O PÁGINA UM analisou a evolução das taxas de vacinação contra a covid-19 nos últimos dois meses. Quatro em cada 10 idosos com mais de 80 anos ainda não se vacinaram com a quarta dose e a procura é agora muito fraca. Nos outros grupos etários, a taxa de cobertura da terceira dose é também bastante mais baixa do que aquele que se registou para a primeira e segunda doses.
A adesão ao segundo reforço do programa de vacinação contra covid-19 – ou quarta dose – está a esmorecer junto da população mais idosa, em linha com uma redução significativa da população mais jovem na toma do primeiro reforço (terceira dose).
De acordo com os mais recentes dados semanais da Direcção-Geral da Saúde (DGS), na semana de 5 a 11 de Julho apenas terão sido vacinadas cerca de 54 mil pessoas. Destas pouco menos de sete mil eram idosos com mais de 80 anos, os elegíveis para a toma do denominado segundo reforço. A maioria das pessoas que, naquela semana, se deslocaram aos centros de vacinação foi para a terceira dose, dos quais quase oito mil com idade entre os 18 e os 24 anos, e cerca de 33 mil com idade entre os 25 e os 49 anos.
Ainda houve, neste período, quase 6.500 crianças entre os 5 e os 11 anos que tomaram a segunda dose para concluir o processo de vacinação completa. Saliente-se, aliás, que a vacinação de reforço (terceira dose) somente foi adoptada, por agora, para os maiores de idade.
Na semana anterior (28 de Junho a 4 de Julho), o número de pessoas vacinadas terá sido sensivelmente semelhante, embora 13 mil fossem idosos com mais de 80 anos.
Estes valores absolutos constituem estimativas do PÁGINA UM, com base na percentagem da população vacinada por semana em cada grupo etário e em função da respectiva população indicada pelo Instituto Nacional de Estatística para o ano de 2020. A DGS tomou, desde sempre, a questionável decisão de não divulgar números absolutos da população vacinada, optando por percentagem sem casas decimais. Daí que virtualmente toda a população com mais de 25 anos esteja toda vacinada (100%), o que não corresponde à verdade.
Certo é que pela análise dos boletins semanais da DGS, nota-se claramente que a vontade em receber mais doses da vacina contra a covid-19 por parte dos portugueses esmoreceu de forma significativa, mesmo nos grupos etários supostamente mais vulneráveis.
Número de pessoas vacinadas por semana desde 17 de Maio até 11 de Julho de 2022 por grupo etário. Fonte: DGS. Análise: PÁGINA UM
Tal situação, patente nos números da evolução da campanha em curso, significa uma assumpção da existência de um menor risco de vida perante a dominância da variante Omicron (muito menos letal) ou da percepção da existência de uma forte imunidade adquirida (mais de 50% da população portuguesa já contactou directamente com o SARS-CoV-2) ou também um aumento da desconfiança em termos de segurança.
Saliente-se que o Infarmed tem recusado ceder os dados detalhados das reacções adversas ao PÁGINA UM, estando em curso um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.
A evolução dos números do segundo reforço para os maiores de 80 anos mostra que dificilmente será possível atingirem-se os patamares de adesão à vacinação completa (100%) ou mesmo à vacinação de reforço (97%). Desde a segunda metade de Maio, quando se iniciou o programa para os maiores de 80 anos reforçarem a imunidade vacinal (a quarta dose), apenas 58% deste grupo etário se vacinou, mas a procura está a cair a pique.
Com efeito, na segunda quinzena de Maio vacinaram-se 21% deste grupo etário, tendo-se depois conseguido, nas quatro semanas subsequentes, vacinar entre 11% e 13% a cada sete dias. Porém, na semana de 21 a 27 de Junho apenas se vacinaram 4%, seguindo-se 2% na seguinte e apenas 1% na semana de 5 a 11 de Julho.
No grupo etário dos 65 aos 79 anos, apenas 1% da população foi já vacinada com o segundo reforço, embora o primeiro reforço tenha, segundo os dados da DGS, uma taxa de cobertura de 98%.
Nas idades mais jovens (menores de 65 anos), o processo está ainda em maior estagnação, mesmo se foram administradas, desde a segunda quinzena de Maio, cerca de 380 mil doses de vacinas, que representam cerca de 5% da população.
Nestes grupos etários sobressai sobretudo a grande diferença entre a adesão à vacinação completa (duas doses) e ao reforço (terceira dose). Por exemplo, dos 25 aos 49 anos, passou-se de uma adesão (supostamente) de 100% na toma das duas doses para apenas 66% na toma da terceira. Nos 18 aos 24, a dose de reforço já só foi tomada por 52%, quando para a vacinação completa (duas doses) tinha, segundo a DGS, ocorrido uma adesão de 98%.
Nas crianças entre os 5 e os 11 anos, a maioria (58%) ainda não teve vacinação completa (duas doses). A adesão, aliás, tem sido bastante lenta, tendo apenas aumentado em cinco pontos percentuais nos últimos dois meses, passando de 37% no princípio da segunda quinzena de Maio para 42% em 11 de Julho.
A DGS não comenta este crescente desinteresse na vacina contra a covid-19 face à adesão que se verificava anteriormente, tendo apenas transmitido ao PÁGINA UM que “Portugal é dos países com valores mais elevados de cobertura vacinal da Europa”, e que têm sido implementadas “diferentes estratégias de acesso à vacinação, tais como, agendamento local ou central, ou através da modalidade casa aberta”.
O gabinete de comunicação de Graça Freitas acrescenta que, “neste contexto, as pessoas vão sendo vacinadas à medida que se tornam elegíveis, de acordo com a Norma 002/2021”, afirmando que se continua a “investir em estratégias de comunicação para informar a população sobre o processo de vacinação”.
Quanto à eventualidade de, nos próximos meses, vir a ser recomendado para os menores um reforço da vacinação (terceira dose), a DGS apenas salienta, por agora, que faz tudo “de acordo com a evidência científica disponível à data”, mantendo-se “a acompanhar a evolução do conhecimento científico, bem como a situação epidemiológica, podendo rever as suas recomendações sempre que se justificar.”
A covid-19 tornou-se endémica, mas a mortalidade em Portugal mantém-se imparável. Desde Novembro do ano passado não houve ainda nenhum mês com menos de 10.000 óbitos. Os meses de Abril, de Maio e de Junho bateram recordes, e Julho caminha para essa funesta posição. Mas o problema tem sido a persistência, que mostra um inquestionável problema grave de Saúde Pública. Enquanto isto, o Governo adia uma avaliação independente e continua a obstaculizar as investigações do PÁGINA UM.
É situação inédita, impensável e intolerável, sobretudo pelo silêncio do Governo: com a primeira quinzena de Julho a registar mais de 5.200 óbitos, Portugal arrisca-se a contabilizar o nono mês consecutivo com os meses acima de 10.000 mortes por todas as causas.
De acordo com dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito, desde Novembro do ano passado, todos os meses têm estado acima da fasquia dos 10.000 óbitos, valores que sendo números aceitáveis no Inverno – face ao envelhecimento populacional e à maior prevalência de doenças letais dos aparelhos respiratório e circulatório –, são completamente atípicos nos meses de Primavera e Verão.
Com efeito, considerando os dados mensais da mortalidade do SICO e do Instituto Nacional de Estatística a partir de 1980, antes da pandemia apenas por duas ocasiões se registou uma séries de quatro meses consecutivos com mais de 10.000 óbitos: entre Dezembro de 2014 e Março de 2015, e entre Dezembro de 2017 e Março de 2018.
Mesmo a ocorrência de séries de três meses a suplantarem aquela fasquia eram bastante raros, identificando-se apenas seis desde 1980: Dezembro de 1995 a Fevereiro de 1996; Dezembro de 1998 e Fevereiro de 1999; Dezembro de 2001 e Fevereiro de 2002; Dezembro de 2006 e Fevereiro de 2007; e ainda Janeiro de 2012 a Março de 2012.
Em plena pandemia registar-se-ia mais uma série de quatro meses com mortalidade sempre acima de 10.000 óbitos – Novembro de 2020 a Fevereiro de 2021 –, mas com uma dimensão sem precedentes, uma vez que, sobretudo Janeiro do ano passado contabilizou o pior saldo de sempre (19.649 óbitos). No total, naqueles quatro meses faleceram quase 57 mil pessoas. Nas outras duas séries com quatro meses sempre acima dos 10.000 óbitos, o saldo tinha sido menos nefasto: cerca de 45 mil mortes em cada.
Mortalidade mensal desde Janeiro de 1980 até Junho de 2022 (barras a vermelho, valores acima de 10.000 óbitos). Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Por norma, uma elevada mortalidade durante um determinado período – neste caso, o primeiro ano da pandemia – deveria estar a “beneficiar” os períodos subsequentes por virtude de um “rejuvenescimento” da população por via da morte dos mais vulneráveis. Ademais, a variante Omicron – que surgiu em Novembro do ano passado – tem-se mostrado de menor letalidade, a que acresce a elevada taxa de vacinação contra a covid-19, que as autoridades de saúde recusam associar a efeitos adversos relevantes.
Contudo, certo é, desde Novembro do ano passado, nunca se ficou abaixo dos cinco dígitos na contabilização de pessoas falecidas. Sendo certo que Dezembro e sobretudo Janeiro são meses em que habitualmente se ultrapassam os 10.000 óbitos – e em Novembro e Março ocorre com alguma regularidade nos anos pré-covid –, não é habitual estarem todos com elevada mortalidade.
Abril com mais de 10.000 óbitos apenas ocorreu por uma vez, exactamente em 2020, no início da denominada primeira vaga, que também esteve associada a mortes por causas não-covid. Mas um Maio ou um Junho acima de 10.000 óbitos é completamente inédito. Se Julho mantiver o ritmo – a média diária é, por agora, de 349 óbitos –, baterá o recorde de 2020, a única vez que se ultrapassara os 10.000 óbitos.
Porém, o principal problema nem sequer são os recordes mensais, mas sobretudo a persistência de elevados valores em tantos meses.
Mortalidade mensal desde Julho de 2017 até Junho de 2022 (barras a vermelho, valores acima de 10.000 óbitos). Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Apesar desta situação, o Governo mantém-se impávido, recusando disponibilizar os dados brutos do SICO – o que implicou o recurso ao Tribunal Administrativo por parte do PÁGINA UM, através de um processo de intimação –, o que permitiria identificar as causas de mortes que se têm vindo a destacar e a justificar estes números.
Além disso, recentemente, o presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, Victor Herdeiro – amigo de longa data da ministra da Saúde, Marta Temido – retirou a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar do Portal da Transparência do SNS, impedindo assim o PÁGINA UM de escrutinar qual o grupo de doenças que se mostram agora com maior letalidade das unidades de saúde.
Anteontem, a ministra da Saúde referiu aos jornalistas que o Governo está “totalmente empenhado em conhecer aquilo que é a mortalidade, conhecer as suas causas e atuar sobre as suas causas”, alegando que para as análises serem sérias, demoram muitas vezes tempo, e como tal é necessária “alguma prudência”. Marta Temido acrescentou querer “chegar a conclusões céleres”, mas que estas “não são possíveis quando são sobre fenómenos complexos e necessitam de tempo e de análise técnica”.
Na verdade, fazer análises desta natureza, ainda mais com o detalhe que os dados do SICO permitem, não demora assim muito tempo.
Para a “prova dos 9”, o PÁGINA UM solicitou a um professor de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências que analisasse a mortalidade deste ano em comparação com os últimos cinco anos, incluindo os primeiros dois anos de pandemia. Os resultados confirmam uma mortalidade excessiva, mas pior ainda: uma persistência inaudita. O calor desta semana complicará mais esta tragédia, mas não pode ser o bode expiatório. Afinal, o que esconde o Ministério da Saúde, quando não disponibiliza ao PÁGINA UM os dados em bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito? De que estão a morrer os portugueses? Irá a culpa continuar a morrer solteira?
Desde 21 de Fevereiro até 10 de Julho – antes da actual onda de calor –, o excesso de mortalidade por todas as causas já terá atingido quase 5.700 óbitos, de acordo com cálculos, a solicitação do PÁGINA UM, de João José Gomes, professor do Departamento de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Utilizando estatística mais elaborada, e analisando semanalmente os níveis de mortalidade desde o início do presente ano e comparando com períodos homólogos dos cinco anos anteriores (2017-2021) – incluindo, portanto, os dois primeiros anos da pandemia –, os cálculos deste investigador universitário destacam de forma ainda mais marcante a elevada e incompreensível mortalidade sobretudo desde o início de Março, e que se tem prolongado pela Primavera e Verão. Estas épocas do ano costumam ser as de menor mortalidade, só de quando em vez interrompidas, de forma curta, por alguma onda de calor.
Com efeito, a anormalidade deste ano mostra-se, sobretudo, por não estar associada a nenhum evento extraordinário, embora oficialmente tenha subsistido uma relativa mortalidade causada oficialmente pela covid-19, embora inédita, porquanto Portugal é um dos países europeus com maior taxa de vacinação contra esta doença e com maior contacto com o SARS-CoV-2.
Segundo os cálculos de João José Gomes, o mês de Janeiro deste ano até foi bastante “ameno” – com um “défice de mortalidade” que chegou aos 677 na terceira semana. A situação de menor mortalidade face à média ainda se manteve até à semana 7 – mas já com uma aproximação à média do período 2017-2021 a partir do início de Fevereiro.
Porém, sem qualquer evento meteorológico associado com implicações na saúde, Março foi o início de um inusitado processo atípico: em vez de uma redução, a mortalidade manteve-se em níveis quase similares ao Inverno. Significou isso, que o excesso de mortalidade se foi evidenciando.
Mortalidade semanal em 2022 comparada com intervalos de confiança de 95% construídos com base nos anos 2017-2021. Fonte: SICO. Análise: João José Gomes (FC-UL)
E de uma forma abismal. De facto, a partir da semana 12, iniciada a 22 de Março, a mortalidade total diária esteve quase invariavelmente acima da média do período homólogo entre 2017 e 2021. A situação ainda piorou mais entre a semana 21, que começou a 24 de Maio, e a semana 25, que terminou em 27 de Junho. Neste período de transição da Primavera para o Verão – que inclui Junho, o segundo mês menos mortífero do ano, a seguir a Setembro, pela sua amenidade –, o valor mínimo diário em 2022 esteve quase sempre acima do limite superior do intervalo de confiança de 95%. Isto sistematicamente. Pior seria impossível.
De acordo com os cálculos de João José Gomes, é sobretudo a persistência de um longo período de excesso de mortalidade num período do ano caracterizado pela baixa mortalidade que causa estupefacção.
Estimativa do défice (verde) e excesso (vermelho) de mortalidade por semana em 2022 face à média do período 2017-2021. Fonte: SICO. Análise: João José Gomes.
Entre as semanas 12 e 27, apenas em duas se excedeu as 200 mortes no respectivo período de sete dias. A mortalidade excedeu em mais de 60 óbitos por dia (ou seja, mais de 420 óbitos em sete dias) na semana 25 (21 a 27 de Junho, com 676 óbitos a mais, isto é, quase 97 por dia), na semana 24 (14 a 20 de Junho, com 563 óbitos a mais), na semana 20 (17 a 23 de Maio, com 468 óbitos a mais), na semana 23 (7 a 13 de Junho, com 467 óbitos a mais) e na semana 21 (24 a 30 de Maio, com 424 óbitos a mais).
Para reconfirmar a persistência da mortalidade sempre em valores muito acima do perfil normal – em que, no período primaveril e estival se sucedem largos períodos com óbitos diários a rondar os 280 por dia –, saliente-se que este ano apenas se verificaram, até hoje, 15 de Julho, sete dias com menos de 300 óbitos. Significa que se contabilizaram já 189 dias com mais de 300 óbitos, muito acima dos 161 registados em 2020, quando a primeira vaga encontrou uma população completamente desprevenida. No ano passado, que contabilizavam-se, neste período, já 104 dias abaixo dos 300 óbitos, embora tal se tenha devido em grande medida ao morticínio dos meses de Janeiro e Fevereiro.
Número de dias com 300 ou mais óbitos e com menos de 300 óbitos entre 2009 e 2022 até 15 de Julho. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Note-se que, na quase totalidade do período analisado, o índice Ícaro – que mede o risco de acréscimo de mortalidade devido a temperatura elevadas – esteve quase sempre com o valor de zero. Até 8 de Julho apenas em um dia esteve acima de 0,1 (ou seja, com impacte quase irrelevante), e somente na última semana esteve consecutivamente positivo. Em todo o caso, ainda não superou o valor de 1, que constitui já uma fasquia de grande perigo.
Esta análise demonstra, de forma categórica, que o excesso de mortalidade nos últimos dias associada exclusivamente à onda de calor em curso está profundamente errada. E que o comunicado de imprensa de ontem à tarde da Direcção-Geral da Saúde, apontando para um excesso de 238 óbitos no período de 7 a 13 de Julho em função exclusivamente das condições meteorológicas, e omitindo o passado mais recente (e os problemas estruturais do SNS), constitui, na verdade, uma manobra de diversão.
Na verdade, se é previsível (aliás, seria estranho o contrário) que a mortalidade total venha a ser extremamente elevada por estes dias – ontem, segundo dados provisórios, terão morrido 436 pessoas, o que a confirmar-se será o quarto dia mais mortífero de 2022 –, mostra-se evidente que o “ponto de partida”, ou seja, a base de mortalidade (por factores ainda ignorados) está muito acima do expectável. Portanto, acabando a onda de calor, continuará elevada a mortalidade, porque não é a temperatura que está a desequilibrar. Excepto, se enfim, alguém obrigar o Ministério da Saúde a revelar as causas deste contínuo morticínio, e a encontrar rapidamente uma solução.
Nada tem a ver com a onda de calor em curso. No passado domingo, a mortalidade acumulada nos mais idosos (acima dos 85 anos) desde Janeiro deste ano ultrapassou os atrozes valores de 2021, quando então se bateram recordes de óbitos em Janeiro e Fevereiro. Mas, ao contrário do que sucedeu em 2021, o morticínio nos mais velhos está a acontecer na Primavera e no Verão de forma persistente e silenciosa, contrariando aquilo que seria expectável. E tem sido um evento silenciado. Na verdade, não está ser apenas um morticínio; está a ser um gerontocídio. O PÁGINA UM apresenta uma análise detalhada daquilo que está a suceder, a exigir investigação, que pode ser judicial.
Gerontocídio – a palavra existe no léxico, embora seja pouco usada. Mas sendo pouco ou nada usual ouvi-la e vê-la escrita, tem agora andado a pairar por todo o lado no nosso país, de norte a sul, de este a oeste, apesar das autoridades de Saúde, e particularmente o Governo, nem sequer queiram proferir um qualquer eufemístico sinónimo. Nada. Silêncio. Um atroz silêncio: é esta a reacção de um Estado democrático perante uma mortandade sem precedente atinge níveis inauditos numa franja que já deu muito ao país: os super-idosos, os maiores de 85 anos.
De acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM, incluindo tratamento estatístico, aos dados disponíveis do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), os óbitos acumulados desde 1 de Janeiro deste ano neste grupo etário ultrapassaram, no passado domingo (dia 10 de Julho), os números já colossais de 2021, que incluíram Janeiro e Fevereiro, no auge da pandemia da covid-19.
Com os números provisórios até 12 de Julho, terão já morrido este ano um total de 30.648 pessoas com mais de 85 anos, o que representa quase 10% dos idosos daquela faixa etária, que nos últimos anos estava em contínuo crescimento. De acordo com as estimativas do Instituto Nacional de Estatística viviam em Portugal 328 mil pessoas com mais de 85 anos em 2020, sendo que, naquele ano, mais de 56 mil tinham apagado oito dezenas e meia de velas.
Este grupo etário esteve em contínuo crescimento nas últimas décadas, fruto das melhorias nos cuidados médicos, tendo duplicado mesmo o seu número entre 2004 (quando então viviam apenas cerca de 16 mil pessoas com mais de 85 anos) e 2020. Esse crescimento será quebrado, certamente agora, com o excesso de óbitos em 2021 e 2022.
O valor da mortalidade acumulada dos mais idosos em 2022 excede, por agora, em pouco menos de uma centena (97) os números do ano passado (30.551 óbitos). Encontram-se também substancialmente acima do primeiro ano da pandemia (27,866 óbitos) e são muitíssimo superiores ao período pré-pandemia (25.493 óbitos em média entre 2015 e 2019).
Recorde-se que o ano passado foi particularmente mortífero para os mais idosos. Nos dois primeiros meses do ano passado, a mortalidade total atingiu patamares inéditos: em Janeiro morreram 19.649 pessoas e em Fevereiro 12.784. Destas, 46% (14.809) eram idosos com idade igual ou superior a 85 anos.
Apesar disso, este ano a situação de Saúde Pública dos mais idosos está a assumir contornos ainda mais catastróficos, porque o morticínio não se iniciou nos meses de Inverno – associado a doenças mais letais neste grupo etário –, tendo-se sim intensificado, de forma espantosa e imparável, sobretudo a partir de Março.
Não se registou assim a habitual diminuição dos óbitos ao longo da Primavera e Verão; pelo contrário. Neste momento, os níveis de mortalidade nesta faixa etária estão próximos dos valores de Inverno, e com um excesso significativo face aos anos anteriores e sobretudo aos períodos homólogos pré-pandemia.
O início deste ano até aparentava vir a ser “ameno” para os mais idosos, após a pandemia ter causado um excesso de mortalidade sem precedentes. De facto, o último Janeiro teve uma mortalidade diária para os maiores de 85 anos até ligeiramente abaixo da média do período pré-pandemia: 167 óbitos vs. 174. O mês de Fevereiro esteve já um pouco acima, mas, mesmo assim, até ao dia 25 daquele mês tinham morrido menos 4.828 idosos desta faixa etária do que em igual período de 2021.
Aquilo que sucedeu depois mostra-se ainda inexplicável, pela sua dimensão e persistência, e por mais especulações que as autoridades de Saúde façam, enquanto se recusam a investigar ou impedem ostensivamente que haja investigações independentes. Este ano, entre Março e 12 de Julho, morreram 20.647 idosos com mais de 85 anos, um valor que excede em 4.901 os óbitos registados em 2021, em 2.227 os contabilizados em 2020 (que inclui o início da pandemia), e em 5.004 os que se registaram em média no período entre 2015 e 2019. Em relação à fase pré-pandemia, os óbitos neste grupo etário incrementaram em 32% no período do ano geralmente pouco mortífero.
Evolução do diferencial de óbitos acumulados entre 2022 e 2021 até 12 de Julho no grupo etário dos maiores de 85 anos. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
De facto, o perfil da mortalidade deste ano para os mais idosos é completamente atípica. Desde Março, a mortalidade diária dos maiores de 85 anos tem variado entre uma média diária de 149 óbitos em Julho (nos 12 primeiros dias) e os 160 em Março. A média diária no período pré-pandemia (2015-2019) situa-se, para este intervalo de tempo, entre os 99 óbitos em Julho e os 135 em Março.
Ou seja, desde Junho observa-se um excesso de mortalidade neste grupo etário a rondar 50 óbitos em cada dia. Em dois meses são cerca de três mil mortes a mais. Não há explicação oficial, justificada por estudos técnicos, para estes números.
Esta hecatombe ainda assume pior intensidade, por duas razões: por um lado, nenhum outro grupo etário apresenta este perfil de mortalidade ao longo deste ano; por outro lado, o morticínio dos últimos meses sucede a um longo e (quase) contínuo período de excesso de mortalidade desde o surgimento da pandemia. Ademais, praticamente todo este grupo populacional se encontra com imunidade vacinal contra a covid-19 com três ou quatro doses.
Mortalidade média diária por mês dos maiores de 85 anos no período 2015-2019 (média), 2020, 2021 e 2022 (Julho até dia 12). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Com efeito, analisando todos os grupos etários do SICO, aqueles que são subsequentes aos maiores de 85 anos até estão em situação muito mais favorável relativamente ao ano passado. Apesar de os valores ainda estarem algo acima da média pré-pandemia, se comparamos a mortalidade acumulada até 12 de Julho deste ano com o período homólogo do ano passado para o grupo etário dos 75 aos 84 anos, observa-se até um decréscimo de 1.504 óbitos. Para o grupos dos 65 aos 74 anos a redução é de 839.
A relativa redução na mortalidade entre os 65 aos 84 anos justifica, assim, que o total de óbitos na população portuguesa até 12 de Julho de 2022 ainda seja bastante inferior ao ano passado: 67.939 óbitos contra 70.677, ou seja, menos 2.728.
Porém, esse mesmo diferencial, confirma ainda mais que o problema se concentra em exclusivo nos mais idosos, embora seja questão menos mediatizável por atingirem pessoas que já vivem acima da esperança média de vida. Em todo o caso, fica patente que o suposto “efeito rejuvenescimento” – devido à morte dos mais “fracos” ao longo da pandemia – não foi assim suficiente para estancar um “inesgotável morticínio”.
Comparação entre a mortalidade acumulada (até 12 de Julho) em 2020 e de 2021 e da média pré-covid (2015-2019) por grupo etário dos mais idosos. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
A constatação de se estar perante um silencioso e silenciado problema em exclusivo para os mais idosos ainda se evidencia mais numa análise aos grupos etários das pessoas com menos de 65 anos – onde, felizmente, a mortalidade em qualquer caso é muito inferior. No grupo dos 55 aos 64 anos – em que a mortalidade em 2022 ainda está acima do período pré-pandemia –, no presente ano contabilizam-se menos 320 óbitos do que no ano passado.
Para os menores de 55 anos, o ano de 2022 está dentro de valores considerados normais, incluindo os anos anteriores à pandemia. Na verdade, durante 2020 e 2021, a mortalidade nos menores de 55 anos foi mesmo geralmente mais baixa do que no período pré-pandemia (2015-2019), com uma excepção (pouco relevante do ponto de vista estatístico) no grupo etários dos 15 aos 24 anos.
No caso dos menores de 15 anos, ao longo da pandemia a mortalidade – já de si muito reduzida em situações normais – esteve sempre mais baixa. Na verdade, a taxa de mortalidade infantil desceu mesmo nos dois primeiros anos da pandemia, e o ligeiro crescimento deste ano face a 2021 não é (ainda) preocupante numa perspectiva de Saúde Pública.
Comparação entre a mortalidade acumulada (até 12 de Julho) em 2020 e de 2021 e da média pré-covid (2015-2019) por grupo etário dos menores de 65 anos. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Em suma, por covid-19, por outras doenças, por negligência das autoridades de outros responsáveis políticos, certo é que os maiores de 85 anos estão a acelerar a partida deste mundo – depois de décadas de esforço na melhoria dos cuidados de saúde, que tornaram Portugal num país moderno e civilizado. E aparentemente não há quem deseje investigar as causas.
Sendo certo que a covid-19 teve o seu peso no excesso de mortalidade após Março de 2020, não se encontra (ainda) justificação (técnica e científica, excluindo bitaites mesmo se de “peritos”) para os actuais níveis de mortalidade nos maiores de 85 anos. Mostra-se assim necessário investigar em vez de especular; é necessário pegar nos dados brutos do SICO e analisar as causas de mortes antes e durante a pandemia para todas as faixas etárias.
E acabar com o alarmismo e o fomento do medo que anestesiou toda uma população, a tal ponto que a convenceu que a covid-19 era a “doença”, a única, a globalmente perigosa. O impacte da pandemia está por fazer, bem como as soluções, que não incluem apenas o ataque à doença, mas também uma análise crítica à gestão da pandemia, ou seja, as consequência da suspensão do Serviço Nacional de Saúde e mesmo os efeitos não estudados dos sucessivos boosters das vacinas contra a covid-19 nos mais idosos e nos outros grupos etários.
Aliás, mostra-se fundamental mostrar que a covid-19, tendo sido um problema de Saúde Pública grave, teve níveis de gravidade completamente distintos, e que todas as acções implementadas de forma generalizada foram erradas.
O PÁGINA UM fez, aliás, uma “simples” e rápida análise comparativa da mortalidade por grupo etário em dois períodos homólogos: entre 1 de Março de 2017 e 12 de Julho de 2019 (fase pré-pandemia) e entre 1 de Março de 2020 e 12 de Julho de 2022 (fase da pandemia). Os valores absolutos comprovam que em Portugal se viveu um pânico colectivo sem justificação e que terá sido bastante contraproducente para uma gestão eficaz e eficiente.
Assim, no grupo dos menores de 1 ano, dos 1 aos 4 anos, dos 5 aos 14 anos, dos 25 aos 34 anos, dos 35 aos 44 anos e dos 45 aos 54 anos – ou seja, com excepção do grupo dos 15 aos 24 anos (situação que deveria ser também investigada) –, a pandemia não teve qualquer impacte, ou até mesmo paradoxalmente “positivo”. A mortalidade foi mesmo inferior. No caso dos menores de 1 ano, a redução até foi de 22% (na realidade um pouco menor, porque a taxa de natalidade desceu).
De resto, o impacte nos maiores de 55 anos foi muito distinto, mas a merecer prudência em assacar responsabilidades exclusivas à covid-19. Com efeito, o incremento da mortalidade nestes dois períodos foi muito distinto e não foi linear, como seria de supor se o SARS-CoV-2 fosse a única explicação.
Mortalidade por grupo etário na fase pré-pandemia (1 de Março de 2017 e 12 de Julho de 2019) e na fase da pandemia (1 de Março de 2020 e 12 de Julho de 2022). Fonte: SICO, Análise: PÁGINA UM.
No grupo dos 55 aos 64 anos e dos 75 aos 84 anos, o acréscimo de mortalidade entre a fase pré-pandemia e fase de pandemia foi de 8%, mas estranhamente foi de 12% no grupo dos 65 aos 74 anos. Ou seja, seria expectável – caso a covid-19 fosse o único factor a explicar este acréscimo – que a subida da mortalidade neste grupo etário estivesse algures entre o valor do grupo que o precede (55 aos 64 anos) e o que lhe segue (75 aos 84 anos).
Por outro lado, observa-se que o incremento da mortalidade nos maiores de 85 anos concentra o maior crescimento, o que tendo em consideração que é o grupo etário com maior peso absoluto. De facto, são quase 20 mil mortes a mais (128.224 na fase da pandemia vs. 108.559 na fase pré-pandemia). Tendo em conta que estamos a falar de 864 dias, significa um acréscimo de quase 23 óbitos em excesso por dia. Não foi tudo, certamente da covid-19. Nem o que está agora a acontecer tem essa tão singela explicação. Nem pode a onda de calor, que está agora por aí, levar com as culpas.
Mas a ignorância sobre toda esta situação é imensa, tanto mais que é fomentada pela própria Direcção-Geral da Saúde, instituição que nem permite sequer que se saiba qual o peso efectivo da covid-19 nos maiores de 85 anos – e também nos outros grupos etários.
Variação da mortalidade (%) por grupo etário entre a fase pré-pandemia (1 de Março de 2017 e 12 de Julho de 2019) e a fase da pandemia (1 de Março de 2020 e 12 de Julho de 2022). Fonte: SICO, Análise: PÁGINA UM.
Desde o início da pandemia, o Governo desfasou, com o claro propósito de obstaculizar qualquer análise séria, os dados da mortalidade total (contabilizados no SICO) e da mortalidade por covid-19. Assim, por exemplo, sabe-se quantas pessoas com mais de 80 anos morreram de covid-19, mas não se consegue calcular o contributo da doença na mortalidade total, porque os grupos etários usados no SICO vão dos 75 aos 84 anos e depois dos maiores de 85 anos.
Saber quais as doenças que determinaram, por exemplo, este desvio seria essencial, mas o Governo esconde os dados. Tal como esconde todos os dados e toda a informação, por amiguismo ou protecção política, que procurem fazer um diagnóstico dos problemas e encontrar soluções.
E um Governo que intencionalmente faz isto, faz isso para esconder a verdade. E uma sociedade que admite isto, aceita um Governo a fazer tudo.
A Federação Portuguesa de Judo (FPJ) enviou ontem uma norma para treinadores e atletas impondo uma discriminação entre quem se vacinou e não se vacinou contra a covid-19, que se reflecte no custo da pernoita em dois hotéis de Coimbra. A justificação para a diferença está, segundo a FPJ, nas diferenças de preços entre testes de antigénio (para quem foi vacinado) e PCR (para não-vacinados), algo que não encontra respaldo na lei portuguesa nem nas actuais normas da Federação Internacional de Judo. Hotéis garantem que nada têm a ver com esta política discriminatória.
Para participarem na Taça da Europa de Seniores, que se realizará em Coimbra nos próximos dias 27 e 28 de Agosto, a Federação Portuguesa de Judo (FPJ) está a exigir que atletas e treinadores não-vacinados paguem em certos casos mais do dobro pela pernoita em dois hotéis da cidade em comparação com os vacinados.
A discriminação explícita de preços consta da circular nº 117/22, assinada ontem pelo próprio presidente da FPJ, Jorge Fernandes, onde, além de se indicarem normas de participação, se impõe a obrigatoriedade de envio do certificado de vacinação ou de recuperação por parte de atletas e treinadores, de modo a assim permitir destrinçar depois o tipo de exigências à chegada para a competição. Estar ou não vacinado tem repercussões no preço da estadia nos dois hotéis escolhidos oficialmente pela FPJ: Villa Galé e D. Luís.
Com efeito, embora a todos os atletas e respectivos treinadores seja exigido um teste PCR negativo feito há menos de 48 horas antes da chegada ao hotel oficial, a FPJ impõe depois uma discriminação imediata entre vacinados (incluindo recuperados há menos de seis meses) e não-vacinados (incluindo aqueles sem esquema vacinal completo).
Para os primeiros, a FPJ diz que têm de fazer ainda “um teste antigénio à chegada ao hotel oficial”, enquanto os segundos têm de fazer “um teste PCR”. Os custos são distintos: os testes de antigénio, se forem realizados sem credencial do SNS (nesse caso são gratuitos), podem ter um preço de 18 euros (valor cobrado pela Cruz Vermelha Portuguesa) e os PCR rápidos (com resultados em 30 minutos) chegam aos 70 euros. Ou seja, uma diferença de 52 euros.
Contudo, saliente-se que aquilo que distingue os testes PCR e de antigénio residente são a melhor sensibilidade e especificidade dos primeiros – ou seja, teoricamente, dão menos falsos positivos e falsos negativos. Deste modo, não existe nenhum argumento científico que permita afirmar que um teste de antigénio seja o método mais adequado para uma pessoa vacinada, e que, para se detectar uma eventual infecção de uma não-vacinada, terá que se usar sempre um teste PCR.
Extracto da circular nº 117/22 da Federação Portuguesa de Judo impondo preços distintos na estadia para atletas e treinadores em função do estado vacinal.
O diferencial de preços nos testes exigidos aos dois grupos implica assim que a estadia tenha preços distintos. Por exemplo, um quarto individual para um atleta no Vila Galé custará 117 euros para um atleta vacinado e 190 euros para um atleta não-vacinado – ou seja, uma diferença de 73 euros. A mesma diferença (73 euros) se observa no Hotel D. Luís entre vacinados e não-vacinados. Ou seja, a preços de mercado, mesmo que houvesse necessidade de aplicar métodos distintos, os não-vacinados estariam a pagar sempre mais.
Miguel Galhardas, responsável da comunicação da FPJ, alega que os valores mais elevados pela pernoita dos atletas e treinadores “não é uma discriminação”, devendo-se apenas “as normas exigidas pelas organizações internacionais de judo”, designadamente a European Judo Union (EJU) e a Internacional Judo Federation (IJF).
Sucede, porém, que essas normas são já conflituantes. Com efeito, as normas da EJU prevêem um tratamento discriminatório aos não-vacinados, exigindo que façam um teste PCR (ao custo de 80 euros), enquanto que ao vacinados exige apenas um teste de antigénio, mesmo assim a um preço bem acima do mercado (40 euros). Já as normas do IJF não fazem discriminação, exigindo testes PCR para atletas e treinadores, independentemente do estado vacinal.
No meio desta política discriminatória, os dois hotéis escolhidos pela FPJ mostram-se surpreendidos. Em declarações ao PÁGINA UM, o gerente do Hotel D. Luís em Coimbra diz que nunca houve qualquer política de discriminação de preços com base na vacinação contra a covid-19. “Para nós as pessoas são todas iguais, não fazemos discriminação”, garante Luís Ribeiro da Silva, explicando ainda que “se um hóspede estiver doente, o que fazemos é apenas levar-lhe a comida ao quarto, mas até nessas circunstâncias os preços são iguais “.
Por sua vez, o Hotel Vila Galé Coimbra esclarece também que os preços praticados pela empresa são sempre idênticos para vacinados e não-vacinados. “Não fazemos preços diferentes nem estamos a perguntar às pessoas se têm a vacina ou se não têm”, frisou André Pereirinha, assistente de direcção daquela unidade hoteleira.
Ainda não estão disponíveis dados de Portugal, mas os registos de alguns países europeus sobre as mortes por covid-19 em 2020 reportados ao Eurostat mostram desvios colossais. Terá a pandemia sido pior do que o reportado ao público? Ou houve um empolamento da covid-19 como causa porque os médicos legistas foram pressionados a atribuir ao SARS-CoV-2 a morte sempre que houvesse teste positivo?
Quase todos os países que já reportaram ao Eurostat dados sobre as causas de morte ocorridas em 2020 indicaram valores substancialmente superiores àqueles que foram divulgando oficialmente durante o primeiro ano da pandemia.
De acordo com a consulta do PÁGINA UM à base de dados internacional daquele gabinete de estatística da União Europeia – que, agrega, além dos 27 Estados-membros, os países candidatos e da EFTA –, já houve nove países que, para a totalidade das doenças, indicaram as causas registadas nos certificados de óbitos em 2020, seguindo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde da Organização Mundial da Saúde (CDI). Ou seja, passa-se a saber, formalmente, qual foi causa principal da morte atribuída pelos médicos legistas aos distintos óbitos, incluindo por covid-19, durante o primeiro ano da pandemia que atingiu a Europa naquele ano.
De entre os nove países já com informação no Eurostat para o ano de 2020 – Alemanha, Espanha, Lituânia, Holanda, Polónia, Islândia, Liechtenstein, Sérvia e República Checa –, apenas neste último o número de mortes por covid-19 (código U07.1 da CDI, com vírus identificado) ou por suspeita (código U07.2, com vírus não identificado) é inferior ao que foi indicado pelas autoridades sanitários no final daquele ano.
Com efeito, a 31 de Dezembro de 2020, a República Checa reportou a ocorrência de 12.017 óbitos atribuídos à covid-19, mas agora na base de dados do Eurostat encontram-se contabilizados 10.397 óbitos com o código U07.1 e mais 173 com o código U07.2. Saliente-se que este país do Leste da Europa encontra-se actualmente no top 10 dos mais atingidos pela covid-19, com 3.751 óbitos por milhão de habitantes, embora a esmagadora maioria das mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 tenham, oficialmente, ocorrido em 2021.
Esta é, porém, de facto, a única excepção, por agora, porque todos os outros oito países reportaram em “tempo real”, no decurso dos relatórios diários divulgados ao longo de 2020, muito menos óbitos do que aqueles que agora os Governos enviaram ao Eurostat.
Se houve óbitos inicialmente escondidos (para inicialmente subestimar a pandemia) ou se houve exageros e pressões para que os médicos legistas atribuíssem mortes ao SARS-CoV-2 com base apenas num teste positivo, uma coisa parece, desde já, evidente: as estatísticas oficiais da primeira doença com um desmesurado acompanhamento informático informativo, mostra afinal um rigor das estatísticas oficiais muito sofrível. No mínimo.
Óbitos reportados ao público (compilados pelo Worldometers) e reportados ao Eurostat para 2020. Fonte: Worldometers e Eurostat.
O caso mais flagrante sucede na Espanha, onde o desvio entre os dados do Eurostat e os inicialmente apontados no final de 2020 é colossal. No Worldometers surgem, para o país-vizinho, 50.955 óbitos a 31 de Dezembro de 2020, mas no Eurostat as autoridades espanholas indicaram agora, apenas para aquele ano, 60.358 mortes por covid-19 (U07.1) e mais 14.481 com suspeitas (U07.2). Ou seja, somando os dois códigos há um desvio de 23.884 óbitos a mais, representando uma diferença de 47%.
Em termos relativos, o desvio maior – e extremamente suspeito – surge na Sérvia. Neste país, que tal como a República Checa oficialmente não teria sofrido a primeira vaga da pandemia na Primavera de 2020, as autoridades de saúde indicaram, segundo o Worldometers, 3.250 óbitos até final daquele ano. Afinal, para o Eurostat, durante 2020 os médicos legistas sérvios registaram 8.866 óbitos por covid-19 (U07.1) e mais 1.490 mortes suspeitas por esta doença (U07.2). Portanto, no Eurostat aparece mais do triplo (218%) das mortes por covid-19 do que as indicadas inicialmente pelas autoridades sérvias.
O desvio da Holanda também foi significativo: 75%. Para este país, no Worldometers contabilizam-se, no final do primeiro ano da pandemia na Europa, 11.565 óbitos por covid-19, enquanto no Eurostat estão agora 17.527 mortes confirmadas (U07.1) e mais 2.685 suspeitas (U07.2). Portanto, há uma diferença de 8.647 mortes por esta causa directa.
Na Polónia, por sua vez, o desvio também é relevante: 12.530 óbitos (entre confirmados e suspeitos) na base de dados do Eurostat face aos números que constam em 2020 no Worldometers, o que representa, em termos relativo, uma diferença de 43%. Já na Alemanha, conhecida por ser um país de grande rigor, as estatísticas também não batem certo: o Governo apontou inicialmente que tinham morrido, até 31 de Dezembro de 2020, um total de 34.639 pessoas por covid-19; agora, entre casos confirmados e suspeitos, informou o Eurostat que foram 39.886.
Apenas os números da Islândia batem certo, mas porventura devido à sua dimensão demográfica (cerca de 370 mil habitantes). No Worldometers surgem 29 óbitos até 31 de Dezembro de 2020, tantos quantos os que surgem agora no Eurostat. No entanto, acresce ainda um óbito suspeito (U07.2).
Nas próximas semanas será previsível que mais países surjam na base de dados do Eurostat, incluindo Portugal. Até agora, a Direcção-Geral da Saúde mantém segredo sobre toda a informação estatística existente no Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos – razão pela qual o PÁGINA UM intentou um processo de intimação contra o Ministério da Saúde no Tribunal Administrativo de Lisboa – e o Instituto Nacional de Estatística não divulga informação detalhada sobre a covid-19 nas estatísticas da mortalidade de 2020 que tem vindo a revelar nas últimas semanas.
“Vai ficar tudo bem”, clamou-se nos primórdios da pandemia. Mas afinal está a “ficar tudo mal”, com a mortalidade por todas as causas a atingir valores absurdos para esta época do ano. Com base nos dados históricos, o PÁGINA UM estima que este mês, a poucas horas de terminar, houve um excesso de 60 óbitos todos os dias. Incluindo dias santos.
Um excesso de mortalidade de quase 1.800 óbitos – este será, para já, o saldo negro de um insólito mês de Junho em Portugal, de acordo com cálculos do PÁGINA UM baseados no histórico desde 1980 e dos valores expectáveis para esta época do ano.
Algumas horas antes de Junho encerrar, aquele que em situações normais deveria ser o segundo mês menos mortífero de um qualquer ano – apenas atrás de Setembro –, apresenta este ano valores de mortalidade total típicos de Inverno, quando o frio e os surtos de doenças do aparelho respiratório e circulatório fazem mais vítimas.
Segundo os dados disponibilizados em tempo real pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), até às 21 horas de hoje estavam já contabilizados 10.104 óbitos no mês de Junho. O valor deverá, contudo, chegar próximo das 10.200 mortes com as actualizações finais.
Este número contrasta com uma média de 8.323 óbitos no mês de Junho ao longo do último quinquénio (2017-2021), que englobam dois dos anos de pandemia. Nunca antes houve um registo estatístico de Junho acima sequer dos 9.000 óbitos. Por norma, apenas os meses de Janeiro, Fevereiro e Dezembro ultrapassam a fasquia dos 10.000 óbitos.
Antes do presente ano, o triste recorde em Junho pertencia a 1981. Há cerca de quatro décadas, uma extrema onda de calor entre os dias 9 e 21 de Junho – com termómetros a ultrapassarem os 43 graus em Beja, quase 42 em Lisboa e 39 no Porto – contribuiu fortemente para se atingir, no final desse mês, 8.867 óbitos. Só no dia 15 de Junho daquele ano foram registadas 676 mortes.
Mas nessa altura, na década de 1980, a população idosa não era tão numerosa como agora – e os óbitos rondavam geralmente, no sexto mês de cada ano, os cerca de sete mil.
Mais recentemente, mesmo com um tempo mais quente em Junho nos anos de 2013 e 2020, as mortes nunca ultrapassaram a fasquia dos 8.600 óbitos totais.
Porém, mesmo contabilizando o expectável incremento da mortalidade – devido ao incremento da população mais idosa –, a situação actual é deveras impressionante, ainda mais sabendo-se que, do ponto de vista de saúde pública, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) andou parte do tempo mais preocupada com a varíola dos macacos, que não causou qualquer vítima mortal.
Óbitos totais no mês de Junho entre 1980 e 2022. Linha de tendência a azul. Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
De facto, como em 2020 e 2021, os efeitos da pandemia não se fizeram sentir na transição da Primavera para o Verão, seria de esperar que a mortalidade total de 2021 rondasse os 8.300 óbitos, de acordo com a linha de tendência traçada pelo PÁGINA UM. Significa assim que os números de Junho deste ano são absurdamente elevados, sem que haja uma explicação oficial coerente.
No passado dia 17 de Junho, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou que a mortalidade mais elevada deste mês se devia à conjugação da covid-19 – num país com uma das mais elevadas taxas de vacinação do Mundo e com a maior prevalência de covid-19 desde o início da pandemia – com o ‘aumento da temperatura média do ar’. A entidade liderada por Graça Freitas dizia mesmo que “este indicador tem estado ‘acima do normal para esta época do ano’”, o que é desmentido pelos dados do Índice Ícaro constantes do Portal da Transparência.
Com efeito, ao longo de Junho, dos 30 dias destes mês, houve 22 com valor de zero neste índice – ou seja, sem qualquer impacte na mortalidade. E o valor máximo foi de apenas 0,11 no dia 13, o que não é excessivamente relevante. No dia 14, por exemplo, foi apenas de 0,06, mas isso não impediu que se tenham atingido os 421 óbitos, quando a média diária no último quinquénio é inferior a 280 mortes.
Recorde-se que a DGS, apesar de poder saber quais são as doenças que estiveram a matar mais do que seria suposto ao longo de Junho – recorrendo aos dados em bruto do SICO –, nada tem investigado sobre este excesso. Por sua vez, o Ministério da Saúde tem-se também oposto a que o PÁGINA UM aceda a essa base de dados para realizar uma análise independente, razão pela qual está em curso um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.
A base de dados da Morbilidade da Mortalidade Hospitalar foi “apagada” do Portal da Transparência, mas o ficheiro descarregado pelo PÁGINA UM antes deste acto anti-democrático permite revelar mais episódios sobre a real dimensão da pandemia até Janeiro deste ano. Hoje, demonstramos que o pânico lançado em redor da saúde dos mais novos não correspondia à realidade: globalmente, as crianças com menos de 15 anos necessitaram de menos internamentos e os desfechos trágicos em meio hospitalar foram largamente inferiores. Nos tempos em que só havia gripes e pneumonias, as crianças estavam sujeitas a muitos e maiores perigos, mesmo até baixos. E não havia quem se “alimentasse” do pânico à custa do crescimento saudável das crianças.
Avós, pais e filhos andaram em pânico por causa do SARS-CoV-2, encheram-se as crianças de máscaras e muitas famílias correram a vacinar os mais novos. Contudo, na verdade, a época da pandemia da covid-19 foi, paradoxalmente, um período muito benigno para as crianças com menos de 15 anos.
De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar, a covid-19 foi responsável por 758 internamentos neste grupo etário, com um registo de dois óbitos, mas todos os outros grupos de doenças registaram uma fortíssima redução tanto ao nível das hospitalizações como das mortes.
Globalmente, em todas as 62 unidades hospitalares do SNS e por todas as causas contabilizaram-se, entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, um total de 181.428 internamentos de crianças, havendo a lamentar 413 óbitos. Porém, no período homólogo imediatamente anterior à pandemia – entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 –, tinham sido contabilizados 646 óbitos de crianças até aos 15 anos, resultantes de 232.287 internamentos.
Recorde-se que a base de dados oficial usada pelo PÁGINA UM foi entretanto “apagada” do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que apenas se mostra possível aceder a um ficheiro descarregado em Maio passado, que continha elementos entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2022. Se não tivesse ocorrido o “apagão” já deveriam estar disponibilizados os dados de Fevereiro e eventualmente de Março deste ano.
A redução global de 22% nas hospitalizações e de 36% no número de mortes observado no período pandémico face ao período pré-pandémico fez-se sentir mais em certos grupos de doenças, sobretudo nas doenças respiratórias e nas doenças infecciosas e parasitárias. Na verdade, se se excluir o grupo de causas de internamento classificado como “factores que influenciam o estado de saúde e o contacto com os serviços de saúde” – o código que classifica sobretudo, mas não apenas, os internamentos para exames sem um diagnóstico prévio –, a descida nas hospitalizações foi de 39%.
Internamentos e óbitos de menores de 15 anos em unidades do SNS em pré-pandemia (Março de 2018-Janeiro de 2020) e pandemia (Março de 2020-Janeiro de 2022). Fonte: SNS (base de dados “apagada” da morbilidade e mortalidade hospitalar. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Com efeito, não apenas pela menor agressividade do SARS-CoV-2 nos menores como, em parte, às medidas que afastaram fisicamente as crianças uma das outras, os hospitais portugueses receberam apenas 11.981 crianças com doenças respiratórias entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, quando no período homólogo imediatamente anterior à pandemia contabilizaram-se 25.273 internamentos neste grupo etário. Uma queda de 53%, ou seja, menos 13.282 internamentos.
No caso das doenças infecciosas e parasitárias, a redução relativa nos internamentos ainda foi maior: 62%. Entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 – ou seja, antes da pandemia – tinham sido hospitalizadas 6.629 crianças; ao longo dos primeiros 23 meses da pandemia (Março de 2020 a Janeiro de 2022), por este grupo de doenças tinham sido hospitalizadas apenas 2.540.
Em relação a outras doenças destacam-se as reduções nos internamentos por doenças da pele e do tecido subcutâneo (menos 51%), doenças do ouvido e aparelho mastóide (menos 43%), doenças do aparelho circulatório (menos 40%) e mesmo por cancros (menos 30%).
Mesmo se a mortalidade por qualquer doença é, felizmente, bastante baixa nos menores de 15 anos, a base de dados agora “desaparecida” do Portal da Transparência permite concluir que o período da pandemia foi muito menos mortífera para esta faixa etária. Se é certo que se registaram em hospitais duas mortes atribuídas à covid-19 no certificado de óbito – no Algarve em Agosto de 2020 e em Lisboa em Agosto do ano passado –, do ponto de vista da Saúde Pública, e mesmo de receio dos pais, a pandemia foi muito mais “saudável”.
De facto, confrontando os óbitos declarados nos hospitais, a redução da prevalência da gripe e de outras doenças respiratórias, entre as quais as pneumonias, levaram a uma fortíssima redução da mortalidade. Sem a presença da covid-19, seria expectável que as habituais doenças respiratórias levassem, entre Março de 2020 e Janeiro de 2021, um número de vidas próximo daquele que se observou no período homólogo anterior à pandemia (Março de 2018 a Janeiro de 2020): 646.
Contudo, o saldo foi assim francamente mais favorável: nos primeiros 23 meses da pandemia morreram 413 menores de 15 anos nos hospitais, menos 233 do que no período homólogo pré-pandemia.
Base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar foi “apagada” do Portal da Transparência. Ministério da Saúde não explica os motivos.
O destaque, mais uma vez, vai para as doenças respiratórias: nos 23 primeiros meses de pandemia morreram, por estas causas, 20 crianças com menos de 15 anos, enquanto entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 tinham falecido 50. Confrontando os dois períodos, nas doenças infecciosas e parasitárias, os óbitos passaram de 19 para 7, nas neoplasias de 54 para 41, nas doenças do sistema nervoso de 21 para 9 e nas doenças do aparelho circulatório de 22 para 12.
Até mesmo em problemas relacionados com recém-nascidos, a situação melhorou durante a pandemia. No grupo das “condições originadas no período perinatal”, os óbitos no período pré-pandemia (Março de 2018 a Janeiro de 2020) foram 71, mas durante os 23 primeiros meses da pandemia apenas chegaram aos 39.
Amanhã começa o Verão. E a Primavera despede-se num cenário de autêntico morticínio. Nunca como em 2022 se registaram tantos óbitos nos maiores de 80 anos entre 20 de Março e 19 de Junho. Quais as razões? Ninguém sabe, mas todos desejam especular. E, porém, para saber a verdade bastava o Ministério da Saúde ser transparente e mostrar os dados brutos do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos. Como assim não procede, a morte morre solteira, mas leva milhares de idosos consigo.
Em 4 de Dezembro do ano passado, em entrevista na SIC ao programa Alta Definição, o então vice-almirante Gouveia e Melo reflectia, não sem alguma demagogia: “Não podemos relativizar a morte dos idosos. Que raio de ética é a nossa se pensarmos assim?”
Pouco mais de meio ano depois, as palavras do actual chefe de Estado-Maior da Armada fazem cada vez mais sentido, mas sobretudo porque as autoridades de Saúde e o próprio Governo, estes sim, desejam claramente relativizar o morticínio dos mais idosos, não mostrando qualquer interesse em indagar as causas de um aumento inopinado nos óbitos dos maiores de 85 anos, sobretudo na segunda metade da Primavera.
Com o Verão a iniciar-se amanhã, já é garantido que a Primavera deste ano será a mais mortífera de sempre para os maiores de 85 anos.
De acordo com a análise do PÁGINA UM, a partir dos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), entre o último 20 de Março e ontem – ou seja, faltando somente contabilizar o dia de hoje –, morreram 14.398 pessoas deste grupo etário, superando largamente 12.948 mortes em toda a Primavera de 2020, que integrou a primeira vaga da pandemia da covid-19 numa população naïve, ou seja, sem imunidade a esta doença.
No ano passado, faleceram durante a Primavera, 10.758 pessoas – o segundo valor mais baixo do quinquénio (2017-2021), mas muito em virtude da “sangria” do Inverno. Recorde-se que em Janeiro e Fevereiro de 2021 – quando as mortes por covid-19 chegaram a ultrapassar as 300 por dia e uma parte substancial da população, mesmo idosa, não estava vacinada – os óbitos nos maiores de 85 anos totalizaram os 14.805. Este ano foram “apenas” 10.001.
Mortalidade na Primavera e total acumulado dos maiores de 85 anos até 19 de Junho entre 2017 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Aliás, a elevadíssima mortalidade da Primavera deste ano – mais surpreendente porque o último Inverno foi “normal” – terá como consequência que, em breve, a mortalidade por todas as causas dos maiores de 85 anos ultrapasse este ano os valores assombrosos do ano passado. Considerando o período de 1 de Janeiro e 19 de Junho tinham, no ano passado, falecido 27.942 pessoas; este ano já se alcançaram os 27.393 óbitos.
Caso se mantenha esta aproximação – e tendo em conta que o diferencial médio em Junho está a ser de 51 óbitos entre os dois anos –, dentro de 11 dias será expectável que haja mais mortes acumuladas em 2022 do que em 2021 para os maiores de 85 anos, um cenário inimaginável. Ainda mais porque os dois anos de pandemia teriam supostamente “eliminado” grande parte dos mais vulneráveis de entre os idosos.
Embora o Ministério da Saúde continue, apesar das insistências do PÁGINA UM, a remeter-se ao silêncio – havendo apenas explicações pouco consentâneas com a realidade por parte da Direcção-Geral da Saúde –, a análise do PÁGINA UM à evolução da mortalidade neste grupo etário evidenciava que os problemas já eram bem patentes desde o início da Primavera.
Com efeito, entre 20 de Março e os primeiros 10 dias de Abril de 2022, os números diários de óbitos destacavam-se da generalidade dos anos do quinquénio de 2017-2021, com excepção do ano de 2020, quando a pandemia surgiu.
Porém, este ano, ao invés do que sempre sucede – incluindo em 2020 –, o avanço da Primavera não trouxe qualquer redução da mortalidade; pelo contrário, acabou por aumentar a partir do início de Maio para níveis próximos dos meses de Inverno.
Por exemplo, este ano, no mês de Janeiro morreram por dia 167 idosos com mais de 85 anos, enquanto a média em Junho está, por agora, nos 165. Mas desde o passado 14 de Junho, a média móvel de 7 dias está a ultrapassar os 170 óbitos diários, quando em anos anteriores não chega sequer aos 120. Ou seja, actualmente estão a morrer por dia mais de cerca de 60 idosos deste grupo etário do que seria expectável.
Evolução da mortalidade diária na Primavera de 2017 a 2022 dos maiores de 85 anos (média móvel de 7 dias). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
As especulações sobre esta matéria podem ser muitas, mas improdutivas, porquanto apenas com uma análise dos dados brutos do SICO – que o Ministério da Saúde recusa fornecer ao PÁGINA UM, estando em curso um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa – se poderá saber quais são as doenças que estão a contribuir para o morticínio da Primavera.
A possibilidade dessa análise é absoluta e extremamente fácil de ser feita, uma vez que as causas dos óbitos são obtidas no exacto momento em que o médico legisla regista a morte no sistema, condição obrigatória para as cerimónias fúnebres.
Em todo o caso, a hipótese de efeitos adversos dos sucessivos reforços de vacinação contra a covid-19 deverá ser necessariamente equacionada, numa altura em que já foram vacinadas com a quarta dose cerca de 45% dos maiores de 80 anos.
Porém, acrescente-se que a quarta dose administrada aos mais idosos, sobretudo em lares, foi iniciada apenas em 16 de Maio, e o incremento da mortalidade – em contra-ciclo com a habitual descida da mortalidade na segunda metade da Primavera – começou mais cedo, e de uma forma mais evidente a partir do início da segunda semana de Maio.
Mistérios à parte – que poderiam ser desvendados rapidamente, nem que seja, em derradeira análise, pelo Ministério Público.
E mais. Se nada se fizer, com todos os indicadores a mostrarem uma forte fragilidade da população mais idosa, o próximo Verão pode reunir terríveis condições para uma “tempestade perfeita”: com grande parte do pessoal médico em férias, se se verificar alguma onda de calor intensa em Julho ou Agosto, o morticínio entre os maiores de 85 anos poderá atingir níveis verdadeiramente pavorosos. Excepto se, entretanto, se descobrir uma vacina contra a incompetência.
Não se deve apenas contabilizar as vidas perdidas durante a pandemia, mas também os bebés que não nasceram, e que todos os anos não serão recordadas porque nem sequer tiveram a oportunidade de ser concebidas. O PÁGINA UM fez uma análise aos dados do Instituto Nacional de Estatística e concluiu que o medo e a incerteza deixaram um rasto marcante: em média por dia, entre Dezembro de 2020 e Março deste ano, houve menos 20 nascimentos por dia face à média antes da pandemia. São já 10 mil vidas literalmente perdidas.
A pandemia provocou, por via da incerteza resultante do alarme social e do receio quanto ao futuro económico, uma redução de 20 nascimentos por dia em Portugal, o que, em termos práticos, significa que nasceram menos cerca de 10 mil crianças entre Dezembro de 2020 e Março de 2022. Esta é a principal conclusão de uma análise do PÁGINA UM à evolução do número de nascimentos registados na base de dados do Instituto Nacional de Estatística.
Embora a pandemia tenha chegado a Portugal em Março de 2020, o seu impacte indirecto na descida das gravidezes e nos partos – que não se deveu em nada a questões sanitárias – apenas se começou a observar em Dezembro daquele ano, devido ao tempo de gestação.
De facto, excluindo os prematuros, somente a partir de Dezembro de 2020 todos os recém-nascidos foram concebidos em plena pandemia, que desde o início ficou marcado pela incerteza quanto ao futuro, o que terá influenciado muitas famílias e mulheres a adiarem a decisão de ter filhos.
De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, a média diária de nascimentos entre Dezembro de 2020 e Março de 2022 – abrangendo os 16 meses com um efectivo impacte, ou influência, da pandemia – situou-se nos 216, variando entre um mínimo de 194, em Janeiro de 2021, e um máximo de 242, em Setembro de 2021.
Confrontando este período com os cinco períodos homólogos pré-pandemia – a começar no período de Dezembro de 2014 a Março de 2016 e a terminar no período de Dezembro de 2018 e Março de 2020 –, constata-se uma evidente queda: os nascimentos desde 2014 apresentavam valores relativamente estáveis, em redor dos 235 por dia, pese embora as flutuações mensais.
Número de nascimentos por dia (média) antes e durante a pandemia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Para ficar demonstrado o efeito da pandemia, saliente-se que a média diária de nascimentos entre Abril e Novembro de 2020 – ou seja, de bebés concebidos antes de Março de 2020 – se manteve em linha com o período pré-pandemia: 236.
Os primeiros três meses da pandemia – Março, Abril e Maio de 2020 – foram aqueles onde se destaca uma maior retracção nas gravidezes, pois a maior redução nos nascimento ocorreu no período compreendido entre Dezembro daquele ano e Fevereiro de 2021.
Com efeito, em Dezembro de 2020 registaram-se apenas 204 nascimentos por dia, quando a média desse mês no quinquénio anterior (2015-2019) era de 232. Por sua vez, em Janeiro de 2021 nasceram apenas 194 bebés – o valor mais baixo num mês desde que existem registos em Portugal –, o que contrasta com uma média também de 232 no quinquénio anterior (2016-2020), ainda sem influência da pandemia. Por sua vez, em Fevereiro de 2021, contabilizaram-se 205 nascimentos por dia, quando a média no quinquénio anterior foi de 225.
Evolução do número de nascimentos (média diária) por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Ao longo de 2021 houve meses que registaram um maior número de nascimentos por dia, acompanhando o perfil habitual – nascem mais crianças no Verão do que no Inverno, o que significa que as concepções são mais frequentes no Outono –, mas com uma redução face aos período pré-pandemia.
Por exemplo, os partos em Setembro de 2021 – de crianças concebidas maioritariamente em Dezembro de 2020 – atingiram em média os 242 por dia, mas mesmo assim bastante abaixo do habitual. Nos cinco meses de Setembro anteriores tinham nascido 262 crianças por dia – ou seja, mais 20 em cada 24 horas, ou mais 600 nos 30 dias.
Embora com um desfasamento de nove meses, mostra-se também evidente os efeitos marcantes das ondas de alarme social que se foram enraizando desde 2020. Por exemplo, as repercussões da maior concentração de mortes atribuídas à covid-19 em Janeiro e Fevereiro de 2021 atingiram os nascimentos em Outubro e Novembro desse ano, que registaram decréscimos de 28 e 23 partos por dia, respectivamente.
Total de nascimentos por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE.
Os primeiros três meses de 2022 mostram um ligeiro acréscimo na natalidade face aos meses homólogos de 2021, mas continuam ainda abaixo da média do período pré-pandemia.
Ignora-se se a redução dos nascimentos foi acompanhada por um aumento do número de interrupções voluntárias de gravidez, porquanto a Direcção-Geral da Saúde não divulga quaisquer elementos desde 2018.
Em todo o caso, existem indicadores de que possa ter ocorrido um maior recurso ao aborto a partir de Março de 2020, uma vez que os quatro primeiros meses de 2020 (Janeiro a Abril) até registaram um aumento de partos face à média, sendo que somente a partir de Agosto daquele ano se acentuou a redução nos nascimentos.