Categoria: Saúde

  • Mais de 6.000 óbitos oficiais por covid-19 ocorreram fora dos hospitais ou foram inventados

    Mais de 6.000 óbitos oficiais por covid-19 ocorreram fora dos hospitais ou foram inventados

    Números das mortes por covid-19 nos hospitais são muito menores do que aqueles apontados pela Direcção-Geral da Saúde. Ou terá havido milhares de pessoas a morrerem por causa do SARS-CoV-2 sem prévia assistência hospitalar adequada, ou então as autoridades de Saúde e o Governo andaram a empolar números para fomentar uma campanha de medo e para esconder o excesso de mortalidade não-covid.


    Até finais de Outubro do ano passado, são menos 6.122 os óbitos por covid-19 registados em meio hospitalar em comparação com os números oficiais da Direcção-Geral da Saúde(DGS). Esta é a diferença obtida comparando os números oficiais da DGS – que até 31 de Outubro de 2021 indicavam 18.162 mortes causadas pelo SARS-CoV-2 – e os certificados de óbitos passados nos hospitais, que apontam para apenas 12.040 mortes nos primeiros 20 meses da pandemia.

    A garantia de estes 12.040 ser o número exacto de óbitos por covid-19 em hospitais, e que constam expressamente nos certificados de óbito, é simples de dar: uma base de dados pública da mortalidade hospitalar, que identifica, por mês, o número de óbitos por grandes classes de doença, a unidade de saúde e o grupo etário. A base de dados está integrada no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    woman in blue long sleeve shirt covering face with white textile

    Por norma, as diversas doenças estão agrupadas: por exemplo, não se consegue saber quantas mortes são por AVC ou por ataque cardíaco, porque ambas integram as doenças do aparelho circulatório. Porém, no caso concreto da covid-19, esta é a única doença existente classificada no grupo dos “Códigos para fins especiais”, tendo recebido o código U071. Por esse motivo, não há registo de mortes nesta classe entre Janeiro de 2017 – data de início de registo da base de dados é Fevereiro de 2020.

    A enorme discrepância nos números detectada pelo PÁGINA UM, numa cuidadosa análise desta base de dados, pode dever-se a uma de duas causas, qualquer das quais bastante preocupante. Ou houve 6.122 vítimas da pandemia que morreram sem assistência hospitalar; ou então a DGS andou a manipular o número de óbitos por covid-19 para desviar as atenções do excesso de mortalidade não-covid, de modo a esconder também o descalabro do Serviço Nacional de Saúde no tratamento de outras doenças descuradas durante a pandemia.

    No primeiro caso, um número tão elevado de mortes fora das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) numa doença tão infecciosa – e que obrigou a fortes restrições na sociedade e a uma logística hospitalar sem precedentes – mostra justificação pouco plausível ou mesmo credível, sobretudo devido às próprias características da infecção pelo SARS-CoV-2. Ou seja, num quadro clínico associado à hipoxemia e/ou falta de ar em situações críticas, pelo que a morte, nas situações mais graves, pelo menos é antecedida por uma admissão à urgência hospitalar ou no decurso de um internamento.

    Note-se, por exemplo, que antes da pandemia, quase todos os óbitos registados por doenças respiratórias ocorriam em meio hospitalar. Já no caso das doenças do aparelho circulatório ou por neoplasias é mais comum que ocorram fora do meio hospitalar.

    O cenário de mortes frequentes com covid-19 de doentes sem prévia assistência hospitalar adequada face ao seu estado – e com o óbito a ser certificado em residências ou lares – não é de descartar, mas seria de grande gravidade.

    Uma hipótese alternativa – mas neste caso com o consequente empolamento dos números da covid-19 – será a inclusão de assintomáticos (ou seja, pessoas com teste positivo, mas sem sintomas) que acabaram por morrer de outras doenças. Estes casos poderão ter ocorrido, em maior ou menor grau, sobretudo em lares de idosos.

    O PÁGINA UM aguarda, aliás, desde 25 de Janeiro, que a DGS ceda dados sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença.

    Essa informação é essencial para apurar não apenas o verdadeiro impacte da covid-19 em lares, como também o número de idosos vítimas destas doenças que nem sequer mereceram preocupação para lhes ser dada assistência hospitalar antes do desfecho fatal.

    Uma outra alternativa em cima da mesa será simplesmente os óbitos por covid-19 terem sido cruamente manipulados – ou seja, as mortes ocorreram por outras causas evidentes, mas a DGS terá decidido manipular os números da covid-19.

    Com esse estratagema, o Governo conseguiria não apenas mostrar artificialmente uma maior gravidade da pandemia como também, face ao aumento em alguns períodos da mortalidade total, atenuar publicamente, de forma habilidosa, o excesso de mortalidade não-covid.

    Esta última hipótese mostra-se mais forte quando se analisa determinados meses. Por exemplo, em Maio de 2020, confrontando os óbitos em meio hospitalar (apenas 180) e os registos oficiais pela DGS (417), conclui-se que 57% das vítimas terão afinal morrido fora do hospital, uma situação de probabilidade muito baixa, porque, no início da pandemia, todos os doentes sintomáticos eram internados.

    No Inverno de 2020-2021, as discrepâncias em termos absolutos são enormes. Se os dados da DGS estivessem correctos, em Novembro de 2020 teriam morrido, por covid-19, um total de 1.420 pessoas nos hospitais e 613 fora dos hospitais. No mês seguinte essa relação foi de 1,628 nos hospitais e 767 fora dos hospitais.

    No início do ano passado, a diferença absoluta ainda é maior. Em Janeiro – oficialmente, o mês com mais óbitos no total e por covid-19 –, os dados da DGS apontam para um total de 5.785 vítimas da pandemia, mas apenas 3.207 surgem registadas nos hospitais. As restantes 2.578 vítimas, a terem mesmo morrido por covid-19, foi fora do hospital. Em Fevereiro do ano passado, também mais de mil pessoas (1.119) aparecem nos números oficiais da DGS mas não faleceram nos hospitais.

    Óbitos mensais por covid-19 nos hospitais e nos registos oficiais. Fonte: SNS e DGS

    Ao longo dos meses seguintes, as discrepâncias são menores em termos absolutos e relativos, havendo mesmo dois meses (Abril e Maio de 2021) em que os registos de mortes por covid-19 nos hospitais até são, estranhamente, superiores aos números que depois surgiram naqueles períodos nos boletins da DGS.

    No total dos 12.040 óbitos por covid-19 registados nos hospitais portugueses até Outubro de 2021 – que representam, assim, apenas 66,3% do total à data indicado pela DGS –, 1.319 foram contabilizados nos três centros hospitalares da cidade de Lisboa.

    No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – que integra o Hospital de São José – registaram-se 521, enquanto nos de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – e de Lisboa Ocidental – que integra o Hospital de São Francisco Xavier – houve 399 em cada. O Hospital de Coimbra foi individualmente aquele com maior número de óbitos (703 durante os primeiros 20 meses da pandemia).

    O PÁGINA UM divulgará amanhã o desempenho de cada hospital, ou seja, a taxa de sobrevivência dos internamentos por covid-19, uma vez que essa variável se mostrou bastante relevante ao longo da pandemia.

    NOTA: A lista completa de hospitais e óbitos por covid-19 até 31 de Outubro de 2021 pode ser consultada AQUI.

  • Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    O abaixo-assinado de profissionais de saúde que pediu, na semana passada, a suspensão da vacinação contra a covid-19 em crianças saudáveis conta agora com 91 assinaturas, entre as quais 31 pediatras. Ordem dos Médicos dirigida por um urologista, e que assume ser apenas representada pelo seu bastonário, continua a apoiar a decisão da Direcção-Geral da Saúde. Os signatários também exigem que seja feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”


    O abaixo-assinado de profissionais de saúde a apelar à suspensão imediata do programa de vacinação de crianças – que este fim-de-semana vai ser reactivado – foi engrossado esta sexta-feira com várias dezenas de médicos e outros profissionais de saúde, incluindo psicólogos.

    Neste momento, o documento conta já com 91 signatários, entre os quais se destacam Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos), catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia). De entre estes, 31 são médicos pediatras.

    five children smiling while doing peace hand sign

    O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, em declarações à revista Sábado em 28 de Janeiro passado, já criticou esta posição dos seus colegas – que agora incluem 31 pediatras –, esclarecendo ser ele, e a sua posição, a representar esta associação profissional de direito público. Recorde-se que Miguel Guimarães, detentor da cédula profissional nº 31852, está registado nas especialidades de Urologia e Gestão de Serviços de Saúde.

    Na reforçada posição dos signatários do abaixo-assinado – que ocorre dias após a divulgação oficial de que a morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria não terá sido provocada pela vacina contra a covid-19, embora a verdadeira causa não tenha sido revelada , salienta-se ainda mais que a vacinação é desnecessária, sendo mesmo imprudente administrá-la em crianças saudáveis.

    boy in black t-shirt hugging girl in red and white polka dot dress

    Com efeito, de acordo com os signatários, “as crianças e jovens saudáveis infetados pelo vírus SARS-CoV-2 são assintomáticos ou cursam com doença ligeira e só muito raramente desenvolvem doença grave, pelo que não se justifica a sua vacinação em massa para prevenir a doença.”

    Além disso, defendem que “as crianças e jovens vacinados infetam-se e transmitem a variante Ómicron, a mais prevalente no País, pelo que a vacinação disponível não impede a infeção nem a transmissão aos adultos com quem contactam, aliás, maioritariamente vacinados e protegidos de doença grave.

    E alertam ainda que “a vacinação comporta um risco que ainda não é bem conhecido”, uma vez que “podem ocorrer efeitos secundários não negligenciáveis, como miocardites, que vão sendo evidenciados por estudos credíveis”.

    Por outro lado, avisam que, face ao carácter predominantemente assintomático desta infecção nas crianças, a “vacinação pode sobrepor-se a uma infeção recente, com efeitos ainda não avaliados.”

    Por fim, apelam para ser feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”

    Esta renovada posição dos signatários alimenta ainda mais a contestação ao polémico parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, integrado na Direcção-Geral da Saúde, que procurou reafirmar os propalados benefícios e segurança das vacinas nas crianças dos 5 aos 11 anos.

    O parecer, assinado por Filipe Macedo e Fátima Pinto, continha conclusões incorrectamente citadas de estudos referenciados, incluindo mesmo deturpações da realidade, conforme o PÁGINA UM denunciou.

    group of people wearing white and orange backpacks walking on gray concrete pavement during daytime

    Por exemplo, a afirmação de existir um risco 60 maior de miocardites em crianças com covid-19 do que em crianças com vacina contra a covid-19 não é sequer fundamentada na bibliografia que acompanha o parecer, o que levou mesmo Jorge Amil, presidente do Colégio de Pediatria a tecer fortes críticas. Em declarações ao jornal Nascer do Sol, Jorge Amil falou já de “grosseira falta de rigor” na fundamentação daquele documento da DGS, acrescentando que “não pode valer tudo”, tratando-se de um parecer com esta relevância.

    À HealthNews, este pediatra criticou ainda a forma abusiva como se estão a usar alguns estudos em prol da vacinação. “Há resultados e dados que estão a ser interpretados e extrapolados de forma naturalmente excessiva e desproporcionada. Isto é muito preocupante. Estão a usar-se dados como ‘provas definitivas’ para provar um ponto de vista que já se tinha assumido previamente.”

    E realçou ainda que os signatários do abaixo-assinado que pedem a suspensão do programa vacinal para crianças não negam “o valor das vacinas” contra a covid-19, mas consideram que são necessários “dados robustos para nos garantir que essa iniciativa, que traz benefício às crianças, é segura e que as protege.”

  • Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    A covid-19 é, claramente, uma doença grave, mas a Direcção-Geral da Saúde andou a empolar mortes por esta doença até ao limite do absurdo. Tudo caiu nas malhas da estatística: até Maio de 2021, bastou um teste positivo, e todos os óbitos foram atribuídos ao SARS-CoV-2. Internados por ataques cardíacos, AVC, cancros, falência renal, sepsis e até acidentes rodoviários e queimaduras foram, em caso de desfecho fatal, contabilizados como vítimas da pandemia, independentemente da acção concreta do coronavírus no desfecho fatal. Recorde-se que a DGS recusa sistematicamente divulgar informação detalhada e pretende impedir o PÁGINA UM de aceder a base de dados que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, quer manter sigilosas.


    Até Maio do ano passado, pelo menos 2.751 óbitos que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) atribuiu à covid-19 foram de pessoas internadas em hospitais por outros motivos, e não por infecção do SARS-Cov-2. Este é o valor apurado recorrendo à consulta da base de dados do registo de hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, e que sempre esteve na posse directa de diversas autoridades, entre as quais a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

    Este número pecará por defeito, uma vez que apenas considera os óbitos contabilizados nas unidades do Serviço Nacional de Saúde – cerca de 12.500, sendo que, nos 15 primeiros meses da pandemia, mais de quatro mil pessoas com causa atribuída à covid-19 terão morrido nas suas casas e sobretudo em lares.

    man in yellow jacket and pants holding white and red plane

    Por outro lado, este valor apenas resulta da quantificação da causa directa prioritária, que constitui a primeira causa de internamento registada pelo corpo clínico de cada hospital. Ou seja, é a primeira doença ou afecção que surge na posição 0 (zero) na ordem de diagnóstico da base de dados dos internados-covid, seguindo as normas de codificação da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) da Organização Mundial de Saúde.

    Isto significa também que, em muitos casos, mesmo que a covid-19 seja apontada como a causa de internamento – estando o código U071 da CDI na posição 0 da ordem de diagnóstico –, esta doença tenha sido a causa original do internamento.

    Apenas uma análise mais detalhada, caso-a-caso poderia, por exemplo, explicar como surgem 264 óbitos atribuídas à covid-19, e em que esta se encontra na posição 0 do diagnóstico, em pessoas que morreram no próprio dia do internamento, e ainda mais 740 pessoas que faleceram no dia seguinte. Não consta que a covid-19 seja uma doença fulminante em tal grau, ou seja, que tenha matado 1.004 pessoas ao fim de menos de dois dias de hospitalização.

    Globalmente, a base de dados consultada pelo PAGINA UM identifica, até Maio do ano passado, 1.138 mortes de pessoas (quase 10% do total) que, tendo o óbito classificado pela DGS como covid-19, morreram no próprio dia da hospitalização ou no dia seguinte, independentemente da causa inicial.
    Em muitos destes casos mostra-se evidente que a covid-19 apenas surge como causa porque houve um teste positivo feito mesmo a pessoas agonizantes, ou talvez mesmo ao seu cadáver.

    Encontram-se, por exemplo, dezenas de mortes em menos de dois dias de pessoas que derem entrada de urgência nos hospitais por ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), cancros terminais, diabetes, infecções generalizadas causadas por bactérias (sepsis) e mesmo traumatismos causados por acidentes rodoviários ou quedas.

    Numa análise detalhada do PÁGINA UM apenas aos óbitos-covid – ou seja, sem se considerar os doentes que tiveram alta –, observa-se uma situação ainda mais escandalosa, e que confirmam que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, e a ministra da Saúde, Marta Temido, sistematicamente mentem sobre esta matéria. Recorde-se que ainda esta semana, estas responsáveis referiram ao Observador que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com Covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas internadas por outras doenças (registadas na posição 0 do boletim clínico), segundo os principais grupos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI)

    De facto, considerando os grupos de doenças constantes do CDI da OMS, identificam-se 586 óbitos por covid-19 de pessoas que foram inicialmente internadas por doenças do aparelho circulatório (código iniciado pela letra I), das quais 41 com enfartes agudos do miocárdio, 160 com AVC isquémicos, 11 com AVC hemorrágicos e 140 com crises de hipertensão.

    O segundo grupo de doenças que justificaram o internamento inicial de doentes-covid (e assim sendo incluídas na base de dados), que acabaram por falecer, são as respiratórias (código J da CDI), mas sem estarem relacionadas com a infecção por SARS-CoV-2 (que recebe o código U071 da CDI, ou em casos muito específicos os códigos J1281 ou J1282).

    Para este grupo, contabilizam-se 392 pessoas que acabaram por ter o seu óbito atribuído à covid-19, mas que entraram no hospital por causa de outras infecções ou problemas respiratórios, incluindo pneumonias não-covid, entre as quais 55 por pneumonias bacterianas identificadas (e.g., por Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumonia, Staphylococcus aureus e Escherichia coli, entre outras), além de 39 por doença pulmonar obstuctiva crónica (DPOC) e 65 por pneumonites por inalação de comida ou vómito. Este problema grave sucede sobretudo em idosos: a média de idade destes casos é de 84 anos.

    As doenças infecciosas e parasitárias – classificadas com o código iniciado por A – também constituíram a causa de internamento inicial de pessoas que acabaram por morrer com o “carimbo” da covid-19. Na base de dados consultada pelo PÁGINA UM surgem 422 casos, grande parte dos quais (384) por sepsis. Embora numa parte destas situações não tenha sido identificado o organismo causador, muitas o agente foram bactérias.

    Neste vasto grupo chegaram a ser catalogados como mortes-covid, independentemente do contributo do SARS-CoV-2 para o desfecho fatal, pessoas que foram admitidas no hospital por causa da doença dos legionários, de febre Q, de candidíase e até por doença de Creutzfeldt-Jakob (uma mulher de 62 anos).

    Internamentos decorrente de problemas directamente associados a cancros (código iniciado pela letra C), recebendo essa referência na posição 0 do diagnóstico, surgem 303 óbitos classificados como covid-19. Saliente-se, mais uma vez, que este número não se refere a internados que sofriam de cancro e apanharam covid-19 – esse número foi de quase 4.000 até Maio do ano passado, o que confirma ser uma comorbilidade relevante na infeção pelo SARS-CoV-2. São apenas aqueles que foram internados na decorrência de um problema oncológico e que testarem positivo ou foram infectados pelo novo coronavírus.

    Também relevantes foram os internamentos por problemas geniturinários (código iniciado pela letra N na CDI): 230 pessoas hospitalizadas por doenças deste grupo acabaram por falecer durante o internamento e os seus óbitos foram atribuídos à covid-19.

    Neste grupo englobam-se 72 casos de insuficiência renal aguda, alguns extremamente graves. Com efeito, três destas pessoas morreram no próprio dia do internamento, e mais cinco no dia seguinte.

    people performing first aid medical care to an injured man

    Ainda se incluem, neste grupo, 59 doentes com infecções urinárias, 48 casos de nefrite aguda, 26 de cistites, e até um caso de inflamação do escroto.

    Este caso é, aliás, paradigmático: tratou-se de um homem de 76 anos, internado em Dezembro de 2020 no Hospital de Setúbal, que sofria de outros problemas do sistema urinários, de diabetes e de hipertensão. Já internado, o seu boletim clínico regista uma insuficiência cardíaca e só depois foi apanhado por um surto hospitalar de SARS-CoV-2. Morreu no dia 7 de Janeiro; oficialmente por covid-19.

    Noutros grupos de doenças e afecções – em menor número – também se evidencia o absurdo da simples catalogação de mortes-covid em muitos óbitos.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM constam 186 registos de pessoas internadas com diversos traumatismos (código começado com a letra S da CDI) – todos decorrentes de acidentes domésticos, de trabalho e até rodoviários, alguns extremamente graves – que acabaram por resultar em óbito-covid.

    Neste grupo estão oito homens, dos quais três pedestres atropelados, um ciclista, um motociclista e mais três ocupantes de automóveis. Três deles morreram em menos de uma semana. Mas, para a DGS, todos por covid-19.

    Mais bizarro ainda – e o PÁGINA UM elencará, em breve, um best of de bizarrices – são os óbitos-covid atribuídos a pessoas que foram internadas por intoxicação ou queimaduras (código iniciado com a letra T da CDI): são 36, no total.

    O caso mais macabro, dir-se-ia, foi o de uma mulher de 41 anos, internada na unidade de queimados do Hospital de Coimbra no dia de Natal de 2020, com queimaduras na cabeça, pescoço e peito. Morreu no dia 2 de Janeiro do ano passado. No certificado de óbito consta a covid-19 como causa da morte porque lhe meteram uma zaragatoa pelo nariz ou boca – que sofreram queimaduras de terceiro grau – e o teste ao SARS-COV-2 deu positivo.

  • Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Na véspera de Natal de 2020, um jovem de 31 anos, doente com SIDA, despediu-se da vida: tinha uma trombose da veia porta, hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e no intestino. Um teste à covid-19 deu positivo. Até Maio de 2021, ele foi uma das 40 vítimas do VIH que a Direcção-Geral da Saúde “transformou” em vítimas do SARS-CoV-2.


    Em Dezembro no ano passado, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou “desvio de recursos”, por causa da pandemia, para não apresentar o relatório da evolução da infecção VIH (vírus da imunodeficiência humana) relativo ao ano de 2020, mas decidiu já “encaixar” 40 mortes de doentes com SIDA nas estatísticas da covid-19. Portugal foi o único país da União Europeia a não divulgar o relatório anual sobre aquela doença, como era habitual, no Dia Mundial de Luta contra o VIH/SIDA. Recorde-se que em 2019 foram reportados 778 novos casos e registados 197 óbitos em doentes infectados por VIH.

    De acordo com a base de dados a que o PÁGINA UM teve acesso, relativo ao período entre Março de 2020 e Maio do ano passado, os infectados com o VIH foram sempre considerados como doentes-covid se tivessem um teste positivo ao SARS-CoV-2, mesmo quando a causa da hospitalização era claramente outra, sobretudo, nestes casos, relacionada com os efeitos da imunodeficiência adquirida.

    woman holding medicine painting

    Este é um dos exemplos mais flagrantes de serem falsas as garantias dadas ao jornal digital Observador pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, de que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Segundo os dados consultados pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia foram hospitalizados, como doentes-covid, um total de 171 infectados pelo VIH, dos quais 113 durante o ano de 2020.

    Pela interpretação dos registos destes doentes, com quadros clínicos bastante diversificados, muitos apresentavam já diagnóstico positivo à covid-19 na admissão hospitalar. No entanto, pelo menos 67 terão sido internados por outras causas directamente relacionadas com o VIH, atendendo que a referência a esta enfermidade (código B20 na CDI – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) se encontra nas posições 0, 1 ou 2 da ordem de diagnóstico.

    Apesar da taxa de mortalidade hospitalar dos infectados por VIH e com o SARS-CoV-2 não ter sido muito mais elevada do que a dos doentes sem VIH (em ambos os casos rondando os 23%), foram contabilizados 40 óbitos por covid-19 que, em condições normais, seriam classificados como SIDA.

    Em todo o caso, em linha com o perfil de letalidade da covid-19 em condições normais, a idade foi determinante para o desfecho: a média de idade dos infectados com VIH que sobreviveram ao SARS-CoV-2 era de 52,7 anos, enquanto aqueles que acabaram por falecer tinham uma média etária de 60,7 anos.

    A mais idosa vítima com VIH e SARS-CoV-2 foi uma mulher de 88 anos, que morreu em Janeiro do ano passado na região do Alto Minho. No caso do mais idoso sobrevivente com ambos os vírus, foi um homem de 83 anos, que esteve internado no Hospital Amadora-Sintra durante 10 dias entre Janeiro e Fevereiro do ano passado.

    grayscale photo of man touching his face

    Os internamentos dos sobreviventes foram, contudo, bastante longos: média de 19 dias, o que indicia que, em grande parte dos internamentos, as causas não foram apenas a covid-19, ou não as foram de todo.

    No caso das vítimas mortais, a média também foi bastante elevada (mais de 20 dias), mas sobretudo devida à complexidade das afecções associadas ao VIH.

    Um dos casos evidentes foi a de um homem de 46 anos, que faleceu em Janeiro ano passado no Hospital de Setúbal como doente-covid – entrando assim nas estatísticas da pandemia feitas pela DGS –, depois de ter sido internado em Outubro de 2020 com um quadro terminal de SIDA, designadamente pneumocistose e sarcoma de Kaposi.

    Contudo, em 13 casos fatais, o desfecho foi muito rápido: logo na primeira semana de internamento, o que indicia situações de grande fragilidade.

    Está aqui incluída a vítima mais jovem: um homem de apenas 31 anos, internado no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central em Dezembro de 2020, numa situação já muito crítica e de grande debilidade: uma trombose da veia porta (obstrução do vaso sanguíneo que leva sangue dos intestinos ao fígado), hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e nos intestinos.

    Foi-lhe realizado um teste ao SARS-CoV-2, que deu positivo. Morreu em oito dias. Na véspera de Natal. E como doente-covid, assim classificado pela DGS.

  • Professora do pequeno Rodrigo aconselha pais a pedirem declaração escrita de médico se vacinarem filhos

    Professora do pequeno Rodrigo aconselha pais a pedirem declaração escrita de médico se vacinarem filhos


    Liliana Leite, actriz e professora de teatro na Escola Básica de São João de Deus (Lisboa), quebrou o silêncio após um polémico texto no Facebook onde comentava a trágica morte do pequeno Rodrigo, o seu aluno de seis anos, por paragem cardiorespiratória, no dia 16 deste mês.

    A criança, socorrida sem sucesso no Hospital de Santa Maria, teve um teste positivo ao SARS-CoV-2, mas o facto de ter sido vacinada uma semana antes e ter apresentado um quadro clínico altamente suspeito, levaram os médicos que a assistiram a comunicar ao Infarmed uma potencial reacção adversa. Neste momento, aguardam-se exames complementares – que demorarão ainda algumas semanas -, mas descartada está a possibilidade de engasgamento.

    No vídeo colocado no Youtube, Liliana Leite faz um apelo emocionado, aconselhando os pais a “lerem primeiro e fal[ar]em com um médico, e se ele for de opinião de que a criança deva ser vacinada, então que o faça por escrito”, questionando em seguida: “se isso acontece em casos mais simples [um atestado de um médico], porque não acontece nestes casos?”

    Depoimento de Liliana Leite

    E confirma também o quadro de prostração da criança dois dias antes do seu falecimento: “estava cabisbaixo, com a cabeça apoiada na mesa, e sim, tinha olheiras, e sim, apresentava dificuldades respiratórias, e sim, disse-me ando cansado desde que tomei a vacina”.

    Recorde-se que esta semana um grupo de 27 médicos, incluindo 14 pediatras, pediram, em carta aberta, a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens, assumindo estarem a erguer “a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”.

    Entre os signatários encontram-se o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Reiterando que não está em causa os benefícios das vacinas “para adultos ou crianças com comorbilidades que acarretem risco acrescido de covid-19″, os signatários advertiram que, no caso das crianças saudáveis, como era o caso da criança falecida no dia 16, “não existe situação de emergência” que justifique a “utilização de medicamentos [como as vacinas] que não tenham os estudos de segurança e eficácia completos”. Estes especialistas relembram, aliás, que “a infecção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos; os internamentos são muito raros, e a mortalidade tendencialmente nula em crianças saudáveis no nosso país”.

    A Direcção-Geral da Saúde não reagiu ainda a este abaixo-assinado.

    Até ao momento, quase dois anos após o início da pandemia, não morreu em Portugal qualquer criança dos 5 aos 11 anos por causa de covid-19.

  • Parecer da DGS sobre miocardites omite que gravidade em crianças é praticamente nula em comparação com idosos

    Parecer da DGS sobre miocardites omite que gravidade em crianças é praticamente nula em comparação com idosos

    Para promover a vacinação de crianças, que tem estado abaixo das suas expectativas, a Direcção-Geral da Saúde divulgou hoje um parecer que coloca as miocardites e a síndrome inflamatória multissistémica (MISC-C) em idade pediátrica como de grande gravidade. O PÁGINA UM revela, através da base de dados das hospitalizações nos primeiros 15 meses da pandemia, outra realidade: estas duas afecções são muitíssimo raras e causaram apenas uma morte abaixo dos 50 anos (uma mulher de 34 anos por MISC-C). Mais graves, sim, são os níveis de letalidade dos mais idosos, daí a vantagem da sua vacinação. O PÁGINA UM também detectou, no parecer da DGS, incongruências, com citações científicas mal feitas.


    Nos primeiros 15 meses da pandemia, até Maio de 2021, apenas seis dos 814 menores hospitalizados com covid-19 desenvolveram um quadro clínico de miocardite. Apesar de todas terem estado em cuidados intensivos, sobretudo por precaução – mas sem necessidade de ventilação mecânica –, nenhuma morreu. Ao invés, embora raras, as miocardites foram mais frequentes e letais em idades avançadas.

    De acordo com a base de dados das hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, contabilizam-se 81 doentes (incluindo os menores) que sofreram diversos tipos de miocardite – catalogadas com os códigos B3322, I400, I408 e I409 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) –, dos quais dois terços (54 casos) tinham mais de 60 anos. Conforme conhecido, esta infecção cardíaca atinge mais o sexo masculino: 55 casos foram em homens (68% do total).

    Enquanto a letalidade em idades mais jovens foi praticamente nula – em menores de 60 anos, num total de 27 casos, apenas se registou a morte de um homem de 53 anos, em Janeiro do ano passado –, a gravidade desta infecção nos mais idosos já foi bastante relevante.

    doctor and nurses inside operating room

    Não sendo possível determinar, através da base de dados, em que grau a miocardite contribuiu para um desfecho fatal, certo é que das 54 pessoas com mais de 60 anos que desenvolveram esta infecção no coração se contabilizam 24 óbitos. Ou seja, a miocardite associada à covid-19 – que, por estas semanas, tanto tem afligido pais – não causou qualquer morte em idade pediátrica, apresentando uma letalidade de quase 45% nos maiores de 60 anos. No caso dos maiores de 80 anos, então é particularmente grave: dos 18 que sofreram miocardite com covid-19, 12 acabaram por falecer (67%).

    No entanto, uma conclusão se deve retirar: a miocardite é efectivamente um problema, mesmo no quadro dos doentes-covid, bastante raro: no total dos internados, a prevalência foi apenas de 0,15% (81 casos em pouco mais de 54 mil hospitalizações até Maio de 2021), sendo que para os menores de idade foi de 0,7%, mas com uma letalidade de 0% (6 casos em 814 internamentos).

    Se se considerar que até Maio de 2021 tinham sido infectadas cerca de 850 mil pessoas – não contabilizando assintomáticos não detectados por teste PCR –, as miocardites atingiram apenas uma incidência de menos de 10 casos por cada 100.000 infectados de todas as idades.

    hands formed together with red heart paint

    No caso dos doentes que sofreram de síndrome inflamatória multissistémica associada à covid-19 (MISC-C) – com o código M3581 da CDI –, houve mais casos em idade pediátrica, mas também sem mortes. De acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia contabilizam-se 85 doentes com MISC-C – alguns também com miocardites –, dos quais 23 com menos de 18 anos. Apesar de quase todos terem sido internados em cuidados intensivos, para um melhor acompanhamento, mas também sem ventilação mecânica, não houve nenhum óbito. Destes, apenas cinco casos tiveram uma hospitalização superior a duas semanas.

    Uma mulher de 34 anos foi a vítima mais jovem com MISC-C associada à covid-19, tendo-se registado mais três óbitos em quinquagenários: um homem de 51 anos e mais dois de 55 anos. Acima dos 60 anos, embora esta seja também uma afecção rara (52 casos contabilizados nos primeiros 15 meses da pandemia), a MISC-C mostra-se bastante letal: 71% das pessoas acabaram por morrer. Nos maiores de 80 anos a taxa de mortalidade atingiu os 77% (17 óbitos em 22 casos).

    Em suma, sendo bastante raras estas duas afecções associadas à covid-19, em idade pediátrica é incomensuravelmente menos grave – ou seja, sem qualquer óbito – do que em idades adultas e sobretudo em comparação com os mais idosos.

    Apesar destes dados concretos da situação em Portugal, dois consultores da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para o Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares divulgaram hoje um parecer onde dão a entender que a miocardite associada à covid-19 constitui uma afecção grave em idade pediátrica, numa tentativa de promover a vacinação de crianças, que ronda actualmente os 50%.

    black and white digital heart beat monitor at 97 display

    Com efeito, neste parecer – intitulado “Vacina para covid-19 em idade pediátrica e lesão cardíaca: o que sabemos” – refere-se, no ponto 2, que “a miocardite associada à covid-19 pode ocorrer em três circunstâncias diferentes: devido à infeção viral, em cerca de 60 casos por 100.000 indivíduos infetados; na doença mais grave, síndrome inflamatória multissistémica por covid-19 (MISC-C ou PIMS) atingindo cerca de 17,3% dos casos; e após vacinação, com uma incidência de 0,5 a 1 caso por 100.000 indivíduos.”

    Porém, os dois autores do parecer – Fátima Pinto, directora de Cardiologia Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, e Filipe Macedo, cardiologista do Hospital de São João – não especificam sequer se se referem a prevalências em idade pediátrica ou para toda a população.

    Por outro lado, embora elenquem oito referências bibliográficas, nenhuma se refere a dados específicos de Portugal, não indicando sequer quaisquer dados nacionais sobre miocardites e síndrome inflamatória multissistémica em crianças, jovens, adultos em idade activa e idosos. Esses dados existem, mas a DGS recusa-se a divulga-los.

    Contudo, o PÁGINA UM detectou pelo menos uma incorrecta interpretação dos dois peritos sobre as conclusões do artigo científico por eles citado. Com efeito, no ponto 5 do parecer, Fátima Pinto e Filipe Macedo escrevem taxativamente que “a miocardite por infeção com SARS-CoV-2 sendo cerca de 60 vezes mais frequente, que após a vacinação [sic], pode ter sintomas mais graves, evolução mais prolongada, bem como complicações e sequelas a longo prazo”, acrescentando que “desconhece-se ainda, se existem complicações ou sequelas persistentes”.

    person lying on bed and another person standing

    Na verdade, as conclusões do artigo de investigadores norte-americanos da Universidade de Emory – ainda não revisto pelos pares (peer review), estando apenas publicado no site MedRxiv –, referenciado pelos autores do parecer da DGS, são afinal algo diferentes.

    Sob o título “Comparison of MIS-C related myocarditis, classic viral myocarditis, and covid-19 vaccine related myocarditis in children“, os autores daquela universidade salientam afinal que “comparativamente com os [doentes] que têm miocardite clássica, os que têm miocardite por síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C) tiveram perturbações hematológicas mais significativas e inflamação mais grave em apresentação, mas tiveram melhores resultados clínicos, incluindo rápida recuperação da função cardíaca”, acrescentando ainda que “pacientes com miocardite relacionada com a vacina de covid-19 tiveram uma apresentação clínica semelhante aos pacientes com miocardite clássica, mas o seu padrão de recuperação foi semelhante aos que tiveram síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C), com rápida resolução de sintomas e melhorias na função cardíaca”.

    E finalizam ainda que “o acompanhamento a longo prazo deve focar-se nas consequências cardíacas e não-cardíacas de miocardites associadas à doença e à vacinação de covid-19.” Ou seja, não estabelecem quaisquer considerações sobre distintos efeitos a longo prazo entre vacinados e infectados com covid-19, ao contrário daquilo que os dois consultores da DGS deixam explicitamente transparecer.

    O PÁGINA UM colocou diversas questões sobre estas matérias quer aos dois peritos quer à directora-geral da Saúde, Graça Freitas, pedindo-lhes também esclarecimentos, mas como habitualmente não obteve resposta.

  • Abaixo-assinado de destacados médicos quer suspensão imediata de vacinação em crianças e jovens saudáveis

    Abaixo-assinado de destacados médicos quer suspensão imediata de vacinação em crianças e jovens saudáveis

    Signatários dizem “erguer a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”, e assumem honrar e defender a leges artis e a ética da Medicina. O abaixo-assinado surge no dia em que Direcção-Geral da Saúde (DGS) divulga um parecer dúbio sobre o impacte das miocardites em infectados pelo SARS-CoV-2 para reforçar o apelo à vacinação de crianças. O PÁGINA UM apresentará, ainda esta tarde, uma análise detalhada a este parecer da DGS.


    Um grupo de 27 médicos, incluindo 14 pediatras, pediram hoje, em carta aberta, a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens, assumindo estarem a erguer “a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”.

    Entre os signatários encontram-se o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Reiterando que não está em causa os benefícios das vacinas “para adultos ou crianças com comorbilidades que acarretem risco acrescido de covid-19″, os signatários advertem que, no caso das crianças saudáveis, “não existe situação de emergência” que justifique a “utilização de medicamentos [como as vacinas] que não tenham os estudos de segurança e eficácia completos”. Estes especialistas relembram, aliás, que “a infecção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos; os internamentos são muito raros, e a mortalidade tendencialmente nula em crianças saudáveis no nosso país”.

    brown bear plush toy beside white and black round frame

    Além disso, salientam que a situação epidemiológica se alterou bastante com o surgimento da “nova variante Ómicron, altamente transmissível, mas menos agressiva que as anteriores, nomeadamente a variante Delta”.

    Como esta variante “é menos patogénica, tem uma menor afinidade para as vias aéreas respiratórias inferiores (…), causando menos pneumonias, menos internamentos, menor letalidade”, destacam ainda. Ou seja, se o risco com as anteriores variantes já era praticamente nula – não morreu nenhuma criança entre os 5 e os 11 anos –, a probabilidade de uma morte de uma criança saudável não vacinada ainda é mais remota.

    Nessa medida, estes especialistas – todos nomeados – concluem que “se identifica um imperativo da suspensão cautelar da vacinação em crianças e jovens, até que se comprove a sua necessidade, benefício e segurança”.

    A preocupação dos especialistas centra-se no facto de já terem sido notificadas ao Infarmed “mais de uma centena de possíveis reacções adversas graves, incluindo síncopes (colapsos), miocardites/pericardites e morte, em crianças e jovens”. Aliás, o abaixo-assinado conclui com um aviso: é imperativo a “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários”.

    Este abaixo-assinado surge no exacto momento em que a Direcção-Geral da Saúde divulgou um parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, assinados por dois consultores desta entidade, Fátima Pinto e Filipe Macedo, este último professor da Faculdade de Medicina do Porto e cardiologista do Hospital de São João.

    O PÁGINA UM já detectou algumas incongruências e aspectos dúbios neste parecer e, durante esta tarde, publicará uma análise circunstanciada, que incluirá dados sobre os casos de internamento por miocardites, por idade, nos primeiros 15 meses da pandemia.

    Artigo com colaboração de Maria Afonso Peixoto

  • Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

    Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

    A resiliência é uma das melhores características dos enfermeiros, mas o medo das doenças também os atinge. Um estudo minucioso num hospital iraniano avaliou a sua saúde mental durante a pandemia, e apurou que oito em cada 10 enfermeiros desenvolveram algum grau de hipocondria. Em Portugal, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros confirma que a saúde mental destes profissionais está mais fragilizada.


    Como soldados numa frente de guerra, as enfermeiras e enfermeiros estiveram na linha da frente nos hospitais durante a pandemia. Uns mostraram-se resistentes heróis, mas outros também soçobraram e ficaram até hipocondríacos. Um estudo realizado no hospital iraniano de Hazrat Ali Asghar, e publicado na revista BMC Nursing em Novembro passado, avaliou o impacte da avalanche de desafios no pessoal de enfermagem: elevadas cargas horárias, constantes mudanças de protocolos, fadiga e, em muitos casos, um isolamento forçado do seu núcleo familiar, devido ao receio de os infectar.

    Em situações normais, já se sabia que estes profissionais de saúde estavam mais susceptíveis a sofrer stress, problemas mentais e até hipocondria, mas confirmou-se agora que essa propensão piorou na gestão da covid-19.

    woman in blue t-shirt holding brown cardboard box

    O estudo baseou-se num inquérito a 312 enfermeiros de um hospital de referência no tratamento desta doença, dividido em três partes. A primeira centrava-se nas características pessoais dos enfermeiros, a segunda aferia o seu nível de resiliência e, por fim, a terceira tentava apurar o grau de hipocondria. Para esta última fase foram criados cinco grupos: saudável (sem qualquer hipocondria), hipocondria ambígua (borderline), ligeira, moderada e severa.

    Para surpresa dos investigadores, os valores da hipocondria atingiram níveis elevadíssimos: oito em cada 10 enfermeiros (81,4%) estavam com receio de se infectar, sendo que em mais de metade dos casos esse medo era moderado. De acordo com outras avaliações similares antes da pandemia, citadas pelos investigadores do estudo, os níveis de hipocondria andavam, em geral, entre os 18% e os 45%.

    Por outro lado, e associado à hipocondria, o nível médio de resiliência já se revelou moderado. A capacidade de ser resiliente pode definir-se pelo grau de adaptabilidade e flexibilidade perante situações adversas e de crise.

    Neste aspecto, cerca de metade dos enfermeiros mostrou níveis razoáveis de resiliência. A confiança nos instintos individuais, o nível de instrução, a adaptação à mudança, o sexo, a intensidade de trabalho e até a espiritualidade foram considerados pelos investigadores os factores determinantes para uma maior ou menor resiliência.

    Os enfermeiros mais espirituais detinham, por outro lado, duas a seis vezes menor probabilidade de sofrer de doenças mentais. Já as enfermeiras apresentaram uma maior propensão para a hipocondria. Os investigadores referem que esse facto pode dever-se às dificuldades acrescidas das mulheres em conjugar as responsabilidades do lar e do cuidado dos filhos com o trabalho.

    A pressão e a intensidade também se mostraram relevantes. Os enfermeiros com mais de 20 turnos por mês – que perfaziam 45% do total – e com mais de três pacientes ao seu cuidado, registaram uma menor resiliência e maiores sinais de hipocondria. Mais trabalho e menos tempo com a família foram causas apontadas pelos investigadores para a deterioração do estado mental e emocional.

    Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

    Outro elemento digno de nota foi o nível de educação. Os enfermeiros com mestrado (cerca de 11%) apresentaram níveis mais baixos de hipocondria do que os licenciados. Com frequência, os cargos mais elevados – como de chefes ou supervisores – são ocupados pelos mais instruídos, e assim o facto de esses enfermeiros terem menor contacto directo com doentes pode ter contribuído para um menor stress. Além disso, de acordo com os investigadores, os seus salários mais elevados terão feito sentirem-se mais seguros, aumentando a sua resiliência.

    Por fim, a idade e a experiência também pareceram ser preponderantes. Os enfermeiros mais velhos, e com carreiras mais longas, revelaram maior capacidade de lidar com trabalhos mais complexos. Em todo o caso, em termos globais, o impacte da pandemia atingiu a maioria das equipas de enfermagem, uma vez que os jovens, mais propensos à hipocondria, eram o grupo maioritário neste hospital. Com efeito, a maioria tinha menos de trinta anos.

    Em declarações ao PÁGINA UM, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, diz que o tema da hipocondria entre a classe nunca “veio à baila” durante a pandemia, mas admite que a saúde mental destes profissionais, sendo já habitualmente frágil, se agravou durante a crise sanitária.

    Segundo Ana Rita Cavaco, antes da pandemia, “um em cada cinco enfermeiros estavam a trabalhar em esgotamento (burnout) e dois terços com grande stress“, situação que se agudizou em 2020. “Os nossos enfermeiros foram os mais expostos, estiveram muito próximos dos doentes”, salienta a bastonária, relevando também as condições económicas e de condições de trabalho que levaram mais de dois mil enfermeiros portugueses a emigrarem nos últimos dois anos.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Contratos das vacinas infantis salvam Pfizer do pagamento de indemnizações

    Contratos das vacinas infantis salvam Pfizer do pagamento de indemnizações

    O carácter voluntário da toma das vacinas contra a covid-19 e as cláusulas de exclusão de responsabilidades em anteriores contratos dificultarão sobremaneira eventuais pedidos de indemnização por lesões e outros danos pessoais às farmacêuticas e mesmo aos Estados. O secretismo do Infarmed na divulgação dos critérios para inclusão dos eventos adversos confirmados também não ajudarão quem se considerar lesado.


    A Direcção-Geral da Saúde recusa esclarecer se o contrato das vacinas da Pfizer em crianças contém a mesma cláusula de exclusão de responsabilidade dos dois primeiros contratos assinados em 9 de Dezembro de 2020 e em 18 de Janeiro do ano passado.

    O contrato para a compra de 700 mil doses para crianças à farmacêutica norte-americana, também por ajuste directo, terá sido assinado em Novembro passado, antes mesmo da elaboração do parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), com prazos de entrega em Dezembro de 2021 e no presente mês de Janeiro, conforme anunciou o Diário de Notícias.

    Por lei, este contrato já deveria constar do Portal BASE, mas inexplicavelmente a DGS não explica a razão pela qual não o enviou para registo ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade gestora daquela base de dados da contratação pública.

    black and white labeled bottle

    Em todo o caso, o PÁGINA UM sabe que não houve qualquer alteração do enquadramento jurídico dos contratos das vacinas contra a covid-19, no seguimento do acordo global de compra (Advanced Purchase Agreement) assinado entre a Comissão Europeia e as diversas farmacêuticas, entre as quais a Pfizer. A partir desse acordo, cada país ficou apenas incumbido de indicar as doses e os prazos de entregas, mas sem a inclusão de quaisquer cláusulas de responsabilidade civil para as empresas produtoras das vacinas. Ou seja, em caso de problemas de saúde para quem tomar as vacinas, as farmacêuticas descartam-se do pagamento de indemnizações.

    A mesma desresponsabilização sucederá com os diversos Estados da União Europeia, como Portugal, que até agora não impuseram a vacinação obrigatória. Independentemente das pressões sociais e políticas sendo a vacinação voluntária e havendo um consentimento informado oral, assume-se que as pessoas vacinadas e os pais dos menores assumiram os riscos, pelo que quaisquer danos físicos ou não-patrimoniais nunca serão, em princípio, garantidos pelo Estado.

    woman inject boy on arm

    Nos dois contratos conhecidos entre a DGS e a Pfizer/BioNTech – o primeiro para a compra de 4.540.805 doses ao preço de 12 euros, em Dezembro de 2020; e o segundo para a compra de 2.220.596 doses ao preço de 15,5 euros, em Janeiro de 2021 – ficou assumido que “as circunstâncias de emergência” implicavam que o Estado português “reconhecia que a vacina, e os materiais relacionados com as vacinas, e seus compostos e materiais constituintes, estão a ser desenvolvidos rapidamente”. E, por esse motivo, “o Estado Membro Participante [o Estado português, neste caso] reconhece ainda que os efeitos a longo-prazo e a eficácia da vacina não são actualmente conhecidos.”

    Esta autêntica cláusula de exclusão de responsabilidades também se reforçava na frase seguinte do contrato, onde se refere que “o Estado Membro Participante reconhece que a vacina não deve ser serializada.”

    Mesmo sabendo-se que as vacinas têm chegado a Portugal em lotes e com número de série, a excepção expressa no contrato das vacinas contra a covid-19 – ou seja, a serialização não é assumida formalmente – pode ser outro entrave adicional a eventuais pedidos de indemnização.

    Trecho do contrato (APA) entre a Comissão Europeia e a Pfizer que desresponsabiliza a farmacêutica de pagar indemnizações civis por danos nos vacinados

    Os contratos das outras farmacêuticas, como a Moderna, não têm cláusulas de exclusão de forma tão explícita, mas remetem para o acordo (APA) feito pela Comissão Europeia.

    Em Julho do ano passado, eurodeputados da Esquerda Unitária Europeia (The Left) – que congrega o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista – salientavam num relatório que os contratos com os fabricantes das vacinas continham cláusulas que “protegiam as companhias de qualquer risco financeiro de responsabilidade civil”.

    Mesmo a eventualidade de responsabilização do Estado português necessitará da associação inequívoca entre a toma das vacinas e os danos. Nesse aspecto, será sempre necessário que o Infarmed certifique, através da farmacovigilância, a existência de uma relação directa entre a vacina e o dano, mas esta entidade tem recusado sequer informar sobre os critérios para a inclusão dos eventos adversos na sua base de dados. O Estado português pode sempre também defender-se através do carácter voluntário, e que as pessoas vacinadas tomaram uma decisão individual livre.

  • Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência

    Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência

    Editorial de uma das prestigiadas revistas médicas do Mundo – a BMJ – apela para a necessidade imperiosa de serem disponibilizados dados brutos de fármacos contra a covid-19 para escrutínio independente, recordando o escândalo do Tamiflu há 13 anos. Farmacêuticas e entidades reguladoras tentam adiar esse acto.


    Três editores da prestigiada revista científica BMJ – Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi – apelaram ontem para a urgência de serem disponibilizados os dados brutos relacionados com as vacinas contra a covid-19, receando que se esteja a repetir a situação de fraude ocorrida com o Tamiflu – um antiviral produzido pela Roche contra a pandemia da gripe de 2009, que mais tarde se apurou afinal ter resultados decepcionantes.

    Num editorial extremamente crítico, os três cientistas censuram a Pfizer por não facultar os dados detalhados dos ensaios clínicos antes de Maio de 2025, acusando também de estar em conluio com outras farmacêuticas, de modo a dificultarem o acesso à informação a investigadores independentes.

    A Moderna, uma das outras produtoras de vacinas contra a covid-19, também já informou que apenas libertará dados dos ensaios clínicos em bruto a partir de finais de Outubro deste ano. No entanto, esses dados estarão apenas disponíveis “mediante solicitação e sujeitos a revisão assim que o estudo estiver concluído”. No caso dos ensaios clínicos da AstraZeneca, a farmacêutica anglo-sueca prometeu ceder informação detalhada a partir do início de 2022, mas os editores da BMJ receiam que “na verdade, a obtenção de dados pode ser lenta”. Aliás, acrescentam que o site da empresa explica que “os prazos variam de acordo com a solicitação e podem levar até um ano após o envio completo da solicitação”.

    Tamiflu foi um antiviral para combater a pandemia de 2009, que afinal se mostrou ineficaz. Portugal pagou 23 milhões de euros à Roche.

    Também os ensaios de outros fármacos associados à luta contra a covid-19 sofrem de similares males. Os relatórios publicados do estudo de fase III da farmacêutica Regeneron sobre os anticorpos monoclonais REGEN-COV afirmam taxativamente que não serão disponibilizados quaisquer dados em bruto.

    Quanto ao polémico remdesivir, comercializado pela Gilead, os editores da BMJ referem que as autoridades sanitárias norte-americanas, que co-financiaram o estudo sobre os seus efeitos contra o SARS-CoV-2, criaram um novo portal para compartilhar dados, mas com conteúdos muito limitados.

    Em suma, como avisam estes investigadores, na verdade só se encontram disponíveis as publicações científicas de autores associados às farmacêuticas, defendendo ser essa situação extremamente preocupante para “os participantes dos estudos, os investigadores, os médicos, os editores de periódicos científicos, os formuladores de políticas e o público”.

    E avisam também que esta prática de não divulgação dos dados em bruto em simultâneo com o envio e aprovação dos artigos científicos, contrariando o que é norma em Ciência, se deveu a pressões derivadas da emergência pandémica. “Os periódicos que publicaram esses estudos primários podem argumentar que enfrentaram um dilema embaraçoso, entre disponibilizar rapidamente os resultados resumidos e defender os melhores valores éticos que apoiam o acesso oportuno aos dados subjacentes”, referem os editores da BMJ, para em seguida sentenciarem: “Em nossa opinião, não há dilema; os dados anonimizados de participantes individuais de ensaios clínicos devem ser disponibilizados para escrutínio independente.”

    Estes responsáveis científicos da BMJ criticam também a postura da Food and Drug Administration – a agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos – que, após uma decisão judicial ao abrigo da liberdade de informação, apenas tem estado a libertar “ 500 páginas por mês” sobre os ensaios da Pfizer, ritmo que a manter-se levará décadas para ser concluído.

    Saliente-se, contudo, que há cerca de uma semana um juiz federal no Texas determinou que a FDA deve, até o final deste mês, tornar públicas 12.000 páginas dos dados que usou para tomar decisões sobre aprovações da vacina da Pfizer/BioNTech, e depois libertar 55.000 páginas por mês até que todas as 450.000 páginas solicitadas sejam públicas.

    Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi recordam ainda o caso do Tamiflu, um fármaco produzido pela Roche para combater a gripe H1N1, que facturou cerca de 3 mil milhões de dólares só em 2009. Afinal, relembram os editores da BMJ, o medicamento “não demonstrou reduzir o risco de complicações, internamentos hospitalares ou morte”, acrescentando que “a maioria dos ensaios que sustentaram a aprovação regulatória e o armazenamento governamental de oseltamivir (Tamiflu) foram patrocinados pelo fabricante; a maioria era inédita, os que foram publicados foram escritos por autores pagos pelo fabricante, as pessoas listadas como autores principais não tinham acesso aos dados brutos, e os académicos que solicitaram acesso aos dados para análise independente não receberam nada”.

    Saliente-se que, no caso do Tamiflu, o Estado português comprou 2,5 milhões de doses deste ineficaz antiviral, pagando 23 milhões de euros. Acabou por gastar ainda mais 6 mil euros para incinerar tudo em finais de 2018.

    Editorial integral da BMJ


    Nota: Adicionada informação sobre decisão do juiz federal às 18:40 de 21/01/2022.