Categoria: Opinião

  • A lei do mais forte e a novela lusa

    A lei do mais forte e a novela lusa

    Chegaram os jogos a doer entre as 15 melhores seleções do Mundo e a Austrália. A expressão não é minha, mas é tão boa que a vou repetir até ao Natal.

    O primeiro dia de mata-mata não tinha grande cartaz. Holanda e Argentina eram claramente favoritas e, sem terem feito ainda uma boa exibicão nesta competicão, despacharam os respectivos adversários sem grande esforço.

    Norte-americanos e australianos terminam a participação no Campeonato do Mundo com uma qualificação para os últimos 16. No caso australiano parece-me que passarem a fase de grupos já é um título, tais são as limitações da equipa. Os norte-americanos já estão num nível diferente e apresentam um 11 com alguns jogadores muito interessante, com Pulisic à cabeça. Mereceram chegar a esta fase, mas, daqui para a frente, o filtro é muito apertado e sobra menos espaço para supresas.

    A Holanda, esta Holanda que está longe da laranja de outros tempos, chega aos quartos de final sem um jogo feito contra um adversário difícil. Não se podem queixar da sorte, mas terão de subir o nível, para o primeiro jogo a sério que terão na competição, contra a Argentina.

    Enzo Fernandez parece ter garantido o seu lugar na equipa argentina e, para mal dos meus pecados, deve estar de malas feitas do Benfica. Qualidade como esta não pode ficar nos domingos à noite a jogar em Arouca. 

    Os comandados de Scaloni marcaram três golos e ganharam 2-1. Enzo mantém o sentido de golo e, como dizia um amigo meu sempre que acertava na própria baliza nas futeboladas de domingo, “o que importa é marcar!”.

    Messi mantém aquele hábito irritante de ser útil à equipa. Passa, dribla e não cria confusão. Pelo meio ainda vai marcando uns golitos. Tivesse ele Bernardo Silva e Bruno Fernandes ao lado, e Pepe com Ruben Dias lá atrás e, provavelmente, outro galo, que não o francês, cantaria.

    Entretanto, começo a perder a paciência para as novelas em torno de Cristiano Ronaldo. Aceito que ele tenha lugar garantido na equipa até aos 50 anos, jogando pouco ou nada. Reconheço que Portugal lhe deve muito. São cinco Mundiais e cinco Europeus nas pernas de Ronaldo, e apenas seis (três Europeus e 3 Mundiais) nos restantes 80 anos de História do futebol português. Portanto, se Ronaldo for o Miura português e jogar até aos 60, por mim tudo bem.

    Não pode é continuar a exigir o tratamento, tempo de jogo e atenção como se a selecção fosse Ronaldo + 10. Não é. Há alguns anos que já não é.

    A FPF vive obcecada com os recordes de Ronaldo e não há jogo em que ele fique de fora, porque há sempre um recorde novo para bater. Até há poucos meses nem sequer era substituído, nem que fosse um jogo contra o Kuwait. Agora, perante as evidências, vá lá, que já há coragem de substituir Ronaldo. A selecção de 2016 ganhava apesar do Fernando Santos. A de 2022 ganha apesar de Fernando Santos e Ronaldo.

    A gratidão, a tão afamada gratidão que os life coaches usam a cada três frases, e que todos devemos a Ronaldo, não pode toldar o espírito do jogo e o seu objectivo. É um desporto colectivo, dividido em momentos de ataque, controlo e defesa. O Ronaldo, nesta fase, não faz nenhum. Mas mantém a arrogância de quem não aceita a realidade. 

    Não gosto das manifestações de ódio que Ronaldo desperta. Nunca Portugal teve alguém, em qualquer ramo de actividade, que tenha atingido, durante tanto tempo e de forma constante, o topo do Mundo. É verdade que muitas pessoas nem sabem onde fica Portugal mas sabem quem é Ronaldo. E para lá da marca global em que se tornou, os méritos desportivos são inegáveis. É um dos três melhores jogadores de sempre. Portanto, a memória não pode ser curta.

    Mas não podemos, por causa disso, comprometer o desempenho da selecção e as aspirações num Mundial. Ronaldo pertence a esta equipa e merece lá estar. Mas não pode estar todos os jogos, 90 minutos. Já não dá. Está a prejudicar.

    Cenas como a de ontem, com o desaforo entregue a Fernando Santos (“estás com uma pressa do c**** para me tirar, f***-se!”) fazem as manchetes do dia de hoje. Discute-se mais a azia de Ronaldo do que o jogo miserável contra a Coreia. 

    Estou longe de ser um fã de Fernando Santos, mas se há homem que tem aparado os golpes todos a Ronaldo, tem sido ele. São cenas atrás de cenas com treinadores, reclamações com os colegas e falhanços atrás de falhanços.

    A tentativa da FPF de controlar danos, com a história do impropério dirigido ao sul-coreano, é quase deprimente. Mais do que nos atirar areia para os olhos, tratam-nos como se fôssemos uma cambada de idiotas.

    Alguém tem de dizer a este homem que está, em poucos meses, a destruir o crédito acumulado e a encher a paciência de quem o idolatrou, justamente, durante toda a sua carreira.

    A sério Ronaldo, já chega. Joga ou deixa jogar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vem aí o relógio suíço

    Vem aí o relógio suíço


    Ontem escrevi aqui que o Fernando Santos ia devolver a gentileza a Luis Enrique, perdendo o jogo com a Coreia e apostando tudo no “lado brasileiro” da competição. Há que dizer que tentou. Entrou com segundas linhas e ainda meteu o André Silva, ou seja, ninguém pode acusar o nosso engenheiro de não ter tentado.

    Uma coisa que nunca entendi nestas competições é esta necessidade de rodar as equipas, e “descansar” quando o apuramento está garantido. Descansar de quê? Miúdos de 20 e tal anos ficam cansados de jogar à bola de quatro em quatro dias? Cansado fico eu de trabalhar todos os dias com este frio de Dezembro, que devia ser proibido.

    À mesa, com um grupo de portugueses residentes na Suécia, discutia a influência de Ronaldo na selecção portuguesa, enquanto Son corria metade do campo sem que o Palhinha lhe desse a “varridela” desejada e necessária. Um deles tentava explicar-me que Ronaldo ainda era letal em frente à baliza, embora cada jogada nos contasse o contrário.

    Eu faço parte daquela geração que cresceu a ver Portugal fora das grandes competições, portanto, se alguém quiser fazer um estátua ao Ronaldo no Marquês do Pombal e deixá-lo jogar na selecção até aos 50, eu assino por baixo. Portugal deve umas coisas a este extraordinário atleta. Mas não me digam que ainda é letal. Não é, infelizmente.

    O jogo da selecção portuguesa, pela terceira vez neste Mundial, foi pobre, muito pobre. Uma confusão de posse de bola e passes laterais, sem procura de baliza ou qualquer objectividade na procura do golo. Acaba por desesperar qualquer crente.

    A boa nova é que Paulo Bento também passou e o Gana vingou-se, finalmente, de Luis Suarez. A história acaba sempre por se endireitar. E todos gostamos do Son, que é uma espécie de herói da banda desenhada.

    Os jogos da noite trouxeram, entretanto, a notícia mais ou menos esperada: a Suíça, liderada pelo albanês Xhaka, enviou a Sérvia para casa num jogo rasgadinho. Como dizia um companheiro de jornada, o Xhaka pagou com a pancada que levou nas pernas a independência do Kosovo. Confesso que a vitória dos Camarões perante o super-favorito Brasil me deixou alguma esperança. Eram por eles que torcia no grupo G.

    Portugal sabe agora que disputará os oitavos com a Suíça, uma selecção chata, competente e que, há pouco tempo, venceu Portugal numa qualificação. Quando as contas se fecharam, comecei a implorar aos céus que não fosse Luís Freitas Lobos a comentar o jogo: quantas vezes é que se consegue usar a expressão “relógio suíço” durante 90 minutos?

    Para selecções com aspirações – como Portugal, Argentina, França, Brasil e Espanha –, começa verdadeiramente agora o Mundial. O caminho dos comandados de Fernando Santos é, em teoria, incrivelmente complicado até à final: Suíça, Espanha e França. 

    Vamos precisar um bocadinho mais do que o Éder, desta vez. A minha fé, essa, está inabalável: ainda não acredito. É preciso jogar mais. Muito mais.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Viva o dinheiro!

    Viva o dinheiro!


    Todos os dias falamos de dinheiro. Muitos de nós o amaldiçoam. Atribuímos-lhe a origem de todos os males: de guerras, de conflitos, de injustiças. Outros, falam do dinheiro como se tivesse sido algo inventado pelos Governos; por um decreto-lei: crie-se o dinheiro. Nada mais longe da verdade!

    O dinheiro significa civilização. O dinheiro provém de um processo de mercado; algo que os seres humanos tiveram de “inventar” para que a civilização, o comércio e a riqueza pudessem prosperar. Sem a sua existência, seguramente teríamos de viver na Idade da Pedra, pois a especialização do trabalho seria praticamente impossível.

    Como surgiu então? Qual foi o processo de mercado que deu origem ao dinheiro.

    Etapa 1: da troca directa para a troca indirecta.

    A troca directa exige a dupla coincidência de desejos. Para que uma costureira obtenha uma dúzia de ovos, em troca de umas calças, não é suficiente que prefira os ovos às calças. O criador de galinhas também deverá preferir as calças aos ovos. Esta dupla coincidência de desejos é algo extremamente difícil de ser obtida; ou seja, trata-se de pura sorte encontrar uma costureira a desejar ovos e um criador de galinhas vestido sem calças.

    No entanto, a costureira pode resolver esse problema, recorrendo à troca indirecta. Por exemplo, a costureira pode reparar que o criador de galinhas precisa de castiçais e o fabricante de velas precisa de calças. Ela pode, então, trocar as suas calças por alguns castiçais com o fabricante de velas e, em seguida, trocar esses castiçais por uma dúzia de ovos com o criador de galinhas. Neste caso, os castiçais foram o meio de troca da nossa costureira. Foram apenas utilizados de forma indirecta na obtenção de ovos.

    Mas a solução de troca indirecta ad hoc é muito limitada. Ainda seria preciso muita sorte para a costureira encontrar alguém que esteja a oferecer algo que o criador de galinhas deseja e que também deseje calças.

    O cenário mais próximo da realidade seria uma série de trocas mais longas para que a costureira obtivesse os ovos. Talvez ela precisasse de trocar calças por cordas; depois, cordas por madeira; madeira por peixes; peixes por castiçais; e, por fim, castiçais por ovos. E todos os outros bens que a costureira deseja, como leite ou fruta? Certamente, iria obrigar a costureira a passar por outro pesadelo.

    orange and white egg on stainless steel rack

    A necessidade de troca indirecta é cada vez mais necessária à medida que a divisão do trabalho aumenta e os desejos dos consumidores se tornem mais complexos. Numa sociedade tribal, em que cada família produz aquilo que consome, a troca indirecta é desnecessária: não existe necessidade de realizar trocas. Quanto mais as pessoas se especializam a produzir um determinado bem ou serviço, menos provável é que qualquer indivíduo possa adquirir as várias coisas que deseja em troca do produto ou serviço de nicho que apresenta ao mercado.

    Etapa 2: de meio de troca para meio comum de troca

    Para que um determinado bem se torne um meio comum de troca irá depender da sua liquidez; por outras palavras, da sua “vendabilidade“. De que se trata? Da facilidade de o vender no mercado: (i) no momento em que desejamos e (ii) de acordo com os últimos negócios realizados, ou seja, em linha com os preços actuais praticados.

    Para melhor ilustrar, vamos utilizar o exemplo de um pão, o bem líquido – mais vendável –, e um instrumento náutico, o bem não líquido – menos vendável.

    No nosso exemplo, o proprietário do pão está numa posição privilegiada face a alguém que deseja vender um instrumento náutico.

    O primeiro bem é mais vendável que o segundo. Isto não se trata de afirmar que o proprietário do instrumento náutico não o poderá vender; se este último baixar o preço, ou seja, pedir menos bens em troca do seu instrumento, alguém o comprará. O vendedor do instrumento náutico só poderá vendê-lo, em linha com os últimos negócios que ocorreram no mercado, caso se dedique a pesquisar compradores que compreendam o valor do seu instrumento náutico e participaram em anteriores negócios semelhantes. Precisamente o contrário do vendedor do pão: este não precisa de pesquisar compradores para encontrar rapidamente um negócio, de acordo com os preços actuais.

    persons hand on brown soil

    Devido ao reconhecimento desta desvantagem, associada aos bens não líquidos, os fornecedores destes bens, os menos vendáveis, tendem a trocá-los por bens mais líquidos (facilmente vendáveis), antes de entrarem no mercado a procurar os bens que desejam. Tal facto desencadeia uma espiral ascendente de comercialização para um grupo restrito de bens – os mais líquidos do mercado.

    A elevada liquidez destes bens atrai mais procura, o que aumenta a sua comercialização, o que atrai ainda mais procura, e assim por diante. Este processo continua até que apenas alguns bens sejam seleccionados como meio comum de troca.

    Etapa 3: de meio comum de troca a dinheiro

    O processo de selecção irá parar quando os indivíduos apenas desejarem comercializar os seus produtos e serviços pelo bem mais vendável do grupo restrito de meios comuns de troca. À medida que incrementa o consenso sobre qual o meio comum de troca mais comercializável, a espiral ascendente de comércio para esse bem tenderá a beneficiá-lo em desfavor dos demais.

    Assim, os meios de troca comuns inferiores tendem a sair inteiramente do mercado. A partir daí um único meio de troca passa a ser universalmente utilizado. Por outras palavras, esse meio comum de troca tornou-se dinheiro – também podemos chamar divisa ou moeda. Passou a ser o bem utilizado universalmente como intermediário de todas as trocas de uma dada Economia ou comunidade.

    stack of books on table

    Ao longo da História, várias matérias-primas foram utilizadas como moeda, como, por exemplo, argila, couro, papel, bambu, sal e missangas. No caso desta penúltima, podemos mencionar as seguintes curiosidades. Os soldados romanos eram parcialmente pagos com sal. Diz-se que daí vem a palavra soldado – sal dare, que significava dar sal. Da mesma fonte, obtemos a palavra salário – salarium. O sal foi dinheiro no Império Romano, devido à sua escassez e elevado valor.

    As funções do dinheiro

    Já mencionamos a principal e primeira função do dinheiro: ser aceite e utilizado universalmente como intermediário de todas as trocas numa dada economia. As demais funções derivam desta. A segunda função é ser unidade de conta. Todos os bens e serviços de uma dada economia passam a ser medidos em dinheiro: 0,65 euros por um café; 1,60 euros por um litro de água.

    A reserva de valor é a terceira função. Neste caso, quem detém dinheiro possui a expectativa de no futuro poder vendê-lo no mercado e obter a mesma quantidade de bens e serviços. Desta forma, decide guardá-lo para utilizá-lo no futuro.

    Os metais preciosos – em particular o Ouro, pelas suas características, que irei detalhar seguidamente –, foram o dinheiro utilizado pela Humanidade ao longo de mais de cinco mil anos. Que características deverá possuir um bem para tornar-se dinheiro?

    Ser portável

    O dinheiro deverá ser facilmente transportável ou transferível de um determinado proprietário para outro. Os metais preciosos possuem essas características. Com um relativo baixo custo de transporte é possível transferir com facilidade de um ponto para outro o Ouro ou a Prata. Mas com algumas limitações.

    Assim, criaram-se os substitutos do dinheiro; um dos exemplos: o papel-moeda. O seu portador, ao viajar de uma cidade para outra, sabe que essa nota é convertível de imediato em Ouro; assim, o transporte de papéis torna ainda mais fácil e barato o processo de transporte de metais preciosos.

    Em conclusão, a transferência de propriedade, da pessoa A para a pessoa B, por exemplo, a baixo custo é de extrema importância, em particular se as pessoas A e B se encontram em geografias completamente distintas.

    Divisibilidade

    Uma das características importantes que o dinheiro deverá apresentar é a sua divisibilidade em unidades menores, sem perder valor, a fim de permitir a aquisição de bens ou serviços mais baratos.

    A título de exemplo, as pedras preciosas nunca foram utilizadas como dinheiro devido a esta dificuldade. Apesar de ser possível dividi-las com facilidade, agregá-las novamente e manter as mesmas características é praticamente impossível. No entanto, com os metais preciosos tal é possível: podemos dividir e agregar pequenas unidades com relativa facilidade –  o processo de fundir metais preciosos. Apesar de tudo, este processo não está isento de custos.

    assorted coin lot

    Armazenamento

    Deverá ser possível armazenar o dinheiro a baixo custo. Igualmente, não deverá depreciar ao longo do tempo.

    Os presidiários tendem a eleger os cigarros como moeda; em muitos casos, ao longo do tempo, tudo na cadeia é medido em cigarros. Por exemplo, três cigarros por uma refeição extra; 20 cigarros por um par de calças. Apesar de tudo isto, os cigarros não são utilizados pela sociedade como dinheiro porque perecem; ou seja, ao longo do tempo as suas características vão-se deteriorando.

    Nas sociedades antigas, muitos bens usados como moeda – como, por exemplo, ovos ou gado –, deixaram de o ser precisamente porque as suas características não são homogéneas ao longo do tempo. Perecem, são consumidos ou morrem; tal nunca deverá acontecer com o dinheiro.

    Os metais preciosos mantêm as suas características ao longo do tempo. O ouro utilizado por um soldado romano há dois mil anos mantém agora as características.

    Reconhecido e homogéneo

    Para poder facilitar uma troca, o dinheiro necessita de ser reconhecido e ser homogéneo. Se, em cada troca, a parte que o recebe tem de o escrutinar, pesar e testar, tornar-se-á qualquer transacção em algo extremamente oneroso.

    pink pig coin bank on brown wooden table

    Outra das razões para a não adopção das pedras preciosas como dinheiro deve-se a este aspecto. Em cada transacção teria de existir um perito para averiguar a sua veracidade; ou seja, avaliar se é falsa ou não.

    A cunhagem de metais preciosos veio resolver esta questão. Este processo permite facilmente identificar a quantidade e a veracidade, facilitando a transacção. Apesar de tudo, ao longo da História, os monarcas e o poder sempre lutaram pelo monopólio da cunhagem; muitas vezes, utilizaram este poder para falsificar este processo em seu benefício.

    Escasso e estabilidade de valor

    A última característica determinante é a escassez e a estabilidade de valor. Os metais preciosos são escassos na Natureza e obrigam a um elevado esforço para a sua obtenção – a mineração.

    Ao ser escasso, o seu valor terá mais probabilidade de se manter ao longo de séculos. Esta é uma das características que os proprietários do dinheiro procuram quando o utilizam como reserva de valor. Daqui a cinco ou 10 anos irão poder adquirir os mesmos bens e serviços, ou inclusive mais, beneficiando dos incrementos de produtividade que se produzem ao longo do tempo – por exemplo, os computadores tendem a diminuir de preço, atendendo que é possível produzir mais e a um custo menor.

    Benefícios da existência do dinheiro

    Sem a existência do dinheiro, muitas trocas, hoje banais, seriam impossíveis. Numa comunidade onde apenas existe a troca directa – o Estado primitivo da Humanidade, acima descrito –, uma pessoa que deseje vender os seus serviços de investigador para o desenvolvimento de medicamentos não teria qualquer possibilidade de sobreviver. Apenas os fornecedores de bens e serviços de consumo, como pão ou leite, teriam possibilidade de participar no mercado; os demais, estariam excluídos.

    gold and silver round coins

    O dinheiro permite a existência de várias etapas de produção até à entrega do bem ou serviço ao consumidor final. Por exemplo, a produção de um carro envolve várias etapas para a sua produção: desde a exploração mineira para a obtenção do aço, a peles para a produção dos estofos.

    Em troca da concepção do motor do automóvel, um engenheiro recebe dinheiro pelos serviços prestados; com este poderá adquirir os bens de consumo indispensáveis ao seu dia-a-dia. Ou seja, vende serviços de engenharia relacionados com a concepção de motores em troca de dinheiro. Em conclusão, o dinheiro permite uma Economia complexa, que implica várias etapas produtivas até à venda final do bem ou serviço ao consumidor, bem como a especialização.

    Outro aspecto relevante do uso de dinheiro resulta da facilidade de conceder crédito entre os participantes do mercado. Efectivamente, o crédito pode ser possível com outros bens, mas o dinheiro simplifica em muito este processo. Podemos ilustrá-lo com um exemplo.

    Vamos supor que a pessoa A tem um excesso de bananas (por exemplo, 10 unidades) que não deseja consumir no próximo ano. Está assim disponível para proporcionar a outros o consumo desse excesso; em troca exige que daqui um ano lhe entreguem 11 bananas como contrapartida do seu sacrifício. Ou seja, pede uma remuneração de 10% (1 ÷ 10).

    Aqui colocam-se três questões. Em primeiro lugar, como definir a qualidade das bananas que irão ser devolvidas daqui a um ano; qual o critério de peso, tamanho e cor?

    Em segundo lugar, as bananas daqui a um ano irão ter o mesmo valor de mercado? Como prever com exactidão o clima, a produção e as preferências dos consumidores daqui a um ano?

    O terceiro e último está relacionado com um dos problemas apontados à troca directa. Como encontrar um mutuário que esteja interessado em receber um crédito de bananas?

    O dinheiro vem solucionar todas estas questões. Como é homogéneo, uma das características do ouro, a discussão sobre a qualidade do que se devolve como pagamento do crédito não se coloca.

    Por outro lado, um bem para ser seleccionado como dinheiro deverá apresentar como uma das suas características a estabilidade do seu valor – por isso, a necessidade de ser escasso. Por essa razão, muitos economistas comentam a taxa real de juro. Esta última deverá cobrir a remuneração desejada por quem concede o crédito – no nosso exemplo 10% por ano – e a depreciação do valor do dinheiro, aquilo que designamos por inflação. A taxa de juro real é precisamente a remuneração do prestamista – o que concede o crédito. Se a inflação é de 2% ao ano, no nosso exemplo, o prestamista deverá exigir 12%, aproximadamente, 10% da sua remuneração – a taxa real de juro – e 2% pela depreciação do valor do dinheiro.

    Por último, no momento em que o crédito é devolvido ao prestamista, este último pode adquirir os bens e serviços que entender, não obrigando à pesquisa de mutuários que desejem um determinado bem. Em conclusão, o dinheiro permite a existência de crédito, pois simplifica-o substancialmente.

    Talvez o último aspecto do dinheiro, e o mais importante, seja a possibilidade de empreender. Sem dinheiro não existiam empresários. Empreender consiste na identificação de uma necessidade do consumidor e servi-la com lucro. Para tal desiderato, o empresário contrata serviços, capital e colaboradores. O empresário arrisca o seu capital em troca de um lucro futuro expectável, enquanto os colaboradores vendem os seus serviços – o trabalho – a troco de uma remuneração em dinheiro estável que lhes permite adquirir bens de consumo. A possibilidade de lucro atrai empresários à produção de um determinado bem ou serviço.

    O surgimento do iPhone tinha como objectivo integrar os serviços de comunicação de um telefone com os de um computador pessoal (aplicações, agenda, navegador de Internet…). Para decidir a viabilidade do projecto, o empreendedor teve de estimar receitas, custos e investimentos necessários à prossecução do mesmo numa única moeda. Tal é possível, porque tudo está medido em dinheiro, no caso do iPhone, foi em USD.

    Sem dinheiro, a função empresarial não existiria. Seria como actuar às cegas. Imaginemos se recebêssemos bananas, laranjas e pão em troca de iPhones, as nossas receitas. Agora os nossos custos: teríamos de pagar aos engenheiros em leite, ovos e mel; aos fornecedores de electricidade em bananas e mangas. Como seria possível determinar a viabilidade de qualquer projecto? Apenas o dinheiro permite medir a viabilidade e o sucesso de um projecto, caso contrário, seroa como jogar no escuro.

    group of people doing jump shot photography

    Em conclusão, podemos dizer que o aparecimento do dinheiro foi um processo de mercado, em que uma determinada matéria-prima foi seleccionada pela sua liquidez e características.

    As três principais funções da moeda são: (i) intermediário universal de todas as trocas; (ii) unidade de conta e (iii) reserva de valor. Os metais precisos, em particular o Ouro, foram seleccionados como dinheiro pela humanidade pelas suas características únicas. O dinheiro, ao contrário do que muitas vezes é propagado, representa a prosperidade e a possibilidade de uma economia complexa – várias etapas de produção, função empresarial e crédito.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • O poder e a fé na santinha

    O poder e a fé na santinha


    A terceira ronda da fase de grupos deste Mundial tem sido um regalo no que toca a surpresas. Hoje foi a vez da Bélgica se despedir, depois de Lukaku ter falhado um número suficiente de golos para, amanhã, ser novamente referido na imprensa do seu país como um jogador de ascendência congolesa. Extraordinário foi o apuramento marroquino num grupo que contava com um finalista e um semi-finalista do último Mundial. A Croácia e a Bélgica são agora duas selecções envelhecidas, jogaram muito menos do que seria expectável e, no fim, saiu a fava aos belgas. 

    No jogo que importava a Portugal, o Japão venceu de forma surpreendente a Espanha que, já em tempo de descontos, não parecia muito interessada em correr atrás do prejuízo. A “prenda” pela passagem japonesa será um confronto com a Croácia nos oitavos e, provavelmente, o Brasil nos quartos-de-final. Já Espanha, com o seu segundo lugar, não só despachou a Alemanha como garantiu um caminho para a meia-final com Marrocos e Portugal (esperamos nós) pela frente. Assim de repente, parece-me o melhor lugar do grupo.

    white and black ball on white metal frame

    Entretanto, eu imaginei Fernando Santos ajoelhado em cima de pinhas, com velas em redor e um conjunto de rezas poderosíssimas, durante os 90 minutos dos jogos de Espanha e da Alemanha. Perto dos 70 minutos, a conjugação de resultados eliminava Espanha e Alemanha: O Japão e a Costa Rica estavam então em vantagem por 2-1. Tal era o poder da santinha… Não deu até ao fim, mas a santinha tem poderes.

    Com os resultados de hoje, Portugal deixou de ter um caminho simples pela frente. Depois dos oitavos, onde se espera que defronte Suíça ou Sérvia, selecções com quem perdeu nos últimos anos por acaso, deve cruzar-se com Espanha e França.

    Isto, claro, se a lógica do mais forte imperar e contrariar um pouco as montanhas-russas da fase de grupos.

    person holding gold trophy

    Por esta altura, já não sei se é melhor acabar em primeiro ou segundo. No caso do segundo lugar, do lado de lá estará o Brasil e uma Argentina que joga muito pouco. Do lado do primeiro lugar no grupo, estarão Espanha, França e Inglaterra. Os espanhóis fizeram contas conosco e deixaram um presente amargo no dia da Restauração. Se a santinha disser ao Fernando Santos que eliminamos o Brasil nos oitavos, a partir daí é passear até à final, eu aposto no salto de fé.

    Por fim, aguardo com expectativa para ver se o André Silva entra no 11 amanhã. Se sim, encararei como um sinal de operação em marcha. Um “depois do adeus” da fé inabalável nas Arábias e a devolução do presente envenenado a Luiz Enrique.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Da comida de pobre e da hipocrisia da distribuição e do Estado: o caso das campanhas do Banco Alimentar

    Da comida de pobre e da hipocrisia da distribuição e do Estado: o caso das campanhas do Banco Alimentar


    A Sonae aumentou em 33% os seus lucros nos primeiros nove meses do ano, para 210 milhões de euros.

    Por sua vez, a Jerónimo Martins lucrou 419 milhões de euros, representando uma subida de 29% também nos primeiros três trimestres de 2022.

    E entretanto o Banco Alimentar fez, no fim de semana passado, mais uma campanha de recolha de bens alimentares. Onde? Nos supermercados com lucros excessivos, claro, como habitualmente.

    bunch of vegetables

    Confesso que, por mais que estas campanhas de solidariedade me possam suscitar simpatia, e em particular as do Banco Alimentar – que já leva 31 anos de existência –, cada uma delas me causa alguma irritação e frustração.  

    Por um lado, porque me vem sempre à memória o dito em 2012 da sua sempiterna presidente Isabel Jonet de que “não podemos comer bifes todos os dias” – e não era um manifesto ecológico nem vegan. A visão miserabilista do pobre ou do necessitado, que não pode almejar comida variada e decente, provoca-me alguns engulhos, ainda mais por estar mais ou menos “convencionado” aquilo que lhe deve ser ofertado: sobretudo alimentos com prazo de validade longo para ser fácil de armazenar e distribuir. Para dar, mas para dar pouco trabalho.

    Por isso, como se pode ver na lista de bens doados online no Banco Alimentar, lá temos sempre o mesmo: por agora, 16.153 litros de azeite, 14.213 litros de óleo, 35.534 litros de leite, 29.132 quilos de atum, 25.029 quilos de salsichas e 28.091 quilos de arroz. Não há mais alternativa?

    Por mais que possamos considerar meritórios os esforços destas associações – que trabalham com voluntários, e portanto todos fazem mais do que eu, nessa perspectiva –, na verdade, a filosofia está toda errada. Não apenas porque o esforço acaba por ser contraproducente para uma solução condigna face à pobreza crónica, como dá sinais ao Estado – e à sua mastodôntica e ineficaz estrutura de Segurança Social – para continuar a aproveitar-se destes movimentos sociais para pouco ou nada fazer em prol de uma solução profissional.

    Aliás, pessoalmente, causa-me estranheza a reacção da sociedade perante os falhanços do Estado profissional, que deveria ser competente porque vive dos nossos impostos: cria estruturas voluntárias, que, embora pareçam atenuar os efeitos da incompetência do Estado, apenas o incentivam a ser ainda mais incompetente. A sociedade deveria sim pressionar mais o Estado a ser competente e eficaz.

    Não se acaba com a pobreza, e com a fome, sempre mantendo a mesma receita: quilos e quilos, e litros e litros, de azeite, de óleo, de atum, de salsichas e de arroz. Sempre e sempre os mesmos produtos, sempre e sempre as mesmas soluções, sempre assentes num modelo pseudocristão de compaixão e piedade, mas que se mostra indigno, por se perpetuar.

    person holding brown leather bifold wallet

    Além disso, é ainda mais indigno que o Estado até lucre com as campanhas do Banco Alimentar e de entidades similares. E isso encanita-me. Não apenas naquilo que “lamentavelmente” poupa recursos – porque não gasta nas ajudas alimentares à população desfavorecida – como tem receita pelo IVA arrecadado dos doadores que compram os bens.

    E, claro, no meio disto, ganham também os supermercados que aderem – claro que aderem, de braços abertos – às campanhas do Banco Alimentar, porque nesses dias aumentam a facturação.

    Para atenuar esta hipocrisia do Estado e dos supermercados, pelo menos que existisse um sistema que permitisse a selecção de determinados bens alimentares, especificamente destinados à campanha, com preços especiais, deduzidos do IVA e da margem de lucro dos distribuidores. No limite, os próprios produtores dos bens poderiam também vender sem lucro aos distribuidores os bens para essas campanhas.

    E, já agora, criando um sistema de armazenamento e distribuição – ou um modelo de créditos em lojas, que possa incluir frescos, carne e peixe – para que se deixe de doar quase em exclusivo “comida de pobre”. Já chateia, nestas campanhas, ver as “tríades” azeite-óleo-leite e atum-salsichas-arroz.

  • Queres ser português de primeira? Concorre para nómada!

    Queres ser português de primeira? Concorre para nómada!


    Tenho ideia que a primeira pessoa com quem interagi na Suécia, com alguma regularidade, foi um senhor da Síria. Nos idos de 2006, quando aqui cheguei, foi ele o primeiro a dar-me a visão de um emigrante sobre a realidade nórdica, de cada vez que ia à pizzaria dele comer qualquer coisa com banana ou ananás. Sim, eu gosto de fruta na pizza, e há que saber viver com essa realidade.

    Dizia-me ele, sem grandes saudades da Síria – e foi antes da guerra civil, note-se –, que a Suécia era um paraíso. Defendia que, se o país tivesse sol, viveriam aqui 90 milhões e não os nove milhões de então. Quase 17 anos depois continuo a não concordar com ele. É difícil encontrar um paraíso longe de casa, mas o número dos nove milhões ficou-me para a década seguinte.

    white and black high rise buildings during sunset

    A Suécia no início do século XXI vivia uma política de incentivo à natalidade. Dada a sua dimensão geográfica, o envelhecimento populacional e a quantidade de empregos gerados pela forte Economia, era mais ou menos simples entender que a Suécia precisava de mais gente. O período que ficou conhecido como baby-boom, a que se juntaram várias vagas de emigração, resultaram num crescimento da população de cerca de um milhão no espaço de 20 anos, mais de 10%.

    Lembro-me de chegar de Portugal e ter a mentalidade que um filho seria um custo e um objectivo a realizar depois de estar financeiramente estável e, ao meu lado, um colega de trabalho preparava-se para ser pai enquanto a mulher estudava na universidade. O custo de ter uma criança era nulo e os benefícios, vários.   

    No mesmo período de tempo, Portugal viu a sua população diminuir em cerca de 500 mil habitantes e aproximar-se dos 10 milhões, onde cerca de 30% têm mais de 60 anos. 

    woman holding man and toddler hands during daytime

    Portanto, quando vejo que metade dos portugueses trabalham para suportar a outra metade – que se divide pelos que já não contribuem (reformados) e pelos que um dia contribuirão (crianças e estudantes) –, imaginei que uma política de natalidade daria jeito.

    Coisas simples como mais dias para gozar a paternidade/ maternidade, creches gratuitas em número suficiente, um abono de família que não fosse uma esmola, manuais escolares gratuitos e quejandos do género. Nada muito elaborado…

    Mas não, Portugal nunca fez nada disso. Portugal apostou nos últimos 20 anos em trazer turistas que ficam por cá uns dias e, de vez em quando, se a paixão assim ditar, mudam-se para uma das colinas. Queremos Madonnas. Ou chineses ou russos, que por cá venham investir 500.000 euros num apartamento qualquer inflacionado no preço, a troco de um passaporte europeu e de mais umas achas para a fogueira da especulação.

    man riding on vehicle looking for map

    Também escolhemos abocanhar as reformas dos velhotes escandinavos, deixando-os aqui viver sem nada pagar, e durante anos lá fomos ouvindo os raspanetes do Governo sueco, que via a receita fugir-lhe mas continuando a proporcionar aos seus reformados o Estado Social. Para as reformas miseráveis dos velhotes portugueses, nem uma borla que se visse ou um aumento de jeito que se contasse.

    Agora, sempre na onda da modernidade saloia, Portugal tenta atrair os nómadas digitais, dando-lhes benefícios fiscais que não estão disponíveis para o comum dos portugueses que aqui residem. Um deputado do PS, madeirense, defendia o sucesso da iniciativa piloto feita na Ponta do Sol, uma belíssima localidade na ilha da Madeira.

    O centro de trabalho partilhado, o sol da ilha, o atractivo fiscal, a facilidade com as ligações aéreas. Tudo a funcionar melhor do que o esperado, e os nómadas digitais, carregados com os seus Macs e iPhones, foram chegando em números interessantes à ilha.

    man on sun lounger using laptop

    Dizia um dos responsáveis do projecto, com satisfação, que os nómadas deixavam na comunidade local, em média, 2.000 euros por mês. Não sou grande coisa a medir o sucesso, mas, assim de repente, 2.000 euros por mês parece-me a factura que qualquer família tem, entre renda ou prestação da casa, crédito do carro, contas da casa e abastecimento do frigorífico. Já parto do princípio que não compram roupa ou vão a um espectáculo cultural fora de casa.

    Portanto, visto daqui, os nómadas estão a receber benefícios fiscais para gastarem o mesmo que os locais gastam, com a agravante de terem de pagar mais impostos. Provavelmente, a maior parte desses nómadas, pela definição de nómada, partirão para outras paragens quando melhores condições aparecerem. Serão, quando muito, uma parte da população móvel. Julgo ser difícil estimar quantos, de facto, contribuirão para Portugal durante um período considerável.

    Nada tenho contra nómadas digitais. Aliás, se pensar naquilo que é a minha vida e situação profissional, até encaixo no conceito de nómada. E, sinceramente, é uma condição laboral que me agrada, a de não estar preso fisicamente a lado nenhum. Só não percebo é por que razão deve um nómada ter vantagens fiscais que os residentes não têm.

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    Um país que não consegue garantir qualidade de vida a grande parte da sua população, deve concentrar esforços e recursos para atrair moradores temporários? Não devia o Governo tentar, primeiro, inverter a curva de crescimento populacional? Ou combater os baixos salários? Ou tentar ajudar os 50% que estão perto da pobreza? 

    Em simultâneo, os nossos jovens continuam a formar-se e a sair do país, em busca de salários decentes e de uma vida que não seja dominada pela pobreza ou pela voracidade da máquina fiscal.

    Todas estas medidas, quase patéticas, de atrair habitantes – também há uma em curso para emigrantes – fazem-me lembrar aquelas quedas gigantes que abriam joelhos na década de 90, quando era normal ver miúdos a correr na rua em zonas de alcatrão rugoso, posteriormente tapadas com um penso rápido que invariavelmente se colava ao sangue e infectava aquilo um bocadinho mais.

    Desde os tempos do Cavaco que vejo estradas e mais estradas, vagas de emigração, salários estagnados, corrupção inesgotável, clientelas como abutres no erário público. E depois, quando os governantes percebem que falta gente para produzir num país cada vez mais pobre, lançam estas campanhas saloias que nos vão transformando, cada vez mais, na República Dominicana da Europa. Venham para cá viver, há sol, praia e custos reduzidos. Para quem vem, não para quem já cá estava.

    high-angle photo of road with vehicles

    Pouco ou nada se faz para quem já está em Portugal, para que queira por cá continuar, formar família e deixar descendência. Desde 2006, perdi a conta ao investimento em estradas portuguesas, e já não sei em quantas autoestradas vamos. Vi que já há uma A30 e qualquer coisa, portanto, entre IPs, SCUTss e as ditas cujas, já devem ser mais de 50. Os suecos continuam com o mesmo número delas – bastante miseráveis, por sinal –, e, no total dos 2.500 quilómetros de comprimento do país, não devem chegar a 15% da quantidade que nós temos entre Faro e Bragança. 

    Mas cada casal tem em média mais de dois filhos e em menos de duas décadas fizeram a população crescer em quase um milhão de pessoas.

    Coisas que me parecem tão simples, opções que julgo serem tão óbvias, quando leio notícias sobre uma população envelhecida, feliz porque um gajo de iPods vai passar uns meses à Madeira.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Dia de surpresas e utopias

    Dia de surpresas e utopias


    Pedro Henriques nunca me encheu as medidas quando fazia o corredor direito do Benfica; mas também não desiludiu. Era como um prato de bacalhau à brás: mastiga-se, embora todos saibamos que à lagareiro é que é.

    Já como comentador está como peixe na água. Ouvi-lo é como ver a bola no café com os amigos. Aprecio particularmente o termo “guardanapo” para descrever uma pancada mais forte. Gosto. É o oposto do Luis Freitas Lobo, que me faz sofrer com as analogias do bailado e da poesia.

    man playing soccer game on field

    Como dizia o Paulo Bento, bola-pé, andebol-mão. Não estragues a simplicidade da coisa, Freitas.

    Nisto esperei por surpresas. O meu filho só queria que o dia acabasse com a derrota da Argentina. Ele é #teamAveiro desde que começou a falar. Confesso que era um cenário que me agradava. Qualquer adversário mais forte que vá para casa, por mim está óptimo. Sonho com uma final de um mundial entre Portugal e as Fiji.

    Era difícil de ver o desejo do miúdo cumprido. Desde logo porque o roteiro deste Mundial é Ronaldo vs. Messi; e os restantes 798 jogadores estão lá como figurantes. Depois, porque a Polónia joga pouco mais que o Qatar. Com a agravante de o selecionador deixar, repetidamente, o segundo melhor jogador (Milik) no banco.

    A dada altura dos jogos, simultâneos, da Argentina contra a Polónia e a Arábia Saudita contra o México, o desempate para o segundo lugar já ia no número de cartões amarelos, com vantagem para os polacos.

    O dia acabou por ser feito de surpresas, primeiro com a passagem aos oitavos da Austrália, quando se esperava que a Dinamarca fosse a dona do segundo lugar, e depois com a Polónia a ultrapassar o México na diferença de golos, graças ao golo saudita marcado nos descontos. 

    timelapse photo of soccer player kicking ball

    Sorte para a França e para a Argentina que, nos oitavos de final, medirão forças, respectivamente, com Polónia e Austrália. Podem, portanto, começar a engomar o fato de treino para os quartos de final.

    Se a Alemanha não se qualificar (Fernando Santos tem uma reza nova), Portugal pode ter um caminho suave até às meias finais. Se aí chegarmos, devemos apanhar a França. 

    Já a Argentina terá um caminho tranquilo até  às meias, com Austrália e Holanda no caminho.

    Com alguma fortuna, o guião de Hollywood pode mesmo acontecer: Messi e Ronaldo, frente a frente. Nem que seja pela medalha de bronze. 

    Há que sonhar. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • China: é a ditadura, estúpido!

    China: é a ditadura, estúpido!


    Na China, a Matemática vale aquilo que Xi Jinping quiser. Se 1+1 tiver de ser 3; ou for decidido que 1 é igual a 1.000.000, assim se determina sem questionamentos. Ou, quando muito, sob pena de castigos ou morte, com papéis em branco após meses de clausura sem falar, sem protestar, sem comer, mas a ter de calar à mesma.

    Isso é na China, que é uma ditadura. Bem gostaríamos que não fosse. Talvez fosse sensato não terem as potências mundiais – chamemos assim à Europa e Estados Unidos – andado ao longo das últimas décadas hipocritamente esperançosos a negociar com a China – e a vender-lhes dívida como se não houvesse amanhã para continuar o regabofe da impressão de moeda –, pensando que, com jeitinho e comércio, se “convencia” os políticos chineses a respeitarem os direitos humanos.

    Rotundo fracasso ou exercício hipócrita – qualquer que seja a possibilidade, certo é que aqui temos agora, para o Mundo, uma China que se tornou uma superpotência económica e militar, que domina o mercado internacional e que, hélas, tem 1,5 mil milhões de almas, quase 20% da população mundial, a viverem subjugadas a uma elite.

    A China é, portanto, uma ditadura – e acredito que, se antes do “despertar do dragão”, nenhum de nós, quer como cidadão individual quer em grupo, poderia mudar este estado de coisas, penso que agora nenhum político, incluindo Joe Biden e qualquer líder europeu, consegue fazer com que Xi Jinping mude o que quer que seja. Não dá: a China, desejando os seus líderes, continuará uma ditadura, continuará a ser uma ditadura. E vai ser muito difícil mudá-la.

    E vai ser ainda mais difícil mudá-la se o mundo democrático continuar a achar que aquilo que se passa actualmente na China são manifestações contra a política “zero covid”; como se, de um lado, tivéssemos uma entidade governamental preocupada em “vencer o vírus” – o alcançado sonho húmido do almirante Gouveia e Melo, lembram-se? – e, do outro, grupos de “negacionistas” egocêntricos e desumanos que, a despeito de um inqualificável desrespeito pelas vidas de outrem, querem ir laurear a pevide. E não uma inqualificável opressão do povo que já luta sem medo da morte, porque a vida assim já é pior do que tal sorte.

    white light in tunnel during night time

    Olhem para os números, pelo menos. Não sejam estúpidos, e já que tiveram a sorte de não nascer na China, não queiram aceitar que vos digam que 1 é igual a 1.000.000 – e não aceitem a manipulação da imprensa mainstream, mais as suas agendas. Já nem quero, neste caso, abordar a cobertura da lusitana indigente imprensa, porque, enfim, já se sabe, comporta-se como abjecta caixa de ressonância das agências internacionais ou, na melhor das hipóteses, agrega em si redacções com patentes défices de literacia matemática, que está ao nível de uma primeira classe das antigas – ou seja, olham para um número e vislumbram um gatafunho.

    Vejamos então o que tem saído sobre a China na imprensa internacional mais “credenciada” sobre os “números da pandemia” que, aparentemente, justificam os lockdowns. A Reuters, há dois dias, titulava “China records drop in new daily COVID cases for Nov. 28”. A CNBC titulava, no sábado passado, “China reports third consecutive daily record for new Covid cases”. Ontem, a Sky News titulava “China expands lockdowns as COVID cases soar to daily record high”. E poderia continuar, sempre na mesma toada de justificativos para as medidas governamentais chinesas.

    Recordes, recordes, recordes. Casos, casos, casos. Números, números, números.

    silhouette of person standing near window

    E as mortes não contam? Já não contam como o indicador mais fundamental de uma política de saúde? Onde estão esses números de óbitos para se confrontarem, de modo a se avaliar se as medidas governamentais chinesas são proporcionais ao risco da covid-19 para a saúde pública? Onde estão esses números e esse enquadramento nas notícias, pelo menos da imprensa de países democráticos?

    Pois, se não estão; eu digo-vos: nos últimos seis meses morreram sete chineses por covid-19. Todos este mês de Novembro, é certo, mas são 7. Atente-se a este número: 7. Num país com uma população de 1,41 mil milhões de pessoas e uma taxa anual de mortalidade de 0,77%, significa que, desde finais de Maio até finais de Novembro (seis meses), terão morrido, contas feitas, cerca de 5.544.000 de chineses por todas as causas. Sete foram de covid-19. Sete: repito. Em termos relativos, neste último semestre, a covid-19 foi responsável por 0,00013% das mortes. Uma morte por covid-19 por cada 775.500 mortes.

    Ainda acham que aquilo que se passa na China é uma questão de saúde pública?

    É a ditadura, estúpido!

  • A pandemia no desenvolvimento psicossocial das crianças

    A pandemia no desenvolvimento psicossocial das crianças


    As crianças foram as “grandes vítimas” das medidas restritivas, adoptadas pelo Governo, no combate à pandemia, ao longo destes quase três anos. Medidas essas, implementadas sem base científica que as sustente, tiveram, têm e terão consequências inimagináveis no desenvolvimento psicossocial e emocional das crianças.

    As máscaras, os confinamentos obrigatórios e a constante promoção do distanciamento físico, tiveram impacto nas relações sociais, interpessoais, afectando a população em geral e desencadeando novas aprendizagens “perigosas” na relação com o outro. Uma grande percentagem de crianças, na primeira infância viram-se privadas de um ambiente normal, securizante e saudável, propicio a um desenvolvimento psicossocial, emocional, afectivo, normal. Viram-se cercadas de medos…

    girl in black long sleeve shirt reading book

    As máscaras e o distanciamento físico são causa disso. As máscaras impedem-nos de ver o rosto, consequentemente, de ver a expressão das emoções, ler nos lábios a articulação e produção da linguagem. A psicologia da Gestalt defende que para compreender as partes é preciso compreender o todo. O que acontece quando uma criança que, no início da sua vida, está a conhecer o mundo à sua volta, desenvolvendo competências cognitivas e emocionais, fica privada de ver o rosto das pessoas à sua volta e distante de afectos?

    Que consequências, em termos gerais, advirão destas privações? Não sabemos ainda. Para já, é possível observar atrasos em diversos aspectos do desenvolvimento infantil: atrasos na linguagem e na interacção social e relacional. Assim como alterações comportamentais, relatadas por pais, professores e pediatras: isolamento, problemas de sono, agitação, intolerância aos outros, aumento de agressividade e irritabilidade, entre outras coisas.

    Os confinamentos privaram as crianças de estar com os seus pares, de brincar nos parques, de correr, de ir à escola, de ver e abraçar os avós. Rotinas essenciais para um crescimento saudável. Para além disso, os confinamentos validaram e potenciaram o medo/ ansiedade de um vírus, algo invisível que os podia matar, ou aos seus, ou ainda, serem culpados por transmitirem a alguém e causar o pior desfecho.

    Esta introjecção da culpa, o medo paranóico da transmissão dos “assintomáticos”, o isolamento afectivo provocado pelo distanciamento, são indícios de um aumento de perturbações psiquiátricas e de um compromisso sério da saúde mental infantil (no geral da população, também, mas o enfoque aqui prende-se com uma análise do desenvolvimento infantil, no referido contexto).

    O distanciamento físico traduziu-se num distanciamento afectivo. O afecto, o amor, as emoções são vitais para o ser humano. A relação humana tem alicerces construídos na interacção social, familiar, na troca de afectos (toque, beijo, abraços). As crianças precisam de afecto para um desenvolvimento saudável. Tudo isso ficou comprometido, com tal medida restritiva, ridiculamente validada, com setas e marcações definidas e rigorosamente medidas, em espaços públicos. Acatada, também por muitos, na dinâmica familiar.

    Actividades virtuais, como jantares por videochamada, relações íntimas entre outras coisas, foram as soluções alternativas encontradas por organismos defensores da saúde mental. Promoveram-se novas aprendizagens ajustadas ao “novo normal”, à “nova realidade”. Que consequências terão no ser humano e essencialmente nas crianças, vivenciando uma realidade estranha como parte integrante do seu desenvolvimento cognitivo, social e emocional?

    woman sitting on black chair in front of glass-panel window with white curtains

    Somente com a realização de estudos científicos fidedignos, alguns longitudinais, obteremos respostas a estas questões. Contudo, é possível observar, desde já, alterações comportamentais negativas, aumento de perturbações do foro psicopatológico (ansiedade, depressão, entre outras).

    É urgente intervir. As crianças precisam de apoio psicológico, tendo em conta, a dura experiência pela qual passaram. Precisam de muito amor, compreensão e segurança, que promovam uma caminhada, pela vida, harmoniosa e feliz. Precisam de se sentir seguras num mundo que se encontra em transformações inesperadas, onde reina a incerteza, porém impera sempre a esperança de um futuro melhor.

    Cláudia Leão Lopes é neuropsicóloga


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Taremi, Ronaldo e o rapaz da t-shirt

    Taremi, Ronaldo e o rapaz da t-shirt


    Esperei pelo fim do dia para escrever a crónica de hoje por causa da hora do jogo mais interessante. Estados Unidos contra Irão daria tema similar a um Rocky VII, já que o russo Ivan Drago foi despachado na quarta sequela da série.

    Quando Portugal não está envolvido no jogo, o meu coracão pende sempre para as selecções mais fracas, vindas de países pobres. Se um Mundial não servir para mais nada, serve pelo menos para nos retirar, por uns minutos, da miséria do quotidiano.

    three white-and-black soccer balls on field

    Por isso, gosto sempre de ver as selecções africanas ou sul-americanas envolvidas na festa. A qualificação do Senegal é uma excelente notícia e os jogos absolutamente loucos proporcionados por Gana (contra a Coreia do Sul), Camarões (contra a Sérvia) e Marrocos (contra a Bélgica) foram do melhor e mais puro que vi neste campeonato. Povos que viveram umas horas de felicidade antes de despertarem, novamente, para a sua realidade. E aqui lamento, obviamente, os distúrbios causados por adeptos marroquinos em Bruxelas.

    No Estados Unidos vs. Irão jogava-se muito mais do que futebol. É um despique entre dois países que arrastam, há décadas, rivalidade e antagonismo no plano político internacional. Os Estados Unidos, país carregado de armas nucleares e, até à data, únicos no seu uso, decidem quem no Mundo pode e não pode ter esse tipo de armamento.

    Nessa senda, andam a impor sanções ao Irão, há várias luas, acusando-os de enriquecimento de urânio e tentativa de produção de uma bomba nuclear. A NATO apoia a Ucrânia pelo seu principal fornecedor (Estados Unidos) e o Irão vende drones à Rússia. Nas discussões do Médio Oriente, os Estados Unidos apoiam a Arábia Saudita, Israel, os rebeldes sírios, e ainda os curdos, quando dão jeito. O Irão apoia a Palestina, o Hezbollah libanês e tudo o que os americanos não gostem. Em resumo, são dois países inimigos e, naquela zona do Globo, depois de Iraque e Afeganistão, é o Irão o alvo a abater pelos norte-americanos.

    Close-up of a white line on green grass in a soccer field

    Os jogadores do Irão sentem a pressão de terem o Mundo contra eles. Ouve-se nos assobios durante o hino, percebe-se nas perguntas dos jornalistas. Pouco importa se eles não são responsáveis pelo abjecto regime que os governa e se até, dentro das possibilidades, demonstram publicamente o seu apoio aos que se manifestam nas ruas de Teerão.

    E por isso, por sentir que correm sozinhos contra o Mundo, representando um país que existia e existirá para lá deste regime, eu desejava-lhe um final feliz nesta qualificação. O jogo, no entanto, mostrou uma selecção norte-americana muito superior no campo. Aliás, depois de ver os três jogos desta equipa, é justo dizer-se que no seu soccer os Estados Unidos possuem um conjunto de jogadores muito interessantes. Jogam bem, correm muito, apresentam boa consistência defensiva e circulacão de bola. Vê-se alguma experiência nestas andancas, ao contrário dos parceiros da Concacaf, o Canadá, que joga um futebol de rua, onde atacar é a palavra de ordem, sem grande capacidade de segurar a bola, controlar os momentos de jogo ou até defender com alguma solidez.

    Não sei se daqui sairão aproveitamentos políticos, mas, no campo, onde a coisa se decidia, os Estados Unidos foram melhores e venceram justamente.

    Agora, sem os iranianos no Qatar, pode ser que a comunicação social comece a massacrar outros jogadores nas conferências de imprensa a propósito dos regimes que representam ou das mortes que vão causando. Pessoalmente, espero que Taremi e companhia continuem a aproveitar, e bem, a exposição social para protestarem contra o regime. Ultrapassam a sua missão como desportistas e, por isso, a minha vénia.

    Vénia essa que alargo ao corajoso que apoiou, em sprint no meio do relvado durante o Portugal vs. Uruguai, três causas com uma t-shirt e uma bandeira. A realização televisiva, num país que não sabe o que é democracia ou liberdade de expressão, fez o que se esperaria: desviou a imagem. Como se não existisse…

    P.S. – No dia seguinte à vitória portuguesa sobre o Uruguai, a discussão centrou-se na autoria do nosso primeiro golo. As imagens de Ronaldo, ao intervalo, a insurgir-se contra o árbitro, pedindo que lhe atribuísse o golo (retirando-o, pois, a um colega) é algo que não consigo compreender à luz do espírito de camaradagem num desporto colectivo. A bola entrou, Portugal ganhou; o que é que importa se Ronaldo fica com 800 golos ou 801? Bem sei que devemos muito, desportivamente, a este rapaz, mas esta obsessão pela marca pessoal, em vez dos interesses da equipa, é algo que já me começa a irritar. Irritado, aliás, também deve ter ficado Fernando Santos que, pela segunda vez, viu a equipa a jogar muito pouco e a falhar o empate desejado. Estamos assim nos oitavos ao fim de dois jogos. Não conseguimos lidar com isto sem, pelo menos, uma conta de somar que seja. Tudo anda estranho neste Mundial. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.