Categoria: Opinião

  • Uma viagem rara: da Jordânia à Arábia Saudita – parte I

    Uma viagem rara: da Jordânia à Arábia Saudita – parte I

    Rara e desafiante. Esta foi a viagem exclusiva que mais trabalho me deu a organizar e a fazer cumprir. Foram vários dias para preparar um roteiro que orgulhosamente, posso dizer, ninguém fez e nenhuma agência de viagens tem para oferecer.

    Éramos 12 e acabámos por viajar 11. Um destino que em parte conheço bem: foi a minha terceira visita ao Reino da Jordânia. Mais de 2000 quilómetros, em oito dias. Aventuras, imprevistos, algum stress, planos B, partilha, contemplação, amizade e amor. E a mais difícil fronteira terrestre que alguma vez atravessei.

    Foi uma viagem sem preço, onde o céu do deserto abana as estruturas enquanto a riqueza cultural que trazemos no regresso a casa, não tem tamanho.

    Apertem os cintos, preparem as pipocas e deliciem-se com uma das minhas maiores aventuras de sempre.

    Partimos do Aeroporto de Lisboa, Terminal 2, Lisboa-Ciampino (Roma, Itália), com a Ryanair, a companhia aérea que não ofende, não quer ser mais do que o que é e, normalmente, chega sempre a horas.

    De Roma, depois de uma pasta pomodoro no centro da cidade, seguimos para o Chipre, onde passámos a primeira noite antes de um voo de 1h30 nos colocar no Reino da Jordânia.

    Da janela do avião vislumbram-se as pedras rosas, os terrenos áridos e tinha-se a sensação de se chegar a outro planeta.

    Depois de recolhermos os dois carros, um de nove e outro de cinco lugares, iniciámos a nossa viagem com uma pequena paragem em Little Petra que, como o nome indica é uma Petra em ponto pequeno.

    Estávamos perto da hora de encerramento, portanto estivemos com os monumentos só para nós. À saída, cruzamo-nos com autocarros que traziam turistas para jantar em frente aos monumentos, um sinal da afluência turística e do vale quase tudo por estas bandas.

    Mais 20 minutos de caminho e chegávamos ao Infinity Lodge, onde reencontrei o meu guia das últimas duas vezes em Petra, agora com uma filha de dois anos, a mulher e proprietário do Hotel Small World, também em Petra.

    Serviram-nos um jantar típico, com frango e borrego e algumas entradas, alguns doces do Médio Oriente, chá e café.

    Petra by Night estava quase a começar e lá fomos nós – desde o centro de visitantes são quase 30 minutos – pelos canyons outrora iluminados com velas e hoje com efeitos sonoros especiais, turistas barulhentos e lanternas de telemóveis a iluminar o caminho.

    Ninguém quer saber e chegados ao Treasury, o beduíno que outrora tocava flauta num silêncio que nos levava para outra dimensão, foi substituído por amplificadores e um sistema de luz que mais parecia o Museu do Futuro no Dubai.

    Havia polícias a controlar os beduínos, que costumavam fazer as honras da cidade perdida. Um terraço com guarda-sóis, lojas e até carrinhos de golfe para facilitar o caminho, de forma sustentável (dizem eles).

    A Petra by Night que tive o privilégio de conhecer não existe mais e não vale a pena do bilhete nem a caminhada.

    Regressámos ao hotel onde terminei as últimas combinações com Ali, o beduíno que nos levaria a Petra pelo sentido contrário, para assim conseguirmos apreciar a cidade com o mínimo de pessoas possível.

    Depois de um pequeno-almoço do Médio Oriente – ou seja, mistura de salgado e doce, regado a sumos de laranja, chá e café – começámos a nossa aventura. Como habitual, à hora combinada, chegamos à Beduin Village e dali partimos em duas carrinhas pickup para a entrada de Petra, que nos levaria até ao Monastery.

    Foi cerca de uma hora de caminhada, com grau de dificuldade médio, grau este agravado pelo calor que começava a fazer-se sentir, mas, a vista compensava. A caminhada por entre canyons, vistas de cortar a respiração e o deserto de Aqaba como derradeiro vislumbre. Um sonho!

    Parámos numa tenda a meio do caminho onde retemperámos energias com água, café, chá e fizemos algumas compras. Eu apenas comprei duas moedas dos Nabateus.

    Chegámos ao Monastery. A vista era inacreditável e a afluência já era grande. Os cafés de outrora tinham o dobro do caminho, os sumos de romã, laranja ou lima não continuam a cumprir o seu propósito.

    Reencontro o Beduíno que me guiou nas últimas vezes. Não se lembra de mim, desculpa-se dizendo: “é muita gente todos os dias”. Sentimo-nos uma versão fast da humanidade: os turistas iguais a todos enquanto nós os levamos nas memórias e no coração. Conta que casou com a namorada dinamarquesa. O amigo Raaed vive com uma italiana. Um mistério e tradição antiga, os beduínos casarem com ocidentais.

    Começámos a descida para o centro da cidade de Petra, onde almoçámos num género de cantina com capacidade para servir 100 pessoas de cada vez. Indescritível a proliferação de visitantes a Petra.

    Agora era o momento de nos cruzarmos com a quantidade de turistas que seguia para o Monastery e quando chegámos ao Treasury, ainda que com muitos visitantes, eram muito menos dos que chegaram de manhã, desde o momento da abertura de portas.

    Ali, Ibrahim esperava por nós para nos levar a uma das vistas mais bonitas para o Treasury: o monumento mais emblemático de Petra.

    Tapetes, almofadas e sofás tornavam as pedras acolhedoras e com os beduínos sentimo-nos em casa.

    Os beduínos são a alma de Petra, a sua generosidade, disponibilidade e amizade é algo que levo comigo para sempre. O seu jeito nómada e livre faz de Petra um dos lugares mais genuínos de sempre e onde o passado, o presente e o futuro se cruzam ao mesmo tempo. A cidade rosa perdida que sempre adorarei.

    O regresso até aos carros foi feito de burro, uma beleza de caminho e ver as faces dos companheiros de viagem que já não eram os mesmos que entraram na cidade. Petra não deixa ninguém indiferente.

    Seguimos duas horas de caminho até ao deserto, onde vivemos uma das experiências mais incríveis de sempre. Ficámos no local onde foi filmado o filme Perdido em Marte e, era a Marte que parecia termos chegado.

    A tenda dome dava um carácter especial. Ali, definitivamente, o menos é mais. E a noite quente e o céu estrelado foram o palco perfeito para uma contemplação única. A energia das estrelas tirou o sono a quase todos, mas sentíamo-nos energizados quase como por magia. Ali estamos frente a frente para o cosmos, e é ali onde nos sentimos mais perto da eternidade. Uma noite para a história das nossas vidas.

    No silêncio do dia que amanhecia tivemos uma aula de ioga muito especial, adequada ao momento que vivemos, e preparamo-nos para um dia de aventura no deserto. Passeio de Jipe 4×4, almoço, tarde no deserto do Lawrence das Arábias, com final de tarde de camelo até ao local onde avistávamos um pôr-do-sol memorável.

    Dali seguimos para um agradável Aladin Beduin Camp, onde jantámos e pernoitámos para, no dia seguinte, muito cedo partirmos rumo à Arabia Saudita.

    Raquel Rodrigues é gestora, viajante e criadora da página R.R. Around the World no Facebook e no Instagram.

  • Casos gritantes, exasperantes, e muitíssimo inquietantes da péssima comunicação social: 2ª parte

    Casos gritantes, exasperantes, e muitíssimo inquietantes da péssima comunicação social: 2ª parte

    Continuando, de coração apertado, a catastrófica falta de informação sobre a morte do Archie a tentar suster a respiração mais tempo que todos os outros adolescentes em jogo.

    Se ninguém fizer nada em relação aos jogos assassinos do TikTok, já estou a imaginar a próxima catástrofe irresistivelmente apelativa, destinada diretamente e sem vergonha às criancinhas propriamente ditas, que acham sempre muita graça a estas grandes surpresas da História Natural: PUTOS DO MUNDO INTEIRO! Embora fazer um concurso para ver quem é que consegue ultrapassar o recorde do urso polar, que chega a aguentar-se três minutos sem respirar debaixo da água gelada[1], quando fecha as narinas e mergulha atrás das focas!


    … É muito fácil espicaçar as criancinhas para quererem mesmo ganhar um desafio desta envergadura.

    Hey, ganhar aos outros rapazes é uma vitória – mas ganhar aos ursos polares, os maiores e mais fortes ursos do mundo, isso não é só uma vitória, meu, isso é mesmo uma puta glória!

    E então, enquanto os pais se maravilhavam com esta espantosa nova informação – “três minutos? De narinas fechadas? Honey, estou parvo. Já viste bem o que é o poder da evolução?” – era ver as criancinhas a correrem para a praia mais próxima, tirarem a roupa, e mergulharem na água gelada até ao mais longe possível da costa[2]… e morrerem, claro. Não só por falta terminal de Oxigénio, mas também por hipotermia. E atenção, que para mergulhos em mares gelados não é propriamente preciso ir ao Ártico, onde se pode partilhar com o urso polar o seu habitat natural: a água das praias é gelada em praticamente todo o Norte da Europa, sobretudo para mergulhos de quatro minutos.

    Imagina-se facilmente o cenário seguinte, e o que a nossa Comunicação Social nos diria.

    Lá teriam os presidentes de todos os países da Alemanha para cima de decretar três dias de bandeiras nacionais a meia haste. Lá ouviríamos nós sempre as mesmas partes dos mesmos discursos. Lá ficariam os espectadores de Agosto, todos repimpados nas suas espreguiçadeiras, a emborcar uns destilados de fim de dia enquanto se gozavam sempre das mesmas imagens de meia dúzia de progenitores chorosos, falantes de diversas línguas, e de dezenas de corpinhos muito branquinhos dados à praia. E, uma vez mais, nunca haveria mais nada para dizer. Os espectadores em férias seriam a banda sonora.

    C’um caraças, Tó! Olha aqueles, olha aqueles, já viste aqueles putos pequeninos ali na rocha, todos completamente mortos?” – “Ai pai, não gosto nada quando tu dizes os putos” – “Filhota, caladinha se fachavor, o pai agora está a falar com o tio sobre os putos todos mortos[3].

    Clarinha e as outras dores. Algures durante os trinta anos em que foi normal ter uma casinha alugada no Penedo para férias e fins-de-semana da família, Clarinha mostra-nos exemplarmente que ela, ao menos, nunca deixou de ter presentes as dores dos outros e as suas causas

    Estas imagens sem debate eram ainda mais parecidas com uma série de aventuras mórbidas porque, ao longe, se viam outros corpinhos que ainda estavam a ser recolhidos por barcos e mergulhadores, antes que chegassem os tubarões, para que as famílias pudessem dar-lhes uma “despedida condigna”. E lá ouviríamos de meia em meia hora, em imagens da Finlândia aparentemente capturadas por um qualquer Smartfone deveras amador, os pais da pequena Aicha, com um ar destroçado, repetir o dia inteiro “ela sempre foi muito competitiva, e na nossa família sempre tivemos a tradição de mergulhar dentro do gelo…

    Mas alguém discutiu a legitimidade do TikTok para propor concursos virais de morte certa às criancinhas?

    Desculpem, era só uma pergunta retórica.

    Feita apenas porque DEVIA ter sido feita – e, no entanto, NINGUÉM a fez.

    Raios me partam, que isto era material com tantas pontas por onde se lhe pegasse. O que a nossa Comunicação Social desperdiça. E, em consequência, o que todos os Portugueses perdem.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] Isto já é manipular grosseiramente os dados, porque estamos a falar do mergulho mais longo observado até à data: 3 minutos e 10 segundos. Mas, por regra, o mergulho do urso polar fica-se entre um ou dois minutos, não mais.

    [2] Com um bocado de sorte, ainda apanhavam também uma foca…

    [3] A esta hora o pai já lhe tinha chegado bem nos destilados. E, como a maior parte da população deste século, tinha uma dificuldade crescente em distinguir entre realidades e filmes quando estava a ver televisão.

  • O Pacto de Silêncio dos media mainstream vai rebentar quando?

    O Pacto de Silêncio dos media mainstream vai rebentar quando?


    Se um dia nos tivessem dito que iríamos testemunhar uma onda de supressão de informação de relevo para a população, por parte dos maiores grupos de comunicação social, daríamos uma gargalhada. Diríamos que jamais isso aconteceria a não ser que Portugal deixasse, obviamente, de ser uma Democracia. Que a Europa, por qualquer catástrofe, se transformasse numa espécie de “Federação” totalitária. Pois, era isso que faríamos. Mas enganar-nos-íamos, porque esse dia chegou.

    Assistimos nas últimas duas semanas – pelo menos – à divulgação de informação crucial, que em outros tempos seria abertura de noticiários e faria manchete nos diários. Informação tão relevante que tem gerado a indignação de milhões em todo o Mundo.

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    O que fez a imprensa mainstream? Fez aquilo que tem feito nos últimos dois anos. Manteve o Pacto de Silêncio. Simplesmente fingiu e finge que nada aconteceu. Que nenhuma revelação foi feita. Manteve o seu Pacto de Silêncio também com as gigantes tecnológicas. E se um órgão de comunicação social independente ou um jornalista independente noticiasse a informação – como fez em alguns destes casos o PÁGINA UM –, esperava-o o ostracismo e a censura nas redes sociais. Mesmo agências noticiosas – cuja função é noticiar a actualidade e fornecer notícias aos restantes meios de comunicação social – fingem que nada se passa.

    E pur si muove! – assim terá dito Galileu Galilei, quando foi obrigado a renegar a visão heliocêntrica do Universo perante o santo Ofício. Apesar deste Pacto de Silêncio, apesar da censura, passa-se algo. Mesmo que os principais media finjam que não, as pessoas vão acabar por descobrir a informação que está a ser sonegada pela imprensa mainstream, de uma maneira ou de outra.

    Comecemos pelo “segredo” mais mal guardado, porque não se passou numa esconsa cave de uma aldeia recôndita, mas no Parlamento Europeu. Trata-se da audição de uma responsável da farmacêutica norte-americana Pfizer perante os eurodeputados de uma comissão sobre a gestão da pandemia de Covid-19. 

    Audição de Janine Small no Parlamento Europeu

    A representante da Pfizer, Janine Small, admitiu, sem pestanejar, que a farmacêutica norte-americana nunca testou a sua “vacina” contra a covid-19 para apurar se evitaria a transmissão do vírus SARS-CoV-2 quando foi pedida a autorização do uso de emergência para este fármaco. Recorde-se que, há mais de um ano, assumindo que o dito fármaco conseguiria “estancar” a transmissão entre vacinados, foi criado o impensável certificado digital covid, que segregava a população que optava por não se vacinar, quer porque acreditava na imunidade natural, quer porque considerava não estar em grupo de risco, quer por receio dos efeitos adversos, quer por outras quaisquer razões.

    As pessoas que não tinham certificado foram impedidas de viajar, de entrar em restaurantes ou espectáculos, olhadas com desdém ou censura social, colocadas como entes insensíveis, irresponsáveis ou até criminosas. Pessoas foram ameaçadas. Trabalhadores perderam os seus empregos. Cidadãos foram forçados a tomar as novas vacinas para poderem circular, trabalhar, estudar…

    Numa conferência de imprensa realizada ontem, seis eurodeputados exigiram, de novo, que seja fornecida mais informação sobre as vacinas contra a covid-19, muita da qual se mantém secreta. O PÁGINA UM continua a ser o único órgão de comunicação em Portugal que tem lutado por conhecer essa informação, que o Infarmed continua a sonegar desde Dezembro do ano passado e que o Tribunal Administrativo anda para decidir desde Abril.

    Também foi pedida a realização de uma comissão de inquérito sobre a gestão da covid-19 para que os cidadãos europeus possam ser informados sobre a verdade que se mantém escondida em torno da segurança e eficácia das vacinas contra a Covid-19 e os contratos secretos feitos entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas.

    Para as pessoas que não tomaram as novas vacinas e que foram perseguidas e discriminadas, apurar a verdade é crucial. Mas o apuramento dos factos é ainda mais importante para os milhões de europeus que foram levados a tomar as novas vacinas, muitos sob coacção.

    Neste tópico, até se compreende que os media mainstream queiram meter a cabeça na areia. Afinal, eles desempenharam um papel fundamental em “vender” as novas vacinas à população e a quase “criminalizar” todos os que não as tomaram.

    Entretanto, do outro lado do Atlântico, no estado norte-americano da Califórnia, uma nova lei prevê a punição dos médicos que se oponham ou meramente questionem as políticas de saúde oficiais. Sim, leu bem. O estado da Califórnia tornou ilegal que qualquer médico discorde do governo em matérias sobre saúde. Se ainda não está chocado, vamos prosseguir.

    Na Califórnia, médicos podem ser punidos se discordarem das orientações políticas.

    Até porque, entretanto, na Florida, as autoridades de Saúde lançaram uma nova recomendação no sentido de não se vacinarem os homens com idades entre os 18 e 39 anos com vacinas mRNA. 

    A recomendação está fundamentada num estudo científico oficial do Departamento de Saúde da Florida que apurou a a ocorrência de um aumento de 84% de incidência de mortes relacionadas com problemas cardíacos entre os homens dentro daquela faixa etária nos 28 dias após a vacinação. Adiantou que, “com o elevado nível de imunidade à covid-19 que existe a nível global, o benefício de vacinar é inferior a este risco anormal de mortes por problemas cardíacos entre os homens neste grupo de idades”. Joseph Ladapo – cirurgião-geral da Florida, homónima da “nossa” Graça Freitas –, doutorado em Políticas de Saúde na Universidade de Harvard, partilhou essa recomendação na sua conta oficial na rede social Twitter

    E o que aconteceu logo? Seguindo a perigosa tendência de censura das grandes tecnológicas, o Twitter apagou-lhe a recomendação oficial. Assim. A onda de choque que o acto de censura gerou fez com que o Twitter voltasse a repor o tweet. Mas o mal estava feito e o sinal dado: já não vivemos numa democracia e foi eliminada a liberdade de expressão no mundo dito ocidental.

    Mas, perguntam: isto saiu em algum órgão de comunicação social mainstream em Portugal? Não vimos nada.

    A prova definitiva – se é que era necessária – de estarmos numa época de censura, ainda mais “apadrinhada” pela imprensa mainstream, chegou após a publicação, no final de Setembro, de um artigo cientifico de um reputado médico e especialista em Medicina Baseada em Evidência. O artigo, que foi revisto por pares, pedia a suspensão da administração das vacinas contra a covid-19 por questões de segurança. O autor do estudo, Aseem Malhotra, até promoveu a toma das vacinas contra a covid-19, mas mudou de opinião devido aos seus efeitos adversos, sobretudo nos mais jovens e jovens adultos, e à baixa eficácia observada na prevenção da infecção e transmissão do SARS-COV-2.

    O Facebook suspendeu a conta do reputado cardiologista por três dias, mas no futuro poderá suspender por muito mais tempo. Malhotra acusou entretanto o Facebook de ser “uma ameaça à democracia” por “deliberadamente suprimir a liberdade de expressão e a verdade sobre o produto mRNA” e frisou que Mark Zuckerberg é um inimigo da democracia e que “é assim que deve ser mencionado”.

    Facebook tem aplicado, nas últimas semanas, “castigos” por causa de posts com referências à covid-19, mesmo se citando artigos científicos.

    Aliás, o PÁGINA UM noticiou as conclusões do artigo científico e foi alvo de censura no Facebook, que apagou também o post sobre a notícia, num aparente “processo de silenciamento em curso“.

    Estas censuras nas redes sociais são tornadas possíveis com a ajuda dos media tradicionais e de supostas empresas de “verificação de factos”, cujas análises, muitas vezes erradas e pobres, conduzem à censura de informação nas plataformas como o Facebook.

    Vale a pena lembrar que as grandes tecnológicas financiam empresas e media para fazerem “verificação de factos”. Ora, estas empresas seguem as guidelines das grandes tecnológicas. Muitas são financiadas quase na íntegra pelas tecnológicas, como sucede com o português Polígrafo que recebeu 860 mil euros do Facebook em apenas dois anos. Isto significou 91% do total das receitas. Ou seja, o Polígrafo trabalha para o Facebook, não para os seus potenciais leitores.

    Ou seja, aquilo que aparentemente seria positivo – a luta contra a desinformação – está a ser o alimento de um “monstro”, promovendo a censura mesmo de factos e informações verídicas, bastando que contrariem aquilo que é “aceite” como “verdade” pelos “verificadores de factos” e as grandes tecnológicas.

    Mas há casos cada vez mais graves, e que transcendem matérias de Saúde e as redes sociais. Na semana passada, a Repórtes Sem Fronteiras denunciou que o Tribunal do Comércio francês ordenou que o jornal Reflets parasse de publicar artigos sobre o grupo Altice e o seu presidente-executivo, Patrick Drahi. A RSF considera a decisão uma “violação da lei da Imprensa”, não apenas porque “o tribunal impõe uma proibição em relação a artigos ainda não publicados” mas também por recusar “aplicar a excepção jornalística especificada na lei sobre segredo comercial”.

    O jornal francês veio já, contudo, garantir que não respeitará o tribunal, mas e aqui: alguém escreveu sobre este tema na imprensa mainstream? Não.

    Para terminar, outra notícia de relevo que praticamente passou despercebida em Portugal – somente o Observador abordou hoje o tema – é a revelação de que a empresa de comunicação e relações públicas Weber Shandwick tanto trabalha para a Pfizer e a Moderna como para a poderosa CDC – Centers for Disease Control and Prevention, a agência de saúde norte-americana, que muito tem promovido a vacinação contra a covid-19, incluindo de crianças.

    Repórteres Sem Fronteiras denunciaram proibição ilegalmente decretada pelo Tribunal de Comércio francês

    Note-se que a revelação foi feita por um pequeno órgão de comunicação social, o The DisInformation Chronicle.

    O óbvio conflito de interesses existente está a gerar celeuma, com a CDC a ser criticada pela contratação daquela firma que está comprometida com as duas fabricantes de vacinas contra a covid-19. A empresa disse ao Daily Mail que levou a cabo um “processo completo de verificação e mitigação para evitar conflitos de interesse”, mas isso parece-nos música para os ouvidos.

    Acontecimentos e informações como os descritos acima, e muitos outros, não são mencionados na maioria dos principais órgãos de comunicação social, os quais são grandes aliados das tecnológicas que operam redes sociais. Estas duas indústrias criaram uma simbiose artificial, alimentada por financiamento e interesses mútuos, para agradar ao grande poder económico e às “autoridades” que dependem de políticos.

    Que existe um Pacto de Silêncio entre os grandes grupos de media nacionais e internacionais e as tecnológicas, que de forma dominadora e em oligopólio operam redes sociais, disso não há qualquer dúvida. Que esse Pacto de Silêncio é já óbvio para muitos, também não há dúvida.

    Quanto tempo vai levar até que essa barragem de censura nacional e global rebente, é a dúvida que permanece.

    A batalha pelo jornalismo, os factos, a transparência, essa vai prosseguir. E todos temos responsabilidade para que o desfecho seja apenas um: a vitória da liberdade e da verdade. O PÁGINA UM não quer apenas testemunhar esse evento; quer agir para que suceda.

  • Os pesos, dois, e as medidas, várias 

    Os pesos, dois, e as medidas, várias 


    O relato desta guerra nas “nossas” televisões (ou noutras, como a impoluta BBC, por exemplo) parece um derby comentado na Sporting TV nos saudosos tempos do Bruno de Carvalho. Não sei se passaram por essa experiência de parcialidade doentia, mas, para quem gosta de tesourinhos, recomendo.

    Ora, sobre um conflito entre dois (ou três) países estrangeiros, eu esperaria nas redacções menos paixão e mais factos. É mesmo mas mesmo difícil encontrar informação dos dois lados. Não ligo muito a propaganda russa ou ucraniana; porém, gostava honestamente de ter algumas notícias credíveis. Esperava, pelo menos que na União Europeia nos deixassem saber o que se vai passando nesta guerra, que a todos afecta. Sem perceber o que lá se passa é quase impossível perceber para onde caminhamos. Sim, porque nesta miséria vamos caminhando juntos.

    green trees under white clouds and blue sky during daytime

    Há dois ou três generais que, nas televisões portuguesas, nos vão dizendo que “no lado mau” não estão todos mortos ainda, enquanto a esmagadora maioria das notícias e dos comentadores passam as 24 horas do dia a explicar como a Rússia está encostada às cordas.

    Neste particular, estou a ficar um fã assumido de Helena Ferro Gouveia, porque me faz sonhar, e alegra a minha vida com pacotes de felicidade de 10 horas. Normalmente, este é o tempo que demoramos a perceber que a Helena não sabe nada do que está para ali a dizer, e que a realidade lhe acaba a mostrar que aquele seu curso de liderança na Academia Militar não faz, enfim, nem fez, pois bem, milagres.

    Antes do ataque à ponte de Kerch, dizia a comentadora, repetindo uma ideia antiga, que os russos estavam com tanta falta de equipamento que andavam a desempacotar caixotes da II Guerra Mundial. No dia seguinte, o exército russo incendiou 17 cidades ucranianas com cerca de 180 misseis, alguns para entreter as defesas aéreas, e outros, de alta precisão, para alvos específicos.

    blue and yellow flag on pole

    Se era este tipo de material que o Putin tinha nos caixotes que voltaram de Berlim em 1945, já compreendo como é que se safaram com o Hitler. Estavam 70 anos à frente do seu tempo tecnológico.

    Seguiu-se o Rogeiro, com uma teoria que o ataque à ponte com o camião armadilhado poderia ser um trabalho interno russo que justificasse o ataque do dia seguinte. É um raciocínio legítimo e até caricato. A avaliar pela ironia e alegria de Zelensky, que fez piadas sobre o céu nublado da Crimeia, posso então acrescentar, à Teoria Rogeiroana, que não só os russos rebentaram a própria ponte e mataram cidadãos seus, como ainda disseram ao Zelensky que tinha sido obra dos serviços secretos ucranianos, para que ele não perdesse o orgulho nos seus.

    Virá alguém agora dizer que é uma técnica clássica de contra-informacão da Guerra Fria, muito típica do KGB. E quem é que estava no KGB na Guerra Fria? Pois… o Vladimir. E assim forma-se um enredo à James Bond em menos de nada – é só querer muito.

    Mas melhor do que nos dizerem que aos russos já só restam pedras e catapultas, vendo-os a disparar 180 mísseis no dia seguinte do Donbass a Lviv, é a forma como se festeja a morte de uns – os que se afogaram na explosão da ponte – e se condena a morte de outros – resultado dos mísseis de resposta.

    black barbwire in close up photography during daytime

    No Leste europeu, as questões de moral e os valores estão bem definidos. Russos morrem aos magotes, e porque querem; ucranianos morrem, poucos, e só se tiverem azar. Festejamos as primeiras, lamentamos as segundas.

    O que se diria, no Ocidente civilizado, se famílias desfilassem para tirar fotografias em frente a um quadro comemorativo com a ponte a arder?

    Cheguei a ouvir que o ataque à ponte tinha sido “espectacular” e a resposta “bárbara”. No fim, e como sempre, o que vejo há alguns meses são diferentes formas de escalada no conflito e uma vontade ardente dos Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia de continuar a armar um lado da guerra, como disseram os seus três líderes, “pelo tempo que for necessário”. Na verdade, é uma metáfora para dizer “enquanto os povos europeus conseguirem pagar”.

    Discute-se agora também a proporcionalidade dos ataques. É o mesmo tipo de argumento que usam quando os palestinianos respondem com pedras a carros blindados. Um dia disse-me um israelita, sem se rir: “que culpa temos nós de ter investido no melhor sistema de defesa anti-aérea do mundo e de não sermos afectados pelos rockets de Gaza? Eles que investissem também!!”. E continuou com grande eloquência, dizendo: “se eles só têm fisgas e pedras, que não ataquem alguém com um arsenal maior!”

    brown wooden sticks on black surface

    Nesse caso em concreto, é bom lembrar, ninguém quer saber quem invade quem. Ninguém paga para o invadido se defender. E não, não é whataboutismo… é sem tirar nem pôr a mesma situação. Com um início semelhante, um invasor e um invadido, e um fim ligeiramente diferente. O invasor é que recebe o apoio da comunidade internacional e o invadido vai viver para uma gaiola, sem piar muito.

    Já no Donbass e na Crimeia essa teoria não funciona. Quem tem o maior arsenal não o deve utilizar sob pena de entrar no “clube das bombas pela guerra”, uma vez que já todos sabemos quem tem a patente das “bombas pela paz”.

    Mas o que mais me impressiona é o espanto e a indignação que por cá se faz com a resposta russa. Andam há meses a dizer que a extrema-direita e a oligarquia do Putin dominam o poder na Rússia – é um facto. Que o homem não é de confiança – é outro facto. E que tem, para além de armamento nuclear e um exército enorme, aspirações imperialistas – também parece real. Mas, mesmo assim… acham boa ideia “cutucar onça com vara curta”, como diriam os nossos irmãos brasileiros.

    Não percebo. Todos parecem, de facto, achar que os russos estão fracos e sem botas para os soldados. E não sei bem como…

    Entretanto, para ajudar na “festa”, com a escalada da violência, e mísseis apontados agora a outras cidades europeias e americanas, entra o lunático do Lukashenko em cena. Alguns dos mísseis deste último ataque partiram de território bielorusso, oficializando de certa forma a aliança que já era mais do que assumida.

    gray and brown camouflage nutshell helmet on table

    Numa comunicação feita para que Zelensky e a NATO percebessem os passos seguintes, Lukashenko afirmou que o ataque de resposta à ponte pareceria uma brincadeira, comparado com o que ele faria caso os ucranianos tocassem num metro que fosse da Bielorrússia; e para o seu povo disse que a Ucrânia e a NATO preparavam uma invasão à Bielorrússia.

    Não é difícil perceber, pelo tamanho da alucinação, que Lukashenko está a ler um discurso preparado por Putin, e que, a partir de agora, o seu envolvimento no conflito será real. Portanto, a cada semana que nos dizem que os russos estão desmoralizados e sem armas, eles sobem um nível e rebentam mais qualquer coisa.

    Enquanto isso, começo a achar que as análises da Helena Ferro Gouveia já passam em horário nobre, e com legendas, em Kiev. E o Zelensky não deve perder uma.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um crime saído de onde menos se esperaria: uma Resolução do Conselho de Ministros

    Um crime saído de onde menos se esperaria: uma Resolução do Conselho de Ministros


    Não, não se trata do Pedro Nuno e dos contratos manhosos do pai, nem se trata da Ana e dos contratos manhosos do marido, nem sequer se trata do Costa e da compra de apartamento em Lisboa, nem se trata das golas, nem do SIRESP, nem do Ministro da Saúde e da sua empresa de consultoria na área da saúde.

    Nada disso. Trata-se de legislação, cozinhada durante meses, que teve contributos de muitos sectores, que teve contributos de cidadãos moradores das zonas onde esta nova legislação terá mais impacto e de outros que se interessam pelo futuro que nos estão a traçar.

    E eis que, de repente, na véspera de um feriado, sai para a luz do dia aquilo que dificilmente não se pode deixar de classificar como um crime.

    E o crime vem de dentro do local de que menos podíamos suspeitar. De dentro da Presidência do Conselho de Ministros. E o crime chama-se Programa da Orla Costeira (POOC) de Espichel-Odeceixe, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 87-A/2022 de 4 de Outubro de 2022, publicado no número 192 do Diário da República, 1.ª série.

    Eis um pequeno excerto:

    Em modelo territorial foi identificada uma Área Crítica de Contenção, na península de Tróia, onde importa adequar os regimes de salvaguarda definidos, com a prossecução de objetivos de manutenção do equilíbrio do sistema costeiro e preservação da linha de costa. Trata-se de um setor com dinâmica dunar de elevada complexidade e equilíbrio frágil, na qual o coberto vegetal desempenha um papel primordial. Pretende-se, assim, garantir a proteção dos valores biofísicos e funções ecológicas associadas, com vista à contenção de qualquer alteração de carga no sistema e à preservação do cordão dunar existente, e sua evolução natural, enquanto primeira linha de proteção face aos fenómenos de erosão e de galgamento, assumindo particular relevância em cenários de alterações climáticas e impactos associados às incertezas nas projeções do clima futuro.

    Este pequenino trecho é bem indicativo do cinismo com que esta legislação foi criada e da total falta de vergonha de quem a aprovou.

    Senão vejamos.

    A área de que se fala é uma zona que em breve vai ser destruída às mãos do projecto denominado Conjunto Turístico “Na Praia”. À conta deste projecto, vamos assistir à destruição de uma das dunas mais bem preservadas da Europa, à destruição de vários endemismos lusitânicos, a maior pressão sobre o território, a maior pressão sobre os recursos hídricos.

    Ou seja, vamos assistir a tudo aquilo que se pretende prevenir e pretende compatibilizar. Sim, porque as cabeças que conceberam esta legislação, como não têm a coragem de proibir determinados usos do território, tentam compatibilizar tudo, como se tudo fosse compatível com tudo. Não é verdade.

    Mas ao mesmo tempo que faz isto, o legislador comete o crime de ver o território, única e exclusivamente, de uma perspectiva utilitarista. O território é suporte de actividades económicas, o território é suporte de recursos, potenciador de recreio, de turismo, de actividades agrícolas, etc.… etc.… e o território a tudo tem de se adaptar, os ecossistemas tudo têm de suportar, os recursos hídricos são infinitos.

    greenhouse interior

    E faz tudo isto sob o manto dos princípios da precaução e da prevenção, invocando o princípio da sustentabilidade e da, imagine-se, solidariedade intergeracional, da coesão e da equidade. É preciso não ter vergonha…

    E, senhores e senhoras, a cereja no topo do bolo é a abertura mais despudorada, a mais criminosa das legalizações da ilegalidade a que se assistiu nos últimos tempos. Uma verdadeira amnistia ao crime que se pratica no parque natural do sudoeste alentejano.

    Mais um trecho:

    Considerando a importância socioeconómica das atividades agrícolas e florestais em algumas zonas da área de intervenção, o programa deverá contribuir para salvaguardar e potenciar o desenvolvimento sustentável destes setores, assumindo como principais desafios: assegurar a compatibilidade das atividades e usos agrícolas e florestais com outros usos; salvaguardar as áreas correspondentes a infraestruturas de apoio que servem de suporte a estas atividades (nomeadamente estufas); promover condições regulamentares favoráveis à concretização das potencialidades reconhecidas no domínio da agricultura, nomeadamente na região do sudoeste alentejano; promover a articulação e a defesa dos interesses dos diversos agentes, de modo a preservar a prática agrícola e florestal.

    three children playing at the beach

    A área em causa, já não é a península de Tróia, mas o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, mais concretamente, o perímetro de rega do Mira, que agora fica com aquilo que não tinha. A legalização da actividade predatória que ali é desenvolvida. O completo desrespeito pelo território, pela biodiversidade, pelos recursos naturais, pelas populações agora colocado em letra de forma, num diploma legal, aprovado por todos os ministros desta República.

    Sempre a mesma visão utilitária, a protecção de sectores que se comportam como predadores, e uma protecção explícita do plástico que invade a costa vicentina e com este empurrão, ganhará certamente nova força. “Salvaguardar as áreas correspondentes a infraestruturas de apoio que servem de suporte a estas actividades (nomeadamente estufas)”. Completamente de cócoras…

    “Se a injustiça é parte inevitável do atrito produzido pela máquina do Governo, que seja! (…) No entanto, se a natureza desse mecanismo exigir que nos tornemos agentes da injustiça, então não há que hesitar: a lei não deve ser cumprida. Há que agir contra a máquina e pará-la. Não podemos, de modo algum, transformar-nos nos agentes da injustiça que condenamos” – assim escreveu há 160 anos o filósofo e naturalista Henry David Thoreau na sua obra Desobediência civil.

    purple flowers in tilt shift lens

    Estas palavras escritas nunca se mostraram tão actuais. É necessário resistir contra leis injustas como é o caso desta Resolução de Conselho de Ministros. Não nos podemos tornar, por omissão, agentes da injustiça.

    Resistir é, desde logo, denunciar. Mas é, igualmente, fazer tudo para destruir este diploma iníquo. As associações ambientalistas, os movimentos de cidadãos, as populações devem mobilizar-se.

    Rui Amores é advogado.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A saúde nas prisões 

    A saúde nas prisões 


    Quando se criticam os maus cuidados de saúde nas cadeias portuguesas, a resposta mais usual é a de que, de um modo geral, não é grande a diferença entre os cuidados prestados aos utentes reclusos e aos cidadãos em liberdade.

    Ainda que tal fosse verdadeiro – mas não é – o problema é que, estando o cidadão em reclusão ao cuidado do Estado, e sem possibilidade de recorrer a cuidados diferentes daqueles que o Sistema Prisional lhe confere, este terá de lhe garantir um tratamento eficaz e digno.

    O que, habitualmente, não acontece.

    man in black long sleeve shirt raising his right hand

    O facto dos reclusos não poderem beneficiar, na íntegra, do Serviço Nacional da Saúde, o que, há que reconhecer, é de difícil aceitação, ajuda a perceber a origem de muitos problemas.

    Um enfermeiro especialista, que já prestou serviço em vários Estabelecimentos Prisionais, considerou que o recurso a “outsourcing para necessidades permanentes” é um “flagelo”.

    Deu como exemplo uma proposta de trabalho, que recebeu por parte de uma empresa de trabalho temporário, a “CV Healthcare Solutions”, denunciando que “as empresas pagam menos de 5 euros à hora aos enfermeiros”, o que “desmotiva e desqualifica o serviço”, contribuindo para a “situação dramática existente nos estabelecimentos prisionais ao nível dos cuidados de saúde”.

    Nada de estranhar se tivermos em conta a falta de cuidado na análise às propostas das empresas concorrentes à “exploração” das enfermarias das quarenta e nove cadeias portuguesas.

    black and gray stethoscope

    Como prova o facto de a que ganhou o concurso, não há muitos anos, ser propriedade de um recluso, no Estabelecimento Prisional de Coimbra, que a geria a partir da cadeia.    

    Em Julho de 2017, o então director-geral dos Serviços Prisionais, Dr. Celso Manata, dizia à Rádio Renascença que as prisões tinham “menos de metade dos enfermeiros de que precisavam”.

    E acrescentava: “A nível operatório temos unidades completamente fechadas. Os médicos que estão aqui, e os enfermeiros, têm sido heróis, porque praticamente têm feito omeletes sem ovos”.

    Nada disse, como é habitual, sobre o resultado que tais falhas tiveram no que concerne aos reclusos doentes.

    Talvez esperando que o cidadão normal pense que ficou tudo bem graças a heroicidade dos profissionais de saúde.

    child in blue hoodie sitting on floor

    Não querendo pôr em causa a qualidade técnica e o empenho pessoal dos mesmos (que, bem ao contrário, faço questão de realçar) a verdade é que não podemos esperar “ad aeternum” que essa entrega seja suficiente para resolver, por si, problemas de extrema gravidade.

    Até para defesa dos próprios médicos e enfermeiros que aceitam correr riscos por falta de alternativa. 

    Contrariamente ao que seria de supor os próprios responsáveis pelo Sistema Prisional são críticos desta solução.

    O Dr. Celso Manata confessou, publicamente, que “do ponto de vista económico, as empresas médicas, nas cadeias, são uma má resposta porque como o médico está sempre a rodar, não conhece a pessoa, pede os exames todos e prescreve toda a medicação que lhe é pedida”.

    Outra medida nunca devidamente explicada foi a decisão de substituição da Central de Compras de Medicamentos (que tinha sede no Hospital Prisional de Caxias) pela possibilidade de os diversos Estabelecimentos Prisionais comprarem muita da medicação destinada aos seus reclusos.

    photo of abandoned house

    Não só os medicamentos ficaram mais caros – por ser diferente adquiri-los através de uma central de compras ou por quarenta e nove Estabelecimentos, alguns deles com umas dezenas de reclusos – como a ruptura de stocks se tornou, em muitos deles, mais frequente. Para não dizer constante.

    À APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso chegam diversas queixas, de muitos reclusos, contra a falta de alguns medicamentos e, mais estranho, contra o facto de terem de ser os seus familiares a comprar alguma da medicação que necessitam.

    Incluindo a receitada pelos médicos dos Estabelecimentos Prisionais.

    Algo que pensávamos proibido mas que é, de qualquer modo, incompreensível e condenável a todos os títulos.

    Seria importante saber se os Ministérios da Justiça e da Saúde têm conhecimento desta situação e se concordam com a mesma.

    A entrega de medicamentos fora de prazo, ou sem data de validade visível, ou com rótulos e documentação em língua estrangeira, tudo ilegalidades de extrema gravidade, é comum em todos as prisões e foi profusamente documentada por um Delegado da “APAR”, farmacêutico, que dessas situações deu conta a todas às entidades sem resultado algum.

    A dispensa de medicamentos, feita por enfermeiros e guardas, sem luvas, retirando-os do “blister” e entregando-os na mão do preso, é a rotina diária que tem, como consequência, a alteração da composição qualitativa e quantitativa provocada pelo contacto directo com a luz, humidade, calor e conspurcação das mãos.

    Resultado de tudo isto – e de muito mais com que poderia encher dezenas de páginas – são os trágicos números de mortes nas cadeias portuguesas: 50 por 10.000 reclusos.

    O dobro da média europeia, segundo as “Estatísticas Penais Anuais do Conselho da Europa” que comparam a situação prisional nos 47 países membros e podem ser consultadas em relatórios anuais.

    Nos últimos cinco anos morreram, nas nossas cadeias, 303 reclusos.

    Inexplicavelmente, só seis dessas mortes foram investigadas pela Polícia Judiciária, embora a Lei obrigue a que sejam todas.

    Nada de grave.

    Falamos de presos que, todos sabemos, são cidadãos de segunda e não dão votos.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os fact-checkers e o suicídio da Ciência: os mosquitos agora andam sempre por cordas

    Os fact-checkers e o suicídio da Ciência: os mosquitos agora andam sempre por cordas


    Antes, os debates científicos faziam-se na academia e nas revistas científicas. Sempre. Era modo lento, mas eficaz. A Ciência não evolui segundo a espuma dos dias. Outros tempos. Agora, a Ciência impõe-se na Internet, consolida-se nas redes sociais. O debate científico ganha-se no imediato, elimina-se uma tese em meia dúzia de dias, bastando para a vitória que se tenha a possibilidade de decretar um veredicto, geralmente através de um popular fact-checking reconhecido, por exemplo, pelo Facebook.

    Isto a pretexto de um artigo científico do cardiologista Aseem Malhotra, publicado em 26 de Setembro passado no Journal of Insulin Resistance, e da sua validade científica.

    selective focus phot of artificial human skull

    O PÁGINA UM divulgou-o três dias mais tarde, pela relevância da temática, e porque começam a surgir cada vez mais estudos independentes sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19. A restante imprensa mainstream ignorou completamente. Se juntarmos a postura obscurantista das farmacêuticas e das entidades de regulação – veja-se o exemplo do Infarmed –, dar destaque a este tipo de estudos visa sobretudo lançar o debate.

    Porém, não pode ser tolerável a manutenção do modus operandi dos dois primeiros anos da pandemia que impuseram um unanimismo e uma ausência de debate, através da ostracização e mesmo perseguição de todos aqueles que, muitas vezes com argumentos sólidos, procuraram “dar luz” a um problema.

    Sobre o artigo de Malhotra – e até mais ainda o da autoria de um grupo de investigadores italianos, que o PÁGINA UM divulgou no passado dia 6 de Outubro –, esperar-se-ia um amplo debate. Mas tal não sucedeu.

    Aquilo que ocorreu foi um veredicto na Science Feedback feito por Iria Carballo-Carbajal, uma reputada especialista catalã… em doença de Parkinson, que determinou que o artigo de de Aseem Malhotra não tem “suporte científico” (Unsupported), acusando-o também de cometer cherry-picking.

    A análise do artigo de Aseeem Malhotra no Science Feedback (secção Health Feedback) foi feita apenas oito dias após a sua publicação original.

    Este tipo de veredictos fulminantes (nas palavras e na rapidez) supostamente científicos são, na verdade, a anti-Ciência no seu máximo esplendor, porque não são isentos nem ingénuos.

    A análise académica de um artigo científico não se faz em meia dúzia de dias nem é publicado num site de fact-checking. Até porque o site em causa, embora seja se apresentado como “uma organização apartidária e sem fins lucrativos dedicada à educação científica”, está longe de provar a sua independência.

    Com efeito, a Science Feedback, além de fazer recrutamento de cientistas para que ali escrevam, é membro da denominada Vacine Safety Net, promovida pela Organização Mundial da Saúde, e que tem como membros (financiadores) diversas entidades governamentais (como o CDC) ou dos lobbies associados ao sector farmacêutico, como a GAVI, ligada à Fundação Bill e Melinda Gates.

    Além disso, apesar de compor uns bonitos Communuty Standards, não revela quem são especificamente os seus responsáveis (apenas os editores), nem sequer tem um contacto físico ou um endereço de correio electrónico directo. A comunicação faz-se por mero formulário. Anda-se, enfim, a brincar com coisas sérias. A Ciência não se pode basear em coisas destas.

    man holding brown rope

    Pode até o estudo de Malhotra – e tantos outros – serem uma fraude, tal como foram muitos outros que apresentaram as vacinas como contribuindo para a imunidade de grupo – e que levaram à iníqua segregação de não-vacinados em Estados democráticos durante meses – ou que cantaram loas a absurdas medidas não-farmacológicas.

    Porém, uma coisa me parece evidente: para se “derrotar” uma tese ou um artigo científico dever-se-ia sempre seguir a “velha escola”, ser feita através de um debate na academia, e não através das redes sociais, onde fact-checkers, de mãos não completamente impolutas, sentenciam que determinado “herege” não merece falar e deve ser silenciado.

    A Ciência não pode continuar a portar-se assim. Será o seu suicídio.

  • Do processo de silenciamento em curso

    Do processo de silenciamento em curso


    Não sou adepto de teorias da conspiração.

    Acredito sim na relação causa-efeito, nas consequências da acção-reacção,

    Ora, perante isto, digo sem qualquer dúvida: o PÁGINA UM está sob ataque.

    Não estou surpreendido, mas apreensivo, porque sinto que se está perante um processo de silenciamento em curso – que esse processo em plena democracia venha a ter sucesso, significará que vivemos (já) afinal em ditadura.

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    Suspeito fortemente da razão desses ataques. Para não dizer que sei.

    Mesmo com meios ridiculamente baixos em comparação com os media mainstream, o PÁGINA UM tem causado dissabores ao status quo e provocado estremeções numa certa podridão que se vive na sociedade portuguesa – e que, infelizmente, não é fenómeno único na Europa, em especial desde 2020.

    Com independência, objectividade e rigor, o PÁGINA UM tem denunciado uma “narrativa mal-contada” durante a pandemia, com sonegação e manipulação de informação, a par de uma promiscuidade institucional no sector dos media – que extravasa a outras sectores fora da Saúde –, englobando a imprensa e órgãos reguladores, como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ).

    Temos também colocado processos de intimação a diversas entidades com funções públicas por recusa de acesso a documentos administrativos. São já 13 casos, a que se adiciona uma providência cautelar. Juntam-se cerca de duas dezenas de queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Não é nada normal este procedimento. Os jornalistas são, na verdade, com poucas excepções muito respeitadores do poder. Aceitam um não. Muitos. Ou nem sequer fazem as perguntas que merecem um não do poder.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Por isso, nunca se poderiam esperar, a não ser através do PÁGINA UM, processos de intimação no Tribunal Administrativo contra entidades como o Conselho Superior da Magistratura, o Ministério da Saúde, o Infarmed, a Ordem dos Médicos, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o Instituto Superior Técnico, etc..

    Mostrámos também, nas últimas semanas, que o PÁGINA UM é capaz, mesmo com parcos meios financeiros, de fazer concorrência à grande imprensa mainstream, tendo feito “cachas” nos casos da ministra da Coesão Territorial e do ministro da Saúde. Faríamos mais, não duvidem, com mais meios financeiros; talvez com a introdução de publicidade ou de conteúdos pagos, mas queremos manter a filosofia da nossa criação. A nossa fragilidade é, na verdade, a nossa força. O PÁGINA UM quer mostrar que mesmo frágil se pode vencer.

    Porém, não somos ingénuos. O PÁGINA UM tem imensas fragilidades, sendo que a principal é estar dependente, para a divulgação das suas notícias e obtenção de apoio dos leitores, das redes sociais como meio de difusão.

    stack of stack of books

    E, de repente, nas últimas semanas, tenho recebido uma sequência inaudita de estranhas sanções provenientes das redes sociais, com destaque para o Facebook, afectando também directa e indirectamente o PÁGINA UM.

    Em 4 de Setembro passado levei um aviso do Facebook, porque escrevi sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, citando um artigo científico publicado na revista Vaccine intitulado “Serious adverse events of special interest following mRNA COVID-19 vaccination in randomized trials in adults”.

    No dia 30 de Setembro, novo castigo do Facebook, desta vez com uma sanção de 24 horas de silenciamento, e ainda avisos de “desinformação” e castigos a quem tivesse partilhado o post do PÁGINA UM. Causa: divulgação de uma notícia baseada em mais um artigo científico na revista Journal of Insuline Resistance intitulado “Curing the pandemic of misinformation on covid-19 mRNA vacines through real evidence-based medicine”.

    A censura do Facebook foi feita num post em que se escrevera o seguinte: “Para ler agora no jornal PÁGINA UM, esperando que a divulgação desta rigorosa notícia de um órgão de comunicação social reconhecido pela ERC e escrito por dois jornalistas com carteira profissional há mais de 25 anos não seja alvo de qualquer tipo de censura ou shadow banning… Testemos também a Democracia em pleno século XXI.”

    Síntese das “castigos” aplicados pelo Facebook.

    E agora, nova sanção, esta madrugada, com a indicação de que a minha “publicação repete informações falsas sobre a covid-19 que desrespeitam os nossos Padrões da Comunidade”. E qual a causa? Um simples post com uma “memória” em que recordava que há um ano a Comissão de Trabalhadores da RTP tinha proposto uma segregação dos funcionários que não se tivessem vacinado, impedindo-os de usar espaços comuns. Apenas escrevi: “Foi há um ano. Alguém sabe se estes senhores jornalistas pediram já desculpa?” Nada mais.

    Foi servido um castigo de três dias.

    Próximo castigo será de sete dias, e depois de 30 dias, e provavelmente o silenciamento absoluto, tachado de “desinformação” ou de “perigo para a saúde pública” ou de “risco para o bem comum”.

    Neste momento, o Facebook faz a mais execrável e cobarde Censura, porque nas ventas de um Estado dito democrático, que nada faz para defender a liberdade de expressão e de imprensa, cometendo tudo isto através de torpes difamações e sem resposta (ainda) possível.

    O Facebook, tal como outras redes sociais, transformaram-se em monstros sem rosto (não há forma sequer de a contactar ou obter uma resposta) que minam a democracia – mas a culpa nem sequer é dele, mas das autoridades.

    Mas o Facebook é mais do que isso. É uma empresa que agora aprecia agradar aos Estados até para evitar mais multas por sucessivos atropelos legais na União Europeia e no Reino Unido.

    Não custa assim a acreditar que esta sequência de castigos – que não devem parar – seja uma manobra concertada para silenciar o PÁGINA UM. Não há coincidências. Se não for com a envolvência directa da empresa, pelo menos por via de um algoritmo que, de repente, se tornou absurdamente sensível na aceitação de denúncias dos haters, culminando em censura e castigos por dá-cá-esta-palha, mesmo quando se citam estudos científicos ou se recorda episódios absurdos de segregação do passado.

    E tudo isto se faz perante um silêncio cúmplice da imprensa mainstream. Acredito até que assistam com alguma satisfação. Compreendo-os: não os tenho também “poupado”, exactamente por, em muitas e variadas situações, não estar essa imprensa a honrar a nobre função do jornalismo. Se eles não denunciam tanta coisa que deveriam denunciar, porque motivo denunciariam um processo de silenciamentos em curso de alguém que os incomoda?

    man standing and walking going on boxing ring surrounded with people

    O PÁGINA UM vai tomar, com os meios possíveis, providências judiciais nem que seja para confirmar que vivemos numa República das Bananas, onde uma empresa pode censurar e difamar cidadãos e jornalistas, e restringir até a liberdade de expressão, sob princípios que nada têm de científico nem de bem comum.

    Até porque, ao longo deste seu ano de existência, o PÁGINA UM soube e quis sempre noticiar com responsabilidade e rigor. E também independência, que é algo que sempre incomodou o poder.

    E faço aqui uma promessa: apenas desistirei quando constatar que vivemos já em ditadura. Aí, confesso-vos, se tal desgraça suceder, emigro merecidamente, porque lutei até ao limite para não viver numa ditadura. E deixo neste rectângulo aqueles que nada fizeram para manter viva a democracia.


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  • Dor alheia

    Dor alheia


    Não me importava de não ser médico quando vejo o António. Ele fala, de um modo pouco perceptível está consciente, responde ao estímulo verbal enquanto o corpo inerte, anquilosado de forma fetal, se enche das feridas da cama.

    Não sei se é a família que exige que o salvem, não sei se é a Medicina encarniçada que sente necessidade salvífica.

    António é uma desgraça enquanto vida e é a montra da inutilidade do SNS. Está vivo, sente dores e aparentemente deixou de se manifestar obnubilado naquela deformidade. Eu matava-o, porque se fosse ao contrário suplicava que me fizesse.

    Eu morro um pouco de o ver chegar de um lar para onde foi depois de um hospital onde o amputaram, onde o medicaram.

    A cama onde tem de ficar é o seu espaço dos horrores porque conduz às escaras. Não tenho serviços que o melhorem. Não tenho soluções de internamento, porque cada dia há menos camas.

    Tenho cuidados continuados amputados de inúmeras funções para serem lugares sem terapêuticas com agulhas. Cuidados continuados na fronteira da falência de cuidados por falta de pessoal qualificado, por falta de capacidade financeira, por gestão medíocre também.

    Tenho famílias limitadíssimas nos seus orçamentos e ele tem uma reforma mínima.

    Há fins carregados de indignidade. Se ele sente, está há meses a passar o que nem Jesus a caminho da cruz. O ridículo e o caricato é ter na sua tabela terapêutica medicamentos para prevenir a aterosclerose, para prevenir o enfarte do miocárdio, para corrigir a diabetes. São os protocolos da insanidade mental a que chegou a medicina.

    man in black shirt sitting on chair

    Há famílias igualmente insanas que pedem pela sua vida quando a morte está ali mesmo a chamar pelo regaço e o conforto. Ser médico não é impedir a morte! Ser médico não é cumprir protocolos e seguir orientações.

    Se fosse um canídeo havia gente ferida e zangada a escrever no Facebook. Dentro de uns anos os cães e gatos passarão pelo mesmo, insanamente em quimioterapias, em cuidados salvíficos, que podiam tirar a fome a milhares de crianças, impedidos de se enroscar num lugar ermo e morrer em paz.

    Aqui, António está só, imóvel numa cama sem colchão anti-escaras, sem apoios para o conforto, e sem vislumbrar o fim porque anda gente atenta a impedir a sua partida.

    Não quero que me chamem médico assim. Queria capacidades de acção, circuitos de dignidade para estes morreres lentos, mas que podiam ser aconchegados, apoiados.

    doctors doing surgery inside emergency room

    O SNS não responde à saúde oral, responde com grande deficiência à saúde mental, está amputado de capacidade nos paliativos, mas distribui prevenção medicamentosa e quatro doses de vacina ao António que mesmo inerte contribui para a fortuna das farmacêuticas.

    A insanidade mental e a incapacidade crítica envergonham-me como clínico, também como político, também como cidadão e talvez por essa razão esteja a chegar o tempo de deixar esse mundo. O ciclo de vida de quem está inadaptado, quem não compreende a evolução. Também nós temos um limite para o sofrimento alheio.

    Quando vejo o António ocorre-me: antes enforcado que tal sorte.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Faz sentido pagar impostos em Portugal? Eu respondo! 

    Faz sentido pagar impostos em Portugal? Eu respondo! 


    Uma das coisas que tenho aprendido com esta colaboração no PÁGINA UM é que nem todos apreciam que se exponha uma opinião. Vejo nos meus textos, ou de outros colegas, pedidos para uma “opinião isenta”. Não sei bem o que é uma opinião isenta, mas presumo que entre na mesma categoria da água em pó ou bolas de Berlim sem açúcar. No fundo, alguns de nós não procuramos ler visões diferentes seja do que for. Queremos é a nossa opinião reproduzida nos órgãos de comunicação social. E se não for assim, enfim, então não é isenta.

    Serve este preâmbulo para dizer que espero continuar a ser merecedor da vossa leitura, em especial quando não concordam com o que aqui é escrito. É para isso que existem colunas de opinião, para que possamos debater e não para alimentarmos caixas de ressonância. 

    person wearing black framed sunglasses

    Portanto, vamos a isto. Hoje acordei a pensar nos impostos que cada um de nós tem de pagar em Portugal. Isto numa altura em que se discute uma possível baixa para as empresas e ajuste nos escalões de IRS. Parece ainda que o Governo está interessado em conseguir um aumento de 5% para os salários médios e uma subida para 900 euros no salário mínimo em 2026. Sem saber o que dará a concertação social, diria que não é uma proposta muito má. O perigo está na inflação estimada (4%) que é manifestamente optimista.

    Os impostos que todos pagamos são importantes; na minha opinião, absolutamente basilares numa sociedade civilizada. E é por isso que me pergunto, ao dia de hoje, se continuam a fazer sentido em Portugal.

    Esclareço a inversão de pensamento.

    Sempre defendi um modelo de sociedade solidário, assente em impostos progressivos. Ou seja, quem tem mais, paga para quem tem menos, tentando-se de alguma forma equilibrar a distribuição de riqueza, mas, essencialmente, financiar um conjunto de serviços que são a marca de qualquer país desenvolvido, que procure a justiça social e se insira no Primeiro Mundo. A saber: educação, saúde e solidariedade social.

    person using black computer keyboard

    Tudo o resto pode e deve ser discutido, mas, na minha opinião, são estas as três áreas prioritárias onde se deve investir o dinheiro dos contribuintes. Não quer dizer que o Estado Social termine aí – quer apenas dizer que deve começar aí.

    Esta é uma forma de quem paga, quem no fundo suporta o Estado, ver o retorno dos seus descontos. Começa nas creches gratuitas e em quantidade suficiente para todas as famílias, segue na assistência médica, seja um pediatra ou um dentista, e termina no apoio ao desemprego ou nas pensões garantidas. Se estas premissas estiverem garantidas, então o sucesso na gestão do erário público está garantido. O contribuinte vê de facto o retorno e sente que a carga fiscal faz sentido.

    Onde vivo a maior parte do ano, esta é a realidade. O Estado Social não termina aí, vai muitíssimo mais longe, mas estes três pilares estão garantidos há décadas. Foram agora um pouco abanados nas últimas eleições, e há notícias que o apoio ao desemprego poderá ser alterado, mas, até ver, a realidade é que a maioria dos habitantes na Suécia ficam contentes por pagarem impostos.

    Ao fim de quase 18 anos aqui ainda não conheci uma pessoa que dissesse o contrário. Portanto, é possível ter uma carga fiscal alta e, mesmo assim, ficar contente depois de a pagar.

    pink pig coin bank on brown wooden table

    Em Portugal entrámos numa fase em que, honestamente, estamos cada vez mais longe da realidade. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem vindo a ser completamente desbaratado desde 2012, e durante a pandemia levou o golpe de misericórdia. Creches gratuitas são uma gota no oceano e todo o percurso escolar tem um custo elevado para as famílias. Um casal que queira ter filhos em Portugal acaba a fazer contas de quantos filhos pode ter. Ou se pode sequer ter algum. Isto num país envelhecido e com uma urgência assinalável em ter jovens que engrossem o mercado de trabalho.

    Devo dizer, a título de comparação, que nunca comprei ao meu filho qualquer livro escolar, computador ou material de apoio. Não faço ideia sequer quanto custam. A Segurança Social está constantemente debaixo de suspeita no que concerne à sua sustentabilidade e os apoios no desemprego, pequenos como os salários, seguem uma burocracia pouco aconselhável e desesperante.

    Temos, no entanto, as melhores estradas da Europa, as maiores parcerias público-privadas (PPPs) que nacionalizam o prejuízo e privatizam o lucro, uma banca que vive do erário público e uma infindável clientela que vagueia em torno dos sucessivos Governos do centrão. É mais ou menos simples perceber que as prioridades portuguesas na gestão do dinheiro dos contribuintes não são aquelas que se espera de um país que se quer civilizado. Daí a pergunta, se valerá a pena pagar tantos impostos?

    Cada vez mais pessoas aderem aos seguros de saúde, quase todos pagam uma renda para deixarem os filhos na creche e, caso percam o emprego, trocam o baixo salário por um baixíssimo subsídio de ajuda.

    Esta realidade é preocupante porque mostra o falhanço dos sucessivos Governos e abre espaço para o populismo de alguns partidos políticos que aproveitam para cavalgar a onda. Com a demagogia da preocupação com o povo, exigem a redução de impostos vendendo a ideia de que tudo será mais fácil com mais dinheiro do salário no bolso.

    Aquilo que na verdade eles querem fazer é que aquele dinheiro que é entregue ao Estado e que deveria ser utilizado em serviços para todos nós, passe a ser entregue aos grupos privados. Sejam eles de hospitais, seguradoras, colégios ou planos de poupança e reforma. Nós ficamos com o mesmo dinheiro ou, provavelmente, com menos. Mas os grupos privados que apoiam e financiam estes partidos ficam bem mais ricos.

    A abertura para este tipo de discurso acontece exactamente porque os nossos governos, todos, têm sido péssimos gestores dos fundos europeus e dos impostos dos portugueses. Somos cada vez mais pobres, pagamos cada vez mais impostos, recebemos cada vez menos serviços. Portanto… como não perceber a subida dos partidos populistas assentes no descontentamento da população?

    gray pen beside coins on Indian rupee banknotes

    Em vez de uma rede nacional de creches optámos por uma rede nacional de auto-estradas (já lhes perdi a conta). Nunca um país tão pequeno viu tanto alcatrão a gerar dinheiro para as clientelas. Começou com a maioria do Cavaco e nunca mais acabou. Rios e rios de dinheiro entregues às construtoras, à banca, aos gabinetes de advogados, às empresas dos amigos que fazem estudos para aeroportos. Uma elite que atravessa gerações e que já fez da distribuição dos fundos comunitários uma profissão de sucesso.

    Entretanto, a classe média continua com salários médios que rondam os 1.000 euros, e, ainda há poucos anos, o salário mínimo andava nuns vergonhosos 500 euros. Agora estima-se que possa chegar a pouco mais de 700 euros em 2023. Portanto, andamos sempre a substituir miséria por pobreza. E daqui não passamos.

    Portanto, quando nos perguntamos se faz sentido a carga fiscal em Portugal, para continuar a alimentar corrupção e amigos do regime, a resposta é não, não faz. É preferível que cada um fique com o salário no bolso e entramos numa selva de individualismo.

    two Euro banknotes

    E é esse o modelo sustentável no longo prazo? Não, também não. É olhar para o norte da Europa e perceber que não.

    Aquilo que faz falta, mesmo, é ter governantes honestos e que, por uma vez, coloquem o bem-estar da população à frente das clientelas. Alguém que nos faça pensar que pagar impostos em Portugal não é um exercício de masoquismo. Parece ser uma utopia, bem sei. E talvez seja mesmo.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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