Categoria: Saúde

  • Juíza aplicou “ultimato”, que termina hoje, para Manuel Pizarro esclarecer contratos sonegados

    Juíza aplicou “ultimato”, que termina hoje, para Manuel Pizarro esclarecer contratos sonegados

    Depois de apagar contratos públicos relativos às compras de vacinas contra a covid-19 no Portal Base, o Ministério da Saúde quis ignorar o Tribunal Administrativo como tem feito com o PÁGINA UM. Mas a juíza do processo não foi pelos ajustes e deu um “ultimato”. Se, pela segunda vez, não responder ao Tribunal Administrativo de Lisboa com aquilo que lhe é solicitado, Manuel Pizarro pode ser condenado como litigante de má-fé. Entretanto, a adesão à vacinação está a aproximar-se do zero: na última semana com dados, apenas se vacinaram por dia menos de 600 pessoas; em Dezembro eram quase 18 mil. Mas Portugal pode estar obrigado a comprar mais doses mesmo que não as administre, daí o interesse em se conhecerem os contratos e as comunicações com as farmacêuticas.


    No mês passado, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, quis elevar ao absurdo os padrões de obscurantismo deste Governo no acesso à informação de documentos administrativos públicos, recusando responder ao despacho da juíza que analisa o processo de intimação do PÁGINA UM com vista ao acesso aos contratos de compra de vacinas contra a covid-19 assinados entre a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e as farmacêuticas.

    Mas um novo despacho da juíza Telma Nogueira, no passado dia 24 de Março, deixou-o sem margem de manobra, e mandou repetir a notificação para a “Entidade demandada [Ministério da Saúde] (…), em cinco dias, se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”

    person hiding on white curtain

    Nesse requerimento, o PÁGINA UM apresentou provas cabais da existência de quatro contratos integrais – ou seja, as cópias, que estiveram durante mais de um ano no Portal Base –, bem como das páginas expurgadas de quaiquer dados que actualmente constam na plataforma da contratação pública.

    A sonegação daqueles quatro contratos foram feitos no Portal Base após a apresentação da intimação pelo PÁGINA UM em 31 de Dezembro do ano passado, e teve o claro objectivo por parte do Ministério da Saúde de convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa que nunca houve contratos assinados por nenhuma entidade da Administração Pública portuguesa e as farmacêuticas.

    Além destes quatro, haverá um número indeterminado de outros contratos, uma vez que terão já sido adquiridas cerca de 45 milhões doses de vacinas e os quatro primeiros contratos englobam pouco mais de 10 milhões de doses. Porém, o número de 45 milhões de doses não tem nenhum documento de suporte; são meras indicações transmitidas pelo gabinete de imprensa do Ministério da Saúde aos órgãos de comunicação social. Também se ignora os montantes já pagos pelo Governo português às farmacêuticas.

    A notificação ao Ministério da Saúde do despacho da juíza foi concretizada no dia 27 de Março passado, pelo que o prazo de cinco dias termina hoje.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, nem ordens do Tribunal Administrativo de Lisboa quis respeitar.

    Caso Manuel Pizarro dê instruções para não dar mais qualquer informação ao Tribunal, o Ministério da Saúde pode vir a ser condenado, desde já, como litigante de má-fé, conforme requerimento já apresentado no mês passado pelo PÁGINA UM.

    Recorde-se que o PÁGINA UM apresentou (mais) este processo de intimação face à recusa do Ministério da Saúde em disponibilizar os contratos assinados entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19. Numa primeira fase, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

    Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como num requerimento de defesa do Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

    Despacho da juíza Telma Nogueira a dar ultimato ao Ministério da Saúde. São cinco dias para responder.

    Mas isso não é verdade, como comprovou o PÁGINA UM. Durante cerca de dois anos, constaram quatro contratos no Portal Base assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se no servidor do PÁGINA UM.

    Porém, estes quatro contratos abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo, razão pela qual o PÁGINA UM requereu o acesso aos outros contratos, bem como às guias de transporte e às comunicações entre farmacêuticas e Ministério da Saúde. O objectivo também é de saber se existem indicações sobre compras obrigatórias futuras e cláusulas sobre responsabilidades futuras em caso de reacções adversas graves.

    Recorde-se que Portugal terá já gastado mais de 675 milhões de euros com vacinas contra a covid-19, mas está em risco de deitar para o lixo mais de oito milhões de doses, no valor estimado de 120 milhões de euros, face ao desinteresse manifestado nos últimos meses pelos portugueses na toma dos denominados boosters.

    Além disso, os acordos assumidos pela Comissão von der Leyen – e que tanto polémica já suscitam – poderão obrigar o Estado a assumir compras obrigatórias de mais 500 milhões de euros de vacinas mesmo que não as administre.

    Face às manifestas mentiras do Ministério da Saúde, o PÁGINA UM remeteu ao Tribunal Administrativo de Lisboa um conjunto de provas documentais sobre a existência dos quatro contratos do início de 2021, bem como do “apagão” desses documentos no Portal Base ordenado pelo Ministério da Saúde.

    Em consequência, a juíza do processo, Telma Nogueira, exarou um despacho no passado dia 20 de Fevereiro com o seguinte conteúdo: “Notifique a Entidade demandada [Ministério da Saúde] para, em cinco dias se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”

    Mas o Ministério da Saúde decidiu simplesmente ignorar a ordem do Tribunal, nem sequer respondendo à juíza Telma Nogueira, consubstanciando assim a prática de litigância de má-fé. De facto, de acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.

    Se recusar uma segunda vez, aparentemente não restará à juíza do processo outra opção que não seja considerar que ostensivamente o Ministério da Saúde se recusa a colaborar com um Tribunal.

    person holding white plastic bottle
    Ministério da Saúde apagou quatro contratos do Portal Base e nunca publicou um número indeterminado de outros contratos de compra de vacinas contra a covid-19. A intimação do PÁGINA UM pretende fazer luz sobre estes estranhos negócios.

    Além do interesse em perceber quais as verbas que foram já gastas pelo Governo português com as vacinas contra a covid-19, o PÁGINA UM pretende verifcar se constam condições específicas para aquisições futuras, daí que tenha requerido também as comunicações entre entidades públicas e as farmacêuticas.

    Sabe-se que os compromissos estabelecidos pela Comissão von der Leyen com as farmacêuticas incluem compras adicionais que, aparentemente, não serão usadas. Com efeito, a procura por vacinas contra a covid-19 têm estado em queda livre à medida que a confiança neste fármaco, tanto em termos de eficácia como de segurança, tem decaído.

    Por exemplo, em Portugal, de acordo com o último relatório sazonal, relativo à semana 12 deste ano (20 a 26 de Março), apenas foram vacinadas contra a covid-19 uma média diária de 561 pessoas. Em Dezembro do ano passado, na semana 50 de 2022, foram vacinadas 17.960 pessoas por dia. A procura pelo booster sazonal (Inverno) na população com menos de 50 anos terá sido de cerca de 1%, enquanto no grupo etário dos 50 aos 59 anos foi de apenas 45%.

    A baixa adesão pode ter, como consequência imediata, a perda de validade de lotes de vacinas. O PÁGINA UM estima que, incluindo as já entretanto destruídas, Portugal venha a desperdiçar oito milhões de doses de vacinas contra a covid-19 no valor de 120 milhões de euros, já pagos às farmacêuticas.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 17 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Caso Filipe Froes: Inspecção-Geral das Actividades em Saúde com nova intimação no Tribunal Administrativo

    Caso Filipe Froes: Inspecção-Geral das Actividades em Saúde com nova intimação no Tribunal Administrativo

    O pneumologista Filipe Froes, figura mediática durante a pandemia e consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), é também um dos médicos com mais conflitos de interesse, devido às suas ligações (em muitos casos promíscuas) com mais de duas dezenas de empresas do sector farmacêutico. Um processo de averiguações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) foi-lhe levantado em Setembro de 2021, e até resultou num processo disciplinar em Fevereiro do ano passado. Mas tudo está a “marinar” há meses, e a IGAS nem sequer quer mostrar agora os documentos preparatórios, alegando segredo. O “jogo do gato e do rato” terminará com uma decisão do Tribunal Administrativo, por via de mais uma intimação – a única forma que o PÁGINA UM tem tido para aceder a documentos oficiais.


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está com um novo processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, intentado pelo PÁGINA UM, por recusar disponibilizar o processo de averiguações levantado ao pneumologista Filipe Froes em Setembro de 2021 por alegadas ligações ilegais à indústria farmacêutica. A intimação visa também obrigar o inspector-geral da IGAS a facultar o seu despacho que determinou esse processo disciplinar, que já dura há mais de 13 meses.

    Esse processo de averiguações foi concluído em 19 de Fevereiro do ano passado, tendo resultado na abertura de um processo disciplinar àquele médico, que se destacou como figura mediática durante a pandemia, ao mesmo tempo que era consultor da Direcção-Geral da Saúde – definindo as terapêuticas para os tratamentos – e também consultor e palestrante de mais de duas dezenas de farmacêuticas.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde, já perdeu um processo de intimação intentado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    A acção do PÁGINA UM culmina quase um ano de um autêntico jogo do gato e do rato, onde a IGAS se tem furtado a disponibilizar elementos que possam trazer mais luz sobre os meandros das ligações promíscuas entre certos médicos e a indústria farmacêutica.

    Em finais de Outubro do ano passado, o PÁGINA UM chegou a obter uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a várias dezenas de processos intentados nos últimos anos pelo IGAS, mas, ao contrário do expectável, não estava ainda incluído qualquer documento referente a Filipe Froes.

    Mais tarde, em finais de Novembro, a IGAS acabou por revelar ao PÁGINA UM que o processo de averiguações sobre Filipe Froes, que fora conhecido desde Setembro de 2021, tinha resultado num processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022, por determinação do inspector-geral Carlos Carapeto, mas então ainda não concluído, estando assim em segredo. Quatro meses depois, continua sem estar concluído, significando que está a “marinar” há mais de 13 meses.

    Filipe Froes foi o autor de um livro patrocinado por uma farmacêutica (BIAL), mas não se encontra registo de qualquer apoio no Tribunal Administrativo.

    Ora, mas de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar”, acrescentando-se ainda que “o acesso ao conteúdo de auditorias, inspeções, inquéritos, sindicâncias ou averiguações pode ser diferido até ao decurso do prazo para instauração de procedimento disciplinar”.

    Nessa medida, mesmo que a IGAS queira, e eventualmente até por pressão política, adiar sine die a conclusão do processo disciplinar a Filipe Froes para manter o secretismo das eventuais ilegalidades por si cometidas, a legislação parece determinar, de forma inequívoca, que todos os procedimentos prévios ao processo disciplinar (processo de averiguações e despacho do inspector-geral) passaram a ter acesso não protegido desde 19 de Fevereiro passado.

    A IGAS, contudo, tem opinião distinta, salientando que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, incluindo, naturalmente o inquérito que o precede”, invocando mesmo uma norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

    Porém, nessa norma nada se refere sobre o inquérito precedente, neste caso o processo de averiguações, uma vez que simplesmente se diz que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao trabalhador, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste.” Por agora, o PÁGINA UM pretende pelo menos ter acesso ao processo de averiguações e ao despacho para a abertura do processo disciplinar.

    two Euro banknotes

    A IGAS chega também a alegar que a norma da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos que concede o direito de “acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos” pelo menos ao fim de um ano se aplica apenas a “informação ambiental” – um equívoco, certamente, porquanto essa norma refere-se às restrições ao direito de acesso aplicável a qualquer tipo de documento administrativo.

    Saliente-se que, ao longo dos meses, a IGAS nunca quis adiantar quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, tendo laconicamente informado que vem no seguimento da “informação de avaliação n.º 149/2022”, que mereceu um despacho em 19 de Fevereiro passado do inspector-geral Carlos Carapeto, que deu instruções para ser iniciado um processo disciplinar, ignorando-se também o “castigo” eventualmente a aplicar.

    Em todo o caso, a decisão de instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes após um processo formal de averiguações – revelado em Novembro do ano passado pelos semanários O Novo e Expresso – mostra já a existência de fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades.

    De facto, o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o que não surpreenderá, tendo em conta o que se foi tornando público.

    brown Scottish fold in brown thick-pile blanket

    O PÁGINA UM tem acompanhado as relações promíscuas de vários médicos e, particularmente de Filipe Froes, neste caso pelos montantes envolvidos e pelas acções em que participa que se confundem com marketing. Além disso, o PÁGINA UM já detectou, através de declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.

    Mas também existem suspeitas de que Filipe Froes é apoiado por farmacêuticas sem que estas registem os montantes no Portal da Transparência do Infarmed. Exemplo disso passou-se com a antologia de crónicas que publicou no Diário de Notícias com o patrocínio (ainda não declarado) da farmacêutica Bial, que nunca respondeu ao PÁGINA UM sobre essa matéria.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia. Foi também mandatário da lista de Carlos Cortes, o novo bastonário da Ordem dos Médicos.

    Filipe Froes (ao centro) foi o mandatário da candidatura vencedora de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. No ano passado também ultrapassou a fasquia dos quatro mil euros por mês.

    Este ano tem sido mais “comedido”: recebeu no primeiro trimestre “apenas” 6.620 euros, o que representa pouco mais de 2.200 euros mensais. Contudo, convém salientar que o Infarmed não faz, por rotina, qualquer tipo de fiscalização destes registos, pelo que se mostra fácil receber dinheiro e outras ofertas de farmacêuticas sem declaração no Portal da Transparência, como aliás fez o antigo bastonário da Ordem dos Médicos Miguel Guimarães.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM já intentou 17 processos de intimação desde Abril do ano passado. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

  • Probabilidade de morte em 2020, 2021 e 2022, mesmo para os mais idosos, foi inferior à registada em 2013 e anos anteriores

    Probabilidade de morte em 2020, 2021 e 2022, mesmo para os mais idosos, foi inferior à registada em 2013 e anos anteriores

    Foi anunciada como a pandemia do século e colocou a sociedade em estado de pânico e mais do que à beira de um ataque de nervos, colapsando Economia e relações sociais. Que houve um excesso de mortalidade nos últimos três anos, é uma evidência, sobretudo nos mais idosos (com mais de 85 anos). O relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), anteontem divulgado, confirma este facto, e até alerta para um estranho acréscimo da mortalidade em 2022 nos jovens dos 15 aos 24 anos. Mas esta análise do INSA acaba por ser extremamente redutora e nem sequer escalpeliza a evolução da taxa de mortalidade padronizada e dos diversos grupos etários, que apresentam em quadros e em gráficos sem quaisquer comentários. Não fizeram eles, faz o PÁGINA UM. E assim se fica a saber que, afinal, a pandemia da covid-19 esteve muito longe de um impacte superior à da gripe espanhola, como certos especialistas quiseram fazer crer. Na verdade, basta recuarmos a 2013 para encontrar anos com taxas de mortalidade padronizada e por grupos etários para constatar que, não há muitos anos, e sem covid-19, as doenças “banais” representavam um maior risco de morte, mesmo nos mais idosos.


    Chegou a ser classificada por muitos especialistas como uma pandemia equiparada à gripe espanhola, mas afinal os dados constantes no relatório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) sobre o excesso de óbitos em 2022, revelado anteontem, mostram que afinal as taxas de mortalidade durante o triénio da pandemia (2020-2022) estiveram até a um nível mais baixo do que aquelas que, por norma, se registaram em 2013 e nos anos anteriores.

    Embora estranhamente o relatório do INSA não tenha desejado interpretar a evolução das taxas de mortalidade padronizada e por grupos etários, uma tabela (e gráficos) com a evolução destes indicadores entre 1991 e 2022 para cada um dos intervalos de idades – a começar dos 0 aos 4 anos e a terminar nos maiores de 85 anos –, uma análise do PÁGINA UM permite aferir facilmente que a probabilidade de morte em 2013 foi superior (8,5 por mil habitantes ) à de qualquer dos três anos da pandemia: 2020 (8,4 por mil habitantes), 2021 (8,2 por mil habitantes) e 2022 (8,1 por mil habitantes). Se recuarmos para as datas anteriores a 2013, e até 1991, o cenário é idêntico: genericamente, a taxa de mortalidade padronizada situou-se acima (e, por vezes, bem acima) da registada no triénio da pandemia.

    person in white jacket wearing blue goggles

    Na verdade, as taxas de mortalidade padronizada e por grupo etário dos anos da pandemia pareceriam quase idílicas na primeira década do presente século ou nos anos 90 do século passado. Por exemplo, a taxa de mortalidade padronizada até 2005 foi superior a 10%, atingindo os 14% em 1991. A taxa de mortalidade padronizada durante os três anos de pandemia situaram-se, repita-se, entre os 8,1 e os 8,4 por mil habitantes.

    Mesmo no casos dos mais idosos (maiores de 85 anos), os mais vulneráveis à covid-19, apesar de se ter registado um forte agravamento da respectiva taxa de mortalidade no triénio de 2020-2022 face ao triénio anterior – média aritmética de 156,5 por mil face a 149,5 por mil nos anos de 2017-2019 –, se se observar os valores de anos anteriores constata-se também que a pandemia não foi uma hecatombe. Ou, pelo menos, confirma-se que os mais idosos de agora resistiram muito mais às doenças (incluindo a covid-19) do que num passado não muito longínquo.

    Em termos concretos, pelos dados calculados pelo INSA, no grupo dos maiores de 85 anos (já acima, portanto, da esperança média de vida), em 2020 – primeiro ano da pandemia – morreram por todas as causas quase 16 em cada 100 idosos desta faixa etária (159,4 por mil), descendo depois para 15,3% em 2021, e voltando estranhamente a subir em 2022, para os 15,72% (ou 157,2 por mil). Ora, o valor elevado no ano passado chega a ser superior ao registado em 2012 (158,2 por mil) e à generalidade dos anos anteriores.

    Página 21 do relatório do INSA apresenta a evolução das taxas de mortalidade padronizada, taxa bruta de mortalidade total e taxa de mortalidade por grupo etário, mas acaba por não escalpelizar esses indicadores relevantes e tira até conclusões incrongruentes com os dados que revela.

    Aliás, se recuarmos ao ano da gripe pandémica A (H1N1), em 2009, a probabilidade de morte nesse ano, dos mais idosos, foi superior: a taxa de mortalidade no grupo dos maiores de 85 anos foi de 16% (160 por mil). E nos anos 90, esse indicador ultrapassava geralmente os 20%. Por exemplo, se por cada 1.000 idosos com mais 85 anos, morreram 214 ao longo de 1991, no período mais agreste da pandemia para este grupo (2020) morreram “apenas” 159 – ou seja, menos 55 mortes em cada 1.000 pessoas desta faixa etária.

    Esta evolução apenas demonstra que a pandemia da covid-19 “apanhou” a sociedade numa altura em que a tecnologia e os cuidados de saúde estavam num processo de contínua melhoria com evidentes reflexos na diminuição da taxa de mortalidade por grupo etário, e que, mesmo havendo uma inversão (subida), esta não deveria ter justificado o pânico generalizado. Afinal, a covid-19 e todas as outras doenças tiveram uma letalidade em 2020, 2021 e 2022 menor do que aquela que todas as doenças (sem covid-19, que ainda não existia) registaram há uma ou duas décadas.

    Em todo o caso, não parece existirem dúvidas de que a pandemia – integrando o agravamento da letalidade de outras doenças – inverteu a tendência de decréscimo ou estabilização das taxas de mortalidade sobretudo nos grupos etários acima dos 60 anos. Se comparado com o triénio anterior, também nas faixas etárias dos 80 aos 84 anos houve um agravamento no triénio da pandemia (2020-2022), passando de uma média aritmética de 56,3 por mil (ou 5,63%) para 58,5. O agravamento foi mais ténue nos grupos antecedentes. Por exemplo, dos 60 aos 64 anos, comparando os dois triénios, a subida foi apenas de 0,04 pontos percentuais (7,9 para 8,3 por mil).

    Página 22 do relatório do INSA, que apresenta em gráfico a evolução das diferentes taxas de mortalidade, incluindo por grupo etário, entre 1991 e 2022, extraindo também o efeito covid-19. Essa “extracção” acaba também por mostrar que a pandemia não teve qualquer efeito abaixo dos 50 anos e que a covid-19 terá sido uma causa “exagerada” na atribuição de muitos óbitos em idades mais avançadas.

    No entanto, os quadros do INSA mostram um aspecto que não é suficientemente aflorado no conteúdo do relatório: embora a taxa de mortalidade padronizada tenha descido entre 2021 e 2022 – acompanhada a transição para a fase endémica da covid-19 e perante a dominância da menos letal variante Ómicron –, verificou-se um significativo agravamento da taxa de mortalidade dos maiores de 85 anos entre 2021 e 2022, subindo de 15,3% para 15,72%.

    Este fenómeno somente se repetiu na faixa etária dos 15 aos 24 anos – e com grande preocupação por serem idades onde a mortalidade era naturalmente bastante baixa.

    Estas duas situações – tanto para os jovens como para os mais idosos – tem vindo a ser acompanhado pelo PÁGINA UM desde o ano passado. No caso dos idosos, o INSA aponta a culpa para a covid-19, frios e ondas de calor, mesmo em Maio, quando as temperaturas acima da média acabam por ser inferiores às temperaturas normais dos meses de Verão, o período naturalmente de menor mortalidade em Portugal. Em relação aos mais jovens, embora destaquem a anormalidade do aumento da taxa de mortalidade, o INSA não quis ir mais longe.

    Os investigadores do INSA dizem apenas que “os excessos de mortalidade nos grupos mais jovens são raros estando, maioritariamente, associados a causas externas de mortalidade”, mas depois simplesmente acrescentam que “a ausência de informação disponível quanto às causas de morte não nos permite confirmar esta hipótese que colocamos como mais provável, dado o conhecimento anterior e o padrão do excesso observado (aumento acentuado em relação ao habitual e de curta duração)”.

    Saliente-se que existe informação: o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) contém, na base de dados de raiz, todas as causas de mortes de todas as pessoas, incluindo os 375 jovens entre os 15 e os 24 anos que morreram no ano passado.

    Mas foi a estranha subida da taxa de mortalidade dos maiores de 85 anos, também ainda sem uma cabal explicação – e apenas possível se se analisarem as causas de morte per si, e não os fenómenos adjuvantes (como frio, ondas de calor ou mesmo gripe ou covid-19) – que justifica quase todo o excesso considerável de mortalidade (absoluta) que se registou em 2022. E, em consequência, do aumento da mortalidade absoluta nos últimos três anos.

    man in white thobe walking on sidewalk during daytime

    Na verdade, a subida da taxa de mortalidade bruta – portanto, sem ser padronizada – apenas se justifica pelo envelhecimento e também agora por “distúrbios” nos cuidados de saúde dos mais vulneráveis.

    Uma nota final para as conclusões do relatório do INSA, que entram em profunda contradição com os dados que são expostos, sobretudo com a tabela da página 21 e os gráficos da página 22. Na parte final refere-se taxativamente que “em termos relativos, os excessos de mortalidade foram inferiores a outros períodos de epidemias de gripe e de covid-19, o que poderá dever-se à menor atividade gripal observada em 2022, em especial nos grupos etários mais velhos (dados da vigilância da gripe não publicados) e à menor gravidade da infeção por SARS CoV-2 após a vacinação”.

    Esta frase não encontra respaldo na realidade: como os quadros dos próprios investigadores do INSA expõem, a taxa de mortalidade do grupo etário mais idoso (maiores de 85 anos) agravou-se em 2022 face a 2021, exactamente quando surgiu uma variante menos letal (Ómicron) e depois do processo de vacinação com sucessivos boosters. O INSA nem academicamente coloca sequer a mais ténue hipótese de alguma coisa estar a correr mal com o próprio processo de vacinação: é tema claramente tabu, cuja hipótese jamais deve ser colocada em cima da mesa para ser descartada com provas científicas. Em prol da “Ciência”, claro.

    Por outro lado, na ânsia de mostrarem que não houve assim tanto excesso de mortalidade não-covid, nem sequer se terão apercebido que destacaram inadvertidamente o ténue impacte da pandemia da covid-19 num contexto cronológico mais alargado. De facto, pela via das taxas de mortalidade por grupo etário, até os idosos do triénio de 2020-2022 se “portaram” bem melhor com uma pandemia em cima do que os idosos da mesma idade há pouco mais de uma década sem a pandemia. Basta ver pelos melhores quocientes de sobrevivência em cada um dos anos (o inverso da taxa de mortalidade).


    N.D. Recomendamos a leitura e análise atenta do relatório do INSA, até para observar em maior detalhe os quadros e gráficos aqui referidos. E confirmar o rigor da análise do PÁGINA UM, que está em contraciclo com aquilo que têm sido as análises da generalidade da imprensa ao relatório em causa.

  • Internamentos hospitalares: Ministério da Saúde “estrebucha” mas vai ter (mesmo) de mostrar base de dados escondida

    Internamentos hospitalares: Ministério da Saúde “estrebucha” mas vai ter (mesmo) de mostrar base de dados escondida

    Enquanto coniventes investigadores do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge garantem, num relatório ontem divulgado, que não existem dados disponíveis para saber as causa do excesso de mortalidade, o PÁGINA UM continua a sua luta pela transparência, tentando obrigar o Ministério da Saúde a mostrar as diversas bases de dados efectivamente existentes mas intencionalmente escondidas sobre os internamentos e as causas de morte dos portugueses. Um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – a segunda instância – veio agora reconfirmar a legitimidade do direito do PÁGINA UM para ver aquilo que o Governo não quer mesmo mostrar: a base de dados que permite saber quais foram as doenças que levaram os portugueses a serem internados e quais as suas taxas de mortalidade ao longo do tempo. A Administração Central do Sistema de Saúde, presidido por um amigo de longa data da ex-ministra da Saúde Marta Temido, tem agora 10 dias para disponibilizar ao PÁGINA UM a base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos.


    É um acórdão verdadeiramente histórico em prol da transparência – e a confirmação de (mais) uma derrota da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) na desesperada tentativa de esconder o que se tem passado no Sistema Nacional de Saúde nos últimos anos.

    Aprovado pelos desembargadores Ricardo Ferreira Leite, Catarina Jarmela e Paula Ferreirinha Loureiro, o acórdão com data de 23 de Março, em resposta a um recurso da ACSS, é categórico na confirmação da sentença de primeira instância, de Novembro do ano passado, que obrigara a entidade tutelada pelo Ministério da Saúde a “facultar (…) o acesso ou cópia digital da base de dados do GDH [Grupos de Diagnósticos Homogéneos], expurgada dos dados pessoais que nela constem” ao PÁGINA UM.

    Marta Temido (ex-ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda, juntos na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. A antiga governante e o dirigente da ACSS foram companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

    O acórdão do passado dia 23 de Março concede um prazo de 10 dias úteis para o seu cumprimento. Embora ainda haja possibilidades de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, um volte-face será pouco provável: os desembargadores descartaram agora qualquer possibilidade de nulidades pretendidas pela ACSS, através da sociedade de advogados BAS, que através de contratos por ajuste directo tem assessorado diversas entidades ligadas ao Ministério da Saúde.

    A base de dados em causa (BD-GDH), gerida sem influência governamental, integra todos os doentes internados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, identificando o diagnóstico principal (aquele que, após o estudo do doente, revelou ser o responsável pela sua admissão no hospital), os diagnósticos secundários (todos os restantes diagnósticos associados à condição clínica do doente, podendo gerar a existência de complicações ou de comorbilidades), os procedimentos realizados, destino após a alta (transferido, saído contra parecer médico, falecido) e, no caso de recém-nascidos, o peso à nascença.

    Contém também dados de identificação (nome, idade e sexo), mas como em qualquer base de dados moderna, o expurgo de dados nominativos, neste caso o nome do doente, é uma opção prevista na concepção dos perfis de acesso, tornando assim os dados completamente anonimizados (insusceptíveis de identificação de pessoas), permitindo assim todo o tipo de tratamento estatístico.

    boy lying on beige recliner hospital bed

    Constitui assim – e sem qualquer risco de violação da intimidade, porque os dados estão completamente anonimizados – uma ferramenta por excelência para identificar e quantificar o efectivo impacte da pandemia e da covid-19 desde 2020. Perante as dificuldades de acesso aos dados integrais do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – que também se encontra em análise nos tribunais administrativos –, a BD-GDH possibilitará obter indicadores fundamentais sobre as principais afecções e doenças que poderão estar a contribuir para o contínuo excesso de mortalidade, numa fase em que a covid-19 se encontra já em fase endémica.

    Esta redobrada vitória histórica do PÁGINA UM – que se sucede a outras sentenças favoráveis – surge no decurso de um longo processo de obstaculização por parte do presidente da ACSS, Victor Herdeiro – amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido –, que começou, em meados de Maio passado, por expurgar do Portal da Transparência do SNS uma base de dados pública sobre morbilidade e mortalidade hospitalar, uma versão manipulada e mais simplista da BD-GDH.

    A decisão de Victor Herdeiro – justificada pela necessidade nunca provada de “análise interna” – foi uma reacção política ao conjunto de artigos de investigação do PÁGINA UM sobre o desempenho hospitalar desde 2020, e não apenas relacionado com a covid-19.

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho do ano passado, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa. A BD-GDH tem um potencial informativo muito superior.

    Mesmo sendo uma simplificação da BD-GDH, essa base de dados que estava no Portal da Transparência permitira, através de análise estatística feita pelo PÁGINA UM, revelar que, até Janeiro desse ano, houvera menos 51 mil hospitalizações de crianças durante a pandemia por todas as doenças; apurar que a variante Ómicron tinha indicadores de letalidade inferiores aos da gripe; identificar problemas graves (com aumento de taxas de letalidade mesmo em alas não-covid); determinar que a taxa de mortalidade da covid-19 foi evoluindo ao longo da pandemia e em função dos hospitais, sendo 30% superior à das doenças respiratórias; desmistificar a alegada elevada pressão durante a pandemia, até porque houve menos 280 mil doentes por outras causas não-covid; e também identificar estranhas descidas na mortalidade por cancros e outras doenças, bem como colocar dúvidas sobre a mortalidade por covid-19 nos hospitais.

    Após várias tentativas para “convencer” o Ministério da Saúde – que nunca quis rectificar a conduta de Victor Herdeiro –, o PÁGINA UM apresentou em 19 de Agosto passado uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a ACSS, mas já não apenas para a reposição da versão original da base de dados da mortalidade e morbilidade – que fora entretanto reposta mas completamente “mutilada”. Com efeito, foi também solicitado o acesso à BD-GDH, por se ter considerado ser uma base de dados mais completa e muito mais “imune” a intervenções políticas.

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa. A BD-GDH tem um potencial informativo muito superior.

    Desde logo, a ACSS mostrou que não estava interessada em abrir mão à “secreta” BD-GDH. Alegando que já repusera a base de dados original da morbilidade e mortalidade hospitalar – o que, de facto, terá sucedido em meados de Agosto –, a ACSS começou por tentar iludir a juíza do processo, Ilda Maria Côco, fazendo crer ter já satisfeito o pedido integral do PÁGINA UM, e solicitou assim que a intimação fosse “totalmente julgada improcedente e indeferida, tudo com legais consequências”.

    Somente após um requerimento do advogado do PÁGINA UM, Rui Amores, provando que estava sobretudo em causa a continuada recusa do acesso à BD-GDH, a ACSS veio pronunciar-se sobre este assunto – ou seja, foi obrigada a justificar a recusa. Mas recorrendo à mentira.

    Com efeito, através da mesma sociedade de advogados, a ACSS defendeu que a BD-GDH continha “dados pessoais” e que “as funcionalidades dos sistemas de informação nos quais se encontram localizadas não permitem tecnicamente a respetiva consulta sem acesso aos dados pessoais em causa”, acrescentando que “reprodução (digital) da informação da base de dados com expurgo dos dados pessoais implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado que ultrapassa a simples manipulação”.

    Primeira página do acórdão histórico de 23 de Março passado.

    E concluiu ainda que, “associado à extensão dos dados em causa e à própria arquitetura dos sistemas de informação em que se suportam as bases de dados”, obrigar a anonimização “acarretaria para ACSS uma atuação administrativa, com gestão dos recursos disponíveis para a prossecução das respetivas atribuições legais em desvio dos princípios aplicáveis e pelos quais se deve reger a atividade administrativa, nomeadamente, os princípios do interesse público, da boa administração, da proporcionalidade e da razoabilidade”.

    Este arrazoado tinha, porém, apenas um fito: continuar a esconder a BD-GDH do escrutínio público, tentando convencer a juíza do processo de que a anonimização de uma base de dados deste género não é um processo corriqueiro, nem que basta seleccionar as variáveis que se pretenda e, nessa linha, excluir aquelas que não se pretendem. Destaque-se que o PÁGINA UM jamais teve a pretensão de revelar dados pessoais de doentes, sobretudo por não ser ético, mas também por ser de interesse nulo para quaisquer diagnósticos em saúde pública.

    Mas este arrazoado jurídico tinha perna curta. De facto, a anonimização da BD-GDH é um procedimento tão corriqueiro e bem conhecido da ACSS, tanto assim que esse expediente administrativo costuma estar expressamente delegado num dos vice-presidentes para conceder acessos a investigadores. Por exemplo, no presente conselho directivo da ACSS, Victor Herdeiro delegou na sua vice-presidente Sandra Brás a competência “para autorizar o fornecimento de dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH)”, conforme a Deliberação 835/2021 publicado em Diário da República em 9 de Agosto do ano passado.

    Na sentença de primeira instância, a juíza Ilda Côco deu razão ao PÁGINA UM. De acordo com a magistrada, como a ACSS apenas se limitou a “alegar, de forma conclusiva, que o expurgo de dados pessoais implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado (…), mas sem que alegue quaisquer factos concretos que permitam concluir no sentido por si pretendido”, terá assim 10 dias para facultar o acesso à base de dados… carregando no teclado e/ ou no rato do computador para expurgar os dados nominativos.

    No recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul, a ACSS ainda alegou nulidades diversas e apontou um custo elevado para disponibilizar uma base de dados que terá 44 milhões de registos – o que, convenhamos, numa época de big data dá tanto trabalho como 44 registos – mas os desembargadores não foram convencidos.

    No acórdão, os desembargadores afirmam que a ACSS “limitou-se a considerações genéricas sobre a onerosidade de satisfação do peticionado, nunca procurando densificar (como pretende fazer agora, em sede de recurso), em que se traduziria tal ‘onerosidade’ e em que medida a mesma se mostrava ‘desmesurada’.”

    medical professionals working

    E criticam os desembargadores ainda a ACSS por apresentar novos trunfos nesta fase. “O que, oportunamente, não foi levado aos autos, permitindo ao tribunal a respetiva apreciação, in illo tempore, não pode agora, em sede de recurso, ser usado como ‘arma de arremesso’ contra uma argumentação que, forçosamente, não levou tais argumentos em linha de conta”, destaca-se no acórdão.

    A única “vitória” da ACSS neste recurso acabou por ser na distribuição das custas. Na primeira instância, a juíza decretara que deveria ser a ACSS a arcar com todas as custas do processo. Os desembargadores, assumindo que uma pequena parte do pedido – que envolvia também a disponibilização de uma outra base de dados no Portal da Transparência do SNS – já fora satisfeita – determinaram que o PÁGINA UM assumisse afinal um terço das custas, ficando os outros dois terços da responsabilidade da entidade presidida por Víctor Herdeiro, que há mais de nove meses anda a esconder informação pública.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Vacinas contra a covid-19: Doses para o “lixo” valem 120 milhões de euros

    Vacinas contra a covid-19: Doses para o “lixo” valem 120 milhões de euros

    Ao longo de 2021 e 2022, os portugueses mostravam, orgulhosos, os comprovativos das vacinas contra a covid-19, cuja eficácia afinal se perdia em poucos meses. À suposta necessidade de “reforçar” a imunidade vacinal, os portugueses estão agora cada vez mais desconfiados, e a adesão aos boosters estão em queda livre. Mas o Governo português, tal como em outros países, tratou de comprar sem olhar a custos. Resultado: um país que ainda tem um milhão de cidadãos sem médico de família vai em breve contabilizar 8 milhões de doses destas vacinas deitadas literalmente ao lixo. O custo desta falta de gestão de dinheiros públicos em benefício da indústria farmacêutica: 120 milhões de euros. Para já…


    O silêncio absoluto do Ministério da Saúde sobre as alternativas a dar a um stock de 8 milhões de doses de vacinas contra a covid-19 só encontra eco no vazio dos centros de vacinação em sistema de Casa Aberta, que nas últimas semanas – passe a analogia literária – terão tido mais moscas que gente.

    De acordo com o mais recente relatório da resposta sazonal em saúde, da Direcção-Geral da Saúde (DGS), apenas hoje divulgado, na semana 7 deste ano – entre 13 e 19 de Fevereiro – apenas foram administradas 11.861 doses, um ritmo de administração de menos de 1.700 doses por dia. Metade destas terão sido dadas a pessoas com idade entre os 18 e os 50 anos, grupo para quem o reforço sazonal é recomendado a pessoas vulneráveis.

    Porém, depois de dois anos de comunicação intensiva sobre os alegados benefícios dos reforços (boosters), a DGS passou a ter uma posição ambígua para a população saudável com menos de 50 anos: não recomenda nem desaconselha. E mais: nem revela – em “cooperação” com o Infarmed – os efeitos adversos dos reforços. O resultado desta situação tem sido desinteresse quase absoluto no reforço vacinal.

    Embora a DGS não revele os números exactos das doses de reforço administradas, desde que a modalidade Casa Aberta foi disponibilizada para o grupo etário entre os 18 e os 50 anos – um universo de um pouco mais de 4 milhões de portugueses –, terão sido vacinadas menos de 40 mil pessoas desta faixa em mais de um mês. Ou seja, cerca de 1% do total.

    A fraca procura da vacina contra a covid-19 colocará, assim, uma questão bastante relevante, e que se tem verificado em outros países europeus. Por exemplo, ainda este mês a Suécia anunciou que teria de descartar 8,5 milhões de doses por perda de validade. No Verão do ano passado, a Suíça revelou a perda de 10,3 milhões de doses.

    Evolução da administração de doses de vacinas contra a covid-19 por semana por grupo etário. A linha negra representa o número acumulado desde a semana 35 do ano de 2022. Fonte: DGS.

    No caso português é previsível que estejam a perder a validade cerca de 5 milhões de doses. Portugal terá comprado cerca de 45 milhões de vacinas, e em Outubro passado o Ministério da Saúde revelou ao PÁGINA UM que tinham sido doadas 7,8 milhões de doses, sobretudo aos PALOP, e revendidas 2,6 milhões de doses. Tendo em conta que foram já administradas cerca de 26,5 milhões de doses desde finais de 2021 e outras 3 milhões foram já entretanto inutilizadas até ao final de 2022, haverá assim um pouco mais 5 milhões de doses que podem estar em risco de serem inutilizadas por falta de uso.

    Considerando que o preço médio unitário das vacinas ronda os 15 euros, a perda económica total, para as 8 milhões de doses, ascenderá aos 120 milhões de euros. Mas Portugal pode ainda ser “chamado” a entregar mais dinheiro às farmacêuticas, sobretudo à Pfizer, caso se tenha de concretizar solidariamente o acordo estabelecido pela Comissão von der Leyen. Pelas estimativas do PÁGINA UM, o Governo português poderá ter de comprar cerca de 500 milhões de euros em doses de vacinas para a covid-19, independentemente da adesão para novos reforços nos próximos anos.

    person holding white plastic bottle

    O PÁGINA UM pediu informações ao Ministério da Saúde para confirmar a quantidade de doses que perderão a validade dos próximos três meses e qual a perda potencial, tendo enviado mensagens a três dos assessores de imprensa de Manuel Pizarro, a saber: Pedro César, Romana Santos e Marta Reis. O e-mail foi remetido para os três assessores no dia 20 deste mês, ou seja, há uma semana. Não houve qualquer reacção.

    Recorde-se que o PÁGINA UM tem em curso uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar Manuel Pizarro a revelar todos os contratos e entregas de vacinas contra a covid-19, bem como as comunicações entre o Ministério da Saúde e as farmacêuticas que as vendem. Após a interposição deste processo, o Ministério da Saúde chegou mesmo a “apagar” quatro contratos que estavam já no Portal Base desde meados de 2021.

  • Sem ondas de calor, Agosto está a ser o mais mortífero dos últimos 20 anos

    Sem ondas de calor, Agosto está a ser o mais mortífero dos últimos 20 anos

    Em Portugal, o tempo tem estado quente, como é típico do clima mediterrânico, mas sem dias demasiado sufocantes nem de longa duração. O Índice Ícaro, um indicador que mede o risco para a saúde pública, só raramente tem apresentado valores altos, mas mesmo assim a mortalidade em Agosto está anormalmente elevada. Esta situação ocorre num ano em que o número de óbitos está já mais baixo do que no triénio anterior (2020-2022), embora ainda acima dos valores pré-pandemia, indiciando que a saúde da população portuguesa mostra ainda sinais de preocupante debilidade. E ocorre também quando, cada vez mais, o Serviço Nacional de Saúde revela fragilidades, sem resposta capaz do Governo.


    A mortalidade do mês de Agosto em curso está a atingir níveis bastante elevados, sendo necessário recuar ao ano de 2003 – que foi fustigado por várias ondas de calor e incêndios de grandes dimensões – para se encontrar o mês homólogo e com pior situação.

    De acordo com os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), nos primeiros 25 dias do presente mês de Agosto foram já contabilizadas 7.666 mortes, mais 66 do que o valor registado no ano passado, marcado, durante todo o ano, por um inusitado excesso de mortalidade cujo estudo das causas tem sido sistematicamente adiado pelo Ministério da Saúde.

    brown grass during sunrise

    A média diária de óbitos está, neste momento, próximo dos 307, o que significa que a manter-se este ritmo até ao dia 31 o número total rondará as 9.500 mortes, o que será o segundo pior mês de Agosto desde 1980 (data de registos conhecidos), apenas ultrapassado por 2003 com 10.111 óbitos. Mas em 2003 houve uma justificação meteorológica excepcional: onda de calor entre 29 de Julho e 14 de Agosto – mais dias de calor intenso e persistente – com temperaturas máximas e mínimas sempre muito altas e humidade relativa anormalmente baixa. Este evento terá causado então uma mortalidade acrescida de quase duas mil pessoas.

    Nada parecido com aquilo que está a suceder este ano, onde não houve qualquer registo de onda de calor em qualquer região do país. O agravamento da mortalidade em Agosto deste ano contrasta, aliás, com uma tendência de redução que se estava a verificar nos meses deste ano em comparação com os considerados anos da pandemia (2020, 2021 e 2022). Até anteontem, dia 25 de Agosto, e desde o início de 2023, foram registados no SICO um total de 77.130 óbitos, um valor mais baixo do que os 78.587 óbitos em igual período de 2020 (que inclui a primeira fase da pandemia) e bastante abaixo dos valores de 2021 (83.618 óbitos) e de 2022 (82.381 óbitos).

    Contudo, mesmo assim, os valores de 2023, até agora, são muito superiores a qualquer ano pré-pandemia (desde 2009, em que se começou a indicar registos diários), o que em parte se deve ao envelhecimento populacional, se bem que fossem expectáveis valores mais baixos por via da “sangria” demográfica no período pandémico que sacrificou, também por via da desregulação do Serviço Nacional de Saúde, os mais vulneráveis.

    Mortalidade total em Agosto desde 2009 até ao dia 25. Fonte: SICO/DGS. Análise: PÁGINA UM.

    Uma explicação para o crescimento da mortalidade neste mês poderia tentar explicar-se pelo tempo mais quente, embora, na verdade, Portugal não tenha registado ainda ondas de calor, que tecnicamente ocorrem apenas quando há mais de cinco dias com temperaturas cinco graus acima da média, conforme releva o conceito apresentado até pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

    Consultando os mais recentes registos diários do Índice Icaro apenas se observa um previsível aumento de risco de excesso de mortalidade nos dias 7 e 8 e ainda entre 22 e 25 de Agosto. E, efectivamente, o valor do Índice Ícaro mais elevado este mês (0,97), observado na passada quarta-feira, coincidiu com o dia mais mortífero (362). Mas, hoje, por exemplo, o valor é já de zero.

    A situação deste Agosto está assim muito longe de verdadeiras ondas de calor, intensas e persistentes. De acordo com o IPMA, nos últimos 30 anos têm-se observado mais eventos de ondas de calor extremas no período do Verão em Portugal Continental, com especial incidência nas regiões do interior Norte e Centro (distritos de Bragança, Vila Real, Viseu e Guarda) e o Alentejo (distritos de Setúbal, Évora e Beja). Os episódios mais severos de ondas de calor, com maior número e duração destes eventos, verificaram-se depois de 1990 na região interior Norte e Centro e depois de 2000 na região Sul.

    man and woman sitting on bench facing sea
    Idosos são os mais vulneráveis às ondas de calor, mas previsões meteorológicas cada vez mais rigorosas deveriam implicar a aplicação de medidas profilácticas mais eficazes para não haver excesso de mortalidade.

    Ainda segundo o IPMA, o maior número total de dias em onda de calor (918 dias) ocorreu no Verão de 2022, com a contribuição significativa da região Nordeste. Por exemplo, Bragança, Mirandela e Carrazeda de Ansiães – com 44, 42 e 41 dias, respetivamente – foram as zonas mais afectadas, embora sejam pouco povoadas.

    Em todo o caso, convém referir que o mês de Agosto, em média – e incluindo mesmo os anos com períodos mais mortíferos associados a ondas de calor – é o terceiro mais “ameno” de todo o ano, apenas atrás de Setembro e Junho.  

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM, no período de 2013-2022 o mês de Setembro contabiliza 7,08% das mortes, seguindo-se Junho (7,35%) e Agosto (7,46%). Os piores meses são os considerados de Inverno: Janeiro (11,16%), Dezembro (9,65%) e Fevereiro (9,17%).

    Distribuição (%) da mortalidade total por mês no período 2013-2022. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Se se considerar como época de Verão os meses de Junho, Julho e Agosto – juntando Setembro a Outubro e Novembro para formarem o Outono –, também se evidencia ser o período do ano menos mortífero: concentra 22,5% das mortes, contrastando com 30,0% dos meses de Inverno (Dezembro, Janeiro e Fevereiro), caracterizados pelo frio, chuvas e maior prevalência de infecções respiratórias, como a gripe e as pneumonias.

    Caso se considere agrupar os quatro meses que incluem dias de Verão (Junho, Julho, Agosto e Setembro), o contraste ainda é maior: acumulam 29,57% das mortes, que confrontam com os 38,81% das mortes dos quatro meses que incluem dias de Inverno (Dezembro, Janeiro, Fevereiro e Março). Ou seja, se as ondas de calor podem ser fenómenos temidos, na verdade o Verão continua a ser a melhor época do ano para… nos mantermos vivos.

  • Manuel Pizarro pressionado para explicar promiscuidades na estratégia de comunicação do Serviço Nacional de Saúde

    Manuel Pizarro pressionado para explicar promiscuidades na estratégia de comunicação do Serviço Nacional de Saúde

    O Ministério da Saúde até fez um concurso público – que é raro em contratos de assessoria de imprensa e comunicação – e os montantes em causa são modestos. Mas as relações da empresa vencedora, que irá definir o plano e estratégia de comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, levantam suspeitas: a LPM Comunicação, fundada por um conhecido consultor de marketing do Partido Socialista, tem sete farmacêuticas no seu portfólio, e mais uma dezena de outras entidades do sector da Saúde. Em reacção à notícia do PÁGINA UM na sexta-feira passada, o Chega quer agora explicações do ministro Manuel Pizarro na Assembleia da República.


    A presença do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, na Assembleia da República foi requerida com carácter de urgência pelo partido Chega para ser explicada a contratação da LPM Comunicação pela Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), de acordo com um take da Lusa divulgado este fim-de-semana pela generalidade da imprensa.

    No decurso de uma investigação do PÁGINA UM, divulgada sexta-feira em exclusivo, sobre a contratação da empresa fundada pelo conhecido consultor de marketing político do Partido Socialista, Luís Paixão Martins – que há vários anos legou a administração da empresa ao seu filho João –, o partido liderado por André Ventura diz que esse acordo comercial revela “preocupações pertinentes sobre possíveis conflitos de interesse, uma vez que a DE-SNS é uma entidade estatal que terá responsabilidades importantes na gestão, supervisão e monitorização do Sistema Nacional de Saúde, bem como na definição de diretrizes e normas que afetam tanto os fornecedores quanto os utentes e as empresas privadas do setor”.

    Luís Paixão Martins, fundador da LPM e pai do actual administrador único da empresa que vai gerir a comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. (DR)

    Em causa, como revelou o PÁGINA UM, não estão os procedimentos da contratação – que até foi ganho em concurso público (o que é raro no género) e por um valor ligeiramente abaixo do preço base –, mas sim as ligações da LPM com farmacêuticas e outras empresas, incluindo o grupo privado do sector da saúde Lusíadas.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a LPM identifica como seus clientes, apenas no sector da Saúde, sete farmacêuticas – AbbVie, Bluepharma, Daiichi-Sankyo, Gedeon Richter, GlaxoSmithKline, Novartis e Viatris –, uma empresa de homeopatia (Boiron), duas entidades na área do diagnóstico – a empresa Hologic e a Associação Portuguesa das Empresas de Diagnósticos Médicos (Apormed) –, uma empresa hospitalar privada (Lusíadas), uma fundação associada a uma farmacêutica (Fundação Bial), duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos (Liga Portuguesa contra o Cancro e a União das Associações das Doenças Raras de Portugal) e ainda três sociedades médicas (Sociedade Portuguesa de Senologia, Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Esta última sociedade médica é aquela que mais financiamento obtém do sector farmacêutico desde 2017, enquanto a penúltima se encontra no top 10.

    Contudo, apesar disso, nos critérios de avaliação das candidaturas, cujo processo acabou por ser instruído pelos SPMS, não houve qualquer critério de índole ético que pudesse excluir candidatos que tivessem conflitos de interesse por deterem relações comerciais com entidades privadas do sector da saúde ou com alguma que estivesse sob a supervisão directa ou indirecta da DE-SNS.

    Lista dos 17 clientes do sector da Saúde detidos pela LPM. Falta a actualização para incluir a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.

    Pelo contrário. Além do preço (com um peso de 30%), a “experiência na Área da Assessoria de Imprensa no Setor da Saúde” era um dos critérios explícitos de avaliação qualitativa das propostas, com um peso de 35%.

    Ou seja, não houve qualquer cláusula que obrigasse a uma exclusividade, para garantir independência e evitar transmissão de informação privilegiada entre a DE-SNS e clientes da empresa de comunicação vencedora.

    Deste modo, a LPM até acabou fortemente beneficiada por possuir contas de 17 clientes na área da Saúde, incluindo as sete farmacêuticas e até um hospital privado.

    Em todo o caso, este “problema” seria similar se a escolhida fosse a Creative Minds, que no seu site expõe os seus 28 clientes no sector da Saúde, embora sem incluir tantas empresas de grande dimensão. Com efeito, no meio de pequenas e médias empresas, destaca-se apenas, no sector farmacêutico, a portuguesa Medinfar.

    Pelo caminho, neste concurso, ficou a Kicab, a empresa pertencente a Rui Neves Moreira, que foi assessor de imprensa no Hospital de São João, tendo sido escolhido por Fernando Araújo para o assessorar nas primeiras fases de instalação da DE-SNS. Esse contrato, com a duração formal de 9.000 euros por apenas 25 dias de trabalho, levantou celeuma no início deste ano, por envolver um custo de 360 euros por dia.

    O contrato foi assinado em Maio, mas apenas divulgado no dia 8 deste mês no Portal Base, e surge no decurso de um concurso público, envolvendo mais duas empresas (Creative Minds e KICAB), para assessorar a equipa de Fernando Araújo a instalar uma estrutura. Na prática, a DE-SNS vai centralizar algumas das funções políticas e administrativas que estavam dispersas pelo próprio Governo e por duas entidades públicas: a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).

    O contrato, que estará em vigor dutante oito meses, não será directamente muito lucrativo para a LPM, estando dentro dos padrões do mercado para a contratação de um só assessor com alguma experiência. O preço do contrato – 22.380 euros (sem IVA), perfazendo cerca de 2.800 euros por mês, durante os oito meses de duração – até ficou ligeiramente abaixo do preço base, que era de 23.600 euros, o que denota o interesse na aquisição deste cliente público. Na verdade, por exemplo, comparando o montante deste contrato com o volume de negócios da LPM em 2021 – as contas relativas ao ano passado ainda não se encontram disponíveis –, estamos perante uma gota de água.

    Com efeito, embora conhecida por ser uma empresa de comunicação próxima do poder, o Estado e a Administração Central e Local nem são assim tão bons clientes em termos de facturação. Em 2021, as receitas da LPM totalizaram 5.976.574 euros, e os seis contratos públicos nesse período (Região de Turismo do Algarve, Direcção-Geral do Património Cultural, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género e Câmara Municipal de Almada, com dois) ascenderam aos 153.770 euros. Ou seja, o sector privado representou 97,4% da facturação da LPM.

    Chega quer explicações de Pizarro sobre definição da estratégia de comunicação do SNS por uma empresa com (demasiadas) ligações ao sector farmacêutico.

    Porém, no mundo da comunicação empresarial, ter uma porta de passagem para o poder mostra-se fundamental. E assim, mais importante do que uma verba num contrato público, ostentar na carteira um organismo estatal com o quilate da DE-SNS vale ouro.

    Mesmo quando existe em contrato uma “cláusula de direitos sobre a informação”, que estipula que a LPM não pode usar nem ceder a terceiros a informação da DE-SNS sem autorização prévia. E mesmo que as empresas de comunicação jurem, a pés juntos, que usam (ou colocam em práticas) as chinese walls, quase sempre mais míticas do que verídicas.

  • Ivermectina: Abandono de programa no Peru fez disparar mortalidade total

    Ivermectina: Abandono de programa no Peru fez disparar mortalidade total

    Em 17 de Novembro de 2020, o recém-empossado presidente do Peru, Francisco Sagasti, deu ordens para suspender um programa de administração profiláctica e terapêutica baseada na ivermectina, que começara a ser usada em Maio. Um estudo publicado este mês numa revista científica do grupo Springer Nature (a dona da Nature) revela que, afinal, a ivermectina estava a dar excelentes resultados e que a decisão política se tornou um desastre: o Peru acabou por ser o país mundial mais atingido pela pandemia. Os autores do estudo científico apontam críticas ao reguladores e à indústria farmacêutica por diabolizarem a ivermectina, e falam mesmo da pressão da Merck, que detinha a patente deste fármaco antes de ser oferecida nos anos 80 para combate à cegueira-dos-rios. A Merck estava então interessada no seu novo fármaco, o molnupiravir, que já lhe fez facturar 5,7 mil milhões de dólares. Mas não fará muito mais, porque, entretanto, apesar dos influencers da Medicina, foi já retirado do mercado por ineficácia.


    Uma análise revista pelos pares (peer review) publicada este mês na conceituada revista científica Cureus – que integra a editora Springer Nature, a dona da Nature – sugere que a decisão do antigo presidente peruano Francisco Sagasti de suspender em Novembro de 2020 o uso de ivermectina como terapêutica preventiva contra a covid-19 terá causado uma escalada de mortes naquele país sul-americano.

    O Peru destaca-se nas estatísticas internacionais como o país com maior taxa de mortalidade atribuída à covid-19 com um espantoso rácio de 6.572 óbitos por milhão de habitantes – que corresponde a 0,65% da população –, quase duas vezes mais do que o valor registado em Portugal.

    Francisco Sagasti assumiu o cargo em 17 de Novembro de 2020 e deu imediatamente ordens para terminar com o uso de ivermectina no Peru. A mortalidade por covid-19 disparou.

    Apesar de contar com apenas 33 milhões de habitantes, a mortalidade no Peru associada oficialmente ao SARS-CoV-2 foi extremamente elevada: 221.364 óbitos, ficando apenas atrás dos Estados Unidos (quase 1,17 milhões de mortes), Brasil (um pouco menos de 705 mil mortes), Índia (quase 532 mil mortes), Rússia (400 mil mortes) e Reino Unido (cerca de 228 mil mortes).

    No entanto, a generalidade destes seis países registou taxas de mortalidade entre os 2.500 óbitos por milhão e os 3.500, com excepção da Índia que, apesar do mediatismo dos números absolutos (por ter uma população de 1,4 mil milhões de habitantes) contabilizou somente uma taxa de 378 óbitos por milhão.

    O estudo com data de publicação na revista científica, desenvolvido por três investigadores, associados à Canadian Covid Care Alliance, não se circunscreveu porém a uma mera análise à mortalidade atribuída ao SARS-CoV-2, abrangendo a mortalidade por todas as causas e especificamente a que atingiu os maiores de 60 anos, para evitar factores estatísticos de confundimento. E teve sempre como referência a suspensão do uso da ivermectina – um fármaco considerado uma das wonder drugs, mas que recebeu acérrimos ataques quando começou a ser usado off label por diversos médicos e mesmo por departamentos de saúde de alguns países.

    Governo peruano implementou programa assistencial com recurso a ivermectina em larga escala em Maio de 2020, mas foi abandonado no meio de uma pressão internacional, encabeçado pela media, sobre a alegada ineficácia. O estudo agora publicado mostra que abandono da terapêutica coincidiu com subida repentina de mortalidade, e não há outros factores explicativos.

    E até foi o caso do Peru. Com o eclodir da pandemia, que registou o primeiro caso que atingiu este país no final de Fevereiro de 2020, as mortes começaram a subir, e mantiveram-se elevadas, acima dos 600 óbitos por dia (equivalente a cerca de 200 em Portugal), mesmo com um forte lockdown iniciado em 16 de Maio e que se estendeu até final de Junho. Mas enquanto decorreriam essas restrições, o Ministério da Saúde do Governo peruano, então liderado por Martin Vizcarra, implementou um programa nacional de tratamentos hospitalares e ambulatoriais com ivermectina, embora em algumas regiões o fármaco já estivesse sendo usado.

    Embora a distribuição de ivermectiva tenha sido diferente em alguns dos 24 estados peruanos, numa dezena acabou por ser alvo de um programa específico de larga escala dinamizado pelo Ministério da Defesa, a Mega-Operación Tayta (MOT), em colaboração com agências governamentais.

    Segundo os autores do estudo publicado na Cureus, “o objectivo do MOT era alcançar todas as partes de uma região-alvo usando equipas de resposta rápida em parceria com as autoridades locais de saúde”, e sempre que “essas equipes detectaram casos de covid-19 em cada casa administraram ivermectina aos doentes e familiares e forneceram comida para encorajar o seu isolamento por 15 dias”.

    Estudo científico analisou evolução da mortalidade total no grupo populacional dos maiores de 60 anos, à luz do programa de administração da ivermectina, e descarta existência de factores de confundimento estatístico.

    Tendo em conta que o uso de ivermectina para combate à covid-19 teve inícios e extensão distinta nos diversos estados peruanos, os investigadores conseguiram assim determinar a evolução da mortalidade em função da utilização daquele fármaco, retirando quaisquer factores externos que pudessem levar a conclusões enganosas.  

    De acordo com os resultados do estudo, nos 10 estados peruanos abrangidos pelo programa MOT, com a introdução da ivermectina como terapêutica e profilaxia, o excesso de mortes por todas as causas caiu em média 74% em 30 dias e em 86% ao fim de 45 dias após a data do pico de mortes. Para os 14 estados com distribuições de ivermectina administradas localmente, o excesso de mortes caiu 53% e 60%, respectivamente ao fim de 30 e 45 dias.

    Em Lima, a capital do Peru, onde os tratamentos com ivermectina foram adiados até Agosto de 2020, quatro meses após o surto inicial de pandemia, o excesso de mortes foi mais brando, caindo apenas 25% ao fim de 45 dias após a data de pico de mortes, que se verificou em finais de Maio. Esta evolução ocorreu sem existir outras explicações fundamentais, tais como a existência de novas variantes ou alterações na mobilidade da população, ou até mesmo de acréscimos de imunidade natural ou de grupo.

    Os autores do estudo – os norte-americanos Juan J. Chamie e David E. Scheim e a canadiana Jennifer A. Hibberd – concluem que, no Peru, “o uso profilático de ivermectina pode ter contribuído para a redução média de 74% no excesso de mortes 30 dias após o pico de mortes nos 10 estados abrangidos pelo programa MOT”, enquanto a redução média terá sido de 53% no excesso de mortes naquele período nos estados.

    Porém, com a destituição em Novembro de 2020 de Martin Vizcarra, e a chegada ao poder de Francisco Sagasti, que tomou posse no dia 17 daquele mês, toda a estratégia baseada no uso de ivermectina foi abandonada, no decurso de uma forte campanha mediática que diabolizou aquele fármaco, criado pela Merck, mas já sem patente. E, com efeito, de forma quase imediata, como mostram os autores da análise publicada na revista Cureus, a mortalidade total começou a crescer repentinamente até Fevereiro de 2021, conforme um gráfico que apresentam.

    E, efectivamente, os casos mortais no Peru, de acordo com os dados do Our World in Data, que estiveram abaixo dos 150 óbitos diários entre Outubro e finais de Dezembro de 2020, dispararam para valores absolutamente anormais. Em Fevereiro foram atingidos valores diários acima dos 500 óbitos atribuídos à covid-19, e em finais de Abril houve dias a superarem as 800 mortes.

    Gráfico inserido no estudo publicado na revista Cureus. Decisão política de abandono do programa da ivermectina teve consequências desastrosas.

    Os autores do estudo relatam também os bons resultados do uso de ivermectina na província indiana de Uttar Pradesh, e denunciam também a manipulação e erros em ensaios clínicos que acabaram por afectar a reputação deste fármaco de baixo custo.

    “Nas últimas décadas, os medicamentos genéricos geralmente se saíram mal perante a concorrência com ofertas patenteadas, com base na infeliz vulnerabilidade da Ciência à mercantilização e à captura regulatória”, adiantam os autores, exemplificando com o caso de uma terapia tripla para úlceras pépticas, que apresenta uma eficácia de 96%, e que agora é o padrão terapêutico, mas cujo uso foi sendo adiado até que as patentes de dois medicamentos paliativos mais vendidos para esse problema gástrico expirassem.

    E apontam ainda que “tal viés potencial contra a ivermectina foi sugerido por um comunicado de imprensa de 4 de Fevereiro de 2021 da Merck, de que estava desenvolvendo sua própria terapêutica patenteada para covid-19”, alegando que havia “uma relativa falta de dados de segurança” para a ivermectina.

    Ao contrário dos novos fármacos contra a covid-19, que antes de mostrarem eficácia contaram sempre com o apoio de influencers da Medicina, a ivermectina foi sempre um fármaco menosprezado e até “difamado”, muitas vezes catalogado de remédio apenas usado para uso veterinário.

    Com efeito, a norte-americana Merck – que oferecera a patente da ivermectina para o Programa Africano de Controle da Oncocercose (cegueira dos rios) – haveria de conceber um fármaco, o molnupiravir, sob a marca comercial Lagevrio, que obteve autorização em finais de 2021 na Europa e foi logo bastante elogiado por vários especialistas, estando à cabeça, em Portugal, o actual bastonário da Ordem do Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, e o pneumologista Filipe Froes, um médico do SNS, consultor da Direcção-Geral da Saúde e um dos mais promíscuos consultores de farmacêuticas.

    Recorde-se, porém, que o molnupiravir acabou ingloriamente os seus dias em Julho passado, depois de evidência da sua completa ineficácia. Mas antes da retirada do mercado, confirmada pelo Infarmed em 17 de Julho, a Merck embolsou com este “embuste”, e com a conivência de reguladores e o apoio de influencers de Medicina, um total de 5,7 mil milhões de dólares em receitas só no ano passado.

  • Salesianos: Gravidez fora do casamento de professora dá despedimento lícito nos Estados Unidos

    Salesianos: Gravidez fora do casamento de professora dá despedimento lícito nos Estados Unidos

    No mês em que o Papa Francisco apelou para a inclusão de “todos, todos, todos”, o Supremo Tribunal de Nova Jérsia considerou ser legítimo (e legal) o despedimento de uma professora por ter engravidado fora do casamento. Depois do seu afastamento em 2014, Victoria Crisitello tinha processado a St. Theresa’s School, uma escola salesiana, invocando uma lei estadual que proíbe a discriminação por situação de gravidez e estado civil. A escola católica não se demoveu e o tribunal deu-lhe razão. As palavras de Francisco caem em saco roto.


    O Supremo Tribunal do Estado da Nova Jérsia, nos Estados Unidos, decidiu a favor de uma escola primária católica, a St. Theresa’s School, no município de Kenilworth, que em 2014 despediu uma professora depois de o director ter sido informado da sua gravidez. A professora, Victoria Crisitello, não era casada.

    Para justificar o despedimento, a escola argumentara que a funcionária, Victoria Crisitello – que apesar de legalmente solteira, usava um anel de noivado –, tinha desrespeitado o código de ética da instituição ao ter relações sexuais fora do casamento. A escola conta com cerca de 300 alunos com propinas que rondam os 6.000 dólares por ano, e segue o sistema educacional de São João Bosco. Ou seja, adopta um sistema de ensino equiparado às escolas dos Salesianos existentes em Portugal.

    St. Theresa’s School, em Kenilworth, invoca o amor de Jesus e a Virgem Maria. À entrada tem uma estátua que parece invocar as aparições de Fátima.

    Conforme salienta o New York Times na sua edição de ontem, o processo judicial durou quase uma década com o tribunal de Nova Jérsia a declarar ser legítimo que a St. Theresa’s School subordine os seus funcionários às doutrinas da Igreja Católica. Para este tribunal, o despedimento foi legal por estar salvaguardado por uma “excepção religiosa” face à lei estadual que proíbe a discriminação.

    A lei em causa, que Crisitello invocara para colocar a escola em tribunal, garante a protecção contra a discriminação laboral com base na gravidez e no estado civil. No entanto, Victoria Crisitello – que foi também aluna daquela escola e entrou para os quadros em 2011, inicialmente como cuidadora em regime de part-time – terá assinado um documento que exigia obediência dos funcionários aos fundamentos católicos.

    De acordo com o New York Times, o advogado que representou a St. Theresa’s School neste processo, Peter G. Verniero, saudou a decisão do tribunal, por “defender os direitos dos empregadores religiosos de agir de acordo com os seus princípios religiosos”.

    Papa Francisco apelou à inclusão, mas nos Estados Unidos uma escola dos Salesianos “excluiu” uma professora por ter engravidado sem estar casada. Tribunal deu razão à congregação.

    Por seu turno, o advogado da professora demitida, Thomas A. McKinney, revelou-se “desapontado” e apreensivo com a possibilidade deste tipo de decisões não se limitarem apenas a instituições escolares católicas, dando azo, no futuro, a situações similares em “todas as entidades religiosas que empregam pessoas”, nomeadamente hospitais.

    Alguns representantes de organizações não-governamentais que defendem as liberdades civis, a American Civil Liberties Union da Nova Jérsia, já qualificaram o desfecho judicial como “decepcionante”.

    Este caso pode, efectivamente, criar um precedente, tanto mais que o advogado de Victoria Crisitello assegurou que não deverá recorrer da decisão, tendo em conta a jurisprudência do Supremo Tribunal dos Estados Unidos e a sua impossibilidade de interferir com as decisões legais a nível de cada Estado.

  • Fogo no Bairro Alto no quarteirão do PÁGINA UM

    Fogo no Bairro Alto no quarteirão do PÁGINA UM


    O incêndio que eclodiu esta manhã na Rua do Norte, em Lisboa, ocorreu em pleno quarteirão onde se situa a sede do PÁGINA UM, mas não afectou as nossas instalações. O prédio atingido encontra-se devoluto há cerca de duas décadas. e pertence à Câmara Municipal de Lisboa. Apesar de ostentar um aviso de um projecto camarário para a construção de 45 apartamentos T0, T1 e T2 nunca existiu qualquer movimentação de obras, mesmo depois do anúncio do programa governamental Mais Habitação. Só há, na verdade, propaganda municipal.

    De acordo com fontes contactadas pelo PÁGINA UM, o prédio camarário estaria a ser usado por sem-abrigos, embora se desconheça ainda as causas para o início do fogo, sendo descartado qualquer curto-circuito, uma vez que o prédio não possui instalação eléctrica operacional.

    O incêndio já foi dado como extinto, tendo sido combatido sobretudo pelos Sapadores de Lisboa, estando ainda em fase de rescaldo, mantendo-se, por agora, ainda dois veículos defronte ao edifício camarário. Houve registo de dois bombeiros com ferimentos ligeiros.

    Devido ao facto de os prédios da zona do Bairro Alto, pela sua construção mais antiga, possuírem muita madeira, o fumo ainda se mantém intenso, persistindo também nas instalações do PÁGINA UM, onde esta notícia foi escrita.

    Apesar destas circunstâncias, que obrigará a uma suspensão temporária do uso das nossas instalações, o PÁGINA UM continuará a manter o seu ritmo de trabalho.

    Enquanto isso, fazemos votos que a autarquia de Lisboa continue o seu Programa Renda Acessível, com menos propaganda e mais obra, construindo mesmo fogos de habitação. Nem que seja para evitar que os seus edifícios devolutos sejam, afinal, pastos para (outros) fogos.