Categoria: Saúde

  • Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Por norma, mesmo nos primeiros anos da pandemia, a Primavera seguiu o padrão habitual de menor taxa de mortalidade, mas 2022 está a fugir completamente do padrão. O número de óbitos em Maio e Junho assemelham-se aos de dias de Inverno, e não existe uma explicação para tamanha mortandade, uma vez que na Primavera as doenças fatais do sistema respiratório e circulatório causam menos vítimas. Do que estão a morrer os portugueses, um dos povos mais vacinados do Mundo contra a covid-19?


    Em 2022, o excesso de mortalidade em Portugal é já estrutural, e todos os indicadores mostram que se prolongará. A culpa não é directamente da covid-19, mas aparentam, cada vez mais, ser de factores decorrentes da gestão da pandemia que terá exacerbado outras doenças não relacionadas com a sazonalidade.

    Uma análise estatística do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificado de Óbito (SICO) revela que este ano houve apenas um dia – 2 de Maio – com os óbitos totais abaixo dos 300. Nesse dia faleceram 291 pessoas – uma situação excepcionalmente atípica. Na verdade, noutros anos a excepção é quando, em plena Primavera, há dias com mais de 300 óbitos.

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    Com efeito, se excepcionarmos o ano de 2020 – no auge da primeira vaga da pandemia –, em quase todos os dias de Maio dos anos anteriores a mortalidade esteve abaixo dos 300 óbitos por dia. Aliás, em 2014 todos os dias de Maio registaram mortalidade abaixo daquela fasquia. No ano passado (2021), após um Inverno de morticínio, apenas em quatro dias de Maio se registaram mais de 300 óbitos.

    Em 2020, mesmo tendo em conta as mortes por covid-19 – numa população então completamente naïve (sem contacto anterior com o vírus) –, contabilizaram-se 10 dias de Maio abaixo desse nível de mortalidade total.

    Em Junho, acrescente-se, ainda é mais raro observarem-se mais de 300 óbitos diários. No entanto, neste ano em curso morreram 324 pessoas no dia menos mortífero – aliás, dois dias: 1 e 3 de Junho. O dia mais mortífero foi ontem, 13 de Junho, com o SICO a apontar 385 óbitos, valor que poderá vir a aumentar devido a actualizações que ocorrem com regularidade no prazo de 48 horas.

    A dimensão da catástrofe que se vive agora é incomensurável, e não aparenta ser passageira ou conjuntural. Com efeito, considerando os últimos 10 anos – que englobam 2020 e 2021, já dentro da pandemia –, observa-se uma média de 61 dias com menos de 300 mortes, que resultam da chegada das temperaturas mais amenas e propícias a menores fatalidades por doenças respiratórias e do sistema circulatório.

    Número de dias com mortalidade abaixo (verde) e acima dos 300 óbitos por dia até 13 de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Numa perpectiva relativa, e tendo em conta os primeiros 164 dias do ano, seria suposto que, em média, 62,8% (103 em 164) dos dias registassem uma mortalidade total acima dos 300 óbitos. Ora, este ano está em 99,4%.

    Numa altura em que Portugal é um dos países mais vacinados com vacinas contra a covid-19, já inoculou 300 mil idosos com a quarta dose e apresenta a mais alta incidência cumulativa de covid-19 (desde o início da pandemia) no universo dos Estados com mais de 10 milhões de habitantes (48 casos por 100 habitantes), o “perfil” evolutivo da mortalidade total no ano de 2022 não encontra paralelo, mesmo se confrontada com 2020 e 2021.

    Recorde-se que, no primeiro ano da pandemia, a mortalidade total aumentou significativamente sobretudo em Março e Abril, e em alguns dias de Maio, mas mesmo assim em 13 de Junho contabilizavam-se 21 dias com menos de 300 óbitos. Note-se que, para aquele ano, nos 143 dias acima dos 300 óbitos, estão englobados os meses de Janeiro e Fevereiro, antes da chegada da covid-19 ao território português.

    No ano passado, os dias com menos de 300 óbitos atingiram níveis até ligeiramente acima da média (76 dias), mas muito por força da elevadíssima mortalidade em Janeiro e Fevereiro. Saliente-se que nos dois primeiros meses de 2021 morreram, em média, 634 e 457 pessoas, respectivamente, quando no período de 2015-2019 (pré-pandemia) a mortalidade em Janeiro e Fevereiro foi de 405 e 371 óbitos, respectivamente.

    Mortalidade média diária por mês no período 2015-2019 (média) e em 2020, 2021 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Porém, ao contrário daquilo que por norma sucede – mesmo com os anos de 2020 e 2021 –, o ano agora em curso está a apresentar um perfil de autêntico colapso. E nem pareceria expectável em Janeiro. Com efeito, o primeiro mês de 2022 até teve uma mortalidade total abaixo da média de 2015-2019 (apenas 379 óbitos vs. 405), ligeiramente abaixo de 2020 (ainda antes da pandemia, com 383) e bem abaixo de 2021 (634 óbitos).

    No entanto, a partir daí, ao invés do que por norma sucede – com o aproximar da Primavera a mortalidade começa a descer –, o mês de Fevereiro deste ano suplantou já a média do período 2015-2019 (382 óbitos vs. 371), ficou acima de 2020 (com 341 óbitos) e já se aproximou de 2021 (ainda com 457 óbitos).

    O mês de Março de 2022 começou já a mostrar sinais de graves problemas de saúde pública. Não apenas a mortalidade total suplantou o período homólogo de 2020 – que marcou a chegada da covid-19 ao território português – como também foi superior à média de 2015-2019 e aos valores do ano passado.

    A mortalidade do mês de Abril deste ano assemelhou-se bastante à do mês homólogo de 2020 (339 óbitos vs. 350). Porém, com a enorme diferença de que, em 2020, a covid-19 estava a entrar numa população sem qualquer imunidade, enquanto em 2022 tínhamos já então cerca de 40% da população com contacto anterior com o vírus, apresentava uma das mais altas taxas de vacinação do Mundo e “beneficiava” de um lamentável (e teórico) “rejuvenescimento” da população mais vulnerável, por força do sistemático excesso de mortalidade ao longo da pandemia.

    Contudo, o mês de Maio, e agora também Junho, estão a confirmar que existe actualmente um inquestionável problema. A mortalidade total não diminuiu ao longo da Primavera, como seria de esperar, e “estabilizou” em redor dos 330-350 óbitos por dia. No presente ano, Maio registou 334 óbitos por dia, e em Junho (até dia 13) até subiu, fixando-se em 346.

    Em anos anteriores, os valores geralmente estão já, nesta época do ano, muito abaixo dos 300. Aliás, em Maio, a mortalidade total é em média (2015-2019) de apenas 279 óbitos e nos primeiros 13 dias de Junho atinge os 269.

    Embora a mortalidade acumulada em 2022 seja ainda menor do que a do ano passado, a tendência mostra que pode vir a suplantar, até Dezembro, os valores de 2021. Com, efeito, confrontando a mortalidade de ambos os anos até finais de Fevereiro, o ano de 2021 apresentava então um diferencial a rondar os 10 mil óbitos (32.433 vs. 22.429), mas agora, em meados de Junho, a diferença cifra-se apenas em 4.336 óbitos (62.639 vs. 58.303).

  • Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Mesmo em 2020 e em 2021, em plena pandemia, Junho foi mês ameno, tal como é norma nos outros anos em que a transição da Primavera para o Verão se mostra mais aprazível para se manterem as vidas. Mas este ano sucedem-se os dias com mais de 300 óbitos, e já se chegou mesmo aos 362 em apenas 24 horas. O excesso de mortalidade nos mais idosos chega a atingir os 42%.


    Este ano, nos primeiros 10 dias de Junho – um mês caracterizado por um reduzido nível de mortalidade – registaram-se 684 óbitos em excesso face à média do último quinquénio (2017-2021), que inclui os dois primeiros anos da pandemia.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), entre os dias 1 e 10 de Junho contabilizaram-se 3.390 mortes por todas as causas, quando a média (2017-2021) se situa nos 2.706. Ou seja, um aumento global de 25%.

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    Este acréscimo, da ordem dos 68 óbitos por dia, não é justificável apenas pela covid-19, mesmo se Portugal atravessa, oficialmente, um estranhíssimo recrudescimento da pandemia, porquanto apresenta uma taxa de mortalidade que é 17 vezes superior à média mundial, e não encontra paralelo a nível europeu. Nos últimos dados semanais, apenas até ao dia 6 de Junho, a DGS informou que a covid-19 foi responsável por aproximadamente 42 óbitos diários, dos quais 33 de pessoas com mais de 80 anos.

    Pela primeira vez desde que existem registos diários, não houve ainda qualquer dia de Junho deste ano abaixo dos 300 óbitos. Aliás, em anos anteriores, raros foram os dias acima dessa fasquia. Por exemplo, todos os dias da primeira década de Junho dos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e até de 2021 nunca ultrapassaram os 300 óbitos.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO.

    A mortalidade nesse período, entre os anos de 2009 e 2021, situou-se entre os 2.387 óbitos (em 2011) e os 2.840 (2016). Até este ano, o valor máximo diário tinha sido registado em 5 de Junho de 2018, com 314 mortes. Na passada quarta-feira, dia 8, contabilizaram-se 362 mortes.

    Este excesso de mortalidade está, porém, exclusivamente concentrado na população mais idosa, a partir dos 65 anos, e sobretudo nos maiores de 85 anos, que têm sido continuamente flagelados desde o início da pandemia.

    Segundo a análise do PÁGINA UM, a mortalidade nos maiores de 85 anos registou, nos primeiros 10 dias de Junho, um aumento de 42% face à média do último quinquénio – ou seja, morreram 1.540 pessoas, quando a média se situava nos 1.085. Esta situação mostra-se ainda mais assombrosa tendo em conta a “sangria” já decorrente de dois anos de pandemia, em que este grupo etário foi o mais flagelado.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2017 e 2022 nos grupos etários dos maiores de 55 anos. Fonte: SICO.

    A faixa etária imediatamente anterior – dos 75 aos 84 anos – também regista uma subida inopinada, da ordem dos 21%: a média do último quinquénio era de 797; este ano subiu para os 968.

    No caso do grupo dos 65 aos 74 anos, o aumento foi de quase 18%, tendo morrido 476 pessoas, o que confronta com os 404 óbitos em média entre 2017 e 2021.

    Nos menores de 65 anos não se observa qualquer variação de relevo, registando-se até, na generalidade dos grupos etários, valores mais baixos do que a média. A excepção refere-se ao grupo dos 35 aos 44 anos (mais 8,8% do que a média), mas dentro do intervalo expectável para esta época do ano.

    As autoridades de Saúde mantém um silêncio activo sobre esta matéria.

  • Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    O PÁGINA UM confirmou hoje que os antivirais, que tiveram aprovação em tempo recorde, já foram adquiridos para integrar a Reserva Estratégica de Medicamentos. Custo de cada tratamento, para doentes ainda com sintomas ligeiros ou moderados, podem ascender aos 500 euros. Mas as polémicas não se restringem aos custos.


    O Governo decidiu comprar cerca de 21 milhões de euros em antivirais contra a covid-19 às farmacêuticas Pfizer e o Merck Sharpe & Dohme (MSD), destinadas a doentes considerados vulneráveis, mas ainda com sintomas ligeiros ou moderados.

    Nos Estados Unidos, onde sobretudo o antiviral da Pfizer – o Paxlovid – está a ser mais usado, têm sido reportados casos de doentes que, após o tratamento, voltam a ter covid-19 com sintomas graves.

    A notícia foi esta tarde confirmada ao PÁGINA UM pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), e surge após Graça Freitas ter homologado uma nova norma terapêutica, no passado dia 28 de Maio, que incluiu, pela primeira vez, a adopção conjunta dos fármacos irmatrelvir e ritonavir (sob a marca Paxlovid, da Pfizer) e do fármaco molnupiravir (sob a marca Lagevrio, da MSD).

    Paxlovid, da Pfizer. A farmacêutica norte-americana prevê facturar, até ao final do ano, 20 mil milhões de euros com este fármaco.

    A nova norma terapêutica (Norma 005/2022) foi elaborada por uma equipa de consultores onde se destaca o pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com maiores relações comerciais com a Pfizer e a MSD. Na segunda semana de Maio, Froes desdobrou-se publicamente em declarações elogiosas a favor dos antivirais e anticorpos monoclonais para tratamento da covid-19. A inclusão destes fármacos na norma tornou, na prática, obrigatória a sua aquisição pelo Estado.

    Estes medicamentos – cuja rapidez na aprovação por parte dos reguladores causa espanto, apesar das dúvidas da sua eficácia e das notícias sobre os efeitos secundários – têm sido, claramente, uma aposta de marketing das farmacêuticas nesta fase da pandemia: na generalidade, destinam-se a doentes com sintomas ligeiros a moderados, numa altura em que a Omicron, no caso português, somente causa a hospitalização de 0,2% dos casos positivos.

    Como cada tratamento poderá vir a custar cerca de 500 euros, fácil se conclui que as farmacêuticas ficam com os louros e com o dinheiro mesmo se a eficácia dos medicamentos for idêntica à de um placebo. E isto já para não falar nos problemas já anotados, sobretudo nos Estados Unidos, onde o seu uso, promovido por Joe Biden, se tem generalizado.

    O elevado preço destes fármacos também tem sido alvo de fortes críticas,

    Filipe Froes,o principal promotor dos antivirais, também elaborou a norma que “forçou” a aquisição dos antivirais.

    Além disso, por exemplo, no caso do Paxlovid, as interacções medicamentosas que desaconselhavam o seu uso (mais de uma centena) podem restringir a sua aplicação prática.

    As aquisições da DGS, que ainda não constam no Portal Base, foram realizadas no âmbito da criação da “Reserva Estratégica de Medicamentos”.

    Constituída em 2020, no contexto da pandemia, essa reserva é constituída, segundo o gabinete de comunicação da DGS, por “medicamentos, equipamentos de proteção individual e outros produtos de saúde, os quais foram sendo disponibilizados aos serviços de saúde de acordo com as necessidades, privilegiando os princípios da eficácia financeira, adaptabilidade, bom uso e eficiência dos artigos que a constituem, evitando dispersão e desperdício desnecessários.”

    Numa parte dos casos, como sucedeu com o antiviral remdesivir, da Gilead, que se mostrou pouco eficaz – mas que ainda integra a Norma 005/2022, não sendo coincidência Filipe Froes manter-se como consultor daquela farmacêutica norte-americana especificamente para este fármaco –, Portugal foi obrigado a fazer as compras, porque a contratualização foi centralizada pela Comissão Europeia. Com o remedesivir, a DGS gastou também quase 20 milhões de euros no final de 2020.

    Noutros casos, foi realizada através de “acordos bilaterais com as empresas, tendo sido a aquisição de antivirais uma das recentes aquisições realizadas”, adiantou a DGS ao PÁGINA UM.

    Embora a DGS nada refira sobre compra de anticorpos monoclonais – que são novos fármacos destinados a doentes com fraca imunidade –, terão também já sido adquiridas doses de Ronapreve, produzido pelas farmacêuticas Roche e Regeneron, uma vez que o fármaco consta como integrado na Reserva Estratégica de Medicamentos pelo Infarmed. Ainda em análise, também para compra, estarão os anticorpos monoclonais da GlaxoSmithKline (Xevudy), da AstraZeneca (Evusheld) e da Cektrion HealthCare (Regkirona).

    Destaque-se que, de acordo com o site Worldometers, a mortalidade atribuída à covid-19 atingiu, no passado dia 8 de Junho, o valor mais baixo desde 21 de Março de 2020, no início da pandemia. Anteontem, a nível mundial contabilizaram-se 1.281 óbitos (média móvel de 7 dias), o que contrasta com o máximo deste ano nos 10.952 mortes, ocorrido em 9 de Fevereiro. O valor máximo durante a pandemia verificou-se em 27 de Janeiro de 2021 com 14.723 óbitos, ou seja, o valor mais recente representa 8,7% do pico.

  • Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    Primavera varre de luto várias regiões de Portugal. Conheça os 21 concelhos com agravamento da mortalidade total superior a 50%

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em cada um dos 308 municípios portugueses entre as semanas 13 e 21; ou seja, grosso modo, nos dois primeiros meses da Primavera. Alguns concelhos parecem ter sido varridos por um desastre. Mas ninguém estuda as causas. A Direcção-Geral da Saúde dá mais atenção à varíola dos macacos do que a apurar a raiz de uma Primavera funesta.


    Nunca a Primavera foi tão fúnebre em Portugal. Apesar da pandemia da covid-19 estar já em fase endémica – e numa altura em que o Governo decidiu intensificar o programa de vacinação contra esta doença com a quarta dose –, nunca como agora as agências funerárias de vastas regiões do país tiveram tanta actividade ao longo dos meses de Abril e Maio.

    De acordo com a análise detalhada do PÁGINA UM aos dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), este ano a mortalidade total no país cresceu 16% entre o início da semana 13 (28 de Março) e o fim da semana 21 (29 de Maio) face à média do período homólogo dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Segundo os registos por concelho do SICO, o número total de óbitos nos 308 municípios portugueses neste período atingiu, este ano, os 21.263, o que contrasta com as 17.698 mortes no período homólogo do ano passado – que tragicamente “beneficiou” da mortandade dos dois primeiros de 2021 – e com as 20.987 mortes em 2020, que integra a primeira fase da pandemia da covid-19 em Portugal. No período de 2015-2019, a média foi de 18.306 óbitos,

    Mas esse aumento, já de si significativo à escala nacional, não ocorreu de forma uniforme.

    Analisando a situação individual de cada município, os cenários são muito mais preocupantes em determinadas regiões, sobretudo no Minho, em algumas partes do interior das regiões Norte e Centro, no Baixo Alentejo, no Algarve e nos Açores. Detectaram-se mesmo três municípios onde a mortalidade nas semanas de 13 a 21 de 2022 mais do que duplicou quando comparada com a média do período homólogo no período 2015-2019: Calheta (+118%), Monforte (+107%), Alvito (103%). Caso se considere o período 2017-2021, para integrar os dois anos de pandemia, a situação não se altera muito.

    Variação da mortalidade total nas semanas 13-21 de 2022 face à média do período homólogo de 2015-2019. Fonte: SICO. Mapa: ©João Cláudio Martins.

    Praticamente todos os concelhos com maiores incrementos são rurais – e, portanto, com menor quantidade e qualidade de serviços e assistência médica, como se pode observar naqueles que, além dos três já mencionados, registaram aumentos superiores a 50% em comparação com o período 2015-2019: Santana (95%), Terras de Bouro (83%), Miranda do Corvo (80%), Vizela, Reguengos de Monsaraz e Alcoutim (75% cada), Vila Franca do Campo (72%), Pinhel (70%), Mira (64%), Almodôvar (60%), Sousel (59%), Nordeste (57%), Tabuaço (55%), Alpiarça e Estremoz (53%, ambos), Alandroal (52%), Vale de Cambra e Sabrosa (51% ambos).

    No entanto, também alguns importantes concelhos, mais urbanos, contabilizaram acréscimos significativos, como Ponte de Lima (acréscimo de 43%, decorrente de 106 óbitos em 2022 em confronto com 74 óbitos em média no período homólogo de 2015-2019), Viseu (41%; 224 vs. 158), Portimão (38%; 141 vs. 102), Beja (36%; 111 vs. 81), Póvoa de Varzim (35%; 110 vs. 81), Maia (35%; 216 vs. 160) e Oeiras (31%; 332 vs. 253).

    Os cinco mais populosos municípios de Portugal apresentaram situações quase semelhantes, com excepção do Porto. No caso de Lisboa – que, além de ser o concelho mais povoado, tem uma população bastante idosa – registou-se um acréscimo de 12%, ligeiramente abaixo da média nacional, mas mesmo assim um aumento absoluto de 138 óbitos (1.247 este ano vs. 1.109 no período de 2015-2019).

    Sintra, por sua vez, contabilizou um acréscimo de 15%, com 546 óbitos este ano que confrontam com 477 em média no período 2015-2019. Mais a norte, Vila Nova de Gaia – o terceiro concelho com mais habitantes – registou uma subida de 22% na mortalidade total (519 vs. 426). Cascais – o quinto concelho mais povoado de Portugal – teve um aumento em linha com a média (16%), decorrente dos 382 óbitos que comparam com os 330 em média no período 2015-2019.

    O município do Porto, o quarto município mais populoso, acaba por ser, de entre os concelhos urbanos, uma feliz excepção. Entre as semanas 13 e 21 contou 484 óbitos, somente mais cinco do que a média no período de 2015-2019, o que resultou num aumento de apenas 1%.   

    Contudo, se os dados concelhios mostram que, durante a presente Primavera, houve um agravamento da mortalidade muito significativo e bastante preocupante em vastas regiões do país, também causa admiração que se encontrem 77 concelhos com uma redução, por vezes significativa, o que mostra assim realidades distintas e não a existência de factores abrangentes que atingem todo o país por igual.

    Quais são os motivos? Ninguém sabe. Nem estuda.

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    Aparentemente, o excesso de mortalidade em Portugal está para ficar, de forma indefinida, sobretudo se não se quiser colocar a hipótese de se estar perante disfunções do Serviço Nacional de Saúde e de que os acréscimos de óbitos são efeitos secundários da estratégia governamental em secundarizar as outras doenças em tempos de pandemia.

    Entretanto, a Direcção-Geral da Saúde considera mais relevante um acompanhamento diário da situação da varíola dos macacos – que ainda não causou qualquer fatalidade –, e nem autoriza que outros façam o trabalho por si.

    Recorde-se que o PÁGINA UM já solicitou à DGS o acesso aos dados em bruto do SICO, o que foi recusado. Espera-se, neste contexto, uma decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa para que se possa apurar as causas desta Primavera funesta.

  • Mortes por todas as causas dos maiores de 85 anos em Abril e Maio estiveram 32% acima da média

    Mortes por todas as causas dos maiores de 85 anos em Abril e Maio estiveram 32% acima da média

    O PÁGINA UM analisou a mortalidade total em Abril e Maio de 2022 e foi confrontar com anos anteriores, tendo concluído que a Primavera deste ano está a ser dramática para os maiores de 85 anos. Após dois anos de pandemia e doses sucessivas de vacinas, a covid-19 já não explica tudo, ou não explica quase nada. Numa altura em que o Ministério da Saúde se regozija de já ter vacinados com a quarta dose cerca de 200 mil idosos, talvez seja altura de perguntar, e investigar mesmo a sério, porque estão tantos idosos a morrer de repente.


    Numa altura em que o processo de vacinação contra a covid-19 entra numa “quarta ronda” – isto é, segundo reforço após a denominada “vacinação completa” –, assiste-se em Portugal a um desastre de Saúde Pública: a mortalidade dos mais idosos está a atingir, nesta Primavera, níveis inusitadamente elevados.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM à mortalidade dos meses de Abril e Maio de 2022, em comparação com os períodos homólogos – com base nos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) e do Instituto Nacional de Estatística (INE) –, observa-se um acréscimo de 32% da mortalidade por todas as causas face à média dos cinco anos anteriores à pandemia (2015-2019).

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    Com efeito, para este grupo etário – que excede já a esperança média de vida –, foram contabilizados em Abril e Maio deste ano um total de 9.307 óbitos, o valor mais alto de sempre, enquanto que entre 2015 e 2019 faleceram em média, nestes dois meses, uma média de 7.044 pessoas, ou seja, mais 2.263 mortes.

    Caso se compare com Abril e Maio de 2020 – logo no início da pandemia sem vacina, sem experiência terapêutica, mas também sem sinais ainda da degradação da qualidade do SNS –, o presente ano mostra um incremento de 569 mortes, isto é, mais 6,5%.

    Contudo, se se confrontar com o ano passado – com praticamente toda a população vacinada, mas após o mais “negro” período de mortalidade de que há registo em Portugal (Janeiro e Fevereiro), o incremento dos óbitos deste ano em Abril e Maio é avassalador: mais 2.309 mortes, o que representa mais 33%.

    O cenário deste ano ainda é mais preocupante, porque claramente não surge associada à covid-19. Embora não seja possível saber com exactidão quantos óbitos por covid-19 de maiores de 85 anos houve nos meses de Abril e Maio deste ano – a DGS sempre optou, intencionalmente para dificultar análises independentes, por “dessincronizar” os grupos etários quando apresenta mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 e mortes por todas as causas –, o PÁGINA UM estima que esta doença terá sido a causa de, no máximo, 10% de todas as mortes neste grupo etário.

    Mortalidade por todas as causas em Abril e Maio desde 1996 até 2022 nos maiores de 85 anos. Fonte; INE (1996-2021) e SICO (2022).

    Essa estimativa advém do facto de a DGS apontar para a ocorrência de 1.109 mortes por covid-19 para os maiores de 80 anos entre 29 de Março e 30 de Maio deste ano. Ou seja, tal significa que a mortalidade nos maiores de 85 anos terá sido, com grande probabilidade, menor do que 930 óbitos, necessários para perfazer 10% do total.

    Este incremento da mortalidade nos mais idosos ainda se mostra mais preocupante na presente Primavera – mesmo quando, repita-se, estamos a referir um grupo etário acima da esperança média de vida –, porque decorre após dois anos de morticínio nesta faixa etária.

    Com efeito, de acordo com dados do INE e SICO, entre Março de 2020 e Fevereiro de 2022, a mortalidade total nos maiores de 85 anos foi de 110.659 óbitos, um aumento de 12% face ao período homólogo imediatamente anterior à pandemia (Março de 2018 a Fevereiro de 2020), onde se registaram, para este grupo etário, um total de 98.864 mortes.

    Convém referir que comparações com anos anteriores devem ser feitas com precaução, sobretudo com décadas anteriores, uma vez que a população muito idosa (maiores de 85 anos) tem vindo a aumentar ao longo do tempo, em função da diminuição da mortalidade precoce.

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    Por exemplo, os maiores de 85 anos em 1989 representavam apenas 0,9% da população (cerca de 90 mil pessoas), em 1996 situava-se já em 120 mil (1,2%), enquanto em 2020 já chegavam aos 320 mil (3,2%). Ou seja, sendo “natural” ocorrer uma maior concentração de óbitos na faixa dos mais idosos – a taxa de mortalidade, antes da pandemia, rondava os 15% por ano – , a actual dimensão, neste período do ano (Primavera), já não é.

    Contudo, até agora, este acrescimento brutal da mortalidade nos mais idosos não incomoda as autoridades de Saúde nem o Governo nem os denominados “peritos”, que não esboçam qualquer reacção nem procuram sequer estabelecer uma causa científica.

    Saliente-se que a actual situação portuguesa, para o grupo etário dos maiores de 85 anos, é única na Europa, de acordo com os dados analisados pelo EuroMomo. Portugal e Alemanha são os países que apresentam um estranho acréscimo de mortalidade nos mais idosos, situação que contrasta com a generalidade dos restantes Estados que estão com mortalidade dos mais idosos em níveis inferiores à média.

  • Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    Covid-19: afinal, internado n.º 1 em Portugal foi em Fevereiro de 2020 (e não em Março), era uma mulher de mais de 65 anos e esteve em hospital de Lisboa

    O PÁGINA UM revela dados oficiais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que contam uma história bem diferente sobre os primeiros “passos” da pandemia da covid-19. O Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade mostra que, afinal, o primeiro internamento por covid-19 não foi em Março de 2020, mas no mês anterior. É apenas um pormenor? Pode ser que sim, mas há uma evidência: os dados da Direcção-Geral da Saúde não encaixam em nada nos dados do SNS.


    O primeiro doente internado com diagnóstico de covid-19 em Portugal registou-se afinal ainda em Fevereiro de 2020, de acordo com os dados do Portal da Transparência da Morbilidade e Mortalidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Tratou-se de uma mulher com mais de 65 anos que esteve internada em uma das unidades do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, que integra os hospitais de São José, Curry Cabral, Santo António dos Capuchos, Santa Marta e D. Estefânia (pediatria) e a Maternidade Alfredo da Costa.

    Esta informação contraria os dados até agora conhecidos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que somente em 2 de Março de 2020 confirmou o primeiro caso de infecção por SARS-CoV-2 em Portugal: um médico de 60 anos que estivera no norte de Itália.

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    Recorde-se que a DGS começou a divulgar “boletins informativos” diários em 26 de Fevereiro de 2020, mas o primeiro, o segundo, o terceiro e o quarto relatório desse mês somente apresentavam o total dos casos suspeitos e os suspeitos nas últimas 24 horas. Nesta fase, os resultados dos testes PCR demoravam, por vezes, um dia. No dia 29 de Fevereiro daquele ano, o boletim analítico apontava um total de 70 casos suspeitos, dos quais 11 nas últimas 24 horas, mas zero casos confirmados.

    Porém, na verdade, seguindo os dados do SNS – que identifica os internados por covid-19 através do diagnóstico de doenças com “códigos para fins especiais” –, já estaria aquela mulher internada em Lisboa, cujo desfecho não é conhecido. Certo apenas é que não se registou qualquer óbito por covid-19 em Fevereiro desse ano.

    Com a confirmação da chegada oficial da covid-19 a Portugal, a DGS começou então a elaborar os famosos “relatórios de situação”, com o primeiro a surgir no dia 3 de Março, onde já surgiram quatro casos. Porém, segundo a DGS, todos os quatro eram homens: dois na faixa etária dos 30 aos 39 anos, um com idade entre os 40 e 49 anos e outro no grupo dos 60 aos 69 anos. A primeira mulher infectada surge apenas no relatório de 4 de Março, mas integrando a faixa etária dos 40 aos 49 anos. Nesse dia já estavam internadas nove pessoas.

    O mês de Março foi, porém, efectivamente o início da pandemia e de um alarmismo que parou o país, tendo sido registados 491 internamentos, dos quais 247 com mais de 65 anos, tendo-se contabilizado 138 óbitos certificados em hospital.

    Também aqui os dados do SNS começam a não bater certo com os da DGS, que apontou a existência de 187 óbitos atribuídos à covid-19, o que pode significar que houve, desde o início, uma inflação das mortes causadas pelo SARS-CoV-2 ou que houve muitas vítimas que faleceram fora de ambiente hospitalar sem receberem assistência devida.

    Recorde-se que o PÁGINA UM denunciou que, apesar de ter sido considerada uma doença de elevada infecciosidade – que obrigou, na esmagadora maioria dos casos ao internamento de casos moderados e graves –, “apenas” 68% do total dos óbitos contabilizados pela DGS em 2020 e 2021 foram certificados em unidades de saúde.

    Com efeito, até Dezembro de 2021, o Portal da Transparência do SNS aponta para um total de 12.837 pessoas falecidas devido à acção directa do SARS-CoV-2, enquanto que contabiliza, para o mesmo período, 18.974 óbitos por covid-19. Ou seja, um diferença de 6.137 mortes que, a terem mesmo morrido de covid-19, o desfecho observou-se fora de unidades de saúde; portanto, em lares ou nas suas residências.

  • Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    Em Portugal, Omicron tem indicadores menos ‘agressivos’ do que a gripe

    O PÁGINA UM analisou, com detalhe, e com os dados possíveis, a evolução da agressividade da covid-19 em Portugal desde o início da pandemia. E apurou que as taxas de internamento e de letalidade global agora com a variante Ómicron a dominar são já inferiores às que se registam em surtos gripais em países com estimativas para aquela doença, como os Estados Unidos. Só o risco global de morte para o pequeno grupo dos que são internados por covid-19 ainda continua a superar o da gripe, mas tal dever-se-á aos grupos vulneráveis. Apesar de haver muitos que insistem numa alegada 6ª vaga para vender antivirais experimentados com variantes mais agressivas, a pergunta coloca-se: vale a pena tal esforço financeiro quando o SARS-CoV-2 se mostra agora muito mais “sereno”? E mais outra: não há mais prioridades em Saúde Pública?


    Em Janeiro deste ano, a taxa de internamento de infectados com o SARS-CoV-2 foi de apenas 0,2%, e a taxa de letalidade da covid-19 situou-se somente em 0,04%, os valores mais baixos desde o início da pandemia. Ou seja, em cada 1.000 casos positivos detectados no primeiro mês de 2022 somente duas pessoas acabaram internadas.

    Como o risco de morte dos internados rondava então os 21%, significa que no primeiro mês deste ano, que correspondeu até a uma elevada incidência, morreu uma pessoa por cada 2.500 casos positivos. No período de maior agressividade da pandemia, a covid-19 chegou a apresentar uma taxa de letalidade global de 3,2% (Fevereiro de 2022), considerando os óbitos registados nos hospitais, ou seja, 16 vezes superior. Portanto, naquele mês, para cada 2.500 casos positivos houve 16 óbitos.

    Estas são as principais conclusões de uma análise exclusiva do PÁGINA UM, através do cruzamento dos casos positivos por mês, divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), com a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

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    Saliente-se que, no caso dos óbitos, estão apenas incluídos os óbitos por covid-19 com registo em unidades do SNS. O Ministério da Saúde nunca esclareceu a razão pela qual cerca de um terço das vítimas do SARS-CoV-2 – que acabaram por morrer com graves insuficiências respiratórias – terem falecido sem tratamento hospitalar.

    Mostra-se, em todo o caso, evidente que, apesar do surgimento da variante Omicron ter provocado uma subida abrupta de casos positivos, a agressividade do covid-19 decaiu significativamente. Nas fases de dominância das variantes Alfa (Primavera de 2020) e Delta (primeiros meses de 2021), as taxas de hospitalizações chegaram a rondar, ou estar mesmo acima, dos 15%. Ou seja, por cada 1.000 casos positivos, 150 acabavam por ser hospitalizados.

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid-19 e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em Janeiro do ano passado – o mês com maior número de mortes atribuídas à covid-19 –, a taxa nem esteve exageradamente alta (3,3%), mas devido ao colapso do SNS e à vaga de frio a taxa de mortalidade hospitalar por esta doença atingiu um pico de quase 32%, como revelou o PÁGINA UM na semana passada.

    Contudo, desde o surgimento e dominância da variante Omicron, no final do ano passado, a taxa de hospitalizações por covid-19 começou a cair abruptamente. Em Novembro de 2021 foi de 1,6% (16 internamentos em cada 1.000 casos positivos), o que já era o valor mais baixo de sempre. Em Dezembro desceu para 0,7% (7 internamentos em cada 1.000 casos positivos) e em Janeiro passado – últimos dados disponíveis – já somente atingiu os 0,2%.

    Evolução da taxa (%) de internamento atribuída à covid-19 (internados por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Apenas uma análise mais fina, estratificada por grupos etários, permitiria apurar se esta diminuição abrupta foi homogénea para toda a população ou se se verificam diferenças distintas em função da idade.

    Porém, apesar desses elementos serem recolhidos e tratados pelo Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a DGS tem manifestado uma sistemática atitude obscurantista, razão pela qual o PÁGINA UM intentou na semana passada um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. Uma das bases de dados que o PÁGINA UM pretende aceder é, exactamente, o SINAVE.

    Evolução da taxa (%) de mortalidade hospitalar dos internados com covid-19 (óbitos por internados) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em todo o caso, mesmo com base nos dados globais, do ponto de vista epidemiológico os indicadores da covid-19 começam, cada vez mais, a assemelhar-se a um surto gripal. Com efeito, embora em Portugal não existam sequer estimativas razoáveis sobre a incidência da gripe, a taxa de hospitalização e mortalidade associada ao vírus influenza (também como “porta de entrada” das subsequentes pneumonias), indicadores dos Estados Unidos permitem uma comparação razoável.

    Evolução da taxa (%) de letalidade atribuída à covid-19 (mortes nos hospitais por casos positivos) entre Março de 2020 e Janeiro de 2022. Fonte: DGS / Worldometers e SNS. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, de acordo com as estimativas anuais do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), nas épocas de 2010-2011 a 2019-2020, a taxa de internamento associado à gripe situou-se entre os 0,7% (2018-2019) e os 2,0% (2014-2015), enquanto a taxa de letalidade esteve compreendida entre os 0,06% (2019-2020) e os 0,17% (2014-2015).

    Porém, a taxa de mortalidade hospitalar no caso das gripes mostra-se, em comparação com a situação dos internados-covid em Portugal (que ronda os 20%), substancialmente menor, situando-se entre os 5,4% (2019-2020) e os 12,6% (2010-2011).

    Número de casos positivos, internamentos, óbitos atribuídos à covid e respectivas taxas (%) de internamento, mortalidade dos internados e letalidade global em Portugal por mês. Fonte: CDC. ACálculos e análise: PÁGINA UM.

    Esta situação indiciará que os internados mais vulneráveis – que necessitam de internamento – terão um risco de morte superior no caso da covid-19 do que na gripe. Mais uma vez, o tira-teimas seria uma análise estratificada, mas somente se o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigar o Ministério da Saúde será possível retirar uma conclusão elucidativa.

    Porém, ninguém, para já, pode negar uma evidência: a covid-19 de 2022 claramente não é a mesma covid-19 do passado. E mais do que as vacinas, a “chave” da mudança aparenta estar na variante Omicron, que trouxe maior transmissibilidade mas muito menor agressividade. Um sinal do seu carácter (já) endémico.

  • Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Nove investigadores ‘arrasam’ de cima a baixo gestão política e mediática da pandemia em revista científica de renome

    Com a espuma dos dias a desaparecer em redor da pandemia, começam a surgir investigadores com coragem para análises menos emotivas e mais científicas. Anteontem, na prestigiada BMJ Global Health foi publicado um extenso artigo de nove investigadores de diversas universidades dos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido onde não se poupam críticas aos abusos cometidos na gestão da pandemia que colidiram “com os direitos humanos e promoveram a polarização social, afectando a saúde e o bem-estar”.


    Nove investigadores norte-americanos, canadianos e britânicos acusam as políticas de vacinação contra a covid-19, seguidas pelos diversos países democráticos, de terem tido “efeitos prejudiciais na confiança do público, na confiança nas vacinas, na polarização política, nos direitos humanos, nas desigualdades e no bem-estar social”.

    Num extenso artigo de 14 páginas publicado na passada quinta-feira na prestigiada revista científica BMJ Global Health, os nove investigadores – que trabalham, entre outros centros, na Universidade de Oxford, Johns Hopkins University (Maryland), London School of Hygiene & Tropical Medicine, Universidade de Washington e Universidade de Toronto – questionam “a eficácia e as consequências da política de vacinação coerciva na resposta à pandemia”, recomendando aos decisores políticos que “retomem abordagens de saúde pública não discriminatórias e baseadas na confiança.”

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    Intitulado “The unintended consequences of COVID- 19 vaccine policy: why mandates, passports and restrictions may cause more harm than good”, o artigo aborda, em detalhe, como foi implementada a estratégia de vacinação maciça e as suas implicações em termos de psicologia comportamental (reactância, dissonância cognitiva, estigma e desconfiança), política e direito (efeitos nas liberdades civis, polarização e governança global), socio-economia (efeitos na desigualdade, capacidade do sistema de saúde e bem-estar social) e de integridade da Ciência e da Saúde pública (a erosão da ética da saúde pública e da supervisão regulatória). E também a forma ziguezagueante como políticos e media se comportaram.

    Reconhecendo que as vacinas tiveram impacto significativo na redução da taxa de mortalidade relacionada com a covid-19, os investigadores criticam sobretudo os mecanismos de coerção e estigmatização implementados nos últimos dois anos, que “provocaram considerável resistência social e política”, o que, segundo eles, tiveram “consequências prejudiciais não intencionais”, as quais “podem não ser éticas, cientificamente justificadas e eficazes.”

    Primeira página do artigo.

    Por exemplo, no caso da adopção dos certificados digitais, como passes sanitários para o acesso a determinados locais, os investigadores salientam que acabou por “colidir com os direitos humanos e promover a polarização social afectando a saúde e o bem-estar”, tendo sido usado com um fito “inerentemente punitivo, discriminatório e coercitivo.” Defendem, por isso, ser da máxima importância uma reavaliação “à luz das consequências negativas.”

    No artigo relembra-se também a manipulação da opinião pública em redor da eficácia das vacinas ao longo do ano passado para incentivar a adesão da população.

    “A lógica comunicada publicamente para a implementação de tais políticas mudou ao longo do tempo”, salientam os autores. Numa primeira fase dizia-se que a vacinação visava a “proteção dos mais vulneráveis”. Em seguida serviria para se alcançar a “imunidade de rebanho’, acabar com a pandemia’ e ‘voltar ao normal’, assim que o suprimento de vacinas fosse suficiente”. Porém,“no final do Verão de 2021” já passou a defender-se “a recomendação universal de vacinação para reduzir a pressão hospitalar e nas unidades de cuidados intensivos na Europa e América do Norte”.

    Sobre as políticas gerais da vacinação obrigatória, os autores admitem que têm sido cada vez mais desafiadas e questionadas, devido à diminuição significativa da eficácia contra a infecção, apontando também que estudos realizados em Israel e no Reino Unido mostram que a “vacinação forçada aumentou os níveis de contestação, especialmente naqueles que já desconfiavam das autoridades”, agudizando a polarização social.

    Neste aspecto, os media mainstream são particularmente criticados pelos investigadores, por terem usado “narrativas simplistas sobre percepções públicas complexas”, sobretudo quando sistematicamente optaram por catalogar as posições críticas como uma “consequência de forças ‘anti-ciência’ e de ‘extrema-direita”.

    Nessa linha, a pressão social sobre os não-vacinados chegou a níveis de perseguição. Por exemplo, ainda que a imunidade natural – adquirida por uma infeção anterior por SARS-CoV-2, tenha fornecido uma protecção significativa, mesmo superior à da imunidade vacinal, “muitos dos que foram infetados acabaram por ser suspensos dos seus empregos ou até mesmo despedidos”, no caso de não se terem vacinado, denunciam os investigadores. “Estas pessoas, ficaram impedidas de viajar ou de participar em eventos públicos”, acrescentam.

    Não ser vacinado passou a ser alvo de uma discriminação automática, incentivada por políticos e mesmo pelos media. Discriminar ou rotular não-vacinados “tornou-se socialmente aceitável entre os grupos de pró-vacinas, media e o público em geral, que viram a vacinação completa como uma obrigação moral e parte do contrato social”, referem os investigadores, mas apontam as consequências nefastas: “O efeito, no entanto, tem sido o de polarizar a sociedade – física e psicologicamente (…) A política de vacinas parece ter impulsionado as atitudes sociais em direção a uma dinâmica nós/eles em vez de adaptativa com estratégias para diferentes comunidades e grupos de risco.”

    Para exemplificar, as atitudes hostis de responsáveis políticos, os investigadores elencam frases ameaçadoras e estigmatizantes de diversos políticos, como Emmanuel Macron, Justin Trudeau, Joe Biden, Jacinda Ardern e Tony Blair.

    A declaração do presidente francês, feita no início de Janeiro deste ano, é bastante reveladora da procura de estigmatização: “É uma pequena minoria que está a resistir. Como reduzir essa minoria? Irritando-os ainda mais… Quando a minha liberdade ameaça a liberdade dos outros, eu passo a ser um irresponsável e alguém irresponsável não é um cidadão”.

    Também a de Tony Blair é destacada: “Precisamos chegar aos não-vacinados. Francamente, se você ainda não está vacinado, se é elegível e não tem razões de saúde para não ser vacinado, você não é apenas um irresponsável, mas um idiota.” E também são salientadas duas intervenções do presidente norte-americano, uma das quais em Setembro do ano passado em que responsabilizava os não-vacinados pela manutenção da pandemia. Joe Biden garantia que se estava perante uma “pandemia de não-vacinados”. Como agora se sabe, as vacinas concedem uma protecção extremamente curta ou mesmo irrelevante na redução da transmissão.

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    Segundo os investigadores, “os governos abusaram [também] do poder, invocando um constante estado de emergência, evitando [assim] a consulta pública”, além de terem demonstrado “que confiavam excessivamente nos dados fornecidos pelas farmacêuticas”.

    Considerando também que “a confiança nas autoridades de saúde se perde quando estas não são transparentes” – até porque não existiu transparência sobre o impacto negativo das vacinas, o que “exacerbou as ansiedades sociais, frustrações, raiva e incerteza”, os investigadores concluem que “as consequências criadas por estas circunstâncias, provocam uma tensão entre os princípios constitucionais e bioéticos, especialmente em democracias liberais”. Razão que os leva depois a relembrar que “as estruturas éticas foram projetadas para assegurar que os direitos e liberdades sejam respeitados mesmo durante a emergência de saúde pública”.

  • Ministério da Saúde é, desde hoje, réu no Tribunal Administrativo por recusar tornar públicos documentos sobre a pandemia

    Ministério da Saúde é, desde hoje, réu no Tribunal Administrativo por recusar tornar públicos documentos sobre a pandemia

    Perante a recusa sistemática de acesso a documentos administrativos por parte da Direcção-Geral da Saúde, pedidos ao longo dos últimos meses, o PÁGINA UM avançou hoje com um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. O processo é considerado “urgente” e já foi distribuído a uma juíza, e será a derradeira hipótese de terminar com o obscurantismo em redor da gestão política da pandemia. Conheça quais são os documentos em causa, incluindo base de dados, que a DGS tem estado a recusar ao PÁGINA UM.


    A ministra da Saúde, Marta Temido, terá de se justificar perante o Tribunal Administrativo de Lisboa sobre as razões para recusar o acesso a um vasto conjunto de documentos administrativos solicitados pelo PÁGINA UM à Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    O processo de “intimação para prestação de informação e passagem de certidões” foi hoje intentado pelo director do PÁGINA UM, e como processo urgente, sob o número 1438/22.8BELSB, foi já distribuído à juíza Ilda Maria Pimenta Côco.

    Apesar de ter sido a DGS a recusar sistematicamente o fornecimento de documentos administrativos, incluindo o acesso a base de dados, do ponto de vista formal o réu, neste processo, será o Ministério da Saúde.

    Marta Temido, ministra da Saúde, tem acompanhado a pandemia da covid-19 desde o início.

    A decisão do PÁGINA UM decorre de longas e pacientes tentativas de obtenção de documentação relacionada com o sistema de informação e de gestão da pandemia da covid-19, cujos pedidos têm sido quase todos recusados pela directora-geral da Saúde Graça Freitas.

    Apesar de diversos pareceres não-vinculativos já emitidos pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), instando a DGS a fornecer o acesso a um vasto conjunto de documentos essenciais para a compreensão da dimensão e amplitude da pandemia, e das respostas políticas, a DGS somente por uma vez disponibilizou dados: os pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Porém, recusou disponibilizar as actas das reuniões, de modo a esconder o sentido de voto dos membros que, por exemplo, se opuseram à estratégia de vacinação dos adolescentes.

    Com a intimação agora apresentada, o Tribunal Administrativo de Lisboa poderá, no prazo de sensivelmente um mês, decidir pela obrigatoriedade no fornecimento dos documentos administrativos. E, neste caso, o próprio Ministério da Saúde vai ser mesmo obrigado a justificar os motivos de manter um secretismo absoluto sobre documentos administrativos relacionados com a covid-19.

    Este processo de intimação insere-se na campanha do PÁGINA UM em prol da defesa da informação científica e da transparência, sendo integralmente financiada pelo FUNDO JURÍDICO, através de donativos dos leitores na plataforma MIGHTYCAUSE, tendo como patrono o advogado Rui Amores, especialista em Direito Administrativo. Este é o sexto processo intentado pelo PÁGINA UM.

    Conheça aqui quais são os documentos solicitados pelo PÁGINA UM ao Ministério da Saúde como entidade que tutela a DGS:

    1 – Actas de todas as reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, criada pelo despacho de V. Exa. com o número 012/2020 de 4 de Novembro de 2020.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde, tem sistematicamente recusado responder aos pedidos do PÁGINA UM. Tudo pode mudar com a intervenção do Tribunal Administrativo.

    2 – Base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a plataforma que tem vindo a ser usada para acompanhamento da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, devendo ser autorizado o acesso presencial à referida base de dados, e onde conste a seguinte informação detalhada (para cada um dos casos positivos reportados pelos médicos e laboratórios):
    a) Data da confirmação do teste positivo
    b) Identificação da pessoa (com id anonimizado)
    c) Idade à data da validação
    d) Nacionalidade do utente
    e) Concelho do utente
    f) Variante do vírus (se identificada)
    g) Situação da vacinação (vacinada parcialmente com uma dose; vacinação completa; vacinação completa com dose de reforço; não-vacinada)
    h) Marca da vacina (se vacinado)
    i) Data do óbito (se ocorreu).

    3 – Dados anonimizados de todos os óbitos registados no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) desde 2013 até à data, onde conste (obviamente sem identificação da pessoa) a data do óbito, a idade da pessoa em causa, o local do óbito (concelho) e a causa apurada do óbito de acordo com o código respectivo da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), devendo assim ser expurgados os dados que possam identificar, mesmo que indirectamente, a pessoa em causa. Se se considerar que a indicação do local do óbito (concelho) seja susceptível de identificar qualquer pessoa, então que se opte pela identificação do local por distrito. E se se considerar que até com o distrito seja passível de uma identificação, então prescinde-se da identificação do local do óbito, desde que os outros elementos solicitados estejam presentes. Pode, e deve, ser expurgado o nome do médico legista.

    4 – Documentos administrativos que contenham o registo do número de testes de detecção de SARS-CoV-2 por idade (desagregada por idade ou agregada por faixa etária) em cada dia, desde o início da pandemia, quer sejam testes PCR quer testes de antigénio, bem como os documentos administrativos que contenham o registo do número de casos positivos por idade (desagregada por idade ou agregada por faixa etária) em cada dia, desde o início da pandemia, quer sejam testes PCR quer testes de antigénio.

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    5 – Documentos administrativos que contenham o registo (ou cujos dados permitam apurar) sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como de preocupação (VOC), designadamente a Alpha, Beta, Gamma, Delta e Omicron, e de interesse (VOI), designadamente a Lambda e Mu.

    6 – Documentos administrativos que contenham o registo do número de surtos de covid-19 em unidades hospitalares – isto é, que a covid-19 seja considerada infecção nosocomial –, discriminados por unidade e mês (ou outro qualquer período temporal), integradas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    7 – Documentos administrativos que contenham o registo com o número total de infecções (casos positivos) por covid-19, e eventualmente discriminadas por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período temporal), adquiridas durante o internamento por outras causas, ou seja, que seja possível aferir do número de infecções nosocomiais de covid-19, desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    8 – Documentos administrativos que contenham o registo com o número total de óbitos atribuídos à covid-19 em doentes previamente internados por causas não-covid e que sofreram infecção nosocomial de covid-19 durante o internamento, e eventualmente discriminados por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período), desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

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    9 – Documentos administrativos que contenham informação detalhada, desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, relacionada com o internamento de doentes com teste positivo à covid-19 (internados-covid). Basicamente, aquilo que se solicita é a base de dados, convenientemente anonimizada, que a DGS confirmou em 4 de Fevereiro p.p. a sua existência, através de comunicado de imprensa, onde se destaca que cerca de 75% das pessoas consideradas doentes-covid estiveram internadas por consequência direta dessa infeção.

    10 – Documentos administrativos que contenham informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença. Em suma, pretende-se ter acesso, consultar e obter cópia integral de todas as comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro p.p.. Ou, em alternativa, um documento oficial já existente que contenha, de forma clara, e discriminada, essa informação

  • Inspecção-Geral das Actividades em Saúde investiga relações promíscuas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    Inspecção-Geral das Actividades em Saúde investiga relações promíscuas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    António Morais acumula a presidência da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) com as funções de consultor da Direcção-Geral da Saúde e do Infarmed. Lei diz que só poderia acumular se a SPP recebesse das farmacêuticas no máximo 50.000 euros por ano em média no quinquénio anterior. A SPP recebeu no período 2017-2021 cerca de 870 mil euros, ou seja, 17 vezes mais.


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está a investigar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais. A abertura formal de um “Processo de Esclarecimento, o qual se encontra em curso” foi admitida pelo inspector-geral desta entidade, António Carapeto, em carta a que o PÁGINA UM teve acesso.

    De acordo com o IGAS, um processo de esclarecimento deste tipo constitui um “procedimento rápido e expedito destinado à recolha de elementos com vista ao esclarecimento de expediente geral, à verificação prévia de requisitos que habilitem a eventual decisão de instauração de acção inspectiva ou ao acompanhamento de acções inspectivas em curso dentro ou fora” desta entidade.

    António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

    Na base da abertura desta investigação está a notícia do PÁGINA UM de 18 de Abril passado que denunciou que António Morais está a violar há três anos, desde que tomou posse como presidente da SPP, as regras de incompatibilidade que o deveriam impedir de se manter como consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde. As decisões administrativas que tenham sido tomadas com base em pareceres em que este pneumologista tenha participado são juridicamente nulas.

    António Morais – que desde 2016, e apresenta-se como tal no seu currículo, é consultor de doenças intersticiais pulmonares do Programa Nacional para as Doenças Respiratórias da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed – não poderia estar a acumular aquelas funções públicas com as de membro dos órgãos sociais de uma sociedade profissional com tão estreitas relações comerciais com farmacêuticas.

    Um decreto-lei de 2014 estipula que consultores, membros de comissões, grupos de trabalho e júris de concursos com determinadas funções em organismos do Ministério da Saúde não podem ser, em simultâneo, membros de órgãos sociais de sociedades científicas – como é o caso da SPP – que “tenham recebido financiamentos de empresas produtoras, distribuidoras ou vendedoras de medicamentos ou dispositivos médicos, em média por cada ano num período de tempo considerado até cinco anos anteriores, num valor total superior a 50.000”.

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    Ora, António Morais preside à SPP desde 14 de Janeiro de 2019, e esta sociedade médica ultrapassa larguissimamente o patamar dos 50 mil euros anuais. Quando este pneumologista – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – tomou posse, a SPP tinha recebido no quinquénio anterior uma média de 799.634 euros do sector farmacêutico, ou seja, 16 vezes mais do que o limite imposto pela norma das incompatibilidades.

    No quinquénio 2017-2021, que engloba já os três anos de presidência de António Morais, os montantes arrecadados pela SPP ainda aumentaram mais: situaram-se nos 870.512 euros por ano. Para este aumento muito contribuiu o ano passado em que a SPP recebeu um financiamento recorde vindo do sector farmacêutico: 1.301.972 euros.

    Em 2022, até ao dia de hoje, de acordo com a Plataforma da Publicidade e Transparência do Infarmed, a SPP amealhou 499.228 euros, mas usualmente a maior fatia de patrocínios e contratos comerciais com a indústria farmacêutica regista-se no último trimestre de cada ano no âmbito do Congresso de Pneumologia.

    A título pessoal, António Morais tem também relações comerciais com farmacêuticas. Este ano já recebeu 10.281 euros provenientes de sete farmacêuticas.

    Apoios do sector farmacêutico (em euros) à Sociedade Portuguesa de Pneumologia entre 2017 e 2021. Fonte: Infarmed.

    Para além de questões éticas, as incompatibilidades de António Morais têm consequências legais e jurídicas muito graves. De acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 14/2014, “os pareceres emitidos ou as decisões tomadas por comissões, grupos de trabalho, júris e consultores, em que intervenham elementos em situação de incompatibilidade não produzem quaisquer efeitos jurídicos”, o que significa, em consequência, que “as decisões dos órgãos deliberativos (…) são nulas”, caso se baseiem naqueles pareceres.

    António Morais, por seu turno, pode vir também a ser sancionado, porque o artigo 6º do mesmo diploma legal determina a obrigatoriedade de ele cessar as suas funções de consultor a partir do dia de tomada de posse como presidente da SPP (14 de Janeiro de 2019). O PÁGINA UM teve acesso à sua última declaração, com data de 5 de Março de 2018 – numa altura, portanto, em que ainda não presidia à SPP, e não estaria a violar o regime de incompatibilidades –, e que ainda consta no site do Infarmed.

    Por essa falha, a IGAS pode, de acordo com a lei, aplicar-lhe uma coima entre 2.000 e 3.500 euros. Ou, simplesmente, não fazer nada, e a SPP continuar a receber aqueles montantes das farmacêuticas, tendo um presidente a aconselhar a DGS e o Infarmed como se fosse um perito independente.