Categoria: Saúde

  • Mortalidade infantil: na verdade, nunca estivemos tão bem

    Mortalidade infantil: na verdade, nunca estivemos tão bem

    Desde 2019, em cada ano, morreram menos de três bebés com menos de um ano em cada 1.000 nascimentos. Apesar de uma ligeira subida entre 2021 e 2022, nunca em Portugal se registara quatro anos consecutivos com a fasquia abaixo deste nível. Em 1970, a taxa de mortalidade infantil era 22 vezes superior. Médicos ouvidos pelo PÁGINA UM confirmam desempenho que coloca Portugal no Primeiro Mundo, mas lançam alertas para o futuro, sobretudo com a comunidade estrangeira ainda sem acompanhamento médico adequado e com a opção de partos fora dos hospitais.


    Quatro anos consecutivos com menos de três mortes de bebés com menos de um ano de idade por cada 1.000 nascimentos – este é o melhor desempenho de sempre do indicador da mortalidade infantil em Portugal, de acordo com a série de dados entre 1970 e 2022, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).

    O primeiro ano em que Portugal conseguira ficar abaixo dos três óbitos por mil nascimentos foi em 2010, tendo repetido em 2013, 2014, 2015, 2017 e depois, paulatinamente, a partir de 2019. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) até se conseguiram os melhores desempenhos: 2,44 e 2,43, respectivamente.

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    Sendo certo que a mortalidade infantil em 2022 subiu ligeiramente face a 2021, não existem, na verdade, motivos para fazer soar os alarmes, porque será humana e tecnologicamente impossível reduzir indefinidamente a mortalidade infantil.

    Actualmente, os valores colocam Portugal no pelotão da frente a nível mundial neste importante indicador que, além de representar vidas humanas, separa indelevelmente os países desenvolvidos daqueles que estão bastante atrasados em termos de desenvolvimento.

    Além disso, este indicador mostra uma evolução extraordinária numa geração: em 1970, a mortalidade infantil era cerca de 22 vezes superior: morriam então mais de 55 bebés em cada 1.000 nascimentos, ou seja, 5,5%. A partir da década de 80 do século passado, o indicador passou a estar abaixo dos 20, descendo para menos de 10 em 1.000 nascimentos nos anos 90. No presente século, apenas num ano (2002) se superou os 5 óbitos por 1.000 nascimentos, estando os valores da última década entre os 2,44 (em 2020) e os 3,24 (em 2016).

    Vários factores têm contribuído para o caminho que levou o país a uma redução tão acentuada da mortalidade infantil. “Melhorou o acesso a cuidados de saúde primários; houve uma maior vigilância de grávidas; e mais partos no hospital” destacou, ao PÁGINA UM, Miguel Oliveira e Silva, ginecologista-obstetra no Hospital de Santa Maria e professor catedrático de Ética Médica na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

    Evolução da taxa de mortalidade infantil (óbitos por mil nascimentos) entre 1970 e 2022. Fonte: INE.

    Este médico considera que os actuais indicadores são “positivos e encorajadores”, mas, apesar de acreditar que se pode reduzir ainda mais a mortalidade infantil em Portugal, defende que “não se pode esperar uma redução a zero”. “Haverá sempre algumas mortes”, apontou.

    Para este especialista, que também já foi presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, há porém questões fundamentais a resolver no sector da Saúde Pública. “Preocupa-me que 1,5 milhões de portugueses não tenham ainda acesso a cuidados de saúde primários, não têm médico de família. Isso pode afectar a vigilância de grávidas por terem dificuldade de acesso a cuidados de saúde.”

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    Este problema incide, em particular, à comunidade imigrante, sobretudo os que são oriundos de países asiáticos, como a Índia, o Bangladesh ou o Paquistão. “Além da questão da língua, porque não falam português e alguns mal falam inglês, não têm também acesso a cuidados de saúde primários; e, aliás, estamos muito longe disso”, lamenta Miguel Oliveira e Silva.

    Também Maria Paula Arteaga, directora do serviço de obstetrícia do Hospital dos Lusíadas, está preocupada com as perspetivas futuras. Sendo especializada em Medicina Materno-Fetal e Obstetrícia de Alto Risco, releva o aumento da mortalidade infantil em 2022 face a 2021, mas também de mães.

    Esta responsável salienta que, desde a década de 70, “a medicalização dos partos fez melhorar muito” o nível de mortalidade de mães e bebés, bem como a universalização do Plano Nacional de Vacinação. E considera que, apesar de tudo, se assiste actualmente a algum retrocesso que pode resultar num aumento futuro dos níveis de mortalidade infantil e materna.

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    “Por um lado, há muito mais mulheres de risco (a serem mães), mais velhas e com mais comorbilidades. A média de idades das mães nos partos ronda os 37 anos. Há mais mães com patologias e, portanto, mais gravidezes com patologias.”, destaca Maria Paula Arteaga.  

    Além disso, a médica obstetra lamenta que estejam a “aumentar os partos não medicalizados, os partos em casa”, considerando-os “um risco enorme”. “O parto em si é um risco. Uma mulher pode morrer de hemorragia pós-parto”, relembra ao PÁGINA UM. “Se antes, havia um excesso de medicalização do parto, agora caiu-se no extremo: temos telemóveis, Internet e Chat GPT, mas quer-se fazer partos como em África. Não faz sentido”, desabafa.

    Para Maria Paula Arteaga “devem existir normas e deve haver um meio-termo: não é medicalizar os partos, nem é cair no outro extremo”.

  • Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

    Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

    O secretismo tem sido a base do negócio das vacinas contra a covid-19. Contratos com claúsulas confidenciais, assumidas pela Comissão von der Leyen, custos unitários e totais escondidos pelos Governos, e cada vez mais lotes a serem deitados para o lixo por perda de validade. Mas agora que a pandemia foi dada como “extinta” pela Organização Mundial da Saúde, estando agora a covid-19 em fase endémica, os negócios chorudos das farmacêuticas anunciam-se ruinosas para as contas públicas na área da Saúde. Desde 2020, o Governo português já autorizou, através de Resoluções de Conselho de Ministros, gastos de quase 877 milhões de euros para a compra de 40 milhões de doses. Mas, pelas contas do PÁGINA UM, terá de pagar mais 66 milhões de doses, atendendo ao número estimado para Portugal nos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), feitos em nome dos Estados-membros pela Comissão Europeia.


    Portugal já gastou quase 877 milhões de euros com o processo de vacinação contra a covid-19, mas a factura total deverá superar os 1,6 mil milhões de euros, independentemente de as doses virem a ser administradas.

    Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros, a última de 15 de Dezembro do ano passado, desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo gás nos últimos meses.

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    Na última semana com dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde, entre 15 e 21 de Abril, foram apenas vacinadas 187 pessoas por dia. Na época de Inverno de 2022-2023 apenas se vacinaram cerca de 30% da população total, mas apenas 1% dos menores de 50 anos decidiu tomar a dose de reforço.  

    Com o final do período de emergência da pandemia, recentemente decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), será previsível que a administração das vacinas se circunscreva à população mais vulnerável – os maiores de 65 anos e/ ou pessoas com comorbilidades, tal como sucede com a vacina da gripe –, mas as compras terão de se manter por força dos acordos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.

    Ainda antes da aprovação de qualquer vacina, a Comissão Europeia, através de acordos específicos – os denominados Advance Purchase Agreements (APAs) – negociou contratos com cláusulas confidenciais, embora se saiba que foram assumidas compras de até 4,6 mil milhões de doses de vacinas a um custo total estimado próximo de 71 mil milhões de euros, de acordo com o Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu. Ou seja, um custo médio de 15,4 euros.

    Ursula von der Leyen estabeleceu acordos secretos e principescos para as farmacêuticas.

    Mesmo estando os compromissos assumidos pelo Governo português através da Comissão von der Leyen ainda no segredo dos deuses, como a população do nosso país representa 2,3% da população da União Europeia, a Direcção-Geral da Saúde deverá ter de adquirir um total de cerca de 106 milhões de doses.

    Ora, de acordo com informações transmitidas pelo Ministério da Saúde ao jornal Público, entre 2020 e este ano, as farmacêuticas – sobretudo a Pfizer e a Moderna – entregaram apenas cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.

    Deste modo, Portugal terá ainda de encomendar um pouco mais de 44 milhões de doses, mesmo se não tiver população suficiente a querer vacinas antes daquelas perderem a validade.

    Seja como for, e apesar do Governo, ao arrepio de um Estado democrático, esconder intencionalmente os contratos e os compromissos financeiros com as farmacêuticas, sabe-se que, até agora, e pela consulta das diversas Resoluções de Conselho de Ministros, o Governo consignou para a compra de vacinas e aquisição de consumíveis (agulhas, seringas e solventes) um total de 876.892.973 euros.

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    Ainda durante o ano de 2020, o Governo de António Costa disponibilizou uma verba de 215,5 milhões de euros, através de três diplomas. Ao longo de 2021 foram aprovados pelo Governo mais dois reforços muito substanciais – o primeiro de cerca de 241,5 milhões de euros e o segundo de um pouco mais de 291 milhões de euros.

    Por fim, no ano passado, houve mais dois reforços que totalizaram os 128,4 milhões de euros. Estes montantes não incluem os gastos que muitas autarquias tiveram com arrendamento de espaço e contratação de pessoal de enfermagem para os centros de vacinação.

    Mas há ainda mais incógnitas: não se sabe quantos dos 877 milhões de euros consignados para o programa vacinal se destinaram especificamente para a compra das vacinas, e se somente estarão pagas as 40 milhões de doses entregues ou também as 21,7 milhões de doses já encomendadas mas não entregues.

    Governo já consignou 877 milhões de euros para o programa vacinal contra a covid-19. Ainda vai ter de gastar muito mais mesmo que não haja procura dos portugueses por mais vacinas.

    Contudo, certo é que, confirmando-se que Portugal terá de adquirir o equivalente a 2,3% das doses assumidas pela Comissão von der Leyen, proporcional à população comunitária, o custo apenas das vacinas contra a covid-19 deverá ascender aos 1,6 mil milhões de euros. Ou seja, tanto quanto o Governo já autorizou gastar, até agora, na execução do programa vacinal.

    Porém, com uma diferença: enquanto até finais de 2022 apenas se deitou ao lixo, uma percentagem pequena de vacinas – o Ministério da Saúde fala numa taxa de inutilização de 8,5% –, a partir de agora, a menos que haja uma renegociação – que nunca poderá a prazer ser desfavorável aos vendedores –, as doses inutilizadas podem superar largamente aquelas que forem administradas. E começa a renascer o espectro do que sucedeu há uma década, com o Tamiflu.

  • Enquanto o Expresso noticia que não há dados… há uma base de dados cujo acesso está nas mãos do Supremo Tribunal Administrativo

    Enquanto o Expresso noticia que não há dados… há uma base de dados cujo acesso está nas mãos do Supremo Tribunal Administrativo

    É falso que não haja dados sobre enfartes ou sobre outras quaisquer doenças que afectam os portugueses, e que se mostra impossível saber a evolução. Mesmo se essa “informação” é garantida pelo Expresso, pois trata-se de misinformation. Na verdade, não só há informação detalhada sobre enfartes como de todas as outras doenças na Base de Dados dos Grupos Homogéneos de Diagnóstico, que o Ministério da Saúde está a lutar até ao Supremo Tribunal Administrativo para não permitir o acesso ao PÁGINA UM. Após duas decisões desfavoráveis, no Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, e no Tribunal Central Administrativo Sul, o Ministério de Manuel Pizarro luta agora convencer os desembargadores do Supremo Tribunal Administrativo, a derradeira instância, de que o pedido do PÁGINA UM é “manifestamente abusivo”. Repete 11 vezes este argumento para contestar o direito constitucional à informação de um jornal independente.

    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


    Uma notícia da última edição de Abril deste ano do semanário Expresso era taxativa: “Portugal sem registo do número de enfartes”. No corpo da notícia, Hélder Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explicava que “em Portugal, o registo de casos de enfarte no Registo Nacional de Síndromes Coronários Agudos feito pelos hospitais é voluntário. “Nem metade dos enfartes que acontecem estão registados”, sublinhava.

    É assim?

    Não, não é verdade. Sendo certo que este registo, gerido pela SPC, peca por defeito, por não ser obrigatório, existe um registo oficial, este sim obrigatório, onde constam todos os doentes admitidos nos hospitais públicos quer sejam por enfartes quer por outros problemas de doenças coronárias. E, enfim, de todas as doenças, acrescido da evolução ao longo do internamento.

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    Chama-se Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, servindo também como forma de cálculo para financiamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Os dados, que são anonimizados, permitiriam facilmente – cruzando ainda com as causas da morte do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – contabilizar ao dia, à semana, ao mês e ao ano a totalidade dos enfartes, e aliás de toda e qualquer doença e afecção.

    A quantidade e qualidade da informação presente na Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos é, porém, simultaneamente de enorme utilidade para uma adequada política de saúde pública mas sensíveis, se tornados públicos, para um Governo, porque se consegue detalhar, ao pormenor, o desempenho de cada hospital do Serviço Nacional de Saúde. Permite, ao pormenor, detectar evoluções anómalas de determinadas doenças. Permite, ao pormenor, encontrar indicadores de eventuais negligências médicas ou deficientes desempenhos. Permite saber muito.

    E é esse “permite saber muito” que faz com que esteja na “mira” do PÁGINA UM há quase um ano, e faz com que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), a entidade responsável pela gestão da Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, lute encarniçadamente para evitar o seu acesso integral e livre.

    Expresso noticiou que não há registos do número de enfartes. Não só dos enfartes como de todas as outras doenças na Base de Dados dos Grupos Homogéneos de Diagnóstico, que o Ministério da Saúde está a lutar até ao Supremo Tribunal Administrativo para não permitir o acesso ao PÁGINA UM.

    Mas uma coisa é a vontade política, e a cultura de obscurantismo, e outra a Lei.

    A “luta” vai, neste momento, já no Supremo Tribunal Administrativo. Esta semana, o PÁGINA UM teve de contra-alegar no recurso apresentado pela Administração Central do Sistema de Saúde, depois desta entidade tutelada pelo ministro Manuel Pizarro ter tido já duas decisões desfavoráveis. A primeira, em 24 de Novembro do ano passado, através da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. A segunda, mais recente, em 23 de Março deste ano, através do acórdão de três desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul.

    Mas o Ministério da Saúde não desiste. Nunca desiste nem desistirá da sua cultura de obscurantismo. O chamado “recurso de revisão”, que apresentou através da sociedade de advogados BAS – a mesma que defende o Infarmed a não conceder outra base de dados anonimizada, o Portal RAM (reacções adversas de medicamentos) – é uma peça de antologia, onde se explana a última cartada para convencer a Justiça da bondade de uma entidade que somente quer afastar dos olhos dos cidadãos sobre aquilo que sucede dentro dos hospitais e no interior dos gabinetes das autoridades de saúde.

    Neste recurso, entenda-se, está muito em jogo – e a própria Administração Central do Sistema de Saúde não tem papas na língua em assumir: fala até da relevância de uma decisão numa “dimensão social” – uma forma de dizer “dimensão política”, se o Supremo Tribunal Administrativo confirmar a legitimidade do acesso à base de dados.

    Victor Herdeiro, presidente da ACSS, quarto a contar da esquerda, durante a sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS em 7 de Julho do ano passado.

    Atente-se, por exemplo, a esta passagem crucial no argumentário usado pela sociedade de advogados que defende esta entidade tutelada pelo Ministério da Saúde:

    A capacidade de repercussão social da questão que subjaz aos presentes autos é evidente, designadamente pelo facto de, atualmente, ser possível identificar um vasto número de pedidos de acesso a documentação administrativa que contêm, em regra, dados pessoais, especificamente dados pessoais de natureza clínica, não sendo a ACSS a única entidade objeto de pedidos desta natureza, conforme tem vindo a ser objeto do conhecimento público. Ou seja, os contornos da questão a apreciar nos presentes autos indiciam que a solução a adotar poderá servir de bússola para a apreciação de casos análogos, extravasando, por isso, a esfera das partes aqui envolvidas. Deste modo, a questão a apreciar no presente recurso revela uma especial capacidade de repercussão social, termos em que a utilidade da decisão a proferir por este Supremo Tribunal extravasa tanto os limites do caso concreto como as partes envolvidas no litígio, impondo-se, por isso, um crivo mais exigente na solução a alcançar, justificando-se, nesses termos, e também por tais razões, a admissibilidade do presente recurso de revista.”

    Por outras palavras: o Ministério da Saúde está preocupado com os outros processos de intimação em curso intentados pelo PÁGINA UM, sobretudo relacionados com bases de dados de saúde, mesmo se estes são anonimizados ou anonimizáveis – ou seja, impossibilitam a identificação de qualquer pessoa.

    Brande um argumento político associado ao argumento da protecção da intimidade das pessoas – que está já protegida pela anonimização – para que, com isso, fiquem protegidos pela sindicância do desempenho do Serviço Nacional de Saúde e das políticas de saúde por parte de uma imprensa independente.

    Sentença de Novembro de 2022 e Acórdão de Março deste ano concedem legitimidade ao PÁGINA UM a aceder a uma base de dados anonimizada. ACSS argumenta agora basicamente que o pedido é “manifestamente abusivo”.

    No argumentário para “sensibilizar” os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, a Administração Central do Sistema de Saúde não se cansa de reputar e repetir, por 11 vezes, que o pedido de acesso à base de dados – que é susceptível de anonimação, conforme um despacho assim o admite – é “manifestamente abusivo”.

    Por 11 vezes, não vá, pensará o Ministério da Saúde, os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo estarem desatentos na leitura de algumas das 26 páginas.

    Sim, são 11 vezes, a saber:

    1 – “Ora, a realização do interesse público que incumbe à Administração Pública e, neste caso, à ACSS nos termos que vêm previstos na sua Lei Orgânica, determina que não deve a Administração executar tarefas que visem satisfazer pedidos manifestamente abusivos e que, em rigor, contendem diretamente com a prossecução das suas efetivas missões e atribuições, conforme sucede in casu.” (pg. 11)

    2 – “A questão basilar, neste caso, é, portanto, a seguinte: será razoável e conforme aos princípios gerais da atividade administrativa, concluir que a Administração Pública e, neste caso, a ACSS, deve ser condenada a satisfazer pedidos manifestamente abusivos que, para além de o serem, se afiguram prescindíveis por já terem sido previamente, in totum, satisfeitos? A resposta parece ser, necessária e indubitavelmente, negativa, à luz, uma vez mais, do princípio da proporcionalidade.” (pg. 11)

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    3 – “Neste sentido, assume uma inegável relevância social fundamental a delimitação das verdadeiras funções da Administração Pública, sob pena de se admitir, levianamente, que a Administração deve satisfazer todo e qualquer pedido, ainda que manifestamente abusivo e desrazoável, o que não se pode admitir.” (pg. 12)

    4 – “A desrazoabilidade da decisão do TCA Sul, inclusive, motivo de espanto da Recorrente, uma vez que, sendo os órgãos jurisdicionais conhecedores diretos do número limitado de meios e da dificuldade inerente à prossecução e concretização das missões e atribuições dos órgãos e entidades que integram a Administração Pública, deles se esperaria um mais adequado juízo acerca da (des)proporcionalidade e (des)razoabilidade de pedidos de acesso a informação que, por se revelarem abusivos e, e[m] rigor, desnecessários, impedem uma eficaz prossecução das aludidas missões e atribuições.” (pg. 13)

    5 – “Em suma, tais questões, incidem, fundamentalmente, sobre os seguintes aspetos, manifestamente contrários ao princípio da proporcionalidade: i) o pedido de informação subscrito é manifestamente abusivo, atenta a sua dimensão, bem como a dimensão da anonimização dos dados pessoais que dela constem; ii) o prazo de dez dias concedido à Recorrente para o fornecimento daquela informação com o consequente expurgo dos dados pessoais é manifestamente incompatível com o esforço, os meios e os recursos que aquela tarefa implica; e iii) a informação constante do Portal da Transparência já satisfaz, in totum, a pretensão do aqui Recorrido. Em face do exposto, é cristalina a relevância jurídica e social fundamentais da apreciação do caso dos presentes autos, sendo ainda tal apreciação necessária para uma melhor aplicação do direito, estando, assim, preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade consagrados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.” (pg. 15)

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    6 – “Mais acrescenta o n.º 3 do artigo 15.º do mesmo diploma que «[a]s entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente». Em face do que antecede e da circunstância de consubstanciar um facto notório que a base de dados GDH contém uma vastidão de informação, designadamente atenta a janela temporal desenhada pelo Recorrido, a conclusão de que tal pedido é desproporcional, desrazoável e excessivamente oneroso para a ACSS decorre, em todo o caso, das regras da experiência comum, conforme já referido em sede de análise da admissibilidade do presente recurso.” (pg. 18)

    7 – “Em síntese, a violação do princípio da proporcionalidade manifesta-se na circunstância de não ser razoável condenar a Recorrente na satisfação de um pedido que é, por natureza, manifestamente abusivo, bem como pela circunstância de, mesmo que assim não se entenda, se ter condenado a ACSS a satisfazer tal pedido no prazo reduzido de dez dias e, ainda, na circunstância de tal pedido ter sido já cabalmente satisfeito por via da publicação dos dados no supramencionado Portal.” (pg. 20)

    8 – “Determina o princípio da proporcionalidade que não deve, sem mais, ser admitido o sacrifício desproporcionado de interesses próprios da Administração. É, no entanto, precisamente isso que se verifica in casu, uma vez que a decisão do douto Tribunal a quo se revela manifestamente desproporcional ao considerar procedente um pedido de informação manifestamente abusivo, concedendo, nesse quadro, um reduzido prazo de dez dias para a sua satisfação, não atendendo, contudo, ao facto de tal pedido já estar integralmente satisfeito atenta a informação publicamente disponível no Portal da Transparência do SNS.” (pg. 22)

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    9 – “Nesta ótica, o presente recurso assume um papel fundamental na resposta à questão de saber qual é, afinal, o papel da Administração Pública (em concreto, da ACSS) e, nesse caso, se lhe deve ser exigida a satisfação de pedidos manifestamente abusivos, desproporcionais e desrazoáveis, em detrimento do desempenho de todas as funções que efetivamente lhe incumbem nos termos da lei.” (pg. 23)

    10 – “Dito isto, refira-se que a violação do princípio da proporcionalidade pelo TCA Sul consubstancia-se, em síntese, no facto de o pedido formulado pelo Recorrido ser manifestamente abusivo atenta a dimensão da informação requerida, bem como pela circunstância de o prazo fixado pelo tribunal para a satisfação de tal pedido ser absolutamente insuficiente e incompatível com as circunstâncias do caso concreto, e, ainda, pelo facto de não se compreender em que medida pode a Recorrente ser condenada a satisfazer um pedido já satisfeito, conforme fica demonstrado por via da consulta e análise dos dados publicados no Portal da Transparência do SNS.” (pg. 24)

    11 – “Atentas as regras da experiência comum e o facto de a excessiva onerosidade inerente ao pedido do Recorrido consubstanciar um facto notório, mesmo que tal não tivesse sido alegado ou o tivesse sido imperfeitamente, sempre se alcançaria a conclusão de que a anonimização do vasto número de dados aqui em causa representa uma violação do princípio da proporcionalidade, consubstanciando um pedido manifestamente abusivo e, por isso, inaceitável.” (pg. 25)

    E, no entanto, o PÁGINA UM somente está a fazer jornalismo num país que, dentro de meses, comemora os 50 anos de Democracia. Tem agora a palavra o Supremo Tribunal Administrativo.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Petição quer referendo sobre adesão portuguesa ao novo Tratado Pandémico

    Petição quer referendo sobre adesão portuguesa ao novo Tratado Pandémico

    Depois da covid-19, muitos Governos e a Organização Mundial de Saúde (OMS), e também outras organizações, algumas com ligações ao lucrativo sector farmacêutico, consideram fundamental um acordo internacional que agilize a implementação de medidas globais de saúde pública. Mas há quem veja no previsto Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias uma janela de oportunidades para impor restrições de direitos em países democráticos. Uma petição, lançada na semana passada, está a tentar obter 60 mil assinaturas para a realização de um referendo por iniciativa popular. Além de questionar a aceitação de um tratado nos moldes conhecidos, o documento que acompanha a petição coloca mesmo em causa a manutenção de Portugal no seio da OMS, se este organismo não garantir a sua independência.


    Deve Portugal manter-se como membro da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto esta agência subordinada às Nações Unidas arrecadar a maioria do seu financiamento através de fundações e entidades privadas? Esta é uma das três questões que uma petição, lançada na passada quarta-feira pela médica-dentista Marta Gameiro, pretende levar a referendo.

    De acordo com a lei, um referendo por iniciativa popular necessita de juntar 60 mil assinaturas num prazo máximo de seis meses, mas a última palavra cabe sempre aos deputados na Assembleia da República. Até esta tarde, a petição contava ainda com apenas 668 assinaturas.

    Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS.

    Ao PÁGINA UM, Marta Gameiro, dinamizadora da petição e autora do texto enquadrador intitulado “Referendo pela autodeterminação em Saúde – Portugal e a OMS”, defende que o principal objectivo é a “promoção de um debate“, admitindo porém que pôr em causa a permanência de Portugal na OMS “foi um risco“.

    A petição, segundo Marta Gameiro, servirá sobretudo para “auscultar” a opinião dos portugueses sobre o controverso Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias – que, a avançar, será juridicamente vinculativo para os 194 Estados-membros integrantes da OMS–, bem como sobre as alterações que poderão ser feitas ao Regulamento Sanitário Internacional.

    Os críticos deste novo Tratado salientam que, a ser aprovado, concederá poderes ilimitados à OMS, que não é uma entidade com responsáveis eleitos democraticamente, e que, em caso de nova pandemia, podem ultrapassar as directrizes dos Governos e até as Constituições dos países.

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    Além disso, está prevista a introdução de cerca de três centenas de alterações ao Regulamento Sanitário Internacional, incluindo a suspensão de direitos humanos em situações de crise de Saúde Pública. Em suma, com estes normativos globais, fica ainda mais limitada a capacidade de os países tomarem decisões de forma autónoma numa futura emergência de saúde pública, e ainda mais a forma dos cidadãos se defenderem contra medidas discricionárias que afectem direitos humanos.

    Marta Gameiro considera ser fundamental que discutam estas questões. “Aquilo que está em jogo é a possibilidade de uma elite tomar conta de uma organização que supostamente é independente“, salienta, fazendo alusão às ligações da OMS ao sector farmacêutico e a fundações privadas com interesses comerciais.

    Apesar destes receios, o director-geral da OMS, Tedros Adhanom, garantiu em 17 de Março passado, numa conferência de impresa, que as propostas em estudo jamais eliminarão a soberania dos países em caso de nova pandemia.

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    Na pandemia de covid-19, cientistas de topo que se opunham às posições da OMS foram censurados e perseguidos.

    “É essencial enfatizar que este acordo está a ser negociado por países, para países, e será adotado e implementado pelos países, de acordo com suas próprias leis nacionais”, enfatizou o antigo ministro da Saúde e dos Negócios Estrangeiros da Etiópia, acrescentando que “a afirmação de alguns de que este acordo constitui uma violação da soberania nacional é manifestamente errada”. “Os países, e só os países, decidirão o que está no acordo, não o pessoal da OMS”, concluiu.

    Em todo o caso, os receios de perda de soberania e suspensão de direitos humanos em caso de novas pandemias mantêm-se. No texto da petição dinamizada por Marta Gameiro considera-se que a OMS “está a promover um tratado pandémico e alterações ao Regulamento Sanitário Internacional existente, para aumentar o seu poder durante as emergências sanitárias”. Adianta ainda que “estas propostas também alargam o âmbito das emergências de modo a incluir danos potenciais em vez de danos reais”, além de sugerir “uma definição de ‘One Health’ que engloba qualquer ocorrência na biosfera que possa ter impacto no bem-estar humano”.

    Por outro lado, também se critica o excessivo “poder de decisão [que] será colocado nas mãos de uma única pessoa, o director-geral da OMS”, receando-se que a intenção também seja “a de suprimir e censurar as vozes daqueles que questionam os ditames do director-geral“.

    Marta Gameiro, autora da petição foi também organizadora do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima em Outubro do ano passado.

    Recorde-se que Marta Gameiro é também a promotora de uma outra petição similar, mas que não questionava a adesão portuguesa à OMS, tendo agregado 7.317 assinaturas. Esta petição foi já abordada, numa primeira fase, em audição da Comissão de Saúde da Assembleia da República no passado dia 16 de Fevereiro.

    A comissão parlamentar responsável pela apreciação daquela iniciativa ainda não concluiu o processo, e todo o processo tem sido tratado com fraca relevância pelos deputados dos diversos partidos. Esta petição, aliás, nem sequer tem marcado agendamento previsto em plenário.

  • Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

    Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

    Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, o Ministério de Manuel Pizarro jurou que não havia contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que tudo fora negociado pela Comissão von der Leyen. Hoje, cerca de quatro meses depois, ao jornal Público, o Ministério da Saúde informa que afinal celebrou 14 contratos com seis farmacêuticas. O processo de intimação, ainda em análise, envolve também manipulação do Portal Base, onde quatro contratos estiveram durante dois anos online, mas foram suprimidos. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


    O Ministério da Saúde garantiu ao jornal Público que “entre 2020 e este ano Portugal celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas e que foram entregues cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses [de vacinas contra a covid-19] encomendadas e adquiridas para o período até 2023”, de acordo com a notícia de manchete da edição de hoje.

    A assumpção da existência de 14 contratos, assinados pela Administração Pública, constitui assim uma confissão de ter o Ministério da Saúde mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa no âmbito da intimação do PÁGINA UM apresentada no último dia do ano passado.  

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    No decurso dessa intimação, ainda em análise judicial – em que o PÁGINA UM pretende ter acesso aos contratos assinados por entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, bem como as guias de transporte e comunicações com as farmacêuticas –, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam sequer contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

    Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como nas alegações ao processo de intimação, o Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

    E no ponto 13 dessa alegações, na página 4, o Ministério da Saúde é taxativo: “Tudo isto para concluir que este Ministério da Saúde não possui os documentos solicitados [negrito no original] sendo certo que cada entidade requerida [de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos] só tem de facultar informação ou documentação que detenha ou possua”.

    Com a informação transmitida agora ao jornal Público, cai assim por terra esse argumento, ou seja, o Ministério da Saúde mentiu a uma instância judicial.

    Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, o Ministério da Saúde garante que não tem contratos. Cerca de quatro meses depois, ao Público, o Ministério da Saúde diz que celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas contra a covid-19.

    Aliás, conforme o PÁGINA UM também já tinha destacado, durante cerca de dois anos, chegaram a constar quatro contratos no Portal Base de compra de vacinas contra a covid-19, todos assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se, contudo, já guardados no servidor do PÁGINA UM.

    Porém, estes quatro contratos – que abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo – foram apagados do Portal Base em Janeiro passado, poucos dias após a interposição na intimação pelo PÁGINA UM, sendo substituídos por folhas em branco.

    O Ministério da Saúde pretendeu assim manipular a juíza do processo, fazendo crer que estavam em causa documentos confidenciais, algo que não encontra respaldo na legislação de contratação pública.

    O Ministério da Saúde tem, no âmbito dos contratos das vacinas contra a covid-19, cultivado uma postura de absoluto obscurantismo e manipulação.

    Recorde-se que se ignoram ainda os custos totais dos contratos são ainda desconhecidos, mas as contas ainda não estão fechadas. Ao nível da União Europeia apenas foram administradas cerca de 60% das vacinas contratualizadas pela Comissão von der Leyen no ano de 2020, o que significa que poderão ter de ser pagas muitos milhões de doses que nunca serão utilizadas, numa altura em que a procura pelos cidadãos é extremamente escassa.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, negociou contratos com cláusulas de confidencialidade que podem ser ilegais e redundar em compras supérfluas. O obscurantismo da Comissão Europeia alastra até Portugal.

    A postura do Ministério da Saúde perante o Tribunal, não respondendo sequer às solicitações da juíza do processo, Telma Nogueira, a par da manipulação do Portal Base, levou mesmo o PÁGINA UM a apresentar uma queixa por litigância de má-fé.

    De acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Efeitos adversos: este ano, há quase nove mortes por dia associadas às vacinas da covid-19 na Europa

    Efeitos adversos: este ano, há quase nove mortes por dia associadas às vacinas da covid-19 na Europa

    A Organização Mundial da Saúde declarou hoje o fim da pandemia da covid-19, mas as contas continuam por encerrar. Numa altura em que se prepara um acordo internacional para próximos “embates pandémicos”, há muitas questões ainda em aberto, a necessitar de esclarecimentos e de informação. A começar pelos efeitos adversos das vacinas. O PÁGINA UM actualizou a consulta à base de dados da EudraVigilance e constatou que só este ano, entre 1 de Janeiro e 1 de Maio, já foram contabilizadas 1.045 mortes associadas às 11 vacinas nos países abrangidos pela Agência Europeia do Medicamento, de entre um total de 70.789 reacções adversas.


    Oficialmente terminada hoje, por decisão burocrática da Organização Mundial da Saúde (OMS), a pandemia da covid-19 deixa, até hoje, e de forma oficial, um rasto de mais de 687 milhões de casos positivos e um total de um pouco menos de 6,8 milhões de mortes.

    A OMS e os mais distintos Governos, incluindo o português, invocam as vacinas contra a covid-19 como o grande contribuidor para que o SARS-CoV-2 se tornasse endémico, menorizando o papel da variante Ómicron e a imunidade natural (dos infectados), mas esquecem de debater um dado sombrio: os efeitos adversos das vacinas.

    a person in a red shirt and white gloves

    Apesar dos pedidos insistentes do PÁGINA UM para aceder aos dados nacionais das reacções adversas às vacinas contra a covid-19 terem sido recusados pelo Infarmed – que conseguiu através de artimanhas ludibriar o Tribunal Administrativo de Lisboa, estando agora a sentença em recurso –, a informação disponibilizada, de pouca facilidade de consulta, pela Agência Europeia do Medicamento mostra que os problemas existem. Melhor, continuam a existir, neste momento. E deveriam ser enfrentados.

    Numa análise do PÁGINA UM à base de dados da EudraVigilance, gerida pela Agência Europeia do Medicamento, apenas às notificações dos reguladores e das farmacêuticas no presente ano, até 1 de Maio, constam no sistema um total de 70.789 reacções adversas, das quais 35.947 graves. Destas, 1.045 resultaram em morte. Ou seja, em cada dia, são quase nove mortes suspeitas de estarem associadas às vacinas contra a covid-19.

    Embora a inclusão dos casos letais notificados na EudraVigilance não signifique inapelavelmente que as vacinas sejam a causa de morte, as suspeitas são muito relevantes, tanto mais que, em grande parte das situações, são as próprias farmacêuticas que enviam os registos individuais anonimizados.

    Número de registos de mortes associadas à administração de vacinas contra a covid-19 entre 1 de Janeiro e 1 de Maio de 2023. Fonte: Eudravigilance.

    De acordo com a informação compilada pelo PÁGINA UM, uma das vacinas bivalente da Pfizer (Tozinameran) é aquela que está associada, este ano, a um maior número de mortes (486), seguindo-se a vacina da AstraZeneca (140) e a primeira versão da vacina da Moderna (Elasomeran, com 131).

    No entanto, não existem dados – por recusa das autoridades e também das farmacêuticas –, que permitam aferir as diferentes incidências de reacções adversas das vacinas por tipo. Para isso, seria necessário conhecer o número de vacinas administradas de cada vacina, e também ter em consideração os grupos etários.

    Além disso, também se desconhece se os efeitos adversos notificados este ano se devem à administração recente ou mais antiga, porque nada é indicado sobre esta matéria no sistema da EudraVigilance.

    Contudo, aparentemente, haverá já um número significativo de efeitos adversos de médio prazo, tendo em conta o número ainda elevado de reacções adversas associadas às primeiras versões das vacinas da Moderna (Elasomeran) e da Pfizer (Tozinameran) e às vacinas da AstraZeneca e da Jannsen, que praticamente deixaram de ser administradas a partir da segunda metade do ano passado, ou mesmo antes.

    Número de registos de reacções adversas na Europa de vacinas contra a covid-19 entre 1 de Janeiro e 1 de Maio de 2023. Fonte: EudraVigilance.

    Um outro aspecto que nunca é destacado pelas autoridades – que têm colocado as reacções adversas como um tema tabu, enquanto destacam excessivamente os efeitos secundários da covid-19 (long covid) – refere-se aos distintos desempenhos de segurança das vacinas aprovadas. Não há estudos sobre essa matéria.

    Apesar de não ser possível calcular a incidência de reacções adversas – número por doses administradas por cada grupo etário, porque esses dados actualizados não existem –, mostra-se possível estimar, através dos dados da EudraVigilance, a percentagem de mortes por reacções adversas. Ou seja, não sendo perfeito, constituiu um indicador aceitável para início de debate.

    E as diferenças aparentam ser marcantes, conforme o PÁGINA UM confirmou na análise aos dados (pouco detalhados) disponibilizados pela Agência Europeia do Medicamento.

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    Por exemplo, no caso da vacina da Jannsen, 5,3% dos casos de reacções adversas resultaram em morte, um valor que é mesmo assim inferior a uma das vacinas da Moderna (Elasomeran-Davesomeran), que é de 6,2%.

    No extremo oposto, e não incluindo as vacinas das farmacêuticas com vacinas recentes (Novavax, Valneva e Sanofi, que não foram usadas em Portugal), as duas vacinas primitivas da Moderna e da Pfizer apresentaram um menor rácio de morte por efeitos adversos (1,2%).

  • Entrada nos Estados Unidos: Governo Biden deixa (finalmente) cair exigência de certificado vacinal contra a covid-19

    Entrada nos Estados Unidos: Governo Biden deixa (finalmente) cair exigência de certificado vacinal contra a covid-19

    A vacina contra a covid-19 nunca forneceu garantias de evitar a infecção e a transmissibilidade do SARS-CoV-2, mas muitos Governos impuseram restrições a não-vacinados, como a apresentação de certificados no acesso às fronteiras. Os Estados Unidos eram ainda um dos redutos dessa intransigente e absurda medida sem base científica e com problemas éticos. Ontem à noite, o Governo Biden decidiu que, a partir de dia 11, qualquer pessoa pode livremente entrar por via aérea nos Estados Unidos sem exigência desta vacinação. Por via terrestre e marítima, a proibição cai no dia seguinte. O tenista sérvio Novak Djokovic já pode ir bater umas bolas nos courts do Tio Sam, depois de ser proibida a sua participação, nos passados meses de Março e Abril, em dois importante torneios por ter optado não se vacinar.


    Era a informação que faltava para confirmar não apenas o fim da pandemia da covid-19, mas também o absurdo dos obstáculos legais de viagem em função de uma vacina que nunca garantiu qualquer protecção relevante contra a transmissão da infecção. A partir do dia 11 deste mês, os Estados Unidos deixam de exigir certificado de vacinação contra a covid-19 para viajantes internacionais, bem como para funcionários e contratados pelo Governo Federal.

    A decisão, transmitida ontem pela Casa Branca, releva que “embora a vacinação continue sendo uma das ferramentas mais importantes para promover a saúde e a segurança dos funcionários e promover a eficiência dos locais de trabalho”, se está agora “numa fase diferente”, e que essas imposições de controlo dos visitantes “não são mais necessárias”.

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    Este é o corolário de uma pressão interna para que a Administração Biden abandonasse uma medida sem sustentação científica e que colocava questões éticas consideráveis. Recorde-se, aliás, que a União Europeia também aprovou, em meados do ano passado, a prorrogação do polémico certificado digital de vacinação por mais 12 meses, apesar de uma das mais participadas consultas públicas, mas esse diploma foi-se esvaziando.

    Nos Estados Unidos, o fim do certificado vacinal começou em Fevereiro passado, quando a Câmara dos Deputados dos Estados Unidos votou pela suspensão dessa exigência, que já era uma das poucas restrições remanescentes de viagens ainda em vigor a nível mundial.

    A manutenção deste certificado digital ainda era mais absurdo, porque não possibilitava sequer a opção por um teste negativo. Saliente-se que uma pessoa vacinada, se infectada, terá em princípio um teste positivo e, portanto, capacidade para infectar.

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    Com efeito, em Junho do ano passado, o Governo Biden tinha retirado a exigência de teste negativo para as pessoas que chegassem aos Estados Unidos por via aérea, mas manteve os requisitos de vacinação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) para a maioria dos viajantes estrangeiros.

    Estas regras impediram, por exemplo, o tenista sérvio Novak Djokovic de participar de alguns torneios nos Estados Unidos desde o ano passado, por não estar vacinado contra a covid-19. Já este ano, o tenista sérvio tinha visto ser rejeitado uma autorização especial para participar no Masters 1000 de Miami, que se realizou entre 8 e 19 de Março, e no Indian Wells, que decorreu entre 22 de Março e 2 de Abril. Apesar dos seus principais opositores – Carlos Alcaraz e Daniil Medvedev – terem vencido estes dois torneios, Dkokovic mantém ainda a liderança do ranking ATP.

    Com o levantamento da proibição, Novak Djokovic termina um longo calvário de obstáculos políticos, burocráticos, não-desportivos e não-científicos, e pode assim participar no US Open deste ano, que decorre a partir de 28 de Agosto.

    No total, o sérvio ficou impedido de participar em seis torneios ATP, quatro em 2022 e dois este ano, por causa das restrições vacinais, com o caso mais emblemático a ocorrer na Austrália, onde o tenista chegou a ser humilhantemente detido e deportado em Janeiro de 2022.

    Entretanto, também o Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos informou que a partir de 12 de Maio não exigirá mais que os viajantes não-americanos que entrarem no país por via terrestre ou marinha comprovem estar vacinados contra a covid-19.

  • #TwitterFiles: Organização Mundial de Saúde alterou informação para permitir censurar o apresentador Tucker Carlson

    #TwitterFiles: Organização Mundial de Saúde alterou informação para permitir censurar o apresentador Tucker Carlson

    A demissão pela Fox News de um dos mais populares e influentes pivots norte-americanos, sobretudo da ala direita, apanhou o público de surpresa. Fervoroso apoiante de Donald Trump, Tucker Carlson apresentava desde 2016 um programa líder de audiências. Um “alvo a abater” pela ala democrata, Carlson esteve particularmente activo nas críticas à gestão da pandemia. Os Twitter Files revelaram entretanto que também ele foi alvo de censura mesmo quando fez referências correctas usando informação da Organização Mundial de Saúde, que as alterou para que as redes sociais lhe colocassem o selo de misinformation.


    Tucker Carlson é o homem do momento nos Estados Unidos. Depois de ter sido demitido pela Fox News – uma semana após a cadeia televisiva de Rupert Murdoch ter estabelecido um acordo de indemnização da ordem dos 787 milhões de dólares à Dominion Voting Systems para suspender um processo por difamação que envolvia acusações de fraude no processo eleitoral –, o apresentador norte-americano fez uma aparição no Twitter, lançando farpas contra aqueles que o querem silenciar. Conseguiu, até agora, mais de 79 milhões de visualizações.

    Mas, ironicamente, o Twitter foi uma das redes sociais que, durante a pandemia, e apesar da popularidade de Carlson junto da ala mais conservadora dos Estados Unidos, o censurou, através de um processo no mínimo rocambolesco.

    Tucker Carlson

    De acordo com mais uma série dos Twitter Files, divulgada na passada quinta-feira pelo jornalista Paul D. Thacker, houve um artigo de opinião de Tucker Carlson que lançou imensa preocupação nos estrategas da gestão da pandemia. Em 23 Junho de 2021, Carlson, que só no Twitter tem quase sete milhões de seguidores, alertava para os riscos da vacinação contra a covid-19 nas crianças.

    Sob um título acutilante – “A vacina contra a covid-19 é perigosa para crianças e a Big Tech não quer que saiba disso” –, o pivot norte-americano consubstanciava a sua posição em directrizes que então constavam explicitamente do site oficial da Organização Mundial de Saúde (OMS). Nessa altura, a OMS afirmava que as crianças não deviam ser vacinadas contra a covid-19 por ainda não existirem evidências suficientes de segurança para este grupo etário.

    Nessa intervenção, Carlson era extremamente crítico para com as as Big Tech: “Por mais de um ano, os monopólios tecnológicos de Silicon Valley usaram as declarações oficiais da OMS para determinar o que os consumidores norte-americanos de notícias podem saber – e o que devem ser proibidos de saber – sobre a covid-19. O Facebook até anunciou uma parceria formal com a OMS para ‘levar informações atualizadas e precisas a milhões de pessoas’. Essa parceria – entre uma ONG controlada pela China e as plataformas de tecnologia dependentes da China – continuou sem problemas até poucos dias. Foi quando os burocratas da OMS publicaram novas orientações sobre vacinas. Aqui está o que diz: crianças não devem tomar a vacina contra o coronavírus. Porquê? Esses fármacos são muito perigosos. Não há dados suficientes para entender os efeitos a longo prazo ou para mostrar que os benefícios valem o risco que trazem. Esta é uma notícia terrível, claro, para a indústria farmacêutica. A Big Pharma planeia testar a vacina em crianças de seis meses. É profundamente embaraçoso para grande parte da media, que parou de criar histeria sobre espiões russos para vender vacinas aos seus telespectadores. E, acima de tudo, é um repúdio chocante às autoridades [establishment] norte-americanas, que têm pressionado incansavelmente a vacinação universal, inclusive em crianças. O principal conselheiro da pandemia de [Joe] Biden, Zeke Emanuel, declarou que os jovens deveriam ser obrigados a tomar a vacina.”

    Impacte público de intervenção de Tucker Carlson levou OMS a alterar recomendação que abriu “portas”
    a censura nas redes sociais.

    Carlson continuava a atacar as redes sociais, como o Facebook, por censurarem mesmo informações verídicas, se questionassem a eficácia e benefícios das vacinas contra a covid-19. “Você não tem permissão para sugerir o contrário. Não importa quais dados possa ter. Não importa quais dados possa ter, não importa o que uma organização de saúde possa lhe dizer.”, concluía o apresentador.

    Perante a dimensão pública das palavras de Tucker Carlson, a OMS reagiu rapidamente. Segundo o jornalista Paul D. Thacker, “a OMS editou furtivamente a sua página sobre as vacinas contra a covid-19 para remover a linguagem que Tucker citara no seu artigo”.

    Depois, “no dia seguinte, funcionários do Twitter começaram a discutir o artigo de Tucker e a forma de limitar o seu impacte sem chamar a atenção para Tucker e sem criar ‘riscos políticos’ para o Twitter por estar a censurar diretamente a Fox News.”

    Jornalista Paul D. Thacker, que tem tido acesso aos Twitter Files, revelou que a Organização Mundial da Saúde se censurou a ela própria para que Tucker Carlson fosse censurado.

    Ou seja, segundo Paul D. Thacker, “a OMS auto-censurou-se sobre as vacinas para ajudar o Twitter a censurar Tucker Carlson”.

    Certo é que os e-mails internos da rede social agora controlada por Elon Musk mostram que os seus funcionários congeminaram uma estratégia para censurar o artigo de Carlson logo no dia seguinte à sua publicação. Se “os links para este artigo de opinião de Tucker Carlson, uma figura televisiva proeminente, violam a nossa política de informações enganadoras sobre a covid-19”, é a dúvida que uma executiva coloca à equipa.

    Esta tarefa era, contudo, espinhosa. Por exemplo, um destacado funcionário do Twitter, Brian Clarke, defendeu então que agir, censurando, sobre o endereço do artigo do então apresentador da Fox News poderia ter um efeito contraproducente, porque Tucker Carlson falava precisamente sobre “a censura das grandes tecnológicas”.

    woman wearing white and beige sari dress

    O Twitter acabou por optar pela classificação como desinformação se houvesse partilhas em que se reforçasse a opinião de Tucker Carlson.

    Um dos aspectos também relevantes desta nova revelação de Paul D. Thacker tem a ver com a promiscuidade entre política, negócios e redes sociais quando o assunto era a vacina contra a covid-19. O jornalista salienta que a funcionária do Twitter que primeiro alertou para o “perigo” do artigo de opinião de Tucker foi Elizabeth Busby, que ocupara o cargo de vice-secretária de imprensa nacional do líder da maioria no Senado, Chuck Schumer, um crítico frequente de Tucker Carlson.

    Tendo ingressado no Twitter em 2020, Busby trabalhara antes para a SKDK, uma agência de relações públicas e de lobby estreitamente alinhada com o Partido Democrata.

    Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.

  • Polémico antiviral da Gilead associado à morte de 927 doentes com covid-19 na Europa. Mais de 200 serão portuguesas

    Polémico antiviral da Gilead associado à morte de 927 doentes com covid-19 na Europa. Mais de 200 serão portuguesas

    O PÁGINA UM consultou em detalhe quase três mil registos individuais da base de dados da Agência Europeia do Medicamento onde o remdesivir surge como fármaco suspeito de causar efeitos secundários graves e de ter contribuído para a morte de mais de 900 doentes-covid. Portugal insistiu, por força de um lobby de médicos, em manter o fármaco da Gilead como terapêutica rotineira. Resultado: o nosso país é o segundo país europeu com mais casos, e as mortes deverão já ultrapassar as duas centenas.


    Comercializado pela Gilead, sob a forma comercial de Veklury, o remdesivir foi o antiviral mais “acarinhado” por grande parte dos especialistas portugueses para o tratamento da covid-19, mas as fortes suspeitas de efeitos adversos gravíssimos, incluindo mortes, vão-se acumulando na Agência Europeia do Medicamento (EMA).

    De acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados da EudraVigilance, desde 3 de Abril de 2020 até á data, foram reportadas 927 mortes associadas à aplicação de remdesivir em doentes-covid– em muitos casos sem autorização nem conhecimento dos pacientes ou familiares.

    Apesar de o primeiro ano da pandemia ter sido aquele que regista um maior número de vítimas onde o Veklury é indicado como suspeito de ter contribuído para a morte – em mais de 90% dos casos como o único fármaco suspeito –, este ano surge ainda registos de 68 mortes, das quais 47 com o fármaco da Gilead como único suspeito.

    Em 2020, a base de dados da EudraVigilance – que obriga a uma consulta registo a registo, intencionalmente para dificultar os trabalhos de consulta e verificação – aponta para 464 mortes, valor que diminuiu para 190 no ano seguinte. No ano passado foram contabilizadas 205 mortes.

    Considerando todas as reacções adversas graves, segundo a classificação da EMA, o ano de 2020 contou com 1.109 casos individuais (doentes), descendo para 818 em 2021, 742 em 2022. Este ano, com o mais recente registo de 14 de Abril (e a última morte no dia anterior), contabilizam-se 211 casos.

    A redução dos casos não se deveu propriamente à evolução da pandemia, mas sim ao abandono da terapêutica com o remdesivir contra a covid-19 em muitos países europeus. Itália e Portugal foram as excepções, tendo mantido o uso do Veklury nas terapêuticas.

    Recorde-se que, como denunciou o PÁGINA UM, três médicos – Filipe Froes, António Diniz e Fernando Maltez – integraram simultaneamente a equipa de consultores da DGS para a elaboração e actualizações das normas terapêuticas contra a covid-19 e a equipa de consultores da Gilead especificamente para este fármaco, inicialmente produzida para o combate contra o ébola.

    Filipe Froes, ao centro, foi um dos médicos que fez parte do lobby da Gilead: era consultor do remdesivir para a farmacêutica norte-americana e integrava simultaneamente a equipa que definia as terapêuticas para a covid-19. Não foi o único.

    Em resultado disso, Itália (30,9%) e Portugal (23,0%) concentram, de acordo com os dados da EMA, mais de metade dos casos de reacções adversas para o remdesivir.

    Embora a EMA esconda intencionalmente o país de origem das vítimas – e o PÁGINA UM tem um recurso no Tribunal Central Administrativo Sul para ver reconhecido o direito de acesso aos dados anonimizados respeitantes a Portugal –, se a gravidade das reacções adversas no nosso país for proporcional aos casos, mostra-se assim expectável que o remdesivir seja o suspeito principal da morte de mais de duas centenas de portugueses. As estimativas do PÁGINA UM apontam para 214 mortes.

    Sendo certo que uma forte suspeita – ainda mais em doentes que se encontravam fragilizados pela covid-19 –, não é garantia de ser causa (embora 927 suspeitas já sejam suspeitas a mais num fármaco que acabou por ser usado com limitações), surpreende sobretudo a cortina de silêncio e o obscurantismo da Gilead e das diversas autoridades nacionais e internacionais sobre os impactes do remdesivir mostra-se intolerável.

    Número de casos individuais, percentagem e estimativa do PÁGINA UM das mortes suspeitas associadas ao remdesivir. Fonte: EMA.

    Ao longo dos últimos meses, o PÁGINA UM tentou obter reacções tanto da Gilead – a última tentativa foi em 19 de Janeiro – como da Direcção-Geral da Saúde, sem qualquer resposta. O Infarmed tem estado, desde Dezembro de 2021, a lutar para evitar disponibilizar dados sobre o remdesivir, tendo alegado primeiro que a base de dados continha dados nominativos, e agora diz que, apesar de serem anonimizáveis esse processo constituiu uma tarefa que não os obriga por lei a fazê-lo.

    Certo é que num caderno de encargos do Portal RAM, onde se encontra integrada a informação nacional sobre as reacções adversas do remdesivir, surge a referência à anonimização da base de dados.

    O remdesivir, o primeiro antiviral a ser adoptado para tratamento da covid-19, esteve envolvido desde o início em polémica por a Gilead ter conseguido um acordo especial com a Comissão Europeia. Inicialmente prescrito, embora com fracos resultados, para o vírus ébola, acabou por cair nas graças da Comissão von der Leyen na primeira fase da pandemia, em 2020.

    Em 8 de Outubro daquele ano, a Comissão Europeia decidiu assinar um acordo de compra conjunto que literalmente obrigou 36 países comunitários e extra-comunitários da Europa a adquirirem grandes quantidades de remdesivir à Gilead a preços exorbitantes. A Comissão Europeia garantiu um financiamento de 70 milhões de euros para a compra de 200 mil frascos de Veklury.

    Para cumprir a parte portuguesa no negócio, logo em 23 de Outubro, a DGS assinou um contrato com a Gilead com vista ao pagamento de um primeiro lote de 54.600 frascos. Custo total: 19.458.000 euros, ou seja, 356 euros por unidade. Em Novembro de 2020, o jornal Le Monde destacava que, apesar de o custo de produção do remdesivir atingir apenas 0,93 dólares por dose – o que implicaria um custo de 5,58 dólares por tratamento –, a farmacêutica vendia-a por um preço 420 vezes superior.

    Portugal deveria ter ainda adquirido um segundo lote ao longo de 2021 no valor de 15.018.645 euros – conforme determinava uma Resolução do Conselho de Ministros assinada exclusivamente por António Costa –, mas por razões nunca explicadas pela DGS e pela Gilead, apesar das perguntas do PÁGINA UM, apenas foi assinado um contrato em 12 de Julho de 2021 por um valor simbólico: um pouco menos de 16 mil euros.

    Não deve ter sido, contudo, indiferente para este desfecho o desaconselhamento sobre o remdesivir feito ainda em Novembro de 2020 pela Organização Mundial de Saúde (OMS); apesar de uma posterior actualização ter passado a recomendá-lo para pessoas não internadas, e nos Estados Unidos tenha sido aprovado pela FDA o seu uso em crianças com mais de três anos também não internadas.

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    Em Portugal, em determinadas fases, a pressão para se usar remdesivir foi enorme, muito pelo lobby da Gilead junto da DGS e da Ordem dos Médicos. Os médicos que não o prescrevessem poderiam ter problemas disciplinares se os doentes morressem, conforme admitiu em entrevista ao PÁGINA UM o antigo bastonário da Ordem dos Médicos José Manuel Silva.

    Quando começaram a surgir os problemas, nunca houve interesse dos reguladores – Infarmed em Portugal, e EMA, a nível europeu – em aprofundar as fortes suspeitas que agora se confirmam com os dados da EudraVigilance. Neste momento, o “fumo” é constituído por 927 mortes em toda a Europa; destas, mais de 200 serão de portugueses. Haverá “fogo”? Ou uma pedra no assunto?


    N.D. O PÁGINA UM tem tentado, por todas as vias, obter o acesso detalhado aos dados anonimizados (sem dados nominativos) do Portal RAM, mas a forma como o Infarmed tem procedido mostra a clara intenção de obstaculizar qualquer acesso. Os recursos financeiros do PÁGINA UM, através do FUNDO JURÍDICO, são escassos e a complexidade do trabalho, onde estamos a litigar com entidades que pagam (com dinheiros públicos) mais de 100 euros por hora a advogados, constituem uma luta de David contra Golias. Não deveria ser assim, mas vivemos numa democracia onde a transparência da Administração Pública é já uma quimera. Mesmo se estamos perante questões tão sensíveis como a vida e a morte.

  • Ingerência governamental no processo disciplinar contra Filipe Froes

    Ingerência governamental no processo disciplinar contra Filipe Froes

    Ministério da Saúde já faz tudo para proteger pneumologista de ser castigado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Na intimação do PÁGINA UM feita no Tribunal Administrativo de Lisboa, o gabinete de Manuel Pizarro decidiu substituir a IGAS, que é o réu no processo, e defende agora secretismo do processo de averiguações por alegadamente estar inserido no inquérito disciplinar que está engavetado há 14 meses. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos advoga que “um documento administrativo, ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”.


    Manuel Pizarro já subiu mais um patamar na defesa intransigente do obscurantismo como forma de fazer política: agora, o Ministério da Saúde já se aplica na ingerência de processos disciplinares levados a cabo pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    Depois de em Dezembro do ano passado o gabinete do ministro ter garantido ao PÁGINA UM que aguardaria a conclusão do processo disciplinar levantado pela IGAS ao pneumologista Filipe Froes por forte suspeita de ligações ilegais ao sector farmacêutico, o Ministério da Saúde assumiu agora a defesa do secretismo daquela investigação, que já dura há longos 14 meses.

    Filipe Froes, pneumologista. Praticamente em todas as conferências onde participa publicamente recebe contrapartidas financeiras de farmacêuticas, apesar de se manter como consultor da DGS e se assumir, na imprensa mainstream, como perito independente.

    Apesar dos longos 14 meses que já dura aquele processo disciplinar, não há conclusão à vista – apenas agora a defesa intransigente de que as provas coligidas até Fevereiro de 2022, que constam num processo de averiguações, sejam mantidas secretas, custe o que custar.

    Apesar da IGAS ter autonomia administrativa, as alegações desta entidade – que tem atribuições inspectivas que exigem a máxima independência política – junto do Tribunal Administrativo, em resposta a uma intimação do PÁGINA UM, foram, desta vez, assumidas directamente pelos Serviços Jurídicos e de Contencioso da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde.

    O argumento usado pelo Ministério da Saúde, que cita o artigo 10º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, não encontra respaldo com outras situações similares envolvendo a IGAS, o que demonstra uma ingerência política num processo da esfera disciplinar, e que envolve um conhecido médico com ligações à indústria farmacêutica.

    De facto, num outro processo de intimação do PÁGINA UM – aliás, favorável – contra a IGAS, em Agosto do ano passado, a defesa foi sempre assumida por aquela entidade, sem participação directa ou indirecta do Ministério da Saúde. Nessa intimação estavam em causa algumas dezenas de processsos instaurados pela IGAS, incluindo o do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, que viria a redundar no seu afastamento como consultor do Infarmed e na aplicação de uma coima.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde. Quer aguardar pelas conclusões do inquérito a Filipe Froes, mas em vez de se preocupar com a sua reduzida celeridade (corre desde Fevereiro de 2022), tudo faz para manter secreto o processo inicial de averiguações.

    Saliente-se, contudo, que apesar de o Ministério da Saúde defender agora, no caso específico do processo que envolve Filipe Froes, que a intimação deveria ser feita contra si, na verdade a IGAS tem sido réu em diversos processos nos tribunais administrativos ao longo dos últimos anos. De acordo com uma consulta do PÁGINA UM à base de dados do Citius, encontram-se 11 processos apenas no Tribunal Administrativo de Lisboa em que a IGAS é classificado com réu – ou seja, foi a entidade directamente requerida, incluindo um levantado pela Ordem dos Enfermeiros em 2019.

    Mostra-se assim cada vez mais evidente que Filipe Froes – que recentemente ganhou maior peso institucional, após a eleição de Carlos Cortes para bastonário da Ordem dos Médicos, do qual foi mandatário durante a campanha – goza de uma protecção política do Ministério da Saúde, por ter sido um “porta-voz” mediático na defesa da estratégia governamental durante a pandemia.

    Ao invés de determinar a aceleração dos procedimentos para apurar ilegalidades nas ligações entre Filipe Froes e as farmacêuticas – que surgiram logo no Verão de 2021, quando foram conhecidos os montantes que o pneumologista recebia de empresas deste sector, apesar de se manter como consultor da DGS –, o Ministério da Saúde está activamente a obstaculizar o apuramento da verdade.

    Até para a publicação de uma antologia de crónicas, escritas para o Diário de Notícias durante a pandemia, Filipe Froes contou com o patrocínio de uma farmacêutica, neste caso da Bial. O montante recebido nunca foi declarado na Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed, como exige a lei.

    Refira-se que, nesta fase, não estão já apenas em causa meras insinuações ou suspeitas. O inquérito disciplinar em curso há quase 14 meses, para eventuais efeitos sancionatórios, já que Filipe Froes é funcionário público, surge após a conclusão de um processo de averiguações – que se reveste já de grande formalismo –, ao longo de cinco meses, onde se terão encontrado provas substanciais. Se tal não tivesse sucedido, teria havido um arquivamento.

    Evidente se mostra sim a delicadeza política deste assunto, que tem sido tabu na imprensa mainstream, que continua a considerar Filipe Froes como uma referência de independência, mesmo para falar de terapêuticas e medicamentos onde tem evidentes conflitos de interesse.

    Ainda esta semana, em declarações ao Diário de Notícias, onde é colunista, Filipe Froes defendia que “há um acréscimo de risco de mortalidade por doença tromboembólica e cardíaca” mas apenas a associada à “após a infeção pelo SARS-CoV-2”, acrescentando ainda que “o risco de morte súbita está aumentado em dez vezes, após a covid-19, que a destruição de células pancreáticas após a infeção aumentou o aparecimento de novos casos de diabetes e que quem tinha doenças crónicas também ficou com a sua comorbilidade agravada após ter contraído a doença”.

    Filipe Froes, primeiro a contar da direita, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia, uma “parceria” com o Instituto Superior Técnico, onde terão resultado relatórios que a instituição universitária defende terem sido afinal “esboço[s] embrionário[s], que consubstancia[m] mero[s] ensaio[s] para eventua[is] relatórios].”

    Ou seja, o pneumologista descartou qualquer hipótese (académica que seja) de existirem efeitos adversos das vacinas a causar essa mortalidade excessiva. Saliente-se que Froes é consultor ou palestrante de todas as farmacêuticas que produzem vacinas contra a covid-19 administradas em Portugal (Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Jannsen).

    A confirmação de delitos com efeitos disciplinares por parte de Filipe Froes poderia assim trazer consequências políticas e públicas, sendo esta uma das explicações para o processo não ter um fim, nem ser possível consultar qualquer diligência tomada pela IGAS desde Setembro de 2021.

    Recorde-se que após a recusa da IGAS em libertar o acesso ao processo de averiguações a Filipe Froes, iniciado em Setembro de 2021 – que resultaria na instauração formal de um processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022 –, o PÁGINA UM apresentou há cerca de um mês e meio uma nova intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Filipe Froes, ao centro, foi mandatário do actual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes (quarto a contar da esquerda).

    Neste procedimento alegava-se que, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, “o acesso aos documentos administrativos preparatórios de uma decisão ou constantes de processos não concluídos pode ser diferido até à tomada de decisão, ao arquivamento do processo ou ao decurso de um ano após a sua elaboração, consoante o evento que ocorra em primeiro lugar”, e que “o acesso ao conteúdo de auditorias, inspeções, inquéritos, sindicâncias ou averiguações pode ser diferido até ao decurso do prazo para instauração de procedimento disciplinar.”

    Significa isso que o processo de averiguações às práticas suspeitas de Filipe Froes – formalmente concluído em 19 de Fevereiro de 2022 – já deveriam estar disponíveis, na pior das hipóteses em 19 de Fevereiro deste ano. E, na verdade, o conteúdo do processo de averiguações até deveria estar disponível a partir da decisão do inspector-geral Carlos Caeiro Carapeto em instaurar o processo disciplinar ao médico Filipe Froes – que se tornou figura pública durante a pandemia, enquanto era simultaneamente consultor da Direcção-Geral da Saúde (na definição das terapêuticas anti-covid) e de farmacêuticas com interesses comerciais directos à pandemia.

    De facto, o processo de averiguações – uma fase formal dos procedimentos da IGAS – terminou com o despacho do inspector-geral da IGAS que, face à gravidade dos indícios apurados, decidiu existir matéria suficiente para um processo de inquérito disciplinar.

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    Porém, 14 meses depois, o processo mantém-se inconcluso – e, aparentemente, ao contrário de existirem manifestações para o terminar, há sim movimentações para tudo manter secreto.

    Aquando da solicitação do PÁGINA UM à consulta do processo de averiguação ao pneumologista – que, aliás, deveria ter sido incluído num vasto pedido que já culminara numa sentença anterior do Tribunal Administrativo de Lisboa, mas sobre o qual a IGAS preferiu omitir por não ser claro que o nosso pedido incluía o processo de Filipe Froes – aquela entidade inspectiva recusou tal pretensão, alegando que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, incluindo, naturalmente o inquérito que o precede”, invocando mesmo uma norma da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

    Porém, nessa norma nada se refere sobre o inquérito precedente, neste caso o processo de averiguações, uma vez que simplesmente se diz que “o processo disciplinar é de natureza secreta até à acusação, podendo, contudo, ser facultado ao trabalhador, a seu requerimento, para exame, sob condição de não divulgar o que dele conste.” Por agora, o PÁGINA UM pretende pelo menos ter acesso ao processo de averiguações e ao despacho para a abertura do processo disciplinar.

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    Agora, nas alegações junto do Tribunal, o Ministério de Manuel Pizarro segue a mesma estratégia para manter o processo de averiguações secreto: os documentos encontram-se anexados ao processo de inquérito ainda em curso. No entanto, saliente-se que o entendimento da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), presidido pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, terá sido muito claro sobre esta matéria: “um documento administrativo, ainda que possa ser utilizado em processo judicial, não perde, só por isso, a sua natureza de documento administrativo”. Ou seja, a existência de processos judiciais ou outros que têm carácter secreto não pode servir de truque, através da sua inserção, para abranger outros documentos politicamente sensíveis.

    Essa postura da CADA foi, aliás, explicitamente utilizada num célebre parecer da CADA de 13 de Outubro de 2021 que concedeu razão ao ex-primeiro-ministro José Sócrates no acesso ao inquérito à distribuição da Operação Marquês. O Conselho Superior da Magistratura alegava que os documentos desse inquérito eram secretos por terem sido inseridos em processo judicial ainda em segredo de justiça, mas a CADA considerou que eram, à mesma, documentos administrativos e que deveriam ser acessíveis.