Existem milhares de entidades da Administração Pública, mas só 33 decidiram, em pelo menos um ano, gastar dinheiro público para oferecer bolo-rei em época de festividades natalícias. O destino da iguaria seguiu para as mais distintas bocas, desde comunidades mais desfavorecidas até funcionários públicos, sem que se entenda os critérios para aquisição e os limites de gastos. Desde 2008, o PÁGINA UM descobriu no Portal Base um total de 92 contratos de aquisição especificamente de bolo-rei, em grandes quantidades, para ofertas, sobretudo feitas por autarquias. A ‘fava’ fica com os contribuintes: desde 2014, a conta já atinge quase 570 mil euros. Só no ano passado, e pelos dados já disponíveis, gastaram-se mais de 84 mil euros. Bom proveito.
Belém fica ali próximo, na vizinha Lisboa, mas é nas terras de Isaltino Morais, no município de Oeiras, que o bolo-rei é generosamente oferecido… com a ‘fava’ a seguir para os contribuintes, porque sendo eles a pagar, quer gostem ou não da iguaria, só poucos lhe metem o dente. Na verdade, não são assim tão poucos: em Dezembro passado, foram 4.000 bolos comprados ao Pingo Doce por 27.200 euros (sem IVA). No ano anterior, o ‘brinde’ saiu à Pastelaria Vera Cruz de Caxias que vendeu 6.120 bolos-reis à Câmara Municipal de Oeiras por 30.784 euros.
Mas longe está o ‘rei mago’ Isaltino Morais de ser o único a ficar com os louros da bondade à custa do dinheiro dos contribuintes. Numa análise do PÁGINA UM aos contratos inseridos no Portal Base que explicitamente remetam para a aquisição de bolos-reis, encontram-se 33 entidades públicas que decidiram, desde 2008, fazer 92 compras destas iguarias consumidas sobretudo na época natalícia. Quase todas são Câmaras Municipais. Além de outras entidades ligadas a autarquias, como empresas municipais, não se detectou qualquer instituição da Administração Central a comprar bolos-reis.
Por lei, não há qualquer limite nem limitações para a aquisição deste tipo de bens de consumo, mesmo não sendo de primeira necessidade. Ou seja, bastando cumprir os formalismos do Código dos Contratos Públicos em termos de procedimento, os gestores públicos até podem comprar caviar beluga para supostas ofertas.
A lei também não limita os montantes deste tipo de género, que beneficia os políticos que os oferecendo, olhados por quem os recebe como generosos, embora com o dinheiro dos outros, neste caso os contribuintes. Na generalidade dos contratos dos bolos-reis, a aquisição por ajuste directo foi a prática mais habitual.
Só na última década, entre 2014 e 2023, os gastos das entidades públicas em bolo-rei para ofertas totalizaram 569.347 euros. Se se abranger o período com dados na plataforma da contratação pública, a partir de 2008, a factura sobe acima dos 834 mil euros. O ano de maiores gastos foi o de 2020, com 112.700 euros, embora a tendência seja de aumento dos gastos médios. Desde 2020, os bolos-reis para oferta têm custado, em média, cerca de 88 mil euros por ano aos cofres públicos. Não estão aqui incluídos os casos em que esta iguaria integra os famosos cabazes de Natal.
Carlos Carreiras (Cascais), Isaltino Morais (Oeiras), Ricardo Leão (Loures) e Carlos Moedas (Lisboa). Apesar de até haver uma Belém na capital portuguesa, o edil de Lisboa é o único destes quatro autarcas que não dá bolos nem se investe de Rei Mago com o dinheiro dos contribuintes.
A autarquia de Oeiras é, além daquela que mais gasta – cerca de 278 mil euros desde 2008 e quase 180 mil na última década –, a que já tornou um hábito de entregar o brinde a alguns munícipes e a ‘fava’ aos contribuintes, porque desde 2008 só houve um ano em que não se encontra qualquer contrato de compra de bolos-reis.
O ano de 2010 foi aquele em que a autarquia liderada actualmente por Isaltino Morais mais abriu os cordões à bolsa, gastando 33 mil euros. Mas nos últimos cinco anos também foi pródiga: os gastos estiveram sempre acima dos 19 mil euros em qualquer dos anos. Em 2022 os gastos atingiram os 30.784 euros, enquanto em 2023 ficou a factura em 27.320 euros.
Encontram-se outras duas autarquias com indícios de quererem tornar tradição a oferta de bolos-reis à custa dos contribuintes: Ovar e Vila Pouca de Aguiar adquiriram sempre esta iguaria nos últimos cinco e quatro anos, embora em montantes mais baixos.
Montante anual gasto na aquisição de bolos-reis por entidades públicas. Fonte: Portal Base.
Na verdade, Oeiras destaca-se dos demais, até porque importantes municípios como Lisboa, Porto e Sintra não indicam compras deste tipo de produtos na descrição de contratos públicos. Em todo o caso, a ‘vizinha’ Câmara Municipal de Cascais é a segunda entidade que se investiu de ‘rei mago’ e já gastou quase 123 mil euros desde 2008, dos quais um pouco mais de 65 mil na última década.
A terceira autarquia com mais compras de bolo-rei na última década fica no Norte: o município de Baião fez despesas de 58 mil euros nos últimos 10 anos, seguindo-se Loures, com quase 37 mil, Vila Pouca de Aguiar, com aproximadamente 32 mil, e Paços de Ferreira, com valores próximos de 26 mil euros.
Com montantes entre os 15 mil e os 20 mil euros gastos em bolos-reis na última década, o PÁGINA UM detectou os municípios de Seixal, Vila Nova de Gaia, Sines, Ovar e Almada.
Pegando na cor política dos presidentes das 11 autarquias que mais compraram bolos-reis na última década, não é notória qualquer questão ideológica. Desses 11 autarcas, seis (55%) são do Partido Socialista (Baião, Loures, Paços de Ferreira, Vila Nova de Gaia, Sines e Ovar), o que não difere muito da representatividade nacional (149 em 308 municípios, ou seja, 48%). ‘Rei magos’ social-democratas encontram-se três (Cascais, Vila Pouca de Aguiar e Ovar), estando o PCP representado no Seixal e os movimentos ditos independentes em Oeiras.
No futuro, e dada a tendência de se recomendar a redução do consumo de produtos açucarados – nomeadamente em hospitais e escolas –, resta saber por quantos anos se vai aguentar esta tradição de algumas autarquias reservarem uma fatia do seu orçamento para comprar bolos-reis. A acontecer, para os fornecedores da Câmara Municipal de Oeiras, depois de anos de ‘brinde’, seria uma grande ‘fava’.
A pandemia foi uma crise sanitária negativa para as populações, mas um maná para muitos empresários. Que o diga a holding Joaquim Chaves Saúde que facturou bem nos dois primeiros anos da covid-19 em Portugal, lucrando 12,2 milhões de euros em 2020 e 2021, e quebrando um ciclo negativo de prejuízos. Mas com o ‘desinvestimento’ público em redor do SARS-CoV-2, e com a necessidade de se virar para o mercado sem apoios públicos, a Joaquim Chaves Saúde afundou-se de novo nos prejuízos durante o ano de 2022, com um resultado negativo de quase 4,4 milhões de euros. Embora as contas de 2023 ainda não tenham sido apresentadas, o anúncio de despedimento de 92 funcionários não augura agora uma situação financeira saudável.
Numa perspectiva financeira, depois da bonança, a tempestade. Ou, melhor dizendo, depois da pandemia, surgem os cenários sombrios. O anúncio do despedimento de 92 funcionários da Joaquim Chaves Saúde, holding familiar que detém cerca de 350 postos de recolha de análises, clínicas médicas, centros de radioterapia e clubes de fitness confirma que o ano de 2023 terá agravado uma situação financeira que antes de 2020 não era brilhante, e que só foi ‘mascarada’ pelos ‘balões de oxigénio’ que resultaram em fabulosos ganhos na realização de testes de detecção do SARS-CoV-2 e outros exames de diagnóstico.
Com efeito, embora ainda seja prematuro conhecer o desempenho financeiro de 2023, a Joaquim Chaves Saúde já apresentara fortes prejuízos no ano de 2022, em consequência da redução significativa de análises associada à covid-19. Depois de um pico no início daquele ano com o surgimento da variante Ómicron, a estratégia de realização massiva de testes modificou-se e a empresa viu a sua actividade laboratorial nesse sector diminuir 56% face a 2021. Muito por essa quebra, a Joaquim Chaves Saúde acabou por apresentar em 2022 um prejuízo de quase 4,4 milhões de euros.
Esse desempenho ‘comeu’ uma parte relevante – mas longe de ser todo – o lucro acumulado nos dois anos da pandemia. Em 2020, a Joaquim Chaves Saúde acabou o exercício com resultados líquidos positivos de 4,7 milhões de euros. O ano seguinte, com a massificação dos testes de detecção do SARS-CoV-2, a empresa apostou fortemente no aumento da sua capacidade laboratorial, e terminou com lucros de 7,5 milhões de euros.
Só em testes comprados por entidades públicas, a Joaquim Chaves Saúde facturou mais de 8,3 milhões de euros, destacando-se três ajustes directos concedidos pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares no valor de 5,3 milhões de euros. Recorde-se que em 2021, o Governo decidiu, sem uma justificação científica plausível, ‘varrer’ as escolas com testes mesmo a alunos e professores sem quaisquer sintomas e mesmo em estabelecimentos sem surtos. O maior contrato foi assinado em 6 de Abril de 2021, resultando na aquisição de cerca de 147 mil testes ao preço unitário de 20 euros. Contas feitas, entraram só com este contrato mais de 2,9 milhões de euros nos cofres da Joaquim Chaves Saúde.
Estes dois anos de ‘ouro’ – em 2020 e 2021 houve um lucro acumulado de 12,2 milhões de euros – inverteram uma situação de prejuízos consecutivos nos períodos anteriores. De acordo com a consulta do PÁGINA UM às demonstrações financeiras da Joaquim Chaves Saúde, a empresa apresentou sempre prejuízos entre 2017 e 2019. No primeiro ano deste triénio, os resultados negativos foram de 229 mil euros, agravando para 309 mil em 2018 e subindo os prejuízos para os 1,7 milhões de euros. Ou seja, no triénio anterior ao início da pandemia a Joaquim Chaves Saúde apresentou um prejuízo acumulado de mais de 2,2 milhões de euros.
Os únicos dois anos com resultados positivos da Joaquim Chaves Saúde coincidem com dois ‘eventos’ interligados: o auge da pandemia da covid-19 e um forte incremento da contratualização com entidades públicas, que abrangeram também serviços de radioterapia e outras análises clínicas.
Analisando os diversos contratos de empresas do universo da Joaquim Chaves Saúde no Portal Base desde 2009 mostra-se notório que somente a partir de 2020 os montantes passaram a ser relevantes. Antes do primeiro ano da pandemia, a Joaquim Chaves Saúde nunca ultrapassou a fasquia de um milhão de euros de facturação com entidades públicas, com os melhores a serem 2017 (537.766 euros) e 2019 (537.766 euros).
A partir de 2020, a “torneira’ pública abriu. Nesse ano, as empresas do universo Joaquim Chaves conseguiram 14 contratos públicos, atingindo um total de cerca de 1,7 milhões de euros, mas estava ainda longe do que se atingiu nos dois anos seguintes. Em 2021 identificam-se 43 contratos no valor de quase 8,3 milhões de euros, e no ano seguinte os 37 contratos aproximaram-se dos 14 milhões de euros.
Neste montante está incluído a concessão da exploração da unidade de radioterapia do hospital de Évora, através de concurso público, no valor de mais de 10,6 milhões de euros. Este contrato tem duração de quatro anos, pelo que o impacte nas contas fica diluído, pelo que não evitou que as contas de 2022 ficassem no ‘vermelho’. Saliente-se ainda que os 18 contratos celebrados em 2023 com entidades públicas, por agora registados no Portal Base, se situam nos 2,8 milhões de euros.
O fim da pandemia não é, contudo, apontada pela Joaquim Chaves Saúde como a causa dos despedimentos anunciados. Em comunicado ontem citado pelo Jornal de Negócios, a empresa justifica a medida para “garantir a sustentabilidade da empresa e a manutenção dos mais de 3.000 colaboradores”, mostrando-se “fundamental uma racionalização dos processos produtivos, quer com base nos investimentos tecnológicos entretanto implementados, quanto nos próprios procedimentos internos”. E diz ainda que, “nos últimos anos, apostou fortemente em equipas, infraestruturas e equipamentos numa perspetiva de crescimento de atividade que, dado o contexto atual do mercado, revelam-se sobredimensionadas, criando constrangimentos que agora se tornam indispensáveis resolver”.
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Num negócio milionário, a autarquia de Gondomar está a atribuir desde Julho de 2022 sucessivos contratos de aquisição de serviços de recolha de resíduos sólidos urbanos, sem concurso, à mesma empresa: a Rede Ambiente – Engenharia e Serviços, que integra o Grupo Terris, com sede naquele concelho nortenho e que é ré no processo ‘Ajuste Secreto’. O próprio CEO do Grupo Terris, e ex-presidente da Rede Ambiente, viu em 2019 o Tribunal de Santa Maria da Feira decretar-lhe o arresto preventivo de bens.
O processo Ajuste Secreto, cujo julgamento se iniciou em Novembro passado no Tribunal de Espinho, teve início em 2016, envolvendo sobretudo a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis e o seu ex-presidente Hermínio Loureiro, antigo dirigente da Federação Portuguesa de Futebol, mas os indícios criminais estenderam-se também às autarquias de Estarreja, Albergaria-a-Velha, Matosinhos e Gondomar.
(Foto: Câmara Municipal de Gondomar. D.R.)
Estão a ser julgadas 65 pessoas e empresas, entre as quais se contam a própria Rede Ambiente e Paulo Renato Reis, sócio e presidente-executivo do Grupo Terris e antigo membro do conselho nacional do PSD, bem como o ex-deputado social-democrata João Moura de Sá, que foi também administrador da Rede Ambiente. Além destes réus, com ligações à autarquia de Gondomar (funcionários ou ex-funcionários) estão também envolvidos neste processo judicial mais três pessoas: José Leonel Ramos, José Diogo Ferreira da Silva e Joaquim Castro Neves.
Apesar das fortes suspeitas sobre a Rede Ambiente, o município gondomarense, liderado pelo socialista Marco Martins, tomou a decisão de escolher esta empresa para lhe entregar, desde Julho de 2022, três contratos de ‘mão-beijada’ para recolha de resíduos que já totalizam cerca de 12,9 milhões de euros, de acordo com dados disponíveis no Portal Base, a plataforma de registo de compras públicas. [N.B. No Portal Base constam quatro ajustes directos, mas um deles está duplicado).
Estes ajustes directos sucedem a um contrato ganho por concurso público pela Rede Ambiente e EGEO em 2012, em consórcio, pelo valor de 35,8 milhões de euros. No concurso saíram derrotadas a Suma, a RRI e a Luságua. O prazo de execução foi de 10 anos, o que equivalia a um pagamento médio de quase 3,6 milhões de euros em cada ano de contrato. Mas a autarquia de Gondomar aceitou em Junho de 2021 fazer uma alteração contratual em simultâneo com a cedência de posição contratual por parte da EGEO. Assim, em acordos assinados em Junho de 2021 pelo vice-presidente Luís Araújo, a Câmara Municipal de Gondomar aceitou acrescentar mais cerca de 5,4 milhões de euros ao contrato inicial. Ou seja, o município, em 10 anos de recolha de lixos, pagou 41,2 milhões de euros, mais 15% do inicialmente contratado.
Marco Martins, presidente da Câmara Municipal de Gondomar. (Foto: Câmara Municipal de Gondomar. D.R.)
Na verdade, pagou mais, porque na adenda do contrato, a autarquia concordou em antecipar o término do contrato. De acordo com a cláusula da adenda de 2021, diz-se que “o prazo de vigência inicialmente fixado em dez anos, que terminaria em Março de 2023, será reduzido para Julho de 2022, sendo esta a data previsível do seu término, podendo cessar em momento anterior se for consumido o preço contratual”.
Em suma, se em 2021 a Câmara de Gondomar pensava gastar, através de concurso público, 35,8 milhões de euros ao longo de 120 meses, afinal acabou por pagar 41,2 milhões de euros por 112 meses. Contas feitos, no contrato inicial (de 2012), cada mês custaria aos cofres autárquicos cerca de 300 mil euros; afinal, custaram quase 368 mil em cada mês. Portanto, um aumento das receitas da Rede Ambiente com este contrato próximo dos 23%.
Mas além deste acréscimo, a Rede Ambiente teve mais benesses, porque a autarquia de Gondomar não se preocupou em abrir concurso público com vista à recolha de resíduos para o período posterior a Julho de 2022. E começaram então os contratos de ‘mão-beijada’.
Para justificar a atribuição destes ajustes directos à Rede Ambiente, a autarquia presidida pelo socialista Marco Martins, mesmo sabendo-se que teve 10 anos para preparar novo concurso público, invocou alegados “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”, isto é, pela Câmara Municipal de Gondomar. Convém referir que o Código dos Contratos Públicos somente permite essa solução se a culpa pela “urgência imperiosa” não for da entidade adjudicante. Ora, é impossível crer que a autarquia de Gondomar não saberia prever a necessidade de continuar a recolher os resíduos e limpar as ruas do município.
Paulo Renato Reis, CEO do Grupo Terris, dono da Rede Ambiente, é um dos arguidos no processo ‘Ajuste Secreto’.
Além disso, a norma de excepção refere que os ajustes directos por “motivos de urgência imperiosa” só se justificam na “medida do estritamente necessário”, e o município liderado pelo socialista Marco Martins já vai com três ajustes directos à mesma empresa, desde Agosto de 2022, sendo que o mais recente, celebrado na passada sexta-feira, no montante de 4.325.704,91 euros, se prolongará até Setembro deste ano de 2024.
O anterior ajuste directo, no montante de 6.118.993,73 euros, foi celebrado a 29 de Dezembro de 2022, para a “aquisição de Serviços de Recolha de Resíduos Urbanos”, por um prazo de um ano.
E o primeiro deste contratos de ‘mão-beijada’ saíra no final de Julho de 2022, ao preço de 2.488.015,00 euros.
Assim, no total, através de três ajustes directos, sem qualquer concorrência, a Rede Ambiente vai encaixar por dois anos de prestação de serviços (Agosto de 2022 a Setembro de 2024) um total de 12,9 milhões de euros, o que dá uma média de 537 mil euros por cada mês. Recorde-se que, com as alterações contratuais, entre Março de 2012 e Julho de 2022, a Rede Ambiente encaixara 368 mil euros por mês, Portanto, os ajustes directos têm um ‘desvio’ para cima de 46%. Coisa pouca.
O PÁGINA UM questionou a Câmara Municipal de Gondomar sobre o porquê da não realização de concurso público para a escolha de um prestador de serviços de recolha de resíduos, a partir de 2022, ano em que terminou o contrato em vigor com a Rede Ambiente. Também indagou o município sobre como foi definido o preço que consta nos contratos feitos por ajuste directo, mas até à hora de publicação deste artigo, o município não enviou respostas.
A Rede Ambiente – Engenharia e Serviços é uma sociedade anónima presidida agora por Lília Maria Matias da Costa, e tem a sua sede num armazém na freguesia de Santa Cruz/ Trindade e Sanjurge, no concelho de Chaves, segundo dados da sociedade no portal do Ministério da Justiça onde constam os registos societários.
Já o Grupo Terris, a holding onde se integra a Rede Ambiente, tem sede em Gondomar, e controla também a Ecorede, a Vector Estratégico e a Finis.
De acordo com o Portal Base, desde 2010 a Rede Ambiente facturou 135 milhões de euros com entidades públicas em 89 contratos . Nos últimos dois anos, a maioria dos contratos públicos desta empresa foi após um procedimento de consulta prévia ou concurso público. Nos ajustes directos, além dos que conseguiu com o município de Gondomar, contam-se dois com municípios, mas por valores muitos mais baixos e de curta duração: com a autarquia de Santo Tirso, no valor de 677.806, por 150 dias, e com a freguesia de Ermesinde, no montante de 75 mil euros, por apenas 92 dias
(Foto: Câmara Municipal de Gondomar. D.R.)
O maior contrato obtido pela Rede Ambiente em 2023 foi com a autarquia de Amarante, num “concurso limitado por prévia qualificação”, para o fornecimento de serviços por 10 anos, num valor de 27,1 milhões de euros, tendo ganho este procedimento em parceria com a Ecorede.
O terceiro maior contrato, foi angariado junto do município do Barreiro, através de concurso público, gerando uma receita de 3,960 milhões de euros, em prestações de serviço a efectuar por dois anos.
Mesmo assim, a Ecorede é a empresa do Grupo Terris que encaixou mais com entidades públicas: os 182 contratos valeram-lhe já 159 milhões de euros.
O mais recente contrato entre a Rede Ambiente a o município de Gondomar integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 29 de Dezembro de 2023 e 1 de Janeiro de 2024. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
ET / PAV
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Nos últimos quatro dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 1479 contratos públicos, com preços entre os 2,50 euros – para aquisição de medicamentos, pela Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano, através de ajuste directo – e os 30.850.000,00 euros – para melhoria das condições de segurança e circulação do IP8 (EN259), pela Infraestruturas de Portugal, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 32 contratos, dos quais 16 por concurso público, 13 ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
A empresa imobiliária de Tony Carreira e da ex-mulher, que também detém a sua empresa de espectáculos, tem registado sucessivos lucros, aumentando os capitais próprios em 9,6 milhões de euros desde 2019. Mas este sucesso não tem sido apenas por razões de negócios, mas também por via contabilística e fiscal. Sem ser dada qualquer explicação, a holding familiar Regibusiness teve no ano passado receitas recorde de mais de 10 milhões de euros, mas na hora de ser tributada por lucros de 3,3 milhões de euros só teve de pagar menos de 78 mil euros ao Fisco, uma taxa de IRC de apenas 2,34%. Tony Carreira não quis explicar ao PÁGINA UM – que mostra todas as demonstrações financeiras da Regibusiness desde 2018 –, este ‘milagre financeiro’ nem se, com tão elevado património, fez algum donativo significativo à Associação Sara Carreira para efeitos de benefícios fiscais.
A holding familiar de Tony Carreira, a sociedade anónima Regibusiness, obteve benefícios fiscais que implicaram uma poupança no pagamento de impostos de cerca de 600 mil euros no ano passado, sem que as demonstrações financeiras, disponíveis na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA) indiciem uma justificação válida, tendo em conta os exercícios anteriores e os resultados líquidos.
O cantor – cujo verdadeiro nome é António Manuel Mateus Antunes, que detém 49,98% deste empresa criada em 2006, sendo que uma participação idêntica é detida pela sua ex-mulher Maria Fernanda Antunes – não mostrou disponibilidade em esclarecer as causas deste benefício fiscal tão elevado. O património de Tony Carreira e da sua ex-mulher, concentrado na Regibusiness – e que não distribui dividendos – tem aumentado significativamente nos últimos quatro anos. Em 2018, os capitais próprios eram de cerca de 6,9 milhões de euros, tendo aumentado quase 9,6 milhões em quatro anos, cifrando-se em cerca de 16,5 milhões de euros.
Por norma, as empresas encontram-se sujeitas a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) à taxa de 17% sobre a matéria coletável até 25.000 euros, e à taxa de 21% na parte que exceda. Estas taxas poderão ser maiores se, por exemplo, houver despesas indocumentadas, ou serem bastante menores se houver despesas ou investimentos abrangidos pelo Estatuto dos Benefícios Fiscais. Também pode ser menor se houver prejuízos em anos anteriores, abatendo-se assim à matéria colectável que resultará numa menor taxa efectiva de imposto.
Mas esse não é o caso da Regibusiness, uma empresa que tem como objecto social “a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, gestão de imóveis próprios e alheios, investimentos turísticos, exploração hoteleira e similares”, além de deter também a empresa de espectáculos Regi-Concerto, que gere a carreiras de Tony Carreira e dos seus filhos Mickael e David.
O PÁGINA UM analisou as demonstrações financeiras da Regibusiness desde 2018 e em nenhum ano houve prejuízos, revelando uma situação sólida, e em crescimento, apesar de em 2019 tal não ter sucedido porque houve incorporação de cerca de 1,35 milhões de euros em ganhos de subsidiárias (Regi-Concerto). Nesse ano, aliás, por via disso, a Regibusiness não pagou IRC, apesar de resultados antes dos impostos de cerca de 1,26 milhões. Mas a sua subsidiária pagou.
Tony Carreira, o filho Mickael e a ex-mulher Fernanda são os administradores da Regibusiness.
Nos outros anos anteriores a 2022, a holding de Tony Carreira pagou sempre uma taxa efectiva de IRC acima de 20%. Em 2018, com vendas e prestação de serviços de apenas 257 mil euros, a família do cantor viu ser-lhe aplicada uma taxa efectiva de imposto de 30,45%, desembolsando para o Fisco 81.004 euros. Em 2020, as vendas e prestações cresceram para os 1,33 milhões de euros, e por essa via os resultados antes dos impostos de um pouco mais de 500 mil euros tiveram tributação de 25,55%, que representou um pagamento ao Estado de 128.653 euros.
Por fim, no ano de 2021, para vendas e prestações de serviços que resultaram em resultados antes dos impostos de cerca de 750 mil euros, a Regibusiness foi obrigada a pagar à Autoridade Tributária e Aduaneira 151.791 euros, portanto um tributo de 20,19%.
É neste contexto que as contas para o ano de 2022 causam estranheza pelo baixíssimo tributo pago. A Regibusiness contabilizou mesmo um ‘ano de ouro’ com as vendas e prestações de serviços a atingirem quase 10,5 milhões de euros, ou seja, um crescimento de 746% face a 2021. Em consequência, os resultados antes dos impostos cifraram-se em mais de 3,3 milhões de euros, ou seja, mais que quadruplicaram.
Assim, se às contas de 2022 da Regibusiness tivesse sido aplicada a taxa efectiva de imposto de 2021 (20,19%), Tony Carreira e família teriam necessidade de desembolsar quase 670 mil euros para o Fisco. Mas pelas contas entregues, e por agora aceites pela Autoridade Tributária e Aduaneira, a Regibusiness apenas teve de pagar 77.706 euros, correspondendo assim a um IRC de 2,34%.
Deste modo, Tony Carreira e a sua ex-mulher puderam acumular ao seu pecúlio um lucro líquido de 3.239.188 euros em apenas um ano, acumulando assim a Regibusiness um capital próprio de mais de 16,5 milhões de euros no final de 2022.
Sem qualquer explicação de Tony Carreira – que surge como presidente do Conselho de Administração da Regibusiness (os outros administradores são a ex-mulher e o seu filho Mickael) –, ignora-se assim quais os motivos contabilísticos para tamanho benefício fiscal num ano de recorde de receitas e de lucros.
Tony Carreira também nunca explicou se, durante o ano de 2022, a Regibusiness e a Regi-Concerto fizeram algum donativo substancial, incluindo propriedades, à Associação Sara Carreira, criada em memória da filha do cantor e que recebeu em tempo recorde o estatuto de utilidade pública. Com esse estatuto, concedido pela Secretaria de Estado da Presidência do Conselho de Ministros em Dezembro de 2022, os doadores conseguem, a partir desse ano, que o valores entregues à Associação Sara Carreira sejam “considerados custos em valor correspondente a 140 % do respetivo total, quando se destinarem exclusivamente à prossecução de fins de caráter social, a 120 %, se destinados exclusivamente a fins de caráter ambiental, desportivo e educacional, ou a 130 % do respetivo total, quando forem atribuídos ao abrigo de contratos plurianuais celebrados para fins específicos, que fixem os objetivos a prosseguir pelas entidades beneficiárias, e os montantes a atribuir pelos sujeitos passivos”.
A Associação Sara Carreira – que apenas tem como sócios os seus familiares, o pai Tony Carreira, a mãe Fernanda e os irmãos Mickael e David –, e que compartilha a sede com a Regi-Concerto, detida pela Regibusiness,tem recusado, por agora, disponibilizar elementos contabilísticos sobre os seus doadores. Uma situação que vai contra as condições impostas pelo Governo para usufruto do estatuto de utilidade pública e seus benefícios fiscais.
No seguimento de diligências que teve como objectivo esclarecer o estatuto de utilidade pública da Associação Sara Carreira, a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros disponibilizou ao PÁGINA UM todo o processo onde, de forma clara, se salienta que as entidades que o recebem “tem o dever”, entre outros, de “assegurar a transparência da gestão através da possibilidade de acesso aos documentos relativos à sua gestão financeira e patrimonial a quem demonstrar ser titular de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido”, como é o caso dos jornalistas, aplicando-se o regime de acesso aos documentos administrativos.
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Este ano, um conjunto de 10 concertos intimistas, com bilhetes pagos, dinamizado pelo cantor Tony Carreira, e que promove também o Modelo Continente, recebeu cerca de 100 mil euros de autarquias locais em apoios à produção. Tanto a Regi-Concerto, a empresa de espectáculos do próprio Tony Carreira, como outras ‘produtoras amigas’ foram as beneficiadas com dinheiros públicos. Contas feitas, o tour solidário movimentou cerca de 200 mil euros, entre apoios públicos e venda de bilhetes –maquia suficiente para Tony Carreira financiar a associação em memória da filha, distribuir donativos e fazer ganhar dinheiro a produtoras, saindo, no ‘fim do filme’, como um benfeitor, um ‘mecenas’.
Nos concertos solidários que Tony Carreira realizou ao longo de 2023, a sua empresa Regi-Concerto conseguiu apoios financeiros das autarquias onde se realizaram os espectáculos superiores ao valor dos donativos a instituições locais que anunciou na semana passada.
Numa consulta ao Portal Base para detectar apoios financeiros concedidos à produção do denominado Tour por Todos, constata-se que oito dos 10 municípios que receberam o artista acabaram por pagar montantes entre os 6.500 e os 19.000 euros, mesmo sabendo-se que os espectáculos tinham bilhete pago (15 euros).
No total, os municípios de Vila Nova de Gaia, Moita, Lousã, Mirandela, Guarda, Sintra, Faro e Amarante, com recurso a dinheiros públicos, entregaram um total de 100.860 euros para apoio aos concertos solidários de Tony Carreira, que ainda registaram receitas de bilheteira de 98 mil euros. Não se apurou ainda se as Câmaras Municipais de Torres Vedras e Ílhavo – onde se realizaram concertos em Setembro – disponibilizaram apoios financeiros à produção. Note-se que os concertos, em ambiente intimista, realizaram-se em espaços públicos sem pagamento de qualquer verba. Ou seja, os custos de produção foram mínimos.
Em dois desses concertos (Vila Nova de Gaia e Amarante), quem recebeu o apoio financeiro foi directamente a Regi-Concerto. No caso do município de Gaia, onde o concerto se realizou em 18 de Março, a empresa de Tony Carreira recebeu 10.000 euros, enquanto a Câmara Municipal de Amarante entregou este mês, pelo concerto de 9 de Dezembro, mais 9.500 euros.
Deste modo, incluindo IVA dedutível, Tony Carreira recebeu, através da sua empresa, 23.985 euros, ou seja, valor superior ao donativo-extra anunciado. Além disso, se for a Regi-Concerto a fazer formalmente o donativo às instituições locais, a empresa terá um benefício fiscal no final do ano, implicando que possa pagar menos cerca de sete mil euros de impostos.
Contudo, indirectamente, Tony Carreira poderá ter beneficiado ainda mais com estes concertos solidários, porque acabou por indicar produtoras com quem mantém relações comerciais para serem elas a receber os apoios públicos. Assim, o concerto nos municípios da Moita (25 de Março) e de Faro (15 de Outubro) foram produzidos pela empresa Adriana Sousa Unipessoal, que recebeu um total de 24.600 euros (IVA incluído).
A empresa Simultâneo de Ideias e Música produziu os concertos em Mirandela (12 de Maio) e na Guarda (20 de Maio), recebendo das autarquias um total de 31.980 euros. Por fim, a Rui Almeida Management produziu o concerto no Centro Cultural Olga Cadaval em Sintra, no dia 23 de Setembro, recebendo 7.995 euros daquela autarquia, e a empresa Eventis recebeu 12.300 euros pela produção do concerto na Lousã em meados de Abril.
Deste modo, considerando as receitas totais, entre apoios públicos e venda de bilhetes, o tour solidário de Tony Carreira movimentou cerca de 200 mil euros, mas somente 69.000 euros terão seguido para instituições de apoio local: 49.000 euros por metade das receitas de bilheteira (sendo que outro tanto foi para a Associação Sara Carreira) mais os 20 mil euros extra de donativos anunciados pelo cantor.
Tour solidário promoveu também a Missão Continente, mas recebeu sempre apoios financeiros das autarquias que cederam ainda os espaços para os concertos.
Ou seja, tudo ‘espremido’, pela realização do Tour por Todos, as instituições locais de solidariedade social receberam 69.000 euros (a confirmar-se o donativo extra de 20 mil euros), que confronta com os cerca de 100.000 euros, pelo menos, gastos por autarquias locais para pagamentos dos tais concertos solidários.
E o resto ‘esvaiou-se’ em receitas das empresas produtoras, incluindo a Regi-Concerto de Tony Carreira, o cantor romântico que ainda pôde receber os ‘aplausos’ públicos por ser benemérito após tantos financiamentos públicos. Convenhamos que, em termos de ‘saldo solidário’, o maior beneficiário é assim o benemérito.
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‘Ano Novo, Vida Velha’ para a empresa do cantor André Sardet, Domingo no Mundo, que começa 2024 com mais um espectáculo pago por entidades públicas através de ajuste directo. Desta vez, a produtora de espectáculos e organizadora de eventos do conhecido cantor encaixou 247,9 mil euros para organizar o concerto de passagem de ano no Terreiro do Paço, em Lisboa.
O contrato foi feito sem concurso pela EGEAC-Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural, que é a entidade responsável pela gestão dos espaços culturais da capital.
O palco para o espectáculo de passagem de ano já estava montado, esta tarde, do Terreiro do Paço, em Lisboa. (Foto: Maria Afonso Peixoto)
Segundo o contrato assinado no dia 27 de Dezembro e publicado ontem no Portal Base, a plataforma das compras públicas, o negócio foi efectuado por ajuste directo e envolve a montagem e produção do espectáculo anual para celebrar a passagem de ano na célebre praça lisboeta, junto ao Tejo.
O espectáculo consiste num evento a ter lugar entre as 21H30 do dia 31 de Dezembro e as 01H00 de 1 de Janeiro de 2024 que inclui um concerto de ‘Os Quatro e Meia’ e a actuação do DJ Nuno Luz, antes e após a entrada em palco da banda de Coimbra.
O contrato prevê que entre os dias 26 e 29 de Dezembro tenha lugar “a montagem de estruturas e equipamento de som, imagem e iluminação”, incluindo ecrãs. O dia 30 fica reservado para ensaios de som e luz.
O cantor André Sardet detém quase todo o capital da empresa de entretenimento Domingo no Mundo que já ganhou 11,5 milhões de euros em contratos com entidades públicas nos últimos 14 anos.
Já em Junho deste ano, a mesma empresa encaixou 110,5 mil euros da EGEAC num ajuste directo para a “a contratação da aquisição de serviços de conceção, coprodução e apresentação ao público do programa de Encerramento das Festas de Lisboa 2023”.
A Domingo no Mundo, com um capital social de 5.000 euros, é detida maioritariamente pelo conhecido cantor, cujo nome completo é André Miraldo Sardé Pires, que tem uma participação de 4.900 euros no capital.
Esta é, de resto, a quarta vez que a empresa de André Sardet é contratada pela EGEAC para organizar a festa de passagem de ano em Lisboa, sempre através de ajuste directo. Antes, a Domingo no Mundo já tinha sido a responsável pela principal festa de passagem de ano da autarquia lisboeta em 2009, 2016 e 2018.
Num primeiro contrato, a empresa recebeu 100 mil euros num ajuste directo pela prestação de “serviços de produção referentes à passagem de Ano 2009 na Torre de Belém”. A EGEAC não indicou no Portal Base qualquer justificação para o ajuste directo, referindo apenas “não aplicável” no campo relativo à fundamentação.
(Foto: Maria Afonso Peixoto)
Em 2016, ganhou da EGEAC, também sem concurso, a verba de 164.172 euros para a “prestação de serviços com vista a assegurar a contratação dos artistas para o evento “Fim de Ano – Lisboa”, a realizar de 30 de dezembro de 2016 a 1 de janeiro de 2017″. Também neste caso indicou “não aplicável” na alínea relativa à fundamentação para o recurso à forma do ajuste directo.
A última vez que tinha organizado o espectáculo de passagem de ano da autarquia lisboeta foi em 2018, num ajuste directo que lhe valeu uma receita de 193.200 euros relativa a “Passagem de Ano 2018-2019- Contratação da Prestação de Serviços de Coprodução e apresentação ao público dos espetáculos de Daniel Pereira Cristo, Richie Campbell e de Fogo-de-artifício, no âmbito do programa de Celebração da Passagem de Ano 2018-2019”. Neste caso, a justificação dada pela EGEAC para o ajuste directo foi “por motivos artísticos e de proteção de direitos exclusivos de representação dos artistas e criadores envolvidos nos espetáculos”
No total, a EGEAC já rendeu à Domingo no Mundo mais de 815 mil euros em ajustes directos adjudicados desde 2009, dos quais 715 mil euros foram contratados nos últimos oito anos.
O portfólio da Domingo no Mundo, na sua página na Internet, inclui o espectáculo de passagem de fim de ano no Terreiro do Paço, em 2018. A empresa já tinha organizado a festa de passagem de ano da autarquia lisboeta de 2016 e 2009. (Foto: captura de ecrã)
O PÁGINA UM questionou, por e-mail, o presidente da EGEAC, Pedro Moreira, sobre o porquê da escolha da empresa Domingo no Mundo para a realização do espectáculo em causa e também sobre como foi definido o preço a pagar e se foram contactadas outras organizadoras de eventos/produtoras.
Em resposta por e-mail às perguntas do PÁGINA UM, a assessora de imprensa da EGEAC, Susana Branco, afirmou que “todos os anos a EGEAC recebe propostas de vários promotores culturais para o espetáculo de Passagem de Ano, selecionando a que melhor se enquadre no perfil definido para o ano em questão e que assegure a representatividade dos artistas pretendidos, bem como apresente algumas componentes de inovação”.
Escreveu ainda que “selecionada a proposta, desenvolve-se o processo que permite assegurar todas as condições do espetáculo, concretizando-se, assim, o contrato”. Quanto ao preço pago pelo espectáculo, apenas indicou que “a EGEAC dispõe de um orçamento para a Passagem de Ano pelo que a proposta selecionada terá de se enquadrar nessa vertente orçamental”.
O Terreiro do Paço, em Lisboa, tem sido o local predilecto para a organização de um espectáculo de passagem de ano pelo município da capital. (Foto: Maria Afonso Peixoto)
Ou seja, ao invés de a EGEAC lançar um concurso, com um caderno de encargos, em que várias empresas apresentam as respectivas propostas, aquela entidade municipal opta pela opacidade de anunciar meramente um contrato com uma empresa que selecciona num processo nada transparente.
Isto porque se desconhecem as restantes “propostas” de outras empresas que chegaram à EGEAC com vista à montagem e produção do espectáculo de passagem de ano.
Vista das estruturas do palco montado para o concerto de passagem de ano estão já montados no Terreiro do Paço, em Lisboa. (foto: Maria Afonso Peixoto)
Só em 2023, a Domingo no Mundo assinou 22 contratos com entidades públicas, dos quais 14 foram por ganhos por ajuste directo, enquanto os oito contratos restantes foram conseguidos após um procedimento de ‘consulta prévia’ ou ‘concurso público’.
Dos contratos assinados pela Domingo no Mundo com entidades públicas em 2023, o de maior valor, no montante de quase 402 mil euros, foi feito em Agosto, por ajuste directo, com a autarquia de Lagoa.
No mesmo mês, a empresa de André Sardet fechou um contrato por ajuste directo, no valor de 129.560 euros, com a autarquia de Condeixa-a-Nova, pela “aquisição de serviços de produção artística e logística para a realização das Festas de Santa Cristina 2023”.
O mais recente contrato entre a Domingo no Mundo e a EGEAC integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 22 e 28 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
ET / MAF
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Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 21 contratos, dos quais 11 por concurso público, sete ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
Por vezes, em serviços de limpezas, há contratos públicos. E bem chorudos. No Portal Base, consta um contrato da Guarda Nacional Republicana para serviços de limpezas no valor de 8.088.304,46 euros, que com IVA atinge quase os 11 milhões de euros. Assinado em Abril de 2021, foi ganho pela empresa Fine Facility Services, para limpar as cerca de meio milhar de instalações daquela força militarizada, por um período de 18 meses.
Não foi apenas esse lote que a Fine Facility Services venceu. Neste concurso público foram a jogo mais sete lotes, incluindo serviços de limpeza da Polícia de Segurança Pública, da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil e do então Serviço de Estrangeiros e Fronteiras. E tão apetecível era este concurso que 21 empresas de limpezas se mostraram interessadas, embora a Fine Facility Services tenha arrecadado seis dos oito lotes, sendo que os restantes (com montantes a rondar os 500 mil euros) foram ganhos pela KGS Services e pela Interessantequação. Até aqui tudo bem, como devia ser com dinheiros públicos: concurso aberto; que ganhe o melhor e com a melhor proposta.
Terá ajudado à vitória da Fine Facility Services, no caso da GNR, a existência de uma relação anterior, por ajuste directo. Aliás, no trimestre anterior à entrada em vigor do contrato resultante do concurso público, a empresa de limpeza ‘sacara’ um ajuste directo por três meses no valor de 1,5 milhões de euros.
Apesar deste forte sinal de concorrência – patente em 21 empresas concorrentes –, a GNR acabou por deixar passar os 18 meses, tendo o contrato com a Fine Facility Services expirado em finais de Setembro do ano passado. Acertos feitos, porque o preço acaba também por ser em função das horas de trabalho, a empresa de limpezas recebeu por esse contrato, resultante de concurso público, um total de cerca de 8,1 milhões de euros.
Mas as ligações negociais entre a GNR e a Fine Facility Services mantiveram-se após essa data mas com todas as facilidades e arredando concorrência, burocracias e papeladas.
Com efeito, de acordo com um levantamento do PÁGINA UM, desde o quarto trimestre de 2022 – portanto, em pouco mais de um ano –, o Comando-Geral da GNR celebrou oito ajustes directos com a Fine Facility Services cuja soma já ultrapassa os 11 milhões de euros, alcançando os 13,6 milhões de euros caso se inclua o IVA.
Todos estes contratos têm em comum uma gritante falta de transparência, senão pior. O primeiro destes contratos por ajuste directo foi assinado em 21 de Outubro de 2022, com um prazo de execução de 92 dias, tendo ficado estipulado um montante de 1.513.128,89 euros. Como o contrato teve efeitos retroactivos ao início do mês de Outubro, deveria finalizar no último dia desse ano. Mas o contrato foi encerrado antecipadamente no meio do mês de Dezembro, com o pagamento praticamente integral do preço contratual, e a GNR decidiu celebrar novo ajuste directo apenas por 15 dias.
Mas o contrato para a limpeza das instalações da GNR durante a segunda quinzena de Dezembro, no valor de 320.380,87 euros somente foi celebrado no último dia útil do ano de 2022, sexta-feira, dia 30. E diz-se celebrado, e não assinado, porque não houve sequer contrato escrito. E nem sequer se consegue compreender a razão deste contrato quinzenal, uma vez que o ajuste directo com duração de três meses já apresentava um valor médio mensal superior ao do contrato de 18 meses derivado do concurso público (500 mil euros vs. 450 mil euros).
Em todo o caso, as contas do ajuste directo para a segunda quinzena de Dezembro de 2022 só foram concluídas em Maio deste ano, sabendo-se que a GNR pagou então quase 220 mil euros por limpezas neste curto período. Curiosamente, sobre este contrato, surge no Portal Base a referência a ter deixado de “existir situações de incumprimento ou quaisquer valores em falta por parte da prestadora de serviços”.
Depois deste ajuste directo, a GNR tomou o gosto aos ajustes directos com a Fine Facility Services ao longo do ano de 2023, e sempre invocando a norma da “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, que só se justificariam se os acontecimentos imprevisíveis fosse a sujidade das centenas de postos da GNR no país. O mesmo argumento da “urgência imperiosa” serviu, aliás, para que o Comando-Geral da GNR deixasse de se preocupar com papeladas de contratos. Com efeito, dos seis contratos celebrados em 2023 não há um sequer que tenha contrato escrito, mesmo se fosse simples copiar os anteriores, uma vez que, presume-se, o tipo de limpeza e os postos a limpar ter-se-ão mantido. Ou não. Nada se sabe.
Apenas se sabe que os valores e a duração destes seis contratos de 2023 não seguem qualquer lógica, o que permite colocar o capricho como hipótese académica. Também as diferenças entre o preço contratual e o valor efectivamente pago não encontram uma lógica perceptível.
Assim, a meio de Janeiro deste ano celebrou-se um ajuste no valor de um pouco mais de 345 mil euros com uma duração de 21 dias. Acabou por se pagar um pouco mais de 252 mil euros. Depois deste, saiu um novo ajuste de montante mais avantajado, com início a 1 de Fevereiro, que se terá sobreposto ao ajuste directo anterior. Assim, por um pouco mais de dois milhões de euros, a Fine Facility Services ‘sacou’ de mão-beijada, sem os engulhos da concorrência, novo contrato por mais 122 dias. Porquê 122 dias? Não se sabe.
Tenente-General Rui Veloso, comandante-geral da GNR desde Setembro deste ano. Sucessão de ajustes directos para limpezas começaram antes da sua tomada de posse, mas não pararam.
Sabe-se apenas que, terminando este ajuste em 3 de Junho, a Fine Facility Services teve direito a mais outro ajuste directo sem contrato. Tudo na base da confiança. E assim, ainda antes de ter terminado o outro ajuste directo, integralmente pago, a GNR fez novo ajuste directo em 31 de Maio, desta vez com a duração de 153 dias. Pode-se dizer que o facto de existirem dois contratos em vigor para o mesmo serviço por três dias é um pormenor. Será assim, de facto, para contratos de milhões, mas sempre se pode adiantar que cada dia de limpeza das instalações da GNR custa ao erário público quase 17 mil euros.
Certo é que o contrato de 153 dias, celebrado pela GNR e a Fine Facility Services – e mais uma vez sem contrato escrito – terminou em 30 de Outubro e custou aos cofres do Estado mais 2.580.822,95 euros, atingindo quase 3,2 milhões de euros com IVA.
Depois de dois contratos de mão-beijada superiores a dois milhões de euros, o Comando da GNR terá decidido ser mais comedido, e fez mais outro, sem ser escrito, por um pouco mais de 513 mil euros. Também aqui houve um período de três dias em que terá havido dois contratos em vigor – ou seja, em que a GNR pagou a dobrar –, porque a data de celebração foi o dia 27 de Outubro. Grão a grão se desbarata. E se ganha. Este contrato teve duração de 30 dias, o que significaria que deveria terminar a 25 de Novembro.
Mas, talvez por motivos de acerto de contas, houve quase uma semana em que, desta vez, terá havido limpezas sem contrato, porque a GNR e a Fine Facility Services somente celebraram mais um novo ajuste directo no dia 1 de Dezembro. E, neste caso, por apenas 16 dias, pelo valor de 267.233,33 euros.
Por fim, como certamente era uma canseira para o Comando-Geral da GNR, mesmo sem ter de se assinar contratos, celebrar ajustes directos de 15 dias, 21 dias, 30 dias, 122 dias e 155 dias, no passado dia 15 decidiu-se que melhor seria conceder mais um ajuste directo à empresa do costume por 197 dias, basicamente por seis meses e meio. Custo deste ajuste: 3.695.493,21 euros, ou seja, mais de 4,5 milhões de euros. Sem contrato escrito porque os supostos motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis terão implicado a necessidade de “dar imediata execução ao contrato”, conforme está registado no Portal Base.
Uma vez até se acredita, por boa-fé, mas isto repetido oito vezes ao longo de menos de um ano, já necessita de outros esclarecimentos. Mas o departamento de comunicação da GNR, contactado pelo PÁGINA UM, comunicou por telefone que somente para a semana seria possível responder.
O mais recente contrato por ajuste directo entre a GNR e a Fine Facility Services integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no dia 15 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Ontem, dia 27 de Dezembro, no Portal Base foram divulgados 1425 contratos públicos, com preços entre os 3,24 euros – para aquisição de fusíveis, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, através de consulta prévia – e os 11.895.000,00 euros – para empreitada de construção da 2ª fase da Variante à cidade da Horta, pela Direcção Regional das Obras Públicas e Transportes Terrestres, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 21 contratos, dos quais nove por concurso público, oito ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste directo.
Business as usual. A Autoridade Tributária e Aduaneira did it again, e com a maior das naturalidades. Melhor explicando: Nuno Roda Inácio, subdirector-geral responsável pela área de recursos financeiros e patrimoniais da entidade que escrupulosamente vela pelos deveres dos contribuintes assinou mais um contrato milionário por ajuste directo invocando “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis“. Assim, desde 2017, para a Autoridade Tributária e Aduaneira limpar as suas instalações é uma “urgência imperiosa” que resulta da sujidade causada pelos seus funcionários e contribuintes, algo classificado como “acontecimentos imprevisíveis”. Com este esdrúxulo argumento tem-se justificado cerca de duas dezenas de contratos de ‘mão-beijada’ sempre à mesma empresa, a francesa Samsic.
O mais recente contrato por ajuste directo foi celebrado na passada sexta-feira, pelo valor de 928.016,85 euros, que com IVA se transforma em 1.141.460,73 euros, e abrange serviços que começaram já em Outubro e se finalizam no próximo domingo. Ou seja, como em casos anteriores, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou o início da prestação de serviços por uma empresa sem existir um contrato a suportá-lo, corrigindo a ilegalidade poucos dias antes do termo dessa aquisição.
Helena Borges, directora-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta situação recorrente da Autoridade Tributária e Aduaneira, ao arrepio do espírito subjacente ao Código dos Contratos Públicos – que considera a livre concorrência e a transparência como pilares da contratação pela Administração Pública – tinha sido detectada já pelo PÁGINA UM no passado mês de Outubro. Nessa altura, num levantamento ao Portal Base, o PÁGINA UM contabilizara, nos últimos sete anos, um total de 17 contratos por ajuste directo que envolveram um montante de 20.965.651 euros. Com IVA, que é dedutível pela empresa francesa, a conta chegava próximo dos 26 milhões de euros. Com este novo contrato sobe para 27 milhões. Parece quase o mesmo: é “só” mais um milhão de euros.
Tal como sucede com o mais recente contrato, e apesar de a limpeza de instalações ser um serviço perfeitamente programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, na generalidade dos casos, os contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic foram também assinados já no decurso do período de vigência. A entidade pública normalmente faz ajustes directos trimestrais, mas em outros casos abrangem outras durações sem se perceber os motivos.
Com este contrato, contabilizam-se seis ajustes directos em que a assinatura do contrato pela Autoridade Tributária – na generalidade a cargo de Nuno Roda Inácio, o subdirector-geral responsável pela área de recursos financeiros e patrimoniais – tem sido feita nas duas últimas semanas de vigência. Este dirigente ocupa o cargo, que inclui, por subdelegação, o estabelecimento de contratos, desde 2015, tendo sido nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque. Antes, e desde 2009, Roda Inácio já ocupava funções de relevo na “máquina fiscal’.
Todos estes contratos da Samsic foram assinados por Roda Inácio, embora em alguns o seu nome seja indevidamente rasurado alegando-se o Regulamento Geral da Protecção de Dados. Estão neste lote os dois últimos contratos: o ajuste directo abrangendo o período Abril a Setembro, e o ajuste directo do último trimestre deste ano. Nos elementos disponibilizados nunca são identificadas as instalações a limpar.
O PÁGINA UM não detectou qualquer anúncio de concurso público no Portal Base para aquisição de serviços de limpeza por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que se deduz, pelo histórico, que se o deixarem o subdirector-geral Roda Inácio fará ‘rodar’ mais um ajuste directo milionário para a Samsic.
A forma como os diversos contratos de limpeza têm sido celebrados entre a Autoridade Tributária e a Samsic deixam sérias dúvidas de legalidade, havendo mesmo dois casos onde se evidenciam fortes indícios de terem sido forjados. Em grande parte dos casos, para justificar a assinatura de contratos enquanto já decorriam os serviços a prestar, invoca-se a retroactividade.
Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.
Mas essa modalidade, que só pode ocorrer em situações excepcionais e devidamente justificadas – e não por norma, como sucede nestes contratos de limpeza –, só pode ser aplicada se não impedir, restringir ou falsear a concorrência prevista no Código dos Contratos Públicos. Ora, sistemáticos ajustes directos com eficácia retroactiva de contratos constituem restrições de concorrência, até porque não se vislumbra qualquer motivo razoável para que, desde 2017, não se consiga pôr em pé um concurso público e que opte por sistemáticos ajustes directos assinados ‘tarde a más horas’.
Mas há dois casos particulares no lote de 18 ajustes directos que se revestem de ainda maior gravidade. Conforme em Outubro passado o PÁGINA UM revelara, no primeiro trimestre de 2018 – depois de três contratos em 2017, o último dos quais terminara em 31 de Dezembro –, a Autoridade Tributária e a Samsic decidiram assinar um novo contrato por ajuste directo por um prazo de 287 dias.
Ministério das Finanças teve tempo em Outubro para apresentar o gato Faísca à imprensa, mas não teve tempo ainda, nos últimos três meses, para explicar os estranhos ajustes directos da Autoridade Tributária e Aduaneira para aquisição de serviços de limpeza
A vigência desse contrato de 2018 iniciava-se no dia 19 de Março e terminava a 31 de Dezembro, mas existem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual entre 1 de Janeiro e 18 de Março. Com efeito, enquanto o preço médio diário das limpezas em 2017 foi de 6.626 euros, o contrato de 2018 (com 287 dias de duração) ficou por 8.837 euros por dia. Ou seja, um aumento de 33%. Se o contrato de 2018 tivesse sido estabelecido para os 365 dias do ano, o custo diário era de 6.949 euros, aproximando-se assim daquele que fora o do ano anterior.
No ano seguinte, em 2019, repetiu-se o expediente para compensar mais ‘acertos’ em limpezas sem contrato, mas com sinais de fraude ainda muitíssimo mais evidentes. Nos primeiros dois meses e meio não se encontra qualquer contrato de limpeza que tenha estado em vigor, mas em 19 de Março desse ano, a Autoridade Tributária decidiu fazer mais um muito suspeitoso ajuste directo beneficiando a Samsic.
Com uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 e expirava a 31 de Março, envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.
Ajuste directo de Março de 2019 só vigorou por 13 dias a um preço diário exorbitante e terá sido o segundo contrato suspeito de ter sido ‘forjado’. Generalidade dos contratos foram assinados quando o prazo de vigência estava a decorrer; em alguns casos quase a terminar.
Para confirmar as fortíssimas suspeitas de contrato forjado em Março de 2019 acrescente-se que os contratos de limpeza a partir de 2020 apresentam um preço médio diário a rondar os 10.000 euros por dia.
Saliente-se também que, desde 2017, os seis maiores contratos por ajuste directo assinados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, qualquer um deles acima de um milhão de euros, foram sempre no sector da limpeza e todos a beneficiar a Samsic.
Em Outubro, o PÁGINA UM insistiu várias vezes junto do Ministério das Finanças para comentar estes ajustes directos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, mas, mantendo-se válidas as perguntas não respondidas, decidiu-se não renovar as questões.
O mais recente contrato entre a Samsic e Autoridade Tributária e Aduaneira integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 22 e 25 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
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Nos últimos quatro dias, de sexta-feira passada até ontem, no Portal Base foram divulgados 1.096 contratos públicos, com preços entre os 1,30 euros – para aquisição de sal, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, através de consulta prévia – e os 10.068.125,17 euros – para fornecimento de combustíveis rodoviários, pela Guarda Nacional Republicana, ao abrigo de acordo-quadro.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 26 contratos, dos quais 13 por concurso público, nove ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 18 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: dois da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (um com a Siemens, S.A., no valor de 999.346,83 euros, e outro com a Intergaup, no valor de 760.885,00 euros); Autoridade Tributária e Aduaneira (com a Samsic – Facility Services, no valor de 928.016,85 euros); Município de Lisboa (com a Vítor Lança – Construções, no valor de 674.170,87 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (um com a Derichebourg Facility Services, no valor de 458.324,51 euros, e outro com CSL Behring, no valor de 196.900,00 euros); Município de Oeiras (com a Associação Informática da Região Centro, no valor de 423.345,00 euros); C. E. C. D. Mira Sintra – Centro de Educação para o Cidadão Deficiente (com a Mercedes-Benz Retail, no valor de 274.320,00 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a ITAU – Instituto Técnico de Alimentação Humana, no valor de 255.965,29 euros, e outro com a Sanofi, no valor de 251.878,50 euros); Município de Vila Franca de Xira (com a Medidata.Net – Sistemas de Informação para Autarquias, no valor de 235.356,14 euros); Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (com a Novo Nordisk, no valor de 216.702,60 euros); Município de Viana do Alentejo (com a Inovbuild, Construção, no valor de 185.399,84 euros); Universidade de Coimbra (com a The Mathworks, SL, no valor de 158.113,64 euros); Universidade do Porto (com a Headhunter Systems Limited, no valor de 124.128,04 euros); Polícia Judiciária (com a Life Technologies Europe B.V., no valor de 117.906,40 euros); Município de Gondomar (com a Construções Pardais – Irmãos Monteiros, no valor de 106.368,00 euros); e o Instituto Politécnico do Porto (com a Paralab – Equipamentos Industriais e de Laboratório, no valor de 100.650,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 22 a 25 de Dezembro
Na semana passada saiu mais uma ‘prenda’ para a sociedade de advogados Vieira de Almeida: um ajuste directo, entregue de mão-beijada pelo Banco de Portugal, para ainda tratar da resolução do BES. Sobretudo a partir de 2018, a conta desta sociedade de advogados tem aumentado, com mais seis contratos a ultrapassarem os 22 milhões de euros, sempre sem concorrência, porque o regulador liderado por Mário Centeno alega que não há mais ninguém capaz de fazer o mesmo (ou melhor). Mas os contratos e as peças procedimentais nem sequer explicitam em concreto o objecto dos sucessivos ajustes directos. O Banco de Portugal disse ao PÁGINA UM que a manutenção da Vieira de Almeida se justifica por “interesse público”e que a aplicação das regras deontológicas e eventuais conflitos de interesses, “atento o tipo de litigância em causa, reduz em termos muitíssimo substanciais o universo de possíveis adjudicatários.” Mas não apresenta provas de que esses critérios levem à completa ausência de concorrência, o que pode implicar a ilegitimidade na invocação da norma para afastar concorrentes.
Não há 12 sem 13. A sociedade de advogados Vieira de Almeida garantiu na semana passada o 13º ajuste directo do Banco de Portugal desde 2011, desta vez no valor de 4,6 milhões de euros, IVA incluído, mas as receitas tem estado a aumentar de forma espantosa desde há cinco anos.
De acordo com o Portal Base, os contratos de mão-beijada entre a instituição liderada por Mário Centeno e esta conhecida sociedade de advogados tem ganhado contornos de grande intimidade desde 2018, não tanto pelo número de contratos mas pelos elevados montantes envolvidos sem que haja qualquer concorrência. Com efeito, se o número de contratos entre 2011 e 2017 até são superiores ao do período a partir de 2018 (sete vs. seis), as verbas envolvidas passaram a atingir verbas astronómicas para simples aquisição de serviços que, em abono da verdade, constitui trabalho intelectual sob a forma de trabalho jurídico.
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.
Somando os sete contratos entre 2011 e 2017 (sete anos), a Vieira de Almeida facturou ao Banco de Portugal um total de 7,38 milhões de euros (IVA incluído), enquanto os contratos a partir de 2018 (seis anos) já ascendem aos 22,33 milhões de euros (IVA incluído). De entre os contratos a partir de 2018 destacam-se cinco contratos de valor (sem IVA) igual ou superior a 2,5 milhões de euros: o primeiro assinado em Junho de 2018 (4,85 milhões de euros), o segundo em Fevereiro de 2020 (quase 4,37 milhões de euros), o terceiro em Novembro do mesmo ano (2,5 milhões de euros), o quarto e o quinto em Outubro e Dezembro de 2023, respectivamente de 1,8 milhões e 3,75 milhões de euros.
A divisão dos contratos de mão-beijada entregues pelo Banco de Portugal antes e depois de 2017 não se deve apenas à diferença de montantes. Também o alegado fundamento para o ajuste directo se alterou. Antes de 2017, o Banco de Portugal justificou a não abertura de concurso público e a adjudicação directa à Vieira de Almeida invocando uma excepção no Código dos Contratos Públicos em que, com jeitinho, cabe tudo.
Com efeito, no artigo invocado refere-se que se pode escolher o ajuste directo se “a natureza das respectivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual ou a serviços financeiros indicados na categoria 6 do anexo II-A da Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam qualitativamente definidos atributos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 74.º, e desde que a definição quantitativa, no âmbito de um procedimento de concurso, de outros atributos das propostas seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objectivos da aquisição pretendida”.
Sociedade Vieira de Almeida tem ‘coleccionado’ ajustes directos com o Banco de Portugal sem o incómodo da concorrência.
Portanto, quando não se quer lançar um concurso público em aquisição de serviços, esta norma mais do que vaga serve a contento. Mas com o aumento dos montantes, com contratos acima de 2,5 milhões ou até acima de 4 milhões de euros, o Banco de Portugal terá achado ser abusivo manter a mesma desculpa. E arranjou outra, que tem o condão de ser ainda pior, porque, enquanto entrega de mão-beijada milhões à Vieira de Almeida, passa um autêntico atestado de incompetência à generalidade das outras sociedades de advogados, e a todos os advogados em geral.
De facto, em todos os seis últimos contratos entre estas duas entidades invoca-se a norma que possibilita uma excepção ao concurso público (ou a outros procedimentos em que há concorrência) se “o objeto do contrato só possam ser confiadas a determinada entidade” no caso concreto em que “não exista concorrência por motivos técnicos”. Ou seja, o ajuste directo justificar-se-á por mais nenhuma sociedade de advogados nem outro qualquer advogado em Portugal (ou no estrangeiro) se mostram capazes de fazer o trabalho da Vieira de Almeida para o Banco Portugal.
Não se consegue saber como o Banco de Portugal conseguiu saber isso, porque jamais houve sequer um concurso público anterior ou sequer uma consulta prévia, nem tão-pouco se conhecem declarações públicas de outras sociedades de advogados a proclamarem ser incapazes de fazer aquilo que a Vieira de Almeida faz sobre os assuntos jurídicos a prestar.
Ricardo Salgado e o antigo BES continuam a custar dinheiro aos contribuintes portugueses. Resolução do banco tem sido um maná para a Vieira de Almeida.
Até porque, na verdade, através dos contratos, e algumas peças procedimentais, constantes no Portal Base nem sequer se descortina quais são os serviços jurídicos em concreto que a Vieira de Almeida prestou ou vai prestar ao Banco de Portugal. Por exemplo, no mais recente ajuste directo, o contrato assinado no passado dia 18, diz apenas que, no objecto do contrato, com um prazo de três anos, que “o segundo outorgante [Vieira de Almeida] obriga-se perante o primeiro outorgante [Banco de Portugal],a prestar serviços de assessoria jurídica e de patrocínio judiciário, nos termos e condições definidos nos cadernos de encargos e na proposta adjudicada, que constituem, respectivamente, os anexos I e II do presente contrato, e que dele fazem parte integrante”.
Mas nas peças do procedimento no Portal Base não consta nada da proposta adjudicada, enquanto o caderno de encargos é completamente omisso em detalhes sobre os serviços a desempenhar nem sequer estipula preços por hora. Mais opaco seria difícil.
O contrato assinado em Outubro passado também sofre de similar falta de transparência, mas com a agravante de ter uma cláusula de retroactividade. Ou seja, a Vieira de Almeida começou a trabalhar primeiro antes de facturar. Tudo facilitismos com dinheiros públicos. Aliás, este contrato de Outubro de 2023 – que terá terminado em Novembro – previa a possibilidade de renovações até dois anos. Mas o Banco de Portugal terá optado por fazer outro contrato por mais três anos.
Banco de Portugal invoca falta de concorrência e invoca “interesse público” para ajustes directos com a Vieira de Almeida. Nunca explicou como surgiu a ideia de escolher esta sociedade de advogados no primeiro contrato nem prova que efectivamente há ausência de concorrência, porque todos os contratos foram celebrados por ajuste directo.
Contactado pelo PÁGINA UM, o Banco de Portugal diz que “os elementos publicitados no Portal Base correspondem ao que é legalmente exigido e, bem assim, ao que decorre das regras e dos termos de funcionamento desse Portal”. Convém referir que tal não corresponde à verdade, patente no próprio articulado do contrato onde se salienta que, por exemplo, a proposta de adjudicação faz parte integrante do contrato. Ao optar deliberadamente por omitir a proposta de adjudicação – único elemento que detalhará os serviços a prestar –, o Banco de Portugal estará a colocar um contrato “mutilado” no Portal Base.
Apesar disso, o departamento da instituição liderada por Mário Centeno diz que “observa escrupulosamente, no âmbito dos procedimentos aquisitivos impostos pela prossecução das suas atribuições, o disposto nas normas legais aplicáveis e, em particular, no Código dos Contratos Públicos”, incluindo-se a “contratação de serviços jurídicos, em várias vertentes (especialmente, no que concerne ao apoio à representação do Banco de Portugal em juízo, em Portugal e noutras jurisdições).
A mesma fonte do Banco de Portugal acrescenta ainda que na escolha do tipo de procedimento, se “tem em consideração o disposto no CCP [Código dos Contratos Públicos] e a jurisprudência nacional e europeia nomeadamente no que respeita aos princípios e requisitos de legalidade aplicáveis”, defendendo que “o ajuste direto é um tipo de procedimento aquisitivo que encontra previsão normativa no nosso ordenamento jurídico, quer por via do critério do valor, permitindo celebrar contratos até ao limite previsto (…), quer por via de critérios materiais, como sucede no caso vertente, permitindo celebrar contratos de qualquer valor quando se verificam circunstâncias materialmente relevantes que justificam o afastamento da concorrência”.
Só a partir do ponto 3 dos seus esclarecimentos enviados ao PÁGINA UM, o Banco de Portugal acaba por revelar que tipo de serviços a Vieira de Almeida tem estado a desenvolver para obter tantos ajustes directos nos últimos anos, apesar de nada constar nos elementos disponibilizados no Portal Base,
“Trata-se, fundamentalmente, de assegurar a continuação da prestação de serviços de representação do Banco de Portugal em juízo”, diz o departamento de comunicação do regulador bancário e financeiro, salientando que “estão em causa processos judiciais associados à resolução de uma instituição bancária [que mais adiante identifica como sendo o BES], com a inerente excecionalidade e imprevisibilidade, e que, como é sabido, se prolongam por um extenso período de tempo”, e que “a prossecução do interesse público postula, nestes casos, a manutenção dos serviços de representação em juízo por quem tem o domínio dos concretos processos e tem assegurado a sua condução até ao momento”.
Saliente-se, contudo, que nada existe em concreto na lei, e muito menos no Código dos Contratos Públicos, que postule esta alegação do Banco de Portugal, excepto se estiver em causa a continuação de serviços ou empreitadas que tenham sido alvo de anterior concurso público. Ora, o Banco de Portugal nunca fez um concurso público para a escolha de sociedade de advogados que o assessoraria na resolução do BES. Além disso, o Banco de Portugal – repita-se – alega sistematicamente a ausência de concorrentes por motivos técnicos, e não por um não provado “interesse público”.
Com ‘jeitinho’, o princípio da concorrência prevista no Código dos Contratos Públicos pode sempre transformar-se em sistemáticos ajustes directos, escolhendo adjudicatários a dedo, e abrindo a porta a eventuais actos de má gestão de dinheiros públicos e até à corrupção. Basta que o Tribunal de Contas tape os olhos a invocações sem fundamento ou a alegações infundadas.
Mas sobre a questão de ausência de concorrência para justificar a contínua contratação da Vieira de Almeida, o Banco de Portugal dá também uma justificação sui generis, sabendo-se que existem centenas e centenas de sociedades de advogados em Portugal. “Ao mesmo tempo, a prossecução do interesse público e as próprias regras deontológicas de exercício de advocacia exigem que se assegure a inexistência de conflitos de interesses, o que, atento o tipo de litigância em causa, reduz em termos muitíssimo substanciais o universo de possíveis adjudicatários”.
De facto, a ser isto verdade, a redução “em termos muitíssimo substanciais [d]o universo de possíveis adjudicatários” a apenas um [a sociedade Vieira de Almeida] só poderia ser confirmada, salvo melhor opinião, através de concurso público, algo que o Banco de Portugal nunca quis fazer.
O Banco de Portugal diz também que, mesmo se a fundamentação feita através de critérios materiais aparenta ser falaciosa (e eventualmente ilegal), não se aplica os limites impostos para sucessivos contratos à mesma entidade.
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O Inverno começou nesta sexta-feira, e já se sabe que, mais dia menos dia, haverá, como em todos os outros anos, neve na Serra da Estrela. E é por esse motivo que a Infraestruturas de Portugal tem há anos um centro de limpeza de neve, com mais de uma dezena de equipamentos de desobstrução das vias. Para operar nesta época do ano, tem optado, por regra, em lançar concursos públicos para contratar trabalhadores temporários, por seis meses, mas este ano algo sucedeu e foi feito um ajuste directo de 207 mil euros. Para encontrar uma justificação para este contrato de mão-beijada, a empresa pública invocou uma norma que se torna caricata: assume que a necessidade de limpar a neve no Maciço Central da Serra da Estrela será, este Inverno, uma “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.
Com ou sem aquecimento global, até agora é coisa infalível mesmo se o país continua abrangido pelo clima mediterrânico em grande parte do território: a Infraestruturas de Portugal tem de reforçar esforços de limpezas das vias rodoviárias na serra da Estrela por causa da neve. Quase sempre a partir de Dezembro, excepcionalmente um mês antes, e a desobstrução das estradas de acesso à Torre, a 1991 metros de altitude, e à estância de ski, prolonga-se pelo início da Primavera.
Pelo sim, pelo não, nos últimos anos a Infraestruturas de Portugal tem decidido contratar trabalhadores temporários, em vez de manter um número elevado de funcionários próprios no seu centro de limpeza de neve durante todo os 12 meses do ano. E assim tem sido, a atender pelos registos do Portal Base, desde 2016. Até aqui, enfim, tudo bem, atendendo às opções de gestão que podem considerar mais adequado a opção pelo chamado outsourcing em serviços com variações sazonais.
Mas exactamente pela previsibilidade na necessidade de reforço dos serviços de limpeza da neve na serra da Estrela já causa estranheza que os gestores da Infraestruturas de Portugal tenham decidido este ano contratar a empresa que sempre tem arrecadado a aquisição de serviços em anos anteriores (mas por concurso público), alegando desta vez “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”. Ou seja, a própria Infraestruturas de Portugal considerou que este ano a neve naquela região é um acontecimento imprevisível. E assim assinou um contrato por ajuste directo com a Multitrab no valor de mais de 207 mil euros.
De acordo com as peças processuais deste ajuste directo feito pela Infraestruturas de Portugal à Multitrab, o procedimento só foi iniciado no passado dia 17 de Novembro, quando a empresa pública decidiu convidar exclusivamente aquela empresa de trabalho temporário a apresentar uma proposta para fornecimento de 11 trabalhadores durante seis meses. Menos de um mês depois, na passada sexta-feira, 15 de Dezembro, o contrato foi assinado pelas partes.
Poder-se-ia dizer que alguém nas Infraestruturas de Portugal se esquecera, ao contrário dos outros anos, de dar início a um concurso público – que tem maiores burocracias e um processo de decisão mais longo do que um ajuste directo – e que, dessa forma, teve de se encontrar um expediente de última hora. Mas essa possibilidade não colhe, nem pela via legal. Por exemplo, no ano passado, a Infraestruturas de Portugal lançou um concurso público, com o mesmo objectivo e um preço base de 201.500 euros, apenas em 9 de Novembro, concedendo um prazo de apresentação de propostas de oito dias. Isso permitiu a assinatura do contrato em 10 de Janeiro deste ano, ou seja, em termos homólogos em data posterior do ajuste directo da semana passada.
Infraestruturas de Portugal é presidida por Miguel Cruz, ex-secretário de Estado do Tesouro.
Por outro lado, o Código dos Contratos Públicos limita o recurso ao ajuste directo por “urgência imperiosa”, mesmo que abusivamente muitas entidades públicas se borrifem para esses pormenores perante a generalizada passividade do Tribunal de Contas. Com efeito, o artigo invocado pela Infraestruturas de Portugal salienta expressamente que a escolha do ajuste directo para a formação de qualquer contrato “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”, só pode ser feita “na medida do estritamente necessário” e se não for possível cumprir “os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Mostra-se assim caricato que a Infraestruturas de Portugal, com o seu centro de limpeza de neves a funcionar todos os anos, invoque uma norma que a coloca na situação de considerar que não conseguiu prever que irá nevar no Inverno que começou hoje mesmo.
Mas, por outro lado, a Infraestruturas de Portugal não podia jamais alegar um atraso nos procedimentos para dar início a um concurso público, porque a norma impede o ajuste directo se as circunstâncias invocadas forem “imputáveis à entidade adjudicante”. Além disso, mesmo que houvesse mesmo uma circunstância imprevisível – por exemplo, começar a nevar em Novembro, enquanto estava ainda a decorrer um concurso público para serviços a iniciar em Janeiro –, a Infraestruturas de Portugal só deveria apenas fazer um ajuste directo para os meses de Novembro e Dezembro – ou seja, “na medida do estritamente necessário –, mantendo os trâmites para a conclusão do concurso público.
Apesar de tudo isto, fonte oficial da Infraestruturas de Portugal não vê nada de anormal no ajuste directo deste ano por “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”, ou seja, por nevar na Serra da Estrela neste Inverno que se inicia agora. “Em situações de caráter excecional e transitório, o recurso a este regime é considerado como a opção mais ajustada, aplicando os procedimentos contratuais adequados a cada situação, sempre no respeito pelas regras do CCP [Código dos Contratos Públicos], não existindo qualquer prevalência da modalidade do ajuste direto, tendo já sido celebrados contratos com diversas empresas”, disse fonte oficial da empresa pública ao PÁGINA UM.
E acrescenta ainda que, ao longo dos anos, “os contratos celebrados com a mencionada empresa Multitrab decorreram, assim, quase exclusivamente de procedimentos por concurso público”, e que o recurso à modalidade do ajuste directo alegando “urgência imperiosa”, ocorreu apenas “a título excecional no presente ano”, não explicando, contudo, os motivos.
O Centro de Limpeza de Neve da Infraestruturas actua no Maciço Central da Serra da Estrela, garantindo a segurança dos utentes das vias e de todos os turistas, contando com diversos equipamentos de desobstrução, entre os quais nove limpa-neves.