Categoria: Opinião

  • Provedoria de Justiça: um ornamento luxuoso 

    Provedoria de Justiça: um ornamento luxuoso 


    Numa recente entrevista à agência Lusa, a Senhora Provedora de Justiça deu algumas novidades que apanharam de surpresa todos quantos trabalham no Sistema Prisional.

    Desde logo a informação de que, desde 2014, “o sistema prisional tem sido acompanhado “de muito perto”, através do Mecanismo Nacional de Prevenção” (MNP).

    Segundo a Dra. Maria Lúcia Amaral, o MNP é uma entidade independente confiada ao Provedor de Justiça, “que realiza visitas sem aviso prévio a locais de detenção com o objetivo de prevenir situações de tortura, maus-tratos ou outros abusos, inspecionando as condições em que se encontram quaisquer pessoas privadas de liberdade”.

    Confesso que só depois de ter lido que a Senhora Provedora se referia ao sistema prisional português é que despertei para o texto.

    Com toda a sinceridade estava em crer que a Provedoria tinha aberto uma Delegação, num qualquer outro país, e que a Senhora Provedora estava a fazer o balanço dessa iniciativa.

    Na realidade, tanto quanto é conhecido, a Provedoria de Justiça, em Portugal, e no que respeita às cadeias, não passa de um ornamento que enfeita o edifício da Justiça para dar um ar de modernidade e defesa dos Direitos Humanos.

    Sem qualquer outra função que não seja essa.

    Recebe a Provedoria de Justiça algumas queixas do interior das cadeias, graças à possibilidade que os reclusos têm de lhes ligar directamente a partir das cabines?

    Maria Lúcia Amaral, provadora da Justiça.

    Sim!

    Cada vez menos, obviamente, dada a total inutilidade dessas queixas que têm, como resposta, na imensa maioria das vezes, uma fotocópia com a informação de que a Provedoria está impedida de os apoiar.

    E é verdade.

    A única possibilidade que teria (e que não é despicienda) seria a de usar o seu poder de influência para tentar resolver alguns dos casos mais graves.

    O que não faz “para não se imiscuir nas tarefas doutros organismos”.

    Sendo assim…

    Há sempre excepções, e seria uma tremenda injustiça não elogiar o trabalho do Dr. João Portugal, que é, na Provedoria de Justiça, um verdadeiro lutador pelos Direitos dos reclusos e seus familiares.

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    A Provedoria, no entanto, enquanto organismo, pouco ou nada faz para garantir esses Direitos.

    Conhecem a realidade das cadeias, mas o que fazem para combater a miséria que ali se vive e as ilegalidades que ali se cometem diariamente?

    Não sabem que os presos têm uma alimentação miserável (o Estado paga 0,80 euros por cada refeição)?

    Não sabem da falta de apoio médico?

    Da impossibilidade de os reclusos estudarem ou trabalharem?

    Da qualidade das instalações, com dois e três presos em celas “individuais” onde a água escorre pelas paredes, sem vidros nas janelas, com fios eléctricos descarnados, com pulgas e percevejos, com a necessidade de meterem uma garrafa de água na sanita, à noite, para as ratazanas não saírem por aí?

    Do tratamento desumano dado às visitas?

    Da ilegalidade de, durante as greves dos guardas prisionais, os reclusos não poderem receber ou enviar correspondência, estudar, trabalhar, terem algumas consultas médicas, irem a algumas sessões em tribunais ou aos funerais dos entes queridos, etc., etc.?

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    E o que fazem quanto a tudo isto?

    Por alguma razão as Associações de apoio aos reclusos, com a APAR à cabeça, passaram a ser os verdadeiros interlocutores dos reclusos, e famílias, junto do Estado e Tribunais.

    Uma centena de chamadas por dia, a que se juntam cartas e emails, com pedidos de todo o género, chegam à Associação diariamente.

    Muitas vezes se deu conhecimento desses problemas à Provedoria pedindo apoio na tentativa da sua resolução.

    Há mais de um ano que se desistiu de qualquer diálogo.

    Aos pedidos de apoio recebiam as mesmas circulares enviadas aos reclusos com a informação da impossibilidade de agirem.

    O papel da Provedoria é, fundamentalmente, fazer passar, de preferência para o estrangeiro, a ideia de que somos um país moderno, preocupado com os Direitos Humanos e com Entidades preparadas para garantir o cumprimento das Leis.

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    Daí que se tenha atribuído, em tempo mais do que recorde, uma indemnização milionária à família de um ucraniano que morreu no aeroporto, antes mesmo de se saber em que condições aconteceu essa morte e sem que tenha havido julgamento, quanto mais condenados.

    Mas que fizemos um figurão no estrangeiro, pagando quase um milhão de euros, lá isso…

    Entretanto, e para não ser exaustivo, há reclusos a serem agredidos e torturados diariamente nas nossas cadeias, abuso no incumprimento das leis impedindo visitas com os horários e as condições estipuladas pela Lei, trabalho a ser pago a dois euros por dia, todo o tipo de dificuldades para se poder estudar e exploração de agiotagem nos preços dos produtos das cantinas.

    As visitas deste “Ornamento Luxuoso”, pomposamente baptizado de Provedoria de Justiça, às cadeias resultaram em quê?

    Segundo a Senhora Provedora, o “acompanhamento do sistema prisional português adquiriu uma outra densidade e uma outra dimensão por causa desta nova realidade que é a existência de um mecanismo nacional de prevenção que tem por mandato imperativo o acompanhar de muito perto, de muito perto, tudo o que acontece em lugares onde haja pessoas privadas de liberdade e o exemplo por excelência é o estabelecimento prisional“.

    Estará a falar de quê?

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Eis um astro servindo o colectivo

    Eis um astro servindo o colectivo

    Vai tomando forma uma final entre duas das mais regulares equipas do torneio. Uma delas já lá está. A Argentina, que começou mal, e tremeu na fase de grupos, tem vindo a subir de rendimento neste Mundial, chegando, nesta altura, com Messi em altíssimo plano, a fazer jogar toda uma equipa sem excesso de vedetas.

    Messi parece estar a fazer tudo para se despedir deste palco com a taça a caminho de Buenos Aires. Corre, dribla, remata, vai no um para um. Sem a velocidade de outros tempos, Messi é, aos 35 anos, o motor da selecção argentina e o factor diferencial que torna um conjunto de bons rapazes numa equipa que foi capaz de chegar à final do Mundial.

    No papel existiam pelo menos cinco selecções com plantéis melhores: França, Espanha, Inglaterra, Portugal e Bélgica. No relvado, apenas duas foram constantes nas boas exibições: Inglaterra e França, que acabaram por se encontrar nos quartos-de-final.

    A Argentina chega à final sem apanhar nenhum dos candidatos pelo caminho, e não se pode queixar da sorte dos adversários ou da fortuna do jogo; basta ver o segundo golo contra a Croácia, às três tabelas. Ou dos penalties desbloqueadores, que apareceram em metade dos jogos. Contudo, há que dizer que os argentinos têm feito pela vida e, às costas de Messi, jogaram sempre como equipa, a partir do jogo com o México. Têm mérito, por isso, e, na minha opinião, chegam merecidamente à final pela sua eficácia e pragmatismo.

    É certamente o desfecho de sonho para aquele que muitos consideram o melhor jogador de futebol de todos os tempos. Pessoalmente, como adepto da modalidade, fico contente que equipas ultradefensivas, como a Croácia, fiquem pelo caminho. Vamos aos estádios para ver golos e jogadas de ataque, e não para um martírio de passes laterais e controlo de bola.

    Mesmo sabendo que defender 90 minutos já valeu a Portugal um título europeu, não gosto quando o anti-jogo vence. É desvirtuar o sentido do jogo.

    Em tempos longínquos, quando a nossa selecção jogava ao ataque, também provámos o veneno grego, que devolvemos em 2016, em Paris.

    Pode-se até ganhar a jogar como o Portugal de Fernando Santos, a Croácia ou Marrocos fazem, mas estas equipas não fazem grande serviço à modalidade ou aos fãs.

    A Argentina foi claramente superior no jogo de hoje contra a Croácia e, por isso, mereceu, sem grande contestação, marcar presença na final. E Messi, provavelmente o ainda melhor jogador do Mundo, prova que um galáctico pode servir os interesses de um conjunto.

    Agora, espero que Marrocos regresse para casa, que significa remeter-se para o confronto pelo terceiro lugar, e liberte o palco da final para duas equipas que gostam de jogar futebol.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Musk e Ronaldo: heróis e vilões num mundo partido e ferido

    Musk e Ronaldo: heróis e vilões num mundo partido e ferido


    É conhecida a história e a lenda de Charles “Pretty Boy” Floyd, um criminoso e ladrão de bancos que, segundo rumores, destruía durante os assaltos notas de hipotecas, libertando assim agricultores (e as suas famílias) do risco de bancarrota. Foi um vilão/herói, cujo destino se coseu, ponto a ponto, com o da Grande Depressão. Foram milhares os que choraram a sua morte, em 1934.

    Nem sempre a linha que separa o ser-se um herói ou um vilão é clara. Para as forças policiais, Floyd era um assassino e um assaltante de bancos. Para muitas famílias, foi um Robin dos Bosques do seu tempo.

    Os anos 20 do século XXI também estão a produzir castas de heróis que são vilões, e vilões que são heróis. Vivemos numa época de polaridade e divisão. Um Mundo que parece, desde 2020, estar partido ao meio, na política, nas famílias, na Ciência…

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    Não falo de vilões bandidos, criminosos, assaltantes de bancos, nem falo de heróis que são Robins dos Bosques. Falo de um outro tipo de heróis/vilões, que têm surgido como retrato desta época de polaridade que vivemos. Uma época tribal, em que os heróis de uma tribo são os vilões de outra, e em que a “religião” que é o wokismo veio trazer à tona muito do que de mau a Humanidade pode produzir: totalitarismo, censura, divisão, perseguição, cancelamento, dogmatismo.  

    Cristiano Ronaldo é um desses exemplos. Reúne todas as características para ser um herói e, contudo, alguns tratam-no como vilão. Para começar, reúne diversas características que enervam muitos dos que vivem na bolha “wokista” (numa versão pindérica lusa) da esfera mediática em Portugal: é rico, bem-sucedido, inteligente, bem-parecido, independente, venera a família – que é o seu pilar – e não anda em manada. Além disso, veio de um meio pobre, de uma família com dificuldades, e tem orgulho nas suas origens. Pior: pensa por si próprio. Pior ainda: ninguém o viu a vender máscaras nem vacinas contra a covid.

    Cristiano Ronaldo é um vencedor. De menino pobre, ascendeu a estrela maior do futebol e da identidade de Portugal.  Há muito que é um Astro do Mundo e já não só de Portugal. E um certo Portugal, adepto da nova religião wokista, e que se acha importante porque aparece nas TVs, ainda gosta do drama, do fado e do destino. É pequenino, vive num cantinho. Já Ronaldo, é do Mundo.

    Outro exemplo de vilão e herói dos dias de hoje é Elon Musk, co-fundador e líder da Tesla e novo dono do Twitter. Desde que concluiu a compra da rede social em outubro passado, Musk tornou-se num grande herói – para uns – e num terrível vilão – para outros.

    Para dar contexto: o Twitter era o Céu na Terra da tribo woke. Era de uma “beatice insuportável” – definição de wokismo do jornalista João Miguel Tavares. E este wokismo anda de mãos de dadas com fascismo e cultura de cancelamento. Assim, o Twitter era como um território gerido por uma tribo com mentalidade woke e tiques fascistas, onde visões diferentes tinham direito a castigo e até expulsão. Quem frequentava o Twitter e era beato, estava simplesmente no Paraíso. Era lá que se podia encontrar a tribo woke (versão pindérica lusa) portuguesa.

    Ora, isso mudou com a chegada de Musk. O milionário pegou na vassoura e começou por limpar as contas e conteúdos pedófilos que por lá viviam em plena harmonia com a censura dos conservadores e cientistas de topo que discordaram das medidas covid-19. Está também a limpar bots.

    Elon Musk comprou o Twitter em Outubro passado por 44 mil milhões de dólares e está a revelar antigas práticas de censura desta rede social.

    Mas a limpeza “da casa” não ficou por aqui: Musk chamou uma equipa especial, composta de jornalistas independentes, a quem entregou documentos internos sobre as malfeitorias que os antigos funcionários e ex-executivos do Twitter faziam. Musk quer tudo em pratos limpos para fazer do Twitter uma rede social verdadeiramente global e onde o debate é real. E livre.

    Ora, isso não agradou MESMO NADA a muitos. As revelações da roupa suja da censura que era aplicada na rede social chama-se #TwitterFiles, e vai já no quinto episódio de uma série hoje mais popular do que muitas no Netflix. [Pode ler aqui a cobertura que o PÁGINA UM está a fazer].

    E promete aquecer ainda mais! Musk prometeu revelações sobre a censura em torno da covid-19. Como aperitivo, o magnata atacou ferozmente Anthony Fauci, conselheiro do presidente dos Estados Unidos e o rosto das medidas sem precedentes adoptadas na pandemia – como confinamentos, máscaras e vacinas obrigatórias.

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    O Twitter é, hoje, um espelho do Mundo, que está quebrado e ferido, após três anos de promoção da censura e incentivos ao ódio e à divisão e eliminação de direitos humanos e civis.

    Hoje, Musk é herói para muitos. É um vilão para muitos também. Há quem peça que o nomeiem para Prémio Nobel da Paz. Há quem peça que ele seja processado na Justiça.

    Aliás, é isso mesmo que Musk quer que aconteça a Fauci. “Os meus pronomes são processar/Fauci”, escreveu este fim-de-semana num tweet.

    Fauci surge hoje como um outro vilão e herói, em simultâneo. Perante os ataques de Musk, muitos vieram em defesa de Fauci dizendo que “é um herói” e que “salvou vidas”. Para Musk, e muitos outros, no Mundo, Fauci é o pior dos vilões: acreditam que, disfarçado com capa de médico – e de bom –, Fauci levou à morte de milhares de humanos.

    Musk foi directo numa resposta no Twitter, acusando Fauci de ter financiado uma pesquisa para tornar o coronavírus mais perigoso e mais transmissível para os humanos – “gain-of-function”. Fauci negou que a autoridade de saúde dos Estados Unidos tivesse financiado essa perigosa pesquisa, apesar do NIH ter admitido que uma entidade que financiou, e que colabora com o laboratório de Wuhan, quebrou as regras ao não relatar que conduziu investigação de coronavírus em morcegos.

    Fauci, que está agora de saída do sector da saúde pública, arrisca mais investigações por parte dos republicanos por causa da sua eventual ligação, como diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infeciosas (NIAID), à origem da pandemia de covid-19.

    Anthony Fauci, conselheiro-chefe de Joe Biden para a saúde, está de saída de um setor onde exerce funções há mais de 50 anos.

    Informação sobre financiamento deste tipo de pesquisa surgiu no Congresso norte-americano, sendo que se sabe que a autoridade de saúde dos Estados Unidos tem financiado pesquisa nesta área.

    Fauci também defendeu os confinamentos, os quais foram fatais para muitos (é ver as mortes em excesso e por outras doenças, suicídios, etc.), além das sequelas que deixaram em crianças e a devastação que causaram na economia. Defendeu ainda a vacinação obrigatória contra a covid-19, mesmo sabendo-se que as vacinas não travam nem a infecção nem o contágio e podem causar reacções adversas. Por fim, defendeu ainda mecanismos de controlo e discriminação e o uso de máscaras – apesar de ter defendido o oposto no início da pandemia.

    Musk e Fauci são hoje, em lados bem opostos, dois super-heróis para uns. E dois super-mega-vilões para outros. Será raro que ambos sejam vilões para uma mesma pessoa; ou ambos heróis para a mesma pessoa.

    Uns desejam que Musk ou outro milionário compre o Facebook e promova o debate e a liberdade de imprensa e de expressão em mais redes sociais. Outros querem já o seu afastamento.

    Uns querem endeusar Fauci – como em Portugal se endeusa o responsável pelo transporte e distribuição logística das vacinas, Gouveia e Melo – enquanto outros querem vê-lo na prisão por homicídio.

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    Sobre os três de que falei, pessoalmente, admiro Cristiano Ronaldo. Estou-lhe grata pela postura e excelente imagem que transmite do povo português. Admiro-o pela sua força e independência. Pela sua cabeça boa e forte apoio à família. Pelo caminho que trilhou com trabalho e talento. Por pensar por si próprio e não ir em manadas.

    Elon: vejo-o como um homem de negócios puro. Diz que quer derrotar o wokismo e isso é bom – porque implica derrotar ideais fascistas, censura e cancelamento –, mas também penso que é porque pode lucrar muito com isso. O Twitter é hoje mais vibrante. Promove o debate. É uma rede social para “gente grande”, académicos, jornalistas, cientistas, malta sem medo de um bom debate de ideias. O oposto da mentalidade fascista e woke que por lá reinava na era pré-Musk.

    Sobre Fauci, vejo-o como alguém que falhou. Não o vejo como herói. Nem como vilão. Falhou no combate à pandemia. Impingiu mecanismos fascistas e que violam direitos humanos. Vejo-o como alguém que sabe agradar e servir o poder político e, sobretudo, o económico. Alguém que jamais deveria estar num posto ligado a saúde pública, mas que teve a sorte de ser conselheiro de um presidente dos Estados Unidos numa pandemia global. Azar o nosso.

    Já heróis, tenho muitos outros, que conheço, mas que não coloco os seus nomes por reserva da intimidade. “Herói” (ou “heroína”), para mim, nos dias de hoje, é aquela mulher, quatro vezes vacinada, que abraça o irmão e restantes familiares não-vacinados e com eles faz jantaradas em família (e, agora, os preparativos para o Natal). Ignora as chamadas nas TV e nos jornais para promover o ódio e a discriminação entre “os com vacina” e “os sem vacina”. Ignora os “especialistas” mediáticos que a seduzem para o ódio. Eles são os únicos que lucram com esta “guerra”, vendendo o ódio para se promoverem a si próprios e aparecerem mais e mais nos programas e nas revistas sedentos de sangue e terror.

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    “Herói” para mim é uma patriarca que, no alto dos seus 80 anos, se mantém sem nenhuma vacina contra a covid-19, soberana da sua saúde e do seu corpo, quando, à sua volta, filhos e noras vão na segunda e terceira doses. Uma “heroína” porque cuida de si e da sua saúde, tal e qual como acha que é melhor, como sempre o fez ao longo da vida. Não cede à propaganda das TVs, nem das caras lindas e hiper-maquilhadas das estrelas da música que aparecem em campanhas da Direcção-Geral da Saúde a promover as doses. E está saudável que nem um pêro. Vive como sempre viveu. E, como diz o filho, “está muito boa cabeça, mesmo”.   

    “Herói”, para mim, é o “puto” que, no meio da desgraça em que os seres humanos conseguiram transformar o mundo nos últimos três anos, aprendeu, de algum modo, a fazer-se a si próprio feliz, a continuar com a sua vida de escola, amigos e actividades.  

    “Herói”, é a “miúda” que saiu da depressão, ganhou coragem para seguir com um namoro com um rapaz amigo e agora já vislumbra o que quer fazer com a vida.

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    Esses são alguns dos meus “heróis”.

    São aqueles e aquelas que continuam com as suas vidas, adaptando-se, decidindo por si, respeitando os demais. E amando. Amando, a si próprios. Amando, os seus. E amando aquilo que têm de bom e em comum. E isso é o mais valioso que há neste Mundo, por vezes, na aparência, tão perdido, mas que, afinal, só parece estar perdido nos jornais – e na sua desinformação, parcialidade e incentivo à divisão –, nas redes sociais – e na sua censura. Porque nas casas de muitos, nos corações de muitos, nas famílias de muitos, o Mundo está bem, bem encaminhado. Em muitos lugares, em muitos lares, o Mundo está num bom rumo.

    E eu gosto desse rumo. Sem divisões nem ódios – celebrando a verdade, o amor e o que há em comum. Porque deve ser o nosso rumo. É o rumo certo. O único rumo que vale a pena seguir.

  • Lapónia: Uma viagem até à Aldeia do Pai Natal

    Lapónia: Uma viagem até à Aldeia do Pai Natal

    A época do Natal está a aproximar-se e as ofertas de “escapadinhas” natalícias são muitas. Na Europa, Londres é o destino consensual e, no terceiro Sábado de Novembro, já se acenderam as luzes. Um passeio num autocarro vintage de dois andares é o cenário ideal para ver as luzes das principais ruas da capital britânica, incluindo com a companhia de músicas natalícias.

    Em todas as capitais da Europa há mercados de Natal. Em Paris, há a famosa árvore de Natal das Galerias Lafayette. Na Alsácia, o mercado de Colmar é o mais concorrido. Na Europa Central, os mercados de Natal na Alemanha e em Viena, na Áustria, são um bom pretexto para visita.  No Báltico, os mercados natalícios são muito concorridos e promovidos (mas ainda não visitei).

    Nova Iorque, nos Estados Unidos, é outro dos destinos de Natal predilectos. As celebrações (e motivo para visitar) começam com o Dia de Ação de Graças, segue-se a Black Friday e os saldos loucos na Big Apple. Não esquecer ainda a célebre pista de gelo e a árvore de Natal do Rockefeller Center, imortalizada no filme Sozinho em Casa, a par com a Hamleys, a loja de brinquedos mais espetacular de sempre, e o Plaza Hotel junto ao Central Park. Se estiver a nevar, então Nova Iorque é “O” destino de Natal de sonho!

    Em Portugal, também existem “escapadinhas” de Natal imperdíveis: Em Óbidos, a Vila Natal; em Alenquer, o Presépio de Portugal; em Santiago do Cacém, há a Vila Natal Black Pig; no Porto, existe o Mercado de Natal World of Wine; em Cascais, vale a pena conhecer a Christmas Village; e, em Lisboa, o meu preferido é o Mercado de Natal do Rossio, com o “comboio” do Pai Natal gratuito a circular pelas Ruas de Lisboa.

    Depois, há um lugar no Mundo onde é Natal o ano inteiro e, para mim, a “viagem” ao Natal. O destino: Lapónia, onde “vive” o Pai Natal.

    Nunca fez parte dos meus planos de viagem, mas com um filho de quase 4 anos, temos a desculpa perfeita para empreender nesta aventura e visitarmos a Casa do Pai Natal.

    Em Maio, encontrei uma oferta de voos imperdível, com voo direto de Londres para Rovaniemi. Foi só juntar o voo de Lisboa e procurar o alojamento e as atividades.

    Não há melhor lugar no Mundo para encontrar o Pai Natal do que Rovaniemi, a cidade mais importante da Lapónia, a norte do Círculo Polar Ártico, na Finlândia. E até os que já não acreditam no Pai Natal ficam rendidos a toda a envolvente que a Aldeia Natal nos convida.

    Dedicámos o primeiro dia da nossa viagem em família à Aldeia do Pai Natal. Primeiro visitámos a Casa do Pai Natal, onde encontrámos o “Pai Natal”, com barbas até ao chão, sentado na sua cadeira, junto a uma árvore de Natal e muitos presentes, num cenário para fotografia postal de Natal.

    A entrada na Casa, ver e conversar com o “Pai Natal” é gratuito. Se quiser tirar a fotografia já são 30 euros, a mais pequena.

    Saindo da Casa, vemos o Hotel da aldeia, o restaurante Três Elfos, com dois iglus para almoços e jantares bem típicos do Pólo Norte.

    Vemos também uma fogueira, onde parámos para nos aquecermos. Continuámos o passeio e encontrámos uma cabana, abrigos para os locais poderem descansar e se aquecerem, pois, no Inverno, as temperaturas chegam aos -30 graus Celsius.

    Aproveitámos que não havia fila para fazer o passeio de trenó puxado por uma rena. Parece magia, ver as renas e irmos deitados no trenó, tapados por uma pele, através da floresta encantada do “Pai Natal”. Dali, fomos visitar a Casinha da Mãe Natal onde aprendemos a fazer bolachas de Natal, e bebemos um chocolate quente. Era acolhedora e quentinha, como se quer.

    Continuando o passeio pela Aldeia do Pai Natal, chegámos ao marco do Círculo Polar Ártico, onde se encontra o posto dos correios onde o “Pai Natal” recebe mais de 6 milhões de cartas, chegando às 30 mil nos dias recorde. Não admira a azáfama e a quantidade de duendes e elfos a ajudar…

    Adorei ver o regulador do tempo: Tempo Normal – Regulador do Tempo e Tempo de Natal. Ali também se faz a contagem decrescente para o Natal: faltam 36 dias, vimos nós.

    Também ali, voltámos a estar com o “Pai Natal”, omnipresente como se sabe, e garantimos que o presente do nosso filho chegaria a casa.

    Depois de comprarmos alguns adereços para a árvore de Natal e o habitual íman para o nosso frigorífico, fomos para o nosso Hotel, pois na Lapónia, no Outono fica escuro às 3 horas da tarde e, com o frio, não apetece muito andar na rua.

    Para o início da viagem, escolhemos o Santa Resort, um hotel comum, um centro de treino olímpico com parque de diversões interior, um spa e cinco piscinas. Foi uma excelente escolha para passarmos as nossas tardes, com atividade física e muita diversão.

    A menos de cinco minutos do nosso hotel, estava o Lapland Sky Hotel, cheio de recantos acolhedores, com um restaurante panorâmico e um rooftop, a céu aberto e longe da luz da cidade para contemplação das auroras boreais quando aparecem.

    No segundo dia, fizemos uma viagem de carro: Rovaniemi – Pyha-Luosto – Rovaniemi. Foi uma boa forma de apreciarmos a paisagem e visitarmos um dos parques naturais mais bonitos.

    No caminho, há também a possibilidade de visitar uma mina de ametista, a pedra da região. Sempre que posso, não abdico de uns passeios de carro, sair das cidades e conhecer um pouco do campo, ainda mais com neve e com estas paisagens de Inverno só vistas por estas paragens. Terminámos o dia, de novo, na Aldeia do Pai Natal, repetindo a visita ao posto dos correios.

    Quando estava a preparar esta viagem e procurava as atividades imperdíveis, encontrei o Ranua Wild Park, casa do único urso polar da Finlândia. Depois da minha aventura no Árctico, onde tive o privilégio de ver os ursos polares, era a oportunidade de mostrar um urso polar ao meu filho e assim foi.

    No terceiro dia, dedicámos grande parte do dia à visita a este parque selvagem onde habitam os animais do Ártico. Foi uma aventura! Estavam -15 graus e a caminhada de 3 quilómetros parecia não ter fim. Mas a experiência foi fantástica e é uma possibilidade única para ver cerca de 50 espécies de animais do Norte e do Ártico, como o urso Polar, o urso castanho, lobos, linces, raposas do Árctico, corujas, alces, renas e lontras com espaço amplo e a lembrar o seu habitat natural. Apesar do frio, adorámos e repetíamos de novo.

    Dali, seguimos para o País das Maravilhas dos Adultos. Nas últimas noites, ficámos no Apukka Resort, uma propriedade de sonho e a prova de que a Lapónia pode e deve ser vista como destino para adultos. É dos lugares mais românticos onde já estive.

    Quando chegamos, temos a sensação de chegar a um pequeno paraíso, onde temos tudo o que precisamos para umas inesquecíveis férias de neve. Desde todas as atividades que se possa imaginar, como: passeios de rena, passeios puxados por cavalos finlandeses, safaris de husky, caça às auroras boreais em mota de neve. Também há várias saunas, incluindo uma de gelo, uma em iglu e outras amovíveis. Toda a sinalética está harmoniosamente cuidada e por toda a propriedade vemos pormenores e detalhes de bom gosto.

    Ali realizei o sonho de dormir num iglu. Claro que com condições excelentes, muito conforto e em vidro, para ver o céu estrelado, as luzes do Norte e o amanhecer de Inverno.

    Recomendo o restaurante Aitta, que tem uma cozinha local, variada e com muita qualidade.

    Ficaria uma semana naquele confortável e apetitoso resort de Inverno! O staff é muito simpático e prestável.

    Fazer parte daquela paisagem dramática, de um paradisíaco diferente do convencional, percebemos a beleza do Inverno que, por aquelas paragens, apenas agora começou.

    Todas as viagens são muito enriquecedoras e aprendemos sempre mais quando estamos atentos e somos curiosos. Descobri que a Lapónia é habitada por um povo indígena, os Sámis, um grupo étnico que se estende pela parte norte da Escandinávia e pela península russa de Kola, ocupando quatro países: a Noruega, a Suécia, Finlândia e Rússia, estima-se serem cerca de 80 mil pessoas, metade vive na Noruega, falam vários dialetos. Incríveis os seus trajes típicos coloridos e as suas práticas ancestrais ligadas às renas. Têm ainda uma música tradicional, o Yoik.

    Como alguém disse: viajar é a única coisa em que gastamos dinheiro e ficamos mais ricos.

    Dicas Viagem à Lapónia

    Em Maio, procurar voos Ryanair: Lisboa – Londres – Rovaniemi – Londres – Lisboa

    Estadia: Hotel Santas Resort

    Aluguer de carro: Green Motion, no Terminal

    Comprar todas as atividades diretamente no local e sem filas

    Auroras Boreais: Apukka Resort (se ficarem lá instalados) ou no Rooftop do Lapland Sky Hotel

    Raquel Rodrigues é gestora, viajante e criadora da página R.R. Around the World no Facebook e no Instagram.

  • Senhor doutor Miguel Guimarães, o seu fundo é de barro e não é nada à prova de bala

    Senhor doutor Miguel Guimarães, o seu fundo é de barro e não é nada à prova de bala


    Hoje, em breve entrevista no Correio da Manhã, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, tentou defender o indefensável. Diz ele que o fundo “Todos por Quem Cuida” é “à prova de bala”.

    Primeiro, não deixa de ser curioso verificar que Miguel Guimarães tenha sido muito diligente em responder ao Correio da Manhã, que lhe colocou duas simpáticas perguntas.

    Miguel Guimarães, actual bastonário da Ordem dos Médicos, ao centro

    Ao PÁGINA UM – que teve de recorrer ao Tribunal Administrativo, e lutar contra duas ordens profissionais com advogados instruídos para argumentar no sentido de convencer a juíza a não permitir acesso aos documentos contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida” –, Miguel Guimarães começou, via sua secretária, por “informar que, no prazo legal de 10 dias úteis, ser[iam] remetidos os respectivos esclarecimentos” a um conjunto de 11 perguntas. Esse prazo legal, enfim, nem existe. Acabou por responder muito parcialmente, em conjunto com Ana Paula Martins (ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos) e Eurico Castro Alves, através da advogada Inês Folhadela.

    Mas vamos analisar as respostas de Miguel Guimarães fornecidas ao Correio da Manhã. Diz ele que “a entidade bancária, CGD, explicou que a criação de uma conta institucional levaria mais tempo”. Convenhamos: leva, sim. Talvez duas semanas. Ora, entre a assinatura do protocolo entre as três entidades (27 de Março de 2020) e o primeiro donativo recebido (6 de Abril) distam 11 dias. Portanto, não se abriu conta institucional por causa de três dias?

    Além disso, qual a perda que isso representaria (ter a conta institucional), uma vez que estava garantido o apoio financeiro (que atingiu cerca de 1,3 milhões de euros, 92% do total) da Apifarma e das farmacêuticas?

    Acelerar o processo não é justificação válida, além de que é falso que “para a movimentação [da conta] seriam sempre necessárias duas assinaturas“. É verdade que deveria ser assim, mas raramente foi.

    Nos documentos contabilísticos – e este é que dizem a verdade, constam várias ordens de transferência para fornecedores, detectadas pelo PÁGINA UM, apenas com uma assinatura, ora apenas a de Miguel Guimarães (vd. aqui um exemplo), ora apenas de Ana Paula Martins (vd. aqui um exemplo), ora apenas de Eurico Castro Alves (vd. aqui um exemplo).

    Miguel Guimarães pode enganar o Correio da Manhã. Mas não engana a verdade.

    Na verdade, Miguel Guimarães tem razão numa coisa, quando diz, nas suas respostas ao Correio da Manhã, que “está tudo contabilizado”. E o problema para ele, e também para Ana Paula Martins (que vai agora gerir o principal centro hospitalar do país) e para Eurico Castro Alves – e, de igual forma, para as duas ordens profissionais e para a Apifarma –, é estar, de facto, tudo bem documentado… mesmo se os documentos são irregulares e/ou ilegais.

    É exactamente por isso, através de documentos operacionais e contabilísticos, que ficámos a saber que Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves não pagaram 139 mil euros de imposto de selo.

    E que também não declararam os montantes recebidos à Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed, ignorando-se assim uma realidade cada vez mais preocupante: a promiscuidade de figuras gradas da Medicina com as farmacêuticas.

    Miguel Guimarães esquece, ou quer que esqueçamos, que as boas causas têm de ter bons procedimentos – e não maus. Só poderia ter maus procedimentos se ele não fosse bastonário da Ordem dos Médicos e todo o dinheiro fosse dele. Aliás, na verdade, nem sequer consta nos extractos bancários consultados pelo PÁGINA UM (onde se consegue ver parte dos nomes dos doadores particulares) que Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves tenham dado, vá lá, um euro dos respectivos patrimónios, para o fundo que eles geriram e que recolheu 1,4 milhões de euros. Ou pelo menos 20 cêntimos, que foi o montante individual mais baixo dos donativos.

    Dossiers da campanha “Todos os Quem Cuida”, consultados pelo PÁGINA UM após uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    E também esquece Miguel Guimarães que a mentira tem perna curta.

    Claro que está tudo contabilizado. Está contabilizado que uma conta solidária detida por dois médicos e uma farmacêutica recebeu muito dinheiro de farmacêuticas e alguns donativos de outras empresas e particulares para comprarem bens, mas meteram as facturas todas na Ordem dos Médicos criando condições para um “saco azul” descomunal acima de 968 mil euros. O PÁGINA UM apresentou todas essas facturas. Miguel Guimarães teve a “fortuna” de o Correio da Manhã não lhe perguntar…

    Independentemente das ilegalidades destas falsas facturas – e também das falsas declarações a favor das farmacêuticas –, convém saber onde está esse dinheiro: se em caixa na Ordem dos Médicos; ou se em casa de alguém. Mais do que um auditoria ao fundo, talvez seja mais prudente uma auditoria à Ordem, porque a haver uma entidade prejudicada é a Ordem dos Médicos como instituição.

    E não se atire agora com a auditoria à conta do fundo, que aliás será paga pelos dinheiros da própria campanha, pois nunca serviu nem servirá para detectar irregularidades nem ilegalidades.

    Acta de 27 de Abril deste ano da comissão de acompanhamento da campanha “Todos por Quem Cuida” que revela preocupação pela investigação do PÁGINA UM então em curso.

    Serviu e servirá, sim, para tentar salvar a pele e as ambições de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, que quiseram, com o dinheiro das farmacêuticas, darem ares de bons samaritanos, pensando que tudo valia.

    A ideia de realizar uma auditoria ao fundo teve apenas uma causa: a investigação do PÁGINA UM. Não é presunção: é a verdade.

    No dia 27 de Abril deste ano, na acta da comissão de acompanhamento da campanha escreveu-se: “O mais recente artigo do jornal Online ´Página Um´ sobre o Fundo ´Todos Por Quem Cuida´, publicado na semana passada, refere que o site do Fundo não disponibiliza informação detalhada sobre a alocação de verbas/ quantidade de material disponibilizado e o nome das entidades beneficiárias e que, caso essa informação não lhe seja disponibilizado no prazo de 10 dias, de acordo com a recomendação da CADA, avançará para uma intimação no Tribunal Administrativo com o objectivo de ser imposta uma obrigatoriedade sob pena de multas pecuniárias por cada dia de atraso”[sic].

    Na semana seguinte, no dia 4 de Maio, já estava a Apifarma a sugerir o encerramento do fundo, “uma vez que já não se justifica a sua existência”, sugerindo-se então que, em reunião com os dois bastonários, se realizasse “uma auditoria externa e independente”, além de saber qual o destino da parte remanescente. E no dia 11, já a decisão estava formalmente tomada.

    O PÁGINA UM viria a intentar a intimação no dia 23 de Maio deste ano, e a suposta auditoria encomendada serviu exclusivamente como argumento jurídico dos advogados da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos para evitar que a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa as obrigasse a facultar toda documentação contabilística e operacional.

    Desejavam – e compreende-se – que a juíza apenas determinasse que o PÁGINA UM tivesse acesso a uma auditoria que, obviamente, seria cozinhada. A intenção era essa; não era fazer a auditoria, que aliás, está em banho-maria. E mesmo que agora saia, paga por quem paga, jamais revelará aquilo que o PÁGINA UM fará, porque a juíza não foi no “canto do bom samaritano”, e obrigou os promotores da campanha, por sentença, a abrirem os arquivos. E mesmo assim o PÁGINA UM não conseguirá fazer tudo, porque isto, na verdade, é um “caso de polícia”.

    Amanhã, aqui, no PÁGINA UM, saber-se-á ainda mais.

    LEIA AQUI A PRIMEIRA PARTE DA INVESTIGAÇÃO AO FUNDO “TODOS POR QUEM CUIDA”


    Este e outros processos de intimação são suportados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO, na plataforma MIGHTYCAUSE. Caso prefira apoiar por outro método, consulte AQUI.

  • A crónica que eu não queria escrever

    A crónica que eu não queria escrever

    Ao intervalo do jogo com Marrocos, o meu filho dizia-me que ia chorar se não conseguíssemos marcar, pelo menos, um golo àquele conjunto acantonado de 11 defesas.

    Para mal dos meus pecados, o puto chorou, e bem.

    Fernando Santos deu meia parte de avanço com uma embrulhada de ideias que ninguém percebeu. 

    Se antecipou uma ultradefensiva formação marroquina com saídas rápidas, qual foi o sentido de jogar com Ruben Neves como único médio defensivo? Foi sempre ultrapassado em velocidade, e não é, nunca foi, um médio de combate que equilibrasse o meio-campo. Para ter apenas um trinco em campo, William ou Palhinha seriam as opções naturais.

    Diogo Costa comprometeu com uma saída à Ricardo e os defesas passaram 45 minutos a lançar a bola, em profundidade, nas costas dos defesas. Tantas vezes insistiram nesta jogada que deduzo que fosse estratégia. Nunca tinha visto bombardeamentos para as costas de uma defesa que está toda fechada, com 10 homens em 30 metros. É uma inovação tática, certamente.

    Ao intervalo, Fernando Santos tentou corrigir e mexer na equipa. As entradas de Cancelo, Ronaldo e Leão foram positivas, mas não chegaram.

    Portugal voltou ao ritmo que nos habituou na era de Fernando Santos. Passes para o lado e para trás, lentidão, previsibilidade. Poucos cruzamentos bem tirados e aqueles que lá chegaram foram desperdiçados pelos jogadores. 

    Bruno Fernandes, em frente à baliza, preferiu atirar-se para o chão do que tentar rematar. Lembro-me de duas defesas do guarda-redes marroquino, a primeira aos 82 minutos. Os últimos 30 minutos foram passados com 50 passes entre os centrais e o Bernardo Silva, até que a bola chegasse inevitavelmente à área adversária sem grande perigo.

    Marrocos fez o que sabe fazer bem: defender e perder tempo. Os árbitros, argentinos, mostraram pouca qualidade (vou ser simpático) para um jogo de quartos-de-final de um Mundial. Ótavio parece-me puxado na área e o constante anti-jogo marroquino foi largamente premiado. 

    Mas não foi pelo árbitro que Portugal perdeu. Foi pela mediocridade do seu jogo que, à excepção do confronto com a Suíça, foi sempre aquilo a que as equipas de Fernando Santos nos habituaram: deprimente. 

    Quando Portugal apanha equipas que jogam em bloco baixo, é sempre o cabo dos trabalhos, porque defender 90 minutos e jogar para o pontinho é o nosso ADN há anos. Quando é preciso triturar o adversário, a equipa não tem rotinas para tal.

    O meu filho queria que este fosse o Mundial de consagração de Ronaldo. Para ele, Ronaldo representa o orgulho de uma Nação e seria mais do que justo sair de Doha com a taça nas mãos. Estava inconsolável.

    E sem saber, tinha mesmo razão. Este era o Mundial onde, pela primeira vez, apenas uma equipa melhor do que a nossa estava em prova. Podíamos ter sonhado com algo mais.

    Espero que Santos nos faça agora um favor; ou dois: que pague os impostos e que dê lugar a quem não tenha medo de ganhar. 

    Entretanto, no França vs. Inglaterra não houve surpresa. Com uma arbitragem ainda pior do que a do nosso jogo, protagonizada por um fraquíssimo árbitro brasileiro, Mbappé e Giroud marcaram a diferença no ataque francês. Os ingleses aumentaram o tamanho do fantasma dos penalties e o troféu insiste em não voltar a casa.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma surpresa no dia dos velhinhos. E um Sebastião.

    Uma surpresa no dia dos velhinhos. E um Sebastião.

    Tenho muita dificuldade em compreender como se endeusa uma equipa que passa 120 minutos a defender e faz um – apenas um – remate enquadrado com a baliza.

    A Croácia de Modric joga como uma orquestra afinada sem alguns instrumentos. Conhecem as suas limitações e jogam com elas.

    Apoiados num excelente guarda-redes com queda para os penáltis, com um Lovren em grande forma a comandar a defesa, um incansável Perisic na ala e um meio-campo pautado por Kovacic e o eterno Modric, a Croácia troca a bola e defende até à exaustão, fazendo acreditar que pensa nas grandes penalidades desde o apito inicial.

    Tendo em conta que, em quatro desempates em campeonatos do mundo, venceram sempre, começo a pensar que talvez seja mesmo estratégia. 

    Este era o Mundial desenhado para Neymar aparecer. Com as habituais estrelas em fim de ciclo – excepto Mbappé –, esperava-se que Neymar, aos 30 anos, assumisse finalmente o papel de líder de uma geração. Tal como Romário em 94 ou Ronaldo em 2002, Neymar tinha que ser “o cara”. E não foi.

    O Brasil tentou furar a bem organizada defesa croata que, ao contrário da Coreia, não defendeu com pouca gente e soube dar o favoritismo a quem o tinha. Sempre lento e com poucas ideias, o ataque brasileiro criou poucas oportunidades e quando apareceram na cara de Livakovic, o guardião croata defendeu tudo, deixando-me a pensar como é que ninguém o tirou ainda do Dinamo de Zagreb.

    Foi de Neymar o lampejo que criou o golo brasileiro, mas estes croatas com sete vidas, conseguiram que Petkovic, um limitadíssimo avançado que tinha perdido todas as bolas até então, acertasse o único remate na direcção da baliza de Alisson.

    Nos penáltis, os croatas fizeram o costume e não falharam. Neymar escondeu-se e não assumiu a quarta e decisiva grande penalidade.

    Segue em bom ritmo a selecção croata que, de empate em empate, lá vai seguindo. Onde é que já vi fortuna desta? Ah, já sei! Na Grécia de 2004 e no Portugal de 2016.

    A Croácia tem um estilo de jogo que adormece e que dificilmente seduz um adepto de futebol. Mas vão jogar as meias-finais de um Mundial pela segunda vez consecutiva.

    Como dizia o meu avô, “essa é que é essa” (vá-se lá perceber o futebol).

    Depois da surpresa inicial, imaginei que Holanda e Argentina proporcionassem um espectáculo interessante. São duas boas equipas que, nesta altura, jogam muito pouco e estão quase ao mesmo nível. 

    O jogo não teve grande história. Não me lembro de uma oportunidade de golo holandesa até aos 75 minutos e, de certa forma, a partida parecia resolvida com um passe de génio de Leonel Messi e um penálti perfeitamente escusado sobre Acuña. O desenho da assistência de Messi no primeiro golo devia fazer parte dos compêndios. 

    Contudo, Wout Weghorst, lançado aos 79 minutos, veio revolucionar a partida com dois golos, o segundo no último minuto de jogo, num autêntico golpe de teatro que levou tudo para mais um prolongamento e o drama dos penáltis.

    A festa acabou por ser argentina, mantendo viva a hipótese da final de sonho.

    O destaque do dia, para mim, foram Modric e Messi que, aos 37 e 35 anos respectivamente, são, de longe, os melhores jogadores das suas selecções. Jogam, fazem jogar, correm, ganham o lugar pelo rendimento. Não há justiça no desporto, há rendimento. 

    Vou lendo na imprensa portuguesa algumas cautelas com Marrocos, referências ao D. Sebastião e até a lição defensiva que a Croácia nos deu.

    Meus amigos, a Croácia defende com 11 no meio-campo, Marrocos defende com 11 na grande área, saindo para o contra-ataque com um avançado que não teria lugar no Paços de Ferreira. Até ao momento, sofreram apenas um golo e passam os 90 minutos enfiados na baliza. Tudo certo.

    Dito isto, o respeito pelos adversários é obrigatório. Agora, medo de encontrar Marrocos nos quartos de final de um Mundial, tenham lá paciência. A disparidade de talento nas duas equipas é abismal.

    Saiu-nos o brinde, agora não tenham é medo de ganhar. E se começarem a tremer, chamem o Ronaldo. Que o rapaz nasceu para dias destes. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Autoeuropa: recusaram 5,2% e fizeram muito bem

    Autoeuropa: recusaram 5,2% e fizeram muito bem


    Portugal vive um momento de alguma convulsão social com greves em diferentes sectores praticamente todas as semanas. De entre os vários “fogos”, chamou-me à atenção aquele que vai crescendo na Autoeuropa, onde, em plenário, os trabalhadores votaram contra o pré-acordo laboral que incluía um aumento de 5,2%.

    Acompanho a vida da Autoeuropa com alguma atenção há pelo menos 17 anos, a exacta quantidade de anos que levo desde que ali deixei de trabalhar e decidi emigrar. Conheci por lá pessoas extraordinárias e fiz amigos para a vida, pelo que notícias como esta – ou críticas, em geral, aos trabalhadores que por lá andam há duas décadas (ou mais) – obrigam-me quase sempre a uma leitura um pouco mais cuidada.

    A Autoeuropa é utilizada pelos Governos, abusivamente na minha opinião, como empresa modelo das exportações portuguesas e das boas relações laborais entre administrações e trabalhadores. Se a importância da Autoeuropa para o produto interno bruto (PIB) nacional é uma pura questão matemática – e não há muito por onde discutir –, o mito de os trabalhadores estarem cheios de regalias, ou que as condições de trabalho são óptimas, é algo que nunca percebi muito bem de onde veio.

    Não sei se o caro leitor alguma vez passou por uma linha de montagem, onde tudo é feito ao segundo, sem poder parar, com tempos controlados para comer, ir à casa de banho ou apanhar ar. Linhas onde os volumes de produção obrigam a trabalhar noites inteiras com consequências directas para a vida familiar. Linhas com um trabalho repetitivo, anos e anos a fio, a troco de mil e tal euros – visto por quem está cá fora como “muito bom”, porque 75% do país só leva 900 euros para casa.

    A eterna discussão sobre nivelarmos por baixo e pensarmos que, se eu estou na lama, por que razão deveria o meu vizinho ter o pescoço de fora.

    Estamos a falar de uma empresa que responde a uma casa-mãe onde os funcionários recebem três vezes mais pelo mesmo tipo de trabalho. Uma empresa onde um engenheiro, ao fim de 20 anos de dedicação, pode nem ter conseguido uma progressão salarial de 1.000 euros líquidos.

    E todos os anos a fábrica de Palmela está entre as melhores do grupo, mas, quando chega a altura dos aumentos, o que é que acontece? Soluções criativas. Ora são os “down days”, em troca de dinheiro, ora são os aumentos para as calendas gregas, ora são promessas de mais projectos, e aí sim, outras soluções.

    É claro que todos percebemos a dinâmica da coisa. As multinacionais mexem-se para onde a mão-de-obra é barata, o benefício fiscal existe e o trabalho fica feito. São as regras do negócio.

    No meu actual trabalho, vejo equipas espalhadas pela Índia, China e Ucrânia. Está tudo engatado, atrasos e problemas que não acabam (quem diria que um gajo a fugir de bombas não se consegue concentrar?!), mas o capital aumenta, os gastos são menores e o lucro dispara. Em Portugal, e com a Autoeuropa, é assim desde que me lembro.

    Lembram-se, aliás, do último VW, novo, bem barato que compraram? Pois, imagino que não, porque não existe. Os preços dos modelos vão acompanhando a inflação, ano após ano, com a sempre actual conversa dos custos de produção, mas, espante-se, os trabalhadores ficam essencialmente na mesma.

    Quando recusam uma proposta de aumento de 5,2% num ano em que a inflação real já vai em dois dígitos, o que eles estão a dizer, alto e bom som, é que percebem o mundo em que vivem. E estão a mostrar coragem, porque no sector privado, obviamente, o risco de perda de emprego é maior.

    Aliás, se se derem ao trabalho de ler as caixas de comentários dos vários jornais que falaram sobre a proposta chumbada pelos trabalhadores da Autoeuropa, podem atestar o que aqui escrevo. A onda de críticas da sociedade civil aos trabalhadores é gigante. Perdi a conta ao número de pessoas que os condenava ao desemprego, que falava na Opel da Azambuja, ou que lhes dizia que 5% era óptimo nos dias de hoje.

    O papão de “fechar e ir para outro sítio” deve existir desde o dia em que lançaram a primeira pedra na Quinta do Anjo. Ouvi essa ameaça não sei quantas vezes nos cinco anos que por lá passei, e à conta dela aceitámos dias de folga em vez de aumentos salariais de jeito. Entre a minha entrada em 2001 e saída em 2006, julgo que a diferença no salário líquido não chegou a 30 euros. Lembro-me de nos agarrarmos ao argumento de “é uma merda, mas é seguro”.

    Ora, o que mudou entretanto? Pouco. O grupo VW continua a ser um dos maiores do Mundo, a fazer lucros enormes e a espalhar fábricas de baixo custo por países pobres, pagando salários de jeito apenas na casa mãe (Wolfsburg) e nas demais fábricas do grupo (Audi, etc.) que estão em território alemão, onde os sindicatos não brincam em serviço.

    Bem sei que a VW não inventou a roda ou o capitalismo selvagem. O lucro é maior onde a mão-de-obra se vende por menos, e, no momento em que essa mão-de-obra fica mais cara, o capital vai para nova morada em busca de mais mão-de-obra barata. O ciclo é conhecido, está estudado e todos, a começar pelos trabalhadores da AutoEuropa, percebemos que fazemos parte dele.

    Agora, em consciência, cada um de nós, de preferência colectivamente, deve lutar contra essa ganância que nos leva direitos e qualidade de vida, a troco de lucro, com a promessa de um emprego e umas migalhas para pagar contas. É pouco, é muito pouco.

    Se a VW ameaçar, pela quinquagésima sétima vez, que vai explorar outros, ainda mais pobres, pois que vá. Se a força do nosso trabalho é tudo o que temos para a troca, não a podemos oferecer décadas a fio. Não podemos ver o custo de vida a subir exponencialmente e os salários, ano após ano, a serem uma envergonhada réplica do ano anterior.

    Algum dia acabam os povos para explorar e, nesse dia, começam as negociações a sério e a partilha de riqueza de forma justa. Quanto mais depressa lá chegarmos, melhor.

    Portanto, recusaram 5,2% e fizeram muito bem. Portugal não deve continuar a ser conhecido como um país onde a competência se vende barata. A Autoeuropa é, de facto, um exemplo.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Manifesto do tacho, da panela e da máquina de escrever (ou porque a liberdade também em Portugal feneceu)

    Manifesto do tacho, da panela e da máquina de escrever (ou porque a liberdade também em Portugal feneceu)


    Alegadamente, quis o acaso e a virtude de quem se preocupa, que me fosse feito ouvir as queixas de um petiz de barba grisalha que padecia terrivelmente de infecção respiratória, dessas que assolam o jardim à beira-mar plantado, conhecido pelos seus vastos prados desflorestados, mas alegre clima ameno temperado entre o esgoto não assumido no Mediterrâneo, esse cemitério aquático de quem foge do jugo imperialista ocidental, e o feroz Atlântico, conhecido pela sua aliança transnacional (trans é bom, é o que está a dar).

    Acontece que neste jardim, cauda sudoeste do jardim da Eurásia – conhecida pelos seus dois furiosos ministérios da verdade que se digladiam recentemente em prados amarelos e céus azuis –, o Inverno é sempre uma novidade própria de quem vive os dias, e não os meses ou as estações (nem tenho comboio em horário útil!), a prevenir as noites e esquecendo os vindouros tempos, descendentes e guerras urgentes.

    painting of man walking down a road holding umbrella

    Assim sendo, temos então o atol sanitário do costume, potenciado por energias violentas de quem passou três anos a lavar os legumes com lixívia, a açaimar as pessoas em trapo descartável e a sinalizar, com devida documentação azul fotografada, o selo no braço de quem recebeu a inoculação de Soma.

    Este petiz sofria, porventura sentia, a panela no peito, a fervilhar o testo em cada respiração, e, para seu horror, viu-se forçado a dirigir-se às urgências médicas da divina ciência do serviço nacional de saúde do jardim lusitano. Ora toda a gente sabe (it is known) que à conta de 127 negacionistas do ministério da verdade português, o serviço nacional de saúde morreu, visto que estes endemoninhados esbilros de Satanás influenciados por uma extrema-direita em ascensão, se recusam a admitir que homens são mulheres e o seu contrário também, defendem algo tão arcaico e pré-histórico como o sistema imunitário, não escondem o rosto com o hijab azul de polímero do bem, insistem enfim, em existir e ainda por cima em liberdade!

    Vai daí que o petiz o que faz? No seu compreensível transtorno de sofrimento animal, proclama abertamente mandados de prisão imediata para estes vis não conformados! Para o bem comum. E dele também (e já agora, nem que seja por prazer vingativo de verificar que a Soma não o safou e ainda por cima não tem ele estatuto para a Soma de melhor qualidade que garante protecção alargada a todas bichezas que por aí andam).

    white and black face mask

    Quis o acaso e o masoquismo desta alma que vos escreve, e se preocupa com os destinos sanitários da nação, que fosse ainda confirmado o devido estatuto do petiz no seio do serviço público, entregue à causa pública, à luta de “todes” aqueles que por bem prestem culto à mesma igreja. Pois, se não é um ser humano, eleito em assembleia de freguesia por reputada facção canhota, alegadamente sujeito a deslocações penosas de duzentos e cinquenta mil metros para se sacrificar por todos nós, cabeças de gado, terraplanistas e consumidores iletrados que devem confiar no ministério, a ter direito a reclamar a privação de liberdade dos untermensch, que insistem em poluir o ambiente interior e exterior (e já agora, podiam ao menos garantir que a ida às urgências até matava dois coelhos de uma só cajadada – analogia carnívora pelo qual a autora se penitencia, mas soava bonito assim – e fazia mais análises de diagnóstico clínico, etc.), não sei quem possa ter esse direito!

    Petiz sacrificado! Que luta por causas! Que vive pelos outros! Deve ser protegido! (Já causas entre a Soma e a maleita não! Não há! Escusam de vir com essa conversa!)

    Como esperam que se encha o tacho de onde se come, se se tem panela quando se inspira a boa luta?!

    Entre 2019 e 2020 foi essencial ter uma gestão sanitária e da coisa pública. Essencial!

    (Sinto que faço o mesmo balanço de passagem de ano há três anos, deve ser a maldição do “Groundhog Day”)

    group of people standing in front of brown wooden table

    Porque não alterar a constituição?! Porque não garantir que cada pessoa essencial faz aquilo que lhe mandam, movem-se para onde mandam, comem o que mandam, sobem os camiões para onde lhes mandam? E os não essenciais, bem, esses, os petizes já lhes deram demasiadas oportunidades, não é? São uma cambada! E não se preocupam com o planeta! No meio desta urgência! Isto é como uma guerra!

    (Não, não, não. Não é verdade. Não nos esconderemos como um qualquer animal.)

    O dia a dia continua, o excesso de mortalidade está gritado aos sete ventos. Aumentou mais este ano do que nos anos anteriores. Assim como os graus de temperatura e os rios atmosféricos.

    (Há lugares para nos escondermos?)

    Primeiro, o ideal é congelar contas bancárias de protestantes contra a verdade.

    Talvez instaurar o modelo chinês de créditos sociais, basicamente como a famosa app do StayAway Covid, em que, assim a modos que se alguém tossir num raio de uns metros em espaço público, o nosso telefone inteligente fica vermelhinho de raiva para nos avisar da necessidade de fugir para longe.

    Bem, mas não igual ao chinês, o chinês é mau. O nosso seria bom claro.

    people wearing mask and jackets

    Que dizer? A voz até se embarga e até me falham as palavras. Declarar o que quer que seja com sentimentos e não com reflexões é sempre perigoso, excepção feita à mestria bocagiana de proclamar amor ou sátira com a mesma doçura, talvez.

    Esta nação de poetas, cabrões dos vindouros. Primeiro, fechar o mundo. Lockdown. Depois, reconstruir melhor. Reset. Podemos manter-nos a polir latão no Titanic ou ocupar o nosso lugar essencial na cadeia produtiva de emancipação e transhumanismo. E quem diga o contrário é tolo. Houve um vírus, ainda há, muitos! E podem vir muitos, muitos mais! E por culpa nossa o planeta está a morrer! Está a cozinhar lentamente! Temos de priorizar! Corram! – seguem-se gritos – A economia depois vê-se! Vai tudo ficar bem! E quem procrastinar a pagar a senha de almoço na escola dos miúdos, o pai Estado fica-lhes com a guarda! – mais gritos – Toda a gente sabe que, mais a mais, os miúdos devem beneficiar de três meses de aulas de Cidadania sobre identidade de género! Até porque dentro de cada um de nós existe uma outra alma, que pode ficar com as mangas do casaco curtas no pescoço, há que libertar as almas. O heróico paranóico hara-kiri!…

    Entretém-te filho, entretém-te
    Não desfolhes em vão este malmequer que bem-te-quer
    Mal-te-quer, vem-te-quer, ovomalt’e-quer
    Messe gigantesca, vem-te bem, vem-te vindo, VIM na cozinha, VIM na casa-de-banho
    VIM no Politeama, VIM no Águia D’ouro, VIM em toda a parte, vem-te filho
    Vem-te comer ao olho, vem-te comer à mão
    Olha os pombinhos pneumáticos que te arrulham por esses cartazes fora
    Olha a Música no Coração da Indira Gandi
    Olha o Moshe Dayan que te traz debaixo d’olho
    O respeitinho é muito lindo e nós somos um povo de respeito, né filho?
    Nós somos um povo de respeitinho muito lindo
    Saímos à rua de cravo na mão sem dar conta de que saímos à rua de cravo na mão a horas certas, né filho?
    Consolida filho, consolida, enfia-te a horas certas no casarão da Gabriela que o malmequer vai-te tratando do serviço nacional de saúde
    Consolida filho, consolida, que o trabalhinho é muito lindo
    O teu trabalhinho é muito lindo, é o mais lindo de todos
    Como o Astro, não é filho?
    O cabrão do Astro entra-te pela porta das traseiras, tu tens um gozo do caraças, vais dormir entretido, não é?
    Pois claro, ganhar forças, ganhar forças para consolidar
    Para ver se a gente consegue num grande esforço nacional estabilizar esta desestabilização filha-da-puta, não é filho?
    Pois claro!
    Estás aí a olhar para mim
    Estás a ver-me dar 33 voltinhas por minuto
    Pagaste o teu bilhete, pagaste o teu imposto de transação e estás a pensar lá com os teus zodíacos:
    Este tipo está-me a gozar, este gajo quem é que julga que é?
    Né filho? Pois não é verdade que tu és um herói desde que nasceste?
    A ti não é qualquer totobola que te enfia o barrete, meu grande safadote!
    Meu Fernão Mendes Pinto de merda, né filho?
    Onde está o teu Extremo Oriente, filho?
    A-ni-ki-bé-bé, a-ni-ki-bó-bó
    Tu és Sepúlveda, tu és Adamastor, pois claro
    Tu sozinho consegues enrabar as Nações Unidas com passaporte de coelho, não é filho?
    Mal eles sabem, pois é, tu sabes o que é gozar a vida!
    Entretém-te filho, entretém-te!
    Deixa-te de políticas que a tua política é o trabalho, trabalhinho, porreirinho da Silva,
    E salve-se quem puder que a vida é curta e os santos não ajudam quem anda para aqui a encher pneus com este paleio de Sanzala em ritmo de pop-chula, não é filho? 

    FMI, de José Mário Branco

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A culpa é do Livre Mercado: ainda acredita na “história da carochinha”?

    A culpa é do Livre Mercado: ainda acredita na “história da carochinha”?


    Uma das expressões mais vilipendiadas dos nossos dias é o Livre Mercado, ou mesmo os Mercados; quem não se recorda daqueles meses anteriores à chegada da ajuda internacional, o período da famosa Troika, em que os juros pagos pela República Portuguesa no mercado secundário não paravam de subir, chegando a uns impensáveis 18%!

    Diziam-se coisas absolutamente extraordinárias: “Malvados Mercados!”; “Temos de processar os mercados!”; “Estes juros são usura!”.

    blue and red cargo ship

    Ora, o Livre Mercado não é mais do que um termo para descrever as trocas comerciais livres e voluntárias que ocorrem numa sociedade. Cada troca é realizada através de um acordo voluntário entre duas pessoas, ou entre grupos de pessoas, representadas por agentes – o representante de uma sociedade ou de uma associação, por exemplo.

    De forma voluntária, dois indivíduos – ou agentes – trocam bens económicos, sejam eles tangíveis – um carro, um telemóvel – ou intangíveis – serviços médicos, serviços de consultoria, por exemplo.

    Desta forma, se decido comprar um telemóvel por 500 Euros numa loja de comunicações, eu e o agente (vendedor, neste caso) da loja trocamos duas mercadorias: (i) eu desisto de 500 Euros e o lojista de um telemóvel.

    Se eu vendo o meu trabalho para uma empresa, de forma mutuamente acordada e voluntária, por um salário monetário, neste caso, a empresa é representada por um agente com capacidade legal para me contratar.

    person standing near vegetables

    Eu cedo horas do meu trabalho por troca de um salário mensal; o empresário emprega uma fracção dos capitais obtidos juntos dos accionistas – ou de empréstimos junto da banca ou dos mercados –, a troco do meu trabalho.

    O primeiro (trabalhador) tem um rendimento certo e estável, sem risco, enquanto o segundo (empresário) um rendimento instável, dependente dos humores dos consumidores. Corre o risco de perder a totalidade dos seus capitais, caso o produto ou serviço não vingue junto do mercado. Se tiver sucesso, os accionistas terão os seus capitais remunerados – a essência do capitalismo, servir um consumidor de forma rentável.

    Ambas as partes realizam a troca, atendendo que cada uma espera lucrar com isso. Além disso, cada um repetirá a troca da próxima vez – ou se recusará –, porque a sua expectativa se mostrou correcta (ou incorrecta) no passado recente. O comércio, ou troca, é realizado precisamente porque ambas as partes se beneficiam; se não esperassem ganhar, não concordariam em realizar a troca.

    A interação entre compradores e vendedores, aquilo que se designa por procura e oferta, gera a formação de preços, promovendo, a todo o momento, um valor de equilíbrio que permite maximizar o volume de transacções. Os preços não são nada mais que sinais. Se estão altos, indicam aos produtores que há escassez, atraindo mais concorrentes e mais quantidade produzidas, aplicando-se o oposto quando os preços são baixos.

    Infelizmente, a natureza humana é perversa, criando sempre obstáculos à existência do Livre Mercado. O recurso à violência, retirando ao produtor o fruto do seu trabalho sem dar-lhe nada em troca, é uma das formas de obtenção de recursos.

    Quando um exército invasor força os habitantes a entregarem-lhe tudo; quando um assaltante, de pistola em punho, força a sua vítima a entregar-lhe a carteira; ou quando um dado Estado, através de tributos e taxas, esbulha os seus cidadãos, não são mais que antíteses do Livre Mercado, onde a obtenção de recursos se faz através do uso da violência.

    Outro argumento para intervir no mercado advém da existência de assimetrias de informação entre as partes. É o que acontece numa relação entre um paciente e um médico. Este último tem uma enorme vantagem sobre o segundo, podendo-lhe impor, com a maior das facilidades, uma quantidade infinita de fármacos, com um único propósito de obter o máximo de lucro, incluindo lucrar com a permanente doença do paciente.

    A assimetria de informação irá sempre existir em praticamente todas as transacções; por regra, o produtor do bem ou do serviço tem sempre maior informação, actuando, por conseguinte, em vantagem.

    man in purple suit jacket using laptop computer

    Este é um dos argumentos para o aparecimento de reguladores, que são igualmente organizações constituídas por homens – neste caso, funcionários públicos, com os defeitos e virtudes associados –, que obrigam o produtor a “esclarecer” previamente o consumidor, tratando-o, quase sempre, como uma vítima, totalmente inimputável e incapaz de somar 2+2.

    Um dos exemplos mais paradigmáticos é a regulação da indústria financeira. No momento em que um consumidor decide adquirir um produto financeiro considerado complexo – conceito, obviamente, definido pelos reguladores –, a corretora é obrigada a alertá-lo de que poderá “morrer” ao virar da esquina.

    Previamente à contratação, a corretora tem de realizar um teste de avaliação de conhecimentos, visando aferir a capacidade do consumidor em compreender um dado produto financeiro ou mesmo se ele se adequa às suas necessidades; tal como alguém que se dirige a uma loja, ao entrar, a funcionário obriga-o a realizar um questionário, chegando, no final do mesmo, à conclusão que o conteúdo da loja não é para ele. Este é o ridículo a que chegámos com o intervencionismo da União Europeia.

    A assimetria de informação combate-se com a concorrência, em que os mais sérios, aqueles que efectivamente pugnam pelos interesses dos consumidores, vingam. Por outro lado, em lugar de fechar um dado mercado, a sua abertura, a existência de liberdade, torna o mercado democrático e acessível, gerando maior literacia aos consumidores.

    brown high-rise building

    As empresas de notação financeira surgiram no início do século XX, quando as empresas de caminhos-de-ferro norte-americanas necessitavam de angariar capitais junto de pequenos aforradores europeus. Estas empresas recebiam dinheiro de vários investidores com o propósito de investigar e avaliar as contas das empresas que solicitavam empréstimos. Neste caso, os consumidores agregaram-se com o propósito de eliminar a tal assimetria de informação; ou seja, foi o Livre Mercado que encontrou soluções para tal problema.

    Outra forma de intervencionismo, contra o Livre Mercado, é o licenciamento estatal. Neste caso, a empresa é obrigada a pedir uma licença para operar num dado mercado, seja junto do Estado ou de um regulador, demonstrando que cumpre uma série de requisitos, como por exemplo: capitais mínimos, idoneidade dos administradores e dos sócios ou experiência prévia.

    Esta prática tem dois propósitos: (i) proteger os concorrentes já estabelecidos, limitando a oferta; (ii) entregar um poder desmesurado ao burocrata que decide o processo, como é o caso do licenciamento urbano, onde todos os incentivos à corrupção estão criados. Este último tem tudo a ganhar em sacar uns cobres a quem deseja entrar, com os consumidores a pagarem a fava rica no final.

    O Livre Mercado também obriga ao respeito pela propriedade privada. Quando um banco comercial emite moeda para conceder-nos um crédito, não realiza, neste processo, qualquer produção à sociedade. Na prática, todos ficamos mais pobres, pois cada Euro emitido desta forma, fruto de uma licença junto do Banco Central, vai diluir o valor de todos os Euros que possuímos.

    Abraham Lincoln statue

    Sem o respeito pela propriedade privada, neste caso, pela produção ilegal de dinheiro, os preços são distorcidos para os sectores de actividade onde a produção de dinheiro mais afecta. É caso, por exemplo, do imobiliário, onde a produção de crédito através da emissão de dinheiro, por esta via, provoca uma subida inexorável dos preços. O Livre Mercado não é isso; tem de existir dinheiro sério e o respeito pela propriedade privada.

    Vivemos numa falácia, onde todos os dias se lançam impropérios ao Livre Mercado, onde se apela a maior intervencionismo do Estado, quando este apenas devia zelar pelo cumprimento das regras do mercado e proteger a propriedade privada.

    Com a União Europeia, temos uma Economia hiper-regulamentada e tributada com um único propósito: evitar a entrada de novos concorrentes, infernizar a vida dos pequenos negócios para os levar à falência – incapazes de cumprirem com toda a legislação e suportar a enorme carga fiscal –, e facilitar a concentração de um enorme poder em grandes multinacionais.

    Livre Mercado, pois então?! Não pense nisso. Há muito que não existe.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.