Categoria: Saúde

  • Negócio dos testes já movimentou pelo menos 1,3 mil milhões de euros em Portugal

    Negócio dos testes já movimentou pelo menos 1,3 mil milhões de euros em Portugal

    Os testes PCR e de antigénio ultrapassaram este mês, pela primeira vez, a fasquia dos 100 mil por dia. Até ao final do ano, a manter-se o ritmo, Portugal atingirá os 18 milhões de testes desde o início da pandemia. Agora sem mãos a medir, as dezenas de laboratórios não se podem queixar: 2021 será um excelente ano. E muito superior ao de 2020. O PÁGINA UM foi “visitar”, como amostra, as demonstrações financeiras do ano passado de duas das principais empresas: Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa S.A. e o Dr. Joaquim Chaves – Laboratório de Análises Clínicas S.A.. Não se saíram nada mal.


    A estratégia de gestão da pandemia assente na massificação de testes PCR e de antigénio estará a resultar num aumento brutal dos lucros dos principais laboratórios de diagnóstico. Numa altura em que o número de testes em Portugal atinge valores próximos de 120 mil por dia – em parte pelo efeito da obrigatoriedade de testagem para acesso a determinados espaços públicos e privados –, o ano de 2021 poderá terminar com mais de 18 milhões de testes PCR e de antigénio processados.

    Este ano, até 3 de Dezembro, a Direcção-Geral da Saúde indica que já se realizaram 15.884.737 testes, dos quais 39% de antigénio – quase o triplo dos de 2020, em que se processaram 5.695.754 testes, quase todos de PCR. Se se considerar um preço unitário (em valores modestos) de 80 euros para os testes PCR e de 10 euros para os testes de antigénio, este mercado já terá movimentado perto de 1.300 milhões de euros. Ignora-se a parte desta colossal verba que foi assumida pelo Estado ou autarquias, sob a forma de comparticipação ou pagamento integral, e nessa medida também se desconhece o montante já despendido pelas famílias e empresas privadas.

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    O crescimento na testagem em Portugal terá como consequência uma previsível subida substancial dos lucros dos principais laboratórios e também das farmácias, e até de outros estabelecimentos comerciais, que têm visto nos testes um “negócio da China”. Esse impacte nas contas dos laboratórios foi já bastante visível no ano passado, que compensou largamente a quebra de diagnósticos médicos requisitados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) após o surgimento da pandemia em Portugal há pouco mais de 20 meses.

    Por exemplo, o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa S.A. – fundado por este antigo bastonário da Ordem dos Médicos – mais que quadruplicou os seus resultados operacionais em 2020 em relação ao ano anterior, passando de 8,1 milhões de euros para os 31,1 milhões. Em termos de lucro quase tiveram idêntico desempenho: subiram de 6 milhões em 2019 para o 23,2 milhões. Para este extraordinário desempenho bastou à empresa duplicar o valor das vendas e serviços prestados (de 35,7 milhões de euros, em 2019, para 74.4 milhões, em 2020).

    Situação similar, embora inferior em montante absoluto, registou a empresa Dr. Joaquim Chaves S.A., também um dos principais laboratórios de análises e diagnósticos clínicos a nível nacional. No ano de 2019, antes da pandemia, obteve um resultado operacional próximo dos 8 milhões e um lucro líquido de 2,8 milhões. Em 2020, os resultados operacionais atingiram os 16,5 milhões de euros, enquanto os lucros mais do que quadruplicaram em relação ao ano anterior, aproximando-se dos 11.7 milhões de euros.

    Em 2021, os lucros destes e de muitos outros laboratórios serão certamente superiores, tanto mais que o SNS reforçou o pedido de diagnósticos não-covid adiados ao longo do ano anterior por razões de estratégia política do Ministério da Saúde.


  • Pandemia não inverteu crise crónica

    Pandemia não inverteu crise crónica

    𝑂𝑠 𝑗𝑜𝑟𝑛𝑎𝑖𝑠 𝑒 𝑎𝑠 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎𝑠 𝑐𝑜𝑛𝑡𝑖𝑛𝑢𝑎𝑚 𝑎 𝑑𝑒𝑠𝑎𝑝𝑎𝑟𝑒𝑐𝑒𝑟 𝑑𝑎𝑠 𝑏𝑎𝑛𝑐𝑎𝑠, 𝑒 𝑎𝑠 𝑎𝑠𝑠𝑖𝑛𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎𝑠 𝑑𝑖𝑔𝑖𝑡𝑎𝑖𝑠 𝑛𝑎̃𝑜 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑒𝑛𝑠𝑎𝑚 𝑎 𝑝𝑒𝑟𝑑𝑎 𝑑𝑒 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑜𝑟𝑒𝑠. 𝐸𝑚 2001, 𝑎 𝑟𝑒𝑣𝑖𝑠𝑡𝑎 𝐵𝑎𝑡𝑎𝑡𝑜𝑜𝑛 𝑣𝑒𝑛𝑑𝑖𝑎 𝑚𝑎𝑖𝑠 𝑑𝑜 𝑞𝑢𝑒 ℎ𝑜𝑗𝑒 𝑜 𝐷𝑖𝑎́𝑟𝑖𝑜 𝑑𝑒 𝑁𝑜𝑡𝑖́𝑐𝑖𝑎𝑠 𝑒𝑚 𝑝𝑎𝑝𝑒𝑙 𝑒 𝑓𝑜𝑟𝑚𝑎𝑡𝑜 𝑑𝑖𝑔𝑖𝑡𝑎𝑙. 𝐶𝑜𝑛𝑓𝑖𝑟𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑜 𝑒𝑣𝑜𝑙𝑢𝑖́𝑟𝑎𝑚 𝑎𝑠 𝑣𝑒𝑛𝑑𝑎𝑠 𝑑𝑜𝑠 𝑝𝑟𝑖𝑛𝑐𝑖𝑝𝑎𝑖𝑠 𝑝𝑒𝑟𝑖𝑜́𝑑𝑖𝑐𝑜𝑠 𝑝𝑜𝑟𝑡𝑢𝑔𝑢𝑒𝑠𝑒𝑠 𝑑𝑒𝑠𝑑𝑒 𝑜 𝑖𝑛𝑖́𝑐𝑖𝑜 𝑑𝑜 𝑠𝑒́𝑐𝑢𝑙𝑜. 𝐴 𝑐𝑢𝑙𝑝𝑎 𝑑𝑜 𝑒𝑣𝑖𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑑𝑒𝑠𝑎𝑠𝑡𝑟𝑒 𝑠𝑒𝑟𝑎́ 𝑑𝑜𝑠 𝑙𝑒𝑖𝑡𝑜𝑟𝑒𝑠 𝑜𝑢 𝑑𝑜 𝑗𝑜𝑟𝑛𝑎𝑙𝑖𝑠𝑚𝑜?


    Apesar do fluxo noticioso da pandemia, os principais títulos da imprensa generalista portuguesa mantêm-se num processo de declínio profundo, que nem as subscrições digitais conseguem mitigar.

    De acordo com os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), de entre as publicações de âmbito nacional, todos os quatros diários – Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Público – e os três semanários – Expresso, Sábado e Visão – venderam menos exemplares impressos no terceiro trimestre deste ano em comparação com o período homólogo de 2019.

    Circulação paga impressa (papel) – número médio no 3º trimestre (APCT; dados tratados por PAV)

    A maior queda registou-se no Diário de Notícias (-45%), seguindo-se a revista Sábado (-41%) e o Jornal de Notícias (-37%). A menor queda foi a do Expresso, com as vendas em banca a retraírem 11% nos últimos dois anos. Em termos absolutos, no conjunto destas publicações foram vendidos por edição menos 77.143 exemplares em papel. O jornal mais penalizado foi o Correio da Manhã (-22.310 exemplares vendidos em banca), embora continue a ser a publicação de informação generalista com maiores vendas por edição em papel.

    A situação não é mais grave porque as assinaturas digitais têm amenizado a crise, não apenas por os leitores terem mudado de hábitos de compra em quiosques e papelarias, no decurso da pandemia, mas também pelas fortes campanhas de marketing com preços bastante reduzidos. Assim, somando as vendas em papel e as assinaturas digitais, o cenário torna-se um pouco menos sombrio, com o Público e o Expresso a recuperarem leitores em comparação com o período homólogo de há dois anos.

    No primeiro caso, o diário da Sonae passou de uma circulação total (impressa e digital) de 34.280 exemplares por edição no terceiro trimestre de 2019 para 50.763 no último trimestre, sobretudo por ter mais do que duplicado as assinaturas digitais (crescimento líquido de 22.154).

    Circulação paga total (impressa e digital) – número médio no 3º trimestre (APCT; dados tratados por PAV)

    No caso do semanário da Impresa, o crescimento foi mais modesto: no terceiro trimestre de 2019 teve uma circulação paga total de 85.292 exemplares por edição; no último trimestre foi de 97.150, muito por força do incremento líquido de mais de 18 mil assinaturas digitais. As outras publicações (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Sábado e Visão) não conseguiram fazer compensar com as assinaturas digitais as perdas em banca. Com efeito, ao contrário do Expresso e do Público, a sua expressão no mundo digital ainda é pouco relevante.

    Porém, estes números das principais publicações generalistas, e ainda mais comparando um período de tempo tão curto, não revelam toda a profunda crise da imprensa portuguesa, afectando todos os segmentos. Analisando todas as publicações auditadas pela APCT, no terceiro trimestre do presente ano já nenhuma ultrapassou uma circulação paga superior a 100 mil exemplares.

    Vendas totais no 3º trimestre de 2001 (Fonte: APCT)

    O Expresso esteve próximo dessa fasquia no mais recente trimestre, embora a tenha superado ligeiramente na primeira metade do ano de 2021. Por outro lado, somente mais quatro publicações pagas ultrapassaram os 50 mil exemplares vendidos por edição: Continente Magazine (62.660, sendo aquela com maior circulação paga impressa), Maria (59.595), Correio da Manhã (55.517) e Público (50.763). No total, de entre as publicações do top 20 encontram-se cinco com vendas totais inferiores a 20 mil exemplares por edição.

    O contraste com o início do século é tremendo. Não apenas existiam muitas mais publicações – a APCT auditava então 145, enquanto agora rondam a meia centena – como as vendas, todas em banca, eram espantosamente maiores. Considerando o terceiro trimestre de 2001, havia 13 publicações com vendas superiores a 100 mil exemplares e mais 15 com vendas entre 50 mil e 100 mil.

    A revista Maria estava no topo com vendas de 326.757 exemplares por edição. Embora agora esta popular revista do outrora pujante Grupo Impala ainda ocupe a terceira posição das publicações com maiores vendas, em termos relativos vende agora menos de um quinto (18%) do que vendia há 20 anos.

    As revistas do segmento do lazer e televisão eram então rainhas e senhoras. No terceiro trimestre de 2001, as revistas Nova Gente, Tempo Livre, Selecções do Reader’s Digest, Telenovelas, TV 7 Dias, Caras e Ana vendiam, cada uma, mais de 100 mil exemplares por edição. Mas mesmo os jornais de informação generalista ou especializada não se portavam nada mal. O Expresso atingiu, nesse período, vendas da ordem dos 137 mil exemplares – mesmo assim já longe do seu máximo esplendor: no terceiro trimestre de 1995, o semanário fundado por Pinto Balsemão – e que teve Marcelo Rebelo de Sousa como director entre 1979 e 1981 – alcançou os 169.454 jornais vendidos por edição.

    Vendas totais no 3º trimestre de 2021 (Fonte: APCT)

    A revista Visão e os diários Jornal de Notícias e Correio da Manhã superavam também a barreira dos 100 mil exemplares vendidos. E mesmo os desportivos estavam num paraíso. Por exemplo, mesmo com concorrência acérrima, o Record chegou aos 118 exemplares vendidos por edição.

    Além da extinção de títulos icónicos – como os diários 24 Horas, A Capital, o Comércio do Porto, os semanários Independente, Focus e Euronotícias, e a revista mensal Grande Reportagem –, as últimas duas décadas mostraram-se dramáticas para os periódicos ainda “sobreviventes”.

    Dos principais periódicos generalistas, em 20 anos o Público foi aquele que menos perdeu em vendas (cerca de 10%), embora a queda seja brutal se se considerar somente as vendas em banca (-78%). A revista Visão e o Jornal de Notícias perderam ambos 72% do número total de vendas, o Correio da Manhã 46%, e o Expresso 30%. A actual versão da revista Sábado não era ainda publicada em 2001.

    O símbolo máximo da crise da imprensa tradicional em Portugal acaba por ser o Diário de Notícias. No primeiro trimestre de 2001 vendeu 65.382 exemplares por edição, fechando o top 20 dos periódicos mais vendidos. No apuramento mais recente da APCT surge apenas com 2.969 exemplares vendidos em banca e mais 1.958 assinaturas, ocupando a 42ª posição, atrás mesmo do seu homónimo da Madeira.

    Será que todo este cenário negro se deveu somente à mudança de hábitos e à introdução de novas tecnologias? Ou foi também o jornalismo – e a qualidade dos jornalistas?


  • Letalidade e internamentos em baixa contrastam com restrições (agora) em alta

    Letalidade e internamentos em baixa contrastam com restrições (agora) em alta

    Governo anunciou mais restrições a partir de 1 de Dezembro, e a aplicação de medidas de discriminação aos não-vacinados, embora diversos indicadores associados à letalidade da covid-19 e aos internamentos mostrem uma situação pandémica muito mais favorável do que no ano passado.


    A evolução dos indicadores de letalidade do SARS-CoV-2 e dos internamentos totais e em unidade de cuidados intensivos (UCI) mostram que a covid-19 está muito menos perigosa em Novembro deste ano do que em período homólogo do ano passado, mostrando mesmo uma situação mais favorável em comparação com o último Verão.

    Apesar disso, o Governo anunciou esta semana novas restrições para a contenção de uma alegada quinta vaga, recuando no processo de normalização da actividade económica e social, e impondo mesmo acções de discriminação em relação aos não-vacinados, mesmo às pessoas com imunidade natural (recuperados). Além disso, apresta-se a Direcção-Geral da Saúde (DGS) para aprovar a vacina para as crianças entre os 5 e os 11 anos, apesar de nesta faixa etária ainda não se ter registado qualquer óbito por covid-19.

    Óbitos diários por covid-19 por 10.000 casos activos (média móvel de 5 dias)
    Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Numa análise estatística do PÁGINA UM aos dados oficiais da DGS, constata-se uma evidente redução da perigosidade relativa do coronavírus. Tendo, por exemplo, como referência o dia 26 de Novembro, este ano observa-se uma redução nos óbitos diários por 10.000 casos activos de 72% em comparação com 2020, sendo que nos indicadores de internamento as descidas são também significativas: menos 65% no número total de internados por 10.000 casos activos e menos 67% no número de internados em UCI. Recorde-se que, ontem, a DGS reportou 12 óbitos, 708 internados e ainda 51.689 casos activos, enquanto exactamente há um ano os números eram mais elevados: 82.116 casos activos, 3.208 internados e 67 mortes.

    Confrontando com o pico da pandemia, em Janeiro e Fevereiro deste ano – quando os surtos apanharam uma população descompensada pela suspensão de muitos serviços médicos ao longo de 2020, e coincidiram com uma intensa vaga de frio e o colapso da assistência ao nível do Serviço Nacional de Saúde (SNS) –, a situação actual é incomensuravelmente mais favorável. Em 29 de Janeiro passado chegaram a morrer aproximadamente 17 pessoas por cada 10.000 casos então activos, enquanto ontem se registaram cerca de 3 óbitos (2,7) por 10.000 casos activos.

    Significa isto que se se mantiver este rácio em redor de 3 óbitos ao longo do próximo Inverno, então a mortalidade por covid-19 será pouco superior a 50 óbitos mesmo se se atingir o pico de casos activos do início do ano (cerca de 180 mil). Este valor de mortalidade, caso subsista a baixa actividade dos vírus influenza, determinaria um Inverno muito menos letal do que a generalidade dos surtos gripais da pré-pandemia.

    Internados com covid-19 por 10.000 casos activos (média móvel de 5 dias)
    Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Também se deve realçar que a pressão hospitalar está muito mais baixa este ano do que no pico invernal passado. Em 12 de Fevereiro, os internamentos por covid-19 chegaram a atingir os 466 por 10.000 casos activos. Ou seja, neste dia, cerca de 4,7% dos casos positivos estavam a necessitar de internamento médico. Ontem, este rácio estava nos 1,4%, um dos valores mais baixos desde o início da pandemia. Há um ano, em 26 de Novembro, a necessidade de internamento era de quase 4% (395 internados por 10.000 casos activos).

    No caso dos internamentos com necessidade de ventilação e/ou tratamento intensivo, as boas notícias são também evidentes. O rácio de internados em UCI por 10.000 casos positivos era ontem de apenas 20,6 por 10.000 casos activos – um dos valores mais baixos desde o início da pandemia –, que contrasta com os 77,6 internados por 10.000 casos activos registados no pico do Inverno passado (22 de Fevereiro). No ano passado, em 26 de Novembro, este rácio era três vezes superior (62,6) ao que agora se observa. Saliente-se que ontem estavam internados em UCI apenas 104 doentes, quando há um ano eram 526.

    Para estes cenários concorrem vários factores, que não exclusivamente decorrentes das vacinas. Sendo certo que a evolução favorável dos indicadores de letalidade e de internamentos coincidem temporalmente com o crescimento do programa de vacinação – que abrange já 86,6% da população com duas doses –, também será necessário considerar outros factores relevantes.

    Internados em UCI com covid-19 por 10.000 casos activos
    Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Por um lado, uma eventual menor actividade viral do SARS-CoV-2 na Primavera e Verão – que são também períodos, por razões meteorológicas, com menor grau de descompensação física da população mais vulnerável – pode ter levado a um menor impacte da infecção na população mais susceptível, mesmo com o surgimento da variante delta, com maior capacidade de transmissão – mas não necessariamente maior letalidade. Por outro lado, de forma trágica, o excesso de mortalidade por todas as causas ao longo de 2020, e sobretudo em Janeiro e Fevereiro deste ano, acabaram por reduzir drasticamente a população mais vulnerável.

    Em todo o caso, não existindo dados que retirem mérito às vacinas – muito pelo contrário, até porque os indicadores mostram reduções relevantes não explicáveis apenas por razões climáticas, demográficas ou de evolução dos tratamentos médicos –, a análise diacrónica dos três indicadores analisados revela um sinal preocupante: uma eventual rápida perda de eficácia ao fim de poucos meses. Com efeito, tanto nos indicadores da letalidade como dos internamentos, observa-se os valores mínimos a serem atingido em Maio e Junho, registando-se depois um agravamento da mortalidade durante os meses de Julho e Agosto. Aliás, o número de óbitos no Verão deste ano foi superior ao do ano passado, ainda sem vacina.

    Por fim, uma outra questão fundamental deveria passar a ser colocada: independentemente dos factores que contribuam para tal, a covid-19 mostra sinais de estar a “enfraquejar”, podendo ser por acção natural e/ou humana. Enfim, poderá estar a passar para a fase endémica, devendo assim ser gizada uma estratégia de Saúde Pública consentãnea com esse “estado”. Porém, a Europa, com Portugal incluído, comporta-se como se a pandemia estivesse no seu pico. Não está. Donde se deve colocar ainda outra questão: qual é o actual propósito dos governantes’ Será mesmo a saúde dos seus concidadãos?


  • Pandemia está mais fraca do que no Verão

    Pandemia está mais fraca do que no Verão

    𝑁𝑢𝑚𝑎 𝑎𝑙𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑒𝑚 𝑞𝑢𝑒 𝑚𝑢𝑖𝑡𝑜𝑠 𝑑𝑒𝑠𝑒𝑗𝑎𝑚 𝑖𝑚𝑝𝑜𝑟 𝑚𝑎𝑖𝑠 𝑟𝑒𝑠𝑡𝑟𝑖𝑐̧𝑜̃𝑒𝑠 𝑒 𝑑𝑖𝑠𝑐𝑟𝑖𝑚𝑖𝑛𝑎𝑟 𝑛𝑎̃𝑜-𝑣𝑎𝑐𝑖𝑛𝑎𝑑𝑜𝑠, 𝑢𝑚𝑎 𝑏𝑟𝑒𝑣𝑒 𝑎𝑛𝑎́𝑙𝑖𝑠𝑒 𝑜𝑏𝑗𝑒𝑐𝑡𝑖𝑣𝑎 𝑑𝑎 𝑒𝑣𝑜𝑙𝑢𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑒𝑝𝑖𝑑𝑒𝑚𝑖𝑜𝑙𝑜́𝑔𝑖𝑐𝑎 𝑑𝑒 𝑃𝑜𝑟𝑡𝑢𝑔𝑎𝑙 𝑎𝑜 𝑙𝑜𝑛𝑔𝑜 𝑑𝑎 𝑝𝑎𝑛𝑑𝑒𝑚𝑖𝑎 𝑚𝑜𝑠𝑡𝑟𝑎 𝑞𝑢𝑒 𝑎 𝑎𝑐𝑡𝑢𝑎𝑙 𝑠𝑖𝑡𝑢𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑒𝑠𝑡𝑎́ 𝑙𝑜𝑛𝑔𝑒 𝑑𝑜 𝑑𝑟𝑎𝑚𝑎𝑡𝑖𝑠𝑚𝑜 𝑟𝑒𝑣𝑒𝑙𝑎𝑑𝑎 𝑝𝑒𝑙𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑢𝑛𝑖𝑐𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑠𝑜𝑐𝑖𝑎𝑙 𝑚𝑎𝑖𝑛𝑠𝑡𝑟𝑒𝑎𝑚. 𝑁𝑜 𝐼𝑛𝑣𝑒𝑟𝑛𝑜 𝑝𝑎𝑠𝑠𝑎𝑑𝑜, 𝑎 𝑐𝑜𝑣𝑖𝑑-19 𝑐ℎ𝑒𝑔𝑜𝑢 𝑎 𝑠𝑒𝑟 𝑎 𝑐𝑎𝑢𝑠𝑎 𝑑𝑒 40 𝑒𝑚 𝑐𝑎𝑑𝑎 100 𝑚𝑜𝑟𝑡𝑒𝑠; 𝑎𝑔𝑜𝑟𝑎 𝑛𝑒𝑚 𝑐ℎ𝑒𝑔𝑎 𝑎𝑜𝑠 𝑡𝑟𝑒̂𝑠 𝑒𝑚 𝑐𝑎𝑑𝑎 100 𝑜́𝑏𝑖𝑡𝑜𝑠.


    O impacte da covid-19 na mortalidade total em Portugal no mês de Novembro de 2020 foi sete vezes pior do que está a ser este ano, apesar das pressões sobre o Governo para repor e mesmo intensificar medidas preventivas com vista a controlar uma suposta quinta vaga da pandemia.

    No dia em que foram retomadas as reuniões informais no INFARMED com “peritos” convidados pelo Governo e Presidente da República – mantendo-se o Conselho Nacional de Saúde Pública estranhamente inactivo há 20 meses –, Portugal apresenta uma situação claramente menos dramática do que no ano passado, mesmo considerando os casos activos, que são agora cerca de metade dos do ano passado (41 mil vs. 81 mil).

    Percentagem de óbitos por covid-19 na mortalidade por todas as idades (média móvel de 7 dias) – Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    Além de um menor número de casos, os indicadores associados à letalidade indicam assim que o vírus SARS-CoV-2 se está a tornar menos mortífero, o que poderá estar associado praticamente à cobertura integral da vacinação entre os mais idosos e vulneráveis. E também, certamente, ao facto de o coronavírus ter contactado muitas mais pessoas ao longo do último ano, concedendo-lhes imunidade natural.

    Recorde-se que em meados de Novembro do ano passado apenas tinham sido infectadas (ou registado teste positivo) cerca de 236 mil pessoas, sendo que actualmente esse número ultrapassa os 1,1 milhões.
    Não menos relevante será o facto de a elevadíssima mortalidade no Inverno passado, sobretudo em Janeiro e Fevereiro – com picos diários de mortalidade que superaram os 700 óbitos, quando em anos anteriores raramente ultrapassava os 500 em dias mais mortíferos –, ter “eliminado” uma parte da população mais vulnerável.

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    De acordo com dados públicos disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde (sistema de vigilância epidemiológica e Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), nos primeiros 17 dias deste mês a covid-19 terá sido responsável por 126 óbitos num universo de 5.579 mortes por todas as causas, representando apenas 2,3% do total, enquanto em período homólogo do ano passado estavam já contabilizados 1.046 óbitos por covid-19 num universo de 6.471 mortes, o que significava um impacte directo da pandemia na mortalidade total da ordem dos 16,2%.

    A situação epidemiológica desta pandemia está assim, neste momento, muito longe de ser assustadora, e até aparenta uma evolução bastante favorável face ao Verão, em especial quando se considera as variações da mortalidade ao longo do ano. Recorde-se que, antes da pandemia, a mortalidade total no Verão raramente ultrapassava os 300 óbitos por dia, valor que confrontava com mais de 400 mortes diárias no Inverno, sobretudo em períodos de surtos gripais.

    Analisando os dados oficiais, tanto em termos absolutos como sobretudo relativos, a primeira quinzena de Novembro deste ano mostra uma situação bastante mais favorável do que, por exemplo, o passado mês de Agosto. Com referência ao dia 17 do presente mês, a covid-19 foi responsável por somente 2,6% dos óbitos dos sete dias anteriores, enquanto em grande parte dos dias de Agosto passado esse rácio encontrava-se acima dos 5%.

    Caso se compare Novembro deste ano com o mês homólogo de 2020, então evidencia-se ainda mais a situação altamente favorável que agora se vivencia. De facto, em Novembro do ano passado estava a iniciar-se um agravamento significativo da pandemia, revelada não apenas nas mortes por covid-19 mas sobretudo no seu peso na mortalidade total. No dia 1 de Novembro de 2020, o contributo da covid-19 na mortalidade total (média móvel de 7 dias) era já de 9,2%, mas no dia 17 subiria para os 19,7%. Significava isto que um em cada cinco óbitos era por covid-19.

    Percentagem de óbitos por covid-19 no total de todas as causas (média móvel de 7 dias) – 1 de Outubro até 17 de Novembro (2020 e 2021) – Fonte: DGS (dados tratados por PAV)

    A situação pandémica piorou muito significativamente ao longo do Inverno passado, mesmo podendo-se questionar a contabilização das mortes causadas pelo SARS-CoV-2, uma vez que, independentemente das comorbilidades associadas, as mortes eram codificadas como covid-19 se a vítima tivesse de um teste positivo ao SARS-CoV-2 no momento do óbito.

    Num período extremamente complexo de colapso absoluto do Serviço Nacional de Saúde, incapaz de dar resposta à afluência de doentes de todas as causas, os óbitos por covid-19 chegaram a ultrapassar os 40% do total entre 30 de Janeiro e 9 de Fevereiro (vd. gráfico). Esta hecatombe é cerca de 15 vezes pior do que agora.

    A repetição deste cenário no Inverno 2020-2021 parece pouco provável, pelos indicadores actuais, mostrando-se assim algo injustificável, à luz da ciência e das políticas públicas de Saúde, imporem-se normas ainda mais restritivas e, pior ainda, diferenciadoras – ou discriminatórias – entre vacinados e não-vacinados.