Categoria: Saúde

  • Gouveia e Melo “mercadejou” (mesmo) administração de vacinas a médicos não-prioritários uma semana após tomar posse na task force

    Gouveia e Melo “mercadejou” (mesmo) administração de vacinas a médicos não-prioritários uma semana após tomar posse na task force

    N.D. Republicamos um dos trabalhos de investigação da campanha “Todos por Quem Cuida”, originalmente publicados em Dezembro do ano passado, após a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ter decidido tomar uma “deliberação” (leia-se a opinião de três pessoas) que, entre outros dislates, dá bitates sobre como se deveria conduzir uma investigação jornalística num país democrático, “insta o PÁGINA UM ao escrupuloso cumprimento dos normativos legais e deontológicos em matéria de rigor informativo”. Como nada há a mudar no que publicámos em Dezembro passado, o PÁGINA UM insta a ERC a não ingerir, como reiteradamente tem feito, na independência dos jornalistas e a interferir nos seus métodos de trabalho (sobretudo naquele que seja incómodo), recomenda-lhe ainda que aprenda a analisar melhor as normas da DGS e as questões atinentes sobre a matéria em causa, que estude melhor (e sem viés) os documentos que profusamente apresentámos (e que não eram públicos antes, e tornaram-se acessíveis por sentença do Tribunal Administrativo), e, por fim, que prescinda de juízos de valor sobre esta investigação jornalística, sobretudo antes de serem conhecidos os resultados do “processo de esclarecimento” instaurado por despacho do inspector-geral das Actividades em Saúde em 15 de Janeiro passado. O PÁGINA UM deseja também um sossegado fim de mandato (que, por lei, já deveria ter terminado em Novembro passado) aos (ainda) membros do Conselho Regulador da ERC, e que o façam com um mínimo de dignidade. Recorde-se ainda que em outra deliberação, esta de Julho do ano passado, a ERC também decidiu criticar um trabalho do PÁGINA UM sobre o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais. A investigação do PÁGINA UM era tão má, mas tão má, mas mesmo tão má, que, enfim, e afinal, esteve na base da aplicação de uma contra-ordenação sobre António Morais, que, hélas, se queixara à ERC do mau trabalho jornalístico. Este presente artigo manter-se-á como manchete até sexta-feira.


    Em Fevereiro de 2021, num polémico início da campanha de vacinação contra a covid-19, e apenas uma semana após tomar posse na task force, Gouveia e Melo, o agora Chefe do Estado-Maior da Armada, negociou com o bastonário Miguel Guimarães as condições para se vacinarem vários milhares de médicos que não estavam na lista de prioridade da Direcção-Geral da Saúde. Mais de 27 mil euros foram parar aos cofres do Hospital das Forças Armadas, sem que o acordo ad hoc tenha sido autorizado. Pior ainda foi a operação contabilística: a conta acabou paga pela campanha “Todos por Quem Cuida” (detida por três particulares), mas a factura foi endereçada para a Ordem dos Médicos. Entretanto, este ano, surgiram quatro farmacêuticas a “reivindicar” o apoio nesta operação à Ordem dos Médicos, atestando sob a forma de recibo. Este é o quarto artigo de uma investigação jornalística do PÁGINA UM, profusamente documentada, que merece ser um caso de polícia.


    Há pelo menos mais de uma semana que Manuel Pizarro, ministro da Saúde, sabe, mas não comenta: em Fevereiro do ano passado, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o então responsável pela task force, Gouveia e Melo, mercadejaram a administração de vacinas a quase quatro mil médicos a troco de um pagamento de mais de 27.000 euros, que foram encaminhados para o Hospital das Forças Armadas.

    Este expediente, realizado à margem das orientações então emanadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) – que é a Autoridade de Saúde Nacional – começou a desenhar-se apenas uma semana após o então vice-almirante Henrique Gouveia e Melo tomar posse como coordenador da task force da vacinação contra a covid-19, substituindo Francisco Ramos. Este ex-secretário de Estado da Saúde demitira-se por irregularidades relacionadas com as prioridades de vacinação no Hospital da Cruz Vermelha. Nas primeiras fases da vacinação, devido à escassez de doses, surgiram muitos casos de administração indevida, levando mesmo à instauração de 216 processos judiciais, apesar de apenas um ter levado a condenação, conforme revelou ontem o jornal Público.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS.

    Embora no dia de posse tivesse considerado “lamentável” a administração indevida de vacinas que então estava na ordem do dia. incluindo no Parlamento e prometido “apertar mais as regras” de controlo, uma semana mais tarde, em 10 de Fevereiro, Gouveia e Melo reuniu-se com o bastonário Miguel Guimarães para acertar uma forma de contornar a posição da DGS que não priorizara a vacinação dos médicos que trabalhavam fora do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Apesar de não constar no processo consultado pelo PÁGINA UM eventuais respostas escritas de Gouveia e Melo, nessa reunião terá saído a garantia de colaboração não apenas da task force, mas também das próprias Forças Armadas.

    No dia 19 de Fevereiro, o bastonário escrevia um e-mail ao “Distinto Senhor Coordenador da Task Force Mui Ilustre Vice-Almirante Henrique Gouveia e Melo”, enviando em anexo, “tal como combinado na reunião do passado dia 10”, uma lista de médicos a serem vacinados, à margem do programa oficial de vacinação, defendendo a justeza e relevância desta questão.

    A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades, que Miguel Guimarães “brilhasse”.

    Certo é que, independentemente da eventual justeza desta medida, muitos médicos sobretudo do sector privado e social, bem como os médicos aposentados do SNS que mantinham actividade clínica, não estavam na lista das prioridades em Fevereiro do ano passado. Gouveia e Melo tinha conhecimento disso, até por integrar a task force desde Novembro de 2020, e também saberia que negociar à margem do processo oficial era cometer os mesmos erros ou até ilegalidades que levaram à “queda” de Francisco Ramos.

    As negociações foram rápidas. Em 25 de Fevereiro, após um contacto telefónico com Gouveia e Melo, Miguel Guimarães fecharia então um acordo ad hoc – dir-se-ia informal, porque não há qualquer protocolo ou acordo escrito – para vacinar um pouco mais de quatro mil profissionais, dos quais 1.382 no pólo do Porto do Hospital das Forças Armadas, 2.004 no de Lisboa, 623 no Centro de Saúde Militar de Coimbra e 189 no centro hospitalar do Algarve. Em vésperas, Miguel Guimarães estava preocupado em saber se poderia chamar a comunicação social para acompanhar toda a operação, que acabou por se realizar de forma discreta. Foram vacinados quase 3.700 médicos. Obviamente, as vacinas tiveram de ser “desviadas” do circuito oficial.

    O uso das palavras “negociação” e “acordo ad hoc” não são abusivas nem despropositadas no contexto em que se realizou esta vacinação paralela.

    Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.

    Com efeito, a vacinação daqueles médicos à margem das orientações da DGS não teve apenas como eventual desiderato “proteger os profissionais de saúde e dar confianças aos doentes”, como então garantia Miguel Guimarães ao jornal Nascer do Sol, mas envolveu também contrapartidas monetárias. Apesar das vacinas serem gratuitas, Gouveia e Melo somente as disponibilizou contra a cobrança unitária de 3,7 euros para supostamente suportar custos do Hospital das Forças Armadas. No Portal Base não consta que esta entidade tenha contratado quaisquer serviços externos para vacinar os médicos.

    A factura do Hospital das Forças Armadas, num total de 27.365 euros – pela administração de 7.396 doses – foi emitida em 18 de Julho do ano passado para pagamento pela Ordem dos Médicos. Mas é aí que surge ainda mais um caso rocambolesco, envolvendo o fundo “Todos por Quem Cuida”.

    A Ordem dos Médicos quis ficar com os louros mas também com o dinheiro nos seus cofres. E assim, em 26 de Abril do ano passado, a tesoureira do Conselho Nacional, Susana Garcia de Vargas, escreveu um ofício aos gestores do fundo pedindo-lhes 30.000 euros para custear o processo de vacinação. Sendo expectável que o pedido fosse aceite – por via do próprio bastonário da entidade que pedia apoio ser um das três pessoas que decidia se dava apoio –, como foi, o problema mais uma vez passou pelo expediente contabilístico pouco ortodoxo. Isto é, ilegal.

    Factura pela vacinação paralela dos médicos foi enviada à Ordem mas paga pela campanha solidária.

    Uma vez que a factura do Hospital das Forças Armadas estava em nome da Ordem dos Médicos, deveria ter sido esta entidade a proceder ao pagamento, e depois receber o donativo de 30.000 euros. Porém, não foi isso que sucedeu.

    A factura manteve-se na Ordem dos Médicos, e em seu nome, mas o dinheiro recebido pelo Hospital das Forças Armadas proveio da conta do fundo “Todos por Quem Cuida”, de acordo com o pedido de operação bancária assinado em 4 de Agosto do ano passado por Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

    Contudo, para aumentar a estranheza desta operação de financiamento, a Ordem dos Médicos passaria, já este ano, facturas/ recibos a quatro farmacêuticas assumindo que tinham sido estas a suportar os custos de vacinação.

    De acordo com os documentos consultados na Ordem dos Médicos pelo PÁGINA UM – por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, no passado dia 4 de Março a Ordem dos Médicos passou este documento contabilístico com o valor de 3.725,2 euros à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.

    Três dias mais tarde, a Ordem de Miguel Guimarães passaria mais três facturas/ recibo a outras três farmacêuticas [vd., as ligações]: Ipsen Portugal (no valor de 11.040 euros), Bial (2.590 euros) e Laboratórios Atral (10.000 euros), também expressando que se trata de “donativo sem contrapartida” para a “campanha de vacinação da Ordem dos Médicos”.

    Para aumentar a estranheza destes comprovativos – que, em última análise, permitiriam que as farmacêuticas pudessem assumir o donativo como uma despesa para efeitos fiscais –, apenas no caso do alegado donativo da Ipsen surge a referência a “pronto de pagamento”. No caso da Gilead aparece, como condição de pagamento, “Factura 10 dias”, enquanto nas situações da Bial e Laboratórios Atral surge “Factura 30 dias”. Ou seja, numa situação normal, isto significaria que a Ordem dos Médicos teria, nestes casos, a promessa de entrada de dinheiro em caixa no prazo de 10 e 30 dias, respectivamente.

    Mas, repita-se, o pagamento foi feito pela conta solidária já no ano anterior – ou seja, deveria ser esta (ou os seus titulares) a receber a factura/ recibo das farmacêuticas.

    Factura/ recibo da Laboratórios Atral, uma das quatro em que se assume que o apoio financeiro para vacinar quase quatro mil médicos proveio de farmacêuticas. Contudo, o pagamento ao Hospital das Forças Armadas foi realizado pela conta solidária titulada (em nome individual) por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

    Acresce também que, independentemente de serem ou não documentos forjados, ou de a Ordem dos Médicos ter recebido mesmo os donativos daquelas quatro farmacêuticas (apesar do pagamento ter sido feito pela conta solidária), os montantes daquelas facturas deveriam ter sido declarados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.

    Não foram, e nem o Infarmed reagiu ainda, passado mais de uma semana, ao pedido de esclarecimento do PÁGINA UM.

    Sobre estas matérias, o bastonário da Ordem dos Médicos, a ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e o médico Eurico Castro Alves – ou seja, os gestores da conta solidária “Todos por Quem Cuida” – optaram por não responder directamente à dezena de perguntas que o PÁGINA UM lhes colocou, decidindo fazer uma declaração conjunta através de uma representante legal.

    A advogada Inês Folhadela diz que “o procedimento de quitação [no caso da operação das vacinas] foi o mesmo que foi adotado em relação aos restantes donativos”, e garante que para a sua administração “foi estabelecido [um acordo] com o Ministério da Saúde, através do coordenador da task force, vice-almirante Gouveia e Melo”, acrescentando que “o Hospital das Forças Armadas não prescindiu da remuneração dos serviços prestados, tendo a Comissão de Acompanhamento (sem intervenção da Ordem dos Médicos) deliberado que as despesas seriam suportadas pela ação solidária”. A advogada insiste que a task force, sendo uma “unidade criada pelo Governo para assegurar a estratégia, planificação e logística para a campanha de vacinação em massa contra a covid-19 (…), estava autorizada a concertar essa ação”.

    Convém salientar que não há nenhum acordo escrito por Gouveia e Melo, até porque o Despacho 11737/2020 não lhe dava autonomia para Gouveia e Melo contrariar as orientações da DGS sem sequer autorização superior. A definição da estratégia, do plano logístico e outras acções eram sempre feitas sob liderança da DGS, do Infarmed e de outros organismos tutelados pelo Ministério da Saúde, como taxativamente consta do despacho governamental assinado em 23 de Novembro de 2020 pelos ministros da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Saúde.

    O PÁGINA UM não encontrou no processo consultado qualquer documento de autorização nem qualquer protocolo que tenha formalizado o acordo de administração das vacinas entre Gouveia e Melo e o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.


    N.D. Este é o quarto artigo de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.

  • Reaccções adversas: Infarmed mente mas consegue enganar Tribunal Administrativo

    Reaccções adversas: Infarmed mente mas consegue enganar Tribunal Administrativo

    Desde Dezembro de 2021, o PÁGINA UM quer consultar o Portal RAM que regista as reacções de fármacos, e em concreto as referentes às vacinas contra a covid-19 e ao antiviral remdesivir. O Infarmed recusou e lutou tenazmente, através de requerimentos e testemunhos, para induzir o Tribunal Administrativo de Lisboa de que estavam em causa dados nominativos e que seria impossível evitar por completo a exposição da identidade de pessoas. O PÁGINA UM ainda requereu a junção de dois documentos no processo que provavam a completa anonimização do Portal RAM, mas a juíza do processo rejeitou a junção, argumentando que um deles nem existia e que outro não era relevante. Afinal, num outro processo, paralelo a este, o Infarmed acabou por entregar os tais documentos, incluindo o supostamente inexistente. E no outro, um caderno de encargos para melhoria do Portal RAM, devido ao número “exponencial” de reacções adversas às vacinas contra a covid-19, afinal garante-se que a informação do Portal RAM é “totalmente anonimizada”, ou seja, é impossível identificar pessoas em concreto. O caso segue para o Tribunal Central Administrativo Sul onde os juízes desembargadores terão oportunidade de analisar os documentos que a juíza de primeira instância ostensivamente recusou ver.


    O Infarmed depositou anteontem no Tribunal Administrativo de Lisboa, no âmbito do Processo 646/23.9BELSB – uma intimação do PÁGINA UM colocada em 27 de Fevereiro passado – um conjunto de documentos administrativos que confirmam, de forma taxativa, que a plataforma de registo das reacções adversas de fármacos (Portal RAM), incluindo especificamente das vacinas contra a covid-19, é “totalmente anonimizada” antes do seu envio à Agência Europeia do Medicamento.

    De entre esses documentos entregues pelo Infarmed – e também já enviados ao PÁGINA UM esta semana – encontra-se o caderno de encargos do “procedimento de ajuste direto para a celebração de contrato de implementação urgente de alteração à aplicação Portal das Reações Adversas”, que viria a ser assinado entre o regulador e a empresa Altran em 12 de Novembro de 2021.

    Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed, continua há mais de um ano a esconder dados do Portal RAM. Até quando?

    Segundo este documento – nunca divulgado anteriormente –, na parte do enquadramento, o Infarmed salientava que “face ao aumento exponencial do nº de RAM [números de reacções adversas a medicamentos] submetidas pelos profissionais de saúde e cidadãos relativas às vacinas COVID, é impossível atualmente tratar manualmente toda a informação submetida” à Agência Europeia do Medicamento, pelo que seria necessário, “neste contexto, e por forma a eliminar (ou, pelo menos, minimizar) todos os constrangimentos daí decorrentes”, se mostrava necessário “contratar serviços de implementação de alterações à aplicação Portal RAM”.

    Nesse documento anexo ao contrato com a Altran explicava-se também que o Portal RAM “permite aos profissionais de saúde e utentes comunicarem ao Infarmed suspeitas de reações adversas a medicamentos (RAM), contribuindo para a monitorização contínua da segurança e a avaliação do benefício/ risco dos medicamentos”, e que “assim, após receção e validação a informação é avaliada por uma equipa de farmacêuticos e médicos especialistas em segurança de medicamentos”, sendo que, “posteriormente, a informação do caso (totalmente anonimizada) é enviada para as bases de dados europeia (Eudravigilance) e mundial da OMS (Vigibase), para efeito de uma avaliação permanente mais abrangente do perfil de segurança do medicamento”.

    person holding white plastic bottle

    Ou seja, de raiz, a informação relativa a Portugal constante do Portal RAM está “totalmente anonimizada” antes de ser enviada para as outras bases de dados, onde surge agregada. Recorde-se que a norma ISO 29100:2011 define anonimização como o “processo pelo qual as informações pessoais identificáveis (IPI) são alteradas irreversivelmente de modo que uma entidade IPI já não possa ser identificada direta ou indiretamente, quer pelo responsável pelo tratamento de IPI por si só ou em colaboração com qualquer outra parte”.

    O Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) salienta que os dados pessoais deixam de o ser se forem anonimizados. A anonimização é diferente de um outro processo de ocultação de dados nominativos – a pseudonimização. Com efeito, na pseudonimização os dados nominativos escondidos podem ser recuperados porque se mantêm elementos informativos para uma reversão.

    Outros documentos relevantes que o Infarmed veio agora entregar ao Tribunal Administrativo de Lisboa, no processo 46/23.9BELSB, são os manuais do utilizador do Portal RAM, o primeiro que esteve activo até ao início deste ano, e um segundo que foi aprovado, curiosamente, em 27 de Janeiro. Ambos mostram a existência de vários perfis de acesso, incluindo a tarefa de anonimização – ou seja, exclusão de dados que permitam identificação em concreto, mesmo que de forma indirecta, de qualquer pessoa afectada por efeitos adversos de medicamentos.

    Caderno de encargos revela que Portal RAM tem informação “totalmente anonimizada”.

    No entanto, desde Abril do ano passado, o Infarmed andou a tentar – e até conseguiu – convencer a juíza de um processo principal – relativo à consulta do Portal RAM pedida pelo PÁGINA UM para se conhecerem em detalhe os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir em Portugal – de que os dados continham dados nominativos de saúde, e por isso um processo de “anonimização” nunca seria completamente possível, porque permitiria, indirectamente, uma identificação concreta de pessoas, o que perigaria a confiança no sistema.

    De facto, no passado dia 8 de Março, em sentença de primeira instância, ainda passível para o Tribunal Central Administrativo Sul, a juíza Sara Ferreira Pinto dispensou o Infarmed, num processo de intimação iniciado em Abril do ano passado (Processo 980/22.5BELSB), de ceder ao PÁGINA UM o acesso directo ao Portal RAM, por considerar, e apenas com base em prova testemunhal – de uma técnica e do presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, ouvidos em audiência em Janeiro passado –, que, apesar de anonimizados, seria sempre “possível identificar uma pessoa em concreto”.

    Para esta recusa, a magistrada considerou que um eventual expurgo de dados nominativos (porque disse ter sido provado que o Portal RAM tinha em todas as fases dados nominativos passíveis de identificação de pessoas) seria equivalente à produção de um novo documento, pelo que o Infarmed não estaria obrigado a fazer essa tarefa. Saliente-se que esta é uma posição polémica, abrindo um precedente ainda não acolhido na jurisprudência, porquanto expurgo de dados nominativos (retirada, com rasura de tinta, ou ocultação de dados em ficheiro informático) é uma tarefa prevista legalmente para permitir o acesso a partes dos documentos que não contenham matéria reservada. Aliás, o PÁGINA UM sempre defendeu a retirada de dados nominativos.

    Além disto, na sua sentença, a juíza Sara Ferreira Pinto aparentemente confundiu conceitos de pseudonimização e anonimização. No primeiro caso, existe possibilidade de se identificarem pessoas, porque há efectivamente a possibilidade de reversão. Mas o processo de anonimização é bem diferente – e o Infarmed diz expressamente, no caderno de encargos, que os dados estão anonimizados –, porque aí é irreversível, não existindo forma de ninguém saber, até mesmo o técnico que procedeu a essa tarefa, a que pessoas se referem os dados.

    Embora o Infarmed tenha usado todos os processos para obstaculizar e baralhar o processo no Tribunal Administrativo – que são morosos e baseados quase em exclusivo em troca de argumentos por escrito com grande formalismo –, a juíza do processo principal, Sara Ferreira Pinto, impediu activamente que o PÁGINA UM pudesse incluir como prova o caderno de encargos do contrato com a Altran e os manuais do utilizador do Portal RAM.

    PÁGINA UM tem analisado dados anonimizados da Agência Europeia do Medicamento sobre reacções adversas às vacinas contra a covid-19, mas os dados especificamente de Portugal são escondidos pelo Infarmed, que usou todos os subterfúgios para convencer uma juíza de primeira instância que a plataforma nacional contém dados nominativos que identificam pessoas.

    De facto, prevendo que o referido caderno de encargos e o manual de utilizador do Portal RAM pudesse confirmar a completa anonimização dos dados, o PÁGINA UM requereu à juíza Sara Ferreira Pinto, em 30 de Novembro, que requeresse ao Infarmed a junção desses documentos ao processo principal, bem como fosse ouvida em audiência o responsável da Altran que tivesse assinado o contrato.

    Mas a juíza optou por nunca responder ao requerimento, apenas liminarmente recusado a sua junção no final da audiência em 23 de Janeiro.

    Em acta, a juíza escreveu o seguinte: ”Considerando a prova documental junta aos autos, a prova por depoimento de parte e prova testemunhal produzida em sede de audiência, além do mais, aferida a inexistência do Manual de utilização do portal RAM na componente backoffice, por entender-se que os referidos documentos [manual e caderno de encargos do Portal RAM] não detêm interesse para a decisão da causa, indefere-se o peticionado, nos termos do artigo 429.º CPC e aplicado por força do artigo 1.º do CPTA).”

    No mesmo dia, e após esta estranha recusa da juíza na parte final da audiência, o PÁGINA UM requereu formalmente esses documentos ao Infarmed, que não respondeu, razão pela qual foi intentado novo processo de intimação.

    Juíza Sara Ferreira Pinto escreveu em acta (imagem central) que foi “aferida a inexistência do Manual de utilização do portal RAM”, e considerou que o caderno de encargos requerido pelo PÁGINA UM “não detém interesse para a decisão em causa”. A magistrada nunca quis ver os documentos em causa. Ora, afinal, o caderno de encargos prova que os dados do Portal RAM estão completamente anonimizados e, além disso, nos últimos dois anos o Infarmed elaborou dois manuais de utilização da aplicação (imagens laterais).

    Foi apenas nesse segundo processo de intimação que se acabou por revelar que, afinal, não apenas existe um manual de utilização na componente backoffice como o caderno de encargos – que a juíza dizia não deter interesse para a decisão da causa – mostrava que afinal a informação do Portal RAM está “totalmente anonimizada”.

    Em todo o caso, somente em sede de recurso a sentença da juíza Sara Ferreira Pinto no processo principal poderá ser contestada, juntando-se como elementos probatórios os documentos que recusou analisar, mas que agora estão apensos ao segundo processo de intimação.

    Saliente-se, em todo o caso, que a sentença da juíza Sara Ferreira Pinto considera que o Infarmed tem a obrigação de disponibilizar as notificações que tenham sido enviadas por e-mail – e não pelo sistema informático do Portal RAM.

    Para estes casos, em número desconhecido, a sentença diz que “os elementos solicitados à Entidade Requerida [Infarmed] e que esta tem disponíveis devem, pois, ser comunicados [ao PÁGINA UM] conquanto se garanta a não identificação (direta e indireta) das pessoas a quem digam respeito (expurgando todos os dados pessoais e de saúde do doente e do notificador, incluindo, além dos mais, o nome (ainda que anonimizado), devendo a idade ser referida por intervalos e a localização, havendo-a, limitada ao distrito).”

    Extracto do caderno de encargos de contrato entre o Infarmed e a Altran. Apesar de requerido pelo PÁGINA UM, juíza Sara Ferreira Pinto recusou sequer ver o conteúdo deste caderno de encargos, agora entregue pelo Infarmed num processo de intimação autónomo. Será requerido que os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul o analisem para saber se o Portal RAM tem ou não informação “totalmente anonimizada” e, sendo assim, se é necessário expurgar dados ou criar novos documentos.

    Nesse aspecto, a sentença é paradoxal, porque além de considerar que o expurgo de dados nominativos não constitui, quando em papel ou em mensagem electrónica, a produção de um novo documento, na verdade a juíza acaba mesmo por determinar que o Infarmed terá que fazer um tratamento de dados posterior, com a criação de classes etárias que nem sequer explicita – e aí sim, há uma elaboração de um documento anteriormente não existente).     

    Com o envio deste longo processo para o Tribunal Central Administrativo Sul, o Infarmed – e em especial o seu presidente Rui Santos Ivo – continuará a esconder dos portugueses a verdadeira dimensão dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdesivir. O PÁGINA UM esgotará todas as possibilidade jurídicas para que a verdade seja conhecida.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de cerca de uma dezena e meia de processos em curso (amanhã serão revelados mais dois intentados recentemente), o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Inglaterra: Isolamentos de 15 dias mantiveram-se apenas para Governo não assumir erros

    Inglaterra: Isolamentos de 15 dias mantiveram-se apenas para Governo não assumir erros

    Embora a imprensa mainstream portuguesa continue sem querer mostrar aos seus leitores o que se passou na Inglaterra durante a pandemia – a partir das revelações das mensagens de Whatsapp do antigo ministro da Saúde Matt Hancock, que têm estado a ser notícia no The Telegraph –, o PÁGINA UM continua o seu serviço público. E com o seu espírito de missão: informar sobre a realidade quando os outros órgãos de comunicação social deformam: por deturpação ou omissão. Siga aqui as outras notícias que já publicámos sobre os Lockdown Files. Recordamos que o PÁGINA UM tem em curso nos tribunais administrativos vários processos de intimação, colocados no ano passado, para a obtenção de documentos administrativos, embora, infelizmente, não incluam as mensagens de WhatsApp de Marta Temido ou de Manuel Pizarro, ou até de Graça Freitas.


    A cada dia de revelações dos Lockdown Files que está a abalar a Inglaterra, mais se confirma que a Ciência – sempre invocada ao longo dos últimos três anos para justificar restrições e imposições – foi sequestrada e substituída por uma sósia: a política.

    Em novas revelações do jornal The Telegraph, mostra-se que o antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, rejeitou o conselho de Chris Whitty, director médico da Inglaterra, para substituir a quarentena de 14 dias de isolamento por um período mais curto de cinco dias, porque isso “implicaria [assumir] que estamos errando”.

    Matt Hancock, ex-ministro da Saúde britânico, e Isabel Oakeshott, a jornalista no centro dos Lockdown Files.

    De acordo com as mensagens de WhatsApp gravadas por Hancock, o ministro foi informado em 20 de Novembro de 2020 por Chris Whitty que seria “muito bom” – isto é, bastaria – um período de cinco dias para os casos suspeitos (por contacto com infectados) “em vez” de isolamento de quinze dias. Nas mensagens, os dois concluem que o período de quarentena de 14 dias provavelmente foi “muito longo o tempo todo”. Até então, de acordo com o The Telegraph, quase um milhão de ingleses tinham sido instruídos, sob pesadas multas, a se auto-isolarem por quinze dias inteiros, mesmo que não apresentassem sintomas, se tivessem tido algum contacto de risco.

    Embora o Governo de Boris Johnson tenha acabado por reduzir o período de auto isolamento para 10 dias em Dezembro de 2020, a medida não tinha qualquer sustentação científica. Somente em Agosto de 2021 alguns grupos populacionais ficaram totalmente isentos da exigência.

    Hancock também não desejaria mudar as regras, até porque, estando em processo a compra de vacinas, este político estava então, em finais de 2020, a montar uma campanha de medo para assustar as pessoas até “borrarem as calças”.

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    Esta guerra psicológica do “Project Fear” – a estratégia usada pelo Governo de Boris Johnson agora revelada pelos Lockdown Files – jamais pode ser repetida. Pelo menos é esta a garantia que diversos políticos, sobretudo da ala conservadora, e também já alguns especialistas, desejam para o futuro, à medida que são reveladas mais mensagens entre o ex-ministro da saúde Matt Hancock, os seus assessores e diversos membros do Governo britânico e altos quadros de Saúde Pública.

    Um dos mais críticos tem sido o parlamentar Charles Walker, destacado membro do denominado Covid Recovery Group – que se mostrou angustiado com os comportamentos de Matt Hancock que, no final de 2020, sem qualquer base científica, aproveitou o surgimento de uma variante (que seria baptizada de Alfa) para montar uma campanha de medo e justificar assim mais confinamentos e a obediência popular.

    “O que me deixa tão furioso são os malefícios e a guerra psicológica que desenvolvemos contra os jovens e a população, em geral, com todos esses psicólogos comportamentais”, disse Charles Walker ao The Telegraph, acrescentando ser preciso haver agora “um ajuste de contas”.

    Este político conservador lamentou que o Parlamento inglês tenha estado “perdido em combate”, permitindo dezenas de restrições com pouco debate. “As vozes discordantes foram catalogadas de anti-lockdown e de extrema-direita; e, na verdade, querer fazer as coisas direitas não é ser da extrema-direita”, lamentou este parlamentar ao The Telegraph, salientando ainda que “fizemos coisas terríveis aos jovens; fizemos coisas terríveis a um grande número de pessoas; e precisamos de ter a certeza de que nunca mais fazemos isso novamente”.

    Na mesma linha, Craig Mackinlay, outro parlamentar conservador que também integrava o Covid Recovery Group, disse também ao The Telegraph que o “clima artificial de medo” resultou naquilo que “nos preocupava” quando as restrições foram implementadas: “problemas negativos contínuos de saúde, problemas de educação, e não menos importante, a destruição da nossa economia, à medida que ideias malucas, umas atrás das outras, foram sendo aprovadas”.

    Mas não é apenas do lado dos Tories que têm surgido críticas às revelações de um escândalo de graves contornos políticos que, de forma clara, demonstra os perigos de a Saúde Pública ficar sob responsabilidade absoluta em sectores pouco controlados, como se verificará se avançar o tratado internacional sobre prevenção e preparação para pandemias.  

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    O The Telegraph citou ontem até um ex-ministro – não identificado – do governo de Boris Johnson, durante a pandemia, assumindo ser “claro agora que muitos erros foram cometidos”. E defende ainda ser “muito importante que nos certifiquemos de que, caso qualquer evento como este aconteça novamente, tomamos todas as medidas possíveis para preservar o máximo de liberdade possível, em vez de adoptar uma abordagem avessa ao risco e à segurança em primeiro lugar”, acrescentando ainda que o encerramento das escolas foi “diabólico”.

    Diversos especialistas começam também a reagir aos conteúdos dos Lockdown Files, que mostram uma absoluta falta de bases científicas na tomada de muitas decisões, e que tiveram consequências desastrosas. Em declarações ao The Telegraph, Karol Sikora, médico especialista em oncologia, diz mesmo que “não há dúvida” de que alguns pacientes com cancro ficaram tão assustados com a pandemia que nem procuraram tratamento para as suas doenças. “Fiquei horrorizado quando li as mensagens do WhatsApp. Estou realmente ansioso pelo inquérito público, mas será uma lavagem de dinheiro”, acrescentou o especialista.

    Por sua vez, um professor de Ciência Comportamental na London School of Economics, Paul Dolan, culpou aquilo que diz ser uma mistura de “desvio intencional de missão” e “desvio intencional de especialidade” para dar uma resposta dominada pelo “monopensamento de grupo”. Este especialista exemplifica com as imposições às crianças e jovens, com grande impacte no seu desenvolvimento.

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    “Foi errado em todos os sentidos deixar os jovens com medo de um vírus que sabíamos muito cedo ser de risco muito limitado para eles”, disse ainda este especialista ao The Telegraph. Com efeito, a taxa de letalidade dos menores foi estimada em cerca de 0,0003%. O risco de vida causado pelo SARS-CoV-2 em jovens saudáveis é irrelevante.

    Paul Dolan afirmou ainda não ser “aceitável mentir activamente, alimentando o medo”, defendendo que, embora seja “impossível fazer uma análise de custo-benefício completa de imediato, se deve garantir que os processos estejam em vigor para que diferentes vozes sejam ouvidas.” Algo que não sucedeu; pelo contrário.

  • ‘Com a nova variante, assustamos toda a gente até borrarem as calças’

    ‘Com a nova variante, assustamos toda a gente até borrarem as calças’

    Os Lockdown Files revelam não apenas uma gestão casuística e uma completa ausência da Ciência na gestão da pandemia. Revelam sobretudo como, em democracia, é intolerável que um “bando de políticos” detenham tamanho poder sem serem escrutinados em contínuo. E deixa também no ar uma pergunta necessária: se foi assim na Inglaterra, que motivos nos levam a crer ter sido diferente em Portugal? O PÁGINA UM promete continuar a acompanhar este dossier bombástico, até porque para a imprensa mainstream lusitana nada se passa em Terras de Sua Majestade. Leia aqui a primeira parte deste dossier.


    O Governo britânico definiu politicamente – e não com base em qualquer critério científico – uma estratégia de divulgação pública da variante Alfa, que fora sequenciada em Setembro de 2020 na região de Kent, para criar artificialmente uma “campanha de medo” que amedrontasse qualquer pessoa.

    Esta é uma das novas revelações do Lockdown Files, do jornal The Telegraph, a partir do vazamento de mais de 100 mil mensagens de WhatsApp entre o antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, e membros da cúpula governamental de Boris Johnson.

    The Telegraph promete divulgar muitas mais mensagens comprometedoras sobre a gestão da pandemia no Reino Unudo.

    A veracidade das mensagens é inquestionável, porque foram directamente disponibilizadas pelo ex-ministro – que renunciou ao cargo após ter sido apanhado a violar as regras de distanciamento em Junho de 2021 – à jornalista Isabel Oakeshott, que ajudou o político a preparar uma auto-biografia. Face à gravidade das mensagens, a jornalista decidiu torná-las públicas.

    Nas revelações deste fim-de-semana, pelo The Telegraph, fica evidente que Matt Hancock pretendeu, no final de 2020, capitalizar ao máximo uma nova e decisiva campanha de medo que assustasse qualquer pessoa. Em Dezembro daquele ano, em conversas entre Matt Hancock e os seus assessores foi sugerido que a variante B.1.1.7 – que viria a ser baptizada pela Organização Mundial da Saúde como Alfa – seria bastante útil na preparação do terreno para um novo bloqueio.

    Numa conversa no WhatsApp em 13 de Dezembro, obtida pelo The Telegraph, Damon Poole, um assessor de comunicação de Hancock – informou o seu chefe que os deputados conservadores já estavam “furiosos com a perspectiva” de medidas mais rígidas, pelo que a solução poderia passar por aproveitar uma nova estirpe que fora detectada na região de Kent.

    Matt Hancock, ex-ministro da Saúde britânico, e Isabel Oakeshott, a jornalista na origem dos Lockdown Files.

    Refira-se que, ao longo da pandemia, foram sequenciadas mais de um mihar de variantes, mas a Organização Mundial da Saúde é que determinava, em função das informações que lhe fossem transmitidas, aquelas que passavam a ser consideradas de preocupação, com direito a nome de baptismo com letra grega.

    Perante a ideia de se aproveitar essa nova variante, Hancock respondeu de forma coloquial: “We frighten the pants off everyone with the new strain”, que, se fosse dito por um político português, seria do género “Com a nova variante, assustamos toda a gente até borrarem as calças”. E Poole concordou: “Sim, é isso que vai gerar uma mudança de comportamento adequada”.

    O plano avançou, e foram decretados mais rígidos confinamentos nesse Natal. Hancock apenas expressou sua preocupação de que as negociações sobre o Brexit dominassem as manchetes e reduzissem o impacto dessa campanha de medo.  

    Trecho da conversa via WhatsAPP entre Matt Hancock e o seu assessor Damon Poole.

    Mas se, por um lado, o antigo ministro da Saúde compôs uma campanha de medo, por outro escondeu dados comprometedores para esconder efeitos de medidas de políticos trabalhistas. Por exemplo, a iniciativa do actual primeiro-ministro Rishi Sunak – então Chanceler do Tesouro – de incentivar o regresso aos restaurantes – com a implementação da campanha Eat Out to Help Out foi acompanhada por uma manipulação de dados que “manteve fora das notícias” que se estava a registar um aumento de casos positivos de covid-19.

    Os Lockdowns Files também já revelaram as lutas de bastidores da política britânica, onde mais do que uma preocupação com a Saúde Pública, se digladiavam diversos actores da política. Nas mensagens divulgadas revelam-se as tenazes tentativas de Hancock liderar a campanha de vacinação para receber os louros públicos, confrontando e mesmo conspirando contra altos quadros.

    Mostra-se também revelador que, desde Abril de 2020 – no início da pandemia – as vacinas, quaisquer que fossem, sempre se consideraram como a forma mais eficaz para as populações perdoarem os confinamentos e outras restrições, e ficarem gratos aos políticos. Porém, sobretudo a partir do final de 2020, com a chegada das vacinas, diversas mensagens dos Lockdown Files mostram a irritação e frustração de Hancock por não estar a receber os créditos políticos que esperaria.

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    Apesar de Matt Hancock ter sido afastado do Governo britânico em Junho de 2021, os abalos dos Lockdown Files estão a colocar em causa a credibilidade dos trabalhistas na gestão da pandemia.

    As relações entre Hancock e a responsável pela task force britânica das vacinas, Kate Bingham, também são abordadas nas mensagens de WhatsApp. A responsável pelo programa de vacinação advogava em Outubro de 2020, em entrevista ao Financial Times, que a vacinação de toda a população “não iria acontecer” e que “só precisamos de vacinar as pessoas em risco”, ou seja, menos de metade da população, o que não terá sido do agrado do Ministério da Saúde.

    Além disso, Kate Bingham opôs-se à compra de dezenas de milhões de vacinas da Índia. As tensões entre estes dois responsáveis, numa autêntica luta de galos, já eram conhecidas no Reino Unido desde, pelo menos, finais do ano passado.

    Mas Hancock também teve péssimas relações com outros responsáveis da Saúde Pública, conspirando para tentar derrubar Simon Stevens, director do National Health Service (NHS) na Inglaterra – entidade homóloga da Direcção-Geral da Saúde –, com a ajuda de Dominic Cummings, o polémico conselheiro-chefe do então primeiro-ministro Boris Johnson.

    Lockdown Files também ajudam a compreender as lutas de bastidores por razões financeiras. Em Outubro de 2020, a responsável da task force britânica para a vacinação contra a covid-19, defendia a vacinação apenas para grupos vulneráveis, mas Matt Hancock estava mais interessado em fazer compras avultadas, incluindo à Índia.

    No último lote de mensagens de WhatsApp, divulgados hoje no Sunday Telegraph , mostra-se também que o antigo ministro da Saúde tentou remover Jeremy Farrar de membro do Grupo Consultivo Científico para Emergências, porque este cientista havia criticado a forma como o governo estava a lidar com a pandemia.

    Neste primeiro pacote de mensagens encontram-se muitos outros pormenores, por vezes perturbadores, sobre a forma jocosa como os políticos lidavam com o impacte da gestão da pandemia, como seja os confinamentos em hotéis, as multas aplicadas a transgressores ou mesmo piadas em torno da figura de Bill Gates.

    A procissão, contudo, parece ainda estar no adro.

  • Governo britânico tomou medidas sem base científica

    Governo britânico tomou medidas sem base científica

    O jornal The Telegraph teve acesso a mais de 100.000 mensagens de WhatsApp do ex-ministro da Saúde britânico Matt Hancock. É uma das maiores fugas de dados oficiais do país. As revelações do jornal geraram um escândalo de enormes proporções ao expor os bastidores das tomadas de decisão do governo de Boris Johnson na pandemia de covid-19. O que as mensagens revelam é que o Executivo britânico tomou medidas que não estavam fundamentadas na evidência científica e nos dados disponíveis. Além disso, fica demonstrado que o governo trabalhou com órgãos de comunicação social para alarmar a população. Entretanto, a jornalista que divulgou os chamados “Lockdown Files”, e que foi co-autora da biografia de Hancock, publicou uma declaração em resposta a acusações de “traição” por parte do antigo governante e diz que foi ameaçada por Hancock após a publicação das mensagens.


    A divulgação de mensagens de WhatsApp do antigo ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, pelo jornal The Telegraph, gerou um terramoto com várias réplicas sucessivas. O “chão” ainda não parou de tremer para o antigo governante que liderou a resposta do governo de Boris Johnson à pandemia de covid-19, nem para os seus colegas do Executivo da altura, que foram “apanhados” nas mensagens agora tornadas públicas.

    Ao todo, são mais de 100.000 mensagens trocadas via WhatsApp obtidas pela jornalista freelance Isabel Oakeshott, co-autora da biografia de Hancock. O jornal começou a publicar os chamados “Lockdown Files” ontem e o caso está a gerar várias ondas de consternação e choque.

    As mensagens revelam os bastidores da gestão da pandemia pelo governo britânico, em 2020 e 2021, e mostram que decisões foram tomadas sem qualquer fundamentação científica, como a medida de fechar as escolas ou de ordenar o segundo confinamento, por exemplo. Mas as mensagens também evidenciaram que o governo trabalhou de perto com órgãos de comunicação social para alarmar de propósito a população e conseguir alcançar certas metas.

    Entre as revelações destes “Lockdown Files”, uma das que mais tem causado maior perplexidade é a de que Hancock rejeitou o conselho de Chris Whitty, director-geral de Saúde, no sentido se fazerem testes nos lares para proteger os idosos. O antigo governante já veio entretanto rejeitar esta acusação.

    Outra revelação que está a causar polémica é a que aponta que Boris Johnson sabia que não existiam dados que justificassem um segundo confinamento (lockdown) da população, mas mesmo assim o governo implementou a medida, que teve um forte impacto negativo na economia e condicionou a liberdade e os direitos civis de todos os residentes no país.

    Também a decisão de fechar as escolas, foi, segundo as mensagens obtidas pelo The Telegraph, tomada sem existir fundamentação científica ou dados que a suportassem.

    Em outras mensagens, fica a saber-se que Matt Hancock e restantes membros do governo deram à polícia as suas “ordens de marcha” para aplicar o lockdown, poucos dias antes do Executivo celebrar uma festa em Downing Street. Hancock também defendeu “usar a polícia em força” para reprimir a população durante a pandemia.

    Ficou também patente que o governo trabalhou com os media para alarmar a população. Entre as mensagens divulgadas, fica a saber-se que Matt Hancock pediu a um então editor do Evening Standard que o ajudasse a atingir metas de testagem, porque a procura estava baixa. O editor respondeu “claro que sim”, na condição de que o ministro desse ao jornal declarações exclusivas no dia seguinte.

    O antigo ministro da Saúde britânico acusou Isabel Oakeshott de “massiva traição e quebra de confiança” por a jornalista ter divulgado as mensagens, depois de ter sido paga para escrever a biografia do ex-governante.

    Matt Hancock, ex-ministro da Saúde britânico, e Isabel Oakeshott, a jornalista autora dos “Lockdown Files”.

    Em resposta, Isabel Oakeshott emitiu um comunicado, no qual defendeu a divulgação das mensagens a que teve acesso quando trabalhou na biografia de Hancock, considerando que têm um “esmagador interesse nacional”.

    A jornalista, que foi uma voz crítica dos confinamentos, tem estado a sofrer alguns ataques e críticas por ter divulgado as mensagens, nomeadamente por parte de órgãos de comunicação social. A estatal BBC, por exemplo, publicou um artigo depreciativo sobre a jornalista. A BBC chega ao ponto de mencionar no texto o facto de, antes de a jornalista ter tido uma relação com um promotor do Brexit, Richard Tice, já ter três filhos de um anterior casamento, num caso claro de misoginia num texto jornalístico.

    Este caso vem somar-se a outras polémicas envolvendo o antigo ministro da Saúde britânico.

    Matt Hancock foi obrigado a renunciar ao cargo que ocupava no governo em junho de 2021, depois do jornal The Sun ter divulgado imagens de câmaras de vídeo-vigilância em que se via o então responsável pela pasta da Saúde no seu escritório a beijar a sua assessora Gina Coladangelo, com a qual tinha um caso.

    Recorde-se que, na altura, estava em vigor a medida imposta pelo governo de haver distanciamento social, que apenas permitia reuniões de duas pessoas ou mais em situações de trabalho.

    Este caso vem dar razão aos críticos das respostas da maioria dos governos à covid-19, que apontavam que as medidas que estavam a ser tomadas careciam de fundamentação na evidência científica e nos dados disponíveis, como foi o caso de confinamentos e o fecho das escolas, os quais causaram mais danos do que se nada se tivesse feito.

    O actual governo britânico está agora a tentar defender o inquérito oficial que decorre à forma como o país respondeu à pandemia de covid-19.

    As revelações prometem não ficar por aqui, com o The Telegraph a prosseguir com a divulgação de mais mensagens comprometedoras para Boris Johnson e a sua equipa.

    Ao contrário do que sucedeu com os “Twitter Files”, que revelaram como os anteriores executivos do Twitter aplicaram censura, nomeadamente a críticos da gestão da pandemia, os principais órgãos de comunicação social dão alguma atenção às revelações feitas pelos “Lockdown Files”. Apesar de estarem a noticiar algumas das revelações, evitam dar grande destaque ao tema e fazem uma selecção criteriosa das revelações, para não dar a conhecer os casos mais comprometedores do ponto de vista político.

    Os media mainstream, em geral, alinharam-se com a “narrativa” oficial dos governos, adoptando uma postura de alarmismo, para assustar a população e levá-la a cumprir as medidas impostas, e também censurando, condenando e difamando críticos das políticas covid-19.

    Nas últimas semanas, vários conceitos que serviram de base à “narrativa” oficial, e foram usados para justificar a adopção de medidas controversas e sem precedentes, foram demolidos, ficando comprovado, por exemplo, que o uso de máscaras faciais não protege contra a covid-19 e que a imunidade natural é forte e duradoura contra a doença.

    Vários órgãos de comunicação social chegaram a difamar desde 2020 cientistas e académicos que defendiam a imunidade natural e alertavam que as máscaras não tinham eficácia no caso da covid-19. Do mesmo modo ajudaram a denegrir a imagem dos cientistas e investigadores que defendiam que o vírus SARS-CoV-2 teve origem num laboratório, o que acaba de ser dado como o mais provável por parte do Departamento de Energia dos Estados Unidos e o FBI.

  • Tribunal Administrativo de Lisboa: Manuel Pizarro tem cinco dias para decidir se mente segunda vez

    Tribunal Administrativo de Lisboa: Manuel Pizarro tem cinco dias para decidir se mente segunda vez

    Em Portugal, o crime de perjúrio não é levado muito a sério, mas o certo é que no processo de intimação do PÁGINA UM contra o Ministério da Saúde para a obtenção de todos os contratos das vacinas contra a covid-19, assinados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) e as farmacêuticas, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa insistiu em saber se o gabinete de Manuel Pizarro mantém a afirmação de que não existem contratos. O PÁGINA UM já enviou provas da existência de quatro, assinados na primeira fase do programa de vacinação, e tem mais documentação que comprova que há muitos mais. Se o ministro Manuel Pizarro mentir pela segunda vez, esses documentos serão enviados ao tribunal para os devidos efeitos. Portugal já terá gastado cerca de 700 milhões de euros nestes fármacos, mas a factura pode subir mais 500 milhões de euros se o Governo for chamado a pagar solidariamente os negócios acordados pela Comissão von der Leyen.


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tem cinco dias úteis para decidir se vai continuar a prestar falsas declarações – acção punida por lei – ou se corrige as primeiras declarações ao Tribunal Administrativo de Lisboa sobre a alegada inexistência de contratos entre as farmacêuticas e a Direcção-Geral da Saúde DGS) para a compra de vacinas contra a covid-19.

    Em despacho feito anteontem, a juíza Telma Nogueira “convidou” o Ministério da Saúde a “se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado” pelo PÁGINA UM em 6 de Fevereiro passada, onde provava documentalmente que quatro dos primeiros contratos para a compra de vacinas até tinham estado no Portal Base, mas que foram entretanto apagados.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    O PÁGINA UM apresentou ao Tribunal Administrativo os documentos que comprovavam o “apagão” dos contratos, insistindo que todas as compras daqueles medicamentos, mesmo se negociados entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, tiveram depois que ser alvo de contratos específicos.

    Recorde-se que, neste momento, se desconhece a quantidade de vacinas efectivamente compradas pelo Estado português, quantas foram entregues pelas farmacêuticas, quantas foram administradas, doadas, revendidas ou inutilizadas. O Ministério da Saúde tem afirmado que terão sido adquiridas 45 milhões de doses, mas o gabinete de Manuel Pizarro mantém a recusa em mostrar documentos contabilísticos e operacionais que confirmem a recepção dos lotes, os montantes gastos e os compromissos futuros.

    Numa altura em que o ritmo de vacinação está extremamente baixo, desconhece-se se existem contratos de garantam vendas futuras às farmacêuticas, mesmo se o destino das vacinas for o lixo. Saliente-se que a Comissão Europeia terá negociado apenas com a Pfizer a compra pelos Estados-membros de 1.600 milhões de doses, mas até Dezembro do ano passado tinham sido administradas 685 milhões de doses da vacina desta farmacêutica norte-americana.

    No processo de intimação constam já, enviados pelo PÁGINA UM, tantos os primeiros contratos integrais assinados em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 entre a DGS e as farmacêuticas Pfizer e Moderna, como também os mesmos documentos entretanto rasurados (“apagados”) por ordem política. O PÁGINA UM exige acesso a estes contratos e aos seguintes, que já terão totalizado quase 700 milhões de euros, bem como guias de transportes e comunicações entre as partes.

    Sabe-se também que entre Agosto de 2020 e Novembro de 2021, a Comissão Europeia celebrou 11 contratos com oito fabricantes de vacinas – algumas ainda nem sequer conseguiram aprovação e outras (como a Novavax, a Valneva e a Sanofi/GKS) só a alcançaram recentemente – para a compra de 4,6 mil milhões de doses, assumindo-se um custo global estimado de 71 mil milhões de euros, ou seja, uma média de 15,4 euros por dose.

    No entanto, de acordo com um relatório da Agência Europeia do Medicamento (EMA) de Dezembro passado somente tinham sido administradas, em dois anos, cerca de 934 milhões de doses, ou seja, apenas 58% daquilo que foi contratualizado, o que significa que os diversos países comunitários incluindo Portugal, possam ser obrigado a pagamentos desnecessários. Ou seja, se é previsível que, até agora, Portugal tenha gastado pelo menos 693 milhões de euros (45 milhões a um custo unitário de 15,4 euros), ainda poderá ter de desembolsar perto de 500 milhões de euros mesmo que haja poucas pessoas a quererem vacinar-se no futuro. Estes contratos negociados pela Comissão von der Leyen contêm cláusulas secretas.

    Além da evidência comprovada – e que já está na posse do Tribunal Administrativo de Lisboa – dos quatro primeiros contratos de compras do Estado português em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 com a Pfizer e a Moderna – que chegaram a estar integralmente no Portal Base, antes de serem “apagados” por ordem política –, o PÁGINA UM tem documentos que mostram a existência de outros contratos entre a DGS e quatro farmacêuticas.

    Primeiras páginas dos ficheiros com os contratos com a Pfizer e a Moderna agora inseridos no Portal Base, depois do expurgo ordenado pelo Governo, segundo consulta realizada hoje.

    Com efeito, no âmbito de um programa de apoio comunitário para a compra de vacinas, gerido pelo COMPETE 2020, ao qual a DGS recorreu (Candidatura nº 181412 e Contrato nº 2022/181412), encontram-se diversos comprovativos de pagamento de vacinas contra a covid-19 no valor total de 220.723.680,75 euros, sendo que 64 dizem respeito à empresa Laboratório Pfizer Lda. e 64 à Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal – ambas sucursais da Pfizer –, e ainda 12 à Moderna Biotech Spain, sete à AstaZeneca AB e nove à Janssen Pharmaceutica NY.

    Estes pagamentos são, porém, apenas uma parte dos gastos abrangidos na compra destas vacinas, e referem-se ao período anterior a Junho de 2022.

    Estes documentos serão entregues ao Tribunal Administrativo de Lisboa caso o Ministério da Saúde insista, mentindo, que “não possui os documentos solicitados”. Saliente-se que o PÁGINA UM também requereu – e deverão ser também analisados pela juíza Telma Nogueira – as guias de transporte dos diversos (que confirmem o seu envio e a recepção) e o acesso às comunicações escritas entre o Estado português e as diversas farmacêuticas no âmbito da vacinação contra a covid-19.

    Extracto de um documento que comprova pagamentos da DGS à Pfizer, somente possível depois de comprovada o cumprimento das normas de contratação pública, que inclui, obviamente, a existência de um contrato.

    Recorde-se também que os procedimentos de contratação e de gestão das vacinas da covid-19 estarão também a ser alvo de uma auditoria, de acordo com um ofício de Graça Freitas, directora-geral da Saúde ao PÁGINA UM, em resposta a este processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Contudo, o Ministério da Saúde não apresentou provas dessa acção, podendo assim ser mais uma artimanha para evitar a divulgação de documentos públicos.

    Manuel Pizarro tem, aliás, como responsável máximo do Ministério da Saúde, seguido a linha da sua antecessora, Marta Temido: é também um acérrimo defensor do obscurantismo, obrigando sistematicamente o PÁGINA UM a recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa sempre que solicita documentação e acesso a base de dados.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.

  • Referendo para adesão ao Tratado Pandémico nas mãos dos deputados

    Referendo para adesão ao Tratado Pandémico nas mãos dos deputados

    Anteontem, no parlamento, a audição na Comissão de Saúde relativa à petição para a realização de um referendo acerca da adesão de Portugal ao controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias. A autora e principal peticionária foi ouvida pelos deputados. Marta Gameiro, médica dentista e defensora activa da medicina baseada na evidência científica, foi acompanhada pela antiga deputada e psicóloga Joana Amaral Dias. A sessão foi manchada com um momento insólito, em que a deputada social-democrata Fernanda Velez, num tom jocoso, tentou denegrir a petição. Os deputados vão ter audições sobre o tema do Tratado em sede da subcomissão de saúde global. O Tratado Internacional de Pandemias tem estado envolto em controvérsia por ser visto como “um instrumento antidemocrático” que ameaça retirar aos países a soberania e poder de decisão na gestão de crises de saúde pública, como pandemias. O forte risco de interferência de interesses comerciais e políticos junto da Organização Mundial de Saúde é outro dos motivos apontados pelos críticos do Tratado. A petição vai ser votada no parlamento assim que for concluída a sua apreciação pela comissão de saúde.


    Devem os portugueses decidir se Portugal adere ao controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias da Organização Mundial de Saúde (OMS)? A decisão vai caber aos deputados, que irão votar o pedido de referendo lançado por uma petição assinada por 7.660 peticionários, quando a apreciação da iniciativa for concluída pela comissão de saúde no parlamento.

    Na quinta-feira, foi ouvida em audição na comissão de saúde a autora da petição, a médica dentista e defensora da medicina baseada na evidência científica, Marta Gameiro, e ainda Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga, autora e activista, que também falou em nome dos peticionários.

    O proposto Tratado Pandémico tem gerado uma forte polémica devido a alguns dos seus artigos. O Tratado será juridicamente vinculativo e visa, alegadamente, potencializar a capacidade de prevenção e resposta dos 194 países membros da OMS face a eventuais pandemias. Mas críticos da proposta alertam para os riscos de o acordo vir a constituir uma ameaça à democracia, pondo em causa a soberania de países em matéria de decisões na gestão de crises de saúde pública.

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    Na pandemia de covid-19, Portugal seguiu a maioria dos restantes países e impôs confinamentos e fecho de negócios, bem como o uso de máscaras, contrariando a evidência científica e a opinião de alguns dos maiores especialistas mundiais. Hoje, Portugal é um dos países europeus com mais excesso de mortalidade no triénio 2020-2022, enquanto a Suécia, que recusou confinamentos e o uso de máscaras em geral, regista mortes em excesso com pouco significado.

    Por detrás de alguns receios, está o argumento de que a OMS está vulnerável a interferências por parte de grandes grupos e interesses privados e políticos, que poderia querer obter lucros ou reforços de poder através de decisões sobre saúde pública.

    Os signatários da petição que está em apreciação na comissão de saúde temem que o acordo – que só será oficialmente conhecido em 2024 –, seja uma ameaça à soberania de Portugal para decidir autonomamente como reagir perante a eclosão de doenças contagiosas.

    Os peticionários questionam a “legitimidade da OMS para interferir na gestão que os países fazem em matérias de saúde e levantam dúvidas quanto à organização, referindo que está dependente de doações privadas e corporações”, indicou Guilherme Almeida, deputado do PSD que é o relator da apreciação da petição e que presidiu à audição. Os peticionários contestam, sobretudo, as propostas daquela entidade para “alterar o regulamento sanitário internacional”.

    Marta Gameiro, médica dentista, defensora da medicina baseada na evidência científica e autora da petição. A médica organizou o Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima, em Outubro de 2022.

    Marta Gameiro, autora da petição, começou por esclarecer que “apoia fortemente” a OMS como “instituição necessária ao mundo”, mas considera que hoje são os interesses privados, por meio de burocratas não eleitos, que “ditam o rumo dos acontecimentos” dentro da organização.

    A médica dentista exemplificou, referindo-se às organizações Welcome Trust e Bill & Melinda Gates Foundation, duas instituições que investem milhões de dólares em tratamentos para a covid-19. A médica afirmou ainda que a petição pretende ser um alerta sobre a forma como a saúde pública está a ser conduzida, através de “parcerias público-privadas, envolvendo empresas farmacêuticas e fundações privadas”.

    Marta Gameiro salientou que o Tratado tornará obrigatórias as recomendações da OMS, permitindo-lhe “tomar decisões sem escrutínio público ou transparência”, e forçando todos os países-membro a alterarem as suas leis e perdendo soberania.

    Joana Amaral Dias, psicóloga, antiga deputada, autora e activista foi ouvida na comissão de saúde em nome dos peticionários.

    Joana Amaral Dias considerou alarmante as “portas giratórias imediatas de interesses privados de altas corporações monopolistas para altos cargos dirigentes da OMS” e rejeitou a “transposição de estados de emergência” que o Tratado possibilitaria, de forma “unilateral, arbitrária, e subordinada a interesses financeiros e não apenas à saúde pública”.

    Para a activista e comentadora política, esta actuação é contrária aos interesses dos cidadãos e lesa os seus direitos, liberdades e garantias, frisando que o Tratado é um “instrumento antidemocrático”.

    Na audição estavam presentes, além do relator, o deputado socialista Paulo Marques, a deputada Fernanda Velez, do PSD, e a deputada Rita Matias, do Chega.

    Paulo Marques assumiu uma “divergência profunda” com as preocupações manifestadas na petição. defendeu que a pandemia de covid-19 “veio retratar a necessidade de haver este tipo de cooperação internacional, absolutamente necessária”, mostrando plena confiança na eficácia das medidas recomendadas pela OMS no combate à covid – como os confinamentos e a vacinação.

    Paulo Marques, deputado do PS, anunciou que ainda vão ser agendadas audições sobre a adesão de Portugal ao Tratado da OMS em sede da subcomissão de saúde global.

    Mas o deputado socialista anunciou a intenção da comissão de ter no Parlamento “outros protagonistas para nos dar outro ponto de vista” sobre as mudanças que a OMS pretende fazer, e sobre a “necessidade de sujeitar a um referendo este tipo de matérias”. Assim, irão existir audições sobre o Tratado em sede da subcomissão de saúde global.

    Na audição, o caricato surgiu com a intervenção da deputada social-democrata Fernanda Velez, que não escondeu o seu desprezo pela petição. A deputada afirmou que considera ser “demasiado pretensioso” pedir um referendo sobre a adesão de Portugal. Considerou o texto da petição “não muito claro” e “um pouco mal redigido”, com falhas gramaticais. E, num tom de escárnio, a deputada questionou se as signatárias tinham ouvidos “peritos na matéria” ou se se basearam em “pesquisas no Dr. Google”.

    Fernanda Velez, deputada do PSD, causou um momento insólito, ao recorrer a um tom de escárnio no seu discurso na audição.

    Joana Amaral Dias respondeu à letra à deputada social-democrata. “Não devia ter cabimento numa audiência deste tipo adjectivar as pessoas de pretensiosas, ou desqualificá-las dizendo que fazem pesquisas no Dr. Google”, criticou.

    Lembrando que as medidas de saúde pública que a OMS quer impor aos países-membro, incluindo Portugal, “afectarão profundamente e estruturalmente” a vida dos portugueses, a activista defendeu a necessidade do referendo, já que a gestão da covid se fez com recurso a decisões declaradas inúmeras vezes como ilegais pelo Tribunal Constitucional.

    Já perto do final da sessão, Joana Amaral Dias chegou a protagonizar um breve confronto com Fernanda Velez, devolvendo-lhe a acusação de pretensiosismo.

    A psicóloga aproveitou para lembrar os deputados do caso suspeito da negociação da compra das vacinas contra a covid-19, feita por mensagens de telemóvel, pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o CEO da Pfizer, Albert Bourla. Joana Amaral Dias recordou que o New York Times processou recentemente a União Europeia para a obrigar a dar acesso às mensagens de texto secretas.

    Rita Matias, deputada do Chega, subscreveu argumentos da petição.

    No grupo de deputados, a última a ter a palavra foi Rita Matias, do Chega, que validou as objecções das peticionárias ao Tratado, contrastando com o que foi dito pelos restantes deputados. Defendeu que “é preciso distinguir: uma coisa é cooperação internacional, outra coisa é unidade e internacionalismo”.

    A deputada considerou que é possível “questionar se ainda há isenção nas deliberações tomadas” pela OMS, devido ao financiamento de corporações privadas que investem na indústria farmacêutica e à “falta de transparência” sobre os contratos entre a Pfizer e a União Europeia, cujos únicos documentos disponíveis para consulta são de “páginas rasuradas”.

    Rita Matias criticou também o governo e o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, por terem retirado do Portal Base informações relativas aos contratos de compras de vacinas contra a covid-19, aos quais, prosseguiu, “nunca conseguimos aceder plenamente” – algo que foi, aliás denunciado, em exclusivo, pelo PÁGINA UM.

    Guilherme Almeida, deputado do PSD e relator da apreciação da petição na comissão de saúde.

    A exposição na audição de Marta Gameiro – que em Outubro passado organizou em Fátima o Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias/Saúde, com a presença de vários peritos internacionais na área da saúde, – foi rematada defendendo que a crença na cooperação global “não significa que não possa questionar a conduta das organizações quando vê que se estão a desviar do seu objectivo original”.

    A médica dentista destacou que as suas posições são consubstanciadas por diversos especialistas, que incluem antigos membros da OMS, como David Bell e Christian Perronne, a reputada geneticista Alexandra Henrion-Caude, e até mesmo ex-funcionários da Bill & Melinda Gates Foundation, como o virologista Geert Vanden Bossche.

    A petição, que deu entrada na Assembleia da República no dia 2 de Novembro, será submetida a plenário e a votação.

    Recentemente, os deputados votaram uma outra petição que apelava à vacinação em massa de crianças com as polémicas vacinas contra a covid-19, tendo Marta Gameiro também estado também no parlamento.

  • Já há 3.631 notificações de abortos e mortes fetais na Europa. Ainda não está na hora de falar com as grávidas?

    Já há 3.631 notificações de abortos e mortes fetais na Europa. Ainda não está na hora de falar com as grávidas?

    O PÁGINA UM vasculhou milhares e milhares de registos de reacções adversas das vacinas contra a covid-19 em grávidas. Apesar do obscurantismo generalizado, que dificulta análises estatísticas e nem sequer permite calcular a incidência, a pesquisa do PÁGINA UM apurou a existência de mais de 5.300 casos de reacções consideradas graves, entre as quais 3.385 abortos e 246 mortes fetais. A vacinação em grávidas, feita de forma massiva, não foi precedida de ensaios clínicos e a Agência Europeia do Medicamento escreveu em Dezembro passado que ainda está em processo de monitorização, mas nem uma palavra sobre os milhares de casos já notificados na base de dados da EudraVigilance. Cá em Portugal, o Infarmed não diz nem uma palavra a respeito do assunto, preferindo lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa pela manutenção do obscurantismo. Não estará na altura de falar com e sobre as grávidas?


    A farmacovigilância, conforme conceito definido pelo Infarmed, “visa melhorar a segurança dos medicamentos, em defesa do utente e da Saúde Pública, através da deteção, avaliação e prevenção de reações adversas a medicamento(s)”. E para isso, o regulador nacional, presidido por Rui Santos Ivo, tem um Sistema Nacional de Farmacovigilância para “monitoriza[r] a segurança dos medicamentos com autorização de introdução no mercado nacional, avaliando os eventuais problemas relacionados com reações adversas a medicamentos e implementando medidas de segurança sempre que necessário.”

    Assim, em princípio, deveríamos ficar descansados quando, lendo o mais recente Relatório de Farmacovigilância de monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal, relativo aos dados recebidos até finais de 2022, ali se garante que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. É certo que, mais adiante, surgem números sobre reacções adversas, sendo que 8.518 notificações as classificam como graves, indicando-se ainda que 886 levaram a hospitalização, mais 309 causaram risco de vida e houve mesmo 143 mortes. O Infarmed, neste último caso, indica apenas a mediana (72 anos), o que significa que não informa ao certo a idade das pessoas vitimadas.

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    Para uma doença à qual se atribui, só em Portugal, já um pouco mais de 26 mil mortes, termos como “efeito secundário” das vacinas, por “fogo amigo”, 143 mortes, poderia até ser socialmente aceitável. Ainda mais se fosse mesmo verdade aquilo que epidemiologistas como Henrique Barros asseguram: que em 2021 as vacinas “salvaram”2.300 vidas, e que em finais de 2022 já iam em 12.000 vidas. Mas estudos concretos sobre esses milagres, nunca ninguém publicamente os viu.

    Na verdade, subsistem fortes dúvidas sobre o rigor e exactidão do relatório do Infarmed. As lacunas e a forma enviesada como os dados numéricos são apresentados mostram-se mais serpenteantes do que as bulas dos medicamentos escritas pelas farmacêuticas e autorizadas pelo regulador.

    Com efeito, não há nem nos outros nem neste mais recente relatório do Infarmed – em que se anuncia ser o último, numa tentativa de se enterrar polémicas, alegando-se haver já “um conhecimento mais robusto do perfil de segurança destas vacinas”, o que é uma criminosa falsidade – uma só referência a “grávidas”, “aborto” ou “morte fetal”. Poder-se-ia dar o caso de, enfim, ser questão irrelevante. Não é, pelo contrário: tem sido exclusivamente na fase da farmacovigilância que se pode observar os efeitos adversos de medicamentos sobre as grávidas e fetos.

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    Como se refere na introdução de um recente artigo de revisão na revista científica Obstetrics, sugestivamente intitulado “Covid-19 vaccination in pregnancy: need for global pharmaco-vigilance”, por “razões éticas, os ensaios clínicos não puderam ser conduzidos para estudar os efeitos da vacina contra a covid-19 durante a gravidez”. Deste modo, apesar de os autores do artigo até se manifestarem favoráveis à vacinação em grávidas, não apresentam qualquer análise custo-benefício e admitem que a vacinação massiva se iniciou com informações de segurança provenientes apenas de algumas mulheres que participaram nos ensaios sem conhecer o seu estado.

    Por tudo isto, só pode, no mínimo, causar estranheza que o Infarmed não esclareça expressamente – será essa, esperar-se-ia, a sua função – se foram ou não relatados casos de abortos e mortes fetais associados às vacinas contra a covid-19 em Portugal. Mas não há uma linha sequer. Um zero. Qualquer coisa.

    E haverá. Só pode haver. Estatisticamente, havendo cerca de 5 milhões de gravidezes por ano no Espaço Económico Europeu – já incluindo as não concluídas –, só um estranho milagre evitaria que não tivessem sido reportadas reacções adversas graves associadas às vacinas contra a covid-19 em grávidas em solo português, porque Portugal tem um peso de 2% em todos os nascimentos (e gravidezes) desta região europeia. Portanto, será sensato admitir que 2% das gravidezes venham a corresponder a 2% das reacções adversas graves, ou valores não muito longe isto; a menos, claro, que haja milagres.

    Número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

    E é uma evidência que essas reacções graves existem,porque têm sido reportadas. Com efeito, de acordo com uma análise exaustiva feita pelo PÁGINA UM a todas as notificações recebidas desde 2021 até à primeira semana de Fevereiro deste ano pela Eudravigilance – o sistema que recebe as notificações, e as valida, sobre os efeitos adversos dos diversos fármacos –, contabiliza-se um total de 5.336 casos considerados graves de reacções adversas associadas às diversas vacinas da covid-19 durante as fases de gravidez, puerpério e condições perinatais. Estes números englobam os países da União Europeia e também Noruega, Islândia e Liechtenstein.

    Saliente-se que, por regra, a inserção destas notificações de casos classificados como graves (serious, na terminologia usada pela EMA) é feita por profissionais de saúde e, em grande parte dos casos, pelas próprias farmacêuticas. Ou seja, existem evidências clínicas para uma fortíssima suspeita de reacção adversa causada pelas vacinas contra a covid-19, e não uma mera relação casual, não uma mera coincidência.

    A nível europeu, de acordo com os dados da EMA, o ano de 2021 foi aquele que registou o maior número de casos graves, com o total de 3.020, quase todos a partir de Março, uma vez que os idosos foram prioritários na primeira fase dos programas vacinais da generalidade dos países europeus. Na Eudravigilance apenas se encontram, assim, 27 registos de reacções adversas graves em Janeiro e Fevereiro de 2021. Mas mesmo havendo já reacções adversas graves, decidiu-se partir para uma vacinação massiva de grávidas nunca visto.

    Destaque-se que, em Junho de 2022, um artigo científico de revisão e meta-análise publicado na revista American Journal of Emergency Medicine concluiu que, apesar de existir um aumento do risco de internamento em unidades de cuidados intensivos e de ventilação em caso de infecção por covid-19, a taxa de mortalidade nas grávidas não era estatisticamente maior em comparação com as não-grávidas.

    Em 2022, o número de reacções adversas graves em grávidas desceu para 2.244, ignorando-se se se deveu a um menor número de vacinas administradas neste grupo específico. Este ano contabilizaram-se apenas 72 casos, o que pode indiciar que o número até Dezembro venha a ser muito menor do que em anos anteriores, mas não se sabe ainda se se deve ao muito menor número de grávidas a quererem vacinar-se ou ao melhor perfil de segurança das vacinas bivalentes.

    Como em tudo o que se tem visto neste processo de vacinação, muita informação ainda está em fase de recolha, parecendo que se assiste a um mega-ensaio clínico em tempo real para se saber se corre tudo bem ou não.

    Número de abortos e mortes fetais por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

    Esta evolução absoluta dos casos graves tem pouco significado sequer para traçar o perfil de segurança nas grávidas das vacinas contra a covid-19, no geral, e das diversas marcas, em particular. Não se encontra qualquer informação na EMA nem em outro qualquer organismo europeu sobre o número de doses administradas às grávidas por ano, e muito menos quais os números por marca. A falta de informação é intencional: deste modo, torna-se impossível calcular a incidência de efeitos graves.

    O relatório de segurança do regulador europeu de 8 de Dezembro passado dedica às grávidas uma breve referência final em uma única frase, por sinal a última de um texto de nove páginas: “Além disso, a EMA está a coordenar estudos observacionais nos Estados-Membros, analisando dados do mundo real de prática clínica para monitorizar a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19, inclusive em mulheres grávidas” [“In addition, EMA is coordinating observational studies in EU Member States looking at real-world data from clinical practice to monitor the safety and effectiveness of COVID-19 vaccines, including in pregnant women”].

    Esta lapidar frase, cheia de coisa nenhuma, a não ser incerteza, escrita dois anos após o início da vacinação, diz muito, ou demasiado, da forma cega como se administrou as doses em grávidas – ainda mais sem nunca se ter evidenciado serem estas um grupo particularmente de risco, até porque a generalidade é jovem e saudável.

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    Por esse motivo, mostra-se enganador sequer comparar directamente o número de reacções adversas entre as diversas farmacêuticas. Por exemplo, apesar de as vacinas da Pfizer, sobretudo a primeira (Tozinameran), serem suspeitas de causar 3.297 reacções adversas graves (62% do total), o seu perfil de segurança até poderá ser melhor do que as de outras vacinas, uma vez que 73,3% de todas as quase 934 milhões de doses administradas no Espaço Económico Europeu eram desta farmacêutica norte-americana. Além disso, seria necessário saber especificamente a quantidade de grávidas que tomaram cada uma das vacinas, e em que anos, bem como as suas idades e condições de saúde, confrontando com a incidência de reacções adversas.

    Mesmo com esta falta absurda de informação – sendo que as grávidas propriamente ditas ainda estarão mais na ignorância –, causa estupefacção observar que a vacina da AstraZeneca causou 756 reacções adversas graves neste grupo de mulheres. Isto sabendo que foram administradas apenas 68,8 milhões de doses na globalidade das idades (sendo que nunca a menores), valor que contrasta com as 685 milhões de doses da Pfizer (quase 10 vezes mais) e as 161 milhões de doses da Moderna (134% a mais, no global, mas “apenas” mais 50% de reacções adversas graves em grávidas).

    Em suma, não terá sido indiferente para as grávidas, do ponto de vista do risco, a marca de vacina administrada. As grávidas (e as outras pessoas) sabiam? Não. Foi-lhes dada escolha? Não.

    A panóplia de reacções graves detectadas pelo PÁGINA UM na base de dados da EudraVigilance são vastas e nem sempre fáceis de catalogar. Porém, no caso das grávidas, além do risco da sua própria morte, o mais grave dos efeitos adversos graves notificados na EMA parece óbvio: a morte da “criança” em formação, ou tecnicamente, do feto.

    E aí, apesar do regulador português presidido por Rui Santos Ivo – que, desde Dezembro de 2021, luta tenazmente, agora no Tribunal Administrativo, para não ceder ao PÁGINA UM os dados administrativos do Portal RAM com informação anonimizada – nem sequer se dignar a fazer referência às reacções adversas em grávidas e nos fetos (talvez por os considerar sem personalidade jurídica), e a EMA adiar o assunto para as calendas, os registos da Eudravigilance mostram os frios números de vidas perdidas.

    De acordo com a análise individual do PÁGINA UM às 5.336 reacções graves em grávidas desde 2021 – a base de dados da Eudravigilance apenas permite descarregar em formato de folha de cálculo uma síntese das notificações –, aparecem 3.385 abortos (a esmagadora maioria com a indicação de serem espontâneos) e mais 246 mortes fetais desde Janeiro de 2021. Ignora-se a distribuição por países.

    Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

    Mais de duas em cada três reacções adversas graves (68%) em grávidas resultaram, assim, na perda da criança – chamemos assim por dignidade. Também aqui o ano de 2021 foi o pior, havendo registos de 2.039 abortos e 144 mortes fetais.

    O peso no total das reacções consideradas graves foi, contudo, superior (72%) à média. Em 2022, essa percentagem desceu para 62%, ou seja, notificaram-se 1.305 abortos e 96 mortes fetais para um total de 2.244 casos graves. O presente ano tem ainda poucos casos para se tirar uma tendência, mas a proporção é, por agora, próxima da dos anos anteriores.

    Mais uma vez, como referido para os casos graves totais, não se mostra possível aferir qualquer sinal sobre o perfil de segurança de cada uma das vacinas, mas tudo aparenta que existam diferenças significativas. Por outro lado, aparentemente, a diminuição de mortes de crianças antes do nascimento entre 2021 e 2022 deverá estar mais associado a uma menor procura de reforços neste segundo ano do que a uma melhoria da segurança. Porém, reitera-se: sem disponibilização de dados fiáveis, a especulação manter-se-á sempre.

    Se a especulação não é aconselhável, a falta de dados – por intencional obscurantismo de entidades públicas e do Ministério da Saúde – também não deve causar uma completa ausência de debate. E uma coisa parece assim evidente: com os valores de abortos e mortes fetais nos países do Espaço Económico Europeu, será estatisticamente impossível que as mulheres portuguesas grávidas não tenham sido afectadas pelas vacinas contra a covid-19.

    Com efeito, se estimarmos a ocorrência de 100 mil gravidezes por ano em Portugal (um valor que já considerará os abortos espontâneos em condições naturais), significa que o nosso país tem um peso da rondar os 2% no total de gravidezes no Espaço Económico Europeu. Ora, se se aplicar esse peso à totalidade dos efeitos adversos, então em Portugal terão já ocorrido 108 casos graves de reacções adversas em grávidas, das quais 61 em 2021, mais 46 no ano passado e apenas uma este ano.

    Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

    Considerando as fatalidades, será de supôr então que tenham ocorrido – a menos que o Santo Ivo, esse, o padroeiro dos advogados venha argumentar com um milagre – 68 abortos e quatro mortes fetais em Portugal desde 2021. As estimativas podem ser feitas por farmacêutica.

    Este número pode, em termos absolutos, e do ponto de vista estritamente de Saúde Pública, ser considerado um número aceitável? Depende. Primeiro, qualquer que seja este valor, são vidas individuais que se perderam, dramas que se vivenciaram.

    Segundo, tem de se colocar uma questão essencial: valeram a pena essas vidas perdidas ou foram em vão? Quantas grávidas se salvaram por haver este programa de vacinação massivo para um grupo onde não existiam (e continuam a escassear) estudos de segurança sobre as vacinas contra a covid-19? Quantas mortes de grávidas houve em Portugal pela covid-19 antes das vacinas? Que se diga, mas sem mentiras.

    E, sobretudo, disponibilize-se essa informação às grávidas. O consentimento informado só pode exercer-se com informação. Não com omissões intencionais, não com obscurantismo deliberado, não com falsidades descaradas.


    O PÁGINA UM divulga os registos individuais (obviamente anonimizados) das notificações desde 2021 dos efeitos adversos graves da base de dados da Eudravigilance, gerida pela EMA, relacionadas com grávidas. Decidiu-se agrupar os dados por farmacêutica, sendo que em cada ficheiro se encontram todos os registos por ano e por vacina (havendo três da Pfizer e outros três da Moderna). Não se incluíram os ficheiros da Valneva e da Sanofi / GlaxoSmithKline, uma vez que, por serem ainda pouco usadas, não contabilizam ainda reacções adversas graves. Na coluna N de cada folha de cálculo constam as ligações directas para a base de dados do Eudravigilance onde se poderá consultar o respectivo registo de notificação.

    Pfizer

    Moderna

    AstraZeneca

    Janssen

    Novavax

  • Óbitos por distúrbios mentais e comportamentais em Portugal duplicaram em apenas cinco anos

    Óbitos por distúrbios mentais e comportamentais em Portugal duplicaram em apenas cinco anos

    Os números são impressionantes: as demências e outras desordens mentais e comportamentais em Portugal já representaram em 2020 mais de 5% das mortes. O aumento da esperança de vida dos idosos é uma causa óbvia – para doenças que são particularmente fatais nos maiores de 85 anos –, mas o crescimento desde 2015 não parece apenas ser justificado por esse factor. Hábitos de vida, cada vez menor interacção social dos mais idosos e até o excessivo consumo de calmantes são também causas que explicam esse aumento. As mortes são, porém, a face visível de um problema ainda mais vasto: como manter a vida de um cada vez maior número de pessoas que necessita, de cuidados contínuos por estarem completamente dependentes?


    A mortalidade devida a desordens mentais e comportamentais duplicou em Portugal em apenas cinco anos. De acordo com os dados do Eurostat, este grupo de doenças – que inclui dependência de drogas e álcool, mas não doenças como a de Parkinson e de Alzheimer, que são classificadas como doenças do sistema nervoso –, foi a causa de morte de 3.267 pessoas no ano de 2015, enquanto em 2020 atingiu os 6.422 óbitos.

    Neste grupo, a demência – onde se insere a demência vascular por destruição de tecido cerebral – constitui o grosso das mortes e do incremento neste período, tendo passado de 3.076 óbitos em 2015 para 6.070 em 2020. Cerca de dois terços das pessoas falecidas tinham mais de 85 anos, e 99,4% mais de 65 anos.

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    Este incremento da letalidade nos últimos anos fez com que só as demências tenham ultrapassado o conjunto de todas as doenças do sistema nervoso, que incluem as doenças de Parkinson e de Alzheimer, bem como outras neuropatias, afecções e inflamações do sistema nervoso central.

    Em 2015, este grande grupo de doenças tinha sido a causa de 3.751 óbitos (mais 675 do que as demências), tendo subido para 4.556 em 2020 (menos 1.514 do que as demências). Em 2020, a doença de Parkinson foi responsável por 1.276 óbitos, enquanto a doença de Alzheimer por 1.777, sendo que esta segunda mostra um perfil de estabilidade.

    Nas desordens mentais e comportamentais encontram-se também as mortes directamente associadas ao consumo agudo de álcool e drogas, mas com peso comparativamente muito baixo.  

    Os dados do Eurostat – que apenas desde a semana passada integram dados de Portugal para 2020 – apontam para 114 óbitos causados por alcoolismo registados nesse ano, que é o valor mais elevado desde 2012. Em todo o caso, saliente-se que, neste aspecto, os valores de Portugal são relativamente baixos em relação a outros países europeus. Por exemplo, a Suécia – com a mesma população – registou 304 óbitos por alcoolismo em 2020, ligeiramente abaixo do registado no ano anterior. Na Alemanha, com cerca de oito vezes mais população do que Portugal, a mortalidade por distúrbios mentais associados ao alcoolismo foi de 44 vezes superior (5.046 óbitos).

    Evolução dos óbitos causados por demência (F01-F03, na classificação da OMS) e de outros distúrbios mentais e comportamentais. Fonte: Eurostat.

    Convém, no entanto, referir que estas diferenças podem dever-se a metodologias distintas de atribuição da causa principal do óbito.

    Do ponto de vista epidemiológico, o peso relativo das desordens mentais e comportamentais têm estado a aumentar. Em 2015 representaram 3,0% da mortalidade total, enquanto em 2020 ascendeu aos 5,2%. Não existem ainda evidências de o aumento ter tido qualquer relação com a pandemia iniciada em 2020. De facto, apesar de este grupo de doenças ter registado um incremento em 2020 face a 2019 (mais 746 óbitos), existia já uma tendência de crescimento nos anos anteriores. Por exemplo, o aumento entre 2018 e 2019 fora de 803 óbitos.

    A tendência de crescimento da mortalidade por este tipo de distúrbios é quase generalizada nos outros países europeus abrangidos pelo Eurostat, embora mais nuns do que em outros. Se se comparar os números de 2015 com 2020, na União Europeia apenas a Croácia (-6,0%) e a França (-0,1%) registaram ligeiros decréscimos, enquanto a Dinamarca (+0,8%), Espanha (+1,7%) e Holanda (+2,6%) registaram subidas.

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    Dos países da União Europeia com mais de três milhões de habitantes – excluindo-se assim Luxemburgo, Chipre, Malta e os três países bálticos –, Portugal é o terceiro que contabiliza um maior crescimento entre aqueles dois anos (+96,6%), apenas atrás da Grécia (+129,3%) e da Polónia (97,7%). O Eurostat ainda não recebeu os dados de 2020 da Itália e da Bélgica, mas confrontando os dados de 2019 é previsível que os incremento entre 2015 e 2020 seja mais modesto do que o de Portugal.

    Este aumento extraordinário das mortes por distúrbios mentais e comportamentais em Portugal poderá ser explicado por uma maior acuidade na atribuição das causas de mortes e pelo processo de envelhecimento, mas existirão também eventuais efeitos adversos medicamentosos e também de estilos de vida.

    Pio Abreu, psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra – e autor do best-seller Como tornar-se doente mental – destaca não apenas os hábitos de vida, com “os idosos cada vez mais isolados nas comunidades”, mas também o uso excessivo de certos medicamentos. “Começa a ser evidenciada uma associação entre o uso de calmantes e certas formas de demência”, salienta este especialista.

    Pio Abreu considera, contudo, que estes números revelam um outro problema bastante grave que passa pela incapacidade do Estado e das instituições particulares de solidariedade social (IPSS) de darem resposta ao crescente número de pessoas com problemas de demência, incluindo aqui a doença de Alzheimer. “São situações de dependência total que obrigam a um acompanhamento contínuo, superior à de um bebé”, salienta, acrescentando que “o estatuto do cuidador informal tem de ser mais implementado”. “As pessoas que prestam cuidados a familiares com este tipo de doenças têm de ter um maior e melhor apoio”, diz.

    De acordo com a Organização Mundial da Saúde, os vários tipos de demência – demência vascular, demência com corpos de Lewy, demência frontotemporal, demência decorrente de acidentes vasculares cerebrais e ainda por doença de Alzheimer – afectam cerca de 55 milhões de pessoas em todo o Mundo, sendo que mais de 60% vivem em países de baixa e média renda. Com o aumento da esperança média de vida, estima-se que esse número suba para os 78 milhões em 2030 e para 139 milhões em 2050.

  • Governo apaga contratos do Portal Base para enganar Tribunal Administrativo

    Governo apaga contratos do Portal Base para enganar Tribunal Administrativo

    Depois da intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a todos os contratos de compra de vacinas contra a covid-19, o Governo fez desaparecer o conteúdo dos únicos quatro contratos inseridos no Portal Base, que somente reportavam a compras de cerca de 10 milhões de doses. Portugal terá comprado pelo menos 45 milhões de doses, mas ignora-se as condições futuras. Com o expurgo dos quatro primeiros contratos, a estratégia do Ministério da Saúde seria convencer o Tribunal Administrativo de que, por haver um acordo central assinado entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, Portugal não assinou qualquer contrato. A artimanha, porém, não resultou. O PÁGINA UM tem os quatro contratos “apagados” do Portal Base. E quer mesmo ver os outros.


    O Governo apagou literalmente do Portal Base os quatro únicos contratos de compra de vacinas contra a covid-19 numa clara tentativa de evitar que o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigue o Ministério da Saúde a ceder ao PÁGINA UM a globalidade dos acordos comerciais com as farmacêuticas, que já deverão aproximar-se dos 700 milhões de euros. No último dia do ano passado, o PÁGINA UM colocou um processo de intimação, depois de esgotadas todas as tentativas para o ministério de Manuel Pizarro permitir a consulta dos contratos com a Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen.

    Os custos exactos destas vacinas adquiridas por Portugal são desconhecidos, porque nunca foram comprovadas as quantidades efectivamente compradas nem o respectivo preço unitário, alegadamente por cláusulas de confidencialidade de legalidade duvidosa e de transparência democrática nula. Também se ignora as quantidades adquiridas a cada farmacêutica, sendo certo que as vacinas da Janssen e a AstraZeneca quase deixaram de ser administradas e a Pfizer tem vindo a suplantar a Moderna.

    Manuel Pizarro. O seu ministério luta com todas as armas e artimanhas possíveis e imagináveis para evitar mostrar compras e compromissos com as farmacêuticas ao PÁGINA UM. Quando não se pode já esconder, então apagam-se contratos.

    A Direcção-Geral da Saúde apenas colocara, até agora, os primeiros quatro contratos, assinados entre Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021, no valor de 135 milhões de euros, que serviram para comprar as primeiras 10 milhões de doses para a fase inicial do programa de vacinação. Estes lotes terão dado para vacinar 5 milhões de pessoas. Na plataforma da contratação pública estavam, até há poucas semanas, tanto os dois contratos assinados entre a Direcção-Geral da Saúde e a Pfizer como os que foram assinados com a Moderna.

    Embora faltassem na plataforma de contratação pública todos os contratos subsequentes a partir de Janeiro de 2021 – que terão envolvido pelo menos a aquisição de cerca de 35 milhões de doses –, no Portal estiveram integralmente inseridos os quatro contratos, sem rasuras nem cortes, durante quase dois anos.

    Agora, os ficheiros dos quatro contratos foram substituídos por outros ficheiros completamente vazios de conteúdo. Toda a informação foi apagada, conforme se pode confirmar aqui (primeiro contrato da Pfizer), aqui (segundo contrato da Pfizer), aqui (primeiro contrato da Moderna) e aqui (segundo contrato da Moderna). Nos dois ficheiros anexos aos dados dos contratos com a Pfizer, agora inseridos no Portal Base,

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    O acto de expurgo foi absoluto, intencional e recente. Com efeito, decorre neste momento um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa com vista ao acesso integral aos contratos das vacinas contra a covid-19, às comunicações com as farmacêuticas e a documentos complementares (como guias de transporte) , intentado pelo PÁGINA UM, tendo já o ministério de Manuel Pizarro alegado que como a Comissão Europeu “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”. Ou seja, que não existiam contratos entre a DGS e as farmacêuticas.

    Mas isso é falso – aliás, o recurso à mentira tem sido uma prática sistemática do Ministério da Saúde em processos de intimação. Há contratos, até porque, apesar dos acordos (APAs) terem sido concretizados ao nível da Comissão Europeia, existe sempre a necessidade de as compras específicas para Portugal serem suportadas por contratos mais simplificados, como se mostrava evidente nos quatro primeiros contratos colocados no Portal Base.

    Antes do “apagão” dos documentos no Portal Base, o PÁGINA UM pôde garantir que, no caso dos dois contratos aí existentes com a Pfizer, conseguia-se conhecer o número de doses adquiridas e os prazos de entrega, o valor da aquisição, o nome do responsável em Portugal pela recepção das vacinas e quem os assinara, entre outros pormenores.

    Primeiras páginas dos ficheiros com os contratos com a Pfizer e a Moderna agora inseridos no Portal Base, depois do expurgo ordenado pelo Governo, segundo consulta realizada hoje.

    No primeiro contrato – para a aquisição de 4.4400.804 doses, no valor total de 54.489.660 euros –, contendo seis páginas, pela Direcção-Geral da Saúde assinou a então subdirectora-geral Vanessa Pereira de Gouveia. No segundo contrato – para a compra de 2.220.596 doses por 34.419.238 euros –, também com seis páginas, foi Graça Freitas a signatária. Pela farmacêutica norte-americana assinou Nanette Coccero, presidente da Vaccine Global.

    Quanto aos dois contratos entre a DGS e a Moderna, que constavam no Portal Base, o PÁGINA UM também pode garantir que tinham menos detalhes e apenas cinco páginas cada. Ambos foram assinados por Graça Freitas e por Jerome Maddox, então vice-presidente da Moderna – que estava sedeado em Cambridge, no estado norte-americano de Massachusetts – em 29 de Dezembro de 2020, a um preço de 27.247.155 euros e de 18.780.000 euros. Saliente-se que é uma completa anormalidade a existência de contratos públicos desta natureza e dimensão financeira sem qualquer informação nem detalhe.

    E o PÁGINA UM pode garantir tudo isto, porque, antes de o Governo ter ordenado a substituição dos contratos do Portal Base – para apagar provas perante o Tribunal Administrativo de Lisboa –, descarregou os originais do Portal Base.

    Primeiras páginas dos ficheiros com os contratos com a Pfizer e a Moderna, e inicialmente colocados no Portal Base, antes do expurgo ordenado pelo Governo.

    Assim, quem quiser pode confrontar-se, para o primeiro contrato da Pfizer, o ficheiro que agora lá está com o que lá estava antes (sacado pelo PÁGINA UM).

    Para o segundo contrato da Pfizer, pode confrontar-se o ficheiro que agora lá está (que é igual ao do primeiro contrato) com o que lá estava antes (sacado pelo PÁGINA UM).

    Para o primeiro contrato da Moderna, pode confrontar-se o ficheiro que agora lá está com o que lá estava antes (sacado pelo PÁGINA UM).

    E, por fim, para o segundo contrato da Moderna, pode confrontar-se o ficheiro que agora lá está com o que que lá estava antes (sacado pelo PÁGINA UM).

    Recorde-se ainda que outro argumento do Ministério da Saúde junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, para evitar o acesso do PÁGINA UM aos contratos, é a alegada realização de uma auditoria à gestão das vacinas, algo que não foi ainda comprovado nem justificado, nem conflitua com uma consulta.

    E, depois de tudo isto, retirar as devidas conclusões, esperando que o último bastião da Democracia, os tribunais, não se deixem ludibriar com estas artimanhas governamentais.


    N.D. Não vá o Ministério da Saúde repor os ficheiros originais no Portal Base, fazendo crer que o PÁGINA UM não é rigoroso, decidiu-se então gravar integralmente uma consulta aos conteúdos do contratos nesta madrugada. A confiança na transparência do Governo, em geral, do Ministério da Saúde, em particular, é neste momento nula. Para memória futura, os ficheiros expurgados agora pelo Governo podem ser visualizados aqui (primeiro contrato da Pfizer), aqui (segundo contrato da Pfizer, que aparenta ser igual ao do primeiro, pelos sombreados), aqui (primeiro contrato da Moderna) e aqui (segundo contrato da Moderna). Também para memória futura, conheça-se um dos contratos originais entre a Pfizer (BioNTech) e a Comissão Europeia (SANTE/2020/C3/043/043) antes de ser expurgado e depois de ser expurgado das partes “sensíveis”.