Categoria: Política

  • Embaixador dos Estados Unidos quer empregada para todo o serviço por 7 euros à hora

    Embaixador dos Estados Unidos quer empregada para todo o serviço por 7 euros à hora

    A Casa Carlucci, majestosa residência oficial do embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, está à procura de uma nova empregada doméstica, mas não se pense que sejam extraordinárias as regalias oferecidas: cada hora de trabalho será paga a cerca de 7,5 euros, o que contrasta com a exigência de um extenso leque de tarefas.

    A nova contratação surge no contexto da chegada do novo embaixador, John Arrigo, que chegará em breve ao palacete da Lapa, sucedendo a Randi Levine, que deixou funções no passado mês de Janeiro. Arrigo é amigo de longa data de Donald Trump, sendo empresário do sector automóvel de West Palm Beach, na Flórida, na região do resort de Mar-a-Lago, detido pelo actual presidente norte-americano.

    A oferta de emprego surgiu quarta-feira na própria página oficial no Facebook da Embaixada dos Estados Unidos, onde se anuncia “a procura de candidatos para o cargo de Housekeeper for Official Residence of the U.S. Ambassador in Lisbon”. Na ligação indicada surge então o vencimento mensal bruto proposto de 956 euros, pagos em 14 meses, o que se traduz num salário líquido que pouco difere do praticado em sectores menos exigentes. Com uma carga horária de 40 horas semanais, a remuneração por hora de trabalho efectivo situa-se assim nos 7 euros, considerando-se o período de férias.

    Além do salário bastante baixo, pouco consentâneo com o trabalho numa embaixada de uma potência mundial, ainda é exigido, como requisito, um horário flexível, porque, apesar de se preverem folgas aos fins-de-semana, pode ser requerida a presença da funcionária — ou do funcionário — para eventos ou outras necessidades do embaixador.

    Em todo o caso, o candidato seleccionado não irá ao engano para a Casa Carluci, porque o anúncio explicita, em detalhe, as tarefas: deverá assegurar, com diligência, a limpeza diária de uma vasta residência, realizando tarefas como aspirar, lavar o chão, limpar cozinhas e casas de banho, fazer camas, tratar de roupa pessoal e de casa, incluindo lavar e engomar. A preparação de quartos para hóspedes será igualmente da sua responsabilidade, bem como a colaboração pontual em eventos oficiais, sendo-lhe até exigido que receba convidados à porta, lave a loiça durante e após os eventos, e até sirva à mesa, se necessário.

    A par destas tarefas, há ainda a expectativa de que colabore com os restantes funcionários da casa, num total de cinco, assegurando substituições quando outros membros da equipa estiverem ausentes. A discrição é uma qualidade considerada fundamental, a par da capacidade de trabalhar em equipa e da proficiência básica em inglês e português.

    Apesar da descrição detalhada e exigente das funções, o contrato não será celebrado directamente com a Embaixada dos Estados Unidos, mas sim com o próprio embaixador, enquanto agente diplomático.

    A residência oficial do embaixador norte-americano, situada numa das zonas mais nobres da capital portuguesa, tem sido palco de inúmeros eventos protocolares e recepções diplomáticas, exigindo naturalmente uma manutenção rigorosa e uma equipa operacional eficiente. No entanto, a remuneração proposta para este cargo suscita dúvidas sobre o equilíbrio entre as responsabilidades atribuídas e a retribuição oferecida, especialmente tendo em conta os padrões salariais dos Estados Unidos. Embora o salário mínimo federal seja de apenas 7,25 dólares por hora, em cidades como Washington, D.C., o mínimo legal ultrapassa os 17 dólares por hora.

    John Arrigo, ao centro, foi indicado em Dezembro por Donald Trump como embaixador em Portugal, mas ainda não apresentou credenciais, estando a Embaixada norte-americana a ser representada transitoriamente por um ‘chargé d’affaires’.

    A diferença abissal entre o que se paga a uma empregada doméstica nos Estados Unidos e o que agora se propõe pagar em Portugal — por funções similares e num contexto diplomático — poderá ser vista como um sinal de desconsideração pelas condições laborais dos trabalhadores portugueses, em particular num contexto em que o custo de vida em Lisboa tem vindo a aumentar de forma significativa.

    A vaga, que deverá ser preenchida até ao final do mês de Maio, exige ainda que as candidatas tenham pelo menos o ensino básico completo, e comprovem experiência anterior em hotelaria, restauração ou funções domésticas similares. As candidaturas deverão ser enviadas em inglês, juntamente com comprovativo de residência legal em Portugal.

  • Director de jornal local diz que autarquia socialista de Lagoa aceitou contrato fictício

    Director de jornal local diz que autarquia socialista de Lagoa aceitou contrato fictício

    O director e proprietário do jornal ‘Lagoa Informa’, Rui Pires Santos, admitiu publicamente, num editorial publicado hoje, na página 13, que o contrato de cobertura mediática travestido de prestação de serviços de publicidade institucional, celebrado com a Câmara Municipal de Lagoa, no decurso de um concurso público, contém cláusulas que “não são cumpridas”.

    Nesta confissão, inserida num texto deste jornalista, que assinou o contrato comercial, é omitida a notícia do PÁGINA UM do passado dia 16, e o director do jornal local queixa-se de uma alegada ‘perseguição política’ por “elementos da Comissão Política do PSD Lagoa”. Contudo, acaba por confirmar os fortes indícios de falsidade contratual, colocando em dúvida a validade de um concurso público que atribuiu quase 100 mil euros ao jornal ‘Lagoa Informa’ para os anos de 2025 e 2026, em detrimento de outro candidato. E diz mesmo que a autarquia aceitou.

    Luís Encarnação celebrou dois contratos de mais de 200 mil euros em quatro anos com o jornal Lagoa Informa, que não pára de lhe conceder destaque.

    O contrato agora em causa, sob a capa de uma prestação de serviços de publicidade, inclui contrapartidas explícitas, impondo ao jornal uma cobertura sistemática e favorável das actividades da autarquia socialista. As cláusulas obrigam, por exemplo, que no mínimo 70% dos conteúdos sejam dedicados à “actualidade e figuras do concelho” e exigem ainda “presença no terreno” em eventos municipais, com a cobertura mediática por jornalistas acreditados, o que configura graves violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista, por se estar perante um ‘frete jornalístico’ institucionalizado.

    Segundo Rui Pires Santos, estas cláusulas não passam de letra morta, como o próprio confessa no seu editorial: “alguns responsáveis do PSD não devem conhecer, nem ler o ‘Lagoa Informa’ para compreenderem que as mesmas [cláusulas] não são cumpridas”. E avisa os seus supostos detractores: “Portanto, talvez devessem ter mais contenção, moderação e não ter esta postura de perseguição, que revela ignorância e replica maldade do texto partilhado. Mas isso dá-vos gozo, eu sei. Até porque, na verdade, este até já é um comportamento normal num conjunto de pessoas”.

    O director do ‘Lagoa Informa’ garante que, no passado, a ‘Gazeta de Lagoa’ – um jornal actualmente inactivo, embora ainda registado na ERC, em nome de Ana Maria Jesus Linha – teria recebido da autarquia local “valores médios de 120 mil euros por ano […] entre, por exemplo, 2003 e 2013.”, acrescentando que “há registos oficiais desses números”. E promete que “um dia até poderei publicá-los, para os recordar mais em pormenor e, quem sabe, reavivar a memória de alguns destes militantes do PSD mais distraídos sobre alguns mirabolantes e ‘épicos’ episódios de chantagem e pressão, de que vários políticos lagoenses têm conhecimento”.

    Editorial do ‘Lagoa Informa’ assume contrato com cláusulas proibidas mas que afinal não são para cumprir.

    Saliente-se que, no Portal Base, apenas constam diversos contratos de publicidade da autarquia local em 2008 e 2009 com Ana Maria Linha, a responsável da Gazeta de Lagoa, em valores diminutos (da ordem das centenas de euros, cada). A partir desse último ano, passaram a ser feitos contratos de assessoria de comunicação com Ana Maria Linha, que duraram até 2017, mas num período em que, segundo apurou o PÁGINA UM, a Gazeta de Lagoa já não publicava com regularidade.

    Independentemente da situação anterior, o editorial do director do ‘Lagoa Informa’ e gerente da empresa Pressroma constitui uma admissão inequívoca de incumprimento contratual, colocando em causa a legalidade do procedimento concursal e da execução do contrato. Em direito administrativo, um contrato público pode ser considerado nulo se for celebrado com base em declarações falsas ou intenções não genuínas de cumprimento. No seu editorial, Rui Pires Santos diz que “relativamente ao referido contrato [assinado este mês], constam cláusulas que, de facto, poderiam colocar em causa a liberdade de imprensa, se as cumpríssemos”, mas adianta que tal “não acontece e isso pode facilmente constatar-se e provar em cada edição do jornal”.

    Rui Pires Santos, que tem a carteira profissional de jornalista 3240, acrescenta ainda que “a discordância dessas cláusulas, demos a devida nota ao executivo camarário, que não soube explicar como as mesmas foram parar ao contrato, nem os serviços jurídicos da autarquia se mostraram disponíveis para as retirar do documento, alegando questões legais relacionadas com as regras de contratação pública”, manifestando ainda que “desde cedo, ficou explícito e vincado que não as íamos cumprir, tal como no passado, não tendo existido oposição a esse facto”.

    Trecho do contrato de Abril deste ano, onde a autarquia exige à Pressroma que faça “cobertura “acompanhamento da actividade da autarquia com presença no terreno, com reportagens, entrevistas e cobertura de eventos”, independentemente da sua dimensão.

    Do ponto de vista legal, se a autarquia de Lagoa adjudicou um contrato tendo por base um caderno de encargos cuja execução real é desconsiderada pela outra parte, com a sua concordância implícita, estar-se-á perante um contrato simulado, com o objectivo exclusivo de financiar um órgão de comunicação local próximo do poder político, quer em termos ideológicos quer regionais. Aliás, o recente contrato foi celebrado após concurso público, o que ainda agrava a promiscuidade, ao qual também se candidatou outra empresa de media, a Minius Publicações, proprietária do semanário AltoMinho.

    Esta tentativa de justificação histórica não só não iliba o actual contrato como evidencia que a prática de usar dinheiros públicos para sustentar jornais locais é recorrente e aceite como normal por sectores políticos diversos. O facto de Rui Pires Santos assumir que as cláusulas do contrato não são cumpridas, apesar de ter aceite formalmente as mesmas para vencer o concurso público, sugere que este procedimento poderá ter sido apenas uma formalidade para justificar legalmente um financiamento público previamente acordado. Se assim for, de acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM, além da eventual nulidade do contrato, poderá haver responsabilidade por viciação de concurso público, o que justifica a intervenção de entidades fiscalizadoras como o Tribunal de Contas e o Ministério Público.

    Perante esta confissão pública de incumprimento, que poderá configurar conivência com práticas contratuais fraudulentas e gestão danosa do erário público, o PÁGINA UM contactou hoje o gabinete do presidente da edilidade, o socialista Luís Encarnação, que se candidatará para um segundo mandato nas próximas autárquicas. O chefe de gabinete do edil, José Manuel Albino, respondeu que, tendo em conta “a matéria em causa”, as questões formuladas foram remetidas aos “serviços de contratação para melhor análise e apreciação”.

    Recorde-se que, na passada semana, depois de em Março ter aprovado uma deliberação menorizando a promiscuidade do anterior contrato de 2023, a ERC prometeu “abrir um procedimento de averiguações para aferir da existência de eventuais irregularidades”.

    Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social deixou impune o contrato de 2023 que já mostrava a promiscuidade entre uma autarquia socialista e a Pressroma com contrapartidas de cobertura mediática. Sob pressão da notícia do PÁGINA UM, já diz que vai reavaliar de novo a situação.

    Na semana passada, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) também prometeu pronunciar-se perante esta promiscuidade contratual, proibida por lei, mas a reunião do Secretariado foi adiada. Na semana passada também foram colocadas questões ao gerente da Pressroma e também director do Lagoa Informa, Rui Pires Santos, mas não houve ainda qualquer resposta.

    De acordo com o Portal Base, desde 2019 sucedem-se os contratos envolvendo publicidade, e não só, entre a Pressroma e três municípios algarvios, onde Lagoa surge em destaque com 490.518 euros. Os montantes dos contratos com Albufeira e Portimão são mais ‘modestos’: 52.716 e 20.018 euros, respectivamente.

  • Mas afinal a empresa do pai de Pedro Nuno Santos vive mesmo à sombra do Estado?

    Mas afinal a empresa do pai de Pedro Nuno Santos vive mesmo à sombra do Estado?

    No meio das sucessivas dúvidas e polémicas envolvendo o actual secretário-geral do Partido Socialista e candidato a primeiro-ministro, Pedro Nuno Santos, a empresa do seu pai acaba sempre por surgir. Ainda esta semana, o jornal Nascer do Sol revelou que uma das denúncias em investigação pelo Ministério Público envolveria a Tecmacal, a empresa familiar criada há mais de quatro décadas por Américo Augusto dos Santos, e os contratos que foi estabelecendo com o Estado. E, desta forma, o PÁGINA UM foi esmiuçar a situação financeira da empresa e os seus contratos e apoios públicos, também para responder à questão: a família de Pedro Nuno Santos é desafogada e vive à sombra dos dinheiros públicos?

    Antes de mais, a Tecmacal é, na verdade, uma sociedade anónima, embora de accionistas individuais conhecidos, que pertencem a duas famílias. Com efeito, as participações distribuem-se, de forma similar, entre a família de Pedro Nuno Santos e a família de Fernandes Pires Laranjeiro, sendo estes os accionistas de referência que constam no Registo Central do Beneficiário Efectivo: Américo Augusto dos Santos conta com 44,53% das acções, porque recebeu os 0,5% detidos pelo seu filho Pedro Nuno Santos em 2019, havendo ainda pequenas participações da irmã e da mãe do antigo ministro das Infraestruturas do Governo Costa. Do lado da família Laranjeiro, o patriarca Fernando – actual presidente do Rotary Club de São João da Madeira – detém 44,03%, estando a restante parte (até 50%) nas mãos de familiares directos.

    Pai de Pedro Nuno Santos (ao centro) preside ao Conselho de Administração da Tecmacal, uma sociedade anónima que integra outra família (Laranjeira). Foto: DR

    Sediada em São João da Madeira e com filiais na Benedita e em Felgueiras, desenvolvendo actividades sobretudo em maquinaria para a indústria do calçado, uma das ‘acusações’ contra a Tecmacal é a de acumular contratos públicos. De acordo com o Portal Base, somam-se, desde 2007, um total de 26 contratos, envolvendo 894.680 euros. Deste montante, cerca de 554 mil euros (62%) dizem respeito a contratos no período dos Governos socialistas de António Costa, cerca de oito anos, o que dá uma média inferior a 70 mil euros por ano. Destes, dos dois maiores foram por concurso público, celebrados em 2016 com o Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado (cerca de 129 mil euros) e no ano seguinte com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (cerca de 189 mil euros).

    De facto, os contratos públicos de maior montante que beneficiaram a Tecmacal referem-se a adjudicações por concurso público e, com excepção de um ajuste directo para a venda de material informático em 2012 – para a autarquia de Ponte de Sor, no valor de 50.743 euros – estão relacionados com maquinaria no sector do calçado destinada sobretudo a instituições de ensino e formação profissional financiadas pelo Estado.

    O maior contrato que surge referido no Portal Base foi com o Instituto Politécnico da Guarda, no montante de 362.377,20 euros, em 2014. Porém, este foi um valor global de diversos contratos relativos a oito lotes. Na verdade, à Tecmacal só coube um contrato de 18 mil euros. Deste modo, valor global atribuído no Portal Base em contratos da Tecmacal está ‘inflacionado’ em mais de 344 mil euros. Na verdade, o maior contrato foi celebrado em Outubro de 2017 com o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, no valor de 188.800 euros, após um concurso público em que participaram três empresas.

    Em termos globais, os principais clientes públicos da Tecmacal desde 2009 foram o Centro de Formação Profissional da Indústria de Calçado (222.660,00 euros) e o Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (243.740,00 euros). A lista inclui ainda o Instituto Politécnico de Castelo Branco (53.725,00 €), o Agrupamento de Escolas Rafael Bordalo Pinheiro (78.580,00 €), o Centro de Formação da Indústria da Cortiça (64.500,00 €), o CEFPI – Centro de Educação e Formação Profissional Integrada (5.737,05 €), o Instituto Politécnico da Guarda (18.000,00 €) e a Associação para a Formação Profissional do Montijo (12.345,00 €). Entre as restantes entidades contratantes constam a Guarda Nacional Republicana (95.800,00 €), o Município de Ponte de Sor (50.743,30 €), o PCI – Parque de Ciência e Inovação, S.A. (35.000,00 €) e a NOVA.ID.FCT – Associação para a Inovação e Desenvolvimento da FCT (13.850,00 €).

    Apesar de serem montantes aparentemente relevantes, não se pode dizer, pelo contrário, que a Tecmacal seja uma empresa que necessita do Estado para sobreviver, mesmo tendo beneficiado de diversos apoios nos últimos anos, nomeadamente quase 600 mil euros do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) e de um montante um pouco superior em subsídios à exploração entre 2010 e 2023, de acordo com as análises do PÁGINA UM aos relatórios da Informação Empresarial Simplificada.

    Com efeito, no quinquénio em causa, a Tecmacal facturou um total de 34,4 milhões de euros, com resultados líquidos sempre positivos – o que, no contexto português, já é por si notável –, acumulando assim 1.510.351,96 euros de lucro em cinco anos. A facturação tem-se mantido razoavemente estável em redor dos seis a sete milhões de euros por ano, significando que as adjudicações pelo Estado são bastante residuais. Por exemplo, em 2023 só houve uma facturação de 40 mil euros através de contratos públicos, reprsentando assim menos de 0,7% do total das receitas. Nos cinco anos analisados pelo PÁGINA UM, A Tecmacal celebrou apenas três contratos públicos no valor total de 64.110 euros, o que, atendendo à facturação (34,4 milhões de euros), representa somente 0,19% do total.

    Os resultados operacionais foram positivos em todos os exercícios do último quinquénio com contas aprovadcas, oscilando entre um máximo de 689 mil euros em 2022 e um mínimo de 153 mil euros em 2020, demonstrando uma capacidade sustentada. Por outro lado, entre 2019 e 2023, a Tecmacal pagou um total acumulado de cerca de 348 mil euros em impostos sobre o rendimento (IRC), com especial destaque para o ano de 2022, em que o valor atingiu os 118 mil euros. Se se considerar também os encargos sobre remunerações, especialmente pagamentos à Segurança Social, a Tecmacal fez entrar nos cofres do Estado quase 1,3 milhões de euros pelo trabalho dos seus cerca de seis dezenas de trabalhadores.

    Fotografia de ‘família’ dos funcionárioa da Tecmacal em 2022. Foto: DR

    Considerando as flutuações de mercado, e também a crise pandémica, com especial incidência no triénio 2020-2022, a Tecmacal tem mantido uma estrutura financeira forte. Em 2023, o capital próprio ultrapassava os 9,8 milhões de euros – próximo do dobro do registado em 2011 –, representando 76% do activo total, o que traduz uma autonomia financeira muito acima da média do sector industrial, onde os rácios rondam, em geral, os 40% a 60%. Ao longo dos cinco anos analisados, a autonomia nunca desceu dos 63%, e o passivo total caiu, entre 2022 e 2023, de 5,4 para apenas 3,08 milhões de euros. Nessa medida, os encargos financeiros são residuais: em 2023, os juros suportados totalizaram apenas 52 mil euros.

    Ao nível da liquidez, a empresa demonstra igualmente conforto. Com 1,4 milhões de euros em caixa e depósitos bancários no final de 2023, e um passivo corrente inferior a três milhões, o rácio de liquidez corrente supera os 3,4, muito acima do mínimo aceitável. E mesmo no pico das tensões pandémicas, em 2020, a empresa atingiu um rácio de 4,46. Esta folga de tesouraria permite à empresa operar sem dependência de linhas de crédito rotativo nem de financiamentos de curto prazo.

    Mas se a solidez é evidente, também se destaca alguma prudência da gestão. Entre 2019 e 2023, a empresa nunca distribuiu qualquer dividendo aos seus accionistas. Em vez disso, reteve cerca de 820 mil euros dos lucros, que se reflectem no crescimento das reservas e na recuperação dos resultados transitados que, em 2019, estavam negativos.

    Outro aspecto revelador da prudência e discrição da gestão familiar da Tecmacal é a política de remuneração dos seus órgãos sociais. Apesar de integrar seis membros no Conselho de Administração, presidido pelo pai de Pedro Nuno Santos, os relatórios identificam uma remuneração anual bastante baixa e estável, entre os 124 mil e os 127 mil euros. Significa, assim, uma remuneração mensal média de menos de nove mil euros para todos os administradores. Não há menções a prémios, gratificações, participações nos lucros ou outros benefícios extraordinários nos relatórios dos cinco anos. Trata-se, pois, de uma estrutura de compensação moderada e compatível com os padrões de PME familiar.

    Pedro Nuno Santos em campanha eleitoral. Foto: DR.

    Finalmente, importa referir que a Tecmacal tem investido de forma contida, mas contínua, nos seus activos. O activo fixo tangível mantinha-se, em 2023, em torno dos 380 mil euros, e as participações financeiras, que são uma parte substancial do activo não corrente, ultrapassam os 2,2 milhões de euros. A empresa não divulga, no IES, os nomes das entidades participadas, mas trata-se claramente de um portefólio significativo, e que contribui também para os resultados anuais – em 2022, os ganhos com subsidiárias atingiram os 173 mil euros.

    Em conclusão, a Tecmacal apresenta-se como uma empresa de sucesso discreto, sustentada em princípios de gestão conservadora, capitalização interna, baixos níveis de dívida e estabilidade de operação. Os lucros foram constantes, os apoios do Estado razoáveis e bem aproveitados – mas também ‘retribuiu’ para a Segurança Social – e a estrutura está financeira robusta. Mas não terá sido directamente através da Tecmacal que a vida financeira de Pedro Nuno Santos melhorou, porque a empresa familiar não distribuiu lucros no último quinquénio nem as remunerações dos administradores serão assim tão colossais.

  • Contrato de publicidade exige que jornal faça fretes a autarquia socialista

    Contrato de publicidade exige que jornal faça fretes a autarquia socialista

    Nem sequer foi um simbólico “puxão de orelhas”. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu deixar passar completamente incólume um caso gravíssimo de promiscuidade entre um órgão de comunicação social do Algarve e uma autarquia daquela região – Lagoa – que envolvia um contrato de publicidade com contrapartida de cobertura mediática das actividades da vereação. Para agravar, o gerente e sócio único da empresa de media – a Pressroma – é um jornalista, Rui Pires Santos, que acumula a direcçºao editorial de três publicações (Lagoa Informa, Algarve Vivo e Portimão Jornal), mas que tem assinado contratos comerciais, em violação do Estatuto do Jornalista. O contrato analisado pela ERC, no valor de quase 112 mil euros (com IVA), vigorou durante 2023 e 2024.

    Apesar de a Lei da Imprensa impedir a ingerência de entidades externas na linha editorial de órgãos de comunicação social, o regulador dos media, em deliberaçºao publicada este mês mas aprovada no passado dia 24 de Março, apenas recomendou (usando o verbo instar) que a Pressroma observasse “a necessidade de garantir a independência editorial das publicações de que é detentora, bem como a identificabilidade dos conteúdos de natureza comercial e a respectiva separação face aos conteúdos editoriais.” A recomendação caiu em saco roto: apenas 10 dias depois, Rui Pires Santos (com a sua Pressroma) marimbou-se para a ERC e assinou um novo contrato, após concurso público, que ainda agrava a promiscuidade. Neste caso, também se candidatou para fazer ‘fretes’ à autarquia algarvia uma outra empresa de media, a Minius Publicações, proprietárida do semanário AltoMinho.

    Luís Encarnação celebrou dois contratos de mais de 200 mil euros em quatro anos com o jornal Lagoa Informa, que não pára de lhe conceder destaque.

    Com efeito, tal como já sucedia com o contrato de 2023 alvo da análise da ERC – que demorou quase dois anos a tomar uma deliberação após uma queixa de pessoa não identificada –, a Câmara de Lagoa exige agora, na adjudicação celebrada no dia 4 do presente mês, no valor de 121 mil euros, que a Pressroma, através do Lagoa Informa, se comprometesse a uma tiragem mínima de 3.000 exemplares de distribuição gratuita, devendo “garantir que pelo menos 70% dos conteúdos” sejam dedicados à actualidade e às figuras do concelho de Lagoa, com um mínimo de 16 páginas por edição.

    Mas o pior surge nas cláusulas seguintes.. Segundo o contrato, por imposição da autarquia de Lagoa, o jornal da Pressroma está ainda obrigado a prestar informação de proximidade, que inclui acompanhar a actividade da autarquia com “presença no terreno”, através de “reportagens, entrevistas e cobertura de eventos, não só os de maior dimensão, como os de menor visibilidade, mas com importância informativa para a população e comunidade local, com qualidade e profissionalismo”. E para isso tem de dispor de pelo menos “dois jornalistas com carteira profissional”. Para aumentar o controlo, a Pressroma deve apresentar relatórios quinzenais de distribuição e reunir quinzenalmente com responsáveis da Câmara Municipal..

    Embora as ilegalidades serem mais do que evidentes – por ser proibida a ingerência de entidades externas, como autarquias, na direcção editorial de um órgão de comunicação social, e de estar vedado aos jornalistas exercerem funções de promoção –, a ERC não viu ou não quis ver qualquer ilegalidade neste contrato de 2023.

    Aliás, o regulador dos media foi bastante ‘benevolente’ na análise a esse contrato de 2023, agora repetido, até aceitando as desculpas da Pressroma, que quis fazer crer que a autarquia utilizara por lapso um modelo contratual usualmente empregue nas suas publicações internas. Ora, a ERC nem sequer reparou – ou quis reparar – que a Pressroma assinara um contrato após um concurso público, em que, para o vencer, teve de assumir que cumpriria as exigências detalhadas do caderno de encargos.

    Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social deixou impune um caso evidente de promiscuidade entre uma autarquia socialista e um jornal através de contratos de publicidade com contrapartidas de cobertura mediática.

    Na prática, a Lagoa Informa, através da Pressroma, aceitou ser um boletim municipal da autarquia de Lagoa travestido de jornal de informação registado na ERC e com jornalistas com título profissional. E a ERC acreditou na versão da empresa de media de que os únicos conteúdos pagos eram os espaços publicitários e editais municipais devidamente assinalados com a sigla “PUB”, e que os conteúdos informativos não eram encomendados.

    Certo é que, numa análise ao conteúdo do Lagoa Informa, com periodicidade quinzenal, o presidente socialista sai quase sempre na primeira página com direito a fotografia,. Nas quatro últimas edições aparece na primeira página em três, e é notícia em todas. A edição da primeira quinzena de Março integra, aliás, um autêntico encómio sobre o seu percurso de vida.

    Numa longa peça assinado por José Garrancho (com cartão de colaborador da CCPJ), Luís Encarnação é apresentado como “um trabalhador dedicado e eficiente, educado, de bom trato e muito preocupado com as necessidades da sua terra natal, o Parchal, local onde nasceu em 1968”. E faz um percurso sempre elogioso, desde o trabalho na hotelaria até à sua dedicação ao estudo e ascensão política. E coloca-o como um homem culto, desprendido do poder e com paixão pela leitura, “devorador de livros”, embora ‘traído’ pelo discurso directo. “Quando deixar de ser presidente de Câmara, vou abraçar a minha grande paixão, que é ler e não quero cargos nenhuns. Quando tinha nove ou dez anos já lia livros da maior complexidade. Toda a vida fui um devorador de livros. A 1 de novembro de 2013, quando iniciei funções como vereador, estava a ler um livro que ainda hoje está a meio. A primeira coisa que vou fazer é acabar de o ler e começar de novo, pois já perdi o fio à meada, ao fim de todos estes anos”, diz o autarca socialista ao jornal que ‘patrocina’.

    Prwesidente socialista é preseça constante no jornal Lagoa Informa.

    Mas estas ‘ligações intimas’, ou promíscuas, entre o edil e o jornal nem sequer mereceram uma linha de análise por parte da ERCl. No decurso da instrução, que demporou quase dois anos, a ERC apenas detectou incumprimentos da Lei da Transparência por parte da Pressroma, nomeadamente na omissão de informação sobre clientes relevantes e dados financeiros de vários anos, mas nada mais fez do que insistir para que fossem preenchidas, ficando-se a saber que, em alguns anos, mais de 40% dos rendimentos provêm do Município de Lagoa – que, aliás, nem se dignou responder aos pedidos de esclarecimento da ERC sobre o conteúdo do contrato nem forneceu os relatórios de acompanhamento solicitados. A ERC, na verdade, nem sequer se consegue impor para fazer uma regulação decente.

    Assim, mesmo com a Lei da Imprensa, o Estatuto do Jornalista, a Lei da Transparência e os Estatutos da ERC, o regulador mais não fez do que constatar o óbvio: a Pressroma aceitou cláusulas que põem em causa a autonomia editorial do Lagoa Informa; não salvaguardou devidamente a separação entre conteúdos editoriais e comerciais e colocou em risco a liberdade de imprensa.

    Consequência disto? Nenhuma. Nem um processo de contra-ordenação – que deveria abranger também a autarquia –, nem uma ameaça de suspensão do título, nem uma comunicação à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) por uso de “jornalismo comercial”.

    Quer dizer, há uma consequência que se extrapola. Com esta deliberação sobre a impunidade da promiscuidade – em que se mercantiliza o jornalismo num contrato de inserção publicitária – a ERC indica expressamente que qualquer órgão de comunicação social, desde os de maior dimensão até aos regionais, pode livremente celebrar contratos publicitários onde possam expressamente surgir como contrapartidas a elaboração de entrevistas e artigos promocionais feitos por jornalistas – e, quiçá, mesmo a garantia de que não serão publicadas notícias “desagradáveis”.

    Trecho do contrato de Abril deste ano, onde a autarquia exige à Pressroma que faça “cobertura “acompanhamento da actividade da autarquia com presença no terreno, com reportagens, entrevistas e cobertura de eventos”, independentemente da sua dimensão.

    Confrontada a ERC sobre este novo contrato, dias depois de uma deliberação ‘fofinha’, o regulador afirma que, perante este novo contrato, foi decidido “abrir um procedimento de averiguações para aferir da existência de eventuais irregularidades” já identificadas na deliberação de Março, mas que deram em nada.

    O PÁGINA UM também contactou a CCPJ, que adiou uma posição para a próxima semana. Também foram colocadas questões ao gerente da Pressroma e também director do Lagoa Informa, Rui Pires Santos, mas não houve qualquer resposta. De acordo com o Portal Base, desde 2019 sucedem-se os contratos envolvendo publicidade, e não só, entre a Pressroma e três municípios algarvios, onde Lagoa surge em destaque com 490.518 euros. Os montantes dos contratos com Albufeira e Portimão são mais ‘modestos’: 52.716 e 20.018 euros, respectivamente.

  • Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    Comissão Nacional de Eleições compra 210.000 esferográficas ao triplo do preço de mercado

    .Os eleitores já sabem que não precisam de levar caneta para escolher os seus partidos e candidatos quando se dirigirem às urnas no próximo dia 18 de Maio. E isto porque a Comissão Nacional de Eleições (CNE) trata de tudo. Ou melhor, já adjudicou a uma empresa de brindes a compra de 105 mil esferográficas a pensar nas eleições para a Assembleia da República. E, prevenida, aproveitou, no mesmo contrato, para comprar mais 105 mil canetas para as eleições autárquicas agendadas para Setembro ou Outubro – não vá as outras gastarem-se todas.

    Em eleições que custarão milhões, as esferográficas são apenas uma gota de água: os contribuintes pagarão, em princípio, 23.764 euros (com IVA) pela compra da CNE à empresa Enterprom II – Brindes Publicitários, com sede na Charneca da Caparica, em Almada. Mas até aqui se consegue ser despesista.

    De acordo com o contrato assinado no passado dia 27 de Março, mas só ontem publicado no Portal Base, a empresa de brindes tem a obrigação de entregar 105 mil esferográficas até ao dia 4 de Abril. As restantes 105 mil terão de ser fornecidas até ao dia 1 de Agosto, a tempo da realização das eleições autárquicas.

    Fazendo as contas, cada esferográfica custa ao contribuinte 9,2 cêntimos (sem IVA). Ora, comparando com os preços de outros fornecedores nacionais com contratos efectuados com entidades públicas, sem incluir um eventual desconto de quantidade, encontram-se esferográficas ao preço unitário de 3,0 cêntimos (sem IVA). Pesquisando online, com fornecedores no estrangeiro, ainda se consegue encontrar canetas por preços inferiores quando adquiridas em grandes quantidades..

    Não sendo conhecido o caderno de encargos, não se sabe se existe algum tipo de preocupação ambiental na aquisição das canetas para os actos eleitorais. Contudo, não consta nenhum ‘selo’ de sustentabilidade no contrato publicado no Portal Base.

    Também não se sabe a razão pela qual a CNE não comprou directamente as canetas. A justificação para a compra das esferográficas ter sido feita sem concurso é a disposição legal do Código dos Contratos Públicos que abre a porta ao ajuste direto “quando o valor do contrato for inferior a 20 000.euros”.

    O preço a pagar pela CNE inclui porém, segundo o contrato, todos os “encargos” que a empresa fornecedora tenha com “deslocações, transportes, alojamento, equipamentos” e custos “relativos “decorrentes da utilização de marcas, patentes ou licenças” Abrange ainda encargos com “obrigações de garantias dos serviços prestados”. Convém referir que, por norma, as entregas em quantidade já incluem o transporte, como se pode verificar no caso consultado pelo PÁGINA UM.

    Curiosamente, no contrato das esferográficas está prevista ainda a “divulgação da campanha de esclarecimento nos órgãos de comunicação social e nas redes sociais”, mas não se explicita que campanha de esclarecimento se trata nem o motivo para uma fornecedora de esferográficas estar envolvida neste tipo de acções.

    Saliente-se que esta não é a primeira vez que a CNE compra esferográficas para as eleições. Nas anteriores legislativas, em 10 de Março do ano passado, a CNE também escolheu à Enterprom II, mas não se sabe quantas canetas foram adquiridas porque não existe contrato escrito para essa compra no valor de 10.578 euros.

    Poucos meses depois, a CNE também fez novo contrato por ajuste directo, desta vez para as eleições para o Parlamento Europeu. gastou mais 8.911,35 euros. A transacção foi efectuada a 9 de Maio do ano passado, também sem contrato escrito, pelo que não consta no Portal Base a quantidade de canetas que foram compradas. Pelos valores presume que possa ter sido a mesma quantidade.

    O PÁGINA UM tentou colocar algumas dúvidas junto de um porta-voz da CNE, André Vale, nomeadamente sobre o uso a dar às canetas e o porquê da compra duplicada de esferográficas para dois actos eleitorais tão próximos no tempo. Mas até à hora da publicação desta notícia ainda não tinha sido possível obter esses dados.

    De resto, a Enterprom II não se pode queixar da falta de encomendas públicas, quase sempre por ajuste directo, como se fosse a única empresa de brindes de Portugal. No Portal Base contabilizam-se 58 contratos com entidades públicas que já geraram á empresa, desde 2012, receitas de 945.975 euros. Apenas um dos contratos foi obtido por concurso público, numa adjudicação da Águas de Portugal no valor de 115.912 euros, realizada em 2023.

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    Este tipo de contratos são a ‘ponta do icebergue’ em termos de custos com a organização de eleições em Portugal. Como noticiou, recentemente, o PÁGINA UM, a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna celebrou um contrato por ajuste directo com os CTT relativo ao envio e recepção de votos de eleitores residentes no estrangeiro que prevê um gasto de até 11,75 milhões de euros, ou seja, um agravamento do preço de quase 45% face às anteriores legislativas.

    A este valor, somam-se outros, como um de 305 mil euros relativo a um contrato para ‘aquisição de serviços de apoio ao funcionamento de recolha e contagem dos votos dos eleitores residentes no estrangeiro’ que foi assinado ontem com a empresa Bravantic Evolving Technology. Este contrato foi também adjudicado por ajuste directo por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

  • ERC institucionaliza ‘taxa de promiscuidade’ nos media

    ERC institucionaliza ‘taxa de promiscuidade’ nos media

    Na aparência é uma condenação, mas serve ‘para inglês ver’ – e pior, vai servir para perpetuar esquemas de promiscuidade entre empresas de media e entidades públicas e privadas. Uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), aprovada no início deste mês e divulgada esta semana, aplicou uma coima à Impresa Publishing, dona do Expresso, pelo facto de o jornal ter publicado um artigo publicitário, assinado por uma jornalista com carteira profissional, sem fazer referência de se tratar de publicidade contratualizada.

    Mas, apesar desta condenação parecer, à primeira vista, um sinal de que o regulador dos media está, finalmente, a punir actos de promiscuidade por violação da Lei da Imprensa e de comercialização da actividade jornalística, os factos mostram o oposto. A deliberação serve como sinal de que o ‘crime’ compensa e até dá dicas para contornar futuras sanções. Isto porque a coima aplicada (2.000 euros) foi muito inferior aos proveitos obtidos pelo Expresso por essa violação da Lei da Imprensa.

    Ou seja, a ERC aplicou, na verdade, uma espécie de ‘taxa de promiscuidade’, que pode muito bem passar a ser encaixada em futuras parcerias comerciais entre media e entidades públicas e privadas, na eventualidade do regulador os voltar a incomodar. E tem incomodado pouco, diga-se, até porque este processo de contra-ordenação demorou mais de dois anos a ser concluído e envolve actividades que ocorreram em 2021.

    Na base da condenação da Impresa Publishing está uma notícia publicada pelo semanário, no dia 28 de Junho de 2021, com o título “Taxa de abandono escolar precoce caiu 10% desde 2013“, na rubrica ‘Projectos Expresso’. Trata-se de uma notícia elaborada no âmbito de um contrato de 29 mil euros efectuado entre a Secretaria-Geral de Educação e Ciência e a Impresa Publishing, para a aquisição de serviços para organização, cobertura e promoção de evento para o Programa Operacional Capital Humano (POCH), em 9 de março de 2022. Este contrato foi um dos 56 contratos identificados pelo PÁGINA UM numa investigação sobre promiscuidade nos media, publicado em Maio de 2022. Cinco destes contratos envolviam o Expresso. Cerca de um ano mais tarde, a ERC anunciou a abertura de processos de contra-ordenação a sete empresas de media.

    A ERC acaba apenas por sancionar um dos cinco contratos -havendo mais outro que foi analisado, referente ao Instituto Nacional de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), também revelado pelo PÁGINA UM em Maio de 2022, mas sem quaisquer consequências.

    Nesse contrato, que visou promover o POCH, esteve em ‘discussão’ se um artigo ambíguo publicado na secção ‘ Projectos Expresso’ era notícia ou publicidade. Esse artigo foi escrito pela então jornalista Fátima Ferrão, que neste momento não tem carteira profissional, até porque tem vindo a acumular a profissão de jornalista com a de coordenadora de uma empresa que faz conteúdos empresariais, a Mad Brain. Em todo o caso, Fátima Ferrão continua a assinar notícias em meios de comunicação social e a apresentar-se como jornalista, colaboradora do Expresso e coordenadora da Mad Brain, o que constitui uma acumulação de irregularidades.

    No decurso do processo de contra-ordenação, a ERC concluiu que, embora assinada por um jornalista e com um formato de um texto jornalístico, não evidenciava, aos olhos dos leitores, tratar-se de conteúdos publicitários. Isto porque a formatação do texto era similar às das notícias jornalísticas, com o mesmo tipo, cor e tamanho de letra e fundo. Porém, estava associado a um contrato para a sua elaboração, ou seja, era um compromisso assumido previamente pela Impresa Publishing perante o pagador, a Secretaria-Geral de Educação e Ciência.

    Sede da ERC, em Lisboa. / Foto: D.R.

    Para a ‘condenação’ da Impresa Publishing contribuiu, no entanto, apenas o facto de o contrato com a SGEC contemplar, para além da organização de um evento, “a cobertura jornalística […] no jornal Expresso”. A ERC nem sequer considera grave que um evento pago tenha tido a presença de directores e jornalistas do Expresso, cuja participação era exigida também no contrato. Ou seja, o regulador ignora, na decisão final, que um director e um jornalista do Expresso tem mesmo de estar ao serviço de uma entidade externa, neste caso do Governo, para cumprir um contrato. E também realizar entrevistas aos oradores do evento e “cobrir a conferência no caderno de Economia”, e logo na primeira página, como está no contrato. E foi cumprido,

    Isto tudo apesar da ERC concluir que, “o jornal Expresso não cobriu a referida conferência porque viu nela interesse jornalístico, mas [sim] porque a sua entidade proprietária se comprometeu a fazer a promoção e cobertura jornalística desse evento num contrato que celebrou” com o Governo de António Costa..

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    Estranhamente, apesar de se tratarem de casos similares, envolvendo a secção ‘Projectos Especiais’, a ERC entendeu que não existiam provas de que as notícias associadas aos outros cinco contratos tenham violado também a Lei da Imprensa e estavam feridas de promiscuidade. E por uma simples razão: a instituição liderada por Helena Sousa, mesmo com todos os poderes de um regulador, não mexeu uma palha para obter sequer os cadernos de encargos, mesmo não estando no Portal Base.

    Assim, a ERC deixou escapar, ou quis deixar escapar, as ‘notícias’ promocionais efectuadas no âmbito de outros contratos, designadamente aquele que foi assinado em Maio de 2022 com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no valor de 19.500 euros, para a aquisição de serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022. E isto porque não teve acesso ao caderno de encargos. Curiosamente, o PÁGINA UM teve, bastando um pedido ao ICNF. Está aqui.

    Sem qualquer sanção ficou também a cobertura ‘noticiosa’ feita pelo Expresso na sequência de um contrato celebrado com a Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (SGTSSS) em Dezembro de 2020, no valor de 19.800 euros, para a aquisição de serviços diversos para apoio à realização do evento anual do Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego – POISE.

    Helena Sousa, presidente do conselho regulador da ERC. / Foto: D.R.

    A ERC considerou que não tinha provas de que as seguintes notícias feitas na sequência dos dois contratos efectuados com o ICNF e a SGTSSS, estivessem inseridas nos serviços prestados pela Impresa: “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’“; “Mulheres duplamente penalizadas com a crise“; e “Conquistas no emprego e igualdade de género poderão ‘regredir’ com a pandemia“.

    Mas o facto é que a ERC assume que, no concerne aos “factos considerados não provados, tal ficou a dever-se à circunstância de, quanto a eles, não ter sido produzida qualquer prova suficientemente consistente”. Melhor dizendo, o regulador não se deu ao trabalho de a produzir, porque nem sequer mostra que pediu às entidades públicas os respectivos cadernos de encargos. Bastaria, talvez, um e-mail.

    A ERC teve a ousadia de dizer, na sua deliberação, que não encontrou provas de que a publicação do artigo “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’” “estivesse prevista no contrato celebrado entre o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. e a Impresa Publishing, S.A., para aquisição de serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022, celebrado em 20 de maio de 2022”.

    Foto: D.R.

    Porém, consultando o caderno de encargos deste contrato, estão claramente descritos os serviços a prestar no âmbito da realização de três conferências, designadamente: “Divulgação do evento num jornal de referência nacional (1 página)”; “Elaboração do resumo das principais conclusões”; e “apresentação das conferências, com recurso a uma personalidade reconhecida de um canal de televisão nacional com elevado número de telespetadores”. A ERC usa o argumento ‘in dubio pro reo‘ para não condenar a Impresa, mas, na verdade, verifica-se que se aplicou a máxima pouco ortodoxa ‘in ignavia iudicis, absolutio sequitur‘, ou seja, na preguiça do juiz, segue-se a absolvição.

    O caderno de encargos tem, aliás, uma particularidade que mostra a promiscuidade destes contratos: o ICNF exigia contratualmente a cobertura noticiosa mas concedendo que o Expresso dispunha “de autonomia na prestação dos referidos serviços, designadamente no apoio técnico, streaming, promoção e cobertura dos eventos”. Ou seja, o Expresso podia fazer tudo o que lhe apetecesse, do ponto de vista editorial, desde que não pensasse sequer em ignorar a cobertura noticiosa do evento pago.

    Foto: PÁGINA UM

    O mais curioso é que a ERC na sua deliberação – e convém referir que existem propostas de deliberação elaboradas pelos seus serviços que podem ser alteradas pelo Conselho Regulador – reconhece ser “convicção do regulador que estes artigos também foram elaborados na sequência dos mencionados contratos, pois os mesmos promovem os eventos visados pelos contratos”.

    Mas diz depois que, “dada a natureza híbrida destes conteúdos [‘Projectos Expresso’], que se assemelham a conteúdos jornalísticos, e considerando que os mesmos revestem certo interesse informativo, sem existirem nos contratos cláusulas específicas que prevejam a sua elaboração (que sejam do conhecimento do regulador), poder-se-á admitir que as peças em causa foram elaboradas por decisão da direção de informação do Expresso, dentro da sua liberdade editorial, que decidiu anunciar e descrever as conferências em causa, citando as declarações dos seus oradores”.

    E até acrescenta então que se considera “pouco provável essa ocorrência” mas que, face à existência de dúvidas acerca de quem partiu a decisão para elaborar os conteúdos em causa (da direção de informação do Expresso ou se já estavam previstos nos contratos para a organização desses eventos) e da existência de um pagamento pela redação dos mesmos, convoca-se o princípio ‘in dubio pro reo‘ [na dúvida, decide-se a favor do réu], aplicável ao processo de contraordenação”. Dúvidas existenciais da ERC que teriam sido sanadas com a leitura do caderno de encargos, que no caso do ICNF, está aqui. E também na imagem em baixo.

    Excerto do caderno de encargos do contrato assinado entre o ICNF e a Impresa Publishing.

    Assim, não só a ERC deixou escapar estas notícias à aplicação de coimas, já que são em tudo similares à notícia que gerou a presente condenação da Impresa Publishing, como sugere uma dica preciosa aos media promíscuos: desde que as ‘notícias’ não estejam especificamente previstas nos contratos, escapam a coima do regulador e não serão tratadas como publicidade, apesar de o serem, mas não estarem identificadas como tal aos leitores.

    Deste modo, além de aplicar apenas uma coima, e de valor baixo (2.000 euros para um contrato de 29.000 euros), a ERC ainda explica aos grupos de media como podem ‘fugir’ à Lei da Imprensa.

    Acresce a demora na análise, porque este caso remonta a Maio de 2023, quando a ERC deliberou instaurar processos de contra-ordenação contra a Impresa Publishing relacionados com “conteúdos referentes aos cinco contratos celebrados entre entidades públicas e a empresa”, no período compreendido entre 26 de fevereiro de 2020 e 20 de maio de 2022.

    De resto, essa deliberação inicial só surgiu após uma notícia do PÁGINA UM sobre promiscuidade nos media, que identificava que, desde 2020, tinham sido efectuados 56 contratos de ‘parceria comercial’ entre empresas de media e de entidades públicas.

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    Normalizou-se na imprensa a publicação de conteúdos promocionais travestidos de notícias, assinados por jornalistas, e sem que reguladores actuem para parar com a promiscuidade e a violação da Lei da Impresa no sector. / Foto: D.R.

    Este é mais um caso em que a promiscuidade vence pela inacção e posterior lentidão de actuação do regulador, mas também pela reduzida coima aplicada e demais incentivos a que os grupos de media continuem a violar a Lei de Imprensa, publicando notícias que são, afinal, publicidade.

    Recorde-se que, segundo a Lei da Imprensa, toda a publicidade “deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”. Mas grupos de media têm criado áreas como a de ‘Projectos Especiais’ do Expresso para publicar notícias que resultado de contratos comerciais.

    Na base da presente condenação da Impresa Publishing pelo conselho regulador da ERC está também o argumento de que “os factos ocorreram porque a arguida não procedeu com o cuidado a que está obrigada e de que é capaz, já que não fez uma interpretação correta da Lei de Imprensa”.

    O PÁGINA UM detectou, em Maio de 2022, a existência de 56 contratos de ‘parceria comercial’ entre grupos de media e entidades públicas.

    A ERC frisa, na deliberação, que “a arguida tinha os meios necessários e a capacidade de compreender que uma peça que promova uma conferência por cuja organização recebeu uma contrapartida económica, estando prevista a sua redação no contrato de prestação de serviços, constitui um conteúdo publicitário, o qual tem de ser identificado expressamente”.

    Considerou ainda que “a arguida não revela arrependimento, no sentido da interiorização do desvalor da sua conduta”.

    O certo é que, após esta decisão e a coima aplicada pela ERC, fica aberto o caminho para que esta e outras empresas de media continuem a não interiorizar “o desvalor da sua conduta” quando publicam notícias ou entrevistas ou reportagens como se se tratasse de conteúdo informativo e não de publicidade encapotada.

  • Parlamento: Conferência de Líderes ‘salva’ concerto de 140 mil euros de Rui Veloso

    Parlamento: Conferência de Líderes ‘salva’ concerto de 140 mil euros de Rui Veloso

    Vinte e quatro horas antes do Governo Montenegro cair com o ‘chumbo’ da moção de confiança, director de Cultura da Assembleia da República assinou um inusitado contrato de 140 mil euros (IVA incluído) para um concerto de Rui Veloso nas escadarias do Parlamento viradas para a Rua de São Bento. O concerto, por um cachet ‘gordo’ – duas a três vezes o montante habitual cobrado pelo cantor de ‘Chico Fininho’ –, realizar-se-á, ainda por cima, no dia 24 de Maio, ou seja, apenas seis dias após as eleições legislativas antecipadas.

    A confirmação da queda do Governo ainda levou a ponderar-se a suspensão do contrato, mas Aguiar-Branco – colega de liceu e amigo de longa data do músico portuense – e os líderes parlamentares decidiram, na quarta-feira passada, que o concerto vai mesmo avançar.

    Rui Veloso quase perdeu um concerto com um ‘cachet’ de 140 mil euros.

    Embora de forma oficiosa o PÁGINA UM tenha apurado que este concerto está enquadrado ainda nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos – mesmo se já depois de se soprarem 51 velas –, certo é que não consta em qualquer programa conhecido do Parlamento ou mesmo da comissão oficial.

    Num programa que consta no site da Assembleia da República sobre iniciativas previstas para este e para o próximo ano no âmbito das comemorações destacam-se, entre outras, a exposição ‘As Primeiras Eleições Livres’, a publicação da antologia ‘A Poesia está na Assembleia’ e do livro ‘Memórias: o Jornalismo e os Jornalistas nos 50 Anos do 25 de Abril’, a produção em parceria com a RTP de documentários, bem como a encenação de uma peça de teatro pelos Artistas Unidos sobre a democracia e a Constituição.

    Nada há, neste programa, sobre um concerto musical, e muito menos se conhecem as razões da escolha do músico do Porto para abrilhantar uma noite de sábado ao preço de 140 mil euros. A preços de mercado, este montante daria para um festival com três ou quatro grupos musicais, opção bem mais democrática.

    Apesar de o PÁGINA UM ter procurado ao longo do dia entender as razões da oportunidade do contrato e, mais em concreto, de Rui Veloso – que será acompanhado pela banda Sinfónica da GNR (sem custos) –, não foi ainda possível obter, apesar de diversas tentativas, comentários do director de Informação e Cultura da Assembleia da República, José Manuel Araújo, que também ocupa há mais de 12 anos o cargo de secretário-geral do Comité Olímpico Português.

    Em todo o caso, a proposta inicial da contratação de Rui Veloso veio da actual secretária-geral do Parlamento, Anabela Cabral Ferreira, desembargadora do Tribunal da Relação que liderou a Inspecção-Geral da Administração Interna entre 2019 e o ano passado. A aprovação passou ainda pelo crivo do Conselho de Administração, que inclui, além da secretária-geral, sete deputados: Emídio Guerreiro (PSD), Eurídice Pereira (PS), Pedro dos Santos Frazão (Chega), Rui Rocha (IL), Joana Mortágua (BE), Alfredo Maia (PCP) e Rui Tavares (Livre). Conforme a acta da reunião, a proposta “foi aprovada por maioria”, com os votos favoráveis dos deputados do PSD, PS, PCP, e do representante dos funcionários parlamentares, a abstenção do Chega, IL e BE, e registando-se a ausência do deputado do Livre.

    Contactado pelo PÁGINA UM no início desta noite, Emídio Guerreiro, que formalmente preside ao Conselho de Administração da Assembleia da República, confirmou a aprovação desta contratação sob proposta dos serviços do Parlamento, embora não se recordando, por não deter os documentos à mão, os motivos para a escolha do músico portuense.

    José Manuel Araújo, director de Informação e Cultura da Assembleia da República, ocupa também o cargo de secretário-geral do Comité Olímpico Português. Foi ele que assinou o contrato na véspera da queda do Governo / Foto: D.R.

    Porém, o PÁGINA UM sabe que, já depois da assinatura do contrato, e sabendo-se já da realização de eleições antecipadas, a secretaria-geral ponderou a suspensão do concerto, decidindo dar a última palavra à Conferência de Líderes. Esta estrutura – formada pelo presidente do Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco, e dos deputados Hugo Soares (PSD), Alexandra Leitão (PS), Pedro Pinto (Chega), Mariana Leitão (Iniciativa Liberal), Fabian Figueiredo (BE), Isabel Mendes Lopes (Livre), Paula Santos (PCP) e Paulo Núncio (CDS) – acabou por aprovar a manutenção do concerto.

    De um modo formal, não existem indícios de que José Pedro Aguiar-Branco tenha influenciado a escolha de Rui Veloso, apesar da sua longa amizade com Rui Veloso, desde os tempos de liceu. No ano passado, o ainda presidente da Assembleia da República confessou que, por ocasião do seu 50º aniversário, organizou uma festa para a família e amigos e surpreendeu todos com o disco gravado no estúdio da casa de Belas de Rui Veloso. Terão gravado juntos ‘Não Há Estrelas no Céu’ e ‘Porto Sentido’. Ainda não foi possível obter comentários de Aguiar Branco para saber se participará no concerto do amigo.

    Por parte da agência que representa Rui Veloso – a PG Booking, que assinou o contrato como adjudicatária –, foi apenas indicado ao PÁGINA UM que o anúncio do concerto ainda não era público. Os únicos aspectos conhecidos surgem no contrato assinado na passada semana, onde se refere Rui Veloso será acompanhado pela Banda Sinfónica da GNR num concerto de 100 minutos sob oito arranjos musicais de John Beasley, um pianista de jazz norte-americano.

    José Pedro Aguiar-Branco preside também à Conferência de Líderes, onde estão os líderes dos diferentes grupos parlamentares, onde se decidiu esta quarta-feira manter o concerto de Rui Veloso.

    Aos 67 anos, Rui Veloso – que saltou para a ribalta logo em 1980 com o seu disco de estreia ‘Ar de Rock’ – continua a ser um dos músicos portugueses mais requisitados por entidades públicas. De acordo com o Portal Base, desde o início de 2024, o espectáculo na Assembleia da República será o seu 24º concerto alvo de contrato público, embora este seja de longe o de maior valor.

    Em média, excluindo o concerto das escadarias do Parlamento, Rui Veloso cobra uma média de 45 mil euros. Curiosamente, é nos concertos comemorativos do 25 de Abril que Rui Veloso mais tem facturado. No ano passado, no dia 25 de Abril esteve no castelo de Alandroal e cobrou um pouco mais de 71 mil euros. Dois meses depois, também no âmbito da Revolução dos Cravos, pelo  concerto em Alcácer do Sal facturou, através da agência PG Booking, um pouco menos de 60 mil euros. O mais barato foi um concerto em Novembro passado no Cine-Teatro Avenida de Castelo Branco, que ‘só’ custou cerca de 27 mil, uma vez que já havia palco.

    N.D. Notícia actualizada no dia 15/03/2025 para acrescentar a informação de que a proposta de adjudicação do contrato foi aprovada por maioria, mas com a abstenção do Chega, da IL e do BE, enquanto o deputado do Livre este ausente da reunião.

  • Clientes da família Montenegro tiveram lucros anuais de mais de 110 milhões de euros

    Clientes da família Montenegro tiveram lucros anuais de mais de 110 milhões de euros

    Não são pequenas nem remediadas as empresas que atribuem avenças à Spinumviva, a consultora criada por Luís Montenegro e gerida, na sua casa de Espinho, pela sua mulher e dois filhos. Os irmãos Violas – donos da Solverde e da CLIP – e Fernando Pinho Teixeira – dono da Ferpinta – estão no top 30 das maiores fortunas nacionais. E a Rádio Popular, de dois irmãos de Vila Nova de Gaia, é uma cadeia de lojas de electrodomésticos em franca projecção financeira.

    Mais do que olhar para esse status financeiro, aquilo que maior estranheza pode causar é a necessidade de estes empresários recorrerem aos serviços externos de um político no activo – e ainda mais de uma empresa familiar de um primeiro-ministro – se o objectivo fosse somente executar uma simples tarefa de encarregado de protecção de dados. A proximidade geográfica aparenta ser uma explicação, o que configura uma teia de influências também pessoais.

    De entre as clientes da Spinumviva, a que chama mais atenção é a Solverde. Mas embora seja uma empresa bastante lucrativa, com cerca de 14 milhões de euros de resultados líquidos positivos em 2023, este valor acaba por se ‘diluir’ no colosso da ‘casa-mãe’, o Grupo Violas – a SGPS que consolida as contas das dezenas de empresas dos irmãos Manuel e Rita Violas.

    De acordo com as contas consolidadas referentes aos dois últimos exercícios – as contas de 2024 ainda não foram concluídas –, consultadas pelo PÁGINA UM, o Grupo Violas registou uma facturação superior a 962 milhões de euros em 2023, que resultou num lucro de 84,4 milhões de euros. Juntando os dois anos, o grupo familiar acumulou lucros de 163 milhões de euros, com resultados operacionais que ascenderam a quase 362 milhões de euros. Os resultados, contudo, poderiam ainda ser melhores se não fosse o elevado endividamento das diversas empresas, que ‘obrigaram’ a despender mais de 35 milhões de euros em juros em 2022 e 2023, dos quais 21 milhões neste último ano. Todo o Grupo Violas conta com 3725 trabalhadores.

    Os irmãos Manuel e Rita Celeste, cuja fortuna está avaliada em cerca de 939 milhões de euros, encontram-se na 14ª posição da lista dos mais ricos da Forbes Portugal. Só no capital próprio do grupo – detida em partes iguais pelos dois irmãos – estão contabilizados 710 milhões de euros, que obviamente excluem eventuais distribuições de dividendos e recebimentos como administradores.  Tamanho desempenho do grupo deve-se ao conglomerado de negócios e dezenas de participações directas e indirectas em empresas de diversos sectores: dos casinos, às bebidas, passando pelo imobiliário e pela educação, sendo que 53% dos lucros de 2023 vieram de empresas não controladas.

    Apesar da gestão discreta destas actividades empresariais, os dois irmãos de Espinho têm sido atingidos por algumas polémicas.  Em 2021, o Expresso revelou que os irmãos Violas surgiam nos ‘Pandora Papers’ como dono da empresa Marplex Enterprises Limited, criada em 2010 nas Ilhas Virgens Britânicas. Segundo o jornal, a base de dados dos ‘Pandora Papers’ apontava que a Marplex tinha dois beneficiários: Manuel Violas e a irmã Rita Celeste Violas. 

    Manuel Violas / Foto: D.R.

    Na altura, o Expresso questionou o empresário de Espinho, através da assessoria de comunicação do grupo Solverde, mas sem qualquer sucesso. Desconhece-se, assim, se o alegado uso de uma off-shore tinha algum objetivo de optimização fiscal. Em todo o caso, acrescente-se que o Grupo Violas apresenta, nas contas consolidadas de 2022 e 2023, o pagamento de impostos (IRC) de 54,7 milhões de euros ao Estado.

    A segunda cliente mais importante da família Montenegro, o Grupo Ferpinta, pertence ao empresário Fernando Pinho Teixeira com uma fortuna avaliada em cerca de 493 milhões de euros, o que o levou a ocupar, no ano passado, a 26ª posição da lista dos mais ricos da revista Forbes Portugal.

    O denominado ‘rei do aço’ tem o negócio em Oliveira de Azeméis, também no distrito de Aveiro, tendo, nos últimos anos, alargado os negócios para Espanha e África (Costa do Marfim e Guiné-Bissau) e para o sector dos equipamentos agrícolas e para o turismo, já com dois resorts no arquipélago da Madeira. A facturação em 2023, de acordo com as contas consolidadas analisadas pelo PÁGINA UM, rondou os 305 milhões de euros, mas os lucros cifraram-se nos 16,6 milhões de euros, uma queda de 61% face a ano anterior. Em todo o caso, os activos da Ferpinta atingem os 317 milhões de euros e os capitais próprios aproximam-se dos 272 milhões.

    Ferpinta é um dos clientes mais endinheirados da família Montenegro.

    Também discreto, o empresário esteve envolvido numa polémica familiar e fiscal ao ter sido condenado a pagar 2,7 milhões de euros por esconder a fortuna ao Fisco. A condenação surgiu depois de o milionário ter sido apanhado por ter realizado uma operação financeira, que envolveu a passagem para os filhos do domínio do Grupo. Tudo para evitar que a actriz Marina Santiago, nascida de uma relação extramatrimonial, fosse reconhecida como filha. A actriz tinha iniciado uma acção de investigação da paternidade em Janeiro de 2006, situação que recebeu forte oposição do empresário.

    Apesar disso, em 2016, o comendador foi declarado pelo Supremo Tribunal de Justiça como pai da actriz e o milionário viu recusada a pretensão de ser retirado à filha o direito de ser sua herdeira. Nesse processo, o principal acionista da Ferpinta faltou por cinco vezes à realização de testes de ADN no Instituto de Medicina Legal do Porto, e apenas anuiu por ordem do Supremo Tribunal de Justiça. O teste de ADN confirmou a filiação.

    A terceira grande cliente da família Montenegro é a Rádio Popular, com sede na Maia, a conhecida cadeia de 61 lojas de venda de electrodomésticos, detida pelo Grupo Hipotenusa, dos irmãos Ilídio e Edgar Oliveira e Silva. A sede do grupo é em Arcozelo, no concelho de Vila Nova de Gaia, mas os dois irmãos também têm interesses empresariais em Espinho, uma vez que são proprietários da imobiliária Promoespinho.

    Apesar de não serem tão ricos como os irmãos Viola e o comendador Fernando Pinho Teixeira, os irmãos Oliveira e Silva não se podem queixar. Em 2023, a Rádio Popular facturou, de acordo com a análise do PÁGINA UM, cerca de 266 milhões de euros, apresentando lucros de 11,7 milhões de euros. O capital próprio da empresa atingia então os 39 milhões de euros, quase quatro vezes o valor investido pelos dois irmãos accionistas.

    Ilídio Silva (ao centro) / Foto: D.R.

    Por fim, a quarta cliente da família Montenegro – se se considerar que o Grupo Violas agrega a CLIP e a Ferpinta – é a Lopes Barata Consultoria e Gestão, menos conhecida e aparentemente menos desafogada. Fundada em 2016, a empresa tem sido em Arcozelo, no concelho de Vila Nova de Gaiam, sendo detida por Gustavo Barata e a mulher.

    Exercendo actividade no comércio por grosso de produtos farmacêuticos – durante a pandemia chegaram a vender 50 mil euros em equipamentos de protecção individual ao município do Porto –, ignora-se a situação financeira da empresa, porque esta simplesmente nem deposita as contas desde 2017. Em todo o caso, segundo apurou o PÁGINA UM, Gustavo Barata detém sete farmácias e uma parafarmácia, nos distritos do Porto e Braga, através da empresa unipessoal Lopes Barata Unipessoal. A empresa, contudo, não apresentou a Informação Empresarial Simplificada relativa ao ano de 2023.

  • 13 deputados do PSD têm interesses no imobiliário

    13 deputados do PSD têm interesses no imobiliário

    Não é um, nem dois, nem três. São treze os deputados do PSD que possuem negócios e participações em empresas ligadas ao sector imobiliário, de acordo com um exaustivo levantamento do PÁGINA UM às declarações dos parlamentares do partido do Governo na Entidade para a Transparência. O escrutínio – óbvio em democracia e que apenas não abrangeu ainda os deputados dos outros partidos por causa do burocrático e moroso processo de requerimento da consulta – coloca em causa a alteração da Lei dos Solos, que permite, de forma arbitrária, a transformação de solos rústicos, de baixo valor, em áreas urbanizáveis.

    As ligações de figuras de topo do PSD a negócios de compra e venda de imóveis, construção civil e promoção imobiliária não se circunscrevem aos membros do Governo, incluindo Luís Montenegro e o ministro da Coesão Territorial, Castro Almeida, que propuseram alterar a Lei dos Solos. No sábado passado, o PÁGINA UM já revelara também os interesses empresariais no sector imobiliário de Hugo Soares, líder parlamentar do PSD, e de José Pedro Aguiar-Branco, presidente da Assembleia da República.

    No caso de Hugo Soares, cuja intervenção recente no Parlamento procurou apontar o dedo a deputados do Chega pelo envolvimento no sector imobiliário, tornou-se especialmente embaraçoso o facto de também ele ter criado, em 2020, juntamente com a mulher, a Capítulo Universal, uma empresa que, além de consultoria, se dedica à compra e venda de imóveis. Nas últimas contas apresentadas, a empresa registou um volume de negócios de 164 mil euros e acumulava, até finais de 2023, lucros de quase 285 mil euros. Mais do que um simples investimento paralelo, a sociedade aparenta ser uma fonte sólida de rendimento para o líder parlamentar do PSD.

    Já José Pedro Aguiar-Branco, advogado e ex-ministro da Defesa, detém 38,97% da Portocovi, uma empresa com sede em Lisboa dedicada à compra e venda de imóveis e ao arrendamento. Embora com uma participação minoritária, os activos imobiliários registados pela empresa ultrapassam os 631 mil euros, o que evidencia a sua relevância dentro da estrutura patrimonial do deputado.

    Porém, os nomes de Soares e Aguiar-Branco estão longe de ser os únicos no grupo parlamentar do PSD. Na análise do PÁGINA UM às participações em sociedades, pelo menos mais onze deputados têm ligações directas a empresas do sector, abrangendo diversas áreas da actividade imobiliária, desde a intermediação de crédito até à construção de edifícios.

    Hugo Soares

    Entre os casos agora identificados, destaca-se Paulo Cavaleiro, deputado e secretário-geral adjunto do PSD desde Julho de 2022. Nascido em São João da Madeira, foi vereador na autarquia presidida por Castro Almeida entre 2002 e 2013. Apesar disso, Cavaleiro tem o seu negócio em Oliveira do Bairro, também no distrito de Aveiro, sendo sócio em 50% da Marta & Laura Construções, uma empresa anteriormente conhecida como Cerâmica do Vale da Formosa, mas cuja principal actividade é agora a construção de edifícios.

    Carlos Cação, deputado por Braga e coordenador da Comissão de Ambiente, é outro político social-democrata com as mãos no imobiliário, detendo 99,5% da Preminvest, uma empresa sedeada em Vila Verde, criada em 2017 e anteriormente conhecida como Fachada Maravilha. A sociedade do deputado de 39 anos, licenciado em Engenharia Civil, actua em múltiplas frentes dentro do sector, desde a construção e reparação de edifícios até à compra e venda de bens imóveis, passando pelo arrendamento e revenda. Além disso, a empresa dedica-se ainda à reciclagem e gestão de resíduos da construção civil, expandindo a sua esfera de actividade para um segmento de mercado particularmente lucrativo.

    Outro caso relevante é o de Pedro Neves de Sousa, deputado pelo círculo do Porto e figura com um passado ligado à consultoria empresarial. Possui 33,33% da Semblante Desafio, uma sociedade criada na Invicta em 2022, de cuja actividade se destaca a “compra e venda de bens imobiliários, incluindo revenda, arrendamento e exploração de imóveis próprios ou alheios”, bem como a promoção imobiliária e a construção e reabilitação de edifícios residenciais e não residenciais.

    Emídio Guerreiro

    Ofélia Ramos, deputada algarvia e advogada de profissão, detém 50% da Faratleta, uma empresa inicialmente ligada ao comércio de equipamentos desportivos, mas que, desde 2010, se especializou na construção e remodelação de prédios para venda e arrendamento. A empresa tem uma presença particularmente forte no mercado imobiliário do Algarve, região onde a especulação imobiliária e o turismo têm impulsionado fortemente o valor dos imóveis.

    A deputada Olga Freire, eleita pelo círculo do Porto, surge igualmente na lista de parlamentares do PSD com interesses no sector imobiliário. Presidente da Junta de Freguesia da Cidade da Maia, é dona de 100% da Papel Oportuno, empresa unipessoal fundada em 2015. A sua actividade abrange um leque diversificado de áreas, desde mediação de seguros e consultoria para negócios até comércio de mobiliário e decoração. E, claro, “compra e venda de imóveis”.

    Por sua vez, a deputada Andreia Neto, representante do círculo de Braga, também integra a lista de políticos com interesses no sector imobiliário. Além de ser directora executiva da AMCO Recuperação e Gestão de Créditos, detém também 26% da AMCO Intermediários de Crédito, uma empresa que, além de actuar na intermediação de crédito e consultoria para negócios, tem também a compra e venda de imóveis como parte do seu objecto social.

    Andreia Neto ao lado de Luís Montenegro.

    O antigo secretário de Estado do Desporto, Emídio Guerreiro, também foi ‘apanhado’ no escrutínio do PÁGINA UM, por ter uma quota de 15% na empresa Sombras Viçosas. Criada em 2021 em Beja, a empresa dedica-se sobretudo à agropecuária, com olivicultura em destaque, mas surge também a incontornável “compra e venda de imóveis” no seu objecto social.

    O antigo presidente da Câmara Municipal de Óbidos, Telmo Faria, é outro deputado com uma ‘perninha’ no imobiliário. A empresa Carbono 21 tem uma forte presença no sector do turismo rural, mas lá aparece também, no objecto social, “a compra e venda de imóveis”. Porém, não havendo uma sem duas, o deputado social-democrata por Leiria ainda criou outra empresa em 2021, a Redsoul, com um vasto objecto social que termina com “compra e venda de imóveis”.

    Outros deputados do PSD com interesses directos ou indirectos no sector incluem Maurício Marques, ex-presidente da Câmara Municipal de Penacova, sócio da Vibrante Pulsar, que se dedica à promoção imobiliária e exploração de parques de energia renovável; e Carlos Eduardo Reis, deputado pelo círculo de Braga e proprietário da Abigiold Invest, empresa vocacionada para obras públicas e construção civil.

    Por fim, Almiro Moreira, deputado do PSD e funcionário do Instituto Nacional de Estatística (INE), detém uma participação simbólica na Parcelas & Asteriscos, empresa fundada em 2020 por Norberto Moreira, administrador da entidade proprietária da TSF. Embora a sua posição na sociedade seja de apenas 1%, a empresa tem um objecto social que inclui actividades de consultoria e assistência operacional a empresas e organismos públicos, bem como compra, venda e arrendamento de imóveis, além de consultoria fiscal e contabilidade.

    Emídio Guerreiro

    A dimensão e a profundidade das ligações dos deputados do PSD ao sector imobiliário levantam, assim, sérias questões sobre potenciais conflitos de interesse. Ainda que a legislação actual obrigue os deputados a declararem os seus interesses empresariais, esta não impede que possam beneficiar indirectamente de decisões políticas.

    O debate sobre a intersecção entre funções públicas e negócios privados reacende-se com estas novas revelações, podendo pressionar o PSD a clarificar a posição dos seus parlamentares sobre esta matéria. E sobretudo questionar a pertinência de uma injustificável alteração de uso do solo que apenas desestabilizou o mercado.

  • ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    ‘Há pais endividados e outros terão de retirar os filhos da escola’

    “Do nada, disseram-nos que temos de arranjar 380 euros para pagar ao colégio na próxima semana ou temos de retirar a nossa filha da escola”. O relato é de Ana, mãe de uma criança com três anos, que, como outros pais foi informada pela escola, situada em Mafra, de que a filha deixa de beneficiar do apoio estatal para frequentar a creche a partir de Março. “Não esperávamos nada disto. Ficou toda a gente em pânico. A situação é dramática. Há pais endividados, outros terão de retirar os filhos da escola”, disse esta mãe ao PÁGINA UM.

    Também João foi informado pela escola que a filha de três anos frequenta, nos arredores de Lisboa, de que a menina não tem apoio estatal. A mensalidade em Março passa a ser de quase 300 euros. Além disso, João e outros pais foram informados de que terão também de pagar, retroactivamente, as mensalidades relativas aos meses entre Setembro e Fevereiro. Ou seja, João tem agora uma dívida de 1800 euros junto da escola da filha. “Não sabemos como vamos fazer. Estamos a analisar. Mas não podemos tirar a nossa filha da escola porque precisamos de trabalhar”, disse.

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    Os casos repetem-se por todo o país: famílias com crianças de três anos de idade em creches do ensino privado são informadas que o apoio anunciado pelo Governo, em Junho, afinal ainda não se concretizou e terão de pagar as mensalidades na íntegra para manter os filhos na escola, no ensino pré-escolar.

    O PÁGINA UM encontrou casos similares a afectar dezenas de pais com crianças em escolas privadas em diferentes zonas do país, mas sabe que há mais colégios a viver a mesma situação e o número de famílias que está a viver este dilema será muito superior.

    Na origem desta situação está a forte expectativa criada pelo anúncio do Governo, em Junho de 2024, de que iria garantir o acesso universal de crianças ao ensino pré-escolar e apoiar a sua transição gratuita após a creche, que tem sido apoiada pelo programa denominado ‘Creche Feliz’. Em comunicado, o Governo revelou quer iria criar um grupo de trabalho para realizar, até ao final de desse mês, um diagnóstico detalhado da rede existente de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, com vista à
    apresentação de um plano de ação que garanta a gratuidade na educação pré-escolar em 2024/2025. E prometia também, até ao final de Novembro do ano passado, uma estratégia para dar continuidade na transição da creche para a educação pré-escolar e a qualidade pedagógica em crianças entre os 0 e os
    6 anos.

    Dois meses depois, em Agosto, o Executivo emitiu novo comunicado com o título: “Governo garante resposta para crianças a partir dos três anos”. Neste comunicado, o Executivo de Luís Montenegro indicava que “respondeu à necessidade das crianças beneficiárias da ‘Creche Feliz’ que fazem três anos em 2024, na sequência do levantamento da rede de estabelecimentos de creche e de jardim de infância, feito pelo Grupo de Trabalho nomeado pelo Executivo”.

    Segundo o Governo, mais de 12.000 crianças continuavam sem acesso à educação pré-escolar. Na sua maioria, são crianças com três anos, mas também com quatro e cinco anos que não têm vaga, sobretudo nos grandes centros urbanos.

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    As crianças mais afectadas são as chamadas de ‘condicionais’, nascidas entre 16 de Setembro e 31 de Dezembro de 2021. Nas escolas, a escassez de vagas, leva a que transitem para o ensino pré-escolar, o qual não tem apoio estatal e a promessa do Governo tarda em chegar. O problema é que, neste ano lectivo, tanto pais como escolas ficaram a contar com a concretização da promessas. Agora, a factura ‘rebentou’ nas mãos dos pais’.

    “Disseram-nos que esta medida ia ser válida. Mas nada aconteceu. Agora, a escola fez-nos um preço ‘especial’ e em vez de 380 euros teremos de pagar 350 euros se quisermos manter as crianças na escola”, disse Ana.

    Segundo Susana Batista, presidente da Associação de Creches e Pequenos Estabelecimentos de Ensino Particular (ACPEEP), o cenário é aflitivo e urgente tanto para as muitas famílias que estão a ser afectadas pelo problema, como para as escolas. “Após o anúncio do Governo, ficou criada a expectativa de que iria haver apoio ao pré-escolar. Entretanto, muitas crianças saíram das escolas porque os pais não podiam suportar pagar mais tempo as mensalidades”, afirmou.

    A ACPEEP já tinha denunciado que o facto de o Governo não ter ainda concretizado as promessas feitas às famílias está a causar muitos constrangimentos, deixando crianças em situação vulnerável, sem acesso ao pré-escolar. Já os pais, procuram, em desespero, quem cuide dos filhos enquanto vão trabalhar. “As famílias estão desiludidas com as promessas que foram feitas antes do início do ano letivo 2024/2025, em como o Governo iria garantir a continuidade pedagógica às crianças que completaram 3 anos e saíram do programa ‘Creche Feliz’. Muitas voltaram para casa”, lê-se num comunicado que a associação emitiu no final de Janeiro.

    Segundo a ACPEEP, actualmente, os colégios privados conseguem assegurar quase metade das vagas em falta, podendo garantir o acesso ao ensino pré-escolar a 5.800 crianças.

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    Avisou que, “no desespero, para poderem ir trabalhar, há pais a deixar os filhos com amas ilegais, sem formação”.

    Já começam a chegar à ACPEEP mais casos de pais em situação de desespero. A associação pediu uma reunião urgente ao Governo, até porque daqui a poucas semanas começa a época de matrículas para o próximo ano lectivo. Mas, até ao momento, a associação não obteve qualquer resposta do Executivo.

    Para as escolas, o problema está mesmo na falta de cumprimento da promessa pelo Governo. “O maior problema é para os pais, porque são eles que têm de decidir se conseguem pagar”, disse Elsa Rodrigues, directora do infantário ‘Planeta dos Traquinas’, na Póvoa de Santa Iria. “Os pais ficaram esperançosos, visto que o Estado deu garantias de que iria apoiar, mas o apoio não chegou”, disse.

    Neste caso, como em outros colégios, as escolas alegam não poder manter as crianças de três anos nas salas de creche por falta de vagas.

    Fernando Alexandre, ministro da Educação, Ciência e Inovação. /Foto: D.R.

    Paulo Cardoso, da Confederação Nacional das Associações de Pais (CONFAP), afirmou ao PÁGINA UM que a organização vai contactar o Governo e aguardar uma resposta sobre a actual situação que afecta famílias em todo o país. “Vamos fazer chegar aos Ministérios e esperar uma resposta”, disse. Lamentou que parte do problema seja também o da falta de informação por parte dos pais, que nem sempre compreendem bem os procedimentos para ter acesso aos apoios, como por exemplo, terem de matricular os filhos no ensino público, mesmo que não existam vagas.

    Adiantou que a situação mais premente, em termos de escassez de apoios e vagas, envolve as famílias migrantes. “Há migrantes sempre a chegar e a situação com a falta de vagas já é complicada, ainda fica mais difícil”, afirmou.

    Wagner é brasileiro e reside em Portugal com a esposa e a filha há mais de três anos. Foi uma das famílias afectadas pelo não cumprimento da expectativa de garantir a transição gratuita das crianças que perdem o direito ao apoio para frequentar a creche. “Foi um choque. De repente, em Novembro, disseram-nos na escola que a mensalidade passava a ser de 330 euros. Não podemos pagar. Tirámos a menina da escola”, contou. A mãe da criança tinha acabado de ficar desempregada e procurava novo emprego, mas teve de ficar em casa com a filha. A menina não reagiu bem ao afastamento da sua rotina e dos amigos do colégio que frequentava em Vila Nova de Gaia. “Foi muito difícil. Teve de ficar em casa com a minha esposa. Ela colocava a mochila às costas e pedia para a levarmos para a escola, tinha saudades das educadoras e dos coleguinhas”. No caso de Wagner, houve um desfecho feliz. Após dois meses de angústia, teve resposta positiva de uma IPSS-Instituições Particulares de Solidariedade Social e conseguiu vaga na creche para a filha.

    Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social. / Foto: D.R.

    Mas muitas crianças não estão a ter a mesma sorte e os pais sentem que estão num beco sem saída. “Vamos organizar uma petição para pedir ao Governo que resolva este problema que foi criado pela promessa que fez e que ainda não cumpriu”, garantiu Ana, que já contactou também a ACPEEP e assegura que vai mobilizar mais pais. “Num outro colégio, na Amadora, que é do mesmo grupo do que é frequentado pela minha filha, há ainda mais crianças na mesma situação”, apontou.

    Para já, do Governo, há apenas o silêncio em torno deste problema que a sua promessa de Junho criou. Nem o gabinete do ministro da Educação, Ciência e Inovação, Fernando Alexandre, nem o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho estiveram disponíveis para responder às questões do PÁGINA UM. Também a coordenadora nacional do programa Garantia para a Infância, Sónia Almeida, não se mostrou disponível para falar sobre este tema.

    Para muitos pais, a aflição vai continuar este ano lectivo, mas ameaça prolongar-se para o próximo, já que não se vislumbra um calendário de implementação do apoio prometido pelo Governo de Luís Montenegro para as crianças em transição para o pré-escolar.