanto esmero, mas se morrerdes por negligência, incúria ou omissão do Estado, tende ao menos a consolação de que tereis missa de homenagem, transmissão em directo e, com sorte, uma coroa de flores presidencial. Talvez até duas, se o orçamento permitir.

    E, no fim, Marcelo vos elogiará do púlpito, Moedas soluçará de emoção, Montenegro jurará que ‘jamais’ — e se não forem estes, serão outros —, de sorte que a Nação sentirá que cumpriu a sua parte. O resto — o resto é silêncio, e o crepe fúnebre cai.

    Adeus, e um piparote.

    Brás Cubas

  • Montenegro, Ventura e o Plano Nacional de Leitura: tragédia em dois actos e nenhum livro

    Montenegro, Ventura e o Plano Nacional de Leitura: tragédia em dois actos e nenhum livro


    PRÉ-VENDA na LOJA DO PÁGINA UM da obra CORREIO MERCANTIL DE BRÁS CUBAS (até 10 de Setembro)

    (não inclui esta crónica; para ler o prólogo e três crónicas, veja aqui)

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    Sou um defunto autor – digo-o sem modéstia, mas também sem vanglória, pois já não me resta carne para ser modesto nem vaidade para me gabar. A morte, ao contrário do que se supõe, não vos roubará o vício de observar os vivos: apenas vos concederá a deliciosa distância que permite rir dos seus desatinos sem remorso.

    E que grande circo me cabe agora assistir, entre Fogos e Férias, neste país que há muito vive condenado a três letras fatigadas – Fado, Fátima e Futebol. Pois é: eis-me aqui a falar de uma nação que teve Camões a cegar para ver mais fundo, Sophia a dar voz ao mar, mas que agora, por perverso sortilégio democrático, se vê representada por um primeiro-ministro que, tendo escalado alto nos degraus da política, não logrou, todavia, elevar o espírito além da soleira da taberna. É um Ulisses sem Ítaca, um Édipo sem tragédia, um Salomão sem provérbios: chegou longe, sim, mas apenas na geografia dos cargos, enquanto na cartografia da inteligência permanece fiel a uma província desolada, onde as letras são ornamento supérfluo e a cultura um incómodo que convém confundir.

    Falo-vos, claro, minhas argutas donzelas e perspicazes leitores, de Luís Montenegro, o homem que governa Portugal desde 2024, e que há semanas subiu ao Parlamento para encerrar um discurso com uma citação erudita. Ah, o velho truque da retórica: “como diz Sophia”, proclamou ele, e recitou a frase “Nós somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos”. Bonito, não fosse um pormenor: a frase era de Saramago, nos Cadernos de Lanzarote. Sophia quedou-se muda no jazigo em Carnide, as cinzas de Saramago gargalharam em Lanzarote, e Montenegro saiu como um novo Édipo de São Bento, furando os olhos da cultura sem sequer saber onde estava a faca.

    Fácil se percebeu, por esta amostra risível, porque não há Ministério da Cultura neste governo. Para quê, se o próprio chefe não distingue a socialista Sophia do comunista Saramago? Já se mostrou temerário nomear um ministro da Agricultura que poderia confundir trigo com tremoço, ou uma ministra da Saúde que, mesmo com diploma de farmácia, prescreveu o encerramento de urgências para salvar vidas.

    Montenegro, porém, supera essas caricaturas, fazendo da ignorância não uma falha, mas um princípio doutrinário. Naquele instante parlamentar, o país compreendeu: a confusão não é lapso, é método; a ignorância não é acidente, é programa; e a cultura, se resistir, será apenas por obra e graça do Espírito Santo – e nem sempre Ele está disponível para milagres tão repetitivos.

    Aliás, Montenegro quer, à sua maneira, deixar marco na Cultura portuguesa. É verdade que outros governantes, em tempos idos, o fizeram erguendo, fundando, protegendo: D. Dinis criou a Universidade em 1290, legando ao reino um farol de saber; D. Manuel I mandou imprimir as primeiras grandes edições régias, introduzindo a tipografia como instrumento de poder e de conhecimento; D. João V, mesmo estroina, engrandeceu a memória nacional com a monumental biblioteca da Universidade de Coimbra, templo barroco do livro; e a rainha D. Maria II patrocinou a criação do Conservatório Real de Lisboa, que formou gerações de músicos e actores.

    Montenegro, porém, não se inscreve nessa galeria de benfeitores: prefere a linhagem dos iconoclastas domésticos. Aproxima-se mais de Pombal quando, ao expulsar os Jesuítas em 1759, entregou a pilhagem das suas bibliotecas à voragem dos ratos e dos alfarrabistas; dos liberais de 1834 que, sob pretexto de modernidade, extinguiram conventos e dispersaram tesouros monásticos inteiros, vendendo incunábulos a peso de papel; dos republicanos iconoclastas de 1910 que, em nome da laicidade, serraram retábulos, destruíram imagens sacras e transformaram claustros seculares em armazéns ministeriais; ou ainda dos censores do Estado Novo, que fizeram da tesoura uma arma contra qualquer ideia demasiado alta. Para cúmulo, não esqueçamos os zelosos burocratas do século XIX que, com diligência de almoxarife, desfizeram códices e pergaminhos medievais como se fossem trastes inúteis, nem a voragem municipal do século XX que, no afã de “progresso”, deixou perder livrarias inteiras dos antigos colégios jesuítas de Coimbra.

    É essa a marca que Montenegro deseja deixar: não a construção, mas a extinção; não o fomento, mas a erradicação; não a memória, mas o esquecimento. Assim ficará inscrito no panteão da vossa história cultural: não ao lado dos que edificaram universidades, bibliotecas e conservatórios, mas na fileira dos que, por cálculo ou tacanhez, reduziram a pó o património que lhes coube guardar.

    Por isso, o seu Governo anuncia a extinção do Plano Nacional de Leitura e da Rede de Bibliotecas Escolares. Eis a pedagogia montenegrina: não havendo livros, não há erros de citação; não havendo bibliotecas, não há lapsos de memória; e não havendo leitura, não há risco de pensamento. É um regresso ao Éden, mas sem serpente nem maçã – apenas com a inteligência saloia como árvore da vida.

    Dir-se-á que exagero. Não: este é o retrato fiel de uma pátria que transformou sabedoria em despesa e leitura em luxo. Recordo que Nero, diante do incêndio de Roma, tocava lira; Montenegro, diante da extinção da cultura, cita Sophia enquanto apaga Saramago. E se Átila deixou a Europa em cinzas, Montenegro prefere deixar os liceus em branco – páginas em branco, programas em branco, cabeças em branco. Montenegro prepara um vale branco de ignorância.

    Muitas de vós, leitoras queridas, e muitos de vós, estimados leitores, concordarão comigo. Porém, ainda julgo que há algo para além da ignorância enraizada: há também aqui um cálculo político, uma prudência quase maquiavélica. Porque paira sobre São Bento uma presença larvar ainda mais temível do que a própria ignorância: a fantasmagoria literária de André Ventura.

    Imaginem, senhores, que nas negociações com o Chega, entre a caça aos imigrantes e o fogo das serranias causadas pelos incendiários a condenar à prisão perpétua, Ventura exige que os seus livros, impressos em vanity press, figurem no Plano Nacional de Leitura. Um apocalipse pedagógico! Crianças de tenra idade a estudar A Culpa é do Benfica com a mesma solenidade com que se lê O Meu Pé de Laranja Lima. Adolescentes a sublinhar 50 Razões para Mudar para o Benfica, ilustrado com cartas astrais da Maya, como quem descobre a epopeia de Camões. Professores, de lágrimas nos olhos, a explicar que o herói da nova literatura nacional é um ciclista toxicodependente, seropositivo e ninfomaníaco que, no romance Montenegro, conquista a Volta a Espanha com a mesma bravura com que Ulisses conquistou Ítaca.

    Vede, pois, o drama: adolescentes confundirem o protagonista do romance com o primeiro-ministro em exercício; ou pior, debaterem nas aulas a pérola venturiana intitulada A Última Madrugada do Islão, onde o palestiniano Yasser Arafat surge travestido de personagem gay, numa obra promovida por um académico nigeriano. Perante tais riscos, que faria um estadista prudente? Extinguir o Plano, claro está!

    Notai bem – e convenhamos que lhe ameniza a incultura –, há aqui um gesto de génio disfarçado. Montenegro, ao abolir o Plano Nacional de Leitura, mata a leitura, sim, mas por um fim supostamente superior: salvar a pátria da leitura errada. Torna-se um Ulisses às avessas: finge loucura não para evitar a guerra de Tróia, mas para impedir que o cavalo venturista entre nas bibliotecas. No fim, protege a cultura não através do cultivo, mas arrancando-a, destruindo-a – é como se, para evitar os fogos rurais, a melhor solução fosse cortar todas as árvores, decepar todos os arbustos, ceifar todas as ervas para, em seguida, se alcatroarem montes e vales.

    A História, ironicamente, até lhe dá alguma legitimidade. A Inquisição proibiu livros para salvar almas. Os liberais de 1834 pilharam conventos para “modernizar” a nação. Salazar preferiu estatísticas a poesia para elevar o produto interno bruto e manter súbditos dóceis. Montenegro, mais higiénico, não proíbe nem censura: simplesmente extingue. Assim como Faraó endureceu o coração contra Moisés, Montenegro endurece o espírito contra Sophia e Saramago. Em vez de tábuas da lei, oferece tabelas de Excel; em vez de profetas, relatórios trimestrais com protecção de dados garantida pela Spinumviva.

    Portanto, se me perguntarem, direi: Montenegro é coerente. Melhor extinguir planos do que arriscar Ventura ver os seus volumes aprovados para leitura recomendada – ou obrigatória, às tantas. Melhor a desertificação total do que a floresta de papel contaminada pelo populismo. Eis a astúcia: ao matar a leitura, salva-se a inocência das criancinhas e dos adolescentes. É de mestre – mestre ignorante, mas mestre.

    Adeus, e um piparote.

    Brás Cubas

  • Deliberação (não ratificada mas eventualmente já meditada) da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Deliberação (não ratificada mas eventualmente já meditada) da Entidade Reguladora para a Comunicação Social


    DELIBERAÇÃO DO CONSELHO REGULADOR DA ENTIDADE REGULADORA PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL (ERC) SOBRE O TEXTO PUBLICADO NO PÁGINA UM INTITULADO “INSTAR, A ARTE DE CONDICIONAR SEM OUSAR PROIBIR”

    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), reunido em sessão extraordinária, tomou conhecimento da publicação no jornal digital PÁGINA UM do artigo intitulado “INSTAR, A ARTE DE CONDICIONAR SEM OUSAR PROIBIR”, cujo conteúdo incide sobre a alegada influência indireta das entidades reguladoras na conformação do discurso jornalístico.

    Considerando que:

    • A liberdade de expressão e de informação é um direito fundamental consagrado no artigo 37.º da Constituição da República Portuguesa, devendo ser exercido com respeito pelos princípios do pluralismo e da responsabilidade social da comunicação;
    • A ERC tem o dever de assegurar o respeito pelas normas aplicáveis à comunicação social, nomeadamente as estabelecidas na Lei n.º 53/2005, de 8 de novembro (Lei da ERC), designadamente no seu artigo 7.º, n.º 1, onde se estipula que esta Entidade “garante o exercício dos direitos à liberdade de expressão e de informação, assegurando a existência de um espaço público livre e plural”;
    • A atuação da ERC pauta-se pelos princípios da proporcionalidade e imparcialidade, conforme previsto no artigo 3.º da Lei n.º 2/99, de 13 de janeiro (Lei de Imprensa), e não interfere com a autonomia editorial dos órgãos de comunicação social;
    • O direito de crítica às entidades públicas é reconhecido como legítimo no quadro de uma sociedade democrática, mas deve ser exercido com respeito pela veracidade dos factos e pelo rigor informativo, conforme decorre do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99, de 13 de janeiro.

    Assim, o Conselho Regulador decidiu avaliar devidamente este texto da autoria de Brás Cubas, nos seguintes termos:

    1. Sobre a natureza do texto

    O artigo em questão assenta numa estratégia retórica que recorre ao uso repetitivo e ostensivo do verbo “instar”, procurando estabelecer um paralelismo entre a sua construção discursiva e a atuação das entidades reguladoras. Ainda que esta técnica seja reconhecível como um exercício estilístico legítimo, poderá, em certos contextos, induzir interpretações erróneas sobre o papel da ERC, nomeadamente no que respeita à sua missão reguladora.

    2. Sobre a referência à ERC

    O artigo sugere, de forma irónica e indireta, que a ERC exerce uma pressão subliminar sobre os órgãos de comunicação social, ao apresentar a regulação como um processo de “instigação gradual”, “sussurros paternais” e “suaves advertências”. Esta construção narrativa pode contribuir para a disseminação de uma perceção imprecisa sobre o funcionamento da regulação dos media, na medida em que a ERC não condiciona, nem interfere no conteúdo editorial, limitando-se a garantir o cumprimento das normas de transparência e responsabilidade nos termos da Lei da ERC.

    3. Sobre a impossibilidade de notificação do autor

    Em cumprimento do princípio do contraditório, a ERC procedeu a diligências para notificar o autor do artigo em questão, o senhor Brás Cubas, de modo a garantir o dever e direito de esclarecimento sobre os conteúdos publicados. Contudo, não foi possível concretizar a notificação, uma vez que o autor se encontra em parte incerta, facto que inviabilizou um cabal exercício do direito e do dever no âmbito deste procedimento.

    4. Sobre a necessidade de esclarecimento público

    Sem prejuízo da liberdade editorial do PÁGINA UM, e reconhecendo que a ironia e a sátira são formas legítimas de expressão no discurso público, a ERC insta a direção editorial do referido jornal a não instar os seus leitores a acreditar que esta Entidade se dedica a instar jornalistas a alinharem com diretrizes inexistentes. Seria recomendável, no espírito de um debate aberto e responsável, que ficasse claro que a ERC não insta, apenas orienta, e que o instar, enquanto conceito, não deve ser instado a significar mais do que aquilo que legalmente significa.

    Em face do exposto, o Conselho Regulador, no exercício das suas competências previstas na Lei da ERC, delibera:

    a) instar o PÁGINA UM a instar-se na responsabilidade editorial de não instar falsamente a ERC a instar aquilo que não instou nem instará.

    b) Insta-se, ademais, os demais órgãos de comunicação social a observarem com atenção o uso do verbo “instar”, não instando significados equívocos que possam instar no público uma perceção distorcida sobre o papel desta Entidade.

    c) A ERC, por seu lado, insta-se a si própria a continuar a instar dentro dos limites do que pode e deve instar, sem instar em excesso, mas sem deixar de instar quando necessário, garantindo, assim, um equilíbrio regulador onde o instar jamais se confunda com instigações indevidas.

    d) Para que não restem dúvidas, este Conselho Regulador insta formalmente a ERC a instar-se, se necessário for, para que não inste além do que se deve instar, mas que não deixe de instar sempre que tal instância se revele imprescindível para o correto funcionamento da ordem comunicacional, garantindo sempre que qualquer referência à atividade reguladora seja feita com objetividade e respeito pela verdade material.

    e) Por fim, considerando que o sarcasmo e a ironia, ainda que legítimos, podem ser mal interpretados, insta-se Brás Cubas, e os demais cómicos, a moderar o seu tom, evitando formulações que possam instar interpretações indevidas.

    Lisboa, aos 14 dias do mês de Fevereiro de 2025

    O Conselho Regulador (não oficial) da Entidade Reguladora para a Comunicação Social