Em Setembro, a Europa democrática viu-se confrontada com duas eleições com resultados aparentemente inesperados.
Na Suécia, a coligação de centro e extrema-direita conseguiu 176 lugares no Parlamento, 73 destes preenchidos pelo SD (partido de extrema-direita) que convenceu 20% do eleitorado, tornando-se assim na segunda força política do país. É uma eleição histórica uma vez que nunca um Governo sueco foi composto por partidos desta natureza.
Em Itália as ideologias extremistas foram ainda mais longe, e o partido Irmãos de Itália (FDI) elegeu uma primeira-ministra, em coligação com Salvini e Berlusconi. Dos 50 milhões de votantes, esta “geringonça” obteve 43% dos votos, com cerca de 26% para Meloni e o restante dividido entre os dois outros partidos. Ainda assim a ascensão de Meloni é também o declínio de Salvini, o que indica que nem tudo são rosas no seio do eleitorado extremista.
Se os casos acima mencionados são os mais gritantes, por serem os que já chegaram ao poder, importa ainda lembrar a subida do partido de Le Pen, na França, que chegou à marca dos 41%, e até no caso português. Apesar de números ainda escassos, o Chega é já a terceira força política portuguesa com 7% do eleitorado.
Importa entender o motivo do avanço destas ideias dentro de um espaço comunitário, inclusivo, humanista e colaboracionista como a Europa pretende ser. Em primeiro lugar, destaque-se que os programas eleitorais e os manifestos destes partidos são, grosso modo, bastante idênticos. Se, por um lado, apelam a elementos de coesão social como os valores de Deus, pátria, e família, fazem-no através dos pânicos morais exacerbados que surgem em forma de ameaça a um pretenso bem-estar. Estes medos, que na era das redes sociais ganham uma carga viral, contêm uma mensagem simples e com setas apontadas.
Giorgia Meloni
Para eles, a culpa é dos estrangeiros, dos homossexuais, dos políticos corruptos – e estes partidos vendem-se como diferentes. Apregoam frases e entoações cuja digestão é bem recebida e, como no caso de Donald Trump, conseguem manipular a opinião de algum público ao ponto de conseguirem fazer-se passar por homens e mulheres do povo contra as elites.
Mais perto, dentro da realidade portuguesa, essa dicotomia das elites versus o povo é um grito utilizado por André Ventura que ironicamente (ou não) é apoiado e financiado por, imagine-se… as elites.
Qual é então o falhanço dos valores europeus que têm vindo a dar lugar a plataformas radicais e populistas?
No caso da Suécia e Itália – e, por mais simples que possa parecer –, a subida do eleitorado extremista estará ligado à crise migratória de 2015. Estes dois países abriram as suas fronteiras a refugiados sem gestão da narrativa moderada e inclusiva.
Marine Le Pen
Não é de estranhar o aproveitamento dos extremistas perante um vazio de mensagem humanista. E é fácil, razoável até, mais ainda no caso da Itália – cuja Economia é bastante mais fraca do que a sueca –, perguntar onde estava o apoio financeiro e logístico da Europa às constantes ondas de refugiados a entrar nos seus portos. A consequência disso leva inevitavelmente à pergunta mais simples e também perigosa, que é: e nós?
A proliferação do sentimento anti-europeu torna-se num comboio a alta velocidade e, perante a falha dos moderados e a demora de implementações práticas perdidas nas burocracias do Parlamento Europeu, cria-se o sentimento que nada é feito. Um básico, “Falam, falam, mas não fazem nada”.
É assim que se criam e recriam estes movimentos. Eles não são novos, mas adaptam-se aos tempos. Veja-se o caso das lideranças. Meloni, Le Pen e a alemã Alice Weidel são mulheres. Talvez a líder francesa seja menos surpreendente, porque vem de uma família política e tem já essa tradição.
No entanto, a futura primeira-ministra italiana e líder extremista alemã são já um apelo ao voto feminino que, normalmente, não vota em partidos vistos como patriarcais e conservadores.
André Ventura
Curiosamente, estas políticas de carreira são consequência das lutas progressistas de esquerda pela igualdade de acesso a posições de liderança, que agora são aproveitadas pela extrema-direita para se capitalizar e captar eleitorado.
O espaço das ideias extremistas está conquistado e não irá diminuir enquanto for subestimado ou insultado. Ele só pode ser derrotado em sede de ideias. A estas ideias tem de lhes ser emprestado um novo léxico, uma forma de desmascarar o extremismo pelo que ele é. A manipulação da carga emocional de pequenos e grandes grupos e o vazio de soluções.
E será (extremamente) necessário que esse combate seja feito com a apresentação de soluções humanistas, sustentáveis, mas de rápida aplicação.
Como diz Marcelo Rebelo de Sousa, o povo tem sempre razão.
Nos dias que correm, o epiteto “extremista de direita” tornou-se um supremo anátema – é mais do que suficiente para desqualificar por completo um adversário. Por exemplo, para a nossa imprensa mainstream, um “extremista de direita” é alguém boçal, inculto, e mesmo troglodita, que defende valores tradicionais como Deus, Pátria e Família.
Com a vitória em Itália do partido Irmãos de Itália, liderado por Giorgia Meloni, lá tivemos nós que apanhar com o inenarrável jornal Público a anunciar que essa vitória estava a gerar “medos muito reais” sobre a comunidade LGB. Aparentemente, uma vitória democrática nas urnas estava a deixá-la sem dormir e com medo de sair à rua.
Giorgia Meloni
Outro terrível epiteto muito em voga é o “neoliberalismo”. Quem não se recorda das “muitas perversões neoliberais contaminaram o PS”, detectadas por Ana Gomes, que é, aliás, militante do PS há não sei quantos anos, mas muitos serão. Ninguém sabe definir tal “monstro”, que, tal como o gigante Adamastor, teima em impedir as glórias económicas do actual regime, apesar do preâmbulo da Constituição da República Portuguesa expressar o desejo de se “abrir caminho para uma sociedade socialista”.
Em paralelo, a imprensa mainstream e os líderes políticos tentam convencer-nos de que existe uma luta sem tréguas entre a esquerda e a direita, com ideias muito diferentes e antagónicas. Temos as sondagens a preverem possíveis maiorias de esquerda ou de direita; ou a dizerem-nos que a direita sobe e a esquerda desce.
Também temos as linhas vermelhas impostas a um partido “fascista”. Segundo os principais fazedores de opinião, isolá-lo e ostracizá-lo é a única política pública aceitável. Fica sempre uma pergunta no ar: por que não fizeram o mesmo com os partidos que defendem ideologias totalitárias e regimes sanguinários?
Nas recentes eleições no Brasil foi-nos servido o mesmo prato: de um lado, um ex-presidiário corrupto tratado como um homem de amor e diálogo, capaz de liderar e com um enorme coração; do outro, um genocida boçal e perigoso.
Enquanto este circo anima a populaça, o regime continua a saquear a população. Fá-lo bem e sem cessar há mais de 48 anos. Agora, até tem várias armas ao seu dispor: inflação elevada, impostos brutais – sobre o consumo, o trabalho, a poupança, o património… – e uma regulação sobre todos os aspectos da vida económica dos cidadãos.
Para garantir que todos os dissidentes são severamente multados, dispõe de um exército de reguladores, polícias e fiscais que vigiam, inspeccionam e garantem que nenhum desgraçado incumpre a legislação kafkiana em vigor. Apesar de nada produzirem de útil à sociedade, os tecnocratas e colaboradores dos principais órgãos de regulação auferem salários principescos, inalcançáveis para qualquer empresário a trabalhar de sol-a-sol.
Esta máquina de extorsão trabalha para um dono que já não mora em Portugal. A casta que nos governa limita-se a seguir as suas ordens. Durante a putativa pandemia foi evidente esta voz.
É agora evidente que vivemos há muito tempo num regime fascista, que piora todos os dias, apesar das eleições de quatro em quatro anos, que já não servem qualquer propósito. Se servissem, ninguém poderia votar.
Por que vivemos tão obnubilados? Na minha opinião, julgamos que o fascismo é algo do passado, associado aos anos 20 e 30 do século passado, onde vigorou a par com o socialismo.
Em relação ao primeiro, vem-nos de imediato à memória o regime fascista italiano de Benito Mussolini e o regime nazi de Adolfo Hitler. Em relação ao segundo, a União Soviética de Stalin e a China comunista de Mao Tsé-Tung. São exemplos paradigmáticos de regimes totalitários.
Como podemos caracterizar as principais diferenças entre Fascismo e Socialismo? No primeiro, permaneceu a existência da propriedade privada dos meios de produção; ou seja, existiam donos de fábricas, lojas e escritórios. No segundo, nada disso, atendendo que todos os meios de produção foram colectivizados; o Estado tornou-se o único proprietário e, por essa razão, a iniciativa privada e o livre mercado eram inexistentes.
Mas será que a diferença era assim tão expressiva?
Efectivamente, nos regimes fascistas existia propriedade privada, mas apenas no papel. Na verdade, o Estado determinava o que se produzia, em que quantidade, os métodos de trabalho, como era distribuído o resultado da produção, os salários, os preços, bem como, os dividendos que os proprietários podiam receber.
Na prática, um planeador central do regime condenava o proprietário a assumir um papel de mero “pensionista”, ou mesmo um fiel depositário dos títulos de propriedade, em lugar de um empreendedor movido pelo lucro.
Segundo os fascistas, o bem comum estaria sempre acima dos interesses mesquinhos e egoístas de cada indivíduo que constitui a sociedade. Os planeadores centrais sabiam o que era melhor para cada membro. Nada melhor que a frase definidora do fascismo de Mussolini: “Tudo dentro do Estado; Nada fora do Estado; Nada contra o Estado”. A negação do capitalismo e do livre sistema de preços era uma característica comum a estes regimes.
O controlo de preços e salários foi algo inevitável para este tipo de regimes; como é sabido, promoveram grandiosas obras públicas – a rede de auto-estradas da Alemanha nazi era notável –, subsídios a vastas camadas da população, garantido, desta forma, um povo obnóxio, e vastos programas de rearmamento. Tal escalada bélica terminou no desastre que todos conhecemos: a Segunda Guerra Mundial.
Para pagar esta orgia de gastos públicos sem fim, estes regimes totalitários recorreram largamente ao imposto silencioso: a inflação. Tal política, como sempre, obrigou os comerciantes e retalhistas de todo o tipo a reflectir o aumento da massa monetária, obrigando-os a subir preços, caso contrário, os seus negócios deixariam de ser rentáveis. Efectivamente, em 1936 o partido Nazi, que então governava a Alemanha, impôs o controlo de preços e salários.
Quando um regime tenta controlar preços – rendas, salários, preços de bens e serviços –, inevitavelmente irá criar distorções. Veja-se o regime de arrendamento português, em particular depois de 1974; com uma inflação elevadíssima. Durante as décadas de 70 e 80 do século passado, os proprietários não puderam subir as rendas, criando cidades com prédios decrépitos e em ruínas, em particular em Lisboa e Porto, fazendo desaparecer a oferta de casas para arrendamento.
Quando isto acontece, os particulares e comerciantes tentam realizar transacções “ilegais”, criando um mercado negro, não oficial. Na Venezuela, por exemplo, a taxa de câmbio Bolívar/USD é completamente distinta quando ocorre na rede bancária – que pratica o preço oficial – e quando tem lugar no mercado negro. A compra de dólares norte-americanos e de Bitcoin, ou de outras criptomoedas, é a única forma dos venezuelanos protegerem o seu património da desvalorização imposta pelas rotativas do banco central venezuelano.
O surgimento do mercado negro teve lugar nos regimes totalitários que aqui citámos. Se o Governo não me permite cobrar o preço que eu desejo, tentarei encontrar um cliente que esteja disposto a realizar uma transacção comigo na “ilegalidade”. Por outro lado, quando não se permite a subida de preços, ocorrem falhas no fornecimento de bens e serviços, atendendo que os empresários deixam de ter incentivos a produzir, pois irão certamente arruinar-se aos preços oficiais.
Por outro lado, ao ser eliminado o sistema de preços, os empresários passam a estar “cegos”, deixam de conhecer os negócios que apresentam a maior probabilidade de lucro – os preços são sinais dados pelos consumidores -, atendendo que os preços deixaram de reflectir as preferências dos consumidores e a oferta disponível, para passarem a ser decididos por um burocrata, arvorado em planeador central. São conhecidas as rupturas de fornecimento de bens essenciais que ocorrem diariamente em países como Cuba ou Venezuela.
Quando tal acontece, os Estados endurecem a sua resposta. Por um lado, começam a aplicar pesadas multas a quem realiza transacções no mercado negro; se insuficiente, se não tem o necessário efeito dissuasor, como reprimiam mais? Através de uma rede de espiões, informadores e delatores, visando criar uma atmosfera de terror sobre as pessoas.
Mesmo familiares próximos podiam ser os informadores do Governo – um bufo pode estar em cada esquina. Em tais regimes, aquele que fosse apanhado a cometer uma ilegalidade, podia receber um bilhete para o céu ou para uma instância de férias, algures na Sibéria ou em Birkenau, para, no fim, provavelmente cavoucar a sua própria sepultura.
Muitos dos perseguidos políticos eram também eliminados da vida pública através de internamentos compulsivos. Como? Eram declarados insanos pelas autoridades. E as razões para tal? Eram muito perigosos para a sociedade. Passavam a ser uns maluquinhos, necessariamente fechados num hospício, que necessitavam de uma reabilitação psiquiátrica. Uma purificação das ideias.
Por outro lado, o racionamento de bens e serviços tornava-se uma realidade, atendendo que a produção deixava de ser suficiente para as necessidades. Para tal política, lá aparecem as senhas de racionamento e os salvo-condutos.
Na União Soviética existiam determinados bairros, apenas reservados ao escol – existem sempre animais mais iguais que outros –, que obrigavam à posse de um salvo-conduto, não vá a plebe dar-se conta de tal luxo reservado apenas para alguns. As pessoas passavam a ter de obter documentos governamentais para aceder a uma vida “normal”: comer, vestir, entrar na habitação…Irá agora acontecer o mesmo, agora, com o acesso à energia.
Ora, a escassez de bens e serviços essenciais nos ditos regimes, como é óbvio, gerou fortes hostilidades ao Governo. Qual foi o seguinte passo? Culpar a população; evitar qualquer assuada. O sistema era perfeito: o problema eram as más pessoas que boicotavam o sistema – na versão moderna, não são pessoas de bem.
Infelizmente, existiam cidadãos sem as necessárias virtudes públicas que era necessário denunciar; regra geral, uma infeliz minoria, que exigia o desinçar das suas impurezas. Para manipular as massas e culpar determinadas minorias de todos os males – como foi o caso dos judeus na Alemanha nazi –, os Estados recorreram à propaganda e à perseguição.
O partido nazi era exímio em tal exercício: ainda hoje o documentário “Triunfo da Vontade”, da cineasta preferida de Hitler, Leni Riefenstahl, é considerado um dos melhores documentários da História da propaganda política.
Em paralelo, criava-se um clima de terror sobre uma minoria, culpando-a de todas as desgraças, como foi o caso dos judeus da Alemanha nazi, através de restrições, regras e leis absurdas, que destaco apenas algumas:
3 de Outubro de 1938: decreto da confiscação de propriedade judaica, regula a transferência de valores por judeus para não-judeus;
5 de Outubro de 1938: todos os passaportes emitidos para judeus são invalidados. Judeus têm que entregar passaporte anterior que se tornará válido novamente após carimbo da letra J;
15 de Novembro de 1938: todas as crianças judias são expulsas das escolas públicas;
28 de Novembro de 1938: a liberdade de movimento de judeus passa a ser limitada.
Face a este histórico, é fácil concluirmos que qualquer regime totalitário tem características muito semelhantes, independentemente da ideologia subjacente:
A propriedade privada apenas existe no papel, ou simplesmente não existe;
O livre mercado e a livre iniciativa estão fortemente condicionados; as liberdades, os direitos e as garantias são inexistentes;
Enorme despesa pública, com recurso à inflação para a pagar, visando “comprar” a população, seja através de obras públicas faraónicas, seja através de subsídios ou emprego público. Atendendo a esta política, invariavelmente são obrigados a controlar preços, que provoca a distorção da estrutura produtiva, destruindo todos os incentivos à produção e diminuindo o rendimento e a poupança das populações;
A tentativa de “saltar” as restrições, que condicionam a liberdade e a livre iniciativa dos cidadãos, gera uma forte repressão por parte do Estado. Multas, prisão, campos de concentração ou mesmo a pena de morte, são os pratos servidos, dependendo do grau de protérvia do regime;
Os indivíduos perigosos, aqueles que defendem ideias diferentes do poder, são eliminados por internamentos compulsivos, campos de reabilitação, podendo ser considerada a eliminação física;
A propaganda é inevitável, para manipular as massas, caso contrário, as pessoas iriam compreender a origem do problema; regra geral, utiliza-se a culpabilização de uma minoria por tudo o que corra mal – a culpa é sempre das pessoas impuras;
Para manter a situação controlada, a vigilância das pessoas torna-se permanente, utilizando-se toda a espécie de métodos: rede de informadores, espiões ou, como agora acontece, modernas tecnologias de vigilância (câmaras, controlos biométricos, moedas digitais…).
Nas décadas recentes, em particular a partir de 2020, as sociedades ocidentais parecem estar a caminhar neste sentido: para o crescente totalitarismo.
Em primeiro lugar, algo que já ocorre há décadas: a nacionalização do sistema monetário. Com o fim da convertibilidade do Ouro em 1971, a capacidade de manipulação de taxas de juro – o preço do dinheiro –, e da quantidade do dinheiro em circulação, tem-se tornado crescente. Em particular com a cartelização de grandes bancos centrais.
Agora, os Estados podem impunemente aumentar os défices públicos, atendendo que se podem financiar a taxas de juro próximas de zero, ou mesmo negativas, pois os bancos centrais aparecem e compram todas as obrigações por si emitidas – dinheiro de monopólio não é um problema para estas entidades.
Mesmo com recurso a uma enorme inflação, emissão de moeda para adquirir obrigações e financiar défices e despesa pública, a receita nunca é suficiente: o saque fiscal será, seguramente, crescente e imparável. A vigilância de todos os nossos movimentos financeiros é uma necessidade. Nos últimos anos, as empresas e os particulares tornaram-se delatores do sistema, todos nos denunciamos, pois foram obrigados e incentivados a enviar enormes quantidades de informação às autoridades.
Com o advento das moedas digitais dos bancos centrais, o big brother fiscal será absoluto. Todos os nossos movimentos financeiros passam a ser conhecidos pelo poder, obliterando a privacidade do dinheiro físico que a escol certamente pretende abolir nos próximos anos, apesar das “juras” à complementaridade de tal forma de dinheiro – as conspirações tornam-se sempre realidade.
Tolhida pelo medo e o pânico, a sociedade passou a aceitar a segregação como algo normal; mais fácil de implementar numa sociedade como a portuguesa, habituada ao azorrague há séculos. Através de um salvo-conduto, os puros passaram a ter acesso exclusivo aos locais de lazer e divertimento; um dia destes, até para bens e serviços essenciais, como a saúde. O certificado digital foi o primeiro passo.
Aos impuros está reservado o recolhimento, a ostracização e a vergonha pública, tal como os acusados do Santo Ofício, obrigados a usar um barrete, enquanto caminhavam na via pública para deleite das multidões.
Os direitos humanos que julgávamos adquiridos, após o que se passou nos campos de concentração nazis, onde o Dr. Josef Mengele fazia experiências médicas sem o consentimento das vítimas, passaram a ser colocados em questão.
Em paralelo, em uníssono, a imprensa apenas apresenta uma narrativa, não sendo agora pouco mais do que propaganda, uns autênticos áulicos do poder e fornecedores de cisco informativo. Mas não se fica por aqui: lançam encómios à discriminação, à ridicularização de quem pensa diferente e fomentam o discurso de ódio, que muitas vezes criticam noutras situações.
Dá vontade de perguntar, está tudo doido? Nada disso, o escol sabe muito bem que esta é a oportunidade de ouro para obter mais poder e acelerar em direcção a um regime ainda mais totalitário e saqueador.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.
Abro o correio sem grandes esperanças de ler algo interessante. E por correio, atenção, refiro-me à caixinha que está na rua com o meu nome e para onde enviam, ainda, papéis dentro de envelopes. Já não se escrevem cartas de amor pelo que a probabilidade do carteiro me trazer algo interessante é, assim, tremendamente reduzida.
Mas ontem tinha lá duas cartas informativas. A primeira vinha da companhia que fornece o aquecimento da casa, avisando-me que, a partir deste mês, aumentaria os preços em 6%. A segunda, com aquele carimbo azul inconfundível, vinha do banco com a notícia que a taxa de juro do crédito à habitação se aproximava agora dos 5%. Há meses que notas destas voam por todo o lado. Aqui, aí, no meu correio, no do vizinho. Há uma infinidade de problemas que a Europa atravessa e que, mais ou menos, nos vai afectando a todos.
De repente, vejo o Continente, o Velho, de pernas para o ar por causa de uma pandemia que, afinal, matou tanto como a pneumonia, e de seguida uma guerra que começou a chamar a atenção do Mundo (já que o seu início foi bem anterior à pandemia) e que rebentou com a Economia na Zona Euro.
Pessoalmente, desde 2020, já vi o salário ser cortado duas vezes, o preço da habitação a subir e o custo de vida a disparar, especialmente no sector da energia e dos transportes. Abastecer o carro, no país com o litro de gasóleo mais caro da União Europeia, passou a ser um espectáculo de masoquismo – e ir a casa, um luxo incomportável.
Tudo isto me faz meter um pouco em perspectiva os planos de vida. Ou o que eu imaginava serem planos de vida. Ao fim de 18 anos longe de quase tudo o que é importante para mim, tinha pensado que esta vida com a casa às costas estaria a entrar no seu último capítulo. Ou pelo menos fiz as escolhas profissionais que o iriam permitir no curto prazo.
Mas, de repente, tudo está em risco. De um simples telhado a um regresso a casa. As dificuldades causadas à população europeia afectam quase todos, ou vá, aqueles que dependem do seu trabalho para se sustentarem.
É por isso, mais ou menos óbvio, até algo egoísta, assumo, que a cada dia eu deseje o fim da guerra no Donbass, seja de que forma for. Ouço as notícias com alguma ansiedade e, por mais que queira acreditar no que me vão dizendo, há sempre qualquer coisa que não encaixa, que não bate certo e que, aparentemente, não tem grande correspondência no terreno.
Há uns meses, não me lembro quantos, via reportagens diárias onde soldados ucranianos diziam que sem as armas de longo alcance não teriam a mínima hipótese contra os russos. Nessa altura, a proporcão era de um canhão para dez e, no terreno, os russos tinham tropas cinco vezes maiores.
De repente – deduzo que depois das armas de longo alcance terem chegado –, o exército ucraniano passou a ser constituído por membros da Marvel. Todo o equipamento russo é antiquado, os soldados mal preparados e, nas recentes palavras do Zelensky, os novos recrutas, dos tais 200.000 que foram mobilizados, já estão a morrer nas ruas da Ucrânia. Todos os dias há tanques russos destruídos e, apesar de nos jurarem que eles não conseguem produzir novos, voltam a rebentar mais uns quantos na manhã seguinte.
Do lado ucraniano não há baixas, nem material perdido nem, aparentemente, gente que não quer estar ali. Os russos podem aparecer com 100.000 ou um milhão que serão todos carne para canhão.
Os bravos ucranianos são o mais parecido que já vi com os Espartanos, portanto, enquanto tiverem 300 bem armados, os russos não têm grandes hipóteses.
A isto juntam-se dois lados diferentes da mesma história. Quando, em Abril, os ucranianos fugiam pela fronteira da Polónia e o Zelensky os obrigava a ir para a frente, não eram carne para canhão. Estavam muito motivados e, como se percebe, iam até à fronteira polaca apenas apanhar balanço para a guerra. Já quando os russos fugiam pela fronteira da Geórgia, era um sinal de que o Putin estava isolado e que os reservistas não estavam para o aturar.
Tenho a sensação que a informação me chega com algumas perdas – para usar um termo da minha área de formação –, ou então, em português mais corrente, sinto que me estão a pedir para comer gelados com a testa.
Porque…se Putin quer obrigar toda a gente como fez Zelensky, porque não fecha simplesmente as fronteiras e permite que tenham saído 190.000 pessoas? Não devem ter passado todos na calada da noite. O que é que custa dizer, para o lado de cá, nas nossas televisões, que russos e ucranianos não estão propriamente interessados em morrer na guerra? Isso muda o moral de quem assiste, deste lado, no sofá?
É que, convenhamos, a minha ansiedade está ligada com o fim da guerra e, portanto, quando ouço todos estes relatos heróicos de como os russos estão a recuar e os ucranianos a recuperar terreno, fico a imaginar que o fim está próximo. Mas depois lá aparecem mais russos, mais tanques, mais canhões e, quando nos metemos a pensar, percebemos que a Rússia controla uma área do tamanho de Portugal há vários meses. Fico com a sensação que nos contam só algumas partes da história.
Já ouvi uma analista, julgo que Helena Ferro Gouveia, dizer que cerca de 80% do exército russo teria sido dizimado. Pergunto, como é que aguentam os 1.000 km entre Lugansk e Sevastopol? Com rezas e muita fé?
Eu entendo que guerras se fazem com propaganda e compreendo que cada lado conte a sua história para animar os combatentes. Mas temos nós, absolutamente irrelevantes no conflito, que conhecer apenas um lado da narrativa? Não é mais ou menos óbvio que os russos não são os bananas, equipados com cantis de vodka e penicos na cabeça, que o Rogeiro nos quer fazer crer todas as noites? E não é também claro que, quanto mais tempo tudo isto durar, mais nós empobreceremos e mais afectadas serão as nossas vidas e as nossas famílias?
É que nem a classe dirigente ajuda. Quando se pensava que o Reino Unido tinha atingido o seu “momento Trump” com Boris Johnson, eis que aparece a senhora Truss, uma neo-liberal, que diz, sem se engasgar, que se tivesse a Europa investido mais em armamento e escolhido parceiros energéticos fiáveis, não estaríamos agora nesta situação. Como? Importa-se de repetir?
Emanuel Macron disse numa cimeira de líderes mundiais que por causa do boicote ao óleo russo, já tinham avisado os sauditas que era necessário produzir mais. Entretanto, a nossa estimada Ursula que nos garante que a guerra não pode parar, foi a correr assinar um tratado com o Azerbaijão para substituir o gás russo. Eis-nos aqui com a Arábia Saudita e o Azerbaijão, democracias confiáveis e de primeira água, que, só por acaso atacaram, respectivamente, o Iémen e a Arménia recentemente…
Portanto, o que esperar dos próximos meses? Em princípio continuar a ouvir que os russos estão de gatas e contar as aldeias libertadas, uma a uma. Quando a coisa abrandar, como aconteceu agora, fala-se durante cinco dias sobre Lyman, com a ajuda de cinco generais que nos explicarão, 30 vezes, a sua importância estratégica.
Pelo meio a Lagarde sobe mais 0.5% as taxas de juro, e ficam mais umas centenas, das classes desfavorecidas, sem casa própria. A inflação chega aos dois dígitos (como no Reino Unido) e os salários são devorados pelo custo de vida.
Os Estados Unidos seguem a política de intimidar russos, norte-coreanos e chineses. A Ucrânia pode ser uma boa fonte de receita com a venda de gás e de armas, mas, bom, mesmo bom, era alargar o conflito a Taiwan e Pyiongyang. Não temo ainda problemas que cheguem.
Pelo meio chegam notícias, em rodapé, de milhões de deslocados na Somália que tentam fugir à seca onde, por causa da falta de produção local e o aumento dos custos de importação, meio milhão de crianças está em risco de morrer à fome.
Reparem: em pleno século XXI, meio milhão de miúdos arriscam morrer de fome num planeta onde milionários velhos gastam biliões dos impostos em armamento. E nós assistimos a isto achando que a guerra pelo Donbass é o nosso maior problema, a nossa causa e, aparentemente, a razão certa para justificar o nosso empobrecimento.
Dificilmente as elites, que nos controlam, conseguiriam escrever um argumento tão bom se deixadas à sua sorte. Mas foi também precisa a nossa colaboração, alienação, desinteresse e, diria até, ignorância. E senhores, com a precisão de uma pancada de esquerda do Federer, uma e outra vez, nós, de facto, nunca os desiludimos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Apertem os cintos, que eu vou passar aqui umas boas de umas semaninhas a mandar vir.
Vamos lá ver, pobre também tem direito. E eu posso ser indigente, mas não deixo, por isso, de saber ler e escrever. E, além disso, mesmo sem um tusto e um carro com vinte anos, nada me impede de ser filha de Deus. Além disso, sei observar. Há já muitos anos que a mediocridade da nossa Comunicação Social me exaspera. Quando a pessoa esbarra num perfeito caso-limite, uma autêntica hipérbole para tudo o que é feito com os pés, já que escreve crónicas, o melhor que tem a fazer é usá-las para partilhar a sua indignação com os outros, e explicá-la devidamente, porque o caso não é nada simples.
Vamos, então, recuar até ao passado mês de Agosto…
… Um rapazinho chamado Archie morreu a jogar um jogo viral no infame TikTok, que só se lembra de brincadeiras potencialmente nocivas para a vida das pessoas, e que nem se percebe como é que ainda não foi riscado do mapa. Ou então sou só eu que não percebo. Estou perfeitamente consciente de que sou uma autêntica relíquia medieval num mundo que não tem nada a ver comigo, nem eu quero que tenha.
Mais ainda alguém se lembra?
Olha que ideia tão gira, e sobretudo tão reveladora e tão educativa: malta, vamos fazer um concurso, e ganha quem aguentar sem respirar durante mais tempo. Este perigo público aparece no TikTok a seduzir os adolescentes com a mesma eficácia com que a serpente seduziu Eva, e todos os pais, mas mesmo todos, parecem achar normal que os seus filhos fiquem sozinhos a brincar com gadgets de toda a sorte que lhes dão acesso a loucuras desta dimensão obscena.
Resultado: um belo dia, em Inglaterra, os pais de Archie, que tinha doze anos, encontram-no em casa comatoso, já em plena morte cerebral. O que não passa de um eufemismo simpático para dizer simplesmente M-O-R-T-E, com todas as letras, porque se o cérebro de uma pessoa está morto, então a pessoa está morta sem volta a dar ao texto, continue ou não o coração a bater.
Depois foram semanas, e semanas, e semanas, de notícias piedosas, repetidas de meia em meia hora em todos os nossos canais informativos, sobre o sofrimento dos pais da criança. Usavam-se basicamente sempre as mesmas palavras, sempre com as mesmas imagens. Ou era um dos pais a chorar[1], ou eram os dois a pedir misericórdia aos médicos que tinham decidido por consenso geral desligar as máquinas, ou era alguém por eles a implorar ao Boris Jonhson que impedisse os médicos de prosseguirem a sua rota assassina, ou eram fotos recentes do menino, ainda vivinho da costa, a fazer poses para a câmara, ou a dar beijinhos à mãe.
Pretinha Luanda, aos seis anos, quase pronta para a sua Primeira Comunhão. Compõe num segundo este ar angélico porque acaba de ter mais uma briga furiosa com a mana, e portanto, enquanto tenta com esforço apertar os sapatinhos brancos[2], repete para si própria a fórmula mágica, “Pai, perdoai-lhes, porque eles não sabem o que fazem.” Ao mesmo tempo, os mistérios dos adultos trotam-lhe na cabeça como um carrossel de doidos. Terá que cantar um solo perante o altar que, a certa altura, diz: “Cantai anjos a Maria/E ao Filho da Divina Graça/Que entrou e saiu por ela/Como Sol pela vidraça”. E os sentidos ocultos desta quadra são tantos que nem ela, que pode ser um diabinho mas é sempre a melhor da sua classe[3], consegue decifrá-los. Entrou e saiu? QUEM é entrou esaiu? Por onde? Pela vidraça? O SOL alguma vez ENTRA ESAI PELA VIDRAÇA? Para fazer o quê? Tudo bem, eu vou cantar isto mesmo, mas já estou como aquele romano a quem os judeus foram exigir que mandasse crucificar Jesus, nem me lembro do nome dele, mas não importa, o gajo foi esperto e eu faço o que ele fez. Eu canto que o Sol entrou e saiu com a Divina Graça numa cena que mete uma vidraça, se bem que me pareça que ainda não existiam vidraças por essa altura, não me esqueço de uma única palavra, não dou um único meio-tom, mas depois podem crer, malta: Eu por mim faço tudo como um anjinho, mas depois podem crer que lavo daí as minhas mãos[4]. Aqui nos trópicos há, realmente, imensos dias em que os adultos não batem bem, mesmo. É como diz o nosso Zé[4]: “Ué, Pritinha, quando branco fica doido, fica doido mêmo, cê viu?”
E nunca, em canal informativo nenhum, em linguagem acessível e por maioria de razão a horas acessíveis, obrigatoriamente protagonizado por pessoas entendidas na matéria, se ouviu um único bom debate sobre a legitimidade de se proporem a crianças e adolescentes “jogos” destes em redes sociais de facílimo acesso. Ainda por cima, como todos os jornalistas papagueavam, o desafio de suster a respiração era “VIRAL”. Ou seja, toda a gente o conhecia. Não era propriamente um desafio de tal forma escondido e encriptado que seria preciso a ajuda do Ed Snowden para se conseguir encontrá-lo.
Então e o TikTok não é automaticamente fechado porque mata meninos de doze anos?
Ao menos não paga uma multa vingativa?
Ninguém vai preso?
Não é obrigado a barrar conteúdos destes, como, por exemplo, o Facebook acabou por barrar o excesso de palermices postadas sobre as vacinas durante os primeiros meses da Pandemia COVID, ou o Twitter acabou por barrar alguns dos piores insultos do Trump durante a primeira campanha?
E ninguém discute estas questões na nossa Comunicação Social, se bem que se arranjem sempre duas horinhas para discutir o futebol?
Mas o que vem a ser isto?
É da vaga de calor? Está tudo a dormir? E ninguém se preocupa com a inteligência dos espectadores portugueses? Ou será que já se decidiu em conluio secreto que a missão dos media é mesmo esta, é estupidificá-los brutalmente enquanto eles bebem umas jolas com os pés ainda cheios de areia, porque é isso mesmo que se faz às pessoas quando, finalmente, chega o facilitismo do tão aguardado mês de Agosto?
Epá.
Não, a sério.
Valha-me Deus.
Uma desinformação combinada como esta é positivamente criminosa.
Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora
[1] Sobretudo a Mãe, que era muito mais faladora, e sobretudo muitíssimo mais “camera-friendly” do que o esposo.
[2] Uma das características desta criança insuportável é andar sempre descalça. Pudera. Como nasceu prematura tem os dedinhos do pé terrivelmente deformados, e não há sapato que não a magoe. Mas algum adulto se chega à frente para a ouvir? Ora. É mais que qualquer adulto se chega à frente para lhe dar um par de estalos. [3] Mais uma razão para as freiras a considerarem um diabinho. [4] Tomara eu ser esperta como esse romano, mas só tenho seis anos e a pessoa não nasce com o estilo já todo aprendido. Pelo meio destas minhas dúvidas teológicas, já sei que vou ouvir das boas porque não estou mesmo a conseguir calçar os sapatinhos. [5] O Zé tinha dezoito anos, e os nossos familiares mais conservadores diziam que ele era o “boy” das meninas. Para nós, ele era o Zé, mais nada. Chegava de manhã cedo do moceque da CuCa, supervisiona-nos o dia inteiro com muito humor e ainda mais carinho, e só voltava para casa depois de já estarmos na cama. Se fosse preciso ficar até mais tarde devido à agenda dos nossos Pais, contava-nos histórias de terror verdadeiramente terríveis, com tribos em que os homens eram iguais aos outros durante o dia mas à meia-noite se transformavam em leopardos e podia ir um, ainda homem, a passar diante da nossa casa naquele preciso momento. Eu devorava aquilo tudo, e depois, claro – ficava com tanto medo do escuro que já nem conseguia dormir.
Três décadas após a criação do Instituto Português de Oncologia (IPO) em Lisboa, o Professor Luís Raposo empenhou-se em Coimbra para criar um centro anticanceroso capaz de dar resposta à população do Centro do país. Como se relembra no site do IPO de Coimbra, o seu primeiro edifício sede foi “uma pequena vivenda, adquirida em 1953”. Ao longo das décadas, desde a primeira vivenda, têm-se demolido velhas estruturas , remodelado outras, modernizando equipamentos e espaços, e a instituição não tem parado de crescer.
O predador ali nascido comeu casas, comeu espaços e foi-se agigantando, sem importar se a rua comportava, se as instalações se humanizavam, se os doentes estavam confortáveis. O PS exigia crescer e o PS mandava – bem ou mal, sem ouvir ninguém foi produzindo esta aberração urbanística que agora vai piorar. A cidade em torno dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) e IPO sofre consequências violentas da ocupação do espaço.
Entretanto, nos anos oitenta, a mando do PSD, construiu-se o HUC em Celas a 100 metros das vivendas do IPO.
A construção do IPO é uma montra da governação em Saúde que temos tido em Coimbra. O PS lidera todas as administrações e zonas de poder e, desse modo, sem contraditório, aprova reformas e conduz a cidade para um abismo há mais de 40 anos.
O IPO estava obsoleto em hotelaria, em capacidade de crescimento e obviamente estava a ocupar um lugar inadequado no território urbano. Era uma oportunidade de pensar a cidade. As cidades não precisam de espaços como aquele naquele lugar da cidade.
O IPO existe a 100 metros do HUC, mas são estruturas que estão de costas voltadas, não se potenciam apesar da proximidade. Carlos Santos geriu uma, e agora comanda a outra. Carlos Santos deve ter feito parte das negociações desta obra bizarra que agora estão a fazer e vai ser pai da outra que querem projectar para o HUC – a Maternidade de Santa Engrácia.
Do ponto de vista arquitectónico, não estamos no século XIX com pavilhões, nem estamos no século XX dos edifícios altos. Aquilo é um meio-termo. Chegado ao seu fim útil de existência, podiam ter optado por construir a unidade nova no Sobral Cid semi-abandonado, ou em Taveiro, perto do retail park.
O que surgiria tinha sempre espaço de estacionamento, arruamentos adequados, conforto de paisagem envolvente, lugares de verde e de apoio para fontes de energia renovável. Um hospital de hoje não pode estar na Rua Bissaya Barreto.
Os doentes merecem mais que aquele corrupio de transportes e bombeiros todas as manhãs. Um hospital tem impacto ambiental, impacto social, gera economia e gera ansiedades. Os hospitais do futuro precisam de cuidados paliativos, carecem de lugares aprazíveis de encarar o fim.
Os jardins, os estacionamentos, a chegada de mercadorias, tudo pertence à complexidade da estrutura hospitalar. Aliás, recordemos as palavras de Artur Vaz, com larga experiência na administração hospitalar: “A adaptabilidade ao terreno de construção, a capacidade e complexidade técnica, tecnológica e funcional do edifício, a correcta definição das circulações (de doentes internos, doentes externos e visitas), a relação com o espaço público, as condições de conforto e segurança para os utentes e a flexibilidade dos espaços hospitalares constituem os principais parâmetros a ter em conta na programação hospitalar”.
Por tudo isto, sabemos que devia ser embargada a obra do IPO de Coimbra e pensada a sua realização noutro lado. Também sabemos como na zona urbana em que está esta instalação o valor de terreno de construção é capaz de pagar a nova obra quase toda.
As obras do edifício principal, facilitadas pela instalação do novo bloco operatório, estão estimadas em perto de 28 milhões de euros e decorrem neste momento as fundações. As obras que vão destruir o trânsito da Biassaya Barreto antes e depois delas, durarão dois anos. Podíamos embargar já.
Também ouvi falar em fazer uma rotunda para aconchegar o trânsito por ali, mas a arquitectura sabe que mais fluxo é significado de mais trânsito, e não de redução. Os hospitais verdes são uma ideia difundida e aceite.
Os hospitais preparados para a consulta à distância com imagem, utilizando as novas tecnologias são o futuro. Vamos perder mais uma oportunidade de fazer melhor porque temos escolhido protagonistas errados. O Socialismo e as suas famílias donas de Coimbra governam o seu conforto, a distribuição de empregos e infelizmente são desprovidos de rasgo, de dimensão.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O PÁGINA UM tem mostrado, ao longo da sua existência, que pretende fazer mais do que jornalismo independente. Também quer fazer jornalismo activo, não no sentido de activista, mas de não aguardar apenas pelas notícias nem procurar somente investigar para produzir notícias.
O PÁGINA UM está atento aos sinais de falência institucional, de que são exemplos as posturas obscurantistas e autoritárias da Administração Pública, as acções persecutórias e promotoras de um falso unanimismo das instituições científicas e a decrepitude moral e ética da comunicação social.
Por isso, e não por acaso, nos últimos meses o PÁGINA UM tem intentado processos no Tribunal Administrativo de Lisboa face à sistemática recusa de acesso a documentos. O objectivo não é apenas ter acesso a esses documentos, mas servem, de igual modo, como teste à Democracia, aos juízes, que são o seu último pilar.
Como amanhã o PÁGINA UM revelará, sobre uma sentença recente (de sexta-feira passada) quase desfavorável na sua totalidade às nossas (justas) pretensões, há motivos para grande preocupação em relação ao rigor e isenção das instituições judiciais, se não no seu todo, pelo menos numa parte.
Por esse motivo, o PÁGINA UM começou a publicitar todas as peças processuais relevantes da totalidade das intimações já apresentadas no Tribunal Administrativo.
Estão, para já, disponíveis, na secção TRANSPARÊNCIA, três processos: Infarmed (reacções adversas às vacinas contra a covid-19 e ao remdesivir); Instituto Superior Técnico (relatórios da pandemia) e Banco de Portugal (processos de contra-ordenação contra instituições financeiras). Nas próximas semanas contamos ter já incluídos os 12 processos actualmente em curso. A informação será actualizada com regularidade.
A Transparência deve começar por expor o trabalho dos tribunais, porque as suas falhas minam-nos a confiança na Justiça.
Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Sem esses apoios não seria possível esta dinâmica. diversos processos de intimação junto do Tribunal Administrativo.
Depois da anexação dos quatro territórios do Donbass pela Rússia, dizem-nos os especialistas que entrámos na rampa de lançamento para a III Guerra Mundial. Explicam-nos que a partir daqui os russos terão um justificativo para usar outro tipo de armamento para defender “os seus territórios”.
Começam agora as discussões sobre o direito internacional, fala-se no exemplo dado pelo Kosovo e a anexação não é reconhecida por ninguém. Ou quase ninguém. Ursula von der Leyen diz que não é tempo de pedir paz, mas sim de derrotar a Rússia. Os Estados Unidos garantem que o Nord Stream deixará de funcionar. A União Europeia coloca-se ao lado da Ucrânia e continua a enviar dinheiro e armas. No Velho Continente todos escolheram os seus lados. Até a Hungria e a Sérvia.
Para quem não dormiu nas aulas de História, há um cheirinho a 1938 no ar. Ali nos bastidores do Apocalipse.
A inflação aproxima-se dos dois dígitos, há muitas famílias europeias já em dificuldades antes do primeiro tiro nos seus territórios. Russos fogem do seu território para evitarem a chamada. Tal como ucranianos tinham feito na Primavera. O “salto” também é actual neste século.
Confesso a minha preocupação e tento, o mais possível, ouvir as diferentes fontes de informação para perceber o que aí vem. Até porque, aqui na Suécia, não vivo assim tão longe das fronteiras russas.
No meio desta aflição, e completamente mergulhado no que aí virá, dou com Gustavo Tato Borges, presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, a indignar-se na RTP pelo fim das medidas de isolamento no combate à covid-19. Jura-nos que o risco é muito grande e que não isolar pessoas infectadas pode ser o fim. O Tato não quer que a covid-19 passe e seja tratada como a pneumonia. O Tato não quer que o tema saia da agenda. O Tato, no fundo, não quer perder o emprego.
Tato Borges
Confesso que até o percebo: afinal, com guerras e quejandos, a malta não vai ter dinheiro para comprar carros eléctricos. Com jeito até voltam a pedalar como em 1940. E isso também me aborrece, porque, lá está, o meu salário depende da “transição energética”. Sim, é tanga, mas paga as contas.
O Tato parece o gajo que, no olho do furacão, está preocupado com a intensidade do gel que lhe segura a popa.
Mas Tato, my friend, we have bigger fish to fry. Fazes como nós todos, e vais trabalhar. Menos palco. Menos terror de pacotilha. Menos jackpots para os laboratórios. Agora há mesmo um problema sério para resolver e não vai lá só com (tuas) vacinas.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A notícia do PÁGINA UM foi escrita por mim e por Elisabete Tavares. Somos jornalistas há mais de 25 anos. Trabalhámos em importantes órgãos de comunicação social.
Baseámos a notícias em factos verídicos. Foi publicado esta semana um artigo científico numa revista internacional conceituada (Journal of Insuline Resistance), por um conhecido e prestigiado cardiologista (Aseem Malhotra), que até é presença regular na comunicação social britânica chegou mesmo a ser defensor das vacinas.
A notícia do PÁGINA UM tem o devido enquadramento; do ponto de vista de rigor mostra-se imaculada.
Em momentos normais, ou melhor, antes deste estranho Novo Normal surgidos pela pandemia, a notícia do PÁGINA UM seria aceite com naturalidade, apenas como um contributo informativo para o debate sobre ciência, ademais sobre um aspecto fundamental da Saúde Pública.
Censura do Facebook ao Página Um sobre a divulgação de uma notícia publicada num órgão de comunicação social e escrita por dois jornalistas com mais de 25 anos de profissão. O Facebook aplicou um castigo de “silenciamento” ao director do PÁGINA UM de 24 horas.
O Facebook, tal como muitas outras tecnológicas, não pode continuar impunemente a agir como até agora, limitando a liberdade de expressão e sobretudo a liberdade de imprensa. Nunca teve mandato para tal, e está claramente a abusar de premissas (uma alegada protecção do bem comum) para criar um mundo sem contestação e ordenado segundo os seus princípios, nem sempre assim tão bondosos.
Esta atitude fascista do Facebook – que, aliás, e bem, já está a ser contestada nos Estados Unidos –, de imposição de pensamento único, de eliminação do acesso à sua rede social, de censura sem critérios conhecidos através de uma entidade obscura chamada algoritmo ou inteligência artificial, escondida atrás de uma inacessível cortina, que impede quaisquer reclamações, não pode ser tolerável num mundo democrático.
E não venham com a questão estafada das fake news, que sempre existiram e que deixam de ter relevância numa sociedade com uma imprensa forte, independente e credível.
Sob a capa da luta contra a desinformação – que é uma externalidade dos sistemas democráticos –, a empresa de Mark Zuckerberg está a matar a democracia. E todos aqueles que defendem os métodos do Facebook contribuem para eliminar a desinformação juntamente com as verdades inconvenientes, sempre minoritárias, sempre incómodas, sempre fracturantes.
Querer curar enxaquecas cortando cabeças é má opção. Pior ainda, cortar cabeças se alguém apenas questiona se há enxaqueca ou, ou tenta lançar um debate sobre a causa primordial da enxaqueca.
Com essa postura de tirano, o Facebook e outros gigantes tecnológicos, criaram pequenos tiranete, que são hoje os directores de muitos órgãos de comunicação social.
Ainda hoje, nem de propósito, o advogado Rui Amores – que tem sido o patrono do PÁGINA UM nos processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa – vai apresentar a minha contestação à providência cautelar do Pública contra a deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que obrigou aquele diário a publicar um direito de resposta a um artigo execrável de Dezembro do ano passado.
Notícia do PÁGINA UM que revelou dados convenientemente anonimizados das crianças internadas com covid-19. Para o Público foi uma revelação de dados clínicos por uma “página de negacionistas anti-vacinas” que atentava contra a “necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação”.
Na providência cautelar o Público confessou que quando se referiu a uma “página negacionista anti-vacinas” naquela sua notícia conhecia quem era o jornalista (eu) e qual era o jornal (PÁGINA). Atente-se ao que escreveu o advogado Francisco Teixeira da Mota: “A omissão do nome da página do Facebook ou do jornal que a alimenta foi uma decisão deliberada da Direcção Editorial do jornal PÚBLICO e da editora da secção da Sociedade que, com sentido de responsabilidade, não quiseram dar publicidade à publicação que, manifestamente, tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal assumiu e defendeu desde a primeira hora”.
Ou seja, temos um jornal doutrinador, que manipula abjectamente para conspurcar quem tem opinião diversa, que lança labéus contra aqueles que, na sua óptima, tentam contrariar um “consenso social”, que não passa de um forçado unanimismo assente no ostracismo de quem augura apenas debate e clarificação.
Acham eles, acha o Público, que, nesta senda, tudo vale para que, “com sentido de responsabilidade”, “eliminem” as posições contrárias, o debate, a revelação de erros, a descoberta de verdades inconvenientes. Portam-se que nem fachos, apesar de baterem no peito a gritar democracia e a clamar pela liberdade de imprensa. Na verdade, gritar e clamar só os torna hipócritas. Ou seja, fachos hipócritas.
“O lançamento da nova linha de alta velocidade Porto-Lisboa”, titula o JN e com razão.
São as nossas costas viradas para Espanha, o nosso mais importante parceiro económico.
Já se prevê o fim dos voos inter-capitais na Europa. Precisamos de ar puro e também falta combustível.
Mas imitando a visão pequenina do já-foi Passos Coelho, António Costa vai fazer um TGVzito entre Porto e Lisboa, sem paragem em Coimbra B.
“Marido de ministra saca 200 mil “,émanchete do Correio da Manhã, e um cedo prenúncio do estouro da maioria absoluta do PS. Depois do caso Medina-Figueiredo (para um cargo que afinal não era necessário) e do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas (sem verem incompatibilidade, mesmo quando ele foi secretário de Estado)
“Escolas contratam docentes sem formação pedagógica”, refere o CM, que nos deixa a pensar na crucificação eterna dos professores nos últimos 40 anos, com relatórios, avaliações, testes, formações pagas dos seus bolsos e… muitas pressões. Tudo pró lixo.
Afinal a ideia era uma questão de estupidez e defesa das mordomias da FENPROF.
“Câmara aposta em rendas e casas municipais”, é o que se lê no Diário de Notícias. E prova que os políticos portugueses têm medo de tocar na propriedade privada, que anda a ser esbanjada à mesa dos podres-de-rico.
Temos 730 mil casas desocupadas, segundo relatório da OCDE de 2019. Mas aqui o célebre “mercado” não funciona.
E os estrangeiros que compram casas à molhada. Muitos com vistos Gold, que deveriam envergonhar qualquer nação.
Outros, pior! Nem sequer pagam impostos durante 10 anos.
Se formos para os países deles, também nos tratam assim?
“Salário mínimo vai subir mais para compensar alta da inflação”, diz o Público, que não explica que a inflação é obra, em grande parte, da especulação imobiliária.
Se um miúdo comprar um bilhete de 50 euros para o Festival Super Bock e vender por 70 está feito com a polícia e a ASAE.
Mas os podres-de-rico investem 1.000 euros por metro quadrado, em Lisboa, e vendem os apartamentos por 5.000 cada metro quadrado… Ah, pois! São grandes motores da Economia!
Até o primeiro ministro António Costa já se rendeu, e já tem cinco casas…. mas a preço de saldo.
Porque não é parvo. Não compra gato por lebre, como disse o outro do Vale da Coelha!
José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Para concluir dignamente a triste história do grande romance que eu passei 23 anos a incubar e mais quatro anos a escrever, e da sua morte às mãos daqueles que fazem a opinião dos portugueses, resta-me revelar porque é que foi que nunca houve uma boa estratégia de divulgação e promoção por parte da editora, capaz de romper um mínimo da muralha de aço erguida em torno de tudo o que me dizia respeito. O resto seria um castelo de cartas. Todas as pessoas da minha geração se lembram da comoção com que assistimos, dia após dia, à destruição do Muro de Berlim, que acabou por ficar de rastos como um verdadeiro tigre de papel, incapaz de conter mais boicote algum. Depois do livro americano, este romance, que ainda por cima logo a seguir até ganhou um legítimo prémio literário, podia ter o mesmo efeito. Mas, para isso, era preciso que o editor se esforçasse…
… O problema foi que o editor estava furioso comigo.
Porque eu, pérfida, em vez de um best-seller tinha-lhe impinjido um mono que ninguém comprava.
Inicialmente, quando recebeu e leu o manuscrito, disse à minha frente, em altas vozes, e a quem o queria ouvir, que ninguém escrevia com aquela pujança desde a morte do Zé Cardoso Pires. Eu quase que morri, porque não é possível comparar ninguém com o Zé Cardoso Pires. Mas ele estava entusiasmadíssimo, e absolutamente convencido de ter nas mãos uma daquelas obras-primas que enchem as editoras de dinheiro. Eu fartei-me de o alertar para a existência da muralha de aço, mas ele só dizia que, com um romance daqueles, isso ia desvanecer-se em névoas cada vez mais ténues. Durante todo esse tempo, sempre que eu tinha que ir à editora, que ficava algures nos arredores da Parede, pagava-me gentilmente o táxi que me levava lá a partir da estação (eu não tinha um tuste, mas tinha o passe), e pagava-me o táxi de volta.
Eu bem tentei explicar que era impossível que as pessoas se interessassem pelo livro se não sabiam que ele existia.
“Como não sabem!,” gritou-me logo a esposa e secretária do editor, uma brasileira gorda de metade da idade dele e com ar de tanque Panzer. “O seu romance está em todas as montras!”
“Não basta um livro estar nas montras para se reparar nele,” respondi eu docemente. “Estive com o Tolentino Mendonça. Ele sabia, desde antes de eu ir para a América, tanto do projecto do livro científico como do projecto do romance. Quando eu lhe disse que já tinham saído os dois, ficou a olhar para mim com um ar aterrorizado, e só conseguia repetir Ó Clara… Ó Clara…”
“Olha que esse Tolentino Mendonça tem que ser um grande imbecil!,” gritou outra vez o Panzer. “ Pois se o livro está em todas as montras…”
Claro que a reunião ficou por aqui.
“Quem é que mandou andar a brincar com estas coisas…“
O problema é que o editor não me reembolsou pelo táxi da estação à editora, embora eu lhe tivesse dado a factura logo à chegada; e também não deu quaisquer sinais de estar em vias de puxar de uma notinha de cinco euros para o regresso. Telefonaram a chamar-me um táxi e já gozas. Os bons tempos tinham declaradamente chegado ao fim.
Entrei no táxi sem aflições, porque aquelas corridas costumavam ser quatro euros e meio, e isso eu ainda tinha na carteira. Ia ficar sem cigarros, mas ao menos regressava de cabeça erguida.
Só que, na estação, o taxímetro marcava cinco euros e meio.
Paga-se um euro a mais pela chamada telefónica.
“Oiça,” disse eu ao taxista, um jovem todo bonito e bronzeado, com umas belíssimas tatuagens nos braços musculados. “Eu não vinha preparada para ser eu a pagar. Tenho quatro euros e meio, mas não tenho mais. Se quiser, podemos ir à polícia. Ou podemos voltar à editora. Veja lá…”
“Só tem quatro euros e meio?,” rosnou o miúdo.
“Só. Mas, se quiser…”
“Passe-me mas é todo o dinheiro que tem aí.”
Passei-lhe a minha bolsa, de onde ainda saíram mais umas moedinhas pretas para ajudar à festa.
“Se quiser…”
“Não quero nada. Vá lá à sua vida e não me chateie mais.”
“Sabe, eu tinha…”
Ele virou-se para trás, olhou-me de frente nos olhos, e encerrou assim o assunto, de uma vez por todas:
“A senhora já tinha era idade para ter juízo!”
Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora