Categoria: Opinião

  • Ucrânia: o acordo de paz que só atrapalha

    Ucrânia: o acordo de paz que só atrapalha


    As atenções no conflito ucraniano passam agora para a mesa das negociações e, até nesta temática, conseguimos formar barricadas de opinião. Discute-se sobre quem está de boa-fé ou a quem um acordo de paz não interessa.

    Por vezes, fico com a sensação de que nos embrenhamos tanto num tópico, que acabamos por perder o contacto com a realidade e, sem querer, assumo, estamos a debater a paz como quem troca o Rossio pela Avenida da Liberdade no Monopólio.

    red and yellow abstract painting

    Nesse caso, do Rossio, todos sabem que é mau negócio, mas no caso das conversações de paz, poderíamos baixar o nível de arrogância e tentar vestir a pele de quem está no terreno. 

    Dos vários discursos que ouvi, o prémio “pimenta no cu dos outros é refresco” vai para o major Isidro de Morais Pereira, que anda há seis meses a vender a receita da NATO para conflitos de longa duração. Dizia ele que, neste momento, um acordo de paz não faria qualquer sentido para a Ucrânia, porque, segundo a doutrina dos conflitos, o tempo seria desfavorável aos russos e a iniciativa estava do lado ucraniano. Traduzindo, queria ele dizer que o poder negocial da Ucrânia aumentaria com o tempo e o inverso aconteceria com os russos.  

    Esta é a posição de quem analisa o conflito a 5.000 quilómetros de distância e que, quando chega a casa, vê paredes inteiras, aquecimento e a família dentro de portas. Tenho alguma dificuldade em conceber que quem está na linha da frente, a morrer todos os dias (seja de que lado for), pense lá no seu íntimo que é melhor aguentar mais um mês ou dois a fugir de bombas para o Zelensky ou o Putin terem mais cartas para meter na mesa.

    yellow and red round plastic

    É um pouco aquele pensamento das elites que se dignam a pensar e escolher como deve a plebe morrer. Aguentem, vão morrendo mais uns pais de família em nome do melhor timing de negociação. E não se preocupem porque, se faltar dinheiro, há mais uns milhões de europeus para esmifrar. Para tudo, menos o Inverno frio, as elites parecem ter uma solução. Sempre, obviamente, à custa do couro alheio.

    Pessoalmente, acho que, não se evitando a guerra, um acordo de paz deve ser o objectivo desde o primeiro dia. Mas aceito que deve ser um pensamento utópico. Há que ir matando uns quantos pobres por dia até que os milionários que nos dirigem decidam que a altura de falar chegou. Assim como assim, também temos pobres para dar e vender, estamos só a escoar produto.

    Zelensky apresentou uma lista de exigências para se sentar à mesa que é uma espécie de máquina do tempo para um dia qualquer de dezembro de 2013. Russos fora do país, territórios devolvidos, fim dos ataques, reparações e mudança de regime [ou pelo menos outro a decidir que não Putin].

    Para muitos, esta é uma lista realista e justa porque, lá está, a Ucrânia foi invadida. Concordo com esse argumento, o de voltar tudo ao que era, mas isso transformar-me-ia num negacionista da guerra. Já me bastou a experiência com os confinamentos…

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    Tendo existido a invasão, e tendo a Ucrânia perdido territórios, a realidade é essa, pelo que, chegar com uma lista exigências ao nível de “vamos fingir que não aconteceu nada”, é o mesmo que dizer que não se quer negociar.

    Se a Rússia aceitasse as exigências do Zelensky para se sentarem… iam discutir o quê? Se o pagamento seria feito em rublos ou dólares? É que não haveria muito mais para discutir.

    E repito: justo seria a total retirada russa sem perdas de território para a Ucrânia, mas, normalmente, não é esse o cenário depois de uma invasão de uma potência mais forte. E, numa guerra, vence o mais forte, não o mais justo.

    Bem sei que, neste momento, aplicamos um filtro histórico para condenar o invasor, enquanto nos 70 anos anteriores não nos preocupámos muito com o tema, quando o invasor tinha as nossas cores, mas é assim que, normalmente, estas coisas acabam. Regra geral, com o nosso consentimento.

    Portanto, nesta luta de barricadas pela moral adquirida em 2022, eu pergunto, de forma pragmática: qual é a solução?

    blue and yellow striped country flag

    Ainda há quem acredite nas conversas da Ursula do “as long as it takes” (leve o tempo que levar)? Os alemães já avisaram que o stock de armas está em baixo, os italianos já não têm nada para dar, os americanos também já começam a apertar o bolso.

    Os indianos, chineses e turcos fazem negócios com os russos, sendo que os turcos jogam nas duas frentes. Os bálticos, sempre afoitos na condenação aos russos, como se viu no “míssil russo que caiu a Polónia”, já vão nos dois dígitos de inflação.

    Portugal envia equipamento que não funciona, os iranianos produzem armas para os russos, a Escandinávia está com um custo de vida descontrolado, o Sul da Europa está cada vez mais pobre e, na Alemanha, vão-se fazendo negócios à margem da estratégia europeia para garantir empregos e menos convulsão social.

    Neste cenário de catástrofe, repito a questão: qual é a solução? Até quando podemos pagar esta guerra que não nos diz respeito? E, por favor, não me venham falar em democracias, que é para não ter que ir buscar a posição da Rússia ou da Ucrânia no ranking das democracias até ao dia 23 de Fevereiro de 2022. 

    walking person holding blue and brown striped banner

    Quantas vezes temos que ver o aumento da prestação da casa, perder empregos ou ficar sem comida na mesa? Quantos russos ou ucranianos pobres é que têm que morrer mais na frente da batalha? Digam-me, qual é a solução que não esteja presa a um acordo de paz?

    Eu vejo três hipóteses:

    a) chegam a acordo agora e a Ucrânia perde territórios;

    b) chegam a acordo mais tarde e a Ucrânia perde territórios, mais soldados morrem e mais europeus empobrecem;

    c) a NATO entra oficialmente no conflito, havendo a hipótese de os ucranianos recuperarem o terreno todo. Morrem muitos mais soldados, empobrecem muitos mais europeus. Estamos na III Grande Guerra.

    Perdoar-me-ão os moralistas que acordaram para a História das Nações em 2022, mas, visto daqui, a escolha é tremendamente simples. Para hipocrisia, já me chegaram os 20 anos em que a Europa apertou a mão ao Putin e com ele fez todo o tipo de negócios, sem querer saber de democracias ou teorias imperialistas.

    São, somos, cúmplices do que se está agora a passar. Já que não o soubemos evitar, tenhamos pelo menos a capacidade de lhe colocar um fim.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A Reforma do Serviço Nacional de Saúde obriga a muitos Rs

    A Reforma do Serviço Nacional de Saúde obriga a muitos Rs


    O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de reformas urgentes, que tentarei de forma sucinta identificar nestas linhas.

    1) A relação da saúde com a tecnologia carece de uma reforma de mentalidade e de modo de actuar. Muitos contactos com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderiam fazer-se por WhatsApp ou sistemas similares como o Skype, ou o Signal, ou Telegram, onde a presença com imagem se tornaria mais apelativa e diagnóstica. A massificação deste método permitiria poupar milhares de deslocações e reduziria listas de espera. Com uma conversa que seria olhos nos olhos estava construída uma relação de proximidade e com muitas características de modernidade, pois as análises, os exames complementares podiam ser realizados à distância e vistos e repassados por técnicos de saúde e doentes.

    person wearing lavatory gown with green stethoscope on neck using phone while standing

    2) Uma melhor aposta na literacia em saúde em vez de um investimento absoluto no rastreio. Devemos ensinar os sinais de perigo de muitas doenças e devemos ensinar a conviver com pequenos problemas e pequenas lesões, sem drama, sem acrescento de ansiedade. O saber não ocupa lugar, e isso retiraria muita gente das urgências por lesões de lana caprina. Os rastreios não se mostraram melhores que a prevenção ganha por literacia em saúde. Ver e palpar a mama, e reconhecer o que é anormal.

    3) A prevenção passa por educar para uma vida mais saudável, que recusa os excessos alimentares, que reduz os consumos, que responsabiliza as escolhas dos cidadãos. Temos de intervir na dieta da população, educando, negociando com as produtoras de hidratos de carbono e de comida que não é alimento. Responsabilizar pelos excessos de lixo e de hidratos e proteínas animais, criando impostos assertivos, dirigidos, para premiar os que optam pela sustentabilidade e a alimentação saudável.

    4) Investir na redução de lixo dos hospitais. As quantidades enormes de consumíveis e de objectos não reutilizáveis foi uma filosofia e uma ideologia que premiava o negócio mais do que a sustentabilidade. A quantidade de lixo produzida por embalagens, pacotes e plásticos deve ser estudada, e idealizado outro caminho.

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    5) Os doentes com clínica importante devem estar nos hospitais mais do que em outras instituições. Nessa linha deve apostar-se em hospitais melhores que os cuidados continuados, onde a resposta à doença é realizada com vista à autonomia. Reabilitar doentes de pé diabético, obesidade mórbida, doença oral, doença psíquica com distúrbio social, fisioterapia do trauma e da doença vascular, pode ser feito em hospitais que rentabilizariam a sua acção na educação, ensino. Teriam uma componente hoteleira não hospitalar, mas uma funcionalidade de ambulatório com resposta emergente, se necessário, e de diagnóstico e encaminhamento às especialidades. Hospitais que chamaríamos de retaguarda, sem pijamas, com roupa de casa, com jardins, com caminhadas, com patuscadas.

    6) A reforma da saúde oral e da saúde mental são urgentes. A segunda está a conduzir doentes aos presídios. A primeira é um sintoma da pobreza e da má condição social do país.

    7) Independência dos doentes. Há uma importante caminhada a fazer para ter os doentes nas suas casas, construir encaminhamentos cultos e suportados que permitam que no domicílio, sempre que possível fora de instituições, as pessoas enfrentem os seus infortúnios sentindo-se acarinhados, apoiados, sem dor, sem manifestação clínica exuberante. Se estas surgem, o doente deve estar internado no hospital adequado. Na noção de independência incluo saber fazer pensos, retirar pontos, perceber o que está bem e não está.

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    8) Reavaliar protocolos insanos onde se coloca medicação encarniçada para pessoas em fim de vida. Ser idoso não obriga a tomar estatinas, a ser consumidor de anticoagulantes, a tornar-se detentor de uma caixa de vinte fármacos. Com coragem há que rever os protocolos que conduzem cada pessoa que vai a um hospital, cada pessoa com mais de 85 anos acamada, a um calvário de estudos dispendiosos e muitas vezes inadequados e desnecessários. Protegem-se muito os funcionários com linhas orientadoras que consomem inúmeros recursos. 

    9) Investir no envelhecimento saudável. Um envelhecimento no lugar de sempre, no apoio à melhoria das habitações, corrigindo constrangimentos, mudando banheiras em polibans, apoios para não cair, legalidade em favor da mobilidade. Sou manifestamente mais a favor de sustentar os indivíduos do que levá-los para instituições. As doenças infectocontagiosas comprovam que a concentração institucional dos idosos é uma barbaridade com mortalidade. Construir mecanismos que apoiam as famílias a serem cuidadoras dos seus idosos, com formação adequada, gerando emprego aos que o não tinham ou aos que queiram converter-se em cuidadores. Estas medidas reduzem o número de instituições cuidadoras e melhoram as famílias.

    Tenho consciência de que estas propostas não estão na linha mestra ou no foco dos dirigentes da saúde, que preferem claramente o tratamento à prevenção, que escolhem manifestamente as instituições ao envelhecimento em casa junto das famílias, que odeiam a independência dos doentes, porque constroem negócios de cuidar.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O ódio nos olhos dos jornalistas “fascistas”

    O ódio nos olhos dos jornalistas “fascistas”


    Tudo começou com uma notícia sensacionalista. E falsa. Naquele tempo, naquele lugar, havia jornalistas racistas, com ódio. Também em boa parte da população “branca”, o ódio era grande. Uma notícia, na primeira página de um jornal, tornou-se, segundo várias fontes, no “gatilho” que iniciou o massacre racial de Tulsa, nos Estados Unidos. Decorreu entre 31 de maio e 1 de junho de 1921. O número de vítimas mortais é incerto, oscilando entre dezenas e centenas.   

    Ainda hoje, o massacre de Tulsa vive, através dos registos e testemunhos que sobreviveram, para lembrar a todos do que o ódio, as multidões cegas com ódio podem fazer. E o que notícias sensacionalistas e falsas podem causar.

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    O tempo passa, mas o ódio parece sempre conseguir encontrar lugar no coração dos homens e mulheres. Como hoje, nas redacções portuguesas, europeias, o que não falta é jornalistas com ódio. Sim, também os há racistas, homofóbicos, machistas, antissemitas, xenófobos.

    Mas há, sobretudo, hoje, vários jornalistas adeptos de medidas e regimes totalitários, defensores da ditadura em nome de um alegado “bem comum”. Odeiam a liberdade, a democracia, a liberdade de expressão, a liberdade individual e a soberania sobre o próprio corpo (pelo menos, no caso das vacinas contra a covid-19). Este ódio foi (e é ainda) visível na cobertura que fazem (ou não fazem) de eventos e acontecimentos.

    Odeiam todos os que resistiram à propaganda da pandemia, os que se mantiveram sem vacinas contra a covid-19, os que se mantiveram sem máscaras faciais e sem álcool-gel na mão, os que recusaram denunciar vizinhos por receberem amigos ou familiares para jantar nos confinamentos.

    Odeiam os que se manifestaram a favor dos direitos humanos e civis, a favor da Ciência verdadeira e da liberdade. Odeiam os que preferiram abandonar empregos onde lhes era exigido que tomassem obrigatoriamente as vacinas contra a covid-19.

    Novak Djokovic vai voltar a competir na Austrália, depois de ter sido recusada a sua entrada por se manter sem vacina contra a covid-19. As notícias sobre o tenista tinham, por vezes, um tom negativo e depreciativo para o atleta.

    Odeiam os atletas que preferiram ficar de fora de competições do que abdicar da soberania sobre o seu corpo e protegê-lo de novas substâncias injectáveis cujos riscos para a sua saúde superavam amplamente os eventuais benefícios.

    Odeiam os que fazem perguntas e também os que apresentam dados e evidências de que os confinamentos foram errados e um crime, de que as vacinas carecem de informação crucial, de que as mortes em excesso na Europa são graves e devem ser investigadas por entidades independentes. Estes jornalistas e diretores de publicações não trabalham para informar o público. Trabalham para ajudar a criar “consensos sociais” – como diria o director do Público.

    Notícia do jornal Tulsa Tribune publicada no dia em que teve início o massacre racial de Tulsa e breve a noticiar o arquivamento do processo contra Dick Rowland.

    O ódio nestes jornalistas nasceu na pandemia, com a desinformação e a propaganda que muitos deles ajudaram a espalhar. O ódio nestes jornalistas nasceu da mesma forma como sempre nasceu o ódio: por ignorância e por medo. Onde há medo e ignorância, está o terreno tratado para semear o ódio.

    Este ódio semeado na pandemia dá muito jeito para os que pretendem tomar de assalto o mundo livre, o mundo ocidental. O ódio semeado na pandemia é perfeito para gerar a destruição do que tem estado a impedir o nascimento de um novo mundo, em que apenas uns ditam “a verdade” e ganham todos os lucros e todo o poder. Um mundo sem democracia, sem direitos civis, sem direitos humanos, sem liberdade, sem liberdade de expressão. Como na China. Como na Alemanha nazi. Como em Tulsa, em 1921.

    Numa entrevista ao PÁGINA UM, um dos melhores jornalistas de investigação, Bostjan Videmsek, alertou que espera que a pandemia não tenha servido como “ensaio” para serem aplicadas mais medidas totalitárias, agora com a ‘desculpa’ do combate à grave crise ambiental que vivemos.

    Videmsek não é apenas jornalista, escritor e activista pelo ambiente. É embaixador do European Climate Pact da União Europeia na Eslovénia.

    O seu alerta faz sentido. Imagine: e se os jornalistas que ajudaram a distribuir dogmas e propaganda na pandemia – destruindo a democracia e a Ciência verdadeira – agora forem espalhar eventual propaganda e promoverem como “boas para o consenso social” medidas totalitárias anunciadas para alegadamente combater a crise ambiental. Combater as alterações climáticas.

    Isto é possível, dado o ódio à liberdade à democracia que se instalou em boa parte das redacções dos media mainstream portugueses e europeus e que é visível pelo apoio que deram à segregação da população e à desinformação científica que espalharam. Pior. Ainda hoje, muitos jornalistas acreditam que “seguem a Ciência” e que os confinamentos eram bons e que “vai ficar tudo bem”. Nem com a inflação, as mortes em excesso e os estudos e dados científicos, muitos desses jornalistas despertam do sono em que mergulharam nos últimos quase três anos.

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    Mas, temos um problema. Não só não despertaram, como agora odeiam. E o ódio é potente.

    E é grave porque a democracia está prestes a capitular em Portugal – se avançar a revisão constitucional ilegal proposta – e em muitos outros países, onde medidas fascistas se tornaram a norma desde 2020. Não é preciso mencionar o Canadá, a Nova Zelândia, a Austrália, Itália, França, Alemanha, Estados Unidos…

    Em todos estes países foram implementadas medidas que, não só foram erradas cientificamente e não ajudaram a combater eficazmente o vírus SARS-CoV-2, como ainda deixaram um rasto de danos gigantesco, em termos de saúde, humanos, sociais e económicos. E danos na democracia, liberdades, direitos e garantias.

    Como democrata, pouco me interessa a ‘esquerda’ ou a ‘direita’. O que conta, para mim, é o que se vê os governos e partidos a fazerem, na prática. Essa suposta diferença entre ‘esquerda e ‘direita’ não passa, para mim, hoje, de puro marketing. Publicidade. Como nas campanhas de propaganda para convencer a população de que o tabaco fazia bem à saúde.

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    Há anos que vejo medidas de partidos e governos de ‘esquerda’ mais próximos do fascismo. Nos anos recentes, sobretudo desde 2020, acentuou-se a ideia: o fascismo crescente instalou-se nos países ditos do Ocidente.  

    A nova moda de totalitarismo vem disfarçada, envolta em marketing, em campanhas de propaganda, como só se viu em regimes totalitários.

    O papel dos jornalistas na instalação de regimes totalitários, fascistas, é crucial. Também hoje, muitos alinham na moda fascista para manterem o ‘seu poder’ e financiamento. E porque alguns diretores e jornalistas são… “fascistas”. Sempre o foram. Outros defendem hoje a instalação de uma ditadura. E nem sabem, o que é trágico.

    Quem passou por redacções em Portugal, sabe que estão cheias de jornalistas de ‘esquerda’. Incluindo desta nova ‘esquerda’ – supostamente – que tem vindo a eliminar direitos civis e direitos humanos.

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    Que partidos com tiques fascistas queiram eliminar direitos civis e direitos humanos, e a liberdade de imprensa, compreende-se. Afinal, são assumidamente fascistas. Mas ver o mesmo acontecer a partidos ditos de ‘esquerda’ e de ‘centro’ e os seus apoiantes – incluindo jornalistas – é completamente atroz.

    É inacreditável que os direitos humanos e direitos civis na pandemia tenham sido sobretudo defendidos por partidos e políticos mais conservadores e de direita. Como é possível?

    Como se os pólos terrestres se tivessem invertido e o caos se tivesse instalado na Terra.

    Colocar em causa a manutenção e a defesa de direitos humanos e civis é ameaçar diretamente a democracia. Quem quer ficar refém e à mercê de propagandistas, de um regime baseado numa falsa ciência (como era também o de Hitler), num regime em que tudo (e todos) o que se quiser passa a ser uma ameaça ‘à segurança nacional’, a ‘estabilidade’, ‘o bem comum’. Basta que possa questionar o regime novo ou a falsa ciência. Basta que mostre evidências científicas que contrariam a ciência comercial em voga no Mundo Ocidental.

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    Torna-se curioso, do ponto de vista científico e comportamental, assistir a demonstrações fascistas de pessoas que, sem o saber que são, falam nas TVs, nas redes sociais, nas rádios. Escrevem nos jornais os seus artigos de opinião e até as suas notícias. Sim, os jornalistas “fascistas” escrevem as suas notícias enviesadas, pejadas de propaganda, só ouvem as fontes que promovem o novo regime fascista. Como na Alemanha nazi, no Portugal do Estado Novo, na América ‘anti-comunista’ Macarthista.

    O novo Macarthismo instalou-se. Agora, ‘os comunistas’ são os que defendem a liberdade e a democracia, a Ciência verdadeira, e que são vistos como ameaça aos novos “fascistas”.

    Dirão: ah, mas este fascismo é necessário por causa da… pandemia. Por causa da crise ambiental, da crise climática. Como é que alguém pode ser tão burro? Sim, burro. Não uso a palavra de modo leviano. É preciso muita burrice, muitas palas nos olhos para, em 2022, alguém racional se deixar levar por propaganda descarada. Como os alemães na Alemanha nazi. Só, de facto, o medo e ódio podem gerar tantas palas nos olhos de tantos.

    A Suécia foi o país que melhor geriu a pandemia. De longe! É só olhar para as estatísticas covid e não covid. Para a diferença entre as mortes excessivas nos países que aderiram ao fascismo do seculo XXI e a Suécia. A diferença é abissal!

    A Suécia não alinhou com os confinamentos e imposição de máscaras, em geral, tornando-se um caso de sucesso na gestão da pandemia de covid-19.

    Ainda assim, perante as evidências e os factos, a massiva propaganda paga por fundos públicos e privados – incluindo da indústria farmacêutica e todos os que lhe estão ligados, como colaboradores, acionistas ou “parceiros comerciais”, como os jornais – tem conseguido enganar boa parte da população. Aqui se incluem jornalistas e uma pseudo ‘elite’ que de pensante pouco tem, hoje em dia. Estão atulhados pelos medos, a sensação de insegurança. A baixa literacia científica que têm vindo a demonstrar é um dos calcanhares de Aquiles que os ajudou a tornarem-se vítimas do novo fascismo e a nova ideologia de totalitarismo.

    Custou ver jornalistas a atacar cidadãos e cientistas por mostrarem as evidências científicas sobre a inutilidade das máscaras num vírus como SARS-CoV-2, sobretudo a violência do seu uso em crianças. Custou ver, mas deu para se perceber que estavam cheios de medo. Emocionais. O tom dos seus ataques era transparente. O seu ódio.

    Por isso, quando políticos e propagandistas das farmacêuticas espalharam a fake news de haver uma ‘pandemia de não vacinados’, tantos jornalistas se prestaram a propagar a falsa notícia. A desinformação nesta pandemia foi atroz. Mas o que mais custou ver, e continua a custar ver, é a ignorância que jornalistas e políticos aceitam demonstrar publicamente.

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    A Ciência verdadeira foi atacada desde 2020 e substituída por políticas erráticas ou baseadas numa ‘ciência’ dogmática e comercial, vocacionada sobretudo para impulsionar a venda de produtos diversos.

    A Ciência só o é se for baseada na evidência. Estudos de farmacêuticas ou cientistas ligados à indústria, ou entidades financiadas por alguém ligado à indústria, não contam, naturalmente.

    Nesta altura, quando temos uma ameaça sobre a democracia, saúdo todos os socialistas e social-democratas que se estão a levantar em defesa da pureza da Constituição e em defesa dos direitos humanos e direitos civis. Que estão a opor-se a esta revisão ilegal e perigosa.

    Agora, também seria bom começar a ver jornalistas, directores de media mainstream, se levantarem a favor da democracia, dos direitos humanos, dos direitos civis. Da liberdade.

    Os jornalistas têm muitas responsabilidades. Só espero que, ao contrário do que a maioria fez desde 2020, desta vez as usem para o verdadeiro bem comum, a democracia, a liberdade e o progresso da Humanidade.

  • Necrófagos

    Necrófagos

    “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente,

    pelo que os grandes homens são quase sempre homens maus.”

    Lord Dalberg-Acton

    in THE RAMBLER, 1859


    Ó Mãe, mas tu vais ficar zangada… Ó Mãe, mas não foi de propósito… Ó Mãe, mas eu gosto muito de ti… E, se eu os deixasse, os meus filhos continuariam nestes preliminares durante uns bons vinte minutos[1] antes de me confessarem a última grandessíssima porcaria que tinham cometido no caminho mínimo da escola para casa.[2] De maneira que eu cortava imediatamente a choraminguice com o meu já bem conhecido e deveras sonoro: Ó FILHOS! A ÚNICA COISA QUE A MÃE NÃO ACEITA QUE VOCÊS FAÇAM É MENTIR, PORQUE MENTIR É QUE METE MESMO NOJO! OK? E não os endoutrinei assim só por total falta de paciência para preliminares[3]. Foi mesmo porque há que horrorizar as criancinhas com o asco de mentir tão cedo quanto possível. Senão, elas vão mesmo mentir o mais que puderem, porque toda a gente que vêem na televisão ou está a mentir ou imita muito bem, o que é particularmente chato a partir do momento em que as pessoas inventam a democracia. Porque depois descobre-se, com grande horror, que não há ninguém neste mundo que minta mais do que os políticos. Sobretudo quando se apanham de posse do poder absoluto. E então… A gente já nem sabe o que há de fazer pela Lua[4]!


    … Este é um exemplo dessas mentiras que fez muita gente passar mal durante o mês de Outubro, portanto tenho a certeza de que não há pensionista que não se identifique. Pelo menos aqui em Estremoz, onde me fartei de fazer sondagens sobre o assunto a toda a gente com idades iguais ou superiores à minha. Uma vez mais, a história começa com António Costa a fazer o seu sorriso de proprietário da maioria absoluta. A gente percebe logo que vem lá bazuca.

    Desta vez, o Primeiro-Ministro veio explicar à Nação, em directo e ao vivo no noticiário das 20, que sente no próprio peito a aflição que o povo português está a sentir por causa da perda do poder de compra resultante da guerra na Ucrânia. E que, tendo em conta essa aflição que não pára de crescer, como o seu governo bem gostaria, mas, na realidade, não consegue mesmo ajudar toda a gente[5], decidiu pelo menos ajudar os reformados. E portanto, já em Outubro, cada reformado vai receber mais 50% da sua pensão.

    Eles são mesmo bons nisto. Conseguem fazer as pessoas deixar de pensar. As declarações de António Costa foram tão ambíguas que muitos reformados quase que dançaram em pontas, imaginando que iam viver substancialmente melhor daí a quinze dias[6]. Devemos ter sido tantos que o chefe dos necrófagos voltou ao noticiário logo no dia seguinte, compelido a explicar a todos estes analfabetos funcionais, a estes reformados como nós, que a sua generosidade, nunca vista, se aplicava exclusivamente ao mês de Outubro. Mas fiquem descansados, ó pobres mexilhões[7]: posso garantir-vos que pelo menos 99% dos reformados vai mesmo receber em Outubro os seus 50% adicionais.

    Olhem. Eu, pelo menos, recomecei a pensar logo ali no acto.

    Olha que pena. Afinal o senhor até já está a preparar o caminho para uma justificaçãozinha burocrática da treta que vai transformar esses 1% aí nuns bons 50%. É mais forte do que eles, só pode ser: este político, tão experimentado e tão hábil, já está outra vez a mentir. Que tristeza. Vou mas é ignorar as notícias, mudar completamente de canal e de agulha, e ver ou um bom bocado de FAMILY GUY ou um bocado de THE BIG BANG THEORY ainda maior, que isto não é propriamente a melhor fase do campeonato para nos darmos ao luxo de ficar clinicamente deprimidos.

    Raios me partam, que sou mesmo ingénua.

    Ali a imaginar que já tinha topado o golpe quando ainda nenhum de nós sabia nem da missa a metade.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora

    Profª. Doutora Clara Pinto-Correia considerando a sua nova carreira na política. Por enquanto ainda não tomou decisões sobre a bancada a seleccionar para poder ao menos espadeirar citações do Jorge Palma em tudo iguais ao original, excepto na honestidade: ainda não vale a pena gastar neurónios nessa selecção, porque o seu coach de bem mentir continua a recusar-se a conceder-lhe o devido e indispensável diploma. A Professora ainda nunca conseguiu mentir sem abrir logo ali o jogo mostrando-se visivelmente desconfortável. Ó Professora, sabe porque é que precisa de esforçar-se mais do que os outros? É simples. Foi doutorar-se para a América em vez de ir fazer o tirocínio das Jotas. Sua tontinha. Vamos lá tentar outra vez: “adoro ter que partilhar casas com completos desconhecidos que, tal como eu, sozinhos nunca conseguiriam pagar uma renda de Lisboa”. E mostre um bocado mais de entusiasmo, se faz favor. Ou acha que é pedir muito?

    [1] No mínimo. Quando jogávamos aos preliminares durante as viagens de carro eles chegavam a estar uma hora inteira nisto sem nunca se repetirem.

    [2] O que não impede que tivessem cometido outra cinco minutos antes.

    [3] Quer dizer, preliminares de filhos que estão com medo do castigo da Mãe, entenda-se.

    [4] Citação do Jorge Palma, uma vez mais feita de cor. Ha!

    [5] Porquê, mas porquê, mas porquê? É que ELES, esta parte, nunca explicam.

    [6] Eu, por exemplo. A minha reforma nem chega a atingir o salário mínimo.

    [7] Para quem já não conheça os provérbios portugueses: “Quando o mar bate na rocha quem se lixa é o mexilhão.”

  • Conhece a história da primeira vacina contra o vírus sincicial respiratório? E mesmo assim acha bem a promiscuidade entre farmacêuticas e imprensa?

    Conhece a história da primeira vacina contra o vírus sincicial respiratório? E mesmo assim acha bem a promiscuidade entre farmacêuticas e imprensa?


    A farmacêutica francesa Sanofi, em articulação com a anglo-sueca AstraZeneca, conseguiu, no passado dia 4 de Novembro, a aprovação pela Comissão Europeia da sua vacina contra o vírus sincicial respiratório (RSV), que causa uma das mais banais infecções em crianças e idosos, que só constitui preocupação relevante para um grupo muito restrito com comorbilidades (e onde já existia medicamento preventivo).

    Também a Pfizer, a Moderna e a GlaxoSmithKline se encontram em fase avançada de testes, muito interessadas neste novo filão de negócios das vacinas, “empurradas” pela covid-19, que levam a saltarem-se fases à boleia de uns políticos menos prudentes e de uma imprensa histérica.

    Obviamente, as farmacêuticas com as suas novas vacinas contra o RSV querem repetir a “dose” do SARS-CoV-2. Desejam um ambiente de pânico e de interesses promíscuos com os diferentes “autores sociais”, que, tal como se observou na covid-19, aliado a um voluntarismo irracional, resultou numa estratégia de vacinação maciça e praticamente coerciva, injectando quem se devia (por razões de verdadeira emergência e relevância) e quem não se devia nem era prudente fazê-lo, de que os jovens adultos, adolescentes e até crianças são exemplo.

    Nada agora é por acaso.

    Por exemplo, não é por acaso que a imprensa lançou profusas e alarmantes notícias nos primeiros dias de Novembro sobre surtos de RSV. No Google News surgem 190 notícias na última semana quando se pesquisa pelo termo VSR.

    Também não foi por acaso que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge começou inopinadamente a divulgar os números de internamentos por RSV (que sempre ocorreram em outros anos) apenas a partir de meados de Outubro passado. Foi para preparar a “cama” e assustar pais.

    E também não foi por acaso que o Expresso, certamente em prol do bem comum, se associou esta semana à Sanofi – leia-se, estabeleceu um acordo comercial, que terá (?) de constar no Portal da Transparência do Infarmed – para fazer uma tertúlia em redor do RSV. Pomposamente, chamaram à “coisa” RSV Summit.

    Teve isto tudo presença de uma jornalista (Ana Patrício Carvalho, da SIC Notícias), como mestre-de-cerimónias, do CEO da Impresa, Francisco Pedro Balsemão, e da directora-geral da Sanofi Portugal, Helena Freitas, e até, hélas, a moderação de Carolina Patrocínio.

    No vídeo de marketing desta iniciativa meteu-se, obviamente, umas imagens de ventiladores e máscaras em crianças… Nada é inocente.

    Que as farmacêuticas desempenham um papel crucial na sociedade, que são responsáveis por avanços fundamentais no combate às doenças e na melhoria das condições de vida, não tenhamos dúvidas. Que podem e devem ter lucros, não sejamos invejosos.

    Porém, não cabe à imprensa “aliar-se” às farmacêuticas, como se acentuou pornograficamente nos últimos anos, e que retirou e retira ao jornalismo a visão crítica, isenta e independente à gestão da pandemia da covid-19.

    VSR Summit: uma parceria da Sanofi e do Expresso, não inédita, promíscua e contraproducente.

    A pandemia da covid-19 não pode jamais ser o “abre-se, sésamo” para a entrada definitiva na caverna do tesouro que se julga poder salvar a imprensa mainstream do fracasso da má qualidade jornalística.

    Era bom, aliás, que a prudência e mesmo a desconfiança – grandes virtudes do jornalismo, a par da memória e da investigação – levassem a um olhar distante sobre as novas vacinas contra a RSV, tal como deveria existir face às vacinas contra a covid-19.

    Talvez poucos saibam quais as razões pelas quais uma doença respiratória como a causada pelo VSR não teve nenhuma vacina nas últimas décadas. Talvez seja importante recordar, tanto mais que, apesar de ser doença banal causa mais de 100 mil mortes por ano, sobretudo em países subdesenvolvidos. Está tudo contado, em detalhe em dois artigos científicos: em 2011 na Expert Review of Vaccines, e em 2016 na Clinical and Vaccine Immunology. Em 1967, após anos de ensaios, uma vacina RSV inactivada com formalina combinada com alúmen foi administrada em bebés nos Estados Unidos. Ao contrário daquilo que os ensaios apontavam, a vacina não foi eficaz; e pior, aumentou a gravidade da doença. As hospitalizações foram muito mais prevalentes no grupo vacinado do que entre o grupo de controlo, “vacinado” com placebo: 80% contra 5%. Duas crianças morreram por causa da vacina.

    Estes, e outros artigos científicos, explicam os processos microbiológicos, citoplasmáticos e outros que tais que levaram a este fracasso e a uma exacerbação da doença após a toma daquela vacina.

    Não significa que as novas vacinas contra o RSV – e, por maioria de razão, contra o SARS-CoV-2 – tenham problemas similares, em dimensão àquela vacina. Na verdade, as vacinas são uma história de sucesso no desenvolvimento tecnológico da Humanidade, sobretudo a partir da segunda metade do século XX.

    Mas, para isso, e sobretudo, para que nenhuma má vacina seja a nódoa que cai no melhor pano, estragando-o irreversivelmente, convém muito que o jornalismo e as farmacêuticas joguem em bancos diferentes, não comunguem do mesmo repasto.

    Isso não está a suceder com a vacina contra a VSR. Veja-se a título de exemplo com a Sanofi. Além de conteúdos patrocinados sobre a VSR, o Expresso também tem uma parceria comercial com esta farmacêutica francesa para a gripe (Flu Summit), e este ano encontramos também as mesmas relações comerciais sob a forma de artigos comerciais escritos em estilo jornalístico em outros órgãos de comunicação social, como no Observador, ou ainda sob a forma de patrocínios para prémios, como sucede com o Jornal de Negócios.

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    Se se fizer uma rápida busca nos sites da imprensa mainstream de âmbito nacional enco9ntramos uma profusão de eventos e outras iniciativas patrocinadas – leia-se, financiadas – pelas mais distintas farmacêuticas, sempre apresentadas sob a forma de parcerias.

    Só um ingénuo não consegue concluir que este tipo de eventos – onde, ademais, participam dirigentes das farmacêuticas, responsáveis do regulador (Infarmed), médicos, jornalistas e administradores dos media, e até por vezes políticos – condicionam fortemente a saída de notícias isentas e independentes sobre farmacêuticas e os seus produtos. A forma como (não) houve debate em torno da eficácia das vacinas contra a covid-19, ou o tom quase sempre encomiástico com que estas foram abordadas pela imprensa, são exemplos claros. E isso pode suceder, ou estar a suceder, com muitos outros medicamentos. Nos últimos anos abriu-se uma caixa de Pandora.

    A falta de análise crítica aquando da vacinação dos adolescentes e crianças – de que são exemplos a despublicação do artigo de opinião do médico Pedro Girão no Público em Agosto do ano passado e a cobertura mediática das campanhas inquisitoriais da Ordem dos Médicos sobre clínicos que contestavam a vacinação universal – foi particularmente chocante, e não pode ser vista como algo alheio à dependência financeira da imprensa mainstream com as farmacêuticas.

    black framed eyeglasses on top of white printing paper

    Hoje, no quadro desta dependência, seria impensável que fosse publicado um artigo a destacar que um determinado país retirara 800 mil lotes infantis de vacinas de uma farmacêutica por ser fraca. Por um lado, porque as autoridades reguladoras se politizaram, e os media mainstream se sujeitaram a essa dependência em relação às farmacêuticas.

    Veja-se, aliás, como políticos, farmacêuticas e imprensa apresentam agora as vacinas contra a covid-19: não são ineficazes contra a variante Ómicron; o SARS-CoV-2 é que consegue escapar aos anticorpos criados pela “vacina eficaz”. Hoje, temos “consensos sociais” criados e impostos pelos jornalistas, enquanto os departamentos de marketing da imprensa mainstream onde trabalham esses jornalistas abrem as portas dos cofres para a entrada de dinheiro das farmacêuticas. Isto não é apenas promiscuidade; em Portugal, pela Lei da Imprensa, é ilegal.

    A prazo, esta promiscuidade nem sequer será útil para ninguém: nem para as farmacêuticas – que “compram” uma comunicação favorável, o que as incentiva a serem gananciosas e também negligentes em aspectos cruciais até ocorrer uma “explosão” – nem para a imprensa mainstream, que em cada uma destas parcerias, e com tão dengosa postura, definham cada vez mais a sua credibilidade. E a sociedade deixa de a considerar o seu watchdog. Com isto, perde também a sociedade.

    Por isso, termino com as duas questões do titulo. Conhecendo a história da primeira vacina contra o VSR e perante as agora promíscuas relações da imprensa com as farmacêuticas, não me sinto nada seguro. Mesmo se o “consenso social”, que agora se exige, me diga que nada há para temer.

  • Salivando por uns mísseis russos caindo na Polónia

    Salivando por uns mísseis russos caindo na Polónia


    Desta vez, o rodapé de breaking news fazia mesmo sentido: tinham caído mísseis russos em território polaco e, por isso, na CNN Portugal reunia-se um painel de sete ou oito comentadores, desde generais da NATO a comandantes de coisas, a especialistas de comunicação. Até a Helena Ferro Gouveia lá estava como especialista em comentários de Helena Ferro Gouveia… Percebi logo, de imediato mesmo, que aquilo era uma breaking news mesmo de break.

    Ainda tentava perceber onde ficava Przewodów, uma vila no leste da Polónia, e já na CNN Portugal se debitavam todas as teorias. Aliás, para ser sincero, não eram assim tantas teorias, era apenas uma: os russos atacaram um país da NATO.

    Depois, mostravam prudência, eram cautelosos com as palavras, tentavam arranjar justificação, mas, em momento algum, se ouviu que o envolvimento da NATO no conflito traria essencialmente vantagem à Ucrânia.

    O comandante João Fonseca Ribeiro (SEDES) ainda disse que, dada a distância de Lviv à fronteira, seria pouco provável que uma anti-aérea lá chegasse. Usou até, para efeito de comparação, um ataque a Lisboa que fosse defendido na Nazaré.

    Um dos especialistas em comunicação dizia, acrescentando ao porquê dos russos atacarem a Polónia, que eles precisavam de mostrar a sua força depois da perda de Kherson. O general da NATO, Isidro Morais Pereira, teorizava que este era o modo habitual de actuação das forças russas. A cada perda no terreno, retaliavam indiscriminadamente. Portanto, a Polónia era consequência da humilhação em Kherson.

    No fundo, todos culpavam os russos do ataque e procuravam uma justificação para o sucedido que encaixasse nesta narrativa.

    Por esta altura, já eu tinha localizado Przewodów no mapa, e mantinha a estupefacção por ninguém questionar o óbvio: qual a vantagem russa numa intervenção da NATO neste conflito? Pois… nenhuma. Então, porque atacariam os russos um território protegido pelo artigo quinto? Não parecia fazer qualquer sentido.

    Escrevi então, na noite de 15 de Novembro, o seguinte:

    ———“Enquanto ouço uma verdadeira constelação, pergunto-me, porque iriam os russos disparar mísseis para um território da NATO, no final de uma guerra que já tinham no bolso? (Segundo o amigo Joe)

    Parece algo estupidamente surreal e um gigante tiro no pé do Kremlin, que faria desta forma um enorme favor à Ucrânia – e um péssimo serviço ao resto da Europa.

    Ainda assim, sem dizerem muito, porque nada sabem nesta altura, os comentadores de serviço admitem apenas uma hipótese. Surprise, surprise.

    Há até alguma excitação. Pode estar aí finalmente a III GG”——–

    Era essencialmente o que me parecia ouvir. Um certo salivar com a possibilidade de um conflito global e muito pouca lógica no raciocínio.

    Escrevi no PÁGINA UM, no artigo anterior, o que me pareceu que tinha acontecido em Kherson, e por isso não me vou repetir. Mas admitindo essa tese, que Kherson foi uma moeda de troca para que os ucranianos se sentassem à mesa, já pressionados pelo acordo com os Estados Unidos, que vantagem teriam os russos nesta escalada?

    yellow and blue wooden fence

    As negociações de paz trariam certamente territórios para a Rússia. A entrada da NATO no conflito seria provavelmente a única forma da Ucrânia não perder partes do Donbass e a Crimeia. Portanto, a situação criada era totalmente desfavorável aos intentos dos russos. Não fazia sentido. Era totalmente contraproducente.

    Faço aqui uma pausa para explicar algo de que venho sendo criticado frequentemente. O facto de eu achar estranho um ataque russo num país da Aliança, não quer dizer que defenda a invasão de Putin, não quer dizer que eu queira que um regime destes tenha ganhos com esta guerra e muito menos quer dizer que eu menospreze mortos, venham de onde vierem.

    Nunca, jamais, em momento algum o meu lado será o do invasor, venha ele de Moscovo, Telavive ou Washington.

    Agora, não me parece é fazer muito sentido construir análises baseadas naquilo que gostaríamos que acontecesse. Há meses escrevi que as sanções económicas trariam problemas à Europa e que essa não seria a forma certa da União Europeia se posicionar. Ontem, no encontro do G20, um representante inglês disse que a culpa da inflação na Zona Euro era da Rússia. Afinal, em que ficamos?

    gray concrete statue of man

    Não eram as nossas sanções que iam destruir a Economia deles? Portanto, uma coisa é querer derrotar o invasor, o que em princípio todos queremos; outra coisa é concordar no caminho para lá chegar.

    Lamento muito que não tenhamos a capacidade de separar o ideal da realidade, mas, também por isso, é que os especialistas e jornalistas no terreno nos devem informar no melhor das suas capacidades. Se repetidamente a realidade desmente quem nos traz a informação, como é que podemos tomar como bons os canais de propaganda? Digo isto sem qualquer ironia porque eu quero acreditar no que ouço. Quero que as dúvidas que qualquer um de nós tem, em tempos difíceis, sejam debatidas sem clubites.

    Eu quero, em resumo, que alguém me explique por que razão o Kremlin lançaria mísseis sobre a Polónia, quando se preparava para meter territórios no bolso. E notem, eu não fico contente com a perda de território por parte da Ucrânia, mas era essa a mais do que provável realidade, logo, partindo dessa premissa…em que cabeça mais tresloucada do comando russo caberia um ataque à Polónia? Não fazia qualquer sentido. Zero.

    Mas as bases estavam lançadas e as sentenças estavam dadas. Menos de 12 horas depois, na madrugada de dia 16, já a Associated Press, a presidência norte-americana e mais não sei quantas fontes diziam que os mísseis que atingiram a Polónia eram ucranianos, provavelmente dos seus sistemas de defesa. Os tais da Nazaré…

    grayscale photo of concrete houses

    Como é que uma pessoa que espera e desespera pelo fim da guerra, que tem a vida afectada por isto, e que vê com alguma angústia o futuro, pode confiar num bando de falcões que se reúne, em horário nobre, para salivar por mais armas, dinheiro, pobreza ou intervenções da NATO? De que me serve acreditar em quem apela à paz, mas vive da guerra?

    A falta de credibilidade está mais do que comprovada, resta saber como é que vão agora disfarçar a incompetência.

    Uma noite, outra, para esquecer, em direto, na CNN Portuga… Também já não é notícia, não é?.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Perdão para esta vergonha? Não!

    Perdão para esta vergonha? Não!


    O inédito aconteceu: o recém-empossado ministro da Saúde, Manuel Pizarro, defendeu que a mortalidade excessiva nos últimos tempos se deveu a “fenómenos climáticos extremos”! Não sei se deva rir; ou então, simplesmente, eles julgam-nos idiotas, zombando sem qualquer pudor ou vergonha.

    Se o leitor ainda julga que nos últimos dois anos e meio esta gente esteve preocupada com a nossa saúde, seguramente acredita na Fadinha dos Dentes, no Coelhinho da Páscoa ou no Pai Natal. Afinal, dizem eles, sem rirem, a mortalidade excessiva em 2022 é o resultado de “alterações climáticas”!  

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Tal como no romance 1984, de George Orwell – onde o protagonista Winston Smith, membro do Partido Externo, trabalhava para o Ministério da Verdade como responsável pela propaganda e o revisionismo histórico a favor do partido –, a nossa imprensa portuguesa reescreve a todo custo o que se passou desde Março de 2020.

    Lá fora, a coisa ainda é pior; até surgem artigos de opinião a carpir uma amnistia pandémica, esquecendo-se que tal acto implica, em primeiro lugar, o reconhecimento da mentira, de revelarem o que efectivamente se passou, seguido de um acto de genuína contrição. Mas não! Continuam a ocultar dois anos de abuso, de negligência, de assédio, de discriminação, de ataque constante aos nossos corpos. Eles querem agora lavar tudo isto da memória colectiva!

    Às vezes, as palavras são repetidas como um disco rachado, talvez porque nunca podem ser repetidas o suficiente: temos as piores pessoas em posições de poder para qualquer lugar que olhemos. Encontram-se em toda a parte, coadjuvadas por uma imprensa obnóxia, corrompida e totalmente capturada pelo poder.

    grayscale photo of woman doing silent hand sign

    A falta de auto-consciência, a ausência de consciência social, a ignorância histórica, e a iliteracia científica e falta absoluta de humildade são apenas alguns dos pré-requisitos para qualquer possidónio subir as escadas do poder. Não há nada que esta casta não faça por um elevado salário, por uma promessa de uma pensão, de uma prebenda, de um emprego para um amigo, de uma sinecura para um familiar; o importante é o sentimento quente e difuso de pertencer a um culto de ignorantes.

    O perdão é uma virtude poderosa. Quando a contrição sincera é expressa nos termos exactos do que deve ser perdoado, ela deve sempre ser considerada e exercida. Excepto que há algumas coisas neste mundo que são completamente imperdoáveis.

    Provavelmente, poderíamos encabeçar, nessa lista de coisas imperdoáveis, ​​muito dos eventos dos últimos dois anos.

    Os idosos abandonados em lares, deixados à sua sorte, sem uma visita dos familiares meses a fio, carregando a toda a hora uma fralda facial, afastados de qualquer contacto humano, à espera da morte, sem qualquer afecto ou atenção, inoculados sem o seu consentimento ou sem consciência ao que se sujeitavam, à espera que a loucura os matasse. Foi assim que os deixámos. Ainda hoje estão por aí, algures num lar inóspito, à espera da visita do Criador, ou do Diabo.

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    E o que dizer da destruição dos pequenos negócios, impedidos de abrir durante meses, de proporcionar um ganha-pão, carregados de dívidas, até à inevitável falência dos seus donos, ajudando a engrossar o exército de dependentes do Papá Estado. Ao mesmo tempo, os grandes accionistas das grandes multinacionais, alimentados pela impressora do Banco Central, beneficiaram de uma transferência de riqueza a seu favor sem paralelo na História da Humanidade.

    As nossas crianças impedidas de ir à escola, meses seguidos, fechadas em casa, e apenas as mais privilegiadas passavam algumas horas à frente de um computador a fingir que aprendiam. As demais nem tinham Internet nem tão pouco computador em casa; estiveram fechadas em casa sozinhas, enquanto os seus pais garantiam a limpeza dos escritórios, o funcionamento das fábricas, a entrega das refeições, precisamente àqueles que se exibiam, orgulhosamente, nas redes sociais, esses lemas infames de bom cidadão: “Fique em casa!” e “Vai ficar tudo bem!”.

    O atropelo dos mais elementares direitos humanos, como o direito à liberdade ou à livre circulação. Confinamentos e prisões domiciliárias ilegais, ao arrepio das regras mais elementares do Estado de Direito. A imposição da fralda facial sem qualquer base científica, com um único propósito: despersonalizar, humilhar; uma espécie de símbolo de servidão, de aceitação da tirania.

    grayscale photo of girl holding her chin

    A mais vil: a gigantesca experimentação nos nossos corpos, através da ameaça, da chantagem, da segregação, da intimidação, da humilhação. Tudo serviu, até a emissão de um certificado nazi, assente na mais despudorada mentira – que evitava a transmissão. Quem não se sujeitou, arriscou-se a perder o emprego, a ser ostracizado, a deixar de ter vida social. Tinha tudo de se submeter a uma inoculação indesejada no seu corpo, decretada por tiranos, por psicopatas.

    Quem prestou atenção ou sofreu com esses crimes sabe exactamente como eles são imperdoáveis.

    Amnistia?! Depois de terem declarado guerra à Humanidade? Só um louco ou completo imbecil aceitaria tal desfaçatez ou alguém absolutamente corrompido pelo sistema.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.

  • A emboscada em Kherson… já aconteceu?

    A emboscada em Kherson… já aconteceu?


    Esta semana atingimos o pico da contra-informacão na Guerra da Ucrânia, e a minha expectativa era perceber de que forma os entusiastas, das bombas pela paz, iam justificar o que se passava em Kherson.

    Como não percebo nada de estratégia militar – algo que, em princípio, faria de mim um excelente comentador para a Sic Notícias –, limito-me a ouvir as explicações de quem, em teoria, sabe. E depois começo a tentar ligar os pontos, evitando “aprender História no Rambo III” – esta frase não é minha, por isso vai em aspas, mas não me canso de a usar.

    blue and yellow striped country flag

    Durante sete dias ouvi várias análises à retirada dos russos de Kherson e a sua passagem para a margem esquerda do Dnipro. A tese mais repetida era que tudo acabaria numa emboscada das forças russas aos combatentes ucranianos. Não sei se se lembram dos diretos, com os correspondentes no local, a afirmarem que soldados russos entravam em lojas de roupa e saíam de lá vestidos à civil, continuando a andar pelas ruas incógnitos, mas armados.

    A primeira coisa que pensei foi que, ao contrário das anteriores retiradas, feitas à pressa e com tudo destruído, desta vez os russos saíam tranquilamente, com horário marcado e transmissão em directo para o Mundo. Em simultâneo, os ucranianos, que estavam ali a poucos quilómetros, vendo algumas das tropas de elite da Rússia a abandonarem as posições, não dispararam um único tiro. Para quem não percebe nada disto, como assumidamente é o meu caso, parecia jogo combinado.

    Putin e o seu ministro da Defesa falavam, na televisão russa, sobre a retirada e os benefícios de colocarem as linhas de defesa na outra margem do rio, beneficiando da barreira natural. Se não havia dúvida quanto à encenação, a minha curiosidade era perceber a quem se destinava a mensagem.

    Zelensky mantinha o discurso desconfiado, e dizia que não só não acreditava na retirada pacífica como afirmava que os russos estavam a deixar para trás milhares de minas terrestres.

    Os habituais representantes da NATO nas nossas televisões insistiam na história da emboscada e algumas vozes, poucas, diziam que toda esta narrativa era falsa, que “retiradas não se anunciam”.

    Depois das eleições norte-americanas corre a notícia que Joe Biden terá puxado a ficha que mantinha a guerra ligada e que terá chegado a acordo com a Rússia. É por esta altura que se reafirma que, mesmo sem telefone vermelho, Washington e Moscovo nunca deixaram de falar.

    Aqui já começo a ouvir alguma coisa que parece fazer sentido.

    Desde que os norte-americanos assumiram, há uns meses, numa visita do seu secretário da defesa aos Bálticos, que procuravam desgastar os russos nesta guerra, que se tornou claro que seriam eles a determinar o seu fim. A posição mais conservadora dos republicanos sobre o fim do apoio militar, e financeiro à Ucrânia e o resultado das eleições intercalares, obrigaram Joe Biden a tomar uma posição.

    Poucos dias depois das eleições, numa conferência na Casa Branca, um porta-voz do governo disse que cada lado nesta contenda já teria perdido cerca de 100 000 vidas e era altura de se falar em paz.

    Reparem que, durante meses, o Ocidente declarava rios de mortos russos e quase nenhuma baixa ucraniana. De repente, temos um empate técnico e todos dizemos que sim. Que serve.

    Kherson é libertada sem combates e a população pró-ucraniana enche a cidade. Zelensky vai até lá, à tal cidade cheia de minas e russos disfarçados, e passeia sem qualquer problema.

    O Kremlin dá uma desculpa esfarrapada, que pretende poupar a vida dos seus soldados e por isso retira. Todos percebemos que o Kremlin nunca quis saber de soldados seus e provavelmente está a oferecer uma vitória ao Zelensky, a troco do que se seguirá. Curioso é que da primeira vez em que o regime de Putin está a mentir sem sequer disfarçar, Rogeiro e Milhazes afirmam que essa mentira é apenas para esconder a incapacidade de segurarem a cidade. Ou seja, para eles, Kherson foi mesmo uma vitória militar e a retirada a única hipótese possível dado o cerco ucraniano.

    Ninguém se parece lembrar que, nesta guerra, os russos continuam em maioria de efectivos e armamento, mas aceitamos como normal que as tropas de elite fujam com medo. Ou que Putin, um sanguinário, perca a única capital que tinha na mão desde o início, sem espernear muito.

    Zelensky que passou a semana da retirada a dizer que nem um centímetro a Ucrânia cederá, chega a Kherson de sorriso amarelo e anuncia o início do fim da guerra. Mas como assim? Que condições tem hoje Zelensky para se sentar a uma mesa com o invasor, que continua a ocupar terrenos no Donbass e na Crimeia, que não tinha na semana passada?

    Tem ele a grande vitória em Kherson: anunciada, televisionada e consentida. É essa a porta de saída para esta guerra. Os russos desistem da ligação a Odessa e àquele território no meio da Moldávia que ninguém sabe onde fica (Tiraspol – Transnístria) e “congelam” o mapa mais ou menos onde estão acampados neste momento.

    Por essa razão é que, provavelmente, enquanto fugiam para “poupar vidas” em Kherson, gastavam uns quantos esqueletos mais a norte, conquistando territórios na zona de Donetsk. O objectivo estará traçado e parece ser uma ligação do Donbass à Crimeia, pela margem esquerda do Dnipro.

    O discurso de Zelensky, antes e depois de chegar a Kherson, explicam, só por si, a quantidade de propaganda misturada com informação que andamos a receber estes meses todos. Que a guerra caminha para o fim, parece agora óbvio, até porque os seus comandantes assim o dizem – Estados Unidos e Rússia – e os executantes não podem mais do que obedecer. Que ninguém pode sair daqui derrotado também julgo ser consensual, e aí Kherson terá um papel importante.

    Resta-me perceber como é que se vão anunciar perdas de território como vitórias, e se tanto Zelensky como Putin sobreviverão politicamente ao desfecho desta guerra. Ou como diz o meu filho, na tese que me apresentou, pode ser que o Zelensky desobedeça ao Joe e siga a luta por conta própria. Seria nobre, respondi-lhe, mas suicida.

    Funcionou só uma vez, eu sei: mas era o Stallone que empunhava a metralhadora.    

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Primeiro mandamento da decência: não invocarás as alterações climáticas em vão!

    Primeiro mandamento da decência: não invocarás as alterações climáticas em vão!


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, veio esta tarde – e usando, como já é habitual no Governo, os “pés de microfone” da agência Lusa, o Pravda lusitano, que depois trata de viralizar na imprensa mainstream –, declarar que os fenómenos climáticos extremos tiveram “um profundo efeito” nas causas de doença e de mortes dos portugueses e pediu urgência no combate às alterações climáticas.

    E adiantou ainda não querer “antecipar o estudo que está a ser feito, designadamente sobre as diferenças de mortalidade dos últimos anos, mas parece óbvio, numa avaliação preliminar, que para além do impacto terrível da pandemia – e esse impacto da pandemia não está desligado das mudanças climáticas – há também nas causas de doença e de morte dos portugueses um profundo efeito dos fenómenos climáticos extremos”.

    brown and green grass field near body of water under cloudy sky during daytime

    Não sei se os estremeções que estas declarações me causam se devem especificamente às declarações do ministro da Saúde ou se ao deplorável trabalho do jornalista da Lusa que escreveu isto – e que em boa hora se mostra anónimo –, do editor da Lusa – que fez seguir para a imprensa mainstream um textículo digno de uma agência de comunicação, e não de uma agência noticiosa – e dos directores da Lusa – que, em suma, estão a “assassinar” a dignidade de uma profissão.

    Mas deixemos a imprensa mainstream aniquilar-se, e foquemo-nos nas declarações do ministro.

    As alterações climáticas – tenho assumido desde os anos 90, como homem da Ciência e como jornalista, e até como antigo dirigente ambientalista – são uma realidade que, independentemente da causa (antropogénica e/ ou outras), coloca e colocará problemas e desafios diferenciados, e mais ou menos graves, nos diferentes territórios do Mundo. É, contudo, um problema sobretudo político – e de políticas – e diplomático – esqueçam qualquer medida de fundo se não tiver a anuência da China e da Índia.

    Porém, sendo um problema – e permitam-se que não queira agora debater se a estratégia política de combate às alterações climáticas visa retirar direitos aos cidadãos –, jamais pode ser uma desculpa política; uma forma cruel de passa-culpas para um ente invisível e sobrehumano, quando as responsabilidade pela actual situação é inteiramente dos políticos.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Aliás, jamais pode ser aceitável que Manuel Pizarro queira adiantar já, para uma acrítica comunicação social, que o excesso de mortalidade ao longo dos últimos três anos – e sobretudo de 2022, já com a covid-19 endémica e a população supostamente vulnerável com sucessivos boosters – seja do tempo quente. Esfarrapadas desculpas. Como se a sucessão de meses infindáveis de mortalidade excessiva dos maiores de 85 anos, tanto no Inverno, como na Primavera, como no Verão, como no Outono, pudesse assim ser tão simplesmente explicada pelas alterações climáticas.

    Terão sido as alterações climáticas a matarem a mais de cerca de uma centena de jovens em 30 meses, conforme revelou hoje o PÁGINA UM?

    Terão sido as alterações climáticas a fazerem com que este Governo alimente uma postura de obscurantismo, recusando divulgar qualquer tipo de informação fidedigna?

    Na verdade, querer antecipar conclusões sobre o excesso evidente de mortalidade, empurrando as culpas já para alterações climáticas, é inqualificável.

    E inqualificável porque faz parte de uma estratégia do Governo para ocultar e a manipular a verdade. Nada mais. Não há esforço para mais do que salvar o coiro. Esconder a verdade, esconder a verdade e esconder a verdade: eis a tríade de objectivos do Governo sobre o excesso de mortalidade.

    black and gray cement tombs

    Ainda ontem, assisti a mais um lamentável episódio da Administração Pública na canina defesa de um Governo que anda há três anos (pelo menos) a manipular os portugueses, no decurso do processo de intimação que corre no Tribunal Administrativo, onde está em causa o acesso à base de dados nacional do Grupo de Diagnósticos Homogéneas, que constitui um sistema de classificação de doentes internados em hospitais. O acesso a esta base de dados pelo PÁGINA UM – a par dos dados em bruto do Sistema de Certificação dos Certificados de Óbito (SICO) – mostra-se fundamental para uma avaliação independente – que não atire as culpas para as alterações climáticas –, uma vez que permitirá estabelecer comparações fiáveis entre doenças em função da idade e outras variáveis ao longo dos anos.

    Ora, saber isto publicamente causa um temor enorme à Administração Central do Sistema de Saúde – presidido por Vítor Herdeiro, amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido, e que fez “sumir” durante meses outra comprometedora base de dados (morbilidade e mortalidade). E, portanto, vale tudo na argumentação junto do Tribunal Administrativo. Desde Agosto tem sido um festival de mentira e de desavergonha.

    Em causa, na verdade, está apenas saber se a base de dados possui dados nominativos, isto, é se se encontram listados os nomes dos doentes que permita saber, por exemplo, que a D. Gertrudes da Anunciação Perpétua esteve internada no hospital de Guimarães com uma perna partida. Ora, qualquer base de dados moderna permite, com o simples carregar de umas teclas, seleccionar variáveis e suprimir campos, de sorte que o ficheiro de Excel sai limpinho sem qualquer nome mas apenas com códigos em sua substituição.

    Victor Herdeiro, presidente da ACSS, segundo a contar da direita, na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. Herdeiro foi companheiro da ex-ministra da Saúde, Marta Temido, durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

    Porém, começou a ACSS – através de uma sociedade de advogados especializada sobretudo em ganhar contratos por ajuste directo em instituições ligadas ao Ministério da Saúde, como hospitais – a procurar convencer o Tribunal Administrativo da impossibilidade de expurgar dados nominativos, que isso nunca foi feito.

    Atente-se no requerimento da ACSS em 10 de Outubro passado: “(…) Note-se que a natureza dos documentos em causa, documentos nominativos, no quadro de impossibilidade da respetiva anonimização, determina, em face da LADA, que o acesso aos mesmos por terceiro apenas seja admissível nos casos em que se verifiquem os requisitos previstos no artigo 6.°, n.° 5, da LADA, ou seja, a apresentação de autorização escrita do titular dos dados que seja explícita e específica quanto à sua finalidade e quanto ao tipo de dados a que quer aceder ou a demonstração fundamentada da titularidade de um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação. Tais requisitos não se encontram, porém, verificados no presente caso.”

    Como o PÁGINA UM contra-argumentou dizendo, em síntese, que a ACSS estava a mentir – a anonimização, na verdade, não só é possível como até prevista em duas delegações de competências, em 2019 (Deliberação nº 673/2019) em 2021 (Deliberação nº 835/20921) – veio então a mais despudorada tentativa de atirar areia aos olhos da juíza e da nossa inteligência colectiva.

    Extracto do requerimento da ACSS, através da BAS Sociedade de Advogados, entregue ontem no Tribunal Administrativo.

    Apanhada em falso, veio a ACSS ontem, portanto, dizer isto: “(…) importa reiterar que, relativamente à Base de Dados de GDH, o expurgo dos dados pessoais da mesma, para que o Requerente pudesse ter acesso à mesma, implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado que ultrapassa a simples manipulação da mesma”, adiantando depois que isso “não implica que não haja situações em que se tenha de efetuar as operações referidas nos dois pontos anteriores, i.e., adaptar toda a base de dados de forma a expurgar os dados nominativos; porém, em função da grande afetação de recursos que tal operação acarretaria, essas situações têm de ser devidamente ponderadas e o seu benefício ser pelo menos proporcional ao seu elevado custo global.”

    Não dizendo sequer qual o “elevado custo global” – nem que seja ao nível de luvas de nitrilo vendidas, por exemplo, por uma oficina de escapes por ajuste directo ao hospital que foi gerido pelo actual director executivo do novel Serviço Nacional de Saúde –, a ACSS ainda teve a desfaçatez de afirmar que “o benefício de acesso à base de dados de GDH com expurgo de dados nominativos [deve ser] pelo menos proporcional ao elevado custo da operação de expurgo dos referidos dados”, pelo que, “não obstante a elevada consideração da ACSS pelo Requerente [director do PÁGINA UM] e pela sua profissão [jornalista]” não se justifica a “elevada afetação de recursos [para] efetuar as operações necessárias” para a tal anonimização.

    E é assim que as coisas se fazem (ainda) na Administração Pública. Com esta desfaçatez.

    Para salvar o coiro dos políticos.

    Para que os políticos continuem a meter um manto negro sobre os problemas.

    Para que os políticos continuem a manipular os portugueses com a conivência da imprensa “amigável” que não dignifica o jornalismo.

    Para que os políticos, como Manuel Pizarro, possam invocar as alterações climáticas como desculpa para omissões, negligências e crimes.

    Tudo em vão. Tudo (ainda) sem castigo.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 14 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares, uma das quais já ganha. Até ao momento foram angariados 12.222 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

    Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico da Administração Central do Sistema de Saúde ficará disponível nos próximos dias.

  • Um troféu chamado Isaltino 

    Um troféu chamado Isaltino 


    Portugal é um país estranho.

    Lamentamos o atraso de décadas em relação aos nossos vizinhos europeus, criticamos a falta de arrojo dos nossos governantes, desesperamos com a baixa produtividade das nossas empresas, arrasamos a gestão dos patrões, rebaixamos os preguiçosos dos trabalhadores, mas, sobretudo, trucidamos aqueles que se conseguem distinguir pela excelência.

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    Podemos perdoar, sempre com um ar de superioridade ofendida, aos que falham por incompetência ou inércia, mas jamais a quem se distingue por obras meritórias.

    Somos um país de medíocres invejosos.

    Nada nos causa mais raiva, ódio, vontade de destruir a todo o custo do que o êxito de alguém.

    E quanto mais próximo de nós, maior a vontade de denegrir, caluniar, enxovalhar.

    Podemos ter um Ronaldo a bater todos os recordes do mundo que encontraremos sempre um qualquer jogador que lhe é muito superior, “na nossa óptica”!

    A um dos nossos pode ser atribuído o Prémio Nobel da Literatura que logo descobriremos dezenas de escritores “muito superiores”, e que sabem usar a pontuação, embora nunca tenhamos lido um único livro quer do premiado quer dos “nossos favoritos”.

    Se um conhecido consegue enriquecer, é certo e sabido que só o conseguiu por se dedicar a negócios ilícitos.

    Se um amigo é promovido, tal só se pode dever a cunhas ou por ser um “lambe-botas”.

    Daí que, se pedirmos nomes de portugueses com sucesso, dificilmente se encontrará algum a exercer a sua actividade em Portugal.

    Os exemplos acima, de Cristiano Ronaldo e José Saramago, são prova disso mesmo.

    O primeiro porque em Portugal não havia quem o respeitasse como ele merece e o segundo por estar farto dos Laras das nossas vidas.

    Mas podíamos citar dezenas e dezenas de grandes figuras portuguesas que se viram forçadas a deixar um país que adoram para não terem de suportar a maledicência dos seus compatriotas.

    Vieira da Silva e Paula Rego foram pintar para Paris e Londres; Maria João Pires seguiu-lhe as pisadas para encantar meio mundo com a sua arte; António Damásio pôs a sua inteligência ao serviço dos americanos; Felipe Oliveira Baptista, um ilustre desconhecido em Portugal, foi nomeado director artístico da Lacoste; Carlos Tavares é uma das mais influentes personalidades da indústria automóvel (CEO da PSA, a detentora da Peugeot e da Citroën); António Horta Osório é, de acordo com o Financial Times, o nono banqueiro mais bem pago do mundo, em Inglaterra e Suíça, com uma remuneração anual de 12,9 milhões de dólares.

    Os exemplos podiam suceder-se por várias páginas.

    O que têm, então, em comum, os melhores de nós?

    Optaram por emigrar.

    O que ganharam com isso?

    Para além de dinheiro, reconhecimento e admiração.

    Tivessem ficado em Portugal e seriam alvo de todas as perseguições, ódios e invejas por parte de uma multidão de avarentos insignificantes.

    A perseguição ignóbil de que tem sido alvo Isaltino Morais é disso o exemplo máximo.

    Político reconhecido, a nível nacional e internacional, como um visionário que transformou uma zona que servia de dormitório de Lisboa no principal concelho do país, em várias vertentes, é alvo de constantes ataques desprezíveis, soezes e abjectos por parte de quem quer ficar conhecido por o derrubar.

    O facto de saberem que a população do concelho, que ele lidera, o venera, como provam os resultados eleitorais, com maiorias absolutas sucessivas e cada vez maiores, não conta, para os que pretendem, como objectivo na vida, destruir, incapazes que são de criar seja o que for nas suas vidinhas sumíticas e infelizes.

    É impressionante o número de “corajosos anónimos”, brilhantes investigadores, estudiosos magistrados, minorcas comentadores, aprendizes de políticos, candidatos a canonizações, porque acima de qualquer suspeita (até lhes sair um esqueleto do armário), buscam, rebuscam, revistam, mexem e remexem em documentos, computadores, telefones, à procura de uma prova que lhes permita pôr em causa uma obra exemplar.

    Ao passarem por Oeiras nem têm tempo para reparar que, onde antes havia barracas e lixo, casas sem saneamento básico ou electricidade, está hoje o Tagus Park, o Jardim dos Poetas, bairros esplêndidos, escolas, postos médicos.

    Tudo obra de um pequeno grupo de gente profissional e empenhada, que ama a sua terra e tem sido liderada por um Homem superior.

    Para os seus concidadãos, Isaltino Morais é um património único.

    Para os invejosos, é um troféu que querem conseguir, a qualquer custo, para serem recompensados com trinta moedas de alguns tiranos.

    Pobres falhados!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.