Categoria: Sociedade

  • Helicópteros: cunhado do ministro Leitão Amaro conseguiu, com um único empregado, lucrar 400 mil euros em 2023

    Helicópteros: cunhado do ministro Leitão Amaro conseguiu, com um único empregado, lucrar 400 mil euros em 2023

    “Estimados, Terei todo o gosto e interesse em esclarecer o vosso site pois acompanho á [sic] alguns anos e sempre apreciei a forma isenta como escrevem e por achar (e provo) que tem muitas incorreções achei de [sic] devia enviar este comunicado e também colocar-me ao dispor.”

    Foi através de correio electrónico que Ricardo Leitão Marques reagiu à notícia do PÁGINA UM, que revelava que a Gesticopter Operation, uma subsidiária da Gestifly, apenas tinha sido adquirida pela Helifinance Asset Management, detida pelo empresário casado com a irmã do ministro Leitão Amaro, em Março deste ano, ou seja, antes do contrato de 20,1 milhões celebrado apenas no mês passado, no dia 7.

    Na sua missiva ao PÁGINA UM, Ricardo Leitão Marques envia igualmente o comunicado divulgado no passado sábado pela generalidade da imprensa, no qual refere que já detinha a maioria do capital da empresa Gestifly desde Junho de 2023, o que significa que a transmissão da Gesticopter constituiu uma mera operação formal de reestruturação societária, sem efeitos substanciais de alteração no controlo efectivo. De facto, a Gestifly é agora detida, de acordo com o Registo de Beneficiário Efectivo, por Ricardo Leitão Marques através da Demeter, uma empresa com sede no mesmo local da Helifinance Asset.

    Porém, apesar dos posteriores pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, Ricardo Leitão Marques acabou por não responder às questões mais essenciais nem esclarecer algumas das syas ‘garantias’.

    Com efeito, no comunicado deste sábado, Ricardo Leitão Marques diz que a sua entrada na Gestifly em 22 de Junho de 2023 ocorreu quando a empresa “enfrentava sérias dificuldades financeiras e tinha acabado de ser seleccionada para três contratos públicos de aquisição de serviços de disponibilização e locação de meios aéreos para o dispositivo aéreo do DECIR de 2023”.

    Ricardo Leitão Machado, esta semana, em entrevista ao Diário de Notícias. Foto: DR.

    Efectivamente, apesar de constar no Portal Base que a Gestifly teve divulgados quatro contratos em 2024, três destes foram assinados ainda em 2023 para o fornecimento de 10 helicópteros, alguns dos quais para dois anos. O incompreensível atraso na divulgação dos contratos no Portal Base por parte da Força Aérea foi, aliás, detectado em primeira mão pelo PÁGINA UM em finais de Janeiro de 2024. O Estado-Maior da Força Aérea(EMFA) justificou então o atraso como “falha técnica”. Mas, na verdade, tratava-se de uma intencional ocultação de contratos durante meses, pois este era um problema crónico.

    Nessa altura, o PÁGINA UM analisara os 500 contratos mais recentes publicados pelo EMFA – que apanham um período desde 27 de Fevereiro de 2023 e 30 de Janeiro de 2024 – identificaram-se quatro contratos em que se demorou mais de 1.000 dias a inserir-se a informação no Portal Base, um dos quais a aquisição de um boroscópio de medição no valor de quase 31 mil euros à Olympus, adquirido em Agosto de 2020 e que só deu entrado no Portal Base em Agosto de 2023.

    Mas isto são só os casos extremos. Se se considerar os atrasos superiores a um ano, ou seja, 365 dias, encontravam-se 64 contratos, e aí o montante subia para os 69,2 milhões de euros. Com atraso superior a meio ano eram já 212 contratos, envolvendo um montante total superior a 100 milhões de euros. Contudo, considerando que os prazos de divulgação genericamente previstos no Código dos Contratos Públicos são de 20 dias úteis, o EMFA estava num cumprimento inferior a 20% dos contratos.

    Considerando os 15 contratos acima de um milhão de euros, de entre os 500 mais recentemente divulgados pelo EMFA, apenas em seis se cumpriram os prazos, sendo que nos restantes nove encontram-se três em que a demora foi superior a dois longos anos. Neste caso, destaca-se o contrato de fornecimento de combustíveis por cerca de três anos à Petrogal no valor de 57,3 milhões de euros. A celebração foi a 30 de Setembro de 2021, mas a informação só viu a luz no Portal Base no passado dia 16 de Janeiro. Portanto, uma demora de 838 dias.

    Mas regressando aos contratos com a Gestifly, após a afirmação de Ricardo Leitão Marques ter dito que a empresa enfrentava “sérias dificuldades financeiras” em 2023, o PÁGINA UM foi analisar as contas da empresa. Apesar de ter sido criada em 2021, nos dois primeiros anos a Gestifly não teve qualquer actividade e, por isso, os pequenos prejuízos foram irrelevantes.

    Em 2021, o prejuízo foi de apenas 4.060 euros e no ano seguinte de 7.122 euros — nada de dramático para um capital social de 50 mil euros, e para uma empresa que estava à procura dos primeiros negócios. Mas no final do ano de 2022 — ou seja, antes da data que Ricardo Leitão Marques diz ter tomado o domínio da Gestifly —, a empresa até ficou com uma elevada liquidez, porque conseguira um financiamento bancário de 1,6 milhões de euros, conforme se detecta no balanço das demonstrações financeiras desse ano consultadas pelo PÁGINA UM.

    Esse financiamento de 2022 terá permitido que a Gestifly se lançasse para finalmente começar a concorrer a concursos públicos de prestação de serviços de meios aéreos de combate aos incêndios rurais. E em 2023 — o tal ano que o cunhado de Leitão Amaro diz que esta empresa estava em “sérias dificuldades financeiras” —, a Gestifly conseguiu ganhar três concursos e acabar o ano com uma facturação de 6,4 milhões de euros. Uma grande parte das receitas (mais de 5,9 milhões de euros) serviram para pagar a subcontratação de serviços. Mesmo assim, sobraram 401.255 euros de lucro nesse ano, conforme as contas de 2023 consultadas pelo PÁGINA UM, que desmentem a alegada má situação financeira nesse ano.

    Na verdade, os resultados podem mesmo considerar-se excelentes, se atendermos que a Gestifly tinha em 2023… um único empregado. E nem se diga que era um, mas um que era um génio que valia por cem, porque o accionista principal, Ricardo Leitão Marques, apenas lhe pagou um salário bruto de 13.458 euros — ou seja, cerca de 960 euros por mês, o que é compatível com o salário de um contabilista mal pago.

    Em suma, e também considerando que o activo tangível da empresa em 2023 rondava apenas 1,4 milhões de euros —a Força Aérea comprou há três anos seis helicópteros de combate aos incêndios por 8,8 milhões de euros (com IVA) por unidade —, o negócio da Gestifly aparenta ser um simples intermediário: subcontrata os 10 helicópteros a outras empresas, subcontrata pilotos e manutenção, e fica com uma ‘comissão líquida’ de 6,4%. Assim, com um único empregado, a quem pouco mais pagou que o salário mínimo nacional, Ricardo Leitão Machado conseguiu uma produtividade de 400 mil euros por trabalhador, cerca de 20 vezes o valor médio nacional.

    Força Aérea adquiriu seis helicópteros em 2022, mas Portugal está dependente de empresas privadas para o combate aéreo aos incêndios rurais.

    Em 2024, a empresa terá facturado valores sensivelmente idênticos, mas apesar das insistências do PÁGINA UM , Ricardo Leitão Marques nas quis revelar esses dados financeiros.

    Em todo o caso, para justificar a relevância da sua entrada em 2023 na Gestifly — por alegadas “serias dificuldades financeiras” da empresa —, Ricardo Leitão Machado disse ao PÁGINA UM que, quando a adquiriu, esta “não tinha meios para cumprir os contratos que tinha ganh[ad]o, visto não ter tesouraria para as
    Garantias Bancárias a prestar e para o investimento para montar uma operação deste calibre”.

    Esta justificação não deixa de ser surpreendente sob duas perspectivas. Primeiro, pelo lado da Força Aérea, que atribuiu três vitórias a uma empresa sem histórico relevante e que, aparentemente, não deu garantias, na fase de concurso, de possuir capacidades operacionais e financeiras para cumprir contratos desta natureza.

    Por outro lado, no caso das garantias bancárias — exigidas como caução obrigatória em determinados contratos públicos (equivalente a 5% do valor adjudicado) —, a Gestifly já as tinha constituído antes da entrada formal do empresário, uma vez que esta ocorreu a 22 de Junho de 2023 e os contratos com a Força Aérea foram celebrados a 1 e a 16 desse mês. Além disso, convém referir que os custos das garantias bancárias, concedidas por instituições de crédito, rondam, por norma, 0,25% do montante em causa. Mesmo que essa percentagem fosse de 1%, os encargos nunca seriam verdadeiramente insustentáveis, tratando-se de três cauções que totalizavam 648 mil euros — o que corresponderia, nessa hipótese, a um custo real de pouco apenas 6.480 euros.

    person standing in front of fire during night time

    Saliente-se também que Ricardo Leitão Machado não esclareceu quantos meios aéreos próprios a Gestifly possui ou possuía nem qual o valor da transacção de um negócio que logo no primeiro ano, em poucos meses, lhe concedeu um lucro de 400 mil euros. Numa primeira fase, o empresário disse ao PÁGINA UM que “a empresa é proprietária de parte dos helicópteros que utiliza no
    dispositivo”, acrescentando que “os pilotos são todos prestadores de serviços, quer diretamente, quer através da empresa subcontratada”. Mas confrontado com o facto de o activo tangível da Gestifly ser pouco superior a um milhão de euros — o que, no máximo, daria para um helicóptero pesado em segunda-mão —, o empresário esquivou-se a dar uma resposta.

    E diz mesmo estar a sentir-se prejudicado nos concursos públicos mais recentes. Já com outra empresa, a Gesticopter, Ricardo Leitão Machado somente ganhou em 2025 um concurso público (um contrato de três anos no valor de 20,1 milhões de euros, com IVA), perdendo todos os outros os outros, mais de uma dezena, incluindo um para fornecimento de meios aéreos ao INEM. O empresário recusa também qualquer benefício familiar, porque os contratos da Gestifly em 2023 ocorreram ainda durante o Governo Costa.

  • Expo 2025 Osaka: Contrato de 220 mil euros feito à pressa para resolver ‘invisibilidade’ mediática

    Expo 2025 Osaka: Contrato de 220 mil euros feito à pressa para resolver ‘invisibilidade’ mediática

    Poucos dias depois de o PÁGINA UM ter revelado que a participação de Portugal na Expo 2025 Osaka estava a sofrer uma invisibilidade mediática, subalternizando a própria língua portuguesa, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) deu uma resposta robusta — pelo menos no orçamento: vai gastar 220 mil euros pelos serviços de uma das mais relevantes agências de comunicação mundiais, a sueca Kreab.

    O contrato, assinado ontem com o escritório japonês desta empresa fundada em 1970 em Estocolmo, foi realizado com carácter de urgência e ao arrepio do Código dos Contratos Públicos, uma vez que as normas de execução do Orçamento do Estado para 2025 permitem que, na exposição no Japão, a AICEP tenha ‘carta branca’ para gastar em prestação de serviços, a seu bel-prazer, e para escolher quem quiser, até ao limite de 221 mil euros. Portanto, curiosamente, o valor acordado entre a AICEP e a agência de comunicação ficou no limiar dessa fronteira a partir da qual as normas comunitárias obrigariam à realização de um concurso público.

    Pavilhão de Portugal na Expo 2025 Osaka. Foto: AICEP.

    Sem se conhecer, até agora, qualquer plano público de promoção da presença portuguesa no certame — na semana passada tinha também sido contratada a agência de João Libano Monteiro, mas ‘apenas’ por 19.500 euros —, a AICEP apressa-se para uma desesperada operação de cosmética mediática.

    Apesar de a Expo 2025 Osaka ter sido inaugurada em 13 de Abril — ou seja, há mais de um mês e meio — e de encerrar no final da primeira quinzena de Outubro, o contrato vai durar até ao final do ano, porque a AICEP quer agora maximizar a presença portuguesa junto da comunicação social nipónica. As actividades previstas incluem a organização de conferências de imprensa, produção de vídeos promocionais, elaboração de conteúdos para redes sociais e publicação de publirreportagens pagas na revista Nikkei Business, considerada a principal publicação empresarial do Japão.

    Mas está também implícita a ‘sedução’ de jornalistas porque, segundo o contrato, a Kreab está obrigada a conseguir a publicação de entrevistas com o embaixador português Gilberto Jerónimo e com a comissária-geral Joana Cardoso ou com o próprio presidente da AICEP, Ricardo Arroja, bem como a apresentar “propostas aos media económicos”.

    À esquerda, Joana Gomes Cardoso, comissária-geral do pavilhão português: contrato com agência sueca visa também conseguir-lhe uma entrevista num jornal nipónico.

    As entrevistas devem ter como foco a sua publicação “nos principais jornais diários e no influente [sic] Nikkei Shimbun”. Este jornal, considerado um dos periódicos financeiros mais influentes do mundo, conta com duas edições diárias (matutina e vespertina) e tem uma circulação total superior a 2,8 milhões de exemplares.

    Embora a AICEP — que foi a entidade escolhida para organizar a presença portuguesa nesta exposição, que é sobretudo um encontro de culturas — mostre que a sua prioridade são os negócios, acaba por colocar como primeiro dos três eixos da narrativa, para envolver os jornalistas nipónicos, a interacção entre Portugal e o Japão. Porém, de forma patética, o contrato comete logo um erro histórico ao afirmar que “Japão e Portugal têm interagido através do Oceano há mais de 500 anos”.

    Ora, essa alegação é anacronicamente redonda e imprecisa: o primeiro contacto entre os dois países ocorreu apenas em 1543, quando três portugueses chegaram à ilha de Tanegashima a bordo de um navio chinês, ou seja, há pouco mais de 480 anos.

     Imagem mural da Catedral de Kagoshima que mostra São Francisco Xavier com Anjiro, um samurai convertido ao cristianismo.

    E mais: essa interacção foi esporádica, dependente das condições políticas internas japonesas e da presença missionária jesuíta, que se iniciou com São Francisco Xavier em 1549, tendo cessado a partir de 1614, com a proibição do cristianismo, e quase por completo com o encerramento do Japão ao exterior a partir de 1639 — o qual se prolongou até meados do século XIX. Por isso, falar de uma interacção contínua “há mais de 500 anos” é, pois, uma construção ficcional mais próxima do marketing do que da História. Ou da ignorância.

    Mas isso é apenas um pormenor — embora maior, por se tratar de ignorância histórica e cultural — numa exposição que ficará marcada pela subalternização da língua portuguesa: na parte principal da exposição, os visitantes são confrontados com uma imersão de luzes e cores, com referência a Portugal e ao mar, mas apenas com legendagem em japonês e inglês. A língua portuguesa ficou — e aparentemente vai ficar, porque eventualmente custaria mais 220 mil euros — submersa. No esquecimento.

  • Cunhado do ministro Leitão Amaro só comprou a empresa de helicópteros há dois meses

    Cunhado do ministro Leitão Amaro só comprou a empresa de helicópteros há dois meses

    O cunhado do ministro Amaro Leitão, o empresário Ricardo Machado – que passou a ostentar também o apelido Leitão depois de casar com uma irmã do governante – apenas comprou em Março passado a empresa contratada pela Força Aérea para fornecer três helicópteros para combate a incêndios rurais por cerca de 20 milhões de euros, com IVA. A empresa em causa, a Gesticopter Operation Unipessoal tem sido apontada como uma das visadas na operação ‘Torre de Controlo’.

    De acordo com elementos recolhidos pelo PÁGINA UM, a empresa em causa, a Gesticopter Operation, foi criada em Março de 2024, mas nessa altura ainda não tinha qualquer ligação ao familiar do actual ministro da Presidência. De facto, a sociedade, que apresenta um capital social de apenas 5.000 euros, teve como primeiro proprietário a Gestifly, uma empresa surgida em 2021 e que, em apenas três anos, acumulou contratos milionários com o Estado português – todos por ajuste directo – no sector altamente rentável da locação de meios aéreos de combate aos fogos florestais.

    Ricardo Leitão Machado, esta semana, em entrevista ao Diário de Notícias. Foto: DR.

    Segundo os registos do Portal Base, a Gestifly celebrou quatro contratos com o Estado-Maior da Força Aérea no âmbito do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), todos em 2024. O primeiro, com data de 16 de Janeiro, refere-se à aquisição de serviços no valor de 3,8 milhões de euros. Seguiram-se, a 9 de Maio, mais 2,3 milhões de euros; a 3 de Junho, um novo contrato por 3,7 milhões de euros; e finalmente, a 7 de Agosto, o mais modesto, mas ainda assim expressivo, montante de 870 mil euros. No total, só com a Força Aérea, a Gestifly encaixou mais de 10,5 milhões de euros (sem IVA) em contratos de aluguer de meios aéreos no espaço de sete meses.

    Já a Gesticopter, que acabaria por substituir a Gestifly – que deixou de concorrer aos meios aéreos, tendo apenas um pequeno contrato de pouco mais de 5 mil euros de venda de combustível à Força Aérea –, não registou qualquer contrato com o Estado ao longo de 2024. Contudo, nos últimos meses do ano passado e no início deste ano, começou a apresentar-se como concorrente em vários concursos públicos.

    Os dados recolhidos pelo PÁGINA UM mostram que a empresa participou em mais de uma dezena de concursos lançados pela Força Aérea nos últimos seis meses, sempre contra um lote recorrente de concorrentes do sector. A aparente repetição e previsibilidade das empresas candidatas – algumas das quais dificilmente teriam capacidade para assegurar todos os meios exigidos nos cadernos de encargos – suscitam, aliás, fundadas suspeitas de cartelização. Tal como não se monta um rent-a-car do dia para a noite, muito menos se arranjam helicópteros pesados de combate a incêndios com simples telefonemas ao fornecedor. Em muitos casos, as empresas subcontratam meios aéreos aos concorrentes que perderam concursos.

    Leitão Amaro, actual ministro da Presidência.

    A entrada de Ricardo Leitão Machado na Gesticopter fez-se através da Helifinance Asset Management, uma sociedade espanhola com sede em Madrid, constituída em Fevereiro de 2024. Formalmente, a compra da Gesticopter Operation, por valores desconhecidos, ocorreu a 12 de Março deste ano, segundo os registos comerciais consultados pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, em nenhum desses registos consta o nome do cunhado do ministro como sócio ou gerente, mas a consulta ao Registo de Beneficiário Efectivo revela que Ricardo Leitão Machado é o proprietário integral quer da Gesticopter, quer da Helifinance. Contudo, há algo surpreendente: nos registos de beneficiário efectivo, o nome de Ricardo Leitão Machado surge como titular das duas empresas desde a primeira quinzena de Janeiro, ou seja, antes mesmo da aquisição formal da Gesticopter. A incongruência entre os registos não deixa de levantar dúvidas sobre a transparência do processo de aquisição e da verdadeira data de entrada de Ricardo Leitão Machado no negócio.

    Também pouco transparente é o contrato celebrado entre a Força Aérea e a Gesticopter. Contrariando a lei – e mesmo decisões sobre esta matéria do Tribunal Administrativo, por estarem em causa actos administrativos em funções públicas –, a Força Aérea rasurou tanto o nome do adjudicante como do adjudicatário. Ou seja, ignora-se ainda quem da Gesticopter assinou o contrato. No caso da Força Aérea, é apagado o nome de quem assina o contrato, mas mantém-se a referência ao cargo: chefe do Serviço Administrativo e Financeiro. Esta função é actualmente ocupada pelo coronel Carlos Miguel de Amorim Inácio, que é economista.

    Helicopter: empresa com capital social de 5.000 euros ganha concurso de 20,1 milhões de euros.

    O contrato de 20,1 milhões de euros (quase 16,4 milhões sem IVA) agora atribuído à Gesticopter pela Força Aérea, para fornecimento de três helicópteros pesados durante três anos, constitui assim a primeira adjudicação pública da empresa sob a nova direcção. Mas não deixa de ser inquietante que uma empresa sem qualquer histórico de execução de contratos semelhantes, com um capital social mínimo e sem meios próprios conhecidos, vença um concurso desta dimensão.

    A avaliação de risco por parte da Força Aérea levanta, por isso, justas interrogações. Afinal, o custo de um helicóptero com as características técnicas exigidas pelo concurso oscila, segundo fontes especializadas contactadas pelo PÁGINA UM, entre 7 e 25 milhões de euros por unidade, dependendo do modelo, estado e equipamentos opcionais. Como pode uma empresa com 5.000 euros de capital social garantir três helicópteros, com estas especificações, por três anos, e cumprir as exigências operacionais e de manutenção previstas nos cadernos de encargos? Com meios próprios ou subcontratando concorrentes, ficando apenas com uma comissão?

    Saliente-se que este contrato não é, contudo, a primeira experiência de Ricardo Leitão Machado associado ao sector florestal. Há uma década, segundo uma investigação da revista Visão publicada no início de Agosto de 2022, o cunhado do ministro da Presidência foi arguido num processo judicial relacionado com fraudes no acesso a apoios do Fundo Florestal Permanente. No processo, julgado no Tribunal de Sintra em Outubro de 2014, o empresário foi inicialmente acusado, juntamente com três outros arguidos, de burla qualificada e falsificação de documentos.

    Registo mostra que a Helifinance Asset Management foi adquirida por Ricardo Leitão Machado apenas em 12 de Março de 2025.

    Durante o julgamento, veio a ser alegada – e aceite pelo tribunal – a reparação integral dos prejuízos causados aos lesados, nomeadamente ao BPI, que reclamava cerca de 321 mil euros. Essa reposição permitiu a extinção da responsabilidade criminal pelo crime de burla, mas o julgamento prosseguiu quanto à falsificação de documentos, pelo qual Ricardo Leitão Machado acabaria condenado a pagar uma multa de 10.000 euros. Tentou ainda recorrer para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso.

    No seu percurso empresarial, Ricardo Leitão Machado, que conta 45 anos, tem acumulado projectos e interesses diversos, incluindo a criação de cavalos e direitos nas Termas de Monfortinho, tendo também adquirido a Herdade do Vale Feitoso, uma propriedade com 7.300 hectares, que pertenceu a Ricardo Salgado. Terá pagado 25 milhões de euros. O cunhado de Amaro Leitão também teve negócios em Angola, onde terá enriquecido sobretudo durante o ‘reinado’ de José Eduardo dos Santos. Com a presidência de João Lourenço, os negócios complicaram-se. Em 2019, o Estado angolano arrestou os activos de uma sua empresa, a Aenergy, acusando-a de fraude num negócio de turbinas de mil milhões de euros. O caso está ainda num tribunal arbitral nos Estados Unidos.

  • Cartel dos fogos: Força Aérea já gastou este ano mais de 181 milhões no aluguer de meios aéreos

    Cartel dos fogos: Força Aérea já gastou este ano mais de 181 milhões no aluguer de meios aéreos

    Onde há fumo há fogo. E onde há contratos chorudos ganhos pelas mesmas empresas de sempre, há suspeitas de corrupção e cartelização. No caso da indústria de combate aos incêndios rurais, só o negócio de aluguer de meios aéreos já envolveu, desde o início do ano, 16 contratos de valor global superior a 181 milhões de euros.

    Estes contratos são adjudicados pelo Estado-Maior da Força Aérea e o ‘bolo’ tem sido dividido por meia dúzia de empresas, incluindo a Agro-Montiar, uma subsidiária da empresa espanhola Titan (ex-Avialsa), condenada este ano em Espanha no âmbito do processo do ‘Cartel del Fuego’, como o PÁGINA UM noticiou em primeira mão, em Março passado.

    Foto: D.R.

    Não surpreende assim que a Polícia Judiciária (PJ) tenha hoje executado 28 mandados de busca a domicílios, sedes de empresas (não identificadas) e organismos públicos numa operação policial que decorreu de norte a sul do país. A operação ‘Torre de Controle’, levada a cabo pela “Unidade Nacional de Combate à Corrupção, em inquérito titulado pelo DCIAP”, segundo o comunicado da PJ, já levou à constituição de diversos arguidos, entre “pessoas singulares e coletivas”.

    Segundo a PJ, “em causa estão factos suscetíveis de integrar os crimes corrupção ativa e passiva, burla qualificada, abuso de poder, tráfico de influência, associação criminosa e de fraude fiscal qualificada, através de uma complexa relação, estabelecida pelo menos desde 2022, entre várias sociedades comerciais, sediadas em Portugal, e que têm vindo a controlar a participação nos concursos públicos no âmbito do combate aos incêndios rurais em Portugal, no valor de cerca de 100 milhões de euros”.

    O esquema criminoso envolverá, alegadamente, “concursos públicos [que] incidem na aquisição de serviços de operação, manutenção e gestão da aeronavegabilidade dos meios aéreos próprios do Estado, dedicados exclusivamente ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR), com a intenção de que o Estado português fique com carência de meios aéreos e, dessa forma, se sujeite aos subsequentes preços mais elevados destas sociedades comerciais”.

    Foto: D.R.

    Ora, só este ano, num levantamento do PÁGINA UM, os contratos referentes a aluguer de meios aéreos no âmbito do DECIR superam os 181 milhões de euros, valor ao qual há que ser acrescentado o IVA. Foram sete as empresas que beneficiaram destes contratos: Agro-Montiar, Helibravo Aviação, HTA Helicópteros, Gesticopter Operations Unipessoal ligada a familiares do ministro da Presidência, conforme revelou a SIC Notícias , Airworks Helicopters, Avincis Aviation Portugal e Shamrock.

    A empresa que mais facturou este ano com estes contratos foi a Agro-Montiar, subsidiária da Titan, que ganhou mais de 59 milhões de euros através de três contratos obtidos através de concurso público, como o PÁGINA UM noticiou em Março.

    Segue-se a Helibravo, que facturou mais de 47 milhões de euros em quatro contratos ganhos num concurso público, segundo uma análise do PÁGINA UM, que consultou os contratos. A empresa ganhou três lotes daquele concurso, tendo os contratos sido assinados a 4 de Abril.

    Um dos contratos, no montante de 12.860.005,40 euros, diz respeito ao aluguer de cinco helicópteros ligeiros por um período de quatro anos, no âmbito do dispositivo aéreo do DECIR 2025-2028. Um segundo lote, no valor de 13.241.995 euros, abrange o aluguer de mais cinco helicópteros ligeiros pelo mesmo período. Um terceiro lote ganho pela empresa, no montante de 13.292.000 euros, envolve o aluguer de outros cinco helicópteros ligeiros, até 2028.

    Helicóptero da Helibravo em operações de combate a incêndios. (Foto: D.R.)

    A Helibravo ganhou ainda um quarto contrato por concurso público, assinado no passado dia 7 de Maio, no valor de 7.737.201,12 euros para a locação de quatro helicópteros ligeiros no período de 15 de Maio a 30 de Setembro até 2027.

    A terceira empresa que mais facturou este ano com contratos no âmbito do aluguer de meios aéreos para o combate aos fogos é a HTA que já ganhou quatro contratos que superam os 37 milhões de euros.

    Três dos contratos foram obtidos num concurso público, tendo a assinatura dos documentos ocorrido a 13 de Março. O primeiro contrato, para o aluguer de dois helicópteros ligeiros até 2027, custou ao Estado 11.156.959,52 euros. O segundo, no valor de 2.951.546,87 euros, visou o aluguer de um helicóptero ligeiro de 1 de Junho a 31 de Outubro, até 2027. O terceiro contrato, no montante de 9.230.447,18 euros, assinado na mesma data, é relativo à locação de três helicópteros ligeiros até 2027. Esta empresa ganhou ainda um quarto contrato, no dia 2 de Abril, no valor de 13.807.929,20 euros, mas o documento não é público.

    A Gesticopter teve ligações a um irmão e a um cunhado do ministro da Presidência, António Leitão Amaro. / Foto: D.R.

    Outra empresa beneficiada, foi a Gesticopter, que, segundo a SIC Notícias, tem ligações a um irmão e a um cunhado do ministro da Presidência, António Leitão Amaro. Esta empresa facturou 16.375.617 euros num contrato assinado no passado dia 7 de Maio e que envolve a locação de três helicópteros pesados até 2027.

    A Gesticopter foi constituída a 8 de Março de 2024 com um capital social de apenas cinco mil euros, com sede em Macedo de Cavaleiros. A empresa era detida pela Gestifly e tinha três gerentes: Pedro Alexandre Fernandes dos Santos Bento, Nuno Alexandre Pinto Coelho Torres de Faria e Luís Manuel Gil Pires Ferreira.

    Mas, no passado dia 8 de Abril, a totalidade das quotas passou para as mãos da espanhola Helifinance Asset Management, com sede em Madrid, e mudou a sede para Monfortinho, Castelo Branco, segundo o registo consultado pelo PÁGINA UM.

    Outra empresa que não se pode queixar é a espanhola Airworks, com sede em Salamanca, que ganhou este ano dois contratos de aluguer de meios aéreos para combate aos incêndios. O primeiro, datado de 12 de Março, no valor de 5.671.680 euros, é relativo à locação de dois helicópteros ligeiros até 2027. O segundo, no montante de 10.060.864 euros, foi assinado a 2 de Abril, e visa o aluguer de quatro helicópteros ligeiros até 2028.

    Segue-se a Shamrock, com sede em Carnaxide, que facturou 2.988.000 euros num contrato adjudicado no passado dia 7 de Maio relativo ao aluguer de dois aviões ligeiros de reconhecimento até 2027.

    Por fim, o contrato mais recente, assinado no dia 8 de Maio, que foi adjudicado à Avincis Aviation Portugal, com sede em Loures, com um valor de 2.349.937,08 euros. Este contrato visa a locação de um helicóptero ligeiro de 15 de Maio a 15 de Outubro até 2027.

  • Correio da Manhã recebe 147 mil euros para organizar dois eventos de promoção de Carlos Moedas

    Correio da Manhã recebe 147 mil euros para organizar dois eventos de promoção de Carlos Moedas

    “Hoje vivemos realmente tempos muito estranhos.” Esta frase foi usada hoje por Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, numa conferência sobre segurança, mas sintetiza também, involuntariamente, o estado actual da promiscuidade entre o poder político e certos grupos de media.

    O evento em causa decorreu sob a chancela do ciclo “Uma Cidade para Todos”, apresentado como uma “iniciativa do Correio da Manhã e da CMTV” — órgãos de comunicação social detidos pela Medialivre de Cristiano Ronaldo — em “parceria e apoio” da Câmara Municipal de Lisboa, mas que, afinal, não passa de um contrato de prestação de serviços no valor de 147.600 euros, IVA incluído, pago integralmente pela autarquia.

    Quem assistiu hoje à conferência talvez pensasse que eram sinceras as palavras de Moedas nos agradecimentos à Medialivre “por ter escolhido este tema [a Segurança], um tema fundamental na sociedade”. Contudo, o que o edil lisboeta não disse — e também não foi dito por Carlos Rodrigues, director editorial do Correio da Manhã e da CMTV, que discursou no arranque do evento — é que essa escolha temática veio devidamente contratualizada com dinheiros públicos.

    A narrativa da “parceria” cai, aliás, por terra com o contrato celebrado anteontem pelo vereador Filipe Anacoreta Correia, eleito nas listas de Moedas, que prevê dois debates pagos: o de hoje, sobre segurança, e outro agendado para a próxima semana, dia 4 de Junho, sobre imigração. Um debate anterior, em Fevereiro, também inserido neste ciclo, não está abrangido por nenhum contrato conhecido.

    Cada evento, segundo o contrato, rende assim à Medialivre 73.800 euros, incluindo a produção de conteúdos antes, durante e depois da conferência — desde peças de enquadramento até vídeos de resumo (wrap-ups) a serem difundidos pelos canais da empresa. Em troca, a Medialivre comprometeu-se a usar todos os meios humanos e materiais necessários, assumindo os encargos associados, inclusive os direitos sobre marcas e licenças. Entre os meios disponibilizados contam-se pelo menos três jornalistas com carteira profissional — prática que, para além de antiética, viola claramente o Estatuto do Jornalista.

    Carlos Rodrigues, director do Correio da Manhã e da CMTV, deu as ‘boas-vindas’ em conferência paga pela autarquia de Lisboa, e Daniela Polónia foi a ‘mestre-de-cerimónias’: eis as novas funções, cada vez mais banalizadas, de jornalistas num mercado em que os reguladores tudo permitem.

    A abertura do evento, com transmissão em directo nos canais digitais da Medialivre, foi conduzida por Daniela Polónia (CP 6296), jornalista e pivot da CMTV, que actuou como mestre de cerimónias institucional, anunciando os oradores e, em alguns casos, simultaneamente patrocinadores, no caso do “engenheiro Carlos Moedas”.

    O próprio Carlos Rodrigues (CP 1575) deu as boas-vindas aos participantes, num momento de cumplicidade discursiva com Moedas. Os dois painéis seguintes — sobre policiamento comunitário e paradigmas da segurança urbana — foram moderados por João Ferreira (CP 802), também jornalista do grupo. De entre os participantes no debate, não esteve presente qualquer vereador da oposição — não houve, assim, lugar a polémica. Carlos Moedas teve, aliás, direito a um discurso, sem contraditório, de 22 minutos.

    Mais do que um mero conflito de interesses, este é mais um caso flagrante de perda de equidistância jornalística e de instrumentalização de profissionais da comunicação para fins promocionais. O silêncio sobre a natureza comercial do evento — nenhuma menção explícita a patrocínio, prestação de serviços ou publicidade nos conteúdos divulgados — acentua o carácter enganador desta operação.

    João Ferreira, jornalista há mais de 30 anos, e pivot da CMTV, ganha agora a vida também como prestador de serviços em contratos entre a Câmara Municipal de Lisboa e a sua empresa empregadora, a Medialivre.

    A situação não é inédita, nem isolada — e está a surgir uma ‘normalização’ da mercantilização do jornalismo, em que já se duvida sobre se apenas algumas ou todas as notícias têm uma compensação financeira directa ou indirecta por parte dos interessados, o que mina a confiança dos cidadãos perante a imprensa. Ainda este mês, a ERC concluiu que dois eventos organizados pelo jornal Público — pagos pela Câmara de Penafiel e pela Ordem dos Médicos Dentistas — configuravam publicidade, aplicando uma multa simbólica de 3.500 euros, bastante inferior ao valor dos contratos anómalos. O denominador comum com o evento da Medialivre: no caso do Público, além de jornalistas, o actual director do jornal da Sonae, David Pontes, teve participação activa na prestação de serviços.

    Tal como agora com Carlos Rodrigues, a actividade de publicidade dos jornalistas do Público não foi assumida como prestação de serviços, nem respeitou o Estatuto do Jornalista. Mas os processos prescreveram para efeitos disciplinares, uma vez que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) não agiu atempadamente. O regulamento disciplinar dos jornalistas determina a prescrição ao fim de dois anos.

    A passividade da CCPJ, aliada à lentidão crónica da ERC, tem criado um cenário de impunidade que favorece a mercantilização da profissão. O resultado é a banalização de práticas proibidas por lei, mas toleradas na prática pelos reguladores e pela classe jornalística.

    Helena de Sousa, presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social: perante a promiscuidade, o regulador das media pega em casos pontuais, tarde e a más horas, e agora começa a aplicar coimas simbólicas que funcionam como ‘taxas de promiscuidade’, porque o ‘crime’ compensa financeiramente.

    Na conferência de Lisboa de hoje, até se assistiu, na sessão de encerramento, ao vereador social-democrata Rui Cordeiro agradecer ao Correio da Manhã o “convite” para participar num evento que, na verdade, foi pago pela própria Câmara. E os jornalistas servem de prestadores de serviços contratados por entidades externas, mascarando uma acção de comunicação política como um gesto de jornalismo independente. E tudo isto sob a cobertura de um contrato que, embora público, tenta disfarçar-se de parceria editorial.

    Num país onde a ética jornalística é muitas vezes tratada como uma nota de rodapé, a promiscuidade está a ganhar estatuto de normalidade. De facto, como dizia Moedas, “vivemos tempos muito estranhos”. De facto, vivemos.

    Este artigo teve um direito de resposta de Carlos Rodrigues, director-geral do Correio da Manhã e da CMTV, que pode ser lido aqui.

  • Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

    Apagão: EDP compra 36 geradores móveis para evitar desenrascanços com jerricãs

    Depois do apagão de 28 de Abril, que mergulhou o território nacional numa escuridão simultaneamente literal e simbólica, as vulnerabilidades estruturais ficaram bem patentes no abastecimento de edifícios e infra-estruturas estratégicas. Desde o caso dos jerricãs que o Governo queria enviar para a Maternidade Alfredo da Costa, através dos motoristas dos ministros, até às falhas na rede de comunicações, incluindo o SIRESP, foram os sinais mais evidentes de um país que continua a confiar no improviso como política de resiliência.

    O episódio, que transformou Portugal num caos ao longo de cerca de dez horas, revelou não apenas a fragilidade dos sistemas críticos, mas também a ausência de planeamento integrado para situações de emergência. A dependência de soluções ad hoc ilustra um modelo de governação mais próximo do remendo do que da prevenção.

    closeup photo of lighted bulb

    No caso do SIRESP, que deveria assegurar comunicações robustas entre forças de socorro, a sua falência parcial confirmou a persistência de erros que já tinham sido denunciados nos incêndios de 2017. O apagão de Abril funcionou, assim, como um teste involuntário à robustez do Estado – um teste que, mais uma vez, o país reprovou com estrondo.

    Não por acaso, a E-Redes – a subsidiária do Grupo EDP, anteriormente conhecida por EDP Distribuição e responsável pelo transporte em média tensão e para os consumidores residenciais – tem vindo a ser pressionada para encontrar soluções que permitam, caso haja novos apagões, a garantia do abastecimento ininterrupto em pontos estratégicos, como hospitais, centros de controlo operacional, quartéis de bombeiros ou infra-estruturas de comunicações.

    Exemplo claro desta mudança foi o lançamento, esta semana, de um concurso público protagonizado pela E-Redes para a aquisição de um total de 36 centrais móveis de produção de energia eléctrica. De acordo com os documentos aos quais o PÁGINA UM teve acesso, a medida visa reforçar a capacidade de resposta em situações de emergência, evitando cenas dignas de um país em vias de subdesenvolvimento.

    Maternidade Alfredo da Costa esteve em risco de não ter electricidade durante o apagão de 28 de Abril.

    Embora não se tenha ainda conseguido saber, junto de fonte oficial da E-Redes, se estão previstas mais aquisições nem apurada a distribuição, para já está prevista a compra de uma central móvel de 1250 kVA (kilovolt-ampere), equipada para operar em média tensão (10, 15 e 30 kV), com capacidade de sincronismo com a rede e de alimentar infra-estruturas críticas de grande dimensão. A par disso, prevê-se ainda o fornecimento de oito geradores móveis de 630 kVA e mais 27 de 250 kVA, todos desenhados para actuar em modo de socorro em postos de transformação ou directamente junto a edifícios estratégicos.

    Com uma potência de 1250 kVA, é possível assegurar o funcionamento contínuo de grandes infra-estruturas críticas, como hospitais centrais com blocos operatórios em actividade plena, centros de dados de média dimensão, aeroportos regionais com terminal e torre de controlo, ou ainda grandes centros comerciais e unidades industriais com maquinaria pesada. Já potências na ordem dos 630 kVA são compatíveis com hospitais distritais ou maternidades, escolas secundárias com sistemas integrados de climatização, edifícios governamentais com centros de dados, estações ferroviárias urbanas ou instalações fabris de menor escala.

    Por fim, equipamentos com capacidade para 250 kVA garantem o abastecimento de infra-estruturas mais compactas, como centros de saúde, quartéis de bombeiros, esquadras, supermercados de média dimensão, pequenos hotéis ou centros locais de comunicações, como retransmissores do SIRESP.

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    As especificações técnicas previstas no caderno de encargos são robustas, incluindo a existência de chassis com reboque apto para circulação em todo o território. E, claro, motores a diesel – porque, quando a electricidade falha, ainda são os combustíveis fósseis a dar uma ajuda.

    Embora o concurso público não indique um custo mínimo nem máximo, porque se estará numa fase de qualificação de concorrentes para depois se passar a um procedimento de negociação, o PÁGINA UM sabe que, considerando os preços de mercado de geradores desta natureza, mostra-se previsível que o investimento oscile entre 5,0 e 6,5 milhões de euros. Um valor significativo, mas irrisório se considerarmos que a EDP contabilizou um lucro de 801 milhões de euros no ano passado e que os serviços da E-Redes são uma concessão do Estado, que exige padrões de qualidade no abastecimento.

    Independentemente disto, estas compras da E-Redes não eliminam o risco de novas falhas na rede – sobretudo enquanto Portugal continuar estruturalmente dependente da energia importada de Espanha –, mas mitigam os efeitos mais visíveis e embaraçosos. Estas centrais móveis funcionam, na prática, como extintores sobre rodas: não impedem o incêndio, mas evitam que chegue com maior impacte à opinião pública.

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    E significa também que a E-Redes já não confia tanto na REN, depois do apagão de 28 de Abril, que, um mês depois, continua sem uma explicação formal. Aliás, ao longo das últimas semanas, a REN tem procurado desresponsabilizar-se do processo. Esta semana, a associação Frente Cívica, liderada por Paulo de Morais, pediu ao Governo que exigisse uma indemnização no valor de 780,5 milhões de euros, valor estimado dos prejuízos em diversos sectores, incluindo mesmo das empresas de distribuição eléctrica.

    Na carta enviada ao primeiro-ministro, a Frente Cívica diz mesmo que “na eventualidade de não conseguir indemnizar, a REN poderá sempre entregar a concessão de volta ao Estado português, legítimo representante dos cidadãos ludibriados pela sua incúria.”

  • Combate à vespa-asiática já custou 11 milhões de euros

    Combate à vespa-asiática já custou 11 milhões de euros

    A factura da luta contra a vespa asiática, uma espécie exótica e invasora que chegou ao Minho em 2011, está a aumentar cada vez mais, e a estender-se por praticamente todo o país. De acordo com um levantamento exaustivo do PÁGINA UM aos contratos de entidades públicas com empresas externas – ou seja, sem considerar gastos com recursos próprios –, os encargos já atingem quase 8,9 milhões de euros, aproximando-se dos 11 milhões de euros considerando o IVA. O crescimento dos gastos tem sido particularmente evidente desde 2020.

    Os números não deixam margem para dúvidas: se entre 2015 e 2018 os valores anuais nunca ultrapassaram os 400 mil euros (sem IVA) – e totalizaram 748 mil euros nesse quadriénio –, a partir de 2019 os montantes dispararam. Nesse ano quase atingiram meio milhão de euros e em 2020 os gastos ultrapassaram os 885 mil euros, subindo para quase um milhão no ano seguinte.

    O pico foi, por agora, atingido em 2022, com 2,43 milhões de euros em encargos públicos com empresas contratadas para acções de controlo da vespa asiática, essencialmente a destruição de ninhos. Em 2023, apesar de uma ligeira redução para 1,66 milhões, os valores continuam a expressar uma pressão orçamental elevada. Em 2024, os contratos celebrados ascendem já a 1,17 milhões, e até ao final do quinto mês de 2025 os encargos atingem quase meio milhão de euros, perspectivando-se novo agravamento.

    Este esforço financeiro está a ser suportado maioritariamente por municípios e comunidades intermunicipais, que nos últimos anos têm multiplicado as adjudicações a empresas privadas para resposta rápida a situações de infestação. O PÁGINA UM contabilizou 108 entidades públicas com despesas registadas do Portal Base, localizadas em quase todas as regiões do país concedendo assim uma dimensão nacional a esta espécie invasora.

    A proliferação da vespa asiática – uma predadora voraz de abelhas melíferas – tem vindo a provocar prejuízos significativos na apicultura nacional. A sua acção agressiva junto às colmeias compromete a produção de mel, ameaça a polinização e, em casos mais graves, conduz à destruição completa de enxames. A cada ano que passa, o problema deixa de ser apenas ambiental e económico para ganhar contornos de política pública, exigindo mais meios, mais formação e maior coordenação.

    Apesar de a invasão ter começado no Minho, a entidade com maior despesa acumulada é agora a Comunidade Intermunicipal (CIM) da Região de Leiria, com 716.952 euros, distribuíudos por três contratos desde 2022, que abrangem os municípios de Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós. A retirada de cada nicho de vespa tem um custo de quase 90 euros. Segue-se a Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo, com 456.711 euros, e o município de Vila Nova de Famalicão, com 396.518 euros – este último com um histórico de despesas particularmente concentrado entre 2015 e 2017, o que reflecte uma das primeiras zonas mais severamente atingidas pela praga.

    Outros municípios de relevo na factura pública incluem o do Porto, com 324.400 euros; Cascais, através da sua empresa municipal de ambiente, com 274.500 euros; e a CIM do Alentejo Central, com 228.534 euros. Estes valores, distribuídos em muitos casos por vários anos, revelam tanto o carácter persistente do problema como a ineficácia das acções isoladas e reactivas.

    Acima de gastos de 100 mil euros encontram-se oito comunidades intermunicipais – CIM do Alentejo Central (228.534 euros), do Oeste (225.574 euros), das Beiras e Serra da Estrela (214.405 euros), de Viseu Dão-Lafões (147 845 euros), do Cávado (139.331 euros), do Douro (131.200 euros), Beira Baixa (126.310 euros), da Região de Coimbra (124.633 euros) – e municípios – Tondela (213.064 euros), Sintra (184.380 euros), Ílhavo (174.542 euros), Maia (152.336 euros), Montalegre (151.240 euros), Águeda (146.396 euros), Vagos (142.550 euros), Mortágua (122.500 euros), Mafra (120.220 euros), Loures (110.550 euros), Sertã (110.050 euros), Castro Daire (110.000 euros), Ourém (109.250 euros), Paredes (108.000 euros), Aveiro (107.250 euros) e Vila do Conde (107.083 euros) – e ainda a Universidade de Coimbra (111.160 euros).

    Actualmente, há registos de despesas em quase todas as regiões do país, incluindo municípios do Algarve, como Loulé e Alcoutim, que até há pouco tempo estavam fora do mapa de infestação. Também nos distritos de Guarda e Castelo Branco os contratos com empresas para destruição de ninhos tornaram-se mais frequentes, evidenciando a propagação da espécie para territórios anteriormente poupados.

    Apesar do esforço financeiro crescente, a eficácia do combate permanece questionável, porque embora os gastos globais tinham tido o seu pico em 2022, houve um alargamento geográfico nos últimos anos. Nos últimos cinco anos, entre 39 e 47 entidades públicas têm feito contratos para erradicação da vespa asiática, incluindo retirada e eliminação de ninhos, colocação de armadilhas ou estudos de monitorização.

    Em todo o caso, o impacto financeiro é apenas uma face visível de um problema com múltiplas consequências. Estima-se que uma colónia de vespa asiática possa capturar até 50 abelhas por dia, num processo contínuo que esvazia colmeias e perturba o equilíbrio dos ecossistemas. A ausência de predadores naturais e a elevada taxa de reprodução tornam o controlo extremamente difícil, sobretudo num território tão vasto e com dispersão habitacional significativa.

    Face ao crescimento da ameaça, vários especialistas têm apelado a uma resposta nacional concertada, com partilha de meios técnicos, formação de equipas especializadas e monitorização científica constante. No entanto, até agora, apesar de um plano de acção e de um sistema de monitorização e alerta, protagonizado pelo Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, a actuação tem sido fragmentada, assente em reacções avulsas e numa lógica de “apagar fogos” à medida que os ninhos surgem.

    No início do ano passado, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) revelou que entre 2011 e 2023 tinham sido destruídos mais de 140 mil ninhos de vespa-asiáticas, mas sem o insecto dar tréguas. O resultado aparenta ser assim um contínuo ciclo de despesa sem controlo efectivo da propagação da praga.

  • Impacte da pandemia: Lítigios com concessionárias já custou 1,6 milhões ao Estado

    Impacte da pandemia: Lítigios com concessionárias já custou 1,6 milhões ao Estado

    Já passaram vários anos, mas as medidas restritivas impostas por António Costa na pandemia de covid-19 ainda hoje causam mossa aos contribuintes. É o caso dos litígios entre Estado e diferentes concessionárias de serviços de transportes, em fase de arbitragem, mas que só em assessores e peritos já custaram, por agora, mais de 1,6 milhões de euros ao erário público.

    A despesa mais recente, no valor de 80 mil euros (sem IVA), deveu-se à contratação de um perito de Israel, Andrés Ricover, no âmbito do processo de arbitragem solicitado pela ANA, que gere 10 aeroportos nacionais. A contratação daquele especialista do sector da aviação foi efectuada por ajuste directo, no passado dia 13, pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes (IMT), segundo informação disponível no Portal Base, a plataforma que agrega os contratos públicos.

    Foto: D.R.

    Andrés Ricover, um perito de avião que opera a partir de Tel Aviv, vai assessorar o Estado na disputa com a ANA, que, como outras concessionárias, está a pedir uma compensação pública. A empresa gestora dos aerportos nacionais, subsidiária da francesa Vinci, pede 210 milhões de euros de indemnização ao Estado a título de reposição do equilíbrio financeiro (REF).

    Mas as despesas começaram já no ano passado com a contratação de diversos consultores e sociedades de advogados, pagos a ‘peso de ouro’. De entre os consultores contratados pelo IMT destaca-se a SFgo, uma empresa criada apenas em Novembro de 2022 por Joana Carvalho, logo no mês seguinte a esta economista ter antecipado a sua saída da vice-presidência da Admnistração Central do Sistema de Saúde (ACSS). A facilidade como certas novas empresas acumulam ajustes directos constituem uma das ‘maravilhas’ do modelo de contratação pública em Portugal.

    Desde Maio do ano passado, a empresa da antiga vice-presidente da ACSS e também ex-quadro do Banco Espírito Santo na área das parcerias público-privadas (PPPs), teve artes e engenhos para sacar 11 ajustes directos, com uma facturação previsível de cerca de mil euros. Só teve o incómodo de participar num concurso público, em companhia da sociedade de advogados Sérvulo & Associados, para um estudo de viabilidade financeira da barragem do Pisão, no Crato.

    Foto: D.R.

    No caso de litígios com concessionárias por causa da pandemia, o presidente do IMT, João Caetano da Silva, achou que não havia ninguém mais capaz do que a empresa recém-criada por Joana Carvalho, e entregou-lhe não um, nem dois, nem três, nem quatro, mas logo cinco ajustes directos para auxiliar a posição do Estado nos litígios com a Lusoponte, a Autoestradas do Douro Litoral (dois contratos), a Scutvias (Beira Interior) e a concessão Oeste. Cada contrato teve um valor unitário de 94.500 euros (sem IVA), totalizando assim 581.175 euros, com IVA incluído.

    Pouco atrás, nos benefícios pelos litígios, encontra-se a Sérvulo & Associados, que facturou cerca de 544 mil euros (IVA incluído) em dois contratos. O primeiro foi assinado no dia penúltimo dia do ano passado, no valor de 221 mil euros (sem IVA), para a aquisição de serviços de representação jurídica, patrocínio forense da concessão da Auto-Estrada do Douro Litoral.

    O segundo contrato com esta sociedade de advogados foi assinado no passado dia 24 de Fevereiro referente à a aquisição de serviços de representação jurídica e patrocínio forense no âmbito da arbitragem com vista à eventual prorrogação da concessão das pontes sobre o Tejo à Lusoponte. Também este contrato foi adjudicado por ajuste directo pelo valor de 221 mil euros.

    Foto: D.R.

    Recorde-se que a Lusoponte detém a concessão das pontes 25 de Abril e Vasco da Gama, em Lisboa, e tem actualmente como presidente do conselho de administração António Ramalho, ex-presidente-executivo do Novo Banco. A concessionária exige o prolongamento da concessão – que terminaria em Março de 2030 – por mais 10 meses.

    Houve mais duas sociedades de advogados que já encaixaram verbas para ‘ajudar’ o Estado: a Lobo Vasques & Associados teve direito a 75 mil euros por diversos pareceres, enquanto a Vieira de Almeida foi contratada pela Direcção-Geral das Obras Púlicas e Transportes Terrestres do Governo Regional dos Açores Serviços para serviços de assessoria jurídica no âmbito da acção arbitral relativa ao impacto da pandemia na SCUT da ilha de São Miguel. Receberá 160 mil euros (sem IVA). Em ambos os casos os contratos foram celebrados por ajuste directo, sendo que, entre as razões para a escolha destas sociedades, pode estar, por hipótese académica, uma vez que se desconhecem critérios objectivos, a cor dos olhos dos advogados.

    Contando com estes contratos, são 13 os que já foram assinados para litígios com concessões alegando impactes da pandemia. Um dos mais recentes é o contrato feito com a TIS PT para para estudar o tráfego das pontes concessionadas à Lusoponte “destinado a fundamentar a posição do Estado português no litígio arbitral”. São mais 19.500 euros por ajuste directo, sem IVA.

    Também relevante, até por ter sido o primeiro neste ‘lote pandémico’, foi a contratação, por ajuste directo, da Ernst & Young em Abril do ano passado. No valor de 90.000 euros (sem IVA), foram contratados serviços à consultora para análise à demonstração do reequilíbrio financeiro da concessão Oeste com o objectivo de fundamentar a posição do Estado Português no Tribunal Arbitral no litígio com a Autoestradas do Atlântico.

    Foto: D.R.

    Pelo andar da carruagem, e dada a acumulação de processos arbitrais devido a este tema, é expectável que a despesa pública com serviços de assessoria financeira , técnica e jurídica se multiplique. Além disso, existe o risco de o desfecho de alguns destes processos resultarem em mais custos para o Estado, em compensações a pagar a concessionárias.

    Assim, para já, a ‘portagem’ paga pelos contribuintes em serviços de assessoria relacionada com os pedidos de compensação de concessionárias vai pelos 1,6 milhões. Mas a factura final, incluindo eventuais compensações do Estado, ainda está longe de ser contabilizada, até porque, ao contrário do que o Governo de António Costa fez crer, quando decidiu ‘fechar’ o país, nada ficouj bem bem.

  • Osaka 2025: invisibilidade mediática mas com despesas generosas… e estranhas

    Osaka 2025: invisibilidade mediática mas com despesas generosas… e estranhas

    Discreta, mas generosa na despesa — assim se pode descrever a participação portuguesa na Exposição Mundial de Osaka, no Japão, organizada pela Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP). Para resolver a questão da invisibilidade mediática, a AICEP contratou ontem os serviços de assessoria da agência JLM – João Líbano Monteiro & Associados, por 19.500 euros. Já no que respeita ao despesismo, a solução não será tão simples.

    Inaugurada a 13 de Abril e a decorrer até Outubro deste ano, a Expo 2025 realiza-se na ilha artificial de Yumeshima, na região japonesa de Kansai. Embora tenha passado praticamente despercebida à opinião pública nacional, a representação portuguesa já consumiu mais de 20 milhões de euros com IVA incluído. Segundo informação oficial da AICEP, o valor total da participação deverá rondar 25,83 milhões de euros (correspondentes a 21 milhões acrescidos de IVA), conforme autorizado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 149/2022, do governo de António Costa.

    O principal encargo individual é um contrato de 13,6 milhões de euros, adjudicado à empresa japonesa Rimond Japan para a concepção, construção, manutenção e desmontagem do Pavilhão de Portugal. Este contrato, lançado por concurso público, absorve mais de 70% da despesa já contratualizada. Recorde-se que, em 2023, a escolha do arquitecto japonês Kengo Kuma — preterindo arquitectos portugueses — foi alvo de críticas da Ordem dos Arquitectos, que sublinhou tratar-se da primeira vez que um pavilhão nacional numa Expo Mundial não teria assinatura portuguesa. O edifício concebido pelo arquitecto japonês destaca-se sobretudo pelas cerca de 10 mil cordas suspensas e redes recicladas, num total de mais de 60 toneladas, que compõem uma fachada translúcida que reage à luz e ao vento, remetendo para a fluidez das ondas.

    No interior, o pavilhão divide-se em dois núcleos complementares: um dedicado à partilha de conhecimento, onde se explora a relação histórica entre Portugal e o Japão desde os primeiros contactos marítimos há quase cinco séculos, e outro centrado na inovação e na sustentabilidade, com destaque para projectos e tecnologias que promovem a protecção dos oceanos e o uso responsável da energia. Apenas com projecções e jogos de luzes, há outra coisa que se destaca na exposição: as mensagens surgem apenas em japonês e em inglês. A língua portuguesa ficou à porta. Camões e Fernando Pessoa ‘estrebucham’.

    Acrescem outros encargos vultuosos associados à obra, com destaque para os 407.590 euros destinados à empresa Vítor Hugo – Coordenação e Gestão de Projectos, responsável pela fiscalização da obra; 29.300 euros à 3dLab – Comunicação e Gestão de Imagem, encarregue dos módulos expositivos da sala multiusos; e 42.000 euros pagos à Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confecção para o fardamento oficial dos trabalhadores.

    Kenga Kuma, arquitecto japonês revistiu o pavihão português com cerca de 10 mil cordas.

    O contrato com a GL Events Japan também se destacam pelo valor: 1,29 milhões de euros para a operação e apoio técnico ao pavilhão durante os seis meses da exposição. Porém, poucos dias depois da celebração deste contrato, foi celebrado outro, no valor de 322.500 euros, adjudicado por ajuste directo e sem contrato escrito, alegando-se “urgência imperiosa”. Segundo a AICEP, este segundo contrato visou garantir o arranque inadiável do pavilhão, dada a exigência de pessoal fluente em japonês e inglês, porque houve atrasos na tramitação do contrato principal junto do Tribunal de Contas. No entanto, a AICEP garante que não haverá duplicação de pagamentos.

    No que respeita ainda ao funcionamento do pavilhão, foram ainda adjudicados 222 mil euros com IVA à empresa Francisco Pestana Unipessoal para fornecimento de merchandising, e dois contratos à Nippon Express Portugal, totalizando 97.000 euros em serviços logísticos.

    A vertente cultural da presença portuguesa, embora ainda sem programa final conhecido, já motivou diversos contratos. A concessão do restaurante português foi entregue à empresária Hazuki Shioya por 63.080 euros. Na música, a empresa Aruada recebeu 38.000 euros para assegurar a actuação de Dino D’Santiago e Branko. Seguem-se contratos com o japonês Kazufumi Tsukimoto (40.390 euros) — conhecido como TUMI e promovido como embaixador do fado no Japão —, André Pimenta e Casa Nic e Inês (17.500 euros), Rute Marcão e Leonor Wagner (13.500 euros) e Bruno Pernadas e José Soares (12.500 euros).

    Na curadoria arquitectónica, a AICEP contratou Alexandre Vicente por 18.000 euros para a exposição Related Paths & Architects, e Carlos Quintãs Eiras por 11.000 euros para coordenar a mostra dedicada a Siza Vieira. Uma exposição de design gráfico foi adjudicada à empresa Barbassays, por 9.990 euros.

    Com a “procissão ainda no adro”, há contratos que causam estranheza. Apesar da presença permanente da AICEP no Japão e da existência de dois representantes na embaixada portuguesa em Tóquio, a agência pública contratou o advogado Luís Verde de Sousa, actual presidente do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, para prestar “consultoria jurídica em contratação pública”. Os dois contratos por ajuste directo com este jurista somam quase 115 mil euros com IVA.

    Também o contrato com a Ernst & Young (EY), no valor de 192 mil euros com IVA, suscita dúvidas. A AICEP justifica a contratação com a ausência de conhecimentos internos sobre legislação fiscal japonesa. Porém, a agência tem experiência acumulada no país e dispõe de um departamento de contabilidade habituado a processar despesas internacionais. A contratação externa abrange relatórios mensais de contabilidade analítica, demonstrações financeiras, controlo de royalties e outros indicadores financeiros.

    Apesar das críticas e dos valores elevados, a AICEP insiste que “cumpriu plenamente os princípios da contratação pública” e que todos os contratos estão sujeitos a controlo do Tribunal de Contas. Uma coisa parece certa, em suma: a Expo 2025 Osaka, embora ainda mal conhecida em Portugal, está já a marcar presença no erário público. E a factura — para já — já vai longa. Mas, com os serviços do assessor João Líbano Monteiro, talvez se convençam os portugueses do contrário.

    N.D. Sobre a ausência da língua portuguesa no pavilhão de Portugal em Osaka, leia aqui o editorial.

  • Duas ‘Noitadas’ em Portimão custam 1,6 milhões de euros

    Duas ‘Noitadas’ em Portimão custam 1,6 milhões de euros

    Verão não é Verão sem festança na ‘aldeia’. Neste caso, a ‘festança’ tem sido em Portimão, dura dois dias (ou noites) e promete sempre ser de arromba, com espectáculos de música e luzes. De arromba é também o preço, pago com dinheiros públicos: 1.648.200 euros por duas edições deste evento designado por ‘Noitada‘.

    A organizadora é uma empresa com sede em Paço de Arcos, Oeiras — a New Sheet, Brand Activation —, que, depois de ter conseguido ‘vender’ o evento ao executivo camarário de Portimão em 2024, voltou a conseguir novo contrato este ano. Ambos os contratos foram adjudicados por ajuste directo, alegando-se direitos de autor.

    O município realizou a primeiro edição de ‘Noitada Portimão’ nos dias 26 e 27 de Julho de 2024. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo de promoção do evento

    O primeiro ajuste directo foi efectuado há um ano, tendo a autarquia presidida pelo socialista Álvaro Miguel Bila pago 738 mil euros (com IVA) pela organização do evento ‘Noitada’. O evento decorreu nos dias 26 e 27 de Julho de 2024, no âmbito das celebrações do centenário da cidade. O evento contou com seis palcos, 23 pontos de animação, 20 instalações de luz, e mais de 100 artistas itinerantes.

    No palco principal, na Praça da República, actuaram os HMB, Pânico, Para Sempre Marco e Bateu Matou, entre outros, acompanhados de DJ sets como os de Nikky e do grupo Rebel Kidz Show, havendo também um palco dedicado ao fado. Para além da componente musical, o festival apostou fortemente na dimensão estética e sensorial, com espectáculos de video mapping a cada meia hora na Praça 1.º de Maio e laser shows sobre a Ponte Velha.

    Este ano, voltou a repetir o ajuste directo à New Sheet, mas por um valor mais alto, de 910 mil euros. A segunda edição do evento vai decorrer nos próximos dias 25 e 26 de Julho, mas ainda não foi divulgado o programa.

    A edição deste ano promete ter, segundo o caderno de encargos do procedimento, “uma mistura de arte, design, espectáculo, entretenimento e arquitetura que visa trazer vida ao centro da cidade durante duas noites, pretende criar uma movida pelo centro da cidade, numa rota que percorrerá as principais artérias e pontos de interesse no centro da cidade”.

    A edição deste ano contará com “6 palcos, 23 pontos de animação na cidade, 20 instalações de luz, 80 artistas itinerantes e 100 artistas itinerantes”.

    Em resposta a questões do PÁGINA UM, a autarquia fundamentou o facto de não ter efectuado concursos para a organização das duas ‘Noitadas’ com o facto de estarem em causa “direitos de propriedade intelectual”.

    Foto: Captura de imagem a partir de vídeo de promoção do evento ‘Noitada 2024’

    Segundo o gabinete de comunicação da autarquia, “o conceito do evento ‘A Noitada’ foi apresentado ao município de Portimão em março de 2024 por iniciativa da empresa New Sheet, Brand Activation Lda., que detém os direitos de propriedade intelectual sobre o mesmo, devidamente registados”. Explicou que, “face à originalidade do conceito e à titularidade exclusiva desses direitos, a única forma legalmente admissível de contratualizar a sua realização foi através de ajuste directo”.

    Segundo o município, a primeira edição do evento “revelou-se um enorme sucesso, atraindo milhares de visitantes”. A autarquia afirma que decidiu fazer a segunda edição com base num estudo que encomendou a investigadores do CiTUR – Universidade do Algarve, o qual concluiu que “a primeira edição gerou uma nova receita direta na economia local de 2.641.407 euros, agregada entre residentes e visitantes”.

    A autarquia garante que, “à semelhança de 2024, todas as despesas associadas à realização do evento “A Noitada 2025″ são da exclusiva responsabilidade da empresa promotora”, sendo o contrato concebido para o fornecimento de serviços do tipo ‘chave-na-mão’.

    Mas como não há duas sem três, o município não exclui voltar a contratar esta empresa para nova ‘Noitada’ em 2026. A decisão vai depender do “novo estudo de impacto relativo à edição de 2025, cujos resultados fundamentarão a decisão quanto à eventual continuidade da colaboração com a entidade detentora do conceito”. Dependerá também das eleições autárquicas que se realizam este ano e que poderão ou não alterar a configuração do executivo daquela autarquia.

    Seja como for, com mais ou menos luzes e artes cénicas, estamos perante um festival musical e de entretenimento, ou seja, existem dúvidas sobre se se aplica o conceito de propriedade intelectual.

    Com efeito, a propriedade intelectual divide-se em dois ramos: a propriedade industrial, que compreende as invenções (patentes), as marcas, os desenhos e modelos industriais e as denominações de origem, enquanto os direitos de autor abrangem as obras literárias e artísticas.

    Ora, segundo a Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), não são protegidos e não podem ser registados os conceitos, as ideias, os processos, os sistemas e os métodos operacionais. Isto é, com a mesma ou outra denominação, um festival com música e outros espectáculos não pode ser considerado ‘propriedade’ exclusiva de uma empresa, logo não pode ser feito sem concorrência.

    Álvaro Bila, presidente da autarquia de Portimão a divulgar no ano passada a Noitada.

    Em todo o caso, estes dois grandes ajustes directos já ‘estão no papo’ da New Sheet. E não são os únicos. A autarquia fez outros dois ajustes directos no ano passada com esta empresa de Oeiras, embora com valores mais pequenos.

    O primeiro, no valor de 98.400 euros (com IVA), consistiu na ‘aquisição de serviços para o projecto ‘100 anos, 100 sardinhas’. O outro, no montante de 81.075 euros foi justificado com a ‘aquisição de serviços para a contratação de artistas para animação musical ‘Celebrações Passagem de Ano 2024/2025′”.

    Estes montantes estão mais em linha com os restantes contratos que a New Sheet obteve junto de outras autarquias. Desde 2019, quando conseguiu o primeiro contrato público, a empresa de Oeiras já obteve 40 contratos, no total. Com a excepção das duas edições de ‘Noitada’ com o município de Portimão, os valores dos restantes contratos oscilam entre os 6.300 euros e os 90.000 euros (sem IVA).

    Ou seja, a autarquia de Portimão garantiu à New Sheet, em apenas dois contratos, cerca de 60% da facturação total que a empresa já registou junto de entidades públicas nos últimos sete anos. Isto em duas ‘noitadas’ de festa e animação. A ressaca, se houver, essa fica sempre para os contribuintes.

    Portimão fez quatro ajustes directos com a New Sheet em menos de um ano. No total, o município pagou 1,8 milhões de euros à empresa. Fonte: Portal Base

    Por fim, não se diga que falta animação a Portimão, e mais gastos públicos. Tanto no ano passado como este ano, pois dias passados do fim da ‘Noitada’ vem o Festival da Sardinha, com mais espectáculos ‘grátis’ que custam centenas de milhares de euros. A edição do ano passado ocorreu entre os dias 30 de Julho e 4 de Agosto, ou seja, começou três dias depois da ‘Noitada’.

    Nesse caso, a autarquia foi mais ‘comedida’, e fez adjudicações com várias empresas,que custaram, no total, cerca de 350 mil euros com IVA.Mas, pelo menos foram seis dias inteiros de festa, que incluíram concertos com Aurea, Marisa Liz, Richie Campbell, Anjos e Delfins.