Categoria: Recensões

  • As cabeças rapadas: das raízes ao ódio

    As cabeças rapadas: das raízes ao ódio

    Título

    Nação Skinhead

    Autor

    GEORGE MARSHALL (tradução: Flávio Gonçalves)

    Editora

    Libertária (Novembro de 2024)

    Cotação

    15/20

    Recensão

    A publicação de ‘Nação Skinhead’ (‘Skinhead Nation’, no original) em Portugal, pela editora independente Libertária, oferece uma oportunidade interessante para conhecer uma das subculturas mais controversas e polarizadoras da História Contemporânea. Escrita em 1994 por George Marshall – que, anos antes editara ‘Spirit of 69: a skinhead bible’, publicado em Portugal também pela Libertária no ano passado –, este livro é sobretudo, e em simultâneo, uma análise cultural e uma investigação sociopolítica, explorando as origens, as dinâmicas e a apropriação do movimento skinhead, frequentemente associado à extrema-direita e à violência. Ao mergulhar nas camadas históricas e sociais desta subcultura – que surge traduzido como “o cena”, Marshall desmistifica muitas percepções simplistas, proporcionando um retrato multifacetado que ainda agora permanece relevante.

    Na verdade, apesar de o termo skinhead remeter agora, de imediato, para a violência e o racismo, a origem desta subcultura remonta ao final da década de 1960, no Reino Unido, quando jovens da classe trabalhadora adoptaram um estilo visual distintivo – botas Doc Martens, suspensórios e cabeças rapadas – como símbolo de identidade e resistência. A influência cultural era, originalmente, multicultural, com raízes no ska e no reggae jamaicano trazidos pelos imigrantes caribenhos, bem como no estilo mod britânico. Contudo, em particular nas décadas de 1970 e 1980, este movimento foi apropriado por grupos de extrema-direita e nacionalistas brancos, transformando-se em sinónimo de intolerância e violência.

    Neste seu livro, George Marshall traça esta evolução de forma meticulosa, argumentando que a associação dos skinheads à extrema-direita não foi inevitável nem natural, mas sim resultado de um contexto social e político específico, marcado por crises económicas, desemprego e descontentamento generalizado. A falta de oportunidades e o colapso das comunidades da classe trabalhadora criaram o terreno fértil serem atraídos por organizações nacionalistas e claramente racistas, como o Front Nacional e o British Movement. O ódio racial, segundo Marshall, foi uma ferramenta para canalizar a frustração da juventude proletária, transformando-a numa força política reaccionária.

    Um dos aspetos mais interessantes do ponto de vista sociológico desta obra é centra-se nas contradições internas deste movimento, que nunca foi homogéneo, sobretudo depois da sua linha principal derivar para o extremismo da direita. Enquanto grande parte dos skinheads abraçou ideais racistas e violentos, outros grupos, como os SHARP (‘Skinheads Against Racial Prejudice’), ainda hoje uma corrente existente em diversos países, lutavam para recuperar a subcultura das garras da extrema-direita.

    A questão da violência é outro tema central neste livro que pode ser considerado desculpabilizante. Marshall salienta não ser possível dissociar a brutalidade de alguns skinheads do seu contexto social, designadamente desemprego, alienação e exclusão, e critica a forma como os media, ao pormenorizarem os incidentes violentos, reforçaram estereótipos negativos, ignorando as complexidades sociológicas do fenómeno.

    Recorde-se que quando ‘Nação Skinhead’ foi publicado pela primeira vez, na década 90, levantou questões controversas que dividiam tanto a esquerda como a direita. Os críticos de esquerda acusaram Marshall de indulgência com um movimento que associavam exclusivamente ao racismo e ao autoritarismo, enquanto sectores mais conservadores viram esta obra como uma denúncia perigosa das suas estratégias de recrutamento e propaganda. Este clima de contestação, porém, destaca a relevância da obra como peça sociológica, exigindo assim aos leitores uma análise crítica e informada.

    No contexto português, a tradução de ‘Skinhead Nation’, neste ‘Nação Skinhead’ oferece um contributo valioso para a compreensão de como subculturas podem ser apropriadas por ideologias extremistas. Embora o movimento skinhead em Portugal, mesmo contabilizando lamentáveis crimes, nunca tenha tido a mesma expressão que no Reino Unido, os paralelos com outros fenómenos sociais e políticos são evidentes, nomeadamente no que diz respeito à instrumentalização do descontentamento popular por parte de forças populistas e radicais.

    Por isso mesmo, a importância desta obra de Marshall, mesmo num tema pouco aprazível, serve para que reflictamos sobre como crises económicas e sociais podem alimentar movimentos de ódio e divisão, sendo por isso mais do que uma obra sobre skinheads; antes investigação sobre a relação entre identidade, política e poder.

  • Uma caminhada pela alma catalã

    Uma caminhada pela alma catalã

    Título

    Viagem a pé

    Autor

    JOSEP PLA (tradução: Helena Pita)

    Editora

    Tinta da China (Agosto de 2024)

    Cotação

    16/20

    Recensão

    A recente edição portuguesa de ‘Viagem a Pé’, pela Tinta da China, é uma oportunidade de ouro para revisitar um dos nomes maiores da literatura catalã, Josep Pla (1897-1981), escritor prolífico e cronista perspicaz, conhecido pela sua capacidade em capturar o quotidiano com uma prosa simples, mas profundamente poética. Por isso mesmo, e pela quantidade assinalável de obras neste género, é considerado um dos mestres europeus da literatura de viagem.

    Esta obra em concreto, que inicialmente se diluía no vasto universo de textos deste autor, foi publicada apenas em 1949, e mais do que um relato de itinerância, é um exercício de contemplação.

    ‘Viagem a Pé’ reporta ao passado do autor, abordando uma caminhada do jovem Pla, ainda estudante de Direito, pelas paisagens da Baixa Empordà, sua terra natal. A Catalunha rural dos anos 1910, com as suas quintas, aldeias e gentes simples, é o pano de fundo da sua narrativa, num período de tensões políticas em Espanha, mas também de relativa estagnação económica em regiões rurais. Contudo, na viagem de Pla, não há espaço para discursos épicos sobre nações ou progresso; há apenas a terra, o céu, o vento e conversa

    No contexto da literatura de viagem, ‘Viagem a Pé’ não segue os moldes do aventureirismo em busca de espectáculo ou surpresas. Não há destinos exóticos nem episódios grandiosos. É, antes, um registo íntimo e descontraído, onde o acto de caminhar é uma forma de introspecção e de ligação à terra. Aliás, Pla tenta recuperar uma tradição literária que remonta ao filósofo Jean-Jacques Rousseau ou ao escritor Robert Louis Stevenson, para quem a caminhada não seria apenas um meio de locomoção, mas um exercício filosófico.

    Nesta breve narrativa, Josep Pla oferece-nos assim uma janela para a paisagem catalã e, sobretudo, para os seus habitantes. O leitor caminha ao lado do narrador, sente o cheiro das pastagens, ouve o silêncio das estradas poeirentas e percebe a dureza (e beleza) de uma vida simples. As descrições são feitas num estilo curto mas preciso, através de uma prosa despretensiosa que, por vezes, se assemelha a um diário. A obra destaca-se sobretudo pela capacidade de transformar o vulgar em arte, e por oferecer uma experiência literária onde o ritmo da leitura se confunde com o compasso da caminhada.

  • A arte como instrumento de superação

    A arte como instrumento de superação

    Título

    Faca − Meditações na Sequência de Uma Tentativa de Homicídio

    Autor

    SALMAN RUSHDIE (Tradução: J. Teixeira de Aguilar) 

    Editora

    Dom Quixote (Maio de 2024)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Salman Rushdie é um autor tão amado quanto odiado. Sobre ele foi decretada uma sentença de morte. Foi em Fevereiro de 1989 que o aiatola Ruhollah Khomeini, o líder supremo do Irão, ordenou, através de uma fatwa, que o escritor fosse assassinado. Trinta e três anos depois desse decreto, a 12 de Agosto de 2022, Rushdie subia ao palco do anfiteatro de Chautauqua, Nova Iorque, para falar sobre a importância de manter os escritores fora de perigo, quando foi atacado por um jovem armado com uma faca. O autor de ‘Os Versículos Satânicos’ sobreviveu ao atentado e decidiu responder ao violento ataque escrevendo este livro.

    A obra acaba por ser uma espécie de exorcismo combinado com a decisão de expurgar a ‘vítima’ existente no escritor, fruto da experiência de ser um alvo a abater por fundamentalistas.  Rushdie expõe ao detalhe a experiência traumática por que passou, naquele fatídico dia de Agosto, numa catarse. Ao mesmo tempo que liberta a dor e as recordações, o autor procurou, sobretudo, usar a escrita como instrumento para superar a dor, a injustiça, a perseguição e a violência de que foi alvo (e continua a correr perigo diariamente). De resto, o escritor dedica a obra aos homens e mulheres que lhe salvaram a vida. 

    As páginas dedicadas ao ataque em si, e aos dias em que esteve internado, são difíceis de ler e de digerir. São íntimas, pessoais e gráficas em muitos aspectos. “Abri os olhos − apenas o olho esquerdo, conforme parcialmente percebi; o olho direito estava tapado com uma ligadura macia − e as visões não desapareceram, tornando-se, ao invés mais fantasmagóricas, translúcidas, e comecei a tomar consciência da minha verdadeira situação. A primeira descoberta, a mais premente e menos confortável foi o ventilador. Mais tarde, quando mo retiraram e pude dizer coisas, disse que era como se me enfiassem a cauda de um tatu pela garganta abaixo”. Relatos como este atingem-nos de uma forma brutal e fria. São relatos contados na primeira pessoa por alguém que foi atacado de forma vil. Os detalhes sucedem-se, página após página, e tocam-nos de uma maneira desconfortavelmente íntima. “O meu pescoço e a minha face direita tinham sido retalhados pela faca e eles podiam ver ambos os bordos do corte unidos por agrafos metálicos”.

    Mesmo as páginas dedicadas à recuperação nos catapultam para um dia-a-dia de alguém que é, no mais profundo sentido, um sobrevivente. “Era entusiasmante fazer coisas tão ‘normais’ como ir a casa de amigos”. O ‘regresso’ ao mundo é descrito ao pormenor; como foi sentido, por dentro; as impressões. Mas era um novo mundo. Uma nova vida. Uma entrevista publicada na The New Yorker, em Fevereiro de 2023, simbolizaram como que o ‘anúncio’ desse regresso.  “Quando a entrevista a fotografia foram publicadas, foi como uma reentrada no mundo após meio ano no Limbo. Fevereiro significava tudo isso. Além disso, 14 de Fevereiro era o 34º aniversário da fatwa. Eu deixara de me recordar dos aniversários da fatwa, mas agora tinha de recomeçar.”

    Rushdie é o vencedor; sobreviveu e vive, recusando submeter-se ao peso da sentença decretada. Recusa esconder-se. Recusa render-se. E vive. “Mas 14 de fevereiro era também o Dia dos Namorados e Eliza e eu decidimos comemorá-lo indo jantar a um restaurante pela primeira vez em seis meses. Fomos com segurança, mas fomos. Pareceu-me um momento profundo. olá, mundo, estávamos a dizer. estamos de regresso, e depois do nosso encontro com o ódio estamos a celebrar a sobrevivência do amor. Depois do anjo da morte, o anjo da vida.” 

    Ler este livro não nos atira apenas para dentro da vida de um escritor que foi retalhado física e emocionalmente por um ataque de ódio e recuperou. Recorda-nos da brevidade da vida e da liberdade que temos para a viver. Uma liberdade diferente da de quem olha por cima do ombro e sai com um segurança atrás, como Rushdie. E o escritor, mesmo assim, escolhe viver. Livre.  

  • Uma bíblia para a regulação emocional

    Uma bíblia para a regulação emocional

    Título

    Permissão para sentir

    Autor

    MARC BRACKETT 

    Editora

    Albatroz (Junho de 2024)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    O autor deste livro, Marc Brackett, é um verdadeiro especialista em emoções, tendo publicado já 125 artigos académicos sobre a ‘matéria’. Mas só se tornou um ‘mestre’ da inteligência emocional depois de ter conseguido ultrapassar os seus próprios traumas, que incluíram crescer numa família disfuncional e ter sofrido de bullying na escola e abusos sexuais em criança. Em virtude destas experiências, a sua vida parecia um inferno porque vivia refém do seu tumulto interno, que o acometia de raiva e frustração e o atirava para uma espiral de descontrolo.

    O ponto de viragem deu-se quando o seu tio lhe colocou uma simples, mas poderosa questão: “o que estás a sentir?”. Foi a partir daí que, de certa forma, Marc sentiu que tinha permissão para entrar, finalmente, em contacto com o furacão de emoções que tinha dentro de si. E marcou o início de uma longa jornada de aprendizagem sobre o que é isto de sentir, e como se pode navegar os sentimentos da forma mais saudável possível.

    Veio então a tornar-se investigador e formador na área, e é fundador e director do Centro para a Inteligência Emocional e Yale, além de professor no Centro de Estudos Infantis da mesma universidade.
    Criou também o método “RULER”: a abordagem baseada em evidências científicas que ensina aos leitores neste Permissão para sentir. Na sigla que lhe dá nome, o primeiro “R” é para reconhecer, “U” é para compreender [‘understand’, em inglês], “L” é para classificar [‘label’], “E” é para expressar, e o último “R” para regular.

    O objectivo deste método? Dar competências para uma boa compreensão e gestão das emoções.

    Neste âmbito, desenvolveu o Mood meter, que serve para nos ajudar a identificar e a ‘medir’ as nossas emoções, através de um quadro com inúmeros estados de espíritos, divididos em quatro cores que correspondem a quatro grandes tipos de emoções. Num quadro com dois eixos, os estados emocionais estão organizados com base em dois grandes parâmetros: o grau de energia (que pode ser alto ou baixo) e o de prazer (também alto ou baixo).

    O autor ensina também variadas estratégias de regulação emocional – como o “monólogo interior” ou o “reenquadramento cognitivo”.

    As recomendações contidas neste livro são de um carácter muito prático e acessível, que qualquer pessoa pode aplicar independentemente do seu conhecimento sobre a “arte” da inteligência emocional.

    A título de exemplo, um dos insights mais curiosos partilhados por Marc Brackett é que, ao contrário do que se possa pensar, não são só as emoções “negativas” que precisam de ser reguladas, mas também as “positivas”.

    Sobretudo num mundo em que tudo parece desenrolar-se a uma velocidade estonteante, em que os distúrbios do foro mental como a depressão e a ansiedade atingem proporções epidémicas – até mesmo entre a população juvenil –, este livro é da maior utilidade.

    Marc Brackett consegue cumprir eficazmente a missão a que se propõe: ajudar os leitores a tornarem-se, eles próprios, autênticos “cientistas das emoções”, conferindo-lhes instrumentos  para reconhecer e lidar com aquilo que sentem de um modo construtivo. Com esse propósito, além dos múltiplos recursos que ‘oferece’ nesta obra, providencia também uma extensíssima bibliografia.

  • Sou outro, não sou outro

    Sou outro, não sou outro

    Título

    Manual para a obediência

    Autor

    SARAH BERNSTEIN (tradução: Maria de Fátima Carmo)

    Editora

    Dom Quixote (Junho de 2024)

    Cotação

    15/20

    Recensão

    O mote é dado logo nas primeiras páginas:

    Eu era a filha mais nova, a mais nova de muitos – mais do que gostaria de me lembrar – de quem tomei conta desde a mais tenra idade, antes, de facto, de ter eu própria a faculdade da fala e não obstante as minhas capacidades motoras estarem na altura pouco desenvolvidas, estes, os meus muitos irmãos, foram deixados a meu cargo. Eu satisfazia todos os seus desejos, aliviava o menor desconforto com perfeita obediência, com o maior grau de devoção, de modo que com o passar do tempo os desejos deles se tornaram os meus, de modo que eu conseguia antever necessidades ainda nem formuladas, porventura sequer imaginadas, providenciando aos meus irmãos o maior auxílio possível, satisfazendo-os apenas o suficiente para que depois me pudessem exigir mais, sempre mais, exigências a que eu acudia com alacridade e discreta prontidão, ministrando os complexos caldos terapêuticos que lhes eram prescritos por vários médicos, servindo refeições e lanchinhos, cigarros e aperitivos, últimas bebidas da noite e copos de leite à cabeceira da cama.”

    Uma jovem mulher muda-se da sua terra natal para uma remota região, para ser governanta do irmão que foi, recentemente, abandonado pela mulher e filhos.

    Embora seja a filha mais nova de uma série de irmãos, foi ela que sempre teve a seu cargo servi-los o que lhe moldou desde cedo o espírito, aprendendo a anular a sua existência. Mesmo no trabalho conta-nos: “(…) saí sem estardalhaço. Ninguém lamentou ver-me partir. O trabalho que tinha antes de ir para casa do meu irmão, no país dos nossos antepassados, e que continuaria a desempenhar remotamente de lá era transcrever documentos áudio em texto para um escritório de advogados, função em que era exímia, datilografando com rapidez e rigor e conhecendo bem o meu trabalho. Apesar disso, sentia que não era bem-vinda no escritório, onde se alinhavam os habituais aprestos legais, dossiês e diplomas, couro e madeira. Eu sabia que as minhas exibições hesitantes de humanidade, a minha insistência miserável em continuar a aparecer no escritório dia após dia, não podiam deixar de causar desalento aos juristas e assistentes jurídicos cujas vozes eu datilografava num processador de texto com rapidez, precisão, devoção e até amor, e por isso acolheram o anúncio da minha saída com indisfarçada alegria, organizando uma festa de despedida em minha honra, dando uma espécie de banquete e oferecendo presentes generosos.”

    A esta espécie de não-existência junta-se, conforme as peças se ligam, e a narradora discorre sobre a sua vida, o facto de a própria família parecer sentir por ela uma certa aversão.

    Voltando aos dias onde começa a narração, quando, a certa altura, o irmão a deixa sozinha na casa, para viajar numa das suas muitas viagens de negócios  “dedicado à bem-sucedida venda e comercialização, importando e exportando, de uma variedade de bens e serviços, cujas especificidades permanecem ainda hoje uma incógnita para mim”, muito pouco tempo depois de ela ali ter chegado, ocorrem vários acontecimentos inexplicáveis, na povoação próxima da casa e as suspeitas dos habitantes recaem sobre ela, uma estrangeira recém-chegada. O crime do qual ela é acusada é de ser a culapada de uma série de catástrofes ambientais locais: uma “gravidez fantasma” de uma cadela; uma porca depressiva que esmaga os seus leitões; e um rebanho de gado enlouquecido. “Foi no ano em que a porca erradicou os leitões. Viviam-se tempos céleres e inquietantes. Uma das cadelas da terra estava a ter uma prenhez fantasma. As coisas saíam de um sítio e apareciam noutro. Era primavera quando cheguei ao campo, soprava um vento de leste, um vento aziago, como se viu depois. Começaram a dar-se certas coisas. Os leitões vieram mais tarde mas não muito, e mesmo que eu não tivesse chegado há pouco, não tivesse os animais a meu cargo, só tivesse lá ido ver, a salvo do outro lado da vedação elétrica, eu sabia que eles tinham razão quando afirmavam que era responsável.”

    E é nesta toada que o livro acontece. Ela rapidamente descobre que todos os habitantes da povoação a odeiam. Ou temem-na. As mães cobrem os olhos dos filhos quando ela passa. Num café, incapaz de falar a língua local, aponta para o café de uma mulher porque também quer um e ela começa a chorar enquanto os outros clientes secretamente fazem o sinal da cruz. Mais tarde, um lojista agacha-se atrás do balcão enquanto ela examina as prateleiras. O que há nesta mulher que provoca respostas tão extremas? A única resposta é que ela é judia. O que acontece à narradora é por ela aceite passivamente. Afinal ela estava “naquele remoto país setentrional, o país, veio a saber-se, dos nossos antepassados, uma gente obscura embora ultrajada que fora arrastada através de fronteiras e metida em valas (…)”. Só lhe acontece o medo. O medo do que lhe pode acontecer e a dúvida do que serão capazes os habitantes da povoação? Realmente pouca coisa acontece  mas, espelhando as divagações diárias da protagonista pela floresta que circunda a casa, o romance é composto de divagações filosóficas, às vezes rapsódicas, registadas numa prosa meticulosa mas contida e oferece-nos uma meditação sobre a sobrevivência, os perigos de absorver as narrativas dos que têm o poder e um aviso de que a autoculpa dos oprimidos muitas vezes volta para se vingar. “Manual para a Obediência” de Sarah Bernstein, pois, uma obra que mistura elementos de ficção literária com pitadas filosóficas e psicológicas, abordando temas como autoridade, conformidade e rebelião.

  • Amar sem amarras

    Amar sem amarras

    Título

    Relacionamentos amorosos

    Autor

    MARIA GORJÃO HENRIQUES

    Editora

    Albatroz (Outubro de 2024)

    Cotação

    13/20

    Recensão

    Viver relacionamentos mais autênticos. Esta é a principal proposta deste livro de Maria Gorjão Henriques, terapeuta, professora e facilitadora de ‘consciência sistémica‘. Assim, a autora propõe ao leitor que tome consciência de que pode não estar a ser autêntico nos seus relacionamentos por trazer consigo as histórias e traumas familiares. Em simultâneo, propõe que o leitor se liberte dessas amarras que o impedem de ser ele próprio nos relacionamentos.

    O livro sugere um caminho de auto-descoberta e de abertura de consciência. Saliente-se que se trata de uma obra que se segue a uma outra da autora: ‘O despertar da consciência com as constelações familiares’ (Albatroz, 2023). 

    A autora estruturou o livro em 10 capítulos, incluindo um sobre ‘Uma visão sistémica sobre a importância sistémica da família de origem’ e outro sobre ‘Os arquétipos masculino e feminino’ e termina com o capítulo sobre ‘O relacionamento amoroso enquanto caminho para a nossa evolução espiritual’. Também incluiu no livro algumas propostas de exercícios, bem como páginas com frases como: “o que pensas crias, o que sentes atrais”.

    No fundo, a proposta do livro é que o leitor faça todo um percurso de se descobrir a si próprio, quem é o que o move nos relacionamentos, se são crenças familiares e comportamentos aprendidos e traumas vividos ou se vive os relacionamentos de forma autêntica, estando presente na sua essência.

    No livro também são abordadas temáticas sobre as dinâmicas pragmáticas que podem existir em relacionamentos amorosos e de como se pode ter relacionamentos harmoniosos, sublinhando-se, por exemplo, a importância de haver um equilíbrio entre o dar e o receber. 

    A autora pretende, sobretudo, transmitir boas práticas com base na permissa de que “não existem relacionamentos perfeitos, mas podem existir bons relacionamentos”. Sempre num contexto de uma existência espiritual, em que existe uma conexão do leitor consigo mesmo e que está ‘presente’ na vida, incluindo nos relacionamentos, não espelhando no outro os traumas e ‘heranças’ familiares, mas consciente e desperto. 

  • Da ganância e da gula: uma guerra vencida pela indústria alimentar

    Da ganância e da gula: uma guerra vencida pela indústria alimentar

    Título

    Pessoas ultra processadas

    Autor

    CHRIS VAN TULLEKEN (Tradução: Raquel Dutra Lopes)

    Editora

    Lua de Papel (Outubro de 2024)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    “A culpa não é dos consumidores. A epidemia de obesidade é fruto da inércia governamental e do trabalho implacável de algumas corporações internacionais que começaram a substituir alimentos naturais (como o açúcar, ou leite ou a manteiga) por alternativas sintéticas (gomas e emulsionantes). Os novos aditivos são propositadamente concebidos para nos viciar.” Este trecho que pode ser lido na contracapa da edição portuguesa de ‘Pessoas Ultra Processadas’ resume o tema da obra de Chris Van Tulleken, pai, cientista, doutorado e professor no University College de Londres. 

    A observação de um simples gelado que a filha, Lyra, lhe passou para as mãos certo dia, espoletou um caminho que levou Tulleken a investigar a história e os eventos que levaram a que diversos bens alimentares fossem transformados em ‘comida de plástico’, ou pior. Neste livro percebe-se a dimensão desta catástrofe sanitária e ambiental que tem dados lucros pornográficos a muitas multinacionais da indústria alimentar. Como tem sucedido com outras indústrias, como é o caso da farmacêutica, as empresas que produzem bens alimentares perderam a perspectiva e o foco (se é que algumas vez tiveram) na saúde e bem-estar humano e ambiental e concentraram-se num único ponto: viciar os consumidores para gerar lucros infinitos. 

    A receita é simples: criaram-se aditivos novos, feitos para viciar; juntou-se quilos de marketing irresistível; mais umas boas colheradas de cientistas vendidos, cujas ‘pesquisas’ são financiadas pela indústria alimentar. Adicionam-se umas pitadas de aprovações regulatórias e apoios de políticos e entidades de saúde e nutrição et voilá: saiu do forno a era das ‘Pessoas Ultra Processadas’. 

    Como acontece com a indústria farmacêutica, e outros sectores, a indústria alimentar, com os seus milhões, compram muita gente e até a ‘Ciência’ para servir um prato frio e estragado que envenena gerações e gerações de humanos. Pais, filhos e netos consomem comida que não é comida com efeitos devastadores, excepto para as as indústrias que beneficiam de consumidores viciados e doentes. 

    Com base na literatura científica, o autor apresenta as provas em como as acções da gananciosa indústria alimentar criaram um epidemia de obesidade, pessoas doentes, mortes prematuras e destruição ambiental. 

    Dividido em cinco partes, este livro conta os horrores de boa parte dos alimentos, designadamente bebidas, que são vendidos em todos os supermercados, sendo que o último capítulo sugere pistas sobre o que se pode fazer para tentar que a Humanidade consiga vencer a guerra que, para já, está a ser ganha, com larga vantagem, pelos magnatas industriais alimentares. E também aponta o que podemos fazer junto dos governos e, principalmente, o que podemos fazer para pararmos de consumir comida que mata, ainda que lentamente, com o tempo. Como o pior dos vícios.

  • Afinal, o que nos define?

    Afinal, o que nos define?

    Título

    Bipolar, sim, louca, só quando eu quero

    Autor

    BIA GARBATO

    Editora

    Oficina do Livro (Setembro de 2024)

    Cotação

    14/20

    Recensão

    Bia Garbato, escritora e publicitária brasileira, traça neste livro o percurso desde que foi diagnosticada bipolar, contando histórias cheias de intensidade e que tanto geram risos como compaixão e tristeza. E fá-lo com leveza e alegria, armas de combate ao estigma da ‘doença mental’.

    O livro está organizado em 12 capítulos e a dedicatória deixa pistas ao leitor sobre ‘de onde’ a autora partiu e ‘onde’ chegou, na actualidade: “dedico este livro àqueles que sempre acreditaram em mim, mesmo quando eu deixei de acreditar”.

    Na sua versão original, a obra tem um prefácio da romancista e publicitária brasileira Tati Bernardi, que é complementado com outro, da escritora portuguesa Rita Ferro, na edição para Portugal.

    Na parte dedicada ao diagnóstico, Bia Garbato escreveu: “eu sempre soube que tinha uma coisa estranha aqui dentro”. relata que se lembra de pensar: “como será que é ser normal’”. E conta como é viver uma vida de depressão em depressão, a depressão pós-parto e os altos e baixos, os saltos para a euforia. 

    Num dos capítulos, o quarto, sobre ‘Emagrecimento’, a autora conta-nos: “como cheguei aos 100 quilos e voltei para contar”. Em outro, fala sobre os seus sentimentos e noutro ainda sobre os pensamentos, neste caso, os ‘doentes’, catastrofistas e negativos, tóxicos.

    Apesar de um tom que pode ser percepcionado como um tanto ‘lamechas’ em algumas páginas, o facto de o livro estar escrito com humor anula o ligeiro enjoo provocado por algumas frases mais ou menos piegas. 

    Pode acontecer que muitas das experiências narradas na primeira pessoa por Garbato possam parecer familiares ao leitor. Se assim for, não será tarde para procurar um diagnóstico, não apenas para que confirme se padece ou não de bipolaridade, mas para apurar se pode ou não ter uma espécie de ‘super-poder’, daqueles que o ‘desvia’ do padrão dito ‘normal’. Com o bom e o mau que isso traz. Com as coisas fáceis e os desafios. Para Bia Garbato, as coisas difíceis da vida incluem “guardar dinheiro”, “ler Guimarães Rosa”, “trabalhar depois do almoço” e “emagrecer”. A listas das coisas fáceis da autora é bem mais curta que a das coisas difíceis e inclui “engordar”, “gastar dinheiro” e “dormir depois do almoço”. (Diria que só o facto de gostar de fazer listas será um ‘sintoma’ em si…)

  • Um livro que vai irritar libertários e conservadores

    Um livro que vai irritar libertários e conservadores

    Título

    Reflexões sobre a liberdade, identidades e famílias

    Autor

    VÁRIOS

    Editora

    Oficina do Livro (Agosto de 2024)

    Cotação

    14/20

    Recensão

    Não foi de propósito. Calhou assim, na mesma edição fazer recensão de um segundo livro que serve como ‘repelente’ de libertários e conservadores. A capa do livro é enganadora. Lendo o título, pensamos estar perante um daqueles livros das associações de famílias numerosas ou cristãs, das que defendem as chamadas famílias tradicionais, que, em Portugal, assumem tantas formas quanto o número de géneros inventados que já existem na comunidade LGBTxpto. Existe a ‘família tradicional’ sem amante, com amante. Com ‘afilhados’ e ‘afilhadas’. Com divorciados recasados. Com uniões de facto. Com casais que já não se amam há demasiado tempo. Etc. Etc. 

    Mas não é um livro desses, em defesa dos ‘valores’ das ‘famílias tradicionais’, dos ‘bons costumes’, nem do respeito pelos ensinamentos bíblicos. Só percebemos isso quando colocamos os óculos e lemos, à cabeça, o nome de Joana Mortágua na lista de coordenadoras da obra. Mais abaixo, saltam nomes como o de Fernanda Câncio, Catarina Furtado, Daniel Oliveira, Maria Leonor Beleza, Pedro Strecht, … É um daqueles livros que transpira a enganadora palavra ‘progressista’ quer queira, quer não. 

    Esteticamente, considero o livro feio e não me é fácil usar este adjectivo aplicado a um livro. Mas é. Por isso, achei que seria um desses livros ‘sóbrios’ para famílias cristãs, com fundo bege e letras garrafais em grená escuro e a palavra ‘famílias’ ali a rondar. Depois, está escrito com letras cinzentas. Sim, leu bem. Quando abri o livro até pensei estar com os óculos sujos e a ver desfocado, mas não. Era mesmo do livro e nem com anos de ioga ocular conseguiria ler melhor esta obra com letras desta cor. É como tentar compreender algumas etiquetas de roupa desbotadas, sendo que, inevitavelmente, após uns segundos de esforço, se decide colocar tudo junto a lavar na máquina, no programa para ‘algodão’, e rezar. 

    Debruçando-me sobre o conteúdo, os textos parecem mesmo ter sido escritos pelos autores mencionados, admitindo, aqui e ali, alguma ‘ajuda’ de escritores-fantasma ou de um jornalista ‘amigo’, que nem todos nasceram com o dom da prosa e alguns, tendo-a, têm mais o que fazer com o tempo (que é dinheiro). Quanto aos temas que aborda, considero-os pertinentes e relevantes. Vários textos abordam o tema da interrupção voluntária da gravidez, que, sendo-se a favor ou contra, é uma realidade na sociedade, que afecta muitas mulheres. Não falta a questão da inclusão e da comunidade LGBT+nãoseiquê. (O ser humano gosta de complicar o que é, por natureza, simples). 

    Nos dias que correm, a tolerância voltou a ser um tema no mundo ocidental, tal como a inclusão, nomeadamente direccionada para a comunidade transgénero. Mas, de fora, está, por exemplo, a defesa e protecção de meninas, raparigas e mulheres, que perdem privacidade e espaços seguros, perdem lugares em pódios e na meta, em nome de uma ideologia que mete impressão, sobretudo, às amigas lésbicas e amigos gay. Por outro lado, alguns destes nomes que escrevem palavras como ‘inclusão’ e ‘diversidade’, defenderam a segregação insana, anti-científica e criminosa durante a pandemia. Ou seja, defendem que a mulher é dona do seu corpo e cada um escolhe o género que quiser, desde que aceite ser forçado a tomar fármacos e a usar máscara facial, mesmo que a Ciência tenha uma palavra diferente a dizer. O consentimento, afinal, é só para a ‘cama’? Onde estão os direitos humanos quando há coacção e invasão do corpo? Ou quando se invade a privacidade e o ‘mundo interior’ de crianças e jovens com perguntas pornográficas nas escolas, sem conhecimento das famílias?

    Com este aparte, recomendo a leitura deste livro, sobretudo se se discordar do direito à interrupção voluntária da gravidez ou do direito a assumir o género que se quiser. Ouvir versões da realidade diferentes das nossas e outras visões do mundo é uma forma de nos mantermos despertos e atentos, conscientes, e activar o botão do diálogo e a ponte para a empatia. Do mesmo modo, quem se preocupa com questões como inclusão e tolerância, vale a pena ler alguns dos textos que integram esta obra.  As letras do livro até podem ser cinzentas e estar desbotadas, mas o mundo também não é a preto e branco. (Nem feito de unicórnios e arco-íris de manhã à noite).

  • Outro livro que vai irritar libertários e conservadores

    Outro livro que vai irritar libertários e conservadores

    Título

    São favas contadas

    Autor

    GUIDA CÂNDIDO

    Editora

    Dom Quixote (Outubro de 2024)

    Cotação

    18/20

    Recensão

    Nada como um par de brócolos para tirar conservadores do sério. Como bónus, também funciona para deixar libertários à beira de um ataque de nervos. É verdade: as dietas e opções nutricionais transformaram-se numa das armas a usar nos vastos campos de batalha em que se tornou o espaço público mediático e digital. Como quando éramos crianças, hoje, não há meio termo: ou se é do Benfica ou do Sporting. Nada de ser do Belenenses ou do Académica. A rivalidade é a valer. Assim, é também esse o cenário que encontramos no mundo de uma vasta camada de adultos ocidentais. Se não és do meu ‘clube’, és do ‘clube’ rival. Não há cá meio termo.

    Estará o leitor a questionar se me enganei no texto e a indagar o que é que isto tem a ver com o livro analisado nesta recensão. Tem tudo a ver. As dietas sempre foram sintomas de credos e religiões e dão pistas para a origem familiar de cada um. O indiscutível bacalhau e o embaixador pastel de nata que o digam. Mas a dieta é também um sintoma ideológico. Ninguém que se diga conservador se assume como vegetariano numa qualquer rede social. Ficava mal. O mesmo vale para um libertário. É tudo gente que come carne ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar. Se, por acaso, algum for apanhado a comer uma saladinha vegetariana ao almoço, está frito. Irão surgir suspeitas de tiques de wokismo com uma pitada de extrema-esquerda, caviaríssima, naturalmente. 

    Por isso, este livro é tão bom… Permite, de uma só cajadada, ‘matar dois coelhos’, irritando conservadores e libertários. Traduzido para a realidade ‘tuga’ corresponde, mal comparado, à malta que usa polo ou roupa boa de marca, bem como todos os amantes de tourada, caça e monarquia, com socialistas e social-democratas à mistura. Mas, na realidade, este livro permite ‘matar três coelhos’ com uma só cajadada. É que vai também irritar a malta woke, da extrema-esquerda e ‘liberal’. Em linguagem lusa, apanha parte dos que votam no PAN, dois ou três do Bloco e toda a seita da Climáximo. Isto, porque o vegetarianismo está ali no limbo, ideologicamente falando. Num mundo ocidental polarizado ideologicamente, ser vegetariano é não ser nem carne nem peixe. Literalmente. Ou se é vegan ou totalmente carnívoro. No fundo, qualquer vegetariano vai ser odiado pelos wokistas de cabelo rosa e, em simultâneo, pela malta da ‘direita’, em geral. 

    Claro que há excepções. Aliás, acabei de me lembrar de uma amiga ultra-conservadora que não come carne. Mas é um caso e vamos ver quanto tempo resiste à pressão dos pares ‘liber-cons’.

    Em resumo: com tantos bónus, acresce que se trata de uma obra que dá gosto ler, ver e sentir. O papel é daqueles que já pouco se vê. Tem fotografias catitas e ‘cheira a livro’. Está recheado de receitas e, como acompanhamento, apresenta uma componente histórica sobre a arte da cozinha, dos saberes antigos, daqueles que misturam nutrição com mezinhas milagrosas.

    Apesar de ser um livro sobre vegetarianismo, pesa que nem um naco de carne para assar. Com osso. Por isso, não é aconselhável para se levar de trotinete até à Baixa ou de bicicleta até aos Anjos, a não ser que se tenha aquele acessório tipo cesto, próprio para mostrar na vizinhança os legumes biológicos comprados a cada Sábado, depois do brunch e antes do almoço-piquenique com manta adequada. É que isto de ser de esquerda, hoje, em dia, é muito trabalhoso. Além de caro.