Categoria: Opinião

  • Da China ao Catar: dois mundos iguais, com dois olhares escandalosamente diferentes

    Da China ao Catar: dois mundos iguais, com dois olhares escandalosamente diferentes


    De repente, dois regimes opressores, em duas geografias distintas, por dois motivos diferentes, estão debaixo dos holofotes, no centro das notícias a nível mundial: China e Catar.

    No Catar, no meio dos debates tardios sobre os direitos humanos e a exploração de emigrantes. testemunhamos em directo estádios cheios de milhares de pessoas, festas e celebrações.

    Na China, vemos na TV e em vídeos na Internet, pessoas a serem perseguidas e detidas, por polícias vestidos com fatos anti-contaminação, porque o Governo totalitário diz que “o recorde” de 30 mil casos positivos diários ao SARS-CoV-2, numa população de quase 1,5 mil milhões de pessoas, justifica encerrar e condenar à fome e à miséria toda uma população. Mesmo que, em alguns casos, haja pessoas que morram até por incêndios, porque não conseguem escapar das chamas por as casas estarem bloqueadas.

    two person holding papercut heart

    O Mundo assiste assim, em directo e, em simultâneo, aos acontecimentos que se desenrolam nestas duas ditaduras. Dois países que parece estarem em planetas diferentes. E, ainda assim, o Tico e o Teco não se encontram e não despertam as mentes de alguns no Ocidente, incluindo jornalistas e comentadores nos media?

    Perante a trágica e irracional política seguida na China, olhando em simultâneo para o Catar em festa, nem mesmo assim alguns jornalistas e políticos admitem aquilo que é urgente admitir por ser tão óbvio: o que o regime chinês está a fazer à sua população é um crime de gigantescas proporções, que nada tem de estratégia de saúde pública.

    E até se compreende esta atitude de muitos no Ocidente. Há jornalistas e políticos que se assumem hoje, de forma mais ou menos discreta, como porta-vozes do regime totalitário chinês. O modelo tirânico de controlo e submissão a que os cidadãos chineses são forçados a viver, passou a ser apelativo a muitos interesses no Ocidente, ainda livre, onde as liberdades de imprensa e de expressão existem, mas que não param de ser ameaçadas. É só ver a política de censura e perseguição a que assistimos desde 2020 e a supressão da Ciência que não validava as teses “oficiais” dogmáticas, muitas das quais se mostraram ser erradas. E muitos políticos e jornalistas as apoiaram, as incentivaram.

    No Estádio de Lusail, onde a selecção portuguesa venceu o Uruguai, estava uma plateia de quase 90 mil adeptos. (Foto: FPF)

    No caso da China, assistimos nos últimos dias a uma onda de protestos corajosos contra o regime opressor, que continua a impor, em 2022, uma política insana e tirânica usando como desculpa a covid-19. O regime totalitário tem mantido detidas em casa centenas de milhões de pessoas, em condições desumanas, mas parece até merecer uma certa condescendência dos media ocidentais porque, aparentemente, o Governo chinês até está a fazer aquilo que muitos políticos e jornalistas gostariam que, no fundo, se tivesse feito nos países europeus ou norte-americanos durante a pandemia.

    Do outro lado, no Catar, assistimos a estádios cheios de gente, a imagens de glamour e festa – num país igualmente intolerante e cruel. No que toca à covid-19, as condições de entrada no país são iguais para todos, tenham ou não tomado a vacina contra a doença, não sendo necessário apresentar teste negativo. Até porque as vacinas contra a covid-19 não impedem o contágio nem a infecção.

    Também os media estão no centro das atenções, pela forma como estão a cobrir os protestos na China, muitos aparecendo como porta-vozes do regime chinês, a defender a política irracional de “zero covid”.  

    red flag
    As políticas “de saúde” impostas pelo regime totalitário na China desde 2020, apesar de muitas delas não terem base científica e desrespeitarem os direitos humanos e civis, têm sido elogiadas por políticos, jornais, responsáveis de autoridades de saúde e comentadores nos media nos países democráticos ocidentais, que caminham cada vez mais para ditaduras.

    Indo por partes. Uma política de “zero covid” é, em primeiro lugar, completamente impossível, insustentável e insana, sobretudo depois do surgimento da variante Ómicron, mais contagiosa, mas muito menos letal do que as anteriores variantes. Jamais se poderá reduzir a “zero” a presença do SARS-CoV-2 depois da Ómicron. Como disse o epidemiologista Michael Osterholm, diretor do Center for Infectious Disease Research and Policy, da Universidade do Minnesota, nos Estados Unidos: “tentar parar a Ómicron é como tentar parar o vento”.

    Mas, o que ressalta à vista, e deveria ser o destaque em toda a imprensa, é o completo falhanço da China na “gestão” sanitária e social da pandemia de covid-19. Os casos positivos somam-se, apesar das medidas completamente absurdas e tirânicas adoptadas no país liderado por um Governo autoritário e opressor.

    Ao contrário, a Suécia, onde, sem confinamentos, nem máscaras faciais, em geral, temos o caso de maior sucesso na gestão da pandemia no médio e longo prazo. (Aliás, os países europeus apresentam em 2022 um nível extremamente elevado de mortes em excesso – sem explicação e sem vontade de se investigar, curiosamente – enquanto na Suécia, a mesma situação não se verifica.)

    Os confinamentos foram e são uma medida errada. O objetivo “zero covid” é insano, em termos médicos, científicos e económicos. Por isso, é com surpresa que se continuam a ver notícias em alguns media tradicionais (ou mainstream) sobre o que se passa na China. Estão completamente desfasadas da realidade. A falta de contexto em algumas notícias é gritante.

    Mas, mais do que isso, surpreende que alguns media mainstream continuem a defender a estratégia da China na luta contra a covid-19. Ignoram, para isso, não só os factos, os dados e os estudos científicos robustos disponíveis, como se esquecem de algo crucial: a China é uma ditadura. Assim, a informação dita oficial é suspeita, dada a propaganda generalizada e o gigantesco controlo de informação.

    Vejamos, por exemplo, os supostos “casos recorde” na China destacados por jornais como o Público: estamos a falar de 30 mil casos em média, por dia, numa população de 1,44 mil milhões de pessoas. Isto, quando 90% da população chinesa mais de metade da população chinesa está supostamente vacinada contra a covid-19, uma percentagem que sobe no caso das principais cidades do país.

    Registo actual da percentagem de vacinação contra a covid-19. Fonte: Google.

    Vale a pena recordar mais uma vez, e mesmo que se possa parecer repetitivo, que a maioria dos media mainstream continua a ocultar ao seu público: a taxa de letalidade da covid-19. Um artigo científico divulgado no mês passado, onde se destaca como autor John Ioannidis, o epidemiologista mais citado do Mundo, estimou, que a taxa de mortalidade por infecção de covid-19 antes de haver vacinação e do aparecimento da Ómicron foi de 0,095% para os menores de 70 anos, sendo irrelevante nos grupos etários mais jovens. E apontou também que a taxa de letalidade global se situava entre 0,03% e 0,07%.

    Isto são factos. E os jornalistas lidam com factos, não com ilusões, ideologias e lavagens cerebrais da propaganda chinesa ou das farmacêuticas. E muito menos com “consensos sociais“, ao contrário do que é defendido pelo director do Público.

    Por tudo isto, os jornais e os jornalistas deveriam sobretudo reflectir sobre como podem “conviver” com um regime opressor que aprisiona a sua população para reforçar o poder reforçado – e “embrulha” isto como se de uma simples estratégia de saúde pública se tratasse – ao mesmo tempo que assistem a jogos de futebol, noutro Estado autoritário, em estádios lotados.

    man in white robe standing near statue during daytime

    Antigos bastiões da defesa da democracia e da liberdade de imprensa e de expressão, vejo hoje os media, em geral, transformados em porta-vozes de ditadores ou aspirantes a ditadores, enviesando as suas análises, manipulando, omitindo e não dando verdadeira informação, corajosa e independente.

    Por isso, hoje, mais do que desejar a vitória da seleção portuguesa no Catar, desejo a vitória sobre a ditadura por parte do povo chinês, com o qual me solidarizo. Desejo a vitória das minorias e dos que sofrem de perseguição e discriminação no Catar, na China e em outro qualquer país. E desejo que haja uma revolução no jornalismo e que os media voltem a ser aquilo que deveriam ser hoje: uma luz para a liberdade.

  • Eu não conto histórias, eu ouço

    Eu não conto histórias, eu ouço


    E pergunto-me porquê, em silêncio (e por vezes falo alto, mantenho a criança viva, não resisto a esse prazer, de atirar pedras ao charco).

    É como mergulhar na água. Fundo. A sensação de asfixia. A privação de oxigénio no cérebro que se governa no mínimo, confuso pelo som denso que se abate nos tímpanos e aperta com força, luz estranha e fria que entra nos olhos, ar líquido que jorra nariz acima.

    Que difícil que é pensar, que difícil que é saber. Quanto mais proclamar.

    (Quem proclama são os psicopatas.)

    Procurar as histórias exige caminho e é penoso. Exige mergulhos. Mas o mais difícil não é isso. O mais difícil é mantermos o papel de observador intensamente. O mais difícil é ter uma opinião e ter o seu contrário também.

    (Podemos ser ambos.)

    Certamente que Adolf Hitler era um carinhoso dono para seus cães. (Preferem a menção da sua namorada ou dos seus animais domésticos?) Aliás, até era vegetariano. Mas ninguém quer ver a humanidade do monstro ou do psicopata, até porque mergulhando e gerindo o cérebro nos mínimos com os sentidos confusos pela agressão, é importante engavetar e priorizar.

    (São sempre patriotas os psicopatas?)

    E vende-se a ideia de que boa que é a pátria. Esse “grande substantivo abstracto” como li o António dizer (o Lobo Antunes). Que medo mete a pátria, que a qualquer momento timonada por psicopatas nos manda para a guerra e para a fome. (Golo!)

    Festejemos as poucas alegrias que nos pode dar a bandeira, que a “bucha é dura, mais dura é a razão que a sustém” (como disse o Torga, e depois o Zeca também).

    O pai dá e o pai tira.

    Certamente que urge salvar o planeta. Desde sempre. Que maçada a nossa existência e acima de tudo a existência dos outros. E acima de tudo a diferença. E a indiferença também. Que confronto, que agressão aos sentidos (e o cérebro a ficar sem ar).

    O ar já esteve tão sujo que, ainda mais com a fome, as pessoas tinham síncopes no meio da rua (foi há pouco tempo). Andavam descalças (e era proibido) mas afinal se pelo menos não estiver frio na verdade isso até faz bem à coluna (ai, as ironias dos paradigmas). Agora está o ar mais limpo, mas não chega, e continuam as crianças a colarem-se às paredes com palavras de ordem.

    Constrói, destrói, constrói de novo. O papel do arquitecto é conduzir a água para fora, porque entrar, ela vai entrar sempre.

    (Tenho pensamentos que se intrometem enquanto tento rever as histórias que ouvi.)

    person holding burger bun with vegetables and meat

    Um homem de ar macilento e pescoço esguio explica-me que a sua qualidade de vida aumentou e a sua saúde melhorou desde que se tornou vegan. Fico feliz por ele.

    Outro homem com ar robusto e pele curtida do sol troça dele e, enquanto leva o guisado à boca, explica que vegetal não puxa carroça. Rio-me. De facto não consigo imaginar que puxe. Imagino até que por entre a honra de respeitar cada animal ao ponto de não o matar não seja fácil conciliar isso com as necessidades do corpo, embora evidentemente seja possível.

    Conciliar o transcendente com o terreno não é fácil (e o cérebro sem ar debaixo de água), é um exercício de uma vida inteira (para alguns nem é para uma vida só), mas é, acima de tudo, o caminho de cada um.

    (O individualista ou o colectivista.)

    toddler's standing in front of beige concrete stair

    O individualista defende de pedra e cal a sua liberdade, a sua livre iniciativa, a sua independência e autonomia (a pedra ergue, a cal queima). A democracia parece ser o sistema perfeito para conciliar e proteger o individualismo (será? Ou não tivemos uma ideia melhor até agora?)

    O colectivista defende o bem comum, o enxame, o formigueiro, a estrutura massiva e maciça a progredir num só corpo, numa só mente, ninguém fica para trás (tirando os danos colaterais, isso acontece, é a vida, não é?)

    Pelos vistos, os malvados individualistas querem continuar a comer guisado com vacas poluidoras em flatulência excessiva, das quais temos muita pena do sofrimento e morte delas mas, ao mesmo tempo, mais vale elas não serem tantas porque… O planeta é finito. (E alguém disse que éramos oito mil milhões na última contagem de cabeças de gado! Melhor explicar aos miúdos que se colem às paredes e que não tenham filhos!)

    Pelos vistos também, os malvados colectivistas querem obrigar-nos a todos a comer alface e farinha de larvas, mas é pelo bem do planeta, e porque coitadinhos dos animais. E a acção de cada um importa! (Curioso, parecem um individualista neste ponto…)

    brown grasshopper on persons hand

    E como disse o Herman neste momento “eu, é mais bolos.”

    A mãe cria e a mãe morre.

    Eu quero saber porque é que se está a morrer mais no mundo. Agradecia que permitissem cavar essa verdade em vez de cavar o buraco entre especulações. Eu não quero contar histórias, quero ouvir.

    Alguém informe por favor os Tribunais e todos os Jornalistas, que nós os comuns não queremos ideologias, só gostávamos que, para variar, por entre a dureza da bucha, nos dissessem a verdade.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Marcelo é lelé da cuca

    Marcelo é lelé da cuca


    Em 5 de Agosto de 1978, na secção Gente do semanário Expresso, o então seu director, Marcelo Rebelo de Sousa, escreveu uma frase, completamente desinserida de qualquer contexto, que se tornou célebre: “Balsemão é lelé da cuca”. Pinto Balsemão – fundador daquele semanário e actualmente presidente da Impresa – era então o primeiro-ministro português, e para justificar esta boutade, o então irrequieto Marcelo de 30 anos desculpou-se dizendo ter sido aquilo um teste aos revisores do semanário, por haver queixas sobre as suas qualidades. “Infelizmente, verifiquei que era verdade”, assim disse. Balsemão nunca lhe perdoou, porque foi um insulto gratuito e destituído de fundamento.

    Pois bem, não tendo o PÁGINA UM uma equipa altamente profissional de revisores para testar – estando essa tarefa inglória mas fundamental a ser agora desempenhada, com abnegação, pela Mariana Santos Martins, a quem não posso exigir mais –, não tenho assim qualquer alegação atenuante para vir a desmentir que não tinha o propósito de escrever o seguinte, que até já surge bem escarrapachado do título deste editorial:

    MARCELO É LELÉ DA CUCA!

    Assim: até com ponto de exclamação. Até para reforçar a intencionalidade, contundência e veracidade da minha afirmação.

    Sejamos claros: como no conto de Hans Christian Andersen, Marcelo Rebelo de Sousa é hoje, e não é só de hoje, um presidente completa e tragicamente desnudado de sensatez – e só já se lhe pedia isso, apenas, sensatez –, mas ninguém se atreve a dizer-lhe.

    Para mim, bastou vê-lo “nu” em 18 de Junho de 2017, quando no ainda quente rescaldo do trágico incêndio de Pedrógão Grande nos disse que “o que se fez foi o máximo que se podia fazer”. Tal insensibilidade e impreparação como estadista, desde logo mostrando preocupação apenas em desresponsabilizar políticos enquanto as brasas nem tinham arrefecido e cadáveres ainda fumegavam, foi para mim o bastante. Nesse dia, Marcelo “morreu” como político, e perdeu o meu respeito.

    Mas, no meio das suas constantes selfies e exposições egocêntricas, a que nos foi brindando desde 2016, nada me preparava ainda para o que veio de si a partir de Março de 2020: um presidente da República simultaneamente catedrático de Direito Constitucional a pactuar, por mor da sua célebre hipocondria, com sucessivas violações da Constituição, incluindo discriminação de cidadãos em função de uma opção legítima e legal, bem como o incitamento a pais para inocularem filhos por uma não-causa social e sanitária. Mesmo se estivesse em causa proteger idosos num hipotético objectivo (não possível) de imunidade de grupo, jamais poderia ser aceitável condicionar a segurança dos mais jovens para proteger os mais idosos. Em tempos de decência geracional, costumava ser ao contrário.

    Por isso, já não surpreende vê-lo agora como paladino de uma inconstitucional alteração constitucional, de uma chinenização da República Portuguesa, ou assistir às suas declarações sobre abusos sexuais de padres – ao estilo de “o que se fez foi o máximo que se podia fazer” – ou ouvir os seus comentários no flash interview de um jogo de futebol para sugerir que nos esqueçamos das violações dos direitos humanos no Qatar, pois é hora de andar a chutar bolas.

    Mas algo fica já fora da sanidade institucional quando, em pleno século XXI, de tantos avanços sociais e tecnológicos, vemos o mais alto dignitário de uma quase milenar Nação discursar perante uma jovem elite – recém-licenciados em Medicina, antes do Juramento de Hipócrates –, avisando-a que “fazer sopa de pedra e fazer omeletes sem ovos, vai ser muito a vossa vida”.

    Esta visão não é apenas miserabilista – de alguém que, aliás, já conta com mais de uma centena de viagens oficiais ao estrangeiro envolvendo 47 países –; é miserável.

    Um Presidente da República somente se estiver (ou for) lelé da cuca pode dizer, a quem vai começar uma via profissional fundamental para um país (Saúde), que “o ideal seria (…) que tivésseis horas para ir ao cinema, ao teatro, para estar com a família, para ter almoços e jantares que não fossem não-almoços nem jantares”, mas que isso não lhes vai ser possível, porquanto aquilo que terão de enfrentar “, para não terdes que enfrentar aquilo que “é totalmente imprevisível”, uma espécie de “missão” do tipo dos missionários combonianos. E que ainda se apresta a ser o portador da “má notícia”, com ares de quem nada tem a ver com o estado da res publica: “a vossa vida vai ser o contrário daquele modelo para que apontou, de forma muito razoável e esperançosa, o senhor bastonário. Vai ser a surpresa, o inédito, o desconhecido, o ignoto. E vai ser como missão”.

    Mas o que é isto?! Ensandeceu mesmo?!

    No final da alocução, quero acreditar que as palmas que lhe dedicaram tenham sido pela comiseração que certas afecções mentais nos suscitam. Idem, com as habituais selfies, que ele tanto gosta. Convém, dizem, não contrariar certos caprichos de certas pessoas, mesmo quando as suas capacidades feneceram, mesmo se a cadeira onde se encavalitam no poder, até ao limite, se encontra em processo de esboroamento. Por podridão.

    No limite, ninguém o levou a sério no discurso. Neste e em muitos outros.

    Assim, não havendo esperanças numa resignação, acalento apenas alguma esperança de que lhe arranjem melhores conselheiros de comunicação, não o deixem falar tanto de improviso, e ajudem-no a terminar com o mínimo de dignidade o seu mandato, como disse certa vez António Costa sobre Cavaco Silva – que, aliás, a esta distância, e com algum estremeção na minha consciência, se me afigura agora como um estadista que, pelo menos, soube minimamente comportar-se enquanto Presidente da República.

  • Quis saber quem sou, o que faço aqui

    Quis saber quem sou, o que faço aqui


    Chegou o dia de Portugal dizer o que veio fazer ao Qatar: se passear e mandar umas bocas, como o nosso Marcelo; ou se dar uso ao excelente naipe de jogadores que vestem aquela camisola do Lidl, e que me garantem ser mesmo o equipamento oficial. 

    O Uruguai é, de longe, o opositor mais forte no grupo de Portugal. Fernando Santos disse, na última conferência de imprensa, que a selecção uruguaia estava algo envelhecida relativamente à que nos eliminou em 2018.

    “Suarez e Cavani têm agora mais cinco anos do que tinham em 2018”, disse o nosso Nando. Na verdade, são mais quatro anos, mas ninguém espera que um engenheiro seja rigoroso em contas de merceeiro. Ou se calhar meteu nos cálculos o famoso coeficiente de cagaço, muito famoso entre engenheiros civis, e em vez de um 4 saiu-lhe um 5.

    Claro que, quais Benjamin Button, os nossos Ronaldo, William, Pepe, Bernardo e Bruno Fernandes estão agora quatro ou até cinco anos mais novos.

    Felizmente, tivemos Bernardo Silva a marcar presença na mesma conferência de imprensa, e, para deleite dos presentes, explicou durante 15 minutos que um jogador de futebol consegue pensar e articular mais do que três frases repetidas a cada domingo. 

    white and black soccer ball on grass field

    Disse, o já garantido futuro presidente do Benfica, que a selecção aprendeu com os erros das últimas derrotas (Sérvia e Espanha) e que hoje se nota mais vontade e articulação no controlo dos diferentes momentos do jogo.

    Bernardo não disse, mas eu sei que ele sabe que as individualidades resolveram o jogo contra a débil equipa ganesa, e que o jogo colectivo, na primeira parte, se resumiu a uns exasperantes 1.000 passes laterais. É pouco, muito pouco para um Campeonato do Mundo onde Portugal deve ter legítimas aspirações. 

    Em todo o caso, Matemática à parte, o Uruguai é o adversário mais cotado e, contra ele, Portugal pode fazer a sua afirmação: a de ser um candidato, como se exigiria perante a equipa disponível; ou a de continuar a ser um calculista desmedido que joga para não perder, com toda uma lentidão de processos que já ninguém suporta ver.

    Em suma, a selecção portuguesa vai hoje dizer se quer acompanhar a Bélgica como desilusão deste Mundial ou se, em vez disso, vai meter a França em sentido, fazendo-a saber que não corre sozinha pelo ceptro mundial.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ó Jorge… ¿Por qué no te callas?

    Ó Jorge… ¿Por qué no te callas?


    Carlos Queiroz viu-se envolvido numa série de polémicas por causa da situação política no Irão. Primeiro, com jornalistas e as suas perguntas sobre o regime; e agora com Jurgen Klinsmann que, na BBC, disse que a vitória do Irão sobre o País de Gales tinha acontecido graças à pressão exercida sobre os árbitros.

    Devo confessar que não tenho grande impressão sobre o trabalho de Carlos Queiroz. Depois daquela final do Mundial de Juniores em 91 – disputada num Estádio da Luz repleto com 120 mil almas, entre as quais a minha, a gritar a plenos pulmões depois do penalti vencedor batido por Rui Costa –, não me lembro de nada relevante. Ou como lhe gritou Ronaldo, a partir da linha lateral no Mundial de 2010, depois de mais uma substituição desastrosa, “assim não dá, Carlos!”

    Carlos Queiroz

    Mas, nesta polémica, está ele carregado de razão. Se a cada conferência de imprensa os jogadores e treinadores do Irão têm de fazer uma análise política, militar e social – que em muito ultrapassa aquilo para que foram ao Qatar (jogar à bola, lembremo-nos) –, é justo que, como diz Queiroz, comecem a interrogar os selecionadores norte-americano e inglês sobre a retirada do Afeganistão e a colocação dos talibã no poder. Ou, acrescento eu, inquiram Tite sobre a desflorestação da Amazónia durante os quatro anos de Bolsonaro. Ou, porque não, perguntem ao francês que dirige a Arábia Saudita o que acha sobre os bombardeamentos no Iémen e o embargo ao país anfitrião. Olha, e já agora: que tal questionar o selecionador do Qatar sobre as condições de trabalho proporcionados aos migrantes asiáticos no país?

    Então temos ali tanto material bom para uma aula de Ciência Política e Cultura Geral e, aparentemente, ficamo-nos pelo regime iraniano para o Queiroz comentar, enquanto os restantes treinadores apenas têm de justificar o 4-4-2 com médios basculantes? É pena que assim seja. Podíamos, de facto, aprender muito com o futebol e as conferências de imprensa dos treinadores a comentar política.

    man in black suit jacket standing in front of people

    Até a FIFA tem alguma dificuldade em manter a cara nesta polémica. Em certo dia, diz a FIFA que o Mundial não é sítio para política, pedindo o fim das manifestações pelos direitos humanos ou pela defesa da comunidade LGBTQIA+. No dia seguinte, afinal, já se podem fazer declarações e decisões políticas, afastando a Rússia de qualquer competição. Não sei se algum dos jogadores russos enviou um rocket algures.

    Também já se vê que se pode discutir regimes se for o do Irão. Já não se pode discutir se for de um dos Estados do petróleo no Médio Oriente ou se for necessário retirar um invasor de território asiático e colocá-lo a jogar nas provas europeias da UEFA.

    Portanto, ser permitido misturar política com futebol depende do alvo e do dia da semana.

    Mas o Jurgen Klinsmann não se contentou com as suspeitas lançadas sobre a arbitragem e também fez comentários sobre a cultura iraniana, misturando-a com a sua forma de jogar. Assim uma espécie de racismo, que no caso alemão uma pessoa nem leva a mal, porque leu alguns livros de História. Klinsmann, ex-selecionador norte-americano, curiosamente o adversário com quem o Irão discutirá o apuramento, e actual funcionário da FIFA, faz o que pode pelo lado de fora. Coloca pressão numa equipa que já joga com um enorme peso nos ombros, desafiando o regime e sem qualquer culpa na situação política que se vive no seu país.

    Jurgen Klinsmann

    Klinsmann é por isso, um escroque. Para não lhe chamar algo que Alberto João Jardim designaria como sinónimo de bastardo.

    Queiroz, repito, não faz o meu tipo, mas, desta vez, está carregado de razão e espero que vença o próximo desafio. A um homem que um dia tirou o Paulo Torres para colocar o Pacheco, e dar-me, dessa forma, um dos melhores dias da minha vida, devo pelo menos a justa solidariedade.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Assim é e vai o país político…

    Assim é e vai o país político…


    Ouvir Manuel Pizarro aludir a parcerias público-privadas (PPP), para resolver a construção de instituições de saúde, causa-me alguma náusea quando me lembro que, há dois anos, o mesmo Manuel Pizarro, a cavalo do Bloco de Esquerda, apontava o problema das PPP como causa de uma saúde deficiente e incompetente. Assim se fecharam os hospitais PPP em Braga, em Vila Franca de Xira e em Loures. Já se tinha feito semelhante no Amadora-Sintra, no hospital de Vila da Feira.

    Sempre camaradas socialistas na origem do processo e na resolução ideológica do mesmo. Sabe-lhes bem o farnel, mas depois vomitam com o peso da consciência. Desde então as coisas nas urgências só pioraram, e agora também naqueles municípios. Vila Franca de Xira, com edil socialista, pedia há pouco tempo o regresso da PPP. A revisão constitucional também não abarca a saúde, mas a este ritmo…

    Este registo diletante, delirante, sem as contas feitas antes da decisão, sem antecipação de problemas, está a conduzir Portugal a uma nova bancarrota. As decisões custam muitos euros, e quando revertidas, outro tanto. A TAP custou três mil milhões aos portugueses, e agora é para vender, mas sem encaixe aos investidores. Manter política de soluços para instituições de alto custo não podia ser para quem não valoriza o que os portugueses já pagam em carga fiscal.

    A reforma da Administração Pública e a reforma dos tribunais administrativos teriam impactos colossais nas finanças portuguesas. O tribunal administrativo arrasta processos de milhões até à eternidade e, desse modo, colapsa empresas, destrói energias, afasta investidores. Os custos da sua mediocridade decisória são comparáveis a uns três casos BES. Essa indefinição criada pelo PSD devia ser vertida na Constituição nova. A justiça tem de ter prazos e listas de espera possíveis de tratar.

    A reforma administrativa reduziria milhões de euros de custas em burocracia e funcionalismo público de cariz eleitoral. Portugal, com mais de três centenas de câmaras, tem municípios de sete mil habitantes onde se empregam 30 a 60% da sua capacidade laboral. É uma corrosão de estrutura.

    Há câmaras a mais, onde já só existem idosos. Retiradas todas as funções do Estado, as pequenas comarcas definham. Sem justiça, sem saúde, sem escolas, com boas estradas para ir embora, as pessoas partem e todos se vão. Há também juntas em demasia. A ausência de visão vai a cavalo da maioria absoluta oferecida por Rui Rio e sua comissão política.

    Tudo isto é subvertido por assuntos de lana caprina, como as idas de Marcelo a Doha, ou a discussão dos direitos humanos no Catar. Portugal é acusado todos os anos por sistemas de fiscalização internacional de não cumprir direitos humanos nas cadeias. Também na legislação laboral faltam passos para elevar a liberdade e não aumentar a repressão.

    Na ausência de auditorias a grandes empresas, surgem as que elaboram esquemas de escravatura, empresas onde nunca reconhecem méritos dos trabalhadores, as que nunca procedem a aumentos salariais de moto proprio.  Podíamos ver coisas importantes com uma maioria absoluta, mas era preciso visão, menos compadrio, reduzido nepotismo, focos no desenvolvimento e sobretudo menos demagogia.

    Neste contexto, o PSD – único culpado da maioria absoluta do PS, ao ter inviabilizado, por incompreensível recusa de coligação, os cem mil votos do CDS, enviados para o lixo porque temos uma lei eleitoral com inúmeros defeitos – está numa de revisão constitucional.

    Juntou-se o PSD ao seu “sócio de pandemia”, de nome PS. Resolveu dar nova mão a António Costa, viabilizando os seus arrojos constitucionais, entre as quais uma lei de violação da liberdade em nome de uma sanidade.

    Pelo meio, além de um aumento do mandato presidencial para sete anos, que nada justifica, ficará por fazer a alteração à regionalização, à justiça, ao sistema eleitoral para melhor representatividade. Entretanto, na China começamos a ver os primeiros motins derivados da insanidade de como quis gerir a liberdade utilizando a doença. Que nos sirva de lição e de aviso sobre os perigos dos totalitarismos para a democracia.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • G20: agora, já é às claras

    G20: agora, já é às claras


    Há duas semanas realizou-se a reunião anual do G20, em Bali, com a participação dos inefáveis e não-eleitos Klaus Schwab e Bill Gates, todos vestidos ao melhor estilo de ditadores comunistas.

    Os líderes das 20 maiores economias do Mundo, coadjuvados pelas duas luminárias, assinaram o seguinte compromisso, muito bem sintetizado por Kit Knightly no OffGuardian:

    1 – Alterar a produção e distribuição de alimentos;

    2 – Incrementar a dependência global de fontes de energia “renováveis”;

    3 – Aumentar a vigilância e a censura da “desinformação” na Internet;

    4 – Introduzir moedas digitais programáveis dos Bancos Centrais;

    5 – Introduzir passaportes digitais de vacinas, com base “na experiência” da putativa pandemia covid-19.

    Enquanto andávamos todos distraídos com os dislates do prócere máximo da República, com a reconquista de Kherson pelas tropas ucranianas e com o míssil “russo” na Polónia, os principais líderes mundiais, com base nas ordens dos não-eleitos Klaus Schwab e Bill Gates, discutiam, combinavam e publicavam os seus planos para o Governo Mundial.

    Os participantes destes encontros globais já não escondem os seus planos. Desde a putativa pandemia que os seus planos maquiavélicos para o futuro da Humanidade são públicos e contêm todos os detalhes que nos esperam.

    Antes de me debruçar sobre os detalhes do compromisso, importa mencionar novo lema: “Recuperar Juntos, Recuperar Mais Forte”, isto depois do infame “Reconstruir Melhor”. O colectivo acima do indivíduo, tal como uma utopia socialista, onde cada membro não é mais do que uma peça da engrenagem para rumar à “Terra Prometida”.

    Daqui a uns meses estarão todos em uníssono a repetir “Recuperar Juntos, Recuperar Mais Forte”, incluindo o fugitivo do pântano nas Nações Unidas.

    Vamos então ao compromisso do G-20; em sequência da “Cimeira do Clima”, a COP27, onde se falou de “agricultura alternativa” – carne cultivada em laboratório e produção em massa de insectos para alimentação humana-, o documento volta a debruçar-se sobre o tema:

    “Vamos tomar mais acções coordenadas para enfrentar os desafios da segurança alimentar, incluindo aumentos de preços e escassez de produtos alimentares e fertilizantes a nível mundial… assegurar que os sistemas alimentares contribuam para a adaptação e mitigação das alterações climáticas, travem e invertam a perda de biodiversidade, diversificando as fontes alimentares… Estamos empenhados em apoiar a adopção de práticas e tecnologias inovadoras, incluindo a inovação digital na agricultura e nos sistemas alimentares para aumentar a produtividade e a sustentabilidade.”

    Passemos a fazer um exercício de tradução: (i) onde está a expressão “mitigar a mudança climática”, deveria ser “produzir menos carne”; (ii) onde está a frase “diversificando as fontes alimentares”, deveria estar “diversificando as fontes alimentares com a produção massiva de insectos”; (iii) onde consta “práticas e tecnologias inovadoras”, deveria ter sido escrito “de tecnologias de produção em laboratório”.

    Em relação à produção de energia, mais do mesmo, os gases com efeito de estufa continuam a ser o alvo a abater:

    Reiteramos o nosso compromisso de alcançar uma redução global das emissões líquidas de gases com efeito de estufa/ neutralidade de carbono…aumentando a implantação da produção de energia limpa, incluindo as energias renováveis, bem como medidas de eficiência energética, incluindo a aceleração dos esforços para a redução gradual da energia que usa carvão.”

    O Santo Ofício era uma brincadeira de crianças ao lado destes “Senhores do Mundo”. Propõem controlar a Internet com maior rigor; tudo, obviamente, em nome da nossa segurança!

    “Reconhecemos que uma conectividade digital acessível e de alta qualidade é essencial para a inclusão e a transformação digital, enquanto um ambiente online resistente, seguro e protegido é necessário para aumentar a confiança na economia digital… Reconhecemos a importância de combater campanhas de desinformação, ameaças cibernéticas, abusos online e garantir a segurança nas infraestruturas de conectividade”.

    O combate ao dinheiro físico continua a ser uma obsessão. O lançamento de Moedas Digitais dos Bancos Centrais constitui agora a prioridade máxima!

    Saudamos o relatório do Banco SIS (o Banco Central dos Bancos Centrais) sobre a interligação dos sistemas de pagamento… sobre opções de acesso e interoperabilidade das Moedas Digitais dos Banco Central para pagamentos transfronteiriços.”

    A melhor parte estava reservada para o fim: os certificados digitais, instrumentos de segregação, justificados com a mais despudorada mentira, beneficiaram de um tremendo panegírico:

    “Reconhecemos a importância de normas técnicas e métodos de verificação comuns…para facilitar as viagens internacionais sem descontinuidades, a interoperabilidade, e o reconhecimento de soluções digitais e não digitais, incluindo a prova de vacinação. Apoiamos a continuação do diálogo e colaboração internacionais no estabelecimento de redes de saúde digitais globais de confiança.”

    Que bons que são eles! Querem atribuir-nos direitos que já estão inscritos na Carta dos Direitos Humanos. Se nos inocularmos com as substâncias experimentais, passamos a ter liberdade de locomoção. A nossa privacidade é enviada definitivamente para o caixote de lixo. Passaremos a apresentar “os papéis”, tal como na Alemanha Nazi, em cada “check-point” que estes tiranetes decidam impor.

    Anteriormente, uma pandemia era algo que existia uma vez na vida de uma pessoa. Agora está aí ao virar da esquina, temos de nos preparar para próxima – dizem eles –, aproveitando o legado dos certificados-nazi covid-19.

    De uma coisa estaremos certos, por aqui esta agenda será fácil de implementar.

    Há pouco tempo, o prócere máximo da República até nos anunciava que a bola era mais importante que os direitos humanos; estes podiam ficar para mais tarde. Quando reparou que tinha enfiado o “pé-na-poça”, proclamou que ia ao Qatar falar de direitos humanos!, isto vindo de alguém que solicita uma revisão constitucional para legalizar precisamente atropelos aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos que ele jurou proteger.

    No Qatar, até o tivemos a dar lições de moralidade, quando no país que preside, os direitos humanos são sistematicamente violados, em alguns casos até por si validados: confinamentos ilegais, prisões domiciliárias ilegais, emigrantes estrangeiros em escravatura, um sem fim de misérias!

    Até o tivemos numa aula de “religião e moral” nas Arábias, onde segundo a obnóxia imprensa, seríamos um país-modelo, com os dirigentes do país dos “atentados aos direitos humanos” a assistir satisfeitos. Isto tudo num inglês que ninguém compreende. Talvez por isso dormiam e aplaudiam enquanto ele falava.

    No final, dirigiu-se para o estádio, informando-nos que estaria “concentrado no jogo” a partir daquele momento! Com tais líderes, a agenda de Klaus Schwab e Bill Gates será uma realidade em breve!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM. Acrescentada referência ao artigo do Off Guardian em 28/11/2022.

  • Uma pausa no racismo

    Uma pausa no racismo


    Assistia ao Arábia Saudita vs. Polónia, um chatíssimo jogo, onde os polacos provaram que jogam muito pouco (ainda devem estar a tentar perceber como ganharam) e os sauditas, apesar dos bons princípios de jogo e vontade extra demonstrada, exibiram pouco acerto no momento de finalizar.

    Para me distrair, inventei um passatempo que consistia, essencialmente, em encontrar uma mulher nas bancadas repletas de apoiantes sauditas. Não passei do primeiro nível, e comecei então a pensar nos restantes jogos que tinha visto mas noutra perspectiva.

    A vitória da Suíça contra os Camarões foi com um golo de um camaronês. Não foi um autogolo: Breel Embolo é um ponta-de-lança suíço mas nascido em Yaoundé, que se situa a 4.800 quilómetros da helvética Berna.

    O empate dos Estados Unidos frente ao País de Gales saiu dos pés de um filho da Libéria. A vitória francesa frente a uma excelente Dinamarca, hoje e sempre, às costas de uma constelacão africana. A Holanda impôs-se ao Senegal com um golo de origem togolesa.

    Ou até o nosso Rafael Leão, criado no bairro da Jamaica, entre vários emigrantes africanos; foi ele que selou a vitória sobre o Gana.

    Numa altura em que por todo o lado se vão construindo muros, o futebol tem o poder de, por momentos, incluir toda a gente. Um prazo curto, bem sei, definido pela hipocrisia reinante.

    Ainda assim, por uns momentos, todos festejamos o mesmo. O Ventura comemora um golo de um miúdo do bairro da Jamaica, em vez de o mandar para a terra dele. Até aposto que comemorou os golos do cigano em 2016.

    A Le Pen passa a semana a gritar contra a vinda de magrebinos, mas depois, durante o Mundial, grita pelo Benzema ou pelo Zidane.

    O Trump andava a fazer um muro para impedir os mexicanos de aparecerem no Texas, mas se algum hispânico marcar um golo no mundial, em princípio, vai levantar os braços. Se souber que está a decorrer um Mundial de soccer, claro.

    O Lukaku disse numa entrevista que quando a Bélgica perdia e ele falhava um golo, a imprensa do dia seguinte referia-se a ele como o filho de congoleses. Quando acertava era o belga.

    O Zlatan Ibrahimovic queixava-se de algo parecido. Se corria tudo bem, era o melhor jogador sueco de sempre; quando partia qualquer coisa, era o temperamento dos Balcãs.

    No fundo, no fundo, o mundo da bola não é diferente da realidade que nos rodeia. Emigramos, mudamos de país, adoptamos outras culturas, deixamos gerações noutras paragens.

    Quem defende um Mundo cheio de divisões e povos puros, não suporta essa mistura, não aguenta gente diferente, línguas desconhecidas. Passam três anos e onze meses a gritar contra emigrantes. Depois chega o Mundial e durante um mês somos todos um. Ninguém quer saber de cores desde que a bola entre.

    Assim que se entrega a taça, e voltamos à vida do quotidiano, recomeça o racismo e a crítica a todos que chegam de algum lado na procura de uma vida melhor.

    Nesta Europa que escolhe os muros, confesso que me sabe bem este mês de inclusão. É falsa, é hipócrita mas vemos de facto sociedades de nações em funcionamento.

    Falta gente inteligente e educada, que perceba que pessoas não se dividem, misturam-se. E falando em gente educada, partiu hoje um cavalheiro, um desportista de eleição e um jogador que sempre admirei. Lamento o desaparecimento tão precoce do bibota Fernando Gomes. E também por isso, deixo aqui os meus sentimentos à família enlutada. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os 1000 euristas e os entreténs do Froes, do Milhazes e do Rui Santos

    Os 1000 euristas e os entreténs do Froes, do Milhazes e do Rui Santos


    Sou um defensor do sistema progressivo de impostos e da sua aplicação em benefício da população, com prioridade para os três pilares de qualquer sociedade civilizada: Educação, Saúde e Segurança Social.

    Nunca concordei com taxas fixas de contribuição por as considerar injustas, e também, por princípio, nunca defendi uma redução de impostos, porque significaria condenar a Escola Pública ou o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Ou talvez ambos.

    Contudo, os últimos anos fizeram-me mudar um pouco esta visão, pelo menos em Portugal. No país para onde emigrei, a Suécia, esta teoria é aplicada com sucesso. Impostos progressivos, altos a partir dos 3.500 euros e sempre aplicados a favor dos contribuintes.  Educação universal grátis, desde a creche até às universidades. Saúde pública e gratuita, onde até o dentista está incluído (até aos 26 anos). Apoio social nas pensões, no desemprego e na paternidade. Para mim, isto é o ponto de partida, o mínimo, para que um contribuinte sinta que faz sentido pagar impostos. Nunca conheci, em 18 anos aqui, um trabalhador que não gostasse de pagar impostos na Escandinávia.

    Em Portugal, são anos, décadas, de Governos cuja receita para combater o défice é apenas uma: aumentar impostos. Pior do que isso, o retorno para os contribuintes é cada vez menor. Lembro-me de há 20 anos os créditos à habitação terem alguns benefícios em sede de IRS. Lembro-me de universidades sem propinas. Lembro-me de estradas sem portagens. Lembro-me de transportes públicos, combustíveis e casas com preços aceitáveis.

    Em três décadas, em Portugal, e especialmente nos grandes centros, atingiu-se o patamar europeu para os custos de vida, mas ficou-se pelo nível africano de rendimentos. Os salários não crescem, os impostos multiplicam-se, o Orçamento de Estado é cada vez mais para as clientelas, bancos e construtoras; e menos para quem paga impostos. É um sufoco. Quando penso na vida que os 1000 euristas fazem em Portugal – ou seja, a grande maioria –, fico com uma sensação de falta de ar, de angústia, de sobrevivência.

    group of person on stairs

    E por isso, pela primeira vez, sou obrigado a concordar com Carlos Guimarães Pinto, que na Assembleia da República exigiu uma baixa de impostos aos 1000 euristas. A expressão é dele, e eu acho-a feliz. A inflação trouxe um jackpot de impostos ao Governo português, e já tinha escrito aqui, no PÁGINA UM, que esse rio de dinheiro inesperado tinha de ser usado a favor da população.

    A minha proposta inicial tinha sido uma ajuda nos créditos à habitação, porque considero que será essa a maior despesa das famílias. Mas uma redução da carga fiscal retirada ao salário também seria uma boa medida, provavelmente melhor, porque deixaria mais dinheiro no bolso, hoje e sempre, permitindo algo que defendo, desde sempre, que é uma divisão mais justa da riqueza.

    Insisto, contudo, na ideia de que só concordo com esta implementação em Portugal porque, como se percebe ao fim de décadas, os impostos são cada vez menos revertidos a favor dos contribuintes.

    Num sítio onde o dinheiro fosse bem aplicado, eu seria totalmente contra uma redução fiscal. Mas, em Portugal, uma pessoa tem de se render e observar a realidade: se o Estado, enquanto guardião dos nossos impostos, não nos garante, sequer, Escola Pública e Saúde Pública de qualidade, então, bom, é melhor de facto que as pessoas fiquem com dinheiro no bolso para o aplicarem como bem entenderem.

    people raising hands with bokeh lights

    Claro que isto significa ainda pior Escola, ainda pior Saúde, ainda pior Segurança Social, mas, convenhamos, quantas décadas mais é que vamos andar a pagar bancos, clientelas, estradas e políticos corruptos com ajustes diretos a empresas de amigos? Sem Justiça que funcione em tempo útil, e com uma corrupção que consome todo o erário público, é preferível que cada 1000 eurista tenha, pelo menos, dinheiro para chegar ao fim do mês.

    O Estado português fica com cerca de 30% de um salário de 1.000 euros. Na Suécia, essa é a carga fiscal de um salário quatro vezes maior. Portanto…torna-se um pouco indefensável a carga fiscal que se aplica aos baixos salários portugueses. E ainda se percebe menos como é que perante o congelamento de carreiras na Função Pública e os aumentos muito abaixo da inflação no sector privado, a população continua impávida e serena, a reclamar das greves ou das lutas dos trabalhadores.

    Entretidos com as palestras do Froes sobre a covid-19, do Milhazes sobre o Donbass e agora do Rui Santos sobre o Qatar, vamos deixando para segundo plano o facto inquebrantável de estarmos cada vez mais pobres.

    Meus amigos, a Roménia em 2024 ultrapassará Portugal. Repito-vos: a Roménia. Pelo andar da governação e políticas de desenvolvimento, se o Burkina Faso entrar para a União Europeia, temo que em cinco anos nos apanhará.

    people in a city during daytime

    Não há ninguém aí que queira partir qualquer coisa?

    Hoje o tempo é de união, mas também de garantir que os impostos deixam de ir para o BES, para a Lusoponte, para os ajustes directos aos maridos das ministras, para os ajudantes de secretários de Estado com 21 anos, para os empresários amigos, para a família do autarca que quer fazer obras no largo da igreja, para as viagens de Falcon até ao Qatar. O tempo é mesmo de gritar, de ir para a rua, de começar a exigir algo mais em concreto. Ou os impostos baixam ou os salários sobem. Desse lado já não se vive, sobrevive-se. É essa a realidade.

    Por isto tudo, é tempo de lutar, e de exigir que as elites governantes, simplesmente, deixem de nos roubar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As hienas, de novo

    As hienas, de novo

    As hienas não merecem respeito algum e falam inglês com sotaques

    que soam vagamente a nativos do Médio Oriente.”

    Binyavanga Wainaina

    Conselhos ao Jovem Escritor Africano


    Não deixa de ser intrigante, isto das mentiras de uns longevos dirigentes socialistas um tanto ou quanto metidos a hienas. Com todo o devido respeito, note-se. Mas quer dizer, pois se formam grandes bandos, se organizam as suas manobras a coberto do escuro[1], se a gente as ouve rir sem conseguir vê-las, se se alimentam do trabalho que os outros fizeram[2], se nos enganam tão bem que nem sequer conseguimos distinguir os machos das fêmeas[3]

    …isto é assim: o que parece uma hiena costuma ser uma hiena.

    Mas até as hienas assumem logo ali que metem nojo e passam à frente[4]: só mentem na imitação de escroto que caracteriza estas fêmeas e mais nenhumas, que é para deixarem bem claro que naqueles bandos são elas quem manda[5], e mais: são sempre elas as últimas a rir[6]...


    … É verdade que, na nossa cultura, começámos por memorizar imensos preceitos, mínimos e sensatos, que nos permitissem conviver sem nos comermos vivos logo todos uns aos outros. É por isso que decorámos na escola[7] regras básicas tais como não matarás, ou não cobiçarás a mulher do próximo [8], e tal. Mas por favor, reparem neste detalhe: é certamente um bocado assustador não constar, nem ao menos nos Dez Mandamentos, nada que nos diga, com toda a clareza, não mentirás[9].

    Eu, pelo menos, acho mesmo que é um bocado assustador.

    Ou então podemos considerar que existiam nesse tempo certas atenuantes.

    Se calhar, como na altura em que Moisés viu a sarça ardente existiam muito menos pessoas, com muitíssimo mais espaço para se manterem afastadas umas das outras, mentir não estava sequer na ordem do dia. Aliás, bem vistas as coisas, de que é que serve mentir, quando os herdeiros das supramencionadas regras básicas de convívio ameno passam quarenta anos às voltas no deserto,[10] e entretanto Deus os conforta com imensos milagres[11]?

    Ou então, também pode ser que as pessoas ainda nem sequer estivessem conscientes das potencialidades aliciantes deste privilégio humano, certamente engendrado pelo fruto da Árvore da Sabedoria, uma vez que mais nenhum outro animal sabe mentir.

    Enfim.

    Aceitemos que ninguém sabe como foi que isto aconteceu – mas a verdade é que isto aconteceu mesmo. E, onde ainda em pleno século XX tínhamos excepções horrorosas de quem era fácil não gostar, como por exempplo o Estaline ou o Pol Pot, agora a excepção passou a ser a regra, e sabe esconder-se muito melhor.

    A meio do século passado, o grande Churchil bem pode ter dito que a democracia é o pior sistema político que existe, à excepção de todos os outros. Este aforisma genial ainda nem fez cem anos, e já ninguém se lembra dele. Com a passagem dos milénios, uma classe profissional inteira especializou-se magistralmente na perfeição de mentir sem qualquer sinal visível de vergonha, e conseguiu chegar ao ponto de ganhar todas as eleições democráticas do mundo.

    E aqui está o resultado que ninguém  viu chegar a tempo de lhe pôr os travões a fundo.

    Entramos no século XXI e já ninguém sabe quem era esse gajo, esse Churchill: em vez dele, temos antes o Trump, o Putin, o Kim Jong-un, o Xi Jinping, a COVID-19 a tornar tudo ainda mais suspeito – para não falar de uma data de sobas africanos tão ricos que até dói, ou de um enxame de chefes tribais do Médio Oriente de cujas mãos escorre o petróleo que move o mundo. E mais todo o ruído de fundo que nos rosna às canelas de dentro da grande destilaria de veneno vinda da internet. Todos eles nos mentem. A gente ouve-os, e sabe que eles estão a mentir. Mas em 2022 a verdade é esta, e é horrível: agora, já não podemos fazer nada.

    Aqui podemos ver a Prof.ª Doutora Clara Pinto Correia considerando cada vez mais seriamente a sua nova carreira política. Como também podemos ver, a Prof.ª tem vindo a fazer progressos. Progressos pequenos, sem dúvida, mas significativos, nevertheless. Primeiramente, já aprendeu a parecer uma senhora que frequenta assiduamente os croquettes do Ministério da Cultura. E seguidamente, mais importante que tudo, até já consegue sorrir de forma perfeitamente credível. No entanto, o que realmente ainda não conseguiu decidir foi que bancada é que vai escolher para continuar a citar o Jorge Palma: o seu coach impede-a de chegar a essa fase, porque continua a considerá-la uma das piores mentirosas que alguma vez lhe passaram pelas mãos. “E ó Professora, a senhora por favor enxergue-se enquanto ainda vai a tempo. Ou acha mesmo que sobrevive no shark-tank se vai aparecer assim nas festas do seu partido?” – “Aaaah… assim como, mister?” – “Ó senhora, pela sua rica saúde… assim sempre sem sutiã, com a gaita! Ou o que é que acha? Acha mesmo que alguém se vai dar sequer ao trabalho de ouvir as intervenções de uma gaja de 62 anos que nunca usa sutiã?” – “Mas, mister…” – “Mas my ass! Não lhe bastou aquilo do orgasmo?”

    O que nos traz de volta ao Primeiro Ministro a falar ao País pela televisão, sorrindo, fitando de frente a câmara, e garantindo a todos nós que em Outubro 99% dos reformados ia receber mais 50% da sua pensão.

    Ficámos na parte em que eu, espertíssima, vi logo que o grande ilusionista estava outra vez a mentir: se já não eram todos os reformados mas apenas 99% , então de certeza que entretanto iam fazer-se para ali uns truques e os laissés pour compte[12] acabavam aí nos 50 ou 60%.

    O que vale é que, de facto, já quase ninguém acredita nos políticos. Pelo menos, nenhuma pessoa com quem eu tenha falado aqui em Estremoz, e toda a gente com quem estive ao telefone para todos os quadrantes do País. Isto é horrível em si mesmo, mas é o que tem que ser: a única arma de defesa que ainda resta e é de graça: a gente não quer voltar a aleijar-se, e portanto a gente nem os ouve. Esqueçam os vossos mitos urbanos: os alentejanos são super-rápidos e ultra-espertos. Ó Clarinha, e logo a Clarinha que é tão inteligente. Então está-me a dizer a mim que ele disse isso? Pois com certeza, quando é só para dizer eles dizem todos muita coisa.

    E depois eles ficam-se a rir, porque eles são como as hienas.

    Não há nada que o povo de Estremoz não saiba há já muitos séculos[13].

    Daí a quinze dias, misteriosamente, metade das pessoas que percebem profissionalmente de dinheiro, como por exemplo os contabilistas, ainda repetiam 50%. Mas, entretanto, já corria outro rumor, vindo sabe-se lá de onde, segundo o qual todos nós, fosse qual fosse a nossa pensão, íamos receber por igual 125 euros. Já ninguém percebia, mesmo, onde estava a verdade. E, sobretudo, nenhum de nós conseguia descobrir quando é que essa verdade entraria nas nossas contas.

    E assim se passou todo o mês de Outubro, sem que nunca, mesmo nunca, a contar até dia 31, tivesse entrado fosse que ajuda do governo fosse nas finanças magras dos habitantes daqui do fundo da vaza[14].

    E a parte mais espantosa? Pelo menos para mim, que ainda gostava de saber o que é que hei de fazer pela Lua[15]? É que as nossas hienas nem se deram ao trabalho de fazer para ali uns malabarismos que justificassem o incumprimento da promessa. Nada, não disseram nada. Limitaram-se a deixar chegar o dia 1 de Novembro. E pronto. Daqui a mais dois ou três dias já é Natal.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] Palavra que consabidamente pode ter um número impressionante de segundas intenções – e nunca são boas.

    [2] Mas vocês julgam o quê, que caçar herbíboros é um hobby? Perguntem ao chita, aquele felino lindíssimo que é o animal mais rápido do mundo, capaz de atingir 114 km/h no sprint final atrás da gazela. Assim que a apanha, a primeira coisa que faz é fugir com a presa nos dentes para um lugar seguro. Sabe perfeitamente que, se ficar ali uns minutinhos a mais que seja, vem logo de lá um bando enorme de hienas ridibundas, que…

    [3] Força de expressão. Qualquer biólogo os distingue. O macho, coitadinho, é mais raro, é mais pequeno, tem o pêlo mais ralo, e o seu escroto é menos visível. O escroto das fêmeas é só um disfarce, mas vê-se muito bem.

    [4] Claro, chatas e barulhentas, todas a falarem inglês com os seus sotaques do Médio Oriente como se quisessem obrigar-nos a ver a Al-Jazheera o dia inteiro, mas pronto: o que interessa é que não escondem que são hienas.

    [5] Eu sei, dá uma péssima imagem do meu próprio género. Mas isto é biologia, não é política.

    [6] Por acaso também há aquela canção do Jorge Palma que… ná, esqueçam. Coitado do Jorge. Cantava aquilo como se estivesse realmente apaixonado pelo seu tal de Anjo Mau.

    [7] Eu estava num colégio de freiras, mas isto era assim em toda a Metrópole e em todas as Colónias: os Dez Mandamentos decoravam-se nas aulas de Moral e Religião Católica da primeira classe. E, nesse tempo, não havia cá modernices tipo cadeiras opcionais. QUANTAS VEZES É QUE EU TENHO QUE REPETIR QUE ISTO É UMA DITADURA EM GUERRA CONTRA OS COMUNISTAS DAS COLÓNIAS, SEUS PALERMAS?

    [8] OK, OK, OK, eu também adoro citações por extenso, sei perfeitamente que, da mesma forma, não podemos cobiçar-lhe nem a casa, nem os servos, nem, sobretudo, e claro que esta é a minha preferida, nem o seu boi ou o seu jumento. O que, quando se é uma menina malcriada, dá logo vontade de perguntar às freiras se ao menos a gente pode cobiçar-lhe o cavalo. Depois entra-se na adolescência e perde-se a graça. Só nos ocorre aquele previsível “ó Irmã, mas então eu posso cobiçar os maridos das minhas próximas, certo?”

    [9] Peço desculpa, mas Não prestarás falso testemunho contra o teu próximo é uma referência à mentira extremamente restritiva.

    [10] Isto, ao menos, percebe-se logo que foi por culpa do Moisés. Está certo que falava com Deus, mas que diabo, era um gajo. Enquanto tal, de certeza que se recusou a perguntar o caminho fosse a quem fosse, porque é isso que todos os gajos fazem. E NINGUÉM que seja guiado por Deus demora quarenta anos para atravessar aquela faixazinha dispicienda de deserto que vai do Egipto à Palestina. Tenham dó.

    [11] Estão a ver aqueles filmes todos de seu nome A BÍBLIA, antigos e modernos, cheios dos efeitos que cada época permite? O Mar Vermelho a abrir-se para o Povo Eleito e a fechar-se sobre as poderosas  quadrigas dos Egípcios? O direito diário àquele famoso maná que vem do Céu e alimenta o corpo e a alma? Ora bolas, assim também eu.

    [12] O País continua assim, e eu, da próxima vez, escrevo mesmo os damnés de la Terre. Ah! Adoro exibir alarvemente toda a minha inesgotável erudição.

    [13] Incluindo que Olivença é nossa. Oiçam falar os  amantes de arquivos que estudaram o apoio da cidade às tropas liberais: de repente, faz tudo sentido.

    [14] Mais outra expressão de biólogo: aplica-se às tainhas, por exemplo. que se alimentam da porcaria toda que se junta no fundo das águas salobras. Mas depois são muito boas quando as fritam em vinagre, acreditem.

    [15]A gente já não sabe o que há de fazer pela Lua” é uma das minhas citações repentistas do Jorge Palma, utilizada, ali, mesmo a matar, na crónica anterior.