Categoria: Sociedade

  • Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    Pulseiras electrónicas custam 4,1 milhões de euros por ano

    São já mais de 16 anos de ‘ligações fortes’, mas um processo em tribunal ameaça quebrar um vínculo negocial aparentemente perpétuo. Em Portugal, todos os arguidos e condenados em prisão domiciliária ou sob vigilância electrónica têm algo em comum: usam pulseiras electrónicas fornecidas pela SVEP – Segurança e Vigilância Electrónica de Pessoas. A empresa portuguesa, com sede em Lisboa, tem sido a escolhida pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) desde pelo menos 2009, sobretudo através de ajustes directos, para fornecer instrumentos de controlo, monitorização e vigilância de quem, por ordem judicial, não pode sair de casa. E já recebeu 57,6 milhões de euros pelos serviços.

    O domínio da SVEP nos contratos de vigilância com pulseira electrónica está agora em causa porque uma empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça, travando o início da execução do contrato valioso entregue pela DGRSP à SVEP, válido até 2029. A consequência deste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 9 de Dezembro, não teve, para já efeitos no negócio da SVEP. A empresa portuguesa obteve entretanto três ajustes directos e já arrecadou perto de dois milhões de euros.

    person holding white printer paper
    Foto: D.R.

    A SPEV — uma antiga empresa do Grupo Efacec, agora controlada por uma empresa familiar denominada JKGC Ventures, com uma pequena participação da israelita Elmotech — tem vencido os concursos públicos lançados desde 2009, que constam no Portal Base. Mas em 16 anos só houve três concursos públicos: em 2017, em 2021 e em 2024. Mas a empresa foi beneficiando também de sucessivas adjudicações por ajuste directo. Segundo os dados disponíveis no Portal Base contam-se 20.

    No concurso público mais recente, a empresa israelita, a SuperCom, avançou com uma acção na Justiça para contestar o contrato ganho pela SPEV. Convém referir que a SuperCom não consta da lista do Portal Base onde surgem as empresas que se candidataram ao procedimento concursal, que inclui, além da SPEV, a portuguesa Contactus, a polaca Enigma Systemy Informacji e a brasileira Synergye Tecnologia da Informação.

    Independentemente do processo em tribunal, os serviços prisionais decidiram celebrar o contrato com a SPEV no passado dia 28 de Fevereiro , prevendo-se o fornecimento anual de serviços de vigilância electrónica até 2029. Se for renovado todos os anos, a empresa receberá quase 20,6 milhões de euros, com IVA incluído, ao longo de cinco anos.

    woman holding sword statue during daytime
    Foto: D.R.

    Este valor está abaixo do máximo previsto no concurso, que era de 24.319.737 euros, acrescido de IVA. Num anterior concurso, a SPEV também foi a escolhida para ficar com aquele negócio chorudo entre 2021 e 2025. E em meados de 2017 também ganhou um outro concurso para prestar serviços por dois anos e meio.

    Com o concurso mais recente a ir parar aos tribunais, a SVEP acabou por beneficiar de três contratos por ajuste directo, no valor global próximo dos dois milhões de euros, para garantir o funcionamento das pulseiras electrónicas por cinco meses, sempre com a fundamentação de que se tratava de uma “urgência imperiosa”.

    O primeiro ajuste directo, no valor de 582.171 euros (com IVA) foi assinado no passado dia 27 de Dezembro para a “aquisição de serviços de vigilância eletrónica, para execução de decisões judiciais, para o período de 01 de janeiro de 2025 a 14 de fevereiro de 2025”.

    Seguiu-se novo ajuste directo de igual valor, que foi assinado a 14 de Fevereiro, para abranger o período até 31 de Março. Mais recentemente, a 28 de Março, foi adjudicado novo contrato por ajuste directo, no valor 789.165 euros, para serviços a prestar até 31 de Maio.

    O serviço de pulseiras electrónicas prevê a monitorização de 1.100 indivíduos, vigiados por radiofrequência, e ainda 1.900 pessoas monitorizadas por geo-localização.

    Contactada pelo PÁGINA UM, os serviços de relações externas da DGRSP justifica os recentes ajustes directos por “o motivo de ‘urgência imperiosa’ [que] decorreu, e tem decorrido, da necessidade de assegurar a continuidade do serviço/fornecimento sem interrupções” em virtude da acção de “contencioso pré-contratual intentada após a realização de um concurso público com publicidade internacional”. A mesma fonte diz ainda que “as vicissitudes decorrentes da impugnação judicial impuseram a adopção de outros procedimentos, sem recurso à concorrência”, ou seja, o ajuste directo, mesmo se por valores bastante elevados.

    Segundo a DGRSP, “o motivo da escolha da SVEP para prestar este serviço prendeu-se com o facto de ser o actual fornecedor e, por esse motivo, o único habilitado a prestar o serviço de forma ininterrupta, ou seja, sem colocar em causa a missão da DGRSP”. Esta entidade destacou ainda a necessidade de manter o serviço em funcionamento, “em especial na parte que diz respeito às medidas de proibição de contactos resultante da violência doméstica, que representa mais de 60% da atividade relativa à vigilância eletrónica”.

    person holding Samsung Galaxy Android smartphone

    O PÁGINA UM ainda aguarda esclarecimentos da empresa israelita SuperCom, a qual esteve envolvida em alguma polémica, por questões de respeito de privacidade, uma vez que durante a pandemia de covid-19 reconverteu os seus equipamentos e tecnologias para vender serviços de vigilância de pessoas em quarentena.

    Seja como for, até estar resolvido o conflito em torno do concurso público, a SPEV deverá continuar a facturar com os contribuintes, através de ajustes directos assinados de dois em dois meses.

  • Em duas eleições legislativas, votos no estrangeiro custam 20 milhões de euros

    Em duas eleições legislativas, votos no estrangeiro custam 20 milhões de euros

    Cada voto concretizado nas Legislativas do ano passado por eleitores recenseados no estrangeiro teve um custo médio de 24,4 euros – e a factura global chegou aos 8,13 milhões de euros. Este montante ainda deverá sofrer um acréscimo significativo nas próximas eleições de Maio: na passada sexta-feira, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45%.

    No contrato agora assinado – ao contrário daquele que foi estabelecido no ano passado –, não estão discriminados os preços unitários por expedição nem pela resposta sem franquia (RSF), apenas cobrada, neste caso, se o eleitor enviar o seu voto. Em função da taxa de abstenção, que se reflectirá no custo referente aos votos endereçados por RSF, o custo poderá ascender aos 35 euros por voto. O PÁGINA UM ainda não conseguiu apurar a causa para o forte agravamento do preço unitário, tanto mais que o caderno de encargos não consta no Portal Base.

    a person is casting a vote into a box

    De acordo com os números provisórios, existem actualmente cerca de 1,6 milhões de eleitores portugueses no estrangeiro com capacidade de voto, sendo que, de acordo com o contrato celebrado no passado dia 4 de Abril, cerca de 953 mil viverão em países europeus – que elegem dois deputados. Noutros continentes estão recenseados 647 mil eleitores, dos quais 73 mil nos Estados Unidos, que são destacados no contrato por os serviços postais serem substancialmente superiores.

    Para as eleições de 10 de Março do ano passado – cujo contrato somente foi disponibilizado no Portal Base em 26 de Março deste ano –, previa-se um custo de envio dos boletins de voto para todos os eleitores na ordem dos 7,4 milhões de euros, a que acresciam mais quase 2,6 milhões de euros de custos de RSF. Porém, a taxa de abstenção terá sido superior ao esperado, pelo que o contrato acabou por se fixar em quase 8,13 milhões de euros.

    Recorde-se que, nas Legislativas do ano passado, de um universo de 1.546.747 inscritos no estrangeiro, votaram apenas 33.520, ou seja, registou-se uma taxa de abstenção de cerca de 78%. A abstenção no círculo Fora da Europa – que elegeu um deputado da Aliança Democrática e outro do Chega – atingiu quase 84%: votaram apenas 98.866 eleitores num universo de 609.436 inscritos. Em países africanos, a abstenção foi de quase 95% e, mesmo no Brasil, foi de um pouco mais de 78%. No caso da Europa, a taxa de abstenção global rondou os 75%, tendo votado quase 235 mil eleitores num universo de 937 mil, para eleger um deputado do Chega e outro do Partido Socialista.

    Note-se, contudo, que, devido às especificidades para cumprimento da validade destes votos vindos do estrangeiro, as quantidades de votos nulos foram avassaladoras. Apenas são considerados válidos os votos que sejam acompanhados por cópia de um documento de identificação, o qual deve ser colocado dentro do envelope branco, mas fora do envelope verde, que deve conter apenas o boletim de voto. Ora, em imensos casos tal não se verifica, o que leva à anulação do voto.

    Nas Legislativas do ano passado, foram considerados nulos mais de 38 mil votos no círculo Fora da Europa, que corresponderam a 32,4% dos votos enviados. Os votos nulos superaram mesmo a percentagem da Aliança Democrática (22,9%), a força partidária que ficou em primeiro lugar.

    Similar situação ocorreu no círculo da Europa, mas de forma ainda mais agravada: 38,5% dos votos enviados foram considerados nulos – uma percentagem que foi mais do dobro da alcançada pelo Chega (18,3%), o partido mais votado.

    O contrato celebrado para as Legislativas do próximo mês de Maio é o de maior valor celebrado com entidades públicas para prestação de serviços postais pelos CTT, constituindo uma importante fatia de negócio. Mas não se sabe a verdadeira dimensão. De facto, para envio dos boletins de voto e posterior recepção, somente constam no Portal Base os contratos com os CTT para a gestão do envio e RSF das Legislativas de 2024 e 2025, embora se saiba que este serviço foi prestado em anos anteriores pelos CTT.

    Por exemplo, nas eleições Legislativas de 2022, os CTT até acabaram por ter um “bónus” de 4,6 milhões de euros, depois de o Tribunal Constitucional ter mandado repetir as eleições na sequência da mistura de milhares de votos válidos e inválidos. Os juízes detectaram “procedimentos anómalos” no apuramento dos votos daquele círculo, uma vez que a maioria das mesas validou votos sem a obrigatória cópia da identificação do eleitor.

  • Tribunal manda repetir eleições da Ordem dos Psicólogos por irregularidades graves

    Tribunal manda repetir eleições da Ordem dos Psicólogos por irregularidades graves

    O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa considerou admissível a acção intentada por quatro candidatos da lista derrotada nas eleições da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), realizadas em finais de Novembro do ano passado. Sofia Ramalho, a actual bastonária, que tomou posse poucos dias depois do mais recente Natal, deverá ter de ir novamente a votos, sanando as «irregularidades graves» apontadas pelo juiz António Gomes da Silva na sentença de hoje, à qual o PÁGINA UM teve acesso.

    Na origem da acção estavam denúncias de falhas graves no processo eleitoral, promovida pela direcção da qual Soficaa Ramalho fizera parte – no mandato de Francisco Miranda Rodrigues –, com destaque para a gestão caótica da votação electrónica, que impediu muitos psicólogos de votarem. Segundo ficou provado, a empresa Multicert, contratada para gerir o sistema de votação, reenviou códigos de acesso (PINs) a 199 eleitores no próprio dia das eleições, mas apenas 12 destes conseguiram votar. Além disso, os critérios para esse reenvio foram alterados no decurso do acto eleitoral e aplicados de forma opaca.

    a man holds his head while sitting on a sofa

    O tribunal considerou que os autores – todos candidatos pela ‘Lista A’ e também eleitores – tinham legitimidade para impugnar o acto, frisando que a acção era tempestiva e juridicamente válida. Relevou igualmente que a Mesa Eleitoral integrava membros com vínculos directos a listas candidatas, o que levantava «sérias dúvidas sobre a imparcialidade» do órgão responsável pela condução do processo.

    Entre os episódios relatados consta ainda a violação do período de campanha eleitoral, com um candidato da lista vencedora a enviar mensagens de apelo ao voto no próprio dia da votação. O tribunal sublinhou que as eleições numa ordem profissional regem-se pelos princípios constitucionais do sufrágio universal, secreto, directo e livre, sendo exigida à OPP uma conduta administrativa irrepreensível.

    A decisão judicial do Tribunal Administrativo não invalida de imediato os resultados eleitorais, sendo passível de recurso, embora a análise do juiz António Gomes da Silva se mostre bem sustentada ao longo das 40 páginas da sentença.

    Sofia Ramalho, bastonária da Ordem dos Psicólogos, viu o Tribunal Administrativo anular o acto eleitoral por irregularidades graves.

    O juiz salienta que a acção de impugnação é «totalmente procedente, por fundada e provada», designadamente pela incapacidade de “pelo menos 218 eleitores” exercerem “o direito de voto com o código de acesso”. Registaran-se também casos de pedidos de reenvio do PIN por requerentes que nem sequer constavam da base de dados. E houve mesmo quem recebeu os códigos apenas dois minutos antes do encerramento do acto eleitoral.

    O até agora curto mandato de Sofia Ramalho tem sido pautado por outras polémicas, a última das quais a elaboração de um guia sobre desinformação, em estilo de catecismo, onde até se apontam consequências mentais. A bastonária, que antes ocupara o cargo de vice-presidente do Conselho Geral, vencera as eleições de Novembro com uma margem curta: obteve 2.834 votos contra os 2.704 da lista liderada por Ana Conduto e os 1.634 votos de Eduardo Carqueija. Ao contrário daquilo que sucede com as Ordens dos Médicos e dos Advogados, no caso dos psicólogos não é necessária segunda volta se o candidato mais votado obtiver a maioria no escrutínio.

  • Informática: Só nos útimos cinco anos houve 15 contratos públicos de mais de 5 milhões de euros

    Informática: Só nos útimos cinco anos houve 15 contratos públicos de mais de 5 milhões de euros

    Suspeitas de uma fraude em contratos no valor de 17 milhões de euros — e que levaram hoje a 75 buscas em organismos do Estado, escritórios e outras instituições — pode parecer montante chorudo, mas, no contexto dos contratos públicos no sector da informática e tecnologias de informação, acaba por ser uma parcela relativamente pequena.

    Embora a identidade das empresas visadas pela investigação não tenha sido tornada pública, algumas das entidades públicas alvo de buscas foram reveladas, entre as quais o Banco de Portugal, o Instituto dos Registos e do Notariado e a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça, bem como a Agência para a Modernização Administrativa e a EPAL.

    gray and black laptop computer on surface

    De acordo com um levantamento rápido do PÁGINA UM para uma primeira avaliação do mundo dos contratos públicos, recorrendo aos dados disponíveis no Portal BASE, este é um negócio que mobiliza centenas de milhões de euros. Apenas com uma simples pesquisa pela palavra “Informática” na descrição dos contratos, o lote dos 500 maiores contratos registados (todos acima dos 500 mil euros, sem IVA) atinge um montante total de 763 milhões de euros. Com IVA incluído, este valor ascende a aproximadamente 939 milhões de euros.

    Destes contratos, 225 têm valores unitários superiores a um milhão de euros, totalizando um valor global de 567,7 milhões de euros. Nos útimos cinco anos foram celebrados 15 contratos acima dos 5 milhões de euros, incluindo assim três com valores superiores a 10 milhões de euros. Estes valores demonstram o peso colossal deste sector na despesa pública.

    Perante este universo, a fraude agora sob investigação — embora relevante — representa uma ínfima fracção dos investimentos realizados nos últimos anos em serviços informáticos, software, licenciamento e infraestruturas digitais para a Administração Pública.

    white robot near brown wall

    Uma análise detalhada aos contratos com valores acima de 500 mil euros permite ainda identificar os organismos do Estado que mais têm investido em tecnologias de informação. O Instituto de Informática, responsável por múltiplas plataformas críticas da Segurança Social, lidera de forma destacada com um total de 304.567.835 euros em contratos desta natureza. Segue-se a Autoridade Tributária e Aduaneira, com 79.904.388 euros, e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, com 39.309.515 euros.

    A Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência surge com 31.262.054 euros, à frente do Banco de Portugal, com 19.992.006 euros, e do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), com 18.119.608 euros. A Direcção-Geral de Infra-Estruturas e Equipamentos (16.274.541 euros), a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (15.326.438 euros), a Secretaria-Geral do Ministério da Justiça (13.447.001 euros) e o Instituto dos Registos e do Notariado (11.161.059 euros) completam o grupo das dez entidades com maiores investimentos no sector. Saliente-se que os valores serão superiores, uma vez que esta análise se circunscreve aos contratos acima de meio milhão de euros e não inclui aqueles que, mesmo sendo do sector da tecnologia de informação, não tenham a palavra “Informática” na denominação.

    O contrato de maior valor identificado pelo PÁGINA UM diz respeito à aquisição de computadores e outros equipamentos tecnológicos, no montante de 14,8 milhões de euros, adjudicado por concurso público à Informantem, em Dezembro de 2020, pela Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência.

    woman in black top using Surface laptop

    Em segundo lugar, surge um contrato de 14 milhões de euros celebrado em Agosto de 2017 pelo Banco de Portugal, por concurso limitado por prévia qualificação, com um agrupamento de empresas liderado pela MEO, Claranet, Widesys e Altran Portugal. O terceiro contrato envolveu também a Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência, com um valor de quase 11,2 milhões de euros, beneficiando a Inforlândia em Outubro de 2020. Foi um contrato por ajuste directo para aquisição de computadores portáteis nos tempos da pandemia.

    Entre os contratos mais volumosos surgem também duas adjudicações da SPMS – Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, ambas datadas de 2022, e ambas por concurso público, com valores de 8.725.405,96 euros e 8.435.438 euros, atribuídas à WWS, Normática e Timestamp, para aquisição de licenciamento Oracle e respectivos serviços de suporte. A Autoridade Tributária e Aduaneira surge com múltiplos contratos milionários: em 2023, contratou por um pouco mais de 8 milhões de euros um conjunto de cinco tipos de software Oracle à Forecast IT e à Normática, e em 2021, por 8,6 milhões de euros, contratou à Timestamp e à WWS o upgrade das plataformas Exadata e BigData.

    Já em 2023, o Instituto de Gestão Financeira da Educação adjudicou à Normática e à WWS, por 4,1 milhões de euros, serviços de administração de bases de dados e clusters para a Plataforma Digital da Educação. Noutro caso, o IFAP – Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas contratou a Informática El Corte Inglés por 4,2 milhões de euros, em 2020, para implementação de um sistema de disaster recovery.

    A person is holding a credit card in their hand

    A Secretaria-Geral do Ministério da Justiça surge também com um contrato relevante: em 2023, adjudicou por quase 3,8 milhões de euros, por concurso público, a um consórcio liderado pela Accenture e pela Tech-Avanade, para serviços de desenvolvimento de software. Outro caso digno de nota é o do Instituto de Informática, que celebrou vários contratos por valores superiores a três milhões, incluindo um com a Unisys, em 2023, no valor de 3,4 milhões de euros, por ajuste directo, e outro com a CGITI Portugal, também em 2023, por quase 3,3 milhões de euros, ao abrigo de acordo-quadro.

    Apesar de existirem largas dezenas de empresas contratadas, algumas em consórcio, destacam-se algumas pelo volume de negócios com entidades públicas, entre as quais a Normática (que lidera), a MEO, a ATOS II, a Informantem e a Informática do El Corte Inglês. Porém, este é um sector multifacetado e especializado, pelo que em alguns contratos haja uma forte dependência da Administração Pública relativamente a grandes operadores.


  • Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

    Estalou o verniz: eleições para a Ordem dos Advogados transformadas em ‘circo’ e em ‘latrina’

    As eleições para o cargo de bastonário da Ordem dos Advogados, cuja derradeira segunda volta se realiza esta segunda-feira, entraram em clima de ‘guerra aberta’, de confrontação clara, depois da actual bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro – que passou à segunda volta com João Massano – ter enviado uma mensagem de correio electrónico aos colegas da classe, acusando de forma directa os seus opositores de estarem ao serviço da ASAP – Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. O conteúdo e sobretudo o tom da missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro – que obteve 33% dos votos na primeira volta, contra 30% de Massano – está a causar ‘ondas de choque’ na rede social LinkedIn, plataforma de excelência onde proliferam os advogados.

    Apesar de a comunicação da actual bastonária não estar em circulação, o PÁGINA UM teve acesso integral ao seu conteúdo, com o sugestivo título de “Finalmente, tudo se revelou”, que é extremamente duro, dir-se-ia panfletário. Começa logo por acusar João Massano e José Costa Pinto – que ficou em terceiro lugar na primeira volta com 25% – de serem “meros peões da ASAP”, ou seja, da Associação das Sociedades de Advogados de Portugal. Segundo Fernanda de Almeida Pinheiro, a ASAP representa interesses contrários aos da maioria dos advogados, sobretudo dos que exercem em prática individual ou em pequenas sociedades.

    Fernanda de Almeida Pinheiro, actual bastonária.

    “O puzzle está completo!”, lê-se na missiva. “Agora está claro quais são os interesses representados por estas candidaturas: os da ASAP, que pretende ‘repensar’ o acesso ao direito e manter intocada a CPAS [Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores].”

    A mensagem enumera diversos nomes ligados à candidatura de João Massano, com a indicação expressa das sociedades onde trabalham, incluindo os nomes de Eduarda Proença de Carvalho e André Matias de Almeida (Proença de Carvalho), Manuel Protásio (Vieira de Almeida), Paula Ponces Camanho (Morais Leitão & Associados), todos com cargos relevantes em sociedades associadas da ASAP.

    Também a lista de José Costa Pinto – agora afastado da segunda volta, mas que já declarou apoio a Massano – é alvo de denúncia por integrar membros de sociedades com vínculos à mesma associação, entrte os quais Gonçalo Gama Lobo (Gama Lobo Xavier, Luís Teixeira e Melo & Associados), Félix Bernardo (Caldeira Pires & Associados), Joana Whyte (Telles de Abreu & Associados), João Martins Costa (José Pedro Aguiar-Branco & Associados) e Paulo Saragoça da Matta (DLA Piper).

    João Massano passou à segunda volta a curta distância da actual bastonária.

    A bastonária em funções alerta para os riscos de se entregar a Ordem dos Advogados a interesses que, segundo ela, pretendem “repensar” o regime de acesso ao direito manter a actual caixa de previdência (CPAS) sem reformas estruturais. Os efeitos, avisa, podem ser “devastadores”, avisa na missiva, nomeadamente para os profissionais mais vulneráveis: “Advogados/as em prática individual podem ver a sua actividade ameaçada. Pequenas e médias sociedades podem ser gravemente prejudicadas. Até associados das grandes sociedades, que há muito reivindicam direitos laborais, podem ver as suas expectativas frustradas.”

    Considerando que a carta de Fernanda de Almeida Pinheiro se assemelha a um “alerta admonitório” – uma advertência formal com intuito de repreensão e censura com intenção correctiva –, o antigo bastonário Rogério Alves manifestou-se este fim-de-semana no LinkedIn contra “um texto insólito […] com marcado perfil sindical, fora da órbita do que a Ordem é e deverá continuar a ser”. Para Rogério Alves, que liderou esta estrutura profissional de 2005 a 2007, “os debates entre advogados devem ser pautados pela cordialidade e pela urbanidade e não por linguagem comicieira”, acrescentando que “a Ordem deve unir e agregar, sem fomentar uma espécie de luta de classes, mais a mais feita sem classe”. E considera que o debate deve ser feito “sem ataques pessoais, sem desrespeito pelos colegas e pelas suas opiniões”.

    Alguns dos visados peça actual bastonário também têm reagido ao longo dos últimos dias através de comentários no LinkedIn. É o caso de Paulo Saragoça da Matta, mandatário de José Costa Pinto, que acusa Fernanda de Almeida Pinheiro de andar “com e-mails e publicações de insulto e mentira nas redes de diversão que usa para granjear apoios ao engano”. Para este advogado, “a Sra. Bastonária não só transformou a Ordem num Circo”, colocando o emoji de uma tenda, “como  está de cabeça perdida pois vai perder a ten[ç]a gulosa”, terminado por a acusar de transformar a campanha eleitoral numa “latrina”. E prognostica: “Vai enterrar-se tanto que nem de andas sai da valeta que escava…”.

    Os dois principais visados – José Costa Pinto e João Massano, agora apoiado pelo primeiro – mantêm silêncio sobre a agressiva missiva de Fernanda de Almeida Pinheiro. Na passada sexta-feira, já depois do polémico e-mail da bastonária, José Costa Pinto apelou ao voto em João Massano, considerando que “num momento crítico para a Advocacia, não há lugar a neutralidades, a conveniências pessoais ou estados de alma: a escolha deve ser informada pelo compromisso firme de servir a Classe e de proteger a Instituição que a representa”.

    Quanto a João Massano – que assegurará a eleição se conseguir juntar os ‘seus votos’ aos de José Costa Pinto –, tem passado os últimos dias a divulgar apenas uma lista de apoios, incluindo com gravações, nas redes sociais, sobretudo no LinkedIn. Até porque tem sido sobretudo aí, nesta rede social, que muito desta campanha eleitoral se tem desenrolado com maior ou menor fel.

  • Vila Real: ‘festa de arromba’ do centenário já vai em meio milhão

    Vila Real: ‘festa de arromba’ do centenário já vai em meio milhão

    Vila Real, outrora apelidada de ‘a Corte de Trás-os-Montes’, celebra este ano o centenário de elevação a cidade e vai ter uma festa digna de marajás. A autarquia decidiu abrir os cordões à bolsa e os gastos com a ‘festa’ já vão em meio milhão de euros – e ainda faltam contratos. A autarquia, aparentemente, nem colocou um ‘tecto’, porque, nem sequer indicou ao PÁGINA UM o valor orçamentado.

    A celebração, que ocorre em ano de eleições autárquicas, vai contar com mais de 100 eventos “gratuitos” – pagos pelos contribuintes -, designadamente lúdicos, culturais e desportivos, que inclui até a contratação da banda britânica ‘James’ para realizar um concerto no dia 5 de Julho.

    Só na contratação desta banda inglessa liderada por Tim Booth – tio da actriz portuguesa Maya Booth -, a autarquia liderada pelo socialista Rui Santos vai gastar 194.832 euros, segundo o contrato adjudicado ontem por ajuste directo à empresa Malpevent. Este montante inclui IVA.

    A banda britânica ‘James’ vai arrecadar uma grande fatia dos gastos do município liderado pelo socialista Rui Santos com a celebração do centenário da elevação de Vila Real a cidade.

    Para justificar esta contratação milionária, a autarquia referiu, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que, tratando-se da celebração do centenário, “deveria haver um concerto distintivo, diferente da programação habitual que acontece no concelho, sempre com bandas nacionais”. Por isso, “foi decidido contratar uma banda de dimensão internacional, que permitisse atrair a atenção da região e até do país para a comemoração do centenário da cidade de Vila Real e, simultaneamente, proporcionar aos vila-realenses uma nova experiência no seu território”.

    Quanto à escolha, em concreto, desta banda, “prende-se com uma auscultação feita ao mercado das bandas disponíveis, dentro do orçamento definido”, sendo que a “a banda ‘James’ acabou por ser a escolhida por ter disponibilidade para a data pretendida e se enquadrar nos restantes objetivos”.

    Saliente-se, contudo, que os James não são já uma banda internacional assim tão distintiva – e não apenas por já terem perdido o fulgor dos anos 90, no seu auge. Na verdade, os James são quase ‘portugueses’, tornando-se banal a sua presença em solo português, mas com cachets muito mais elevados. Há alguns meses, o Expresso contabilizou 45 aparições. No ano passado, passaram pelo Rock in Rio e pelo Crato. Neste segundo concerto, a autarquia norte-alentejana pagou então 140.835 euros, menos cerca de 54 mil do que o município de Vila Real vai pagar.

    Mas o concerto em Vila Real do agrupamento britânico é apenas um dos muitos eventos planeados. E com cachets elevados. Na área da música, algumas ‘estrelas’ nacionais farão parte do ‘programa das festas’. É o caso de Rui Veloso, que foi contratado pelo município por 47.908 euros para realizar um concerto no dia 28 de Junho. O montante é elevado, mas mesmo assim muito mais baixo do concerto aprovado pela Assembleia da República em Maio, que vai custar aos cofres do Estado cerca de 140 mil euros.

    Rui Veloso. / Foto: D.R.

    Diogo Piçarra e Sara Correia também vão actuar nas festas do centenário de Vila Real. O artista vai receber 31.980 euros para realizar um concerto no dia 10 de Junho. Quanto a Sara Correia, vai encaixar 23.370 euros para o espectáculo que vai realizar no dia 29 de Junho.

    Nininho Vaz Maia, que tem sido destaque nos últimos meses, vai receber 43.665 euros para actuar no dia 6 de Agosto. O artista Carlão, vocalista dos Da Weasel, também foi contratado, por um valor de 27.982 euros, para um concerto que está agendado para 13 de Junho. Os artistas Plutónio e DJ Dadda actuam no dia 9 de Junho por 35.670 euros.

    Incluídos no programa denominado ‘100 anos / 100 momentos’, além destes músicos, cujos contratos foram já assinados, a autarquia também vai contratar outros artistas, designadamente a banda Xutos & Pontapés e Gisela João, cuja contratação ainda não foi formalizada, mas que deverá rondar um valor próximo de 40.000 euros. Em todo o caso, somando todos os contratos detectados pelo PÁGINA UM, incluindo a ópera ‘O elixir do amor, pelo Teatro de São Carlos (quase 32 mil euros) e duas peças de teatro (quase 25 mil), em quase 475 mil euros para uma população de 50 mil habitantes. Em termos proporcionais, o ‘bolo’ seria equivalente a festas em Lisboa de mais de 5,5 milhões de euros.

    O socialista Rui Santos (segundo a contar da esquerda) na conferência de apresentação do programa ‘100 anos / 100 momentos’ para comemorar o centenário de Vila Real, enquanto cidade, e que se realizou no dia 13 de Março. O autarca, que vai no seu terceiro mandato, já não se poderá recandidatar este ano, devido ao limite de mandatos imposto por lei. / Foto: D.R.

    O socialista Rui Santos, que comanda há 12 anos os destinos do município, deverá terminar assim o seu ‘reinado’ com pompa e circunstância. O autarca já não poderá concorrer a novo mandato devido aos limites impostos pela lei.

    A comemoração do centenário da elevação de Vila Real à condição de cidade, no dia 20 de Julho de 2025, já arrancou no passado dia no passado dia 14 de Março e irá terminar no último dia do ano.

    Além dos concertos, as celebrações irão incluir várias iniciativas que passam por peças de teatro, conferências, exposições, eventos desportivos, publicação de livros, plantação de árvores e emissão de selos. Em julho, a autarquia vai homenagear “aqueles que ajudaram a construir a sua identidade, com a atribuição das Medalhas do Centenário a figuras e empresas que deixaram marca na história local”.

    people playing drum on street during daytime

    Mas, apesar da relevância e magnitude da celebração, a autarquia não conseguiu precisar qual o montante global do orçamento previsto para as comemorações. Em resposta a um pedido efectuado hoje por e-mail pelo PÁGINA UM, o município indicou que “quanto ao valor total do orçamento, é muito difícil ser apurado no intervalo de tempo que nos foi dado para esta resposta, uma vez que abrangem iniciativas na área cultural, na área desportiva, ambiental, da educação, de animação, etc, e cada uma delas tem o seu orçamento próprio”.

    Por outro lado, Vila Real celebra este ano outra efeméride que irá envolver uma variedade de eventos: os 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, escritor que viveu naquela cidade transmontana. E, hoje, o que não escreveria Camilo sobre os gastos, a opulência e o ‘status’ desta grande festa que se fará também, mas não só, em seu nome?

  • Tribunal Administrativo vai decidir se contratos do Banco Português de Fomento podem ‘vestir de preto’

    Tribunal Administrativo vai decidir se contratos do Banco Português de Fomento podem ‘vestir de preto’

    Depois de cinco meses a solicitar, sem êxito, provas da execução de mais de duas dezenas de contratos por ajuste directo – envolvendo sociedades de advogados e consultoras – o PÁGINA UM deu entrada hoje, no Tribunal Administrativo de Lisboa, de um processo contra o Banco Português de Fomento (BPF) de intimação para prestação de informações e obtenção de documentos administrativos

    Em causa está sobretudo a recusa reiterada desta instituição bancária em entregar documentação comprovativa da realização efectiva de serviços pagos com dinheiro público, num total que ultrapassa os 2,3 milhões de euros.

    A recusa do BPF abrange também um contrato por ajuste directo no valor de 700 mil euros com a Universidade Católica Portuguesa, sobre o qual não se conhece o objecto concreto, nem se compreende, sequer, o destino das verbas, aparentando ser para pagar avenças a professores universitários como “observadores”, ignorando-se quem são, as razões da escolha e as suas tarefas em concreto. Parte substancial da documentação enviada pelo BPF encontra-se totalmente rasurada a negro, apagando inclusive nomes dos signatários dos contratos.

    Desde Novembro do ano passado, o PÁGINA UM tem vindo a solicitar acesso, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), a relatórios de execução, folhas de registo de trabalho, actas de reuniões, facturas, ordens de pagamento e recibos – em suma, quaisquer documentos que confirmem se os contratos foram ou não acompanhados de tarefas reais. No entanto, o banco público, então sob a presidência de Ana Carvalho – ex-mulher do actual ministro Pedro Duarte e actual administradora da Caixa Geral de Depósitos – limitou-se a protelar as respostas e, mais recentemente, a enviar documentos mutilados ou totalmente desprovidos de conteúdo útil.

    A lista dos contratos celebrados entre finais de 2021 e Outubro de 2024 inclui a antiga sociedade do actual primeiro-ministro, Sousa Pinheiro & Montenegro, com um contrato de 100 mil euros, bem como três contratos com a sociedade SRS do irmão do Presidente da República, num total de cerca de 110 mil euros. Estão ainda referenciadas sociedades como a Sérvulo & Associados (dois contratos de 210 mil euros cada), a Vieira de Almeida & Associados (com contratos que ultrapassam 450 mil euros), Abreu & Associados, Cuatrecasas, Andrade de Matos, e consultoras como Deloitte e Ernst & Young.

    Documentos em falta e outros mutilados: Tribunal Administrativo de Lisboa decidirá se é lícito o Banco Português de Fomento continuar a esconder informação pública.

    Na base legal para os ajustes directos está a invocação de uma norma do Código dos Contratos Públicos, o qual tem sido interpretado de forma abusiva para justificar adjudicações sem qualquer concurso público, com argumentos baseados numa alegada “confiança subjectiva” ou “carácter eminentemente intelectual” dos serviços. O PÁGINA UM obteve documentos em que estas justificações surgem como meras fórmulas genéricas, onde não se identificam critérios objectivos ou qualquer avaliação comparativa.

    Além disso, os contratos fornecidos surgem com nomes dos signatários riscados, incluindo o de Beatriz Freitas, CEO do BPF à data da assinatura do contrato com a sociedade de Luís Montenegro, o que viola frontalmente o princípio da transparência administrativa e o entendimento reiterado da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Diversos acórdãos do Tribunal Central Administrativo indicam claramente que, no acesso a documentos administrativos, não se aplica o Regulamento Geral de Protecção de Dados, sobretudo estando em causa nomes de titulares de cargos públicos no exercício das suas funções.

    No caso do contrato de 700 mil euros com a Universidade Católica Portuguesa, celebrado em Fevereiro de 2024, o BPF limitou-se a enviar documentação rasurada e incompleta, não apresentando sequer o caderno de encargos, a proposta adjudicada ou os documentos comprovativos de qualquer consulta a outras instituições académicas. Esta é, aliás, a segunda vez que o PÁGINA UM tenta que o BPF envie a documentação. No ano passado, o Tribunal Administrativo de Lisboa concluiu, com base num extenso relatório de uma empresa informática contratada pela instituição bancária, que o e-mail do PÁGINA UM com o requerimento não chegara às mãos do BPF, apesar da existência de confirmação da recepção pelo servidor. Nessa linha, o PÁGINA UM viu-se obrigado a fazer novo requerimento, que acaba novamente no Tribunal Administrativo, desta vez sem qualquer dúvida sobre a sua recepção.

    Até porque, no início deste mês, o BPF enviou cerca de meia centena de páginas relacionadas com este contrato que, ao invés de elucidarem, mais dúvidas causam, até porque adensam. Com efeito, nas cópias enviadas – e o PÁGINA UM requereu acesso aos originais –, há rasuras um pouco (e muito) por todo o lado, a começar pelo cabeçalho do contrato, onde o nome do dirigente do BPF e da Universidade Católica Portuguesa são ostensivamente apagados. Neste caso, ainda se consegue ler o resto, porque noutros documento tudo é apagado – ou, melhor dizendo, colorido a negro.

    Sociedade de advogados onde Montenegro era sócio recebeu em finais de 2021 um ajuste directo de 100 mil euros do Banco Português de Fomento sem que tenham sido apresentadas provas de trabalho realizado.

    Elucidativo da clara intenção de esconder informação relevante envolvendo dinheiros públicos encontra-se num e-mail remetido em 20 de Novembro de 2023 por alguém do BPF a alguém da Universidade Católica, cujos nomes foram rasurados, que começa com um “Caro” antes do nome do interlocutor ser apagado. Nesse e-mail, apresenta-se sucintamente a intenção do BPF de ser assessorado por “observadores” , referindo-se que, “em termos de remuneração: estamos a apontar para cerca de [riscado a negro]”. Na documentação por agora facultada ao PÁGINA UM, mutilada em várias páginas, incluindo actas, não se encontrou qualquer explicação plausível para a afectação do montante de 700 mil euros nem a lista de “observadores”, levantando dúvidas sobre a existência de uma rede informal de distribuição de avenças entre docentes universitários.

    Este é a 25ª vez, em três anos, que o PÁGINA UM interpõe intimações no Tribunal Administrativo para a obtenção de informação recusada por entidades públicas, a esmagadora maioria das quais com decisões favoráveis, mesmo no caso em que o ‘antagonista’ foi o Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Médicos ou o Instituto Superior Técnico. Porém, além dos custos e morosidade de alguns destes processos – por exemplo, um intentado em Dezembro de 2022 contra a Direcção-Geral da Saúde ainda não teve decisão de primeira instância –, acresce o facto de que, mesmo sob a ‘espada’ de uma sentença, existem dirigentes públicos que insistem em manipular documentos que têm obrigação de revelar.


    N.D. Este e muitos outros processos judiciais do PÁGINA UM têm sido apoiados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO, que, neste momento, apresenta um défice.

  • ITAU continua a ‘açambarcar’ de mão-beijada contratos de alimentação no Hospital de Santa Maria

    ITAU continua a ‘açambarcar’ de mão-beijada contratos de alimentação no Hospital de Santa Maria

    A comida dos hospitais pode ter pouco condimento, mas o seu fornecimento, e os estranhos meandos da contratação pública que envolvem, garantem uma deliciosa receita (financeira) para empresas privadas. No caso dos hospitais de Lisboa Norte – Santa Maria e Pulido Valente – a contratação dos serviços de refeições a doentes e pessoal hospitalar tem estado a recair na mesma empresa nos últimos anos, quase sempre por ajuste directo, ou seja, através de contratação de mão-beijada. Apesar de os montantes serem bastante elevados, existem sempre esquemas e justificação, muitas vezes estapafúrdias, para evitar concursos públicos que permitem maior transparência e preços mais adequados.

    O caso da empresa ITAU é um dos casos mais paradigmáticos, que acaba de obter mais um ajuste directo, celebrado na passada quarta-feira, no valor de 1.457.696 euros, para servir refeições nos meses de Março e Abril deste ano na Unidade Local de Saúde de Santa Maria (ULS-SM).

    Este é o terceiro contrato que esta empresa do grupo Trivalor, sedeada em Carnaxide, obteve este ano com esta ULS que gere os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente e uma rede de centros de saúde de Lisboa. Em Janeiro deste ano, a ITAU já tinha ‘sacado’ dois contratos: um primeiro, por ajuste directo, no valor de 1.457.696 euros, para também para servir refeições em Janeiro e Fevereiro; e o segundo no valor de 7.339 euros, para um serviço de ‘catering’. Curiosamente, este segundo contrato, com um valor irrisório face ao milhões que envolvem a alimentação quotidiana, foi sujeita a uma consulta prévia, o que mostra o absurdo da situação.

    Recorde-se que a ITAU foi condenada em 2011 pela Autoridade da Concorrência (AdC) por formação de cartel, tendo-lhe sido aplicada uma coima de 6,8 milhões de euros. No entanto, este processo, que começou em 2007, acabou por ser declarado “extinto por prescrição”, em 2015, pelo Tribunal de Relação de Lisboa, na sequência de recursos apresentados pelas oito entidades condenadas pela AdC.

    No caso do novo contrato, apesar de ‘reincidente’, e haver sempre necessidade de dar comidas aos doentes e pessoal de saúde, recorre ao ajuste directo porque alega “urgência imperiosa”, embora esta somente pode ser alegada “na medida do estritamente necessário” e se for “resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante” e que, desse modo, “não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos [como o concurso público], e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    As relações comerciais entre a ITAU e as diversas administrações que gerem os hospitais da região norte de Lisboa começaram em 2019, mas quase sempre com um ‘aperto de mão’ a selar ajustes directos. O último contrato por concurso público remonta a Abril de 2021. E se se contabilizar os contratos desde essa data, contam-se já 16, dos quais 11 adjudicados por ajuste directo e os restantes através do procedimento de consulta prévia, estes geralmente muito mais baixos, a rondar cada cerca de cinco mil euros. Os ajustes directos servem para os contratos mais chorudos: desde Abril de 2021 já totalizaram cerca de 19,1 milhões de euros, incluindo IVA.

    Se considerarmos os contratos desde Maio de 2019, a ITAU conta com 28 contratos com a ULS-SM e as suas antecessoras, encaixou uma receita de 39,2 milhões de euros.

    Assim, em 2019, registaram-se quatro contratos, sendo que apenas o primeiro foi por concurso. Em 2020, contam-se cinco, todos por ajuste directo. Em 2021, foram efectuados quatro contratos, sendo que apenas um foi por concurso público. Em 2022, houve apenas um pequeno contrato para um serviço de catering. Em 2023, contam-se quatro contratos, dos quais três por ajuste directo. Em 2024, registam-se no Portal Base sete contratos adjudicados pela ULS-SM à ITAU, todos por ajuste directo.

    Em resposta a questões do PÁGINA UM, o gabinete de comunicação da USL-SM destaca sobretudo as dificuldades em realizar ou concluir com sucesso os procedimentos por concurso público, uma vez que, por regras, existem restrições orçamentais por parte do Ministério da Saúde. A USL-SM diz que, “no ano de 2022, o então Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte efectuou um pedido [ao Ministério da Saúde] de assumpção de compromissos plurianuais para o triénio” de 2023 a 2025. Assim, “desde essa data, a USL-SM tramitou três procedimentos por Concurso Público com publicitação no Jornal Oficial da União Europeia”, sendo que “dois procedimentos foram revogados, com a exclusão de todas as propostas apresentadas por não cumprirem os requisitos do concurso, e o terceiro procedimento encontra-se em fase de avaliação das proposta pelo Júri do procedimento”. Ou seja, estranhamente, as empresas do sector, com elevada experiência, não se incomodam muito em perder concursos públicos, mas já se disponibilizam para aceitar ajustes directos.

    A ULS-SM garante ainda que, “face aos montantes envolvidos, todos os contratos celebrados ao abrigo de ajustes directos foram sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas”, e acrescenta que, sendo “responsável por cerca de seis mil refeições diárias aos utentes e profissionais à sua guarda, esta é uma área prioritária” para a ULS-SM, sempre “, mas sempre “no respeito escrupuloso pelos requisitos legais e com uma rigorosa análise da qualidade do serviço prestado”.  

    Saliente-se ainda que a ITAU também tem servido outro núcleo hospitalar em Lisboa. A USL de São José – que abrange seis hospitais da capital e ainda a Maternidade Alfredo da Costa – adjudicou seis contratos a esta empresa ao longo do ano passado, dos quais cinco por ajuste directo e um por concurso público. E, ao todo, já efectuou 41 contratos com aquela empresa.

    Saliente-se que só a ITAU, detida pela Trivalor, uma gestora de participações sociais com várias empresas no seu portfólio, já facturou 680,1 milhões de euros em 1195 contratos públicos desde 2008, de acordo com os registos disponíveis no Portal Base.

    Entre os seus clientes públicos, além de unidades de saúde, contam-se a CP-Comboios de Portugal, a PSP, o Instituto da Segurança Social e várias autarquias.

  • Luís Montenegro: Banco Português de Fomento recusa mostrar provas de execução de contrato de 100 mil euros

    Luís Montenegro: Banco Português de Fomento recusa mostrar provas de execução de contrato de 100 mil euros

    Cinco meses para se apresentar uma prova que seja – uma factura com a discriminação das horas trabalhadas ou um relatório de execução contratual –, mas nada disso foi enviado. Desde Novembro do ano passado, o Banco Português de Fomento (BPF) – então presidido por Ana Carvalho, ex-mulher do ministro dos Assuntos Parlamentares Pedro Duarte, e que transitou este ano para a administração da Caixa Geral de Depósitos – está a recusar a apresentação ao PÁGINA UM de provas da execução de contratos por ajuste directo por parte de cerca de duas dezenas de consultoras e sociedades de advogados. O montante em causa envolve mais de 2,3 milhões de euros, dos quais 100 mil dizem respeito a um contrato com a antiga sociedade de advogados de Luís Montenegro.

    Os requerimentos do PÁGINA UM, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), para acesso a essa documentação, começaram a ser enviados em Novembro do ano passado, muito antes do caso Spinumviva que causou a queda do Governo. E, mesmo com um prazo alargado, concedido por um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), o banco estatal recusa mostrar como gasta os dinheiros públicos e se há ou não contratos para pagamento de meros favores políticos sem execução de qualquer trabalho concreto.

    Entre os beneficiários dos 23 contratos seleccionados pelo PÁGINA UM, celebrados pelo BPF entre finais de 2021 e Outubro de 2024, sem concurso público e com justificações de legalidade duvidosa, estão a antiga sociedade de Luís Montenegro (Sousa Pinheiro & Montenegro), com um contrato de 100 mil euros, e a pertencente ao irmão de Marcelo Rebelo de Sousa (a SRS), com três contratos com um valor global de cerca de 110 mil euros.

    O contrato com a sociedade de advogados que tinha então o actual primeiro-ministro como sócio foi assinado por Beatriz Freitas, CEO do BPF nesse período, que fora assessora política no Governo de Passos Coelho. No contrato que surge no Portal Base, o seu nome surge riscado, bem como do representante da sociedade de Sousa Pinheiro & Montenegro, embora seja perceptível que tenha sido assinado por Paulo Sousa Pinheiro, antigo sócio do primeiro-ministro. Saliente-se que é ilegítimo rasurar os nomes dos signatários em contratos públicos por estarem em causa documentos administrativos e nem sequer se colocar a questão de protecção de dados sensíveis.

    Na lista estão, porém, outras conhecidas sociedades de advogados próximas do poder político, entre as quais a Sérvulo & Associados, que celebrou dois contratos de 210.000 euros cada (em 2021 e 2022), e a Vieira de Almeida & Associados, com vários contratos que somam mais de 450.000 euros. A lista inclui ainda outras sociedades como a Abreu & Associados, a Cuatrecasas, a Andrade de Matos, bem como consultoras como a Deloitte e a Ernst & Young.

    Num requerimento inicial apresentado ao BPF, com data de 20 de Novembro de 2024, o PÁGINA UM pediU acesso aos registos discriminados das tarefas realizadas, que poderiam ser relatórios de execução, folhas de registo de trabalho, actas de reuniões, bem como às facturas, recibos e ordens de pagamento dos referidos contratos. Apesar de a solicitação ser amparada pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), o BPF começou por alegar a complexidade do pedido e a necessidade de uma análise jurídica sobre a legitimidade da pretensão, argumentando assim que seriam dois meses para uma resposta, em vez dos dias previstos na lei.

    Ana Carvalho foi CEO do Banco Português de Fomento entre Novembro de 2022 e Dezembro de 2024.

    Mesmo depois de um parecer da CADA concordar com essa prorrogação de prazo, o BPF permaneceu em silêncio, não cumprindo o prometido. E só depois de novos requerimentos enviados pelo PÁGINA UM foram remetidos alguns documentos – mas apenas respeitantes à justificação para os ajustes directos sem abertura de qualquer concurso público. Ou seja, relativamente a qualquer dos contratos, não foi fornecida qualquer prova do trabalho efectivamente realizado, designadamente relatórios de execução ou quaisquer outras evidências, como pareceres jurídicos ou intervenções em processos.

    Com excepção de algumas facturas relativas aos contratos com a Ernst & Young e a Deloitte, o BPF nem sequer enviou cópias das facturas, recibos ou provas de transferência de dinheiro dos contratos com as sociedades de advogados, onde pudessem constar, por exemplo, as horas de trabalho efectivamente realizadas. E, mesmo no caso das facturas da EY e da Deloitte, o BPF rasurou ilegitimamente parte das facturas, o que revela uma manipulação de documentos administrativos.

    Para a generalidade dos documentos que servem de suporte aos ajustes directos das diferentes sociedades de advogados, as justificações seguem um modelo que, na verdade, serviria para escolher qualquer outra, porque não são apontados critérios objectivos. Pelo contrário, nas linhas e entrelinhas, fica claro que é a confiança de intimidade pessoal que levou o BPF a distribuir ajustes directos por sociedades próximas do poder.

    Por exemplo, no documento denominado “Decisão de contratar”, (vd. aqui, a partir da página 54) de suporte ao ajuste directo à sociedade de advogados de que Luís Montenegro foi sócio até 2022, justifica-se o afastamento da realização de concurso público com base numa alegada impossibilidade de definir critérios objectivos para uma adjudicação por essa via. E porquê? Porque o BPF – e muitas outras entidades públicas que usam cada vez mais este truque para oferecer contratos públicos de mão-beijada – defende que os serviços a prestar têm um “carácter eminentemente intelectual” e exigem um vínculo de “confiança subjectiva”.

    Tal como em outros casos, a escolha da sociedade de Luís Montenegro para um ajuste directo não tem qualquer critério objectivo, ‘caindo do céu’.

    Diga-se, contudo, que isto é uma falácia: o exercício da advocacia, por muito que puxe pelo intelecto, não gera “direitos intelectuais” como os que se aplicam a obras artísticas, literárias ou invenções patenteáveis. Por outro lado, instituir como regra possível na contratação pública a possibilidade de um vínculo de “confiança subjectiva” levaria, por exemplo, à legalização do amiguismo ou mesmo do nepotismo, porquanto sempre estaria em causa, no limite, um óbvio vínculo de “confiança subjectiva”.

    Também curioso é o argumento do BPF de ser “impossível à entidade adjudicante definir, com detalhe e precisão, o conjunto de factores e de subfactores” que permitam construir um critério de adjudicação que diferencie propostas com base na respectiva qualidade. Em vez disso, sustenta que “a escolha do prestador assenta fundamentalmente nas respectivas qualidades técnicas e na confiança subjectiva que estas suscitam na entidade adjudicante”.

    O banco público vai ainda mais longe ao afirmar que “a realização de um concurso público para proceder a essa contratação (…) afigurar-se-ia absolutamente desadequada”, pois o concurso não permitiria “apreciar as qualidades técnicas pessoais dos concorrentes”. Alega-se, além disso, que a análise de currículos não permitiria “materialmente aferir a qualidade efectiva dos mesmos”, sendo que a decisão dependeria de uma avaliação “não mensurável” e baseada num “juízo crítico subjectivo”.

    E é com base neste argumentário que roça a incongruência que surge, sem qualquer consulta ao mercado ou demonstração de avaliação comparativa, a escolha da sociedade Sousa Pinheiro & Montenegro, justificando-se a opção pela “particular experiência e conhecimento técnico-jurídico demonstrada” por esta sociedade. O documento refere que a sociedade de Luís Montenegro possuía expertise nas áreas de “Concorrência e Regulação, Direito Europeu e Direito Sancionatório, Direito Laboral e Direito Societário”, mas não seria difícil dizer o mesmo – de forma tão vaga e abrangente – de centenas de outras sociedades de advogados.

    Na verdade, nesta e noutras justificações de “Decisão de contratar”, não são apresentados dados que confirmem a exclusividade destas competências, nem se explica por que razão outras sociedades de advogados, com reconhecida experiência em direito público e serviços jurídicos especializados, não foram consideradas ou consultadas. A invocação da “confiança subjectiva” como critério único levanta dúvidas sobre a transparência e a imparcialidade do processo.

    A fundamentação invocada parece abrir espaço à suspeita de uma decisão tomada “a dedo”, sem qualquer mecanismo de escrutínio que garanta a selecção da proposta mais vantajosa, nomeadamente em termos de qualidade e custo. A ausência de critérios objectivos e a recusa em realizar qualquer procedimento concorrencial criam um precedente questionável, sobretudo tratando-se de uma entidade pública financiada com dinheiros públicos.

    Banco Português de Fomento apagou o nome do gestor do contrato com a sociedade de Luís Montenegro, bem como o nome do responsável que defendeu o ajuste directo no valor de 100 mil euros.

    Além disso, tanto neste documento como no contrato, não são indicados em concreto quais são os trabalhos ou eventuais trabalhos a executar, indicando-se apenas o valor unitário (120 euros por hora). A completa omissão de mecanismos de controlo no contrato, a par da ausência de qualquer documento que prove estes trabalhos, mostra a possibilidade de terem sido realizados avultados pagamentos sem a execução de qualquer serviço.

    Face à omissão de envio desses documentos – e à legítima necessidade de conferir se se está perante contratos fictícios para justificar pagamentos indevidos –, o PÁGINA UM vai apresentar esta semana uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, a qual abrangerá também a documentação relativa a um contrato de 700 mil euros envolvendo a Universidade Católica Portuguesa.

  • Sede da associação ‘espontânea’ de apoio a Gouveia e Melo fica num ‘albergue espanhol’ empresarial

    Sede da associação ‘espontânea’ de apoio a Gouveia e Melo fica num ‘albergue espanhol’ empresarial

    A novel associação cívica “espontânea” de apoio a Gouveia e Melo tem sede num centro de negócios na zona das Amoreiras, que compartilha com cerca de 170 empresas, entre as quais duas agências de comunicação, a Plataforma Comunicatorium e a Cupido. A primeira destas empresas é detida por Vera Norte, enquanto a segunda pertence a João Goulão, antigo director de marketing e vendas da SIC. Esta segunda empresa terá funcionado na sede da própria Impresa, em Paço de Arcos, mantendo ainda essa referência na rede social LinkedIn. João Goulão garante, contudo, não ter a associação Honrar Portugal como cliente. Também Vera Norte nega qualquer ligação à associação, afirmando ser uma mera “coincidência”partilharem o endereço da sede.

    De acordo com os estatutos da associação consultados pelo PÁGINA UM, constituída na passada sexta-feira num cartório de Odivelas, foi indicada como sede o centro empresarial da LEAP, situada no Espaço Amoreiras no número 24 da Rua D. João V, em Lisboa, com referência ao escritório 1.03. Ora, a LEAP Amoreiras funciona sobretudo como um centro virtual de empresas geralmente associado a colaboradores a trabalhar em coworking, sendo também usada para reuniões pontuais ou recepção de correspondência.

    Centro Amoreiras funciona como uma área empresarial, que basicamente acolhe empresas que necessitam de escritórios virtuais ou salas para microempresas ou para reuniões.

    Segundo a descrição do site deste centro empresarial, o espaço tem cerca de 2.200 metros quadrados, havendo 17 escritórios, que podem ser alugados a tempo inteiro ou de forma pontual. Além desse espaço existem a denominada LEAF Academy com três dezenas de escritórios e também salas de formação e auditório.

    Neste autêntico ‘albergue espanhol’ empresarial não é fácil saber quem se encontra lá instalado, até porque o atendimento telefónico é centralizado, mesmo quando se tenta contactar uma empresa específica, como constatou esta tarde o PÁGINA UM.

    Em todo o caso, com o mesmo endereço da associação Honrar Portugal, o PÁGINA UM apurou a existência de 171 empresas ou entidades, com as mais distintas actividades. Além das duas agências de comunicação, encontram-se registadas empresas do sector do imobiliário, da restauração, de serviços de arquitectura e design, de informática, de turismo, e até uma de ‘tuk tuks’, além de advogados.

    Apesar de ter sido apresentada como uma “associação cívica” com o intuito de dar “o conforto necessário” para o antigo líder da Marinha se candidatar ao posto de Belém, contando mesmo com o apoio de várias personalidades do PSD, nada há de espontâneo no seu surgimento. Tanto assim que já se criou um site e se divulgou uma longa notícia, com grande relevância pelos media, a partir de uma notícia, em estilo de press release, da agência Lusa. Nessa notícia, surgia mesmo o agradecimento de Gouveia e Melo ao surgimento dessa associação.

    Isaltino Morais, presidente da Câmara de Oeiras, ‘retribui’ Medalha Vasco da Gama recebida

    No site da associação, hoje divulgado, já constam notícias de arquivo, e os anúncios de eventos com a presença de Gouveia e Melo: em Arouca – amanhã, no âmbito do Dia Mundial da Água – e num almoço-debate na próxima quinta-feira no International Club of Portugal sob um tema recorrente: “Liderança e Ambição Coletiva”. Mas nada é referido sobre a localização da sede nem quaisquer contactos telefónicos.

    Uma das particularidades da associação é que tem fim marcado, o que pode indiciar, até porque Gouveia e Melo já “abençoou” a sua criação, que poderá servir como plataforma de financiamento da campanha eleitoral. De acordo com os estatutos, a associação será extinta até 31 de Dezembro de 2026, podendo a sua ‘vida’ ser prorrogada por seis meses “por deliberação da Assembleia Geral”.

    Embora seja uma associação cívica teoricamente aberta não será previsível que sejam recebidos muitos sócios, até para garantir a ausência de desvios na sua função primordial: “acções conducentes à concretização da candidatura de Henrique Gouveia e Melo a Presidente da República portuguesa, designadamente, entre outras, através da realização de encontros, acções, encontros, arrecadação de fundos, sempre no sentido e com o propósito exclusivo de concretizar a candidatura da mesma individualidade.”

    A associação “espontânea” até já ostenta uma fotografia profissional de marketing pessoal de Gouveia e Melo.

    Por esse motivo, no acto da constituição da associação ficaram desde logo definidos os órgãos sociais. A presidente da Honrar Portugal é Catarina Santos Cunha, actual vereadora da autarquia do Porto, eleita pelo Partido Socialista, mas agora independente, sendo a vice-presidência ocupada pela constitucionalista Teresa Violante, investigadora da Universidade Nova de Lisboa e ex-vereadora da Câmara de Coimbra.

    A Assembleia Geral será presidida por um antigo ‘companheiro de armas’ de Gouveia e Melo, o vice-almirante Dores Aresta. Recorde-se que Dores Aresta foi vetado em Março de 2022 por Marcelo Rebelo de Sousa para ser o número dois da Marinha, durante a liderança de Gouveia e Melo, mas acabou por ser nomeado director-geral da Autoridade Marítima, cargo que desocupou em finais do ano passado. A presença deste militar mostra também a presença indelével de Gouveia e Melo nesta suposta associação cívica, inundada de políticos no activo e na reserva, alegadamente constituída de forma “espontânea”.

    A presença de diversas individualidades próximas de Gouveia e Melo – como Dores Aresta e Isaltino Morais, a quem o antigo Chefe de Estado-Maior da Armada ‘ofereceu’ a Medalha Vasco da Gama – demonstra uma articulação com os desejos do proto-candidato a Belém, evitando assim novos passos em falso como a que ocorreu com a criação do Movimento de Apoio Almirante à Presidência,uma associação ligada à Maçonaria criada em Janeiro passado.

    Aos 82 anos, Alberto João Jardim, um dos políticos com mais anos de poder, deu o apoio a um candidato a Belém que diz não querer estar associado a políticos e a partidos.

    Para já, no site da associação Honrar Portugal, com sede no ‘albergue espanhol’ empresarial das Amoreiras, encontra-se já uma vasta lista de apoiantes, que incluem o ex-presidente do Governo Regional da Madeira Alberto João Jardim, o ex-ministro da Administração Interna Ângelo Correia, o ex-líder parlamentar social-democrata Adão Silva, os presidentes das câmaras de Cascais, Carlos Carreiras, e de Oeiras, Isaltino Morais, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros António Martins da Cruz, e ainda o antigo líder do CDS Francisco Rodrigues dos Santos, o ex-chefe do Estado-Maior da Armada Melo Gomes, o ex-presidente da Câmara de Cascais António Capucho, o conselheiro nacional do PSD André Pardal ou o ex-diretor-geral da Saúde Francisco George.

    O PÁGINA UM tentou contactar, assim sem sucesso, a associação Honrar Portugal para obter comentários e outros esclarecimentos, designadamente sobre a escolha da sede e da empresa de comunicação que acompanhará a campanha eleitoral de Gouveia e Melo.

    N.D. Notícia alterada às 20h00 de 22 de Março de 2025, com declarações de Vera Norte, da agência de comunicação Plataforma Comunicatorium. A notícia original do PÁGINA UM, baseando-se na informação pública de Vera Norte no seu perfil do LinkedIn, referia que era directora da Associação Sara Carreira. Vera Norte afirma que abandonou essas funções em Dezembro passado.