Categoria: Saúde

  • Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Doentes terminais com SIDA aparecem como mortos por covid-19

    Na véspera de Natal de 2020, um jovem de 31 anos, doente com SIDA, despediu-se da vida: tinha uma trombose da veia porta, hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e no intestino. Um teste à covid-19 deu positivo. Até Maio de 2021, ele foi uma das 40 vítimas do VIH que a Direcção-Geral da Saúde “transformou” em vítimas do SARS-CoV-2.


    Em Dezembro no ano passado, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou “desvio de recursos”, por causa da pandemia, para não apresentar o relatório da evolução da infecção VIH (vírus da imunodeficiência humana) relativo ao ano de 2020, mas decidiu já “encaixar” 40 mortes de doentes com SIDA nas estatísticas da covid-19. Portugal foi o único país da União Europeia a não divulgar o relatório anual sobre aquela doença, como era habitual, no Dia Mundial de Luta contra o VIH/SIDA. Recorde-se que em 2019 foram reportados 778 novos casos e registados 197 óbitos em doentes infectados por VIH.

    De acordo com a base de dados a que o PÁGINA UM teve acesso, relativo ao período entre Março de 2020 e Maio do ano passado, os infectados com o VIH foram sempre considerados como doentes-covid se tivessem um teste positivo ao SARS-CoV-2, mesmo quando a causa da hospitalização era claramente outra, sobretudo, nestes casos, relacionada com os efeitos da imunodeficiência adquirida.

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    Este é um dos exemplos mais flagrantes de serem falsas as garantias dadas ao jornal digital Observador pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, de que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Segundo os dados consultados pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia foram hospitalizados, como doentes-covid, um total de 171 infectados pelo VIH, dos quais 113 durante o ano de 2020.

    Pela interpretação dos registos destes doentes, com quadros clínicos bastante diversificados, muitos apresentavam já diagnóstico positivo à covid-19 na admissão hospitalar. No entanto, pelo menos 67 terão sido internados por outras causas directamente relacionadas com o VIH, atendendo que a referência a esta enfermidade (código B20 na CDI – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) se encontra nas posições 0, 1 ou 2 da ordem de diagnóstico.

    Apesar da taxa de mortalidade hospitalar dos infectados por VIH e com o SARS-CoV-2 não ter sido muito mais elevada do que a dos doentes sem VIH (em ambos os casos rondando os 23%), foram contabilizados 40 óbitos por covid-19 que, em condições normais, seriam classificados como SIDA.

    Em todo o caso, em linha com o perfil de letalidade da covid-19 em condições normais, a idade foi determinante para o desfecho: a média de idade dos infectados com VIH que sobreviveram ao SARS-CoV-2 era de 52,7 anos, enquanto aqueles que acabaram por falecer tinham uma média etária de 60,7 anos.

    A mais idosa vítima com VIH e SARS-CoV-2 foi uma mulher de 88 anos, que morreu em Janeiro do ano passado na região do Alto Minho. No caso do mais idoso sobrevivente com ambos os vírus, foi um homem de 83 anos, que esteve internado no Hospital Amadora-Sintra durante 10 dias entre Janeiro e Fevereiro do ano passado.

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    Os internamentos dos sobreviventes foram, contudo, bastante longos: média de 19 dias, o que indicia que, em grande parte dos internamentos, as causas não foram apenas a covid-19, ou não as foram de todo.

    No caso das vítimas mortais, a média também foi bastante elevada (mais de 20 dias), mas sobretudo devida à complexidade das afecções associadas ao VIH.

    Um dos casos evidentes foi a de um homem de 46 anos, que faleceu em Janeiro ano passado no Hospital de Setúbal como doente-covid – entrando assim nas estatísticas da pandemia feitas pela DGS –, depois de ter sido internado em Outubro de 2020 com um quadro terminal de SIDA, designadamente pneumocistose e sarcoma de Kaposi.

    Contudo, em 13 casos fatais, o desfecho foi muito rápido: logo na primeira semana de internamento, o que indicia situações de grande fragilidade.

    Está aqui incluída a vítima mais jovem: um homem de apenas 31 anos, internado no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central em Dezembro de 2020, numa situação já muito crítica e de grande debilidade: uma trombose da veia porta (obstrução do vaso sanguíneo que leva sangue dos intestinos ao fígado), hepatite C crónica, cancro do fígado e sarcoma de Kaposi na pele e nos intestinos.

    Foi-lhe realizado um teste ao SARS-CoV-2, que deu positivo. Morreu em oito dias. Na véspera de Natal. E como doente-covid, assim classificado pela DGS.

  • Professora do pequeno Rodrigo aconselha pais a pedirem declaração escrita de médico se vacinarem filhos

    Professora do pequeno Rodrigo aconselha pais a pedirem declaração escrita de médico se vacinarem filhos


    Liliana Leite, actriz e professora de teatro na Escola Básica de São João de Deus (Lisboa), quebrou o silêncio após um polémico texto no Facebook onde comentava a trágica morte do pequeno Rodrigo, o seu aluno de seis anos, por paragem cardiorespiratória, no dia 16 deste mês.

    A criança, socorrida sem sucesso no Hospital de Santa Maria, teve um teste positivo ao SARS-CoV-2, mas o facto de ter sido vacinada uma semana antes e ter apresentado um quadro clínico altamente suspeito, levaram os médicos que a assistiram a comunicar ao Infarmed uma potencial reacção adversa. Neste momento, aguardam-se exames complementares – que demorarão ainda algumas semanas -, mas descartada está a possibilidade de engasgamento.

    No vídeo colocado no Youtube, Liliana Leite faz um apelo emocionado, aconselhando os pais a “lerem primeiro e fal[ar]em com um médico, e se ele for de opinião de que a criança deva ser vacinada, então que o faça por escrito”, questionando em seguida: “se isso acontece em casos mais simples [um atestado de um médico], porque não acontece nestes casos?”

    Depoimento de Liliana Leite

    E confirma também o quadro de prostração da criança dois dias antes do seu falecimento: “estava cabisbaixo, com a cabeça apoiada na mesa, e sim, tinha olheiras, e sim, apresentava dificuldades respiratórias, e sim, disse-me ando cansado desde que tomei a vacina”.

    Recorde-se que esta semana um grupo de 27 médicos, incluindo 14 pediatras, pediram, em carta aberta, a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens, assumindo estarem a erguer “a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”.

    Entre os signatários encontram-se o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Reiterando que não está em causa os benefícios das vacinas “para adultos ou crianças com comorbilidades que acarretem risco acrescido de covid-19″, os signatários advertiram que, no caso das crianças saudáveis, como era o caso da criança falecida no dia 16, “não existe situação de emergência” que justifique a “utilização de medicamentos [como as vacinas] que não tenham os estudos de segurança e eficácia completos”. Estes especialistas relembram, aliás, que “a infecção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos; os internamentos são muito raros, e a mortalidade tendencialmente nula em crianças saudáveis no nosso país”.

    A Direcção-Geral da Saúde não reagiu ainda a este abaixo-assinado.

    Até ao momento, quase dois anos após o início da pandemia, não morreu em Portugal qualquer criança dos 5 aos 11 anos por causa de covid-19.

  • Parecer da DGS sobre miocardites omite que gravidade em crianças é praticamente nula em comparação com idosos

    Parecer da DGS sobre miocardites omite que gravidade em crianças é praticamente nula em comparação com idosos

    Para promover a vacinação de crianças, que tem estado abaixo das suas expectativas, a Direcção-Geral da Saúde divulgou hoje um parecer que coloca as miocardites e a síndrome inflamatória multissistémica (MISC-C) em idade pediátrica como de grande gravidade. O PÁGINA UM revela, através da base de dados das hospitalizações nos primeiros 15 meses da pandemia, outra realidade: estas duas afecções são muitíssimo raras e causaram apenas uma morte abaixo dos 50 anos (uma mulher de 34 anos por MISC-C). Mais graves, sim, são os níveis de letalidade dos mais idosos, daí a vantagem da sua vacinação. O PÁGINA UM também detectou, no parecer da DGS, incongruências, com citações científicas mal feitas.


    Nos primeiros 15 meses da pandemia, até Maio de 2021, apenas seis dos 814 menores hospitalizados com covid-19 desenvolveram um quadro clínico de miocardite. Apesar de todas terem estado em cuidados intensivos, sobretudo por precaução – mas sem necessidade de ventilação mecânica –, nenhuma morreu. Ao invés, embora raras, as miocardites foram mais frequentes e letais em idades avançadas.

    De acordo com a base de dados das hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, contabilizam-se 81 doentes (incluindo os menores) que sofreram diversos tipos de miocardite – catalogadas com os códigos B3322, I400, I408 e I409 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) –, dos quais dois terços (54 casos) tinham mais de 60 anos. Conforme conhecido, esta infecção cardíaca atinge mais o sexo masculino: 55 casos foram em homens (68% do total).

    Enquanto a letalidade em idades mais jovens foi praticamente nula – em menores de 60 anos, num total de 27 casos, apenas se registou a morte de um homem de 53 anos, em Janeiro do ano passado –, a gravidade desta infecção nos mais idosos já foi bastante relevante.

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    Não sendo possível determinar, através da base de dados, em que grau a miocardite contribuiu para um desfecho fatal, certo é que das 54 pessoas com mais de 60 anos que desenvolveram esta infecção no coração se contabilizam 24 óbitos. Ou seja, a miocardite associada à covid-19 – que, por estas semanas, tanto tem afligido pais – não causou qualquer morte em idade pediátrica, apresentando uma letalidade de quase 45% nos maiores de 60 anos. No caso dos maiores de 80 anos, então é particularmente grave: dos 18 que sofreram miocardite com covid-19, 12 acabaram por falecer (67%).

    No entanto, uma conclusão se deve retirar: a miocardite é efectivamente um problema, mesmo no quadro dos doentes-covid, bastante raro: no total dos internados, a prevalência foi apenas de 0,15% (81 casos em pouco mais de 54 mil hospitalizações até Maio de 2021), sendo que para os menores de idade foi de 0,7%, mas com uma letalidade de 0% (6 casos em 814 internamentos).

    Se se considerar que até Maio de 2021 tinham sido infectadas cerca de 850 mil pessoas – não contabilizando assintomáticos não detectados por teste PCR –, as miocardites atingiram apenas uma incidência de menos de 10 casos por cada 100.000 infectados de todas as idades.

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    No caso dos doentes que sofreram de síndrome inflamatória multissistémica associada à covid-19 (MISC-C) – com o código M3581 da CDI –, houve mais casos em idade pediátrica, mas também sem mortes. De acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, nos primeiros 15 meses da pandemia contabilizam-se 85 doentes com MISC-C – alguns também com miocardites –, dos quais 23 com menos de 18 anos. Apesar de quase todos terem sido internados em cuidados intensivos, para um melhor acompanhamento, mas também sem ventilação mecânica, não houve nenhum óbito. Destes, apenas cinco casos tiveram uma hospitalização superior a duas semanas.

    Uma mulher de 34 anos foi a vítima mais jovem com MISC-C associada à covid-19, tendo-se registado mais três óbitos em quinquagenários: um homem de 51 anos e mais dois de 55 anos. Acima dos 60 anos, embora esta seja também uma afecção rara (52 casos contabilizados nos primeiros 15 meses da pandemia), a MISC-C mostra-se bastante letal: 71% das pessoas acabaram por morrer. Nos maiores de 80 anos a taxa de mortalidade atingiu os 77% (17 óbitos em 22 casos).

    Em suma, sendo bastante raras estas duas afecções associadas à covid-19, em idade pediátrica é incomensuravelmente menos grave – ou seja, sem qualquer óbito – do que em idades adultas e sobretudo em comparação com os mais idosos.

    Apesar destes dados concretos da situação em Portugal, dois consultores da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para o Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares divulgaram hoje um parecer onde dão a entender que a miocardite associada à covid-19 constitui uma afecção grave em idade pediátrica, numa tentativa de promover a vacinação de crianças, que ronda actualmente os 50%.

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    Com efeito, neste parecer – intitulado “Vacina para covid-19 em idade pediátrica e lesão cardíaca: o que sabemos” – refere-se, no ponto 2, que “a miocardite associada à covid-19 pode ocorrer em três circunstâncias diferentes: devido à infeção viral, em cerca de 60 casos por 100.000 indivíduos infetados; na doença mais grave, síndrome inflamatória multissistémica por covid-19 (MISC-C ou PIMS) atingindo cerca de 17,3% dos casos; e após vacinação, com uma incidência de 0,5 a 1 caso por 100.000 indivíduos.”

    Porém, os dois autores do parecer – Fátima Pinto, directora de Cardiologia Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, e Filipe Macedo, cardiologista do Hospital de São João – não especificam sequer se se referem a prevalências em idade pediátrica ou para toda a população.

    Por outro lado, embora elenquem oito referências bibliográficas, nenhuma se refere a dados específicos de Portugal, não indicando sequer quaisquer dados nacionais sobre miocardites e síndrome inflamatória multissistémica em crianças, jovens, adultos em idade activa e idosos. Esses dados existem, mas a DGS recusa-se a divulga-los.

    Contudo, o PÁGINA UM detectou pelo menos uma incorrecta interpretação dos dois peritos sobre as conclusões do artigo científico por eles citado. Com efeito, no ponto 5 do parecer, Fátima Pinto e Filipe Macedo escrevem taxativamente que “a miocardite por infeção com SARS-CoV-2 sendo cerca de 60 vezes mais frequente, que após a vacinação [sic], pode ter sintomas mais graves, evolução mais prolongada, bem como complicações e sequelas a longo prazo”, acrescentando que “desconhece-se ainda, se existem complicações ou sequelas persistentes”.

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    Na verdade, as conclusões do artigo de investigadores norte-americanos da Universidade de Emory – ainda não revisto pelos pares (peer review), estando apenas publicado no site MedRxiv –, referenciado pelos autores do parecer da DGS, são afinal algo diferentes.

    Sob o título “Comparison of MIS-C related myocarditis, classic viral myocarditis, and covid-19 vaccine related myocarditis in children“, os autores daquela universidade salientam afinal que “comparativamente com os [doentes] que têm miocardite clássica, os que têm miocardite por síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C) tiveram perturbações hematológicas mais significativas e inflamação mais grave em apresentação, mas tiveram melhores resultados clínicos, incluindo rápida recuperação da função cardíaca”, acrescentando ainda que “pacientes com miocardite relacionada com a vacina de covid-19 tiveram uma apresentação clínica semelhante aos pacientes com miocardite clássica, mas o seu padrão de recuperação foi semelhante aos que tiveram síndrome inflamatória multissistémica (MIS-C), com rápida resolução de sintomas e melhorias na função cardíaca”.

    E finalizam ainda que “o acompanhamento a longo prazo deve focar-se nas consequências cardíacas e não-cardíacas de miocardites associadas à doença e à vacinação de covid-19.” Ou seja, não estabelecem quaisquer considerações sobre distintos efeitos a longo prazo entre vacinados e infectados com covid-19, ao contrário daquilo que os dois consultores da DGS deixam explicitamente transparecer.

    O PÁGINA UM colocou diversas questões sobre estas matérias quer aos dois peritos quer à directora-geral da Saúde, Graça Freitas, pedindo-lhes também esclarecimentos, mas como habitualmente não obteve resposta.

  • Abaixo-assinado de destacados médicos quer suspensão imediata de vacinação em crianças e jovens saudáveis

    Abaixo-assinado de destacados médicos quer suspensão imediata de vacinação em crianças e jovens saudáveis

    Signatários dizem “erguer a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”, e assumem honrar e defender a leges artis e a ética da Medicina. O abaixo-assinado surge no dia em que Direcção-Geral da Saúde (DGS) divulga um parecer dúbio sobre o impacte das miocardites em infectados pelo SARS-CoV-2 para reforçar o apelo à vacinação de crianças. O PÁGINA UM apresentará, ainda esta tarde, uma análise detalhada a este parecer da DGS.


    Um grupo de 27 médicos, incluindo 14 pediatras, pediram hoje, em carta aberta, a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens, assumindo estarem a erguer “a sua voz publicamente na defesa da saúde dos portugueses e muito particularmente das crianças e jovens”.

    Entre os signatários encontram-se o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Reiterando que não está em causa os benefícios das vacinas “para adultos ou crianças com comorbilidades que acarretem risco acrescido de covid-19″, os signatários advertem que, no caso das crianças saudáveis, “não existe situação de emergência” que justifique a “utilização de medicamentos [como as vacinas] que não tenham os estudos de segurança e eficácia completos”. Estes especialistas relembram, aliás, que “a infecção de crianças e jovens é assintomática ou com sintomas ligeiros na maioria dos casos; os internamentos são muito raros, e a mortalidade tendencialmente nula em crianças saudáveis no nosso país”.

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    Além disso, salientam que a situação epidemiológica se alterou bastante com o surgimento da “nova variante Ómicron, altamente transmissível, mas menos agressiva que as anteriores, nomeadamente a variante Delta”.

    Como esta variante “é menos patogénica, tem uma menor afinidade para as vias aéreas respiratórias inferiores (…), causando menos pneumonias, menos internamentos, menor letalidade”, destacam ainda. Ou seja, se o risco com as anteriores variantes já era praticamente nula – não morreu nenhuma criança entre os 5 e os 11 anos –, a probabilidade de uma morte de uma criança saudável não vacinada ainda é mais remota.

    Nessa medida, estes especialistas – todos nomeados – concluem que “se identifica um imperativo da suspensão cautelar da vacinação em crianças e jovens, até que se comprove a sua necessidade, benefício e segurança”.

    A preocupação dos especialistas centra-se no facto de já terem sido notificadas ao Infarmed “mais de uma centena de possíveis reacções adversas graves, incluindo síncopes (colapsos), miocardites/pericardites e morte, em crianças e jovens”. Aliás, o abaixo-assinado conclui com um aviso: é imperativo a “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários”.

    Este abaixo-assinado surge no exacto momento em que a Direcção-Geral da Saúde divulgou um parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, assinados por dois consultores desta entidade, Fátima Pinto e Filipe Macedo, este último professor da Faculdade de Medicina do Porto e cardiologista do Hospital de São João.

    O PÁGINA UM já detectou algumas incongruências e aspectos dúbios neste parecer e, durante esta tarde, publicará uma análise circunstanciada, que incluirá dados sobre os casos de internamento por miocardites, por idade, nos primeiros 15 meses da pandemia.

    Artigo com colaboração de Maria Afonso Peixoto

  • Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

    Pandemia tornou enfermeiros mais hipocondríacos

    A resiliência é uma das melhores características dos enfermeiros, mas o medo das doenças também os atinge. Um estudo minucioso num hospital iraniano avaliou a sua saúde mental durante a pandemia, e apurou que oito em cada 10 enfermeiros desenvolveram algum grau de hipocondria. Em Portugal, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros confirma que a saúde mental destes profissionais está mais fragilizada.


    Como soldados numa frente de guerra, as enfermeiras e enfermeiros estiveram na linha da frente nos hospitais durante a pandemia. Uns mostraram-se resistentes heróis, mas outros também soçobraram e ficaram até hipocondríacos. Um estudo realizado no hospital iraniano de Hazrat Ali Asghar, e publicado na revista BMC Nursing em Novembro passado, avaliou o impacte da avalanche de desafios no pessoal de enfermagem: elevadas cargas horárias, constantes mudanças de protocolos, fadiga e, em muitos casos, um isolamento forçado do seu núcleo familiar, devido ao receio de os infectar.

    Em situações normais, já se sabia que estes profissionais de saúde estavam mais susceptíveis a sofrer stress, problemas mentais e até hipocondria, mas confirmou-se agora que essa propensão piorou na gestão da covid-19.

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    O estudo baseou-se num inquérito a 312 enfermeiros de um hospital de referência no tratamento desta doença, dividido em três partes. A primeira centrava-se nas características pessoais dos enfermeiros, a segunda aferia o seu nível de resiliência e, por fim, a terceira tentava apurar o grau de hipocondria. Para esta última fase foram criados cinco grupos: saudável (sem qualquer hipocondria), hipocondria ambígua (borderline), ligeira, moderada e severa.

    Para surpresa dos investigadores, os valores da hipocondria atingiram níveis elevadíssimos: oito em cada 10 enfermeiros (81,4%) estavam com receio de se infectar, sendo que em mais de metade dos casos esse medo era moderado. De acordo com outras avaliações similares antes da pandemia, citadas pelos investigadores do estudo, os níveis de hipocondria andavam, em geral, entre os 18% e os 45%.

    Por outro lado, e associado à hipocondria, o nível médio de resiliência já se revelou moderado. A capacidade de ser resiliente pode definir-se pelo grau de adaptabilidade e flexibilidade perante situações adversas e de crise.

    Neste aspecto, cerca de metade dos enfermeiros mostrou níveis razoáveis de resiliência. A confiança nos instintos individuais, o nível de instrução, a adaptação à mudança, o sexo, a intensidade de trabalho e até a espiritualidade foram considerados pelos investigadores os factores determinantes para uma maior ou menor resiliência.

    Os enfermeiros mais espirituais detinham, por outro lado, duas a seis vezes menor probabilidade de sofrer de doenças mentais. Já as enfermeiras apresentaram uma maior propensão para a hipocondria. Os investigadores referem que esse facto pode dever-se às dificuldades acrescidas das mulheres em conjugar as responsabilidades do lar e do cuidado dos filhos com o trabalho.

    A pressão e a intensidade também se mostraram relevantes. Os enfermeiros com mais de 20 turnos por mês – que perfaziam 45% do total – e com mais de três pacientes ao seu cuidado, registaram uma menor resiliência e maiores sinais de hipocondria. Mais trabalho e menos tempo com a família foram causas apontadas pelos investigadores para a deterioração do estado mental e emocional.

    Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros.

    Outro elemento digno de nota foi o nível de educação. Os enfermeiros com mestrado (cerca de 11%) apresentaram níveis mais baixos de hipocondria do que os licenciados. Com frequência, os cargos mais elevados – como de chefes ou supervisores – são ocupados pelos mais instruídos, e assim o facto de esses enfermeiros terem menor contacto directo com doentes pode ter contribuído para um menor stress. Além disso, de acordo com os investigadores, os seus salários mais elevados terão feito sentirem-se mais seguros, aumentando a sua resiliência.

    Por fim, a idade e a experiência também pareceram ser preponderantes. Os enfermeiros mais velhos, e com carreiras mais longas, revelaram maior capacidade de lidar com trabalhos mais complexos. Em todo o caso, em termos globais, o impacte da pandemia atingiu a maioria das equipas de enfermagem, uma vez que os jovens, mais propensos à hipocondria, eram o grupo maioritário neste hospital. Com efeito, a maioria tinha menos de trinta anos.

    Em declarações ao PÁGINA UM, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, diz que o tema da hipocondria entre a classe nunca “veio à baila” durante a pandemia, mas admite que a saúde mental destes profissionais, sendo já habitualmente frágil, se agravou durante a crise sanitária.

    Segundo Ana Rita Cavaco, antes da pandemia, “um em cada cinco enfermeiros estavam a trabalhar em esgotamento (burnout) e dois terços com grande stress“, situação que se agudizou em 2020. “Os nossos enfermeiros foram os mais expostos, estiveram muito próximos dos doentes”, salienta a bastonária, relevando também as condições económicas e de condições de trabalho que levaram mais de dois mil enfermeiros portugueses a emigrarem nos últimos dois anos.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Contratos das vacinas infantis salvam Pfizer do pagamento de indemnizações

    Contratos das vacinas infantis salvam Pfizer do pagamento de indemnizações

    O carácter voluntário da toma das vacinas contra a covid-19 e as cláusulas de exclusão de responsabilidades em anteriores contratos dificultarão sobremaneira eventuais pedidos de indemnização por lesões e outros danos pessoais às farmacêuticas e mesmo aos Estados. O secretismo do Infarmed na divulgação dos critérios para inclusão dos eventos adversos confirmados também não ajudarão quem se considerar lesado.


    A Direcção-Geral da Saúde recusa esclarecer se o contrato das vacinas da Pfizer em crianças contém a mesma cláusula de exclusão de responsabilidade dos dois primeiros contratos assinados em 9 de Dezembro de 2020 e em 18 de Janeiro do ano passado.

    O contrato para a compra de 700 mil doses para crianças à farmacêutica norte-americana, também por ajuste directo, terá sido assinado em Novembro passado, antes mesmo da elaboração do parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), com prazos de entrega em Dezembro de 2021 e no presente mês de Janeiro, conforme anunciou o Diário de Notícias.

    Por lei, este contrato já deveria constar do Portal BASE, mas inexplicavelmente a DGS não explica a razão pela qual não o enviou para registo ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade gestora daquela base de dados da contratação pública.

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    Em todo o caso, o PÁGINA UM sabe que não houve qualquer alteração do enquadramento jurídico dos contratos das vacinas contra a covid-19, no seguimento do acordo global de compra (Advanced Purchase Agreement) assinado entre a Comissão Europeia e as diversas farmacêuticas, entre as quais a Pfizer. A partir desse acordo, cada país ficou apenas incumbido de indicar as doses e os prazos de entregas, mas sem a inclusão de quaisquer cláusulas de responsabilidade civil para as empresas produtoras das vacinas. Ou seja, em caso de problemas de saúde para quem tomar as vacinas, as farmacêuticas descartam-se do pagamento de indemnizações.

    A mesma desresponsabilização sucederá com os diversos Estados da União Europeia, como Portugal, que até agora não impuseram a vacinação obrigatória. Independentemente das pressões sociais e políticas sendo a vacinação voluntária e havendo um consentimento informado oral, assume-se que as pessoas vacinadas e os pais dos menores assumiram os riscos, pelo que quaisquer danos físicos ou não-patrimoniais nunca serão, em princípio, garantidos pelo Estado.

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    Nos dois contratos conhecidos entre a DGS e a Pfizer/BioNTech – o primeiro para a compra de 4.540.805 doses ao preço de 12 euros, em Dezembro de 2020; e o segundo para a compra de 2.220.596 doses ao preço de 15,5 euros, em Janeiro de 2021 – ficou assumido que “as circunstâncias de emergência” implicavam que o Estado português “reconhecia que a vacina, e os materiais relacionados com as vacinas, e seus compostos e materiais constituintes, estão a ser desenvolvidos rapidamente”. E, por esse motivo, “o Estado Membro Participante [o Estado português, neste caso] reconhece ainda que os efeitos a longo-prazo e a eficácia da vacina não são actualmente conhecidos.”

    Esta autêntica cláusula de exclusão de responsabilidades também se reforçava na frase seguinte do contrato, onde se refere que “o Estado Membro Participante reconhece que a vacina não deve ser serializada.”

    Mesmo sabendo-se que as vacinas têm chegado a Portugal em lotes e com número de série, a excepção expressa no contrato das vacinas contra a covid-19 – ou seja, a serialização não é assumida formalmente – pode ser outro entrave adicional a eventuais pedidos de indemnização.

    Trecho do contrato (APA) entre a Comissão Europeia e a Pfizer que desresponsabiliza a farmacêutica de pagar indemnizações civis por danos nos vacinados

    Os contratos das outras farmacêuticas, como a Moderna, não têm cláusulas de exclusão de forma tão explícita, mas remetem para o acordo (APA) feito pela Comissão Europeia.

    Em Julho do ano passado, eurodeputados da Esquerda Unitária Europeia (The Left) – que congrega o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista – salientavam num relatório que os contratos com os fabricantes das vacinas continham cláusulas que “protegiam as companhias de qualquer risco financeiro de responsabilidade civil”.

    Mesmo a eventualidade de responsabilização do Estado português necessitará da associação inequívoca entre a toma das vacinas e os danos. Nesse aspecto, será sempre necessário que o Infarmed certifique, através da farmacovigilância, a existência de uma relação directa entre a vacina e o dano, mas esta entidade tem recusado sequer informar sobre os critérios para a inclusão dos eventos adversos na sua base de dados. O Estado português pode sempre também defender-se através do carácter voluntário, e que as pessoas vacinadas tomaram uma decisão individual livre.

  • Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência

    Editores de uma das principais revistas médicas mundiais criticam farmacêuticas de obscurantismo e falta de transparência

    Editorial de uma das prestigiadas revistas médicas do Mundo – a BMJ – apela para a necessidade imperiosa de serem disponibilizados dados brutos de fármacos contra a covid-19 para escrutínio independente, recordando o escândalo do Tamiflu há 13 anos. Farmacêuticas e entidades reguladoras tentam adiar esse acto.


    Três editores da prestigiada revista científica BMJ – Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi – apelaram ontem para a urgência de serem disponibilizados os dados brutos relacionados com as vacinas contra a covid-19, receando que se esteja a repetir a situação de fraude ocorrida com o Tamiflu – um antiviral produzido pela Roche contra a pandemia da gripe de 2009, que mais tarde se apurou afinal ter resultados decepcionantes.

    Num editorial extremamente crítico, os três cientistas censuram a Pfizer por não facultar os dados detalhados dos ensaios clínicos antes de Maio de 2025, acusando também de estar em conluio com outras farmacêuticas, de modo a dificultarem o acesso à informação a investigadores independentes.

    A Moderna, uma das outras produtoras de vacinas contra a covid-19, também já informou que apenas libertará dados dos ensaios clínicos em bruto a partir de finais de Outubro deste ano. No entanto, esses dados estarão apenas disponíveis “mediante solicitação e sujeitos a revisão assim que o estudo estiver concluído”. No caso dos ensaios clínicos da AstraZeneca, a farmacêutica anglo-sueca prometeu ceder informação detalhada a partir do início de 2022, mas os editores da BMJ receiam que “na verdade, a obtenção de dados pode ser lenta”. Aliás, acrescentam que o site da empresa explica que “os prazos variam de acordo com a solicitação e podem levar até um ano após o envio completo da solicitação”.

    Tamiflu foi um antiviral para combater a pandemia de 2009, que afinal se mostrou ineficaz. Portugal pagou 23 milhões de euros à Roche.

    Também os ensaios de outros fármacos associados à luta contra a covid-19 sofrem de similares males. Os relatórios publicados do estudo de fase III da farmacêutica Regeneron sobre os anticorpos monoclonais REGEN-COV afirmam taxativamente que não serão disponibilizados quaisquer dados em bruto.

    Quanto ao polémico remdesivir, comercializado pela Gilead, os editores da BMJ referem que as autoridades sanitárias norte-americanas, que co-financiaram o estudo sobre os seus efeitos contra o SARS-CoV-2, criaram um novo portal para compartilhar dados, mas com conteúdos muito limitados.

    Em suma, como avisam estes investigadores, na verdade só se encontram disponíveis as publicações científicas de autores associados às farmacêuticas, defendendo ser essa situação extremamente preocupante para “os participantes dos estudos, os investigadores, os médicos, os editores de periódicos científicos, os formuladores de políticas e o público”.

    E avisam também que esta prática de não divulgação dos dados em bruto em simultâneo com o envio e aprovação dos artigos científicos, contrariando o que é norma em Ciência, se deveu a pressões derivadas da emergência pandémica. “Os periódicos que publicaram esses estudos primários podem argumentar que enfrentaram um dilema embaraçoso, entre disponibilizar rapidamente os resultados resumidos e defender os melhores valores éticos que apoiam o acesso oportuno aos dados subjacentes”, referem os editores da BMJ, para em seguida sentenciarem: “Em nossa opinião, não há dilema; os dados anonimizados de participantes individuais de ensaios clínicos devem ser disponibilizados para escrutínio independente.”

    Estes responsáveis científicos da BMJ criticam também a postura da Food and Drug Administration – a agência que regula os medicamentos nos Estados Unidos – que, após uma decisão judicial ao abrigo da liberdade de informação, apenas tem estado a libertar “ 500 páginas por mês” sobre os ensaios da Pfizer, ritmo que a manter-se levará décadas para ser concluído.

    Saliente-se, contudo, que há cerca de uma semana um juiz federal no Texas determinou que a FDA deve, até o final deste mês, tornar públicas 12.000 páginas dos dados que usou para tomar decisões sobre aprovações da vacina da Pfizer/BioNTech, e depois libertar 55.000 páginas por mês até que todas as 450.000 páginas solicitadas sejam públicas.

    Peter Doshi, Fiona Godlee e Kamran Abbasi recordam ainda o caso do Tamiflu, um fármaco produzido pela Roche para combater a gripe H1N1, que facturou cerca de 3 mil milhões de dólares só em 2009. Afinal, relembram os editores da BMJ, o medicamento “não demonstrou reduzir o risco de complicações, internamentos hospitalares ou morte”, acrescentando que “a maioria dos ensaios que sustentaram a aprovação regulatória e o armazenamento governamental de oseltamivir (Tamiflu) foram patrocinados pelo fabricante; a maioria era inédita, os que foram publicados foram escritos por autores pagos pelo fabricante, as pessoas listadas como autores principais não tinham acesso aos dados brutos, e os académicos que solicitaram acesso aos dados para análise independente não receberam nada”.

    Saliente-se que, no caso do Tamiflu, o Estado português comprou 2,5 milhões de doses deste ineficaz antiviral, pagando 23 milhões de euros. Acabou por gastar ainda mais 6 mil euros para incinerar tudo em finais de 2018.

    Editorial integral da BMJ


    Nota: Adicionada informação sobre decisão do juiz federal às 18:40 de 21/01/2022.

  • Vacina reduziu mortes, mas Reino Unido enfrenta “pandemia de vacinados”

    Vacina reduziu mortes, mas Reino Unido enfrenta “pandemia de vacinados”

    A mais recente vaga de casos positivos de covid-19, muito superior às anteriores, está a causar constrangimentos económicos e de logística nunca vistos. Se a vacina mostra fortes sinais de reduzir significativamente o risco de hospitalização e de morte, sobretudo nos mais idosos, o SARS-CoV-2 está, paradoxalmente, a “entrar” mais facilmente na comunidade vacinada, mesmo usando valores padronizados. Existem várias explicações para este aparente paradoxo, segundo um relatório da Agência de Saúde Sanitária do Reino Unido. Uma delas é tema tabu em Portugal, e a Direcção-Geral da Saúde recusa dar informações ao PÁGINA UM: a imunidade natural dos recuperados – que integram muitos dos não-vacinados – poderá ser afinal muito superior à imunidade vacinal.


    É um dos paradoxos do momento: com 71% da população vacinada e mais de 54% com dose de reforço, o Reino Unido está a enfrentar uma vaga avassaladora de casos positivos de covid-19 – e essa variável está a contribuir para uma significativa queda da mortalidade –, mas a “culpa” parece ser afinal dos vacinados que apresentam incidências muito superiores aos dos não-vacinados. A situação deverá ser idêntica em outros países. Em Portugal, a Direcção-Geral da Saúde nunca divulga dados sobre estas matérias, embora constem do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE).

    Apesar desta situação não beliscar os benefícios da vacinação na população mais idosa – cuja taxa de mortalidade nos maiores de 80 anos vacinados é de apenas 20% face à dos não-vacinados do mesmo grupo etário –, em causa estará um dos benefícios da vacina prometidos pelas farmacêuticas: uma maior protecção contra a infecção, mesmo em recuperados.

    blue and white plastic bottle

    Recorde-se que a recente vaga de infecções, sobretudo no Hemisfério Norte, tem colocado uma pressão suplementar na gestão logística e económica da pandemia, com cada vez mais pessoas a serem obrigadas a confinamento por causa de testes positivos, mesmo os assintomáticos. Por exemplo, o Reino Unido conta, neste momento, com cerca de 3,6 milhões de casos activos, representando 5,5% do total da população. Este valor é cerca do dobro do pico registado em Janeiro do ano passado. Em Portugal, há um ano, cerca de 1,4% da população estava como “caso activo”; agora são 3,5% (356.477 pessoas).

    A última actualização do relatório periódico da Agência de Saúde Sanitária (ASS) do Reino Unido – um dos mais completos e transparentes sistemas mundiais de gestão da pandemia – revela que o grupo populacional que mais tem contribuído para esta vaga explosiva de casos é, afinal, o dos vacinados.

    A entidade estatal do Reino Unido apresenta, no seu relatório de vigilância epidemiológica, vários indicadores relacionados com o número de casos, hospitalizações e mortes por covid-19, tanto estratificados por idades como também por estado vacinal. E mostra agora que, no caso da incidência, os vacinados estão em larga maioria, tanto em número – compreensível porque são mais –, mas também em termos relativos ou padronizados – isto é, em casos no grupo em relação à totalidade de pessoas do grupo. A situação evidencia-se especialmente na população adulta activa.

    De facto, nos menores de 18 anos, a incidência dos não-vacinados ainda é superior à dos vacinados (3.376 por 100.000 pessoas vs. 2.357), mas inverte-se, de forma evidente, nos grupos etários mais velhos. Nos jovens adultos (18-29 anos), a incidência nos vacinados chega a ser praticamente o dobro face à nos não-vacinados. Nos grupos etários seguintes (30-39 anos, 40-49 anos, 50-59 anos e 60-69 anos), as incidências nos vacinados são ainda superiores: mais 133%, mais 145%, mais 127% e mais 110%, respectivamente.

    Incidência cumulativa bruta no período entre a semana 50 de 2021 e a semana 1 de 2022 (por 100.000 habitantes). Fonte: ASS (Reino Unido)

    Este crescimento em grupos etários até aos 70 anos – que representaram mais de 75% da população do Reino Unido – justifica, só por si, o aumento galopante dos casos activos, embora sem reflexo em termos de mortalidade. Isto porque a vulnerabilidade à doença na população adulta em idade activa sempre foi bastante baixa mesmo antes da criação das vacinas.

    No caso dos maiores de 70 anos, a incidência nos vacinados continua a ser superior à dos não-vacinados, mas em dimensão menor: mais 82% no grupo dos 70 aos 79 anos, e mais 31% nos maiores de 80 anos.

    A ASS do Reino Unido salienta que, na base desta surpreendente discrepância, estará o facto de “as pessoas totalmente vacinadas estarem mais preocupadas com a saúde e, portanto, estando mais propensas a realizar o teste para a covid-19, acabarem por ser mais identificadas” quando estão infectadas. Esta justificação não deixa de ser curiosa, porque significaria então que a comunidade vacinada aparenta não confiar demasiado na eficácia das vacinas na sua protecção.

    A mesma entidade defende que a diferença da incidência se possa dever, para além de condicionalismos de idade e ocupação, também à sua maior exposição, ou seja, “as pessoas vacinadas e não-vacinadas podem comportar-se de maneira diferente, especialmente no que respeita às interacções sociais”.

    Por fim, last but not the least, o organismo britânico considera que, entre os não-vacinados, estarão pessoas recuperadas que não se vacinaram, mas que apresentam “imunidade natural ao vírus”. Ou seja, esta entidade acaba por admitir implicitamente que a imunidade natural, pelo menos no que diz respeito à (re)infecção, será superior à vacinal.

    Taxa bruta de mortalidade por covid-19 no período entre a semana 50 de 2021 e a semana 1 de 2022 (por 100.000 habitantes). Fonte: ASS (Reino Unido)

    Apesar desta vaga de casos, a mortalidade total atribuída à covid-19 tem estado, quase na generalidade da Europa, em nível relativamente baixo para um Inverno anterior à pandemia. No Reino Unido, o registo de óbitos diário (em média móvel de 7 dias) situava-se nos 273 em 17 de Janeiro, correspondente a cerca de 40 óbitos em Portugal. Este valor é um quarto (24%) do valor homólogo em 2021.

    Segundo o último relatório da ASS do Reino Unido, actualizado ontem, a mortalidade mostra-se bastante mais baixa nos vacinados em relação aos não-vacinados, embora de forma bastante diferenciada em função da idade. No período entre 13 de Dezembro de 2021 e 3 de Janeiro deste ano, de acordo com este relatório, a taxa de mortalidade por covid-19 (ao fim de 60 dias) era de 54,3 óbitos por 100.000 pessoas vacinadas, enquanto a dos não-vacinados do mesmo grupo etário se situava em 262,2, ou seja, quase cinco vezes mais.

    A proporção nos grupos etários inferiores é sensivelmente idêntica, mas pouco relevante se se usar, em vez da unidade “por 100.000 habitantes”, a mais usual percentagem (por 100 habitantes). Nesse caso, o risco de morte de pessoas na faixa etária dos 30 aos 39 anos foi, no período em análise, de apenas 0,0005% se vacinada, e de 0,0017% para os não-vacinados do mesmo grupo etário.

    No caso dos jovens adultos dos 18 aos 29 anos, as percentagens são, respectivamente, de 0.0001% e 0,0006%. Ou seja, o risco sobe seis vezes, mas mantém-se muitíssimo baixo. No caso dos menores de idade, nenhum jovem vacinado morreu (0,0%) no período em análise, enquanto a taxa de mortalidade para os não-vacinados foi de 0,0001%.

    Taxa bruta de hospitalização por covid-19 no período entre a semana 50 de 2021 e a semana 1 de 2022 (por 100.000 habitantes). Fonte: ASS (Reino Unido)

    Em relação às hospitalizações, o relatório da ASS mostra também uma menor necessidade nos vacinados, mas, mais uma vez, essa diferença só é relevante nos mais idosos – e também mais vulneráveis à doença. Para as pessoas com mais de 80 anos, o rácio de internamentos dos vacinados foi de 88,7 por 100.000, enquanto o dos não-vacinados se situou em quase 263.

    Esta diferença também se apresenta significativa nos grupos etários entre os 50 e 79 anos, com o risco de internamento a ser cerca de cinco vezes superior nos não-vacinados face aos vacinados.

    Essa proporção mantém-se até nos menores de idade, mas com um aspecto relevante: nestas idades o risco de internamento é incomensuravelmente inferior ao dos mais idosos. O risco de hospitalização por covid-19 num vacinado com mais de 80 anos é oito vezes superior ao de um menor não-vacinado, o que confirma, mais uma vez, que a covid-19 não constitui um problema com relevância em idades pediátricas.

  • Direcção-Geral da Saúde culpou coronavírus até por ataques cardíacos fulminantes em doentes assintomáticos

    Direcção-Geral da Saúde culpou coronavírus até por ataques cardíacos fulminantes em doentes assintomáticos

    Milhares de entradas nas urgências com cardiopatias isquémicas deram muitas centenas de óbitos “carimbados” com covid-19. O PÁGINA UM, continuando a dissecar a base de dados dos internados nos primeiros 15 meses da pandemia, detectou que cerca de 10% dos hospitalizados e 10% dos mortos sofreram cardiopatias isquémicas. Muitos tiveram ataques cardíacos, alguns fulminantes, mas todos levaram com o selo “covid”. Bastou um teste positivo, mesmo se o doente agonizava sem qualquer sintoma de infecção por SARS-CoV-2.


    Vários milhares de pessoas com sintomas graves ou moderados de cardiopatias isquémicas do coração – entre as quais enfartes do miocárdio, anginas de peito e aterosclerose neste órgão – acabaram classificados como doentes-covid pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) apenas porque tiveram, na admissão hospitalar, um teste positivo. Em caso de desfecho fatal, a DGS anunciava-as como vítimas da pandemia.

    Na análise da base de dados do Ministério da Saúde abrangendo os internamentos dos primeiros 15 meses da pandemia, a que o PÁGINA UM teve acesso, confirma-se que independentemente do grau de gravidade de doenças cardíacas, um teste positivo foi o suficiente para ficar nas “malhas” das estatísticas da covid-19. Em centenas de casos, o SARS-CoV-2 nem sequer teve tempo de se manifestar, porque algumas dezenas faleceram no próprio dia ou no dia seguinte à admissão nos serviços de urgência hospitalar. E centenas no prazo de uma semana. Em condições naturais, antes da pandemia, todos estes óbitos teriam considerado estas cardiopatias como a causa.

    doctors doing surgery inside emergency room

    No período de Março de 2020 a Maio de 2021, envolvendo mais de 50 mil doentes-covid, o PÁGINA UM contabilizou, em mais de 50 mil internados, um total de 5.193 pessoas com referências, nos respectivos boletins clínicos, a uma ou mais cardiopatias isquémicas. Este número representa quase 10% do total de doentes-covid internados neste período. Contabilizando os desfechos fatais de pessoas oficialmente classificadas de doentes-covid, houve 1.757 que morreram após ataques cardíacos ou outras cardiopatias isquémicas, ou seja, 10% do total até Maio do ano passado.

    Não se consegue, neste universo, e com os dados disponíveis, quantificar com rigor absoluto o contributo destas doenças isquémicas para os desfechos fatais, nem sequer a percentagem de casos mortais em que a covid-19 pode ter desencadeado o evento cardíaco.

    Infelizmente, a base de dados é, de forma inexplicável, omissa sobre a data em concreto da ocorrência do evento cardíaco, informando apenas a ordem dos diagnósticos (que, em cada indivíduo, começa no 0). Por norma, primeiro, registam-se todas as doenças e problemas relevantes no momento da admissão hospitalar – e que a justificam – , e em seguida as comorbilidades e os aspectos relevantes da evolução clínica.

    Contudo, como não existe na base de dados dos doentes-covid uma separação entre as doenças e afecções antes da admissão e durante o internamento, apenas por dedução – mesmo com consulta individual dos mais de 50 mil doentes registados – se consegue determinar, sem demasiado erro, o número de doentes em que o evento cardíaco foi a causa directa do internamento.

    doctor performing operation

    Assim, quando pelo menos um registo destas isquemias – com os códigos I20 a I25 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) – surgia nas primeiras posições da ordem do diagnóstico (entre 0 e 6), o PÁGINA UM considerou que estas constituíram a causa directa do internamento.

    Saliente-se que a referência à covid-19 (com o código U071) aparece, em muitos destes casos, com um número de ordem do diagnóstico superior ao das cardiopatias, o que significa, nestas circunstâncias, sem qualquer dúvida, que a admissão foi muito urgente, e só depois houve confirmação de teste positivo ao SARS-CoV-2.

    Assim, considerando este método, o PÁGINA UM identificou um total de 2.186 doentes-covid hospitalizados neste período que terão tido uma ou mais cardiopatias isquémicas como evidente causa de internamento, e não tendo ainda sintomas de infecção pelo SARS-CoV-2. Destes, 672 morreram.

    Também pelo tempo de estadia hospitalar se confirma que mesmo cardiopatias agudas fulminantes acabaram anunciadas como mortes-covid. Os casos mais chocantes observam-se com os enfartes do miocárdio – vulgarmente conhecidos por ataques cardíacos e com o código I21 da CDI. Entre Março de 2020 e Maio de 2021, e segundo o critério definido pelo PÁGINA UM, contabilizam-se 949 pessoas com este gravíssimo problema cardíaco, sendo que 206 tiveram diagnóstico de ordem 0 (100% de certeza de ter sido causa de internamento), e 657 com registo de ordem 6 ou inferior. Portanto, sete em cada 10 destas pessoas terão sofrido ataques cardíacos antes de qualquer teste positivo à covid-19.

    De entre estes casos, 40 pessoas morreram no próprio dia do internamento – ou seja, o ataque cardíaco foi mesmo fulminante –, 123 em três ou menos dias, e 253 antes de completado o sétimo dia de internamento. No total, a taxa de mortalidade destes doentes foi de 43%, ou seja, cerca de 20 pontos percentuais acima do rácio médio dos doentes-covid sem esta comorbilidade.

    Saliente-se, contudo, que a média das idades foi geralmente, nestes casos, bastante elevada (76 anos). Nos muito idosos (mais de 80 anos), a taxa de sobrevivência foi de apenas 44%. Ao invés, a taxa de mortalidade dos menores de 60 anos foi de 13%. Três dos mortos de ataque cardíaco com covid-19 no certificado de óbito tinham menos de 50 anos.

    person in white face mask

    Se se considerar todas as 2.186 cardiopatias isquémicas com ordem de diagnóstico de 6 ou inferior – ou seja, os eventos que terão sido a causa determinante de internamento –, além dos 949 ataques cardíacos, contabilizam-se ainda 78 anginas de peito (código I20), 381 aterosclerose do coração (código I251). Nas restantes de doenças cardíacas crónicas, destacam-se 335 casos de sequelas provenientes de ataques cardíacos antigos (código I252) e 221 cardiomiopatias isquémicas (código I255).

    As taxas de mortalidade hospitalar variaram muito neste tipo de cardiopatias. Nas anginas de peito foi de 24%, próxima daquela contabilizada para a generalidade dos doentes-covid, nas ateroscleroses do coração rondou os 26% e atingiu os 34% nas cardiomiopatias isquémicas.

    Contudo, para a DGS foi tudo “varrido” a covid-19.

  • Covid-19 estará a esconder mortes por erros, negligência e acidentes em hospitais

    Covid-19 estará a esconder mortes por erros, negligência e acidentes em hospitais

    A Direcção-Geral da Saúde determinou que se alguém falecesse com um teste positivo ao SARS-CoV-2 levava automaticamente com o carimbo de “morte covid”. Os registos dos internados na primeira fase da pandemia, que o PÁGINA UM tem dissecado, mostram 250 casos suspeitos que podem ter sido apenas anormais reacções a procedimentos médicos, ou pura negligência médica. Um total de 88 pessoas morreram nestas circunstâncias. Como raramente houve autópsias, a morte morreu solteira.


    Um erro na operação de intubação numa unidade de cuidados intensivos do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte contribuiu para a morte de um doente de 61 anos em Abril de 2020. Este evento trágico foi único, mas o PÁGINA UM detectou muitos mais casos suspeitos de erros e negligência médica que estarão a ser escondidos sob o carimbo da covid-19, uma vez que, por regra, não são feitas autópsias nos óbitos confirmados por esta doença.

    Estas suspeitas advêm da consulta à base de dados do Ministério da Saúde sobre os internamentos de doentes-covid, a que o PÁGINA UM teve acesso, e detecta-se através da codificação feita segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI).

    Aprovada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), esta codificação não apresenta apenas as doenças e comorbilidades de cada doente no seu processo clínico; também identifica, por exemplo, complicações de actos médicos e cirúrgicos, acidentes, erros, negligência e reacções inesperadas.

    medical professionals working

    Este tipo de situações recebe, por norma, os códigos Y62 a Y84 da CDI, consoante a sua tipologia. Não estão aqui incluídos, embora haja largas dezenas de casos, os acidentes em hospitais como quedas da cama ou em casas de banho em doentes-covid, alguns fatais.

    Numa análise detalhada à base de dados dos internamentos nos primeiros 15 meses da pandemia, entre Março de 2020 e Maio de 2021, contabilizam-se 250 doentes-covid com registos de reacções adversas após procedimentos médicos. Em alguns casos estar-se-á perante eventuais erros ou negligência médica. De entre os pacientes afectados, 88 morreram, ou seja, 35% – um valor cerca de 12 pontos percentuais acima da taxa de mortalidade dos internados sem este tipo de registos.

    Nem todos os desfechos fatais terão sido devidos apenas a reacções adversas dos doentes ou a erros médicos – até pela grande debilidade e elevada idade de muitas das vítimas –, mas todos acabaram classificados como mortes por covid-19. Muito provavelmente as famílias nem sequer souberam aquilo que se passou dentro das portas do hospital.

    person walking on hallway in blue scrub suit near incubator

    O caso do doente do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – é um exemplo paradigmático.

    À entrada nos cuidados intensivos em 22 de Abril de 2020, a sua situação já era grave: diabético tipo II, vinha com insuficiência respiratória e síndrome de desconforto respiratório decorrente de covid-19 diagnosticada, mas os médicos terão tido dificuldade em o intubar (surgindo essa referência com o código T884 da CDI) e o tubo orotraqueal acabou por ser mal colocado (código Y653). O homem sofreu um choque não especificado (R579) e morreu no dia seguinte ao internamento.

    A esmagadora maioria dos registos mostra-se, porém, com referências extremamente vagas sobre a origem exacta do erro, acidente ou reacção anormal, não sendo assim possível concluir se se está perante uma situação incontornável ou imprevista, ou se se tratou de erro médico.

    Por exemplo, na base de dados surgem 44 casos classificados com o código Y848, que se refere a procedimentos médicos que causaram reacções adversas tardias mas não especificadas. Noutros casos especificam-se a causa, embora pouco concretizando, como são as 32 reacções contabilizadas no decurso de procedimentos radiológicos (Y842) e as 32 reacções devidas a cateteres urinários (código Y848).

    Existem também registos de efeitos adversos que, de forma clara, nada tiveram a ver com a covid-19, porque se deveram sim a actos cirúrgicos decorrentes de outros problemas. São exemplo disso os 16 casos classificados com o código Y831 (implantes de dispositivos médicos) e os 13 casos com o código Y832 (bypass gástricos com anastomose). Problemas na área da gastroenterologia, aliás, mostraram-se relativamente frequentes.

    A falta de informação sobre o verdadeiro contributo destes procedimentos médicos para as eventuais mortes dos pacientes acaba, contudo, por ocultar eventuais negligências, tanto mais que o “carimbo” da covid-19 levou a que se prescindisse, na esmagadora maioria dos casos, à realização de autópsia. Uma morte com covid-19 foi, para a Direcção-Geral da Saúde, sempre uma insuspeita morte exclusivamente causada pelo SARS-CoV-2.

    Aliás, na base de dados surgem nove estranhos casos com o código Y66, que significa que houve falta de administração de cuidados médicos e cirúrgicos. Destes nove, oito acabaram por morrer, sendo que sete foram no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.

    O Hospital de Coimbra é aquele que contabiliza maior número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas com registo de reacções adversas ou eventuais erros médicos. No total, nos primeiros 15 meses da pandemia, contam 24 mortes, mas pelo código da CDI conclui-se que foram problemas decorrentes de cirurgias cardíacas ou de gastroenterologia. Nos hospitais de Lisboa registaram-se 22 mortes deste género, das quais nove no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental. Todas classificadas como covid-19.