Categoria: Sociedade

  • Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    Marinha confirma que ‘porco no espeto’ foi ideia que surgiu com Gouveia e Melo

    O Estado-Maior da Armada confirmou hoje que foi Gouveia e Melo quem iniciou, em 2022, a tradição de contratar fornecimentos de porco no espeto para as comemorações do Dia da Marinha. A tradição já não é o que era: se o bacalhau sempre esteve associado aos homens do mar; agora foi substituído pelo porco no espeto. Belém que se prepare…

    Segundo respostas enviadas pelo Serviço de Comunicação da Marinha ao PÁGINA UM, a prática foi levada pelo então novo líder, Gouveia e Melo, que tomara posse em Dezembro de 2021, para comemorar o Dia da Marinha em 2022 em Faro. A compra da iguaria para esse ano não consta no Portal Base. Mas surgem para os anos de 2023, com a comezaina a realizar-se Porto, de 2024, com a patuscada a ocorrer em Aveiro, e já este ano, com o repasto a ser servido em Viana do Castelo, onde estão a decorrer as celebrações.

    Gouveia e Melo, na cidade de Faro, em 2022, nas comemorações do Dia da Marinha. Foi também o dia em que o porco no espeto virou iguaria para uma patuscada. Foto: EMA.

    Curiosamente, mesmo disponibilizando dezenas de fotografias das comemorações do Dia da Marinha — que evoca a chegada de Vasco da Gama a Calecute, em 20 de Maio de 1498, simbolizando a ligação do Ocidente com o Oriente —, nem o Estado-Maior da Armada nem a autarquia de Viana do Castelo colocam imagens do repasto.

    No entanto, segundo as indicações do ajuste directo, foram adquiridos de 8.235 euros desta iguaria, mas a Marinha não adianta quantos porcos terão sido. Indica apenas que terão servido para 1.200 pessoas.

    Este foi, portanto o quarto ano consecutivo que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo, pelo menos nos três últimos, sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    Em centenas de fotografias dos últimos quatro anos alusivas ao Dia da Marinha não surge uma única que mostre o convívio com porco no espeto.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. Deu para 700 comensais. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros. Deu para 600 convivas.

    A Marinha diz agora que foi realizada inicialmente “uma consulta preliminar” — que não é o mesmo que a consulta prévia prevista pelo Código dos Contratos Públicos —, mas que nos anos seguintes não se repetiu por via do “bom desempenho do fornecimento dos bens e a proximidade do local de realização dos eventos”. E defende que “o procedimento seguido é conduzido no estrito cumprimento do normativo legal atinente”.

    A arte da camuflagem: compra-se porco no espeto para comemorações, mas o repasto é feito com discrição; nunca se mostram sequer fotografias dos eventos. Foto: EMA.

    Comer porco no espeto em patuscadas com dinheiros dos contribuintes, mesmo se no âmbito de comemorações por feitos históricos, não é pratica comum. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem no Portal Base mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    Resta saber se, numa eventual chegada de Gouveia e Melo à Presidência da República, se em vez de se realizar a já tradicional Festa do Livro, introduzida em 2016 por Marcelo Rebelo de Sousa, se passe a ter a Festa do Porco no Espeto nos jardins de Belém.

  • Gouveia e Melo acusado de ‘prepotência’ pela Associação de Praças da Marinha

    Gouveia e Melo acusado de ‘prepotência’ pela Associação de Praças da Marinha

    A Associação de Praças acusou hoje Gouveia e Melo de “prepotência” pela forma como conduziu, como Chefe do Estado-Maior da Armada, o caso do navio de patrulha NRP Mondego, aplicando sanções que foram consideradas ilegais e inconstitucionais. Num comunicado em reacção à recente sentença do Supremo Tribunal Administrativo (STA), que anulou as sanções, a Associação afirma que “ficou provado que o NRP Mondego não tinha as condições mínimas para navegar.

    No comunicado com o título ‘Os 13 Bravos do NRP Mondego“, a Associação de Praças deixa palavras duras contra a cúpula da Marinha, destacando mesmo, em sublinhado, o nome completo do actual candidato a Presidente da República, “Almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo”.

    Gouveia e Melo viu o Supremo Tribunal Administrativo arrasar a sua decisão de sancionar os militares do NRP Mondego. / Foto: D.R.

    “Temos o direito de ver nesta decisão [do STA] aquilo que sempre defendemos: não é pela prepotência, pelo desrespeito pelas regras nem pelo “quero, posso e mando”, que a disciplina se impõe”, refere a Associação no comunicado.

    Adianta ainda que “aqueles 13 Homens, defenderam aquilo que tinham o direito de defender, ao contrário de quem se imiscuiu na sua posição e no seu poder, tentando a todo o custo passar para cima de outros a sua responsabilidade como chefe máximo da Marinha”.

    E recorda que, já em 2023, a Associação de Praças tinha defendido “os 13 Bravos, a Marinha e Portugal que está acima de tudo e de todos. Sem exceção!”. E numa referência ao almirante agora na reserva que confirmou esta semana ser candidato à Presidência da República, o comunicado é duro ao apontar o dedo ao que, “com mais poder, apenas tentaram defender algo que nestes tempos já está totalmente ultrapassado: a prepotência e a obediência cega”, acrescentando que “obedecer não é ser subserviente”. E lançam mais um ‘torpedo’ a Gouveia e Melo: “o que se deve exigir a um chefe militar é a defesa dos seus subordinados”, sendo esse “o dever de tutela como conforme está inscrito no Regulamento de Disciplina Militar!”.

    O navio patrulha NRP Mondego. / Foto: D.R./Marinha

    A Associação conclui o comunicado afirmando que “se houve, em todo este processo, quem defendeu acerrimamente a disciplina, o dever de preservar o meio naval e a integridade física dos Homens e Mulheres embarcados naquele meio naval, foram aqueles 13 Bravos!”. E diz que “não podemos aceitar, muito menos corroborar, que quaisquer interesses pessoais sejam colocados à frente daquilo que deve ser a defesa de Portugal e da Instituição Militar!”.

    Recorde-se que o caso teve início a 11 de Março de 2023, quando quatro sargentos e nove praças do NRP Mondego recusaram embarcar numa missão de vigilância a um navio russo ao largo do Porto Santo, alegando falta de segurança da embarcação. Dezasseis dias depois, nova missão falhou.

    Os militares foram sancionados e Gouveia e Melo ainda lhes deu uma reprimenda pública, com a comunicação social presente. Mais tarde, o antigo Chefe do Estado-Maior da Armada indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares, confirmando os castigos impostos pelo Comandante Naval.

    Foto: D.R. / Marinha

    No acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo foi demolidor para a cúpula da Marinha e anulou todos os processos disciplinares que castigaram 11 militares do navio de patrulha NRP Mondego.

    Os juízes consideram inválido o processo desde a sua origem, apontando múltiplas ilegalidades e violações de direitos fundamentais, incluindo o direito à defesa, à produção de prova e à imparcialidade do processo.

    Também consideraram que o Tribunal Central Administrativo do Sul agiu de forma correcta quando declarou nulo um despacho de 1 de Julho de 2024 de Gouveia e Melo, que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelos militares.

  • Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Ajustes directos de ‘porco no espeto’ são agora tradição na Marinha

    Já diz o ditado que não há duas sem três. E um outro adágio acrescenta que quem vai para o mar avia-se em terra. Pelo terceiro ano consecutivo, há uma iguaria da gastronomia portuguesa que vai parar à mesa do programa de celebrações do Dia da Marinha: porco no espeto.

    O célebre prato da gastronomia portuguesa tem andado nas ‘bocas do mundo’ devido à tentativa — frustrada e considerada provocatória — do partido Ergue-te de o levar até ao Martim Moniz. Esta praça lisboeta, bem como as suas imediações, como a Rua do Benformoso, é bastante frequentada pela comunidade muçulmana, para quem o porco é considerado um animal impuro e o seu consumo é estritamente proibido pela lei islâmica (sharia). A rejeição do porco é, em muitos casos, um marcador de identidade religiosa, funcionando como gesto de fidelidade à fé islâmica.

    Mas para os portugueses, o ‘porto no espeto’ constitui sobretudo um símbolo de convívio com barriga cheia. E na Marinha, não vai faltar o petisco nas celebrações que decorrem entre 14 e 20 de Maio, segundo as indicações de um contrato por ajuste directo para a aquisição de 8.235 euros desta iguaria. A preços de mercado serão entre 15 e 20 porcos.

    Esta será o terceiro ano consecutivo, atendendo aos registos do Portal Base, que a Marinha decide confraternizar com porco no espeto, e escolhendo sempre o mesmo fornecedor: a empresa unipessoal Sónia Marisa Pereira Santos, com sede em Lourosa, no concelho de Santa Maria da Feira. A empresa foi criada em Junho de 2021 e não tem qualquer outro cliente público.

    No ajuste directo deste ano, celebrado na sexta-feira passada, no valor de 8.235 euros (sem IVA incluído), não há contrato escrito pelo facto de o valor ser inferior a 10.000 euros. Por esse motivo, ignora-se quantos porcos foram adquiridos nem o local de entregue nem se haverá assadores e pão e vinho.

    / Foto:D.R.

    Esta prática repetiu-se nos dois anos anteriores. No dia 10 de Maio de 2024, a Marinha fez um ajuste directo com a empresa de Lourosa, pagando 6.020 euros. No ano anterior, a 16 de Maio, também foi celebrado um ajuste directo pelo valor de 5.530 euros.

    O PÁGINA UM enviou um conjunto de questões sobre estas aquisições de porco no espeto ao gabinete de comunicação do Chefe do Estado-Maior da Armada, Nobre de Sousa, mas não obteve qualquer reacção. Fica-se assim sem saber quantos vão dar ao dente no porco comprado com o dinheiro dos contribuientes nem sequer onde o repasto vai suceder.

    A tradição destes ajustes directos para a compra de porco no espeto para ser servido no âmbito das comemorações do Dia da Marinha, que foi iniciada em 2023 quando a Marinha era liderada por Gouveia e Melo. E nem se pode dizer que seja uma prática comum nas entidades públicas. Desde 2020, além dos três contratos da Marinha, apenas surgem mais seis contratos para aquisição de porco no espeto: um do município do Crato, dois de Mafra e três de Oeiras. Neste último caso, a autarquia liderada por Isaltino Morais fez contratos, desde 2021, que já ultrapassam os 100 mil euros de porco no espeto, fornecido em contínuo.

    A Marinha bateu recorde de ajustes directos sob a liderança de Gouveia e Melo e foi sob o seu comando que se iniciaram os ajustes directos anuais para a compra de porco no espeto . / Foto: D.R.

    De resto, os ajustes directos são também uma tradição da Marinha. Como o PÁGINA UM noticiou, sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu em 2024 o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público.

    A despesa em compras por ajuste directo no ano passado ultrapassou (até Novembro)os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros.

    Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Entre 2022 e 2024, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondaram os 30 milhões de euros. Nem o ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, serviu para mudar a tradição dos ajustes directos.

    brown pig on brown soil during daytime

    Mas há excepções para a tradição do ajuste directo. Veja-se o caso da compra de bacalhau pela Marinha no valor de 113.791 (com IVA incluído à taxa de 6%), num contrato celebrado no dia 9 de Maio após a realização de um “concurso público urgente”. O contrato indica que foi pago um preço de 11.30 euros por cada quilo de bacalhau fornecido.

    Não se sabe se o bacalhau irá ser servido com o porco no espeto nas celebrações do Dia da Marinha. Mas são ambos, sem dúvida, pratos bem nacionais e capazes de ‘chamar’ novos recrutas para o serviço militar.

  • Amadeu Guerra gasta 613 mil euros em nove carros

    Amadeu Guerra gasta 613 mil euros em nove carros

    A Justiça em Portugal nem sempre é célere. Mas se, em muitos casos, a lentidão da Procuradoria-Geral da República (PGR) tem sido criticada, a partir de agora os magistrados do Palácio dos Duques de Palmela, junto ao Largo do Rato, não se podem sequer queixar da falta de bons meios de locomoção: a PGR acaba de contratar, em regime de aluguer operacional (AOV), nove viaturas ‘novinhas em folha’ para acelerar em serviço. Quantia gasta: 613.455 euros, uma média de 68 mil euros por veículo.

    A despesa foi efectuada através de um concurso público, distribuído por três lotes, todos ganhos pela mesma empresa de Santarém, a PPL Car, sendo que os contratos foram assinados anteontem, com uma duração de seis anos. No final desse prazo, os carros serão devolvidos à PPL Car, que os pode revender no mercado de veículos usados.

    Um dos lotes destinou-se à contratação de duas viaturas topo de gama que, por exigência da PGR, têm de estar equipadas com estofos em pele de cor preta, vidros traseiros escurecidos, faróis LED, assistente de estacionamento e um ‘pack premium plus’, segundo o caderno de encargos do procedimento.

    gray vehicle rim with tire
    / Foto:D.R.

    Assim, neste caso, a PGR contratou duas viaturas novas híbridas ‘plug in’, da categoria ‘Superior I’, por 176.234 euros (IVA incluído), resultando num preço médio por viatura de 88.117 euros. Nas especificações técnicas, além de terem de ter quatro portas, estas duas viaturas têm ainda de ter entre 1.900 e 2.500 centímetros cúbicos de cilindrada e uma carroçaria ‘Sedan’.

    Embora o contrato não explicite a marca, os preços e especificações são compatíveis com o BMW 530e, um modelo de luxo que atinge os 230 quilómetros por hora, ou alguns modelos da gama Mercedes GLC, que se fica pelos 220 quilómetros por hora, bem como o Lexus ES Luxury.

    No segundo lote, a PGR alugou quatro viaturas novas híbridas, de categoria média inferior, pelo preço de 235.569 euros, uma média de quase 59 mil euros por veículo. A carroçaria destas viaturas tem de ser ‘Sedan’ ou ‘Berlina’ com 1.300 a 1.800 centímetros cúbicos de cilindrada. Têm de vir equipadas com faróis LED e câmara traseira, entre outros acessórios.

    Num terceiro lote que foi a concurso público, a PGR contratou três viaturas novas da categoria ‘médio superior III’ por 201.651 euros, com o preço médio a rondar os 67mil euros. A cilindrada destas viaturas de quatro ou cinco portas deve situar-se entre os 1.350 e os 2.500 centímetros cúbicos e vir apetrechadas com faróis LED, câmara traseira, sistema de navegação e ar-condicionado em três zonas.

    O Lexus ES é um dos modelos que cumpre os requisitos exigidos pela PGR para duas das viaturas agora contratadas pelo preço médio de 88.117 euros. / Foto: D.R./Lexus

    Neste tipo de aluguer de viaturas, o fornecedor tem de prestar “serviços obrigatórios associados ao fornecimento dos veículos”, designadamente, os serviços de gestão de encomenda, de entrega e de documentação, bem como a gestão de manutenção preventiva e correctiva. Tem também de fazer a gestão de pneus, de veículos de substituição, de seguro automóvel, de sinistros, e do Imposto Único Automóvel durante o período de vigência do contrato de ‘renting’, que neste caso é de 72 meses.

    Segundo os requisitos da PGR, “os veículos são fornecidos em estado novo com o máximo de 100 quilómetros registados, com
    exceção dos casos em que a distância entre o concessionário e o local de entrega seja superior, não podendo ultrapassar os 400 quilómetros”.

    As viaturas “deverão ser entregues nas instalações da PGR, sitas em Lisboa na Rua da Escola Politécnica, 140, no prazo máximo” de 60 dias, no caso do lote 1, e 90 dias, nos dois restantes lotes contratados.

    Amadeu Guerra tomou posse como Procurador-Geral da República a 12 de Outubro de 2024. / Foto: D.R./PGR

    Para a PPL Car, que venceu os três concursos públicos lançados pela PGR, este foi o seu maior negócio com entidades públicas. A empresa tem vindo a acelerar a sua presença no sector público nos últimos dois anos.

    Até 2024, a empresa de Santarém ganhava poucos contratos junto de entidades públicas. O primeiro foi em 2015, seguiu-se outro em 2016 e outro em 2017. Em 2020, ganhou dois e em 2022 venceu um. Até então, todos os contratos foram obtidos por ajuste directo. Em 2023, a empresa obteve dois por consulta prévia.

    A maré mudou em 2024, quando a PPL Car ganhou seis contratos públicos dos quais dois através de ajuste directo, um por consulta prévia, um por concurso e dois através do procedimento ‘Setores especiais – isenção parte II’, junto da AS – Empresa das Águas de Santarém.

    Procuradoria-Geral da República. / Foto: D.R./PGR

    Este ano, em cinco meses, a PPL Car já venceu nove procedimentos por concurso público e um por ajuste directo. Ou seja, dos 26 contratos públicos que a empresa tem registados no Portal Base numa década, 16 foram obtidos apenas nos últimos dois anos.

    Os outros contratos públicos que a PPL Car conseguiu este ano foram com a EDM – Empresa de Desenvolvimento Mineiro, S. A., a Entidade Nacional para o Setor Energético, a ADENE – Agência para a Energia, os municípios de Vagos e de Catanhede, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, e a Metro do Porto, com a qual a empresa conseguiu fechar três contratos.

    No caso dos três lotes colocados pela PGR a concurso público, ficaram pelo caminho as outras duas concorrentes, a Leaseplan Portugal e a Locarent-Companhia Portuguesa de Aluguer de Viaturas, que perderam a corrida contra a empresa de Santarém. Até porque a PPL Car apresentou um valor global abaixo do máximo previsto no caderno de encargos dos três lotes que previa uma despesa de 639 mil euros.

    Ainda assim, os contribuintes vão ficar com um encargo mensal de 8.520 euros para suportar o aluguer destas nove viaturas agora contratadas pela PGR.

  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

    white and green ballpoint pen on brown wooden round table
    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

    pfizer, toluca, business, pharmaceutical, plant, pfizer, pfizer, pfizer, pfizer, pfizer

    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

    orange and white medication pill

    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    Nininho Vaz Maia recebe 1,5 milhões em contratos públicos desde 2023

    A crescente popularidade do cantor Nininho Vaz Maia, que foi esta semana constituído arguido no âmbito de uma operação de combate ao tráfico de droga, tem causado uma ‘corrida’ das autarquias à sua contratação. Apenas desde Janeiro de 2023, em 41 contratos públicos, já facturou perto de 1,5 milhões de euros. Este ano, em pouco mais de quatro meses, a fasquia aproxima-se do meio milhão de euros..

    O contrato mais recente, adjudicado como habitualmente por ajuste directo, foi celebrado com o município de Anadia, no distrito de Aveiro, na passada terça-feira, no mesmo dia em que o popular cantor foi alvo de buscas e acabou constituído arguido no âmbito de uma operação da Polícia Judiciária denominada SKYS4ALL.

    Nininho Vaz Maia / Foto:D.R.

    Num comunicado citado pela imprensa, o artista alegou estar inocente: “importa deixar absolutamente claro que o Nininho está inocente e que confiamos plenamente na Justiça. Estamos certos de que tudo será esclarecido com brevidade […]”.

    Para já, a acusação criminal não parece ter arrefecido a requisição do cantor, já que se mantém no cartaz para encerrar hoje o festival da Queima das Fitas do Porto 2025, organizado pela Federação Académica do Porto.

    Resta saber se o cantor vai continuar a ser tão solicitado por autarquias como tem sido nos últimos dois anos. Segundo um levantamento feito pelo PÁGINA UM, constam na plataforma de contratos públicos, o Portal Base, um total de 41 contratos feitos por entidades públicas para a contratação de Nininho Vaz Maia. O primeiro foi assinado em Janeiro de 2023, com o município de Vila Nova de Foz Côa, no valor de 26 mil euros. e o mais recente na passada terça-feira com o município de Anadia.

    Neste recente contrato com autarquia da Bairrada, o cantor receberá 40.590 euros por um concerto de 90 minutos na ‘Feira da Vinha e do Vinho’, agendado para o dia 18 de Junho. O contrato foi efectuado com a Gigs on Mars, detida em partes iguais por Pedro Pontes, agente do cantor, e pela empresa Lemon Ibéria, controlada por António Vilas Boas, fundador dos Pólo Norte.

    De entre os 41 contratos encontrados desde 2023 – antes desse ano, não existem outros -, 40 foram feitos através de ajuste directo e apenas um pelo procedimento de contratação excluída, o que, na prática significa o mesmo: o cantor foi ‘escolhido a dedo’.

    Nininho Vaz Maia afirmou estar inocente, num comunicado enviado à imprensa. / Foto: D.R.

    Ao todo, foram 36 autarquias e quatro entidades municipais que contrataram o popular cantor nascido numa família cigana, que se tornou numa das coqueluches do panorama musical nacional.

    O montante dos contratos oscila entre os 22.140 euros e os 217.132 euros, sendo que neste último caso se tratou de um espectáculo que abrangeu ainda performances de Profjam e a Festa M80 num contrato com a autarquia de Vila do Conde.

    Em média, excluindo o montante mais elevado dos contratos, o valor pago por autarquias para contratar o cantor rondou os 33.320 euros, com IVA incluído, sendo evidente que os cachets têm aumentado. Nos contratos estabelecidos este ano (Abrantes, Góis, Olhão, Estremoz, Vila Real, Alter do Chão, Marinha Grande e Azambuja), que atingem os 4.711 euros, o valor médio é já de cerca de 47 mil euros por concerto.

    A maioria dos contratos foi adjudicada a Nininho Vaz Maio através da empresa Gigs on Mars, Lda, mas também há contratos através de outras entidades, sobretudo quando outros artistas estão envolvidos, designadamente com as empresas Music Mov, Miguel Castro Oliveira Unipessoal, Lda – IAM Event Production & Brand Consultancy e José Manuel Rodrigues Caetano, Unipessoal, Lda.

    Se, para já, não há sinais de estar a abrandar a procura de serviços do artista, as críticas já fazem ouvir sobre a sua contratação e presença em espectáculos, designadamente no encerramento da Queima das Fitas do Porto, apesar de o cantor não ter sido ainda condenado na Justiça.

    Saliente-se, aliás, que como fenómeno musical, Nininho Vaz Maia tem feito também um percurso fora do circuito dos contratos públicos, sendo exemplo disso a Queima das Fitas (esteve no ano passado em Coimbra) e sobretudo espectáculos comerciais, com entradas pagas. Por exemplo, há menos de dois meses esgotou duas noites no Meo Arena, em Lisboa.

    De resto, o facto de o cantor ter nascido numa família pertencente a uma minoria pode mesmo pesar a seu favor e mitigar o facto de ser arguido num processo de tráfico de droga, podendo evitar que Nininho Vaz Maia perca o seu ‘allure‘ numa época em que a etnia ou a origem e nacionalidade são factores usados politicamente, tanto por partidos da esquerda, como da direita.

    De facto, Nininho tornou-se num dos símbolos de homenagem à cultura cigana e de defesa das minorias, perante o crescimento de discursos hostis à sua comunidade e também a imigrantes, numa altura em que em Portugal se assiste a um cada vez maior aprofundamento da desigualdade económica e social.

    Foto: D.R.

    Em ano de eleições legislativas e autárquicas, mesmo estando acusado, Nininho Vaz Maia pode encontrar alguma ‘imunidade’ e continuar a ser requisitado por autarquias, graças à sua origem familiar, e mediante o aproveitamento ideológico das minorias — de forma positiva ou negativa — pelos partidos tanto de esquerda como de direita.

    Assim, apesar de estar acusado, talvez o popular artista consiga continuar a facturar com contratos com entidades públicas, lucrando com a crescente polarização política em torno das minorias.

  • 19 hastes curvas encimadas por um ‘anel de rubi’ custam 406 mil euros

    19 hastes curvas encimadas por um ‘anel de rubi’ custam 406 mil euros

    Escultores da casa podem não fazer milagres, mas podem fazer ‘desaparecer’ cerca de 406 mil euros do erário público para celebrar os 51 anos de um acontecimento histórico português que, ironicamente, para além da liberdade, concedeu igualdade de oportunidades.

    Na pequena cidade de Cantanhede, no distrito de Coimbra, a autarquia local decidiu escolher, sem qualquer pré-selecção, por ajuste directo, um escultor da terra, Celestino Alves André, para executar um ‘monumento de celebração’ ao 25 de Abril, que passou a estar exposto no parque urbano local.

    Nascido em 1959, Alves André destaca-se sobretudo como medalhista e como ‘criador’ de bustos e estátuas em tamanho natural ou monumental, frequentemente fundidas em bronze. No entanto, esta encomenda da autarquia de Cantanhede, liderada pela social-democrata Helena Teodósio, foge completamente ao estilo do artista: trata-se de uma estrutura ascensional de metal composta por 19 hastes curvas e verticais, encimada por um ‘anel de rubi’ representando o brasão de Cantanhede, simbolizando as freguesias do concelho à data da Revolução dos Cravos. Para os mais incautos, parecerá uma estrutura para um ninho de cegonhas.

    Mas o mais surpreendente nesta obra colocada no Parque Urbano de São Mateus é o custo e também o seu faseamento. De acordo com o contrato publicado no Portal Base, que nem sequer contém o caderno de encargos – impossibilitando perceber se o ‘anel de rubi’ é de vidro ou de resina –, a obra teve um custo total de 405.900 euros, ou seja, 330 mil euros acrescidos de IVA. Este é um valor extraordinariamente elevado para obras de arte desta natureza, sobretudo quando se está perante um município de menos de 35 mil habitantes com escassos recursos finaceiros. A título de exemplo, os dois conjuntos escultórios de autoria de Francisco Tropa no terminal intermodal da Campanhã – “Penélope”, composta por quatro figuras em bronze, e “Dánae”, duas fontes em bronze –, também por ajuste directo, tiveram este custo total, pago pela empresa municipal Gestão e Obras do Porto.

    A escolha por ajuste directo, por um valor tão elevado, mesmo que seja invocado o carácter artístico, levanta questões sobre a transparência e os critérios de atribuição deste tipo de contratos, sobretudo tendo em conta o envolvimento de um artista com ligação ao município.

    Com efeito, Alves André tem estabelecido diversas parcerias com a edilidade de Cantanhede, realizando mesmo visitas guiadas promovidas pela autarquia ao seu ateliê na aldeia de Portunhos. Naquele município encontram-se também já várias esculturas da sua autoria, designadamente o Monumento ao Ourives Ambulante, inaugurado em 1990, em Febres; o Monumento ao bandeirante Pedro Teixeira, inaugurado em 1993, no centro da cidade; e a imponente estátua equestre do Marquês de Marialva, inaugurada em 1999, na praça que lhe é dedicada.

    No restante distrito de Coimbra, Alves André também tem ‘muita saída’. Na cidade do Mondego, o escultor assinou diversas obras de relevo, com destaque para o busto do pintor José Maria Cabral Antunes, inaugurado em 1987; a Tricana de Coimbra, estátua em bronze, colocada na Rua de Quebra Costas em 2008; a Guitarra de Coimbra, no Largo da Almedina, e a estátua da Irmã Lúcia, ambas inauguradas em 2013. No concelho de Mira estão mais duas: uma evocando o Infante D. Pedro, primeiro duque de Coimbra, erguida em 1996 na sede do município; e outra dedicada aos pescadores da Praia de Mira, inaugurada em 1998. Fora do ‘seu’ distrito, Alves André tem o busto de Francisco Stromp, junto ao Estádio de Alvalade, uma estátua em memória do Papa João Paulo II em Cascais e outra ao mesmo pontífice em Timor-Leste.

    Além do processo por ajuste directo, o contrato – que previa a “concepção, execução e instalação de obra de arte para espaço público evocativa do 50.º aniversário do 25 de Abril” – foi assinado apenas no passado dia 17 de Março, o que, considerando a complexidade do seu fabrico, mostra que, antes da adjudicação, já o escultor estava a trabalhar na peça.

    Helena Teodósio, presidente da autarquia de Cantanhede, cortou a fita na inauguração. Foto: CMC.

    Antes da escultura ao 25 de Abril com um custo de 405 mil euros, segundo dados consultados no Portal Base – que compila informação desde 2008 –, o artista tinha apenas dois contratos: o busto em bronze do Visconde da Corujeira, encomendado em 2021 pelo Município de Mira por ajuste directo, no valor de 17.500 euros, e uma obra escultórica de homenagem a Idalécio Cação, também por ajuste directo, pelo Município da Figueira da Foz, pelo montante de 8.500 euros.

    Apesar de a presidente da autarquia de Cantanhede não ter respondido às questões colocadas pelo PÁGINA UM, durante a cerimónia de inauguração, Helena Teodósio destacou que a obra “teve o envolvimento de todas as forças políticas com assento na Assembleia Municipal” e que visa “perpetuar o carácter emblemático da efeméride”, reforçando os valores do 25 de Abril junto das novas gerações. Na mesma cerimónia, de acordo com o transmitido pelo site do município, Alves André afirmou que a escultura “celebra os valores de Abril” e também “o desenvolvimento das freguesias do concelho”, destacando que se trata de “uma peça agradável, elegante e concebida a partir de elementos identitários locais”.

    Pese embora o contexto comemorativo e a intenção simbólica da obra, o investimento elevado e a forma desta contratação directa motivam interrogações quanto à gestão dos dinheiros públicos, sobretudo num momento em que muitas autarquias enfrentam constrangimentos orçamentais.

    Escultura de Alves André na Praia de Mira. A obra de arte sobre o 25 de Abril ‘foge’ ao seu estilo, mas permitiu-lhe facturar mais de 400 mil euros.

    O Código dos Contratos Públicos impõe os princípios da concorrência e da igualdade de tratamento, não existindo qualquer norma no articulado legal que permita beneficiar expressamente os artistas locais em procedimentos de contratação. A legislação portuguesa, alinhada com o direito europeu, proíbe qualquer discriminação com base na origem geográfica do concorrente, mesmo que essa preferência pudesse traduzir-se numa valorização do património cultural de uma comunidade.

    Ainda assim, os responsáveis políticos ou autárquicos dispõem de algumas margens de manobra. Nos contratos de menor valor, adjudicados por ajuste directo ou por consulta prévia, a escolha de artistas locais torna-se mais viável, desde que fundamentada com critérios objectivos e devidamente publicitada. Mas tal não se aplica a uma das obras de arte de valor mais elevado dos últimos anos encomendada por um município português.

    Em todo o caso, nos concursos públicos convencionais, a introdução de critérios de adjudicação que valorizem a ligação da obra à identidade local — desde que expressos com clareza e aplicados a todos os concorrentes — pode permitir a selecção de propostas oriundas da comunidade artística da região sem violar a lei. Mas a opção da autarquia de Cantanhede foi pelo contrato de ‘mão-beijada’.

  • REN desinveste na rede eléctrica portuguesa e prefere apostar no Chile

    REN desinveste na rede eléctrica portuguesa e prefere apostar no Chile

    Uma semana antes do apagão eléctrico histórico registado em Portugal, a empresa concessionária da rede de transporte de electricidade em muito alta tensão não aparenta ter um especial interesse em focar-se somente na salvaguarda da infraestrutura eléctrica nacional. Apesar de deter uma concessão estratégia, a REN, que tem como maior accionista a estatal chinesa State Grid Corporation of China, e já quase não conta com capitais de investidores portugueses, mostra sobretudo ambições de crescer no outro lado do Atlântico, mais concretamente no Chile, com uma população quase o dobro da portuguesa.

    No passado dia 21 de Abril, a segunda-feira anterior ao dia em que Portugal mergulhou no caos devido ao ‘blackout’, a REN, liderada pelo português Rodrigo Costa — antigo gestor do grupo Portugal Telecom —, anunciou a compra de mais uma empresa chilena: a TENSA – Transmisora de Energía Nacimiento, por 71,4 milhões de dólares (62,5 milhões de euros). Esta aquisição reforça a aposta declarada da empresa no Chile, onde já detém participações significativas na Electrogas e é accionista único da Transemel, adquirida em finais de 2019.

    Se o negócio chileno prossegue com ambição — somando a nova aquisição, os investimentos no país sul-americano ultrapassam já os 100 milhões de euros desde 2023 —, o mesmo não se pode dizer da estrutura patrimonial em Portugal, ou seja, da rede nacional de transporte de electricidade e da rede de gás.

    De facto, entre 2019 e 2024, de acordo com a análise do PÁGINA UM aos indicadores financeiros mais relevantes da empresa, obtidos através dos relatórios e contas, a REN registou uma redução real de cerca de 939 milhões de euros em activos não correntes, quando ajustada à inflação acumulada de 17,36% neste período.

    Em euros reais, estes activos, constituídos maioritariamente pelas infra-estruturas concessionadas (e que necessitam de manutenção, substituição e expansão) caíram de um equivalente a 5.762 milhões em 2019 (o valor nominal foi de cerca de 4.910 milhões) para apenas 4.823 milhões em 2024 — uma redução efectiva de 16,3% do seu património técnico e operacional. Este número é sintomático: o investimento realizado pela empresa não tem sido suficiente para repor sequer o valor dos activos que se vão amortizando.

    No mesmo período, os investimentos líquidos da REN em Portugal foram negativos quando se descontam os cerca de 279 milhões de euros em subsídios ao investimento concedidos pelo Estado entre 2019 e 2024.

    Com efeito, excluindo a componente relativa ao Chile, os investimentos da REN em Portugal — conforme reportado nas demonstrações dos fluxos de caixa — ascenderam a 1.374 milhões de euros nos últimos seis anos, enquanto as amortizações (associadas aos activos intangíveis concessionados, como as linhas de muito alta tensão) totalizaram 1.476 milhões de euros. Ou seja, sem o apoio público através de subsídios, a concessionária teria investido menos do que aquilo que os seus principais activos perderam em valor, o que evidencia uma trajectória de desinvestimento líquido real na infraestrutura eléctrica nacional.

    Nos seus documentos estratégicos, a REN tem destacado como objectivo a expansão das suas operações no Chile com “crescimento orgânico e aquisições pontuais”. No caso da Tensa, agora adquirida, trata-se de uma empresa que opera cerca de 190 quilómetros de linhas de transmissão, situadas maioritariamente na zona Centro-Sul do Chile.

    Com esta operação, a REN passa a operar cerca de 280 quilómetros de linhas e cinco subestações no país sul-americano, consolidando uma presença que já consome recursos significativos: foram ali investidos 107 milhões de euros entre 2019 e 2024.

    Este avanço para o Chile faz parte do plano estratégico da REN que prevê um investimento entre 1.500 e 1.700 milhões de euros a efectuar no período 2024-2027. No seu plano estratégico, a REN garante aos investidores que vai acelerar o “compromisso de permitir a transição energética e promover o crescimento económico, intensificando o nosso plano de investimento para permitir o crescimento em energias renováveis”.

    Entretanto, os accionistas da empresa — onde, além dos chineses da State Grid Corporation, se destacam a Pontegadea, a Lazard Asset Management, a Fidelidade e a Red Eléctrica — têm colhido dividendos generosos. Tal não se tem devido tanto à expansão da actividade e da prestação de serviços, mas sobretudo à contenção de investimentos — uma postura típica de empresas em fase de exploração de activos maduros. Ou seja, a REN comporta-se num regime de “vaca leiteira”, como se o sistema de transporte eléctrico português existisse apenas para gerar retorno financeiro.

    No passado dia 15 de Abril, os accionistas da empresa aprovaram em assembleia-geral a distribuição de 104.749.028 euros em dividendos. Este montante corresponde a uma distribuição de 68,7% do resultado consolidado da REN no ano de 2024, que atingiu os 152,5 milhões de euros — um aumento de 2,2% face ao ano de 2023. A entrega desta verba aos accionistas foi feita através de reservas acumuladas disponíveis, o que reflecte uma política financeira focada na remuneração de capital, mesmo num contexto de estagnação dos activos operacionais.

    O conselho de administração da REN — composto por 14 membros — já tinha aprovado, no dia 6 de Março deste ano, o pagamento antecipado de 42,7 milhões de euros em dividendos aos accionistas da empresa. Assim, a empresa avançou com o pagamento de mais 62 milhões de euros aos seus investidores.

    Num país onde a infraestrutura eléctrica sofreu a sua maior falha em décadas, e onde os activos técnicos da rede de transporte se degradam em valor real, a aposta prioritária em geografias distantes como o Chile — aliada à drenagem sistemática de lucros sob a forma de dividendos — suscita dúvidas legítimas sobre as prioridades da REN. A empresa que nasceu da tutela do Estado português mostra hoje actuar segundo lógicas financeiras globais, sem compromisso estratégico claro com o investimento sustentado na infraestrutura crítica nacional.

    As trocas comerciais na passada segunda-feira — em que o mercado grossista estava a exportar electricidade para Espanha até cerca de três horas e meia antes do apagão, num cenário em que Portugal viria depois a importar 30% do seu consumo — são um exemplo paradigmático de como o sistema opera no fio da navalha. Embora estas decisões estejam automatizadas no quadro do mercado ibérico MIBEL e não dependam directamente da REN, o episódio levanta legítimas questões sobre a resiliência operacional e a eventual ausência de margens de segurança. Ironicamente, ficou-se a saber que se tem electricidade ‘sem rede’.

  • Portugal continua a exportar grandes quantidades de electricidade apesar das garantias da REN

    Portugal continua a exportar grandes quantidades de electricidade apesar das garantias da REN

    Apesar das declarações da REN, transmitioas ontem ao jornal Público, de que foram suspensas as trocas comerciais de electricidade com Espanha “até ao final da semana”, Portugal continuou esta madrugada a exportar energia de forma significativa, numa operação que põe em causa a clareza e transparência da comunicação da empresa responsável pela gestão do sistema eléctrico nacional e a rede de transporte.

    Ontem, a REN afirmou ter “limitado para amanhã [hoje] e dias seguintes a capacidade de trocas no sentido importador a zero MW”, sustentando que a decisão visava assegurar a estabilidade do sistema ibérico e que as interligações com Espanha estariam “a ser utilizadas nos fluxos normais em tempo real”, apenas para efeitos de equilíbrio técnico.

    No entanto, dados de exportação de energia eléctrica recolhidos entre as 00h00 e as 8h00 (hora espanhola), consultados pelo PÁGINA UM, permitem concluir, com base em cálculos, que Portugal exportou durante esse período um total de 8.524 MWh de electricidade. Esta quantidade seria suficiente para abastecer durante um dia inteiro cerca de 676 mil pessoas, com base no consumo médio diário de 12,6 kWh.

    A exportação praticamente contínua desde a meia-noite e crescente ao longo da madrugada, com potências instantâneas superiores a 1.800 MW a partir das 6h00 da manhã, contrariando a imagem de suspensão de trocas dada pela REN. Com a chegada do dia, a exportação de Portugal para Espanha está a diminuir.

    A aparente contradição entre a posição da REN e a realidade reside na distinção – técnica mas ambígua – entre “trocas comerciais” e “fluxos técnicos”.

    transmission towers and wind turbines on the field
    Foto: D.R./ REN

    As trocas comerciais referem-se às operações registadas nos mercados organizados de electricidade, com contratos definidos, enquanto os fluxos técnicos referem-se a ajustes automáticos e operacionais executados pelos operadores de rede, de modo a garantir o equilíbrio entre geração e consumo. No entanto, nada impede que um fluxo técnico possa, na prática, equivaler a uma transferência económica disfarçada, especialmente se for contínuo e previsível.

    A electricidade, recorde-se, não transporta ‘etiquetas’, ou seja, não é possível distinguir fisicamente se um determinado KWh ‘trocado’ é oriundo de uma transacção comercial ou ser por equilíbrio de rede. Assim, a distinção invocada pela REN baseia-se mais em critérios administrativos e operacionais, e não físicos, permitindo que a interligação continue a funcionar como canal de exportação, mesmo quando publicamente se declara o oposto.

    Esta prática pode configurar, assim, uma mera operação semântica de desresponsabilização, permitindo à REN afirmar que não há importações nem exportações comerciais, embora mantenha o funcionamento efectivo das interligações com Espanha em larga escala. O risco mostra-se evidente, pois sem uma auditoria pública dos fluxos e das justificações técnicas em tempo real, é impossível saber se estas transferências não estão a servir, afinal, apenas o habitual interesses de mercado.

    Gráfico da produção durante as últimas horas em Espanha, integrando a parte da exportação de Portugal (mancha verde no topo). A linha amarela representa a procura de electricidade em Espanha. Fonte: Red Eléctrica de España.

    Acresce ainda que a necessidade de electricidade espanhola oriunda de Portugal durante a madrugada não aparenta ter sido imprescindível. Analisando os registos da Red Eléctrica, registou-se durante a recente noite uma redução voluntária da produção hidroeléctrica em Espanha, com parte das turbinas das barragens a serem desligadas, o que fez baixar a potência hidráulica de cerca de 7.000 MW às 21h00 de ontem para cerca de 5.000 MW ao longo da madrugada de hoje. Ao mesmo tempo, Espanha manteve exportações activas para Marrocos, o que mostra que não se encontrava em situação de défice urgente de energia.

    Por outro lado, a reactivação das centrais nucleares espanholas também se tornou visível, com os níveis de produção nuclear a situarem-se já em cerca de 40% do valor anterior ao apagão da passada segunda-feira, reforçando a ideia de que a procura espanhola por electricidade portuguesa foi motivada por razões comerciais ou estratégicas, e não por necessidade técnica imperiosa.

  • Com a ‘ajuda’ de Luís Montenegro, Tony Carreira passa fasquia de meio milhão de euros em quatro meses

    Com a ‘ajuda’ de Luís Montenegro, Tony Carreira passa fasquia de meio milhão de euros em quatro meses

    Foi uma sorte para Tony Carreira o adiamento decretado pelo Primeiro-Ministro das festividades do 25 de Abril para o Dia do Trabalhador. Se assim não fosse, o cançonetista mais popular de Portugal dificilmente teria agenda para actuar, mesmo que num mini-concerto de uma hora, para duas mil pessoas, nos jardins do Palácio de Belém. De facto, na noite de 24 de Abril, Tony Carreira cantou a partir das 22 horas, no Barreiro, num concerto comemorativo dos 51 anos da Revolução dos Cravos. A entrada, tal como amanhã, foi gratuita, embora tenha custado aos contribuintes — ainda que paga pelos cofres da autarquia da Margem Sul — um total de 73.185 euros, com IVA incluído.

    Ignora-se se Luís Montenegro vai reviver o dueto (desafinado) que fez com Tony Carreira em Dezembro de 2019 no programa ‘Casa da Cristina’, na SIC, tal como também se ignora quanto custará o concerto com entrada gratuita nos jardins da residência oficial do Primeiro-Ministro. O gabinete de Luís Montenegro não respondeu aos insistentes pedidos do PÁGINA UM sobre esta matéria — que, aliás, seria escusado solicitar se a Presidência do Conselho de Ministros tivesse já colocado, como determina a lei, o contrato no Portal Base. Certo é que Tony Carreira não costuma ser barato; pelo contrário, é o artista com cachets mais elevados.

    Dueto na SIC em 2019 vai repetir-se?

    E isso tem-se notado ainda mais nos últimos anos. Por exemplo, o ano de 2025 vai ainda com apenas quatro meses completos, e Tony Carreira já garantiu uma agenda recheada de actuações financiadas por dinheiros públicos, mesmo se todos anunciam “entrada gratuita”. Segundo os dados publicados no Portal BASE — que compila os contratos públicos celebrados por entidades do Estado —, estão já contratados, até ao momento, 10 espectáculos com o artista, num total de 466.944,05 euros com IVA incluído, pagos por municípios, através de ajuste directo, sem concurso público. Será previsível que, com o contrato para a actuação nos jardins de São Bento, a fasquia do meio milhão de euros seja ultrapassada em apenas quatro meses.

    Tony Carreira tem-se destacado por ser um dos mais caros artistas portugueses, no sentido emocional e financeiro, sobretudo por actuar, em regra, sozinho, apenas com músicos acompanhantes. De entre os contratos deste ano, o de valor mais baixo (45.510 euros com IVA) foi assumido pelo Município de Alter do Chão, no distrito de Portalegre, e o mais elevado pelo Município de Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto.

    No primeiro caso, o concerto realizou-se no dia 25 deste mês, nas Festas de São Marcos, naquela vila alentejana — o que inviabilizaria, assim, também, um eventual pulo a São Bento, se não tivesse ocorrido o adiamento —, enquanto o contrato com Gaia serviria para a autarquia socialista abrilhantar a inauguração do Pavilhão Nelson Mandela. Este concerto esteve agendado para o dia 11, mas este centro multiusos acabou por não estar ainda concluído. Para amanhã está previsto um concerto em Gaia com Mickael Carreira, filho de Tony Carreira, mas não foi possível, em tempo útil, apurar se este espectáculo servirá para cumprir o contrato.

    Jardins de São Bento.

    Além dos contratos com o Barreiro, Gaia e Alter do Chão, pelo menos outras sete autarquias também já decidiram este ano contratar Tony Carreira com verbas públicas. O município de Mértola já garantiu a presença do cantor nas Festas da Vila, em 21 de Junho, e não se fez rogado em pagar 49.200 euros (com IVA), enquanto a empresa municipal FESNIMA, de Olhão, adjudicou por 59.206 euros (com IVA) um contrato para um espectáculo inserido nas Festas da Cidade, a realizar em 16 de Junho.

    Para não se ser exaustivo, a agenda de Tony Carreira deste ano tem passagens pela Feira do Fumeiro de Vinhais, pela FACIT em Tábua, pela FIAPE em Estremoz, pela Festa do Emigrante em Chaves, pela Ficabeira em Arganil. A visibilidade de Tony Carreira tem um valor médio, este ano, a rondar os 52 mil euros com IVA.

    A prática de ajuste directo, muito comum nos contratos culturais, continua a permitir às autarquias evitar processos de concurso ou consulta prévia, bastando-lhes justificar a escolha do artista e adjudicar directamente o valor orçamentado. Em todos os contratos agora divulgados, os valores encontram-se dentro do limite legal (até 75 mil euros para prestações de serviços), mas levantam questões sobre critérios de selecção artística e repetição dos mesmos nomes em diferentes municípios, com cachets bastante elevados e sem concorrência.

    Tony Carreira actuou no dia 24 de Abril no Barreiro e no dia seguinte em Alter do Chão (na foto). Sem o adiamento das festividades do 25 de Abril em São Bento, o cançonetista não teria agenda.

    Em grande parte dos concertos, Tony Carreira beneficia também dos valores de produção, uma vez que uma parte destes contratos públicos é celebrada através da sua empresa Regi-Concerto. De entre os concertos já previstos em contratos, este ano, a empresa de Tony Carreira facturará 370.230 euros com IVA. Mas a Regi-Concerto também produz outros concertos, como se verificou no recente espectáculo de Passagem de Ano em Lisboa.

    Poucos meses depois de ver Carlos Moedas a entregar-lhe a medalha de mérito cultural, a Regi-Concerto de Tony Carreira teve uma oferta de mão-beijada concedida pela Câmara Municipal de Lisboa: organização das festas de Ano Novo, no valor de 265 mil euros, incluindo IVA. Com um cartaz que não custava mais de 80 mil — constituído pelo veterano José Cid e pelo seu próprio filho Mickael —, e como a EGEAC ainda assumiu diversas despesas, Tony Carreira terá tido um lucro, sem subir ao palco lisboeta, próximo dos 150 mil euros.