Nos meus tempos de escola primária, no século passado, aprendíamos que este País, “à beira-mar plantado”, era um “país de marinheiros”.
A poesia, escrita e cantada, a literatura, a pintura, a escultura, glorificavam o mar que os portugueses tinham vencido em inúmeras provas de coragem.
“Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!”, exclamava Pessoa.
Os portugueses faziam questão de mostrar, aos restantes povos do Mundo, que eram os únicos que conheciam o mar e, ainda que o temessem, o enfrentavam.
Cedo aprendíamos que só os portugueses entendiam que o género do mar era o masculino.
Em Portugal era, e é, O mar.
Não fazemos como os franceses que só o visitam nas praias vigiadas e nunca avançando para zonas onde a água suba acima dos joelhos.
Para os franceses é “La” mer. “A” mar.
Meninas!
Batíamos, em coragem, os próprios vikings, entrando em “cascas de nozes” para descobrir “novos mundos” através de “mares nunca dantes navegados”.
E não havia monstros que nos fizessem desistir,
Porque “ao leme” ia alguém maior.
Alguém que queria o mar que tinha sido, até então, dessas criaturas medonhas.
As nossas lições de História eram hinos à coragem e à superioridade dos portugueses.
Escutava-as com atenção (infantil, talvez, mas orgulhosa) e fui crescendo com enorme respeito por todos quantos enfrentavam mares e oceanos.
De pescadores a marinheiros. De desportistas a fuzileiros.
E muito do meu patriotismo se deve a esses heróis.
O que se ensinará, hoje, nas nossas escolas primárias a esse respeito?
E no que acreditarão os nossos filhos e netos?
Os que vivem no litoral pobre, muitos deles familiares de pescadores, continuarão a respeitar esses profissionais e a despedirem-se deles, todas as madrugadas, com um beijo, ou um abraço, que sentem poder ser o último.
Depois há os “novos” portugueses, criados em escolas sem disciplina, sem respeito pelos melhores, sem cultura, sem exemplos.
Os que se sonham heróis porque só pensam em medalhas e não sabem dos riscos de, por vezes, só nos restar “sangue, suor e lágrimas”.
Os que vão para a Marinha pensando nas fardas brancas, que prendem os olhares em cerimónias, ou nos camuflados especiais, de fuzileiros, que dão um ar de valentia e masculinidade.
Muitos conseguem ostentar dezenas de medalhas conquistadas em missões importantes mas nem sempre perigosas.
São os heróis actuais incapazes de embarcar num navio com alguns problemas embora o seu comandante garanta que não há perigo.
O que podem fazer estes marinheiros da Armada Portuguesa, a Marinha de Guerra, por outras palavras, se houver a necessidade de entrarem em combate?
Não obedecem a ordens, porque temem uma avaria que os deixe parados no oceano?
Não obedecem a ordens, seja lá porque motivo for?
Em que país do Mundo um militar desobedece, discute ou, simplesmente, questiona uma ordem de um superior?
E este episódio foi um caso isolado, de treze erros de casting na selecção da tripulação de um navio de guerra, ou é o exemplo do que pode acontecer em qualquer navio de guerra, em qualquer esquadrilha de aviação, em qualquer companhia no exército?
A indisciplina habitual nas escolas, nas últimas décadas, com alunos a desobedecer, gritar e, mesmo, agredir professores, de modo impune, não terá formado adultos frustrados, sem noção das regras básicas e cobardes?
Já éramos conhecidos como o país com pior educação, saúde e condições de trabalho da Europa democrática.
As nossas Forças Armadas, apesar de tudo, conseguiam disfarçar os seus problemas porque se enviavam, para as missões no estrangeiro, os seus melhores.
O que se passou no NRP (Navio da República Portuguesa) Mondego faz-nos pensar no pior.
Vejamos como reage o Comando.
Pessoalmente, gostava de continuar a viver num país de marinheiros.
Heróis do Mar!
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Ponto prévio: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.” Esta é uma das normas do Código Deontológico dos Jornalistas. Posto isto, siga, e justifica-se, o editorial…
Imaginemos que, por exemplo, um jornalista do Expresso fazia um requerimento ao Governo a solicitar documentos ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, isto num cenário em que se via obrigado a invocar a lei para obter informação, porque não lhe bastaria um simples telefonema ou e-mail.
Eu sei que é um exercício que exige demasiada imaginação: não tanto por mim – que colaborei vários anos no Expresso –, mas por ser difícil imaginar o Expresso (ou outro órgão de comunicação social mainstream) de hoje a “morder nas canelas” do Governo ao tal ponto de invocar leis para aceder a documentos…
Mas imaginemos então esse pedido, e que, na volta do correio, o jornalista do Expresso receberia a seguinte resposta:
Embora o Governo reconheça que tal informação nunca foi requerida e o número de documentos, não obstante ser morosa, não configure propriamente um impedimento, a verdade é que a finalidade do acesso aos documentos é, em si,manifestamente abusiva. E é assim porque o requerente tem vindo, ao longo do últimoano, a mover sucessivos pedidos de acesso aos mais variados documentos na posse daGoverno, acabando por fazer um uso abusivo dos mesmos quando a eles tem acesso,concretamente através da publicação no Expresso, aliada a outras tantas sobre oGoverno e o seu Primeiro-Ministro.
O que acham que aconteceria? Como reagiria a classe jornalística? Como reagiria o Sindicato dos Jornalistas? Como reagiria a Entidade Reguladora para a Comunicação Social? Como reagiria a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista?
Pagaria para ver.
Porém, resposta similar obtive, não do Governo, mas, pasme-se, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, que integra apenas jornalistas. E isto porque pedi formalmente diversos documentos, entre os quais actas de reuniões, diligências tomadas em sede de processos de averiguação e disciplinares a jornalistas e também a decisões quanto a remunerações dos nove membros do Plenário de uma entidade de direito público.
A resposta, esta semana transmitida, contém esta e outras “pérolas”:
“Embora o Secretariado reconheça que tal informação nunca foi requerida e o número de documentos, não obstante ser morosa, não configure propriamente um impedimento, a verdade é que a finalidade do acesso aos documentos é, em si,manifestamente abusiva. E é assim porque o requerente tem vindo, ao longo do últimoano, a mover sucessivos pedidos de acesso aos mais variados documentos na posse daCCPJ, acabando por fazer um uso abusivo dos mesmos quando a eles tem acesso,concretamente através da publicação no “Página Um”, aliada a outras tantas sobre aCCPJ e a sua Presidente.
Convém referir que as minhas expectativas face a esta CCPJ estão já abaixo de zero, como se pode constatar pela cobertura noticiosa e opinativa que lhe temos dedicado no PÁGINA UM. A sua inacção em diversas matérias – como o fechar os olhos às relações promíscuas entre grupos de media e determinadas empresas é um exemplo –, já não tem cura. Mas convinha que não enterrassem a própria essência do jornalismo, abrindo uma caixa de Pandora perante a passividade da classe só porque se deparam, pela primeira vez, com um jornalista que não quer ser corporativista nem agradar à classe.
Imaginar que se pode dar uma resposta daquele quilate a um jornalista – invocando uma norma legal, isto é, o ser “manifestamente abusivo”, porque acham os pedidos “chatos” – é dar em simultâneo “instruções” ao Governo, à Administração Pública, às empresas e a todas as entidades para tratarem, do mesmo modo, outros jornalistas.
Para a jornalista (credo!) Licínia Girão e para o jornalista (duplo credo, porque também ensina estudantes de Comunicação Social), que assinaram a carta a mim remetida, haver um jornalista a pedir, por exemplo, actas de reuniões e documentos de remuneração (numa altura em que a CCPJ pretendia aumentar as receitas através de uma subida dos emolumentos) é “manifestamente abusivo”. Presumo que já não seria se eu lhes cantasse loas.
Mas não me surpreendendo que a CCPJ (tal como em tempos a Entidade Reguladora para a Comunicação Social) tenha este tipo de atitudes pouco adultas (fazendo “birras”, porque os incomodam), também sei como as “coisas” funcionam em corporações – e sei muito bem o quão corporativista é a classe jornalística.
Por isso, não me espanta, embora lamente, que, por exemplo, as minhas tentativas de telefonemas e de mensagens para o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, para lhe chamar a atenção para a gravidade da reposta da CCPJ, tenham ficado sem qualquer resposta. Ainda mais porque a resposta da CCPJ lhe seguiu por mensagem de correio electrónico. Compreendo o seu silêncio, dentro do contexto da classe.
Afinal, por que carga de água o presidente do Sindicato dos Jornalistas teria de reagir ao PÁGINA UM, que é um “minúsculo” jornal e que ainda por cima só faz pedidos “manifestamente abusivos”? E logo pedidos manifestamente abusivos à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, onde pululam figuras tão gradas de uma imprensa onde todos se conhecem e se cruzam.
Na verdade, ignore-se um “minúsculo” jornal que, para recordar os assuntos que levámos até às últimas instâncias, também faz pedidos manifestamente abusivos ao Governo.
Pedidos manifestamente abusivos ao Conselho Superior da Magistratura.
Pedidos manifestamente abusivos ao Ministério da Saúde.
Pedidos manifestamente abusivos ao Infarmed.
Pedidos manifestamente abusivos à Ordem dos Médicos.
Pedidos manifestamente abusivos à Ordem dos Farmacêuticos.
Pedidos manifestamente abusivos à Direcção-Geral da Saúde.
Pedidos manifestamente abusivos ao Instituto Superior Técnico.
Pedidos manifestamente abusivos ao Banco de Portugal
Pedidos manifestamente abusivos à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde.
Pedidos manifestamente abusivos à Administração Central do Sistema de Saúde.
E tantos mais fará…
Por isso, e pedindo desculpas (enfim, sarcásticas) por não fazermos no PÁGINA UM um jornalismo fofinho, sem abusos, e muito menos manifestos – passem muito bem com o vosso conceito de “manifestamente abusivo”. O PÁGINA UM, lamento desiludir-vos, não vai fazer o jornalismo que a maioria de Vossas Excelências deseja: jornalismo domesticado, amorfo e que se banqueteia com o poder. No dia em que tal me suceder, deixarei de ser jornalista.
Nota final: A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos já se pronunciou esta semana sobre uma primeira recusa da CCPJ aos documentos solicitados pelo PÁGINA UM, dando-nos inteira razão. Abordaremos este assunto, com detalhe noticioso, na próxima semana.
Esta é uma história exemplar sobre a infâmia dos vários tipos de jogos que as pessoas compram em tudo quanto é sítio, em vários tipos de papelinhos coloridos, nos quais acabam por gastar umas quantias nada desprezíveis, sendo extremamente raro receberem seja o for em troca. Tudo isto sempre me pareceu extremamente duvidoso. Mas não há como ouvir falar um verdadeiro profissional.
Tenho vindo a animar um clube de leitura numa vilazinha aqui perto, e a primeira coisa que faço, sempre que lá chego, é ir a correr tomar café, muito embora já tenha tomado dois em casa, antes de sair para ir passear o Sebastião e depois de voltar de ir passear o Sebastião. Às vezes ainda tenho que fazer qualquer coisa muito urgente, como por exemplo mandar a minha crónica para o PÁGINA UM, e então lá vai mais um café. Mas não interessa, dê lá por onde der, assim que chego à biblioteca da nossa reunião, vou sempre a tempo de me sentar na esplanadinha do cafezinho local e de tomar o último café antes de começar a trabalhar, enquanto o Sebastião conversa com toda a gente que passa, e que já lhe conhece o nome e retribui o nome, sobretudo os meninos, que querem sempre umas festinhas.
O proprietário desse café minúsculo é um miúdo muito simpático com quem eu troco sempre cinco minutos de conversa se não vier ninguém pedir nada ao balcão entretanto. Normalmente são conversas divertidas, mas no outro dia vi-o tão triste, com um ar tão abatido, e aquilo era tudo – como tem sido para quase todos os portugueses normais – por causa da falta de dinheiro, que eu lhe disse,
“Ó Rui, que não seja por isso. Eu estou tesa, como de costume, mas posso sempre oferecer-lhe uma raspadinha. Quer?”
Tudo a rir, e ele,
“Ah, eu não digo que não a nada, sabe-se lá.”
Memórias de outras Derivas como esta, já lá vão uns bons vinte anos É tão irritante, nunca mais deixarmos de ter razões para nos sentirmos indignados no mais simples bate-papo ao domingo, do outro lado da rua.
Sendo domingo e havendo uma tabacaria aberta na esquina que fica do outro lado da rua, deixei o Sebastião entregue aos seus amigos da esplanada, entretanto já todos a apostarem quanto é que havia de sair ao Rui e o que é que se fazia com essa massa, e fui num pulo “à do Zé”, como as pessoas dizem aqui.
“Bom dia Senhor Zé, é para comprar uma raspadinha, eu nem sei que preços há, mas…”
“Ai, Clarinha!”, respondeu-me logo o Senhor Zé, muito preocupado, “por favor não se meta nisto.”
“Não é para mim, é para o Rui, que está muito em baixo, então eu prometi que vinha cá comprar-lhe uma raspadinha.”
“Pois, está bem, então é um euro, mas oiça, nem ele, nem a doutora, nem ninguém: que ninguém tenha ilusões, isso das raspadinhas é um roubo. Um roubo de luva branca autorizado pelo fisco, e portanto governo, entendeu. Nunca, nunca, nunca, sai nada a ninguém. Eu vejo essas velhotas virem cá logo às oito e meia, assim que eu abro, comprar uma data delas, e até me dói o coração.”
“Então porque é que não lhes diz que não as comprem?”
“Eu? Se fosse eu a dizer às pessoas que não jogassem, fosse no que fosse? Estava desgraçado! Não percebe? Ao fim desse dia já toda a gente, daqui até Estremoz, sabia do que eu tinha dito… e, no dia seguinte, estava cá uma inspecção qualquer a fechar-me a loja por causa de um defeito qualquer que haviam de inventar logo ali.”
“Não pode deixar de vender jogo, então?”
“Uma casa como a minha, que é uma Tabacaria? Então não vê que isso era a fome e a vontade de comer? Valha-me Deus! Olhe, Clarinha, é como sermos protegidos pelas máfias, e essas coisas assim: quanto menos se falar no assunto, melhor.”
Lá fui entregar a raspadinha ao Rui.
Quando saí do Grupo de Leitura, ele mostrou-ma – toda a zeros, exactamente como o bolso do gajo que acaba de ganhar, e perder, e ganhar, e por fim perder tudo, durante as três horas intoxicantes passadas nas slot machines de um casino qualquer, igual a todos os outros.
Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora
Há uma boa dezena de anos, quando ia buscar o meu filho à creche, tinha por hábito estacionar no parque em frente, sem pagar, entrar no edifício e sair, quatro minutos depois, com ele pela mão. Esta rua ficava no meio de uns pastos, não tinha saída e o trânsito – se é que lhe podia chamar assim – limitava-se aos carros de pais que iam fazer o mesmo que eu.
Nunca vi ninguém a ir à máquina do parquímetro, até porque essa acção demorava mais a cada pai do que ir buscar o respectivo descendente. Certo dia, quando chego ao carro, vejo uma multa afixada.
Liguei para a EMEL local e uma senhora, extremamente antipática, dizia-me: “aqui na Suécia nós cumprimos as regras”. Na altura, eu não falava sueco, e obviamente percebia-se que era emigrante. A senhora descascou-me de alto a baixo, deu-me uma lição sobre regras de conduta no Primeiro Mundo. Afirmou até, sem sair da sua cadeira, que todos os pais pagavam o estacionamento quando iam buscar as crianças, menos eu.
Informou-me até que ela, mesmo sem ter filhos, pagava os impostos todos para que “nós” (os mais escuros) pudéssemos ter creches grátis para os nossos filhos.
Desliguei o telefone pensando que era um selvagem e questionando-me se, de facto, alguém pagava estacionamento por três ou quatro minutos, algo que eu nunca tinha visto nos indígenas que chegavam à creche à mesma hora do que eu.
No dia seguinte voltei ao local do crime com um bloco de notas. Sentei-me e esperei. Contei o número de pais que lá apareceram, os carros que tinham, o tempo que demoraram e quantos tinham pagado o parqueamento.
Numa hora inteira que lá estive aquele parquímetro viu cerca de zero coroas, num universo de 50 pais. Escrevi um e-mail ao chefe da senhora – a tal que simpaticamente me tinha informado que eu era um selvagem –, explicando o tratamento ligeiramente racista a que tinha sido sujeito por uma funcionária que pagava impostos para creches sem as usar.
Disse-lhe também que tinha visto 50 louros bem selvagens, e que, pelo que me tinha apercebido, ninguém demorava três minutos a ir meter moedas para ficar estacionado outros três minutos.
O chefe da senhora escreveu-me a pedir desculpa em nome do departamento, retirou a multa e, em seguida, colocou uma placa em frente à creche a informar que o estacionamento era grátis durante 15 minutos.
Ainda hoje vi a placa, e lembrei-me da frase do meu camarada Luís Gomes, tão gasta e repetida, de que a TAP é sustentada por pessoas que nem voam nela.
“Hiiiii…. que grande volta foste dar para responder ao discurso liberal que te foi dedicado, por uma pessoa que não gosta da IL, mas fala como eles”.
Pois é, meus amigos. Eu não gosto de colocar a mesa de jantar sem compor a decoração: há que criar ambiente para trinchar o peru.
O argumento de “paga quem usa” é o típico de quem defende uma sociedade não solidária. Eu nunca fui operado na vida e julgo que, em idade adulta, entrei num hospital três vezes para meter gesso num braço, ou um ombro no sítio, depois de umas futeboladas.
Devo então pagar impostos para o SNS quando há gajos que passam lá a vida?
Sim, claro que devo. Pela mesma razão que devemos pagar impostos progressivos, para que os que mais recebem possam contribuir para os que menos têm.
É esse o princípio básico de uma sociedade justa e solidária, com a qual me identifico. O contrário disto é o caos do salve-se quem puder, sem rede social que ampare as quedas. Nem todos podemos ser um CEO por mais que tentemos. Alguém tem de limpar as ruas ou fazer o pão e, nem por isso, têm de estar condenados a uma vida de miséria.
Tal como o Luís, eu já trabalhei por conta de outrem e por conta própria. Neste momento, faço as duas variantes, uma espécie de pau para toda a obra, dividido por quatro empregos. Ainda assim, a minha actividade não me tolda a visão do que acredito ser uma sociedade justa, com menos degraus e intervalos mais pequenos entre as classes sociais.
Isso só é possível se todos pagarmos para o bem comum. Algo que aprendi na Escandinávia, com impostos elevadíssimos e um retorno óbvio e de qualidade em serviços públicos.
Quando muito, poderia o Luís discutir, se quisesse, era se a TAP tinha interesse público para fazer parte das despesas feitas com dinheiro dos impostos. Essa discussão ainda aceito – a de que muitos que a pagam não a usam, mas enfim, parece-me mais limitada.
A minha avó nunca entrou num avião da TAP, mas fica radiante de cada vez que um TAP me leva até ela. Quantas Bias – nome utilizado por Maria Francisca Franco –, ainda aos 95 anos, espalhadas por Portugal, não terão um Tiago para ver algures numa das várias comunidades portuguesas ligadas pelas pontes da TAP?
Mas, segue o Luís, na tentativa de me responder, com o embrulho de sortidos húngaros na esperança de que, dali, saiam pastéis de nata. [Sou um fã dessa iguaria, devo confessar]. Pensei que já ninguém usasse o argumento de “a TAP não serve o Porto e Faro”, mas enganei-me. Ainda há quem use um não-assunto para tentar arranjar mais um motivo para o seu encerramento.
A TAP “não serve o Porto e Faro” como a KLM não serve Roterdão, a Ibéria não serve Barcelona e a Lufthansa Hamburgo. Ou a Austrian não serve Salzburgo e a Air France, Marselha. Ou a Brussels não serve Antuérpia e a SAS Gotemburgo.
Posso continuar por mais cinco linhas, mas acho que a ideia já passou. As companhias têm um hub (normalmente as capitais, sendo a Lufthansa um caso especial) e, portanto, fazem pontes para as restantes cidades. Mas, como se percebe, é a partir do hub que organizam maior parte das saídas. Não é a TAP que faz isto, é a aviação, em geral. Ninguém inventou a roda na Portela.
Pior do que a conversa de Porto e Faro é a repetição de outro mito já desmentido pelos quatro cantos do Mundo: o de a TAP receber dinheiro “há décadas”. Ora, devo lembrar que tal prática era proibida pela União Europeia e companhia alguma, de bandeira, podia receber financiamento público. Que me lembre, a excepção à regra aconteceu durante a pandemia da covid-19 e, nessa altura, várias companhias foram ajudadas pelos Estados com a autorização comunitária.
Assim, de cabeça, lembro-me da Lufthansa, da SAS, da Iberia, da TAP e da Air France. Esses dois anos terríveis, em que o poder político decidiu arruinar o sector dos transportes, foi culpa da TAP? O défice acumulado nessa altura é culpa dos trabalhadores da TAP? Não me parece.
Por que razão devem eles agora pagar a factura? É esse o busílis da questão, que, no diagnóstico feito pelo Luís, não vi qualquer resposta. O que fazer com os mais de sete mil trabalhadores e todos os empregos indirectos que estão nos fornecedores? No fundo, o que fazer com o peso da TAP na nossa Economia?
A outra altura em que a TAP recebeu dinheiro público, antes da nacionalização tão criticada, foi quando o Governo de Passos Coelho pagou a um empresário para que a companhia aérea nacional fosse comprada. É mais uma daquelas histórias de homens de negócios que arriscam com o dinheiro alheio. Em termos matemáticos, o risco assumido pelos privados que compraram a TAP foi ali a rondar o elemento absorvente da multiplicação: zero.
Há uma parte em que concordamos, até porque a vida não é assim tão complicada: o Estado português vai ao bolso dos contribuintes com elevado requinte de malvadez.
Pessoalmente, não é tanto o valor que me choca, é mais o serviço que nos é devolvido. Para aquilo que são os serviços públicos, hoje em dia, acho que não valia a pena continuarmos a pagar impostos (quase) ao nível da Escandinávia.
Mas noto que enquanto o Luís faz as contas, e bem, ao que o sr. João do Táxi ou a sra. Joana do Cabeleireiro pagam, já se esquece da calculadora na altura de referir os salários dos trabalhadores da TAP. Repare-se: se os salários são mais elevados, significa que também pagam mais impostos para o sr. João do Táxi. E ainda bem. É assim que funciona uma sociedade civilizada.
Nós, que não trabalhamos na TAP, nem conduzimos táxis, não devíamos criticar os salários da TAP, da NAV e de mais meia dúzia de sítios que pagam como no resto da Europa de Primeiro Mundo. Aquilo que devíamos, tal como os professores andam a fazer há meses, era exigir uma justa distribuição de riqueza e salários dignos. Não são os da TAP que estão mal, são os outros.
Mas falemos de alternativas, então, Luís. A TAP, na tua visão, devia ter sido extinta, presumo, antes de entregarem o primeiro cheque ao Neeleman. Garantes tu que, sem a TAP, caso o interesse em Portugal se mantenha, que haverá alguém que faça as ligações. Muito bem: o clássico mercado como solução para o desconhecido.
E se não houver interesse? Quem é que liga a diáspora ao país, especialmente nas rotas pouco lucrativas? Quem é que garante a ligação às regiões autónomas? E às ilhas mais pequenas? Quem é que liga com os PALOP, onde estão milhares de portugueses?
No fundo, quem é que faz a ponte com os cinco milhões de lusos e luso-descendentes espalhados pelo Mundo? Num país encostado no fundo da Europa, sem ferrovia e longe de tudo… a solução é depender do interesse alheio?
Fico incrédulo com as contas feitas dos salários que poderiam outros receber se a TAP não existisse. É um claro caso de indignação selectiva. Estivemos 13 anos a sustentar o BES e nunca vi ninguém a dizer quantos portugueses com o salário mínimo poderiam ser aumentados. Nunca vi uma linha da direita portuguesa a contestar as PPP ruinosas, electricidade em regime de monopólio proibitiva, portagens ou combustíveis. Aliás, até vi liberais no Parlamento – já sei que o Luís não gosta destes liberais, embora pareça muito – a defenderem o cartel das gasolineiras, pedindo menos impostos para eles. Quando o Governo baixou os impostos, as gasolineiras comeram as margens.
Ou seja, entre poder político e donos do capital, faz-se o banquete. À direita nada parece incomodar, e até a especulação nos supermercados já os vi defender. O lucro manda.
Mas ai de nós se defendemos uma companhia aérea num país periférico que, só por acaso, faz verdadeiro serviço público. Aí entramos no sorvedouro de dinheiro público e na raiz do atraso estrutural desde 1985.
No que toca a prioridades e dinheiro público atirado para a sarjeta, decididamente não estamos a assistir ao mesmo filme. Há um rio de poupanças a fazer e de desperdício para cortar, antes de se pensar na reestruturação da TAP. Que, já agora, será inevitável.
Dou um exemplo para ajudar: Ferreira do Amaral saiu esta semana da Lusoponte ao fim de 16 anos. O que teríamos poupado nesta dezena e meia de voltas ao sol se ele não tivesse assinado o contrato de exploração enquanto era ministro das Obras Públicas? Eu arrisco, para não me esticar muito: uns quinze A320. Em leasing.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Rolar o dedo nas redes sociais é um privilégio, e também um alimento, que nos mostra muito. Tantos “alimentos” no feed que quase se assemelham, a certa altura, a uma pia de lavagem, e eu, porca, a fuçar naquilo tudo.
(Preços que se pagam por deixar de consumir televisão e jornais.)
Hoje, como quase sempre, lá aparece um gatinho.
Mas este gatinho é testemunha das brigadas de salvamento de gatinhos. Aparece uma fotografia do bichano, coberto de lama e sujidades várias, ar doente, friorento e triste contra uma janela de carro e chuva lá fora.
Foi resgatado. E na fotografia em baixo já aparece, seco, fofo, radiante e com ar de quem ronrona numa cama almofadada contra uma janela de uma casa com jardim e sol lá fora.
Até aquece a alma.
Pergunto-me quantas vezes o ser humano, aquele que salvou aquele gatinho, fez o mesmo por outro ser humano, nas mesmas condições.
Trouxe-o da rua, lavou-o, tratou-o, deixou-o aquecido numa almofada a posar para a foto. A ilustração da humanidade a ser meiga com o seu semelhante, com a mesma intensidade generosa no acto de salvamento de animais indefesos, frágeis, vulneráveis e, regra geral, submissos ou garantidamente domináveis.
Certamente que o deixa dormir aos pés da cama ou até dentro mesmo. (O bichano.)
Será que é o medo em jogo? Afinal de contas, há mais risco em salvar um animal selvagem, de grande porte, e pior ainda se tiver uma ideia de livre arbítrio e não achar muita graça a recolher obrigatório ou à esterilização forçada.
Pior ainda se o dito animal selvagem, e de maior porte, se lembra de discordar de quem o salvou, se lhe ocorre ter um estilo de vida que comicha com o conforto físico ou até moral do bom samaritano.
(E lá no Mediterrâneo mais um barco cheio de pessoas, que não são gatinhos, a afogarem-se no atrevimento de ansiar por uma almofada e um sol no jardim de fora da casa. Não têm na verdade uma única bandeira que dê para exibir fervorosamente, têm várias, ou de facto já nenhuma, visto que nenhuma bandeira quer saber de nós nem tampouco nos oferecem uma para nos embrulhar, a não ser para quem morre por um lunático gatarrão que surge seco, fofo, radiante e com ar de quem ronrona numa cama almofadada [e às vezes nem isso] ou para quem paga bilhete com brinde para a claque do desporto rei.)
Mais um banho de redes sociais, e surgem outros gatinhos que alguns partilham afincadamente com as notícias que a propaganda do nosso eixo teima em esconder.
Na falta de melhor, podemos sempre reler o 007 ou os clássicos infantis, lavados de ofensas a públicos sensíveis. O index de palavras proibidas já vai desde gordo (mas não magro) até a rapazes e raparigas (ah pois, para quem não saiba, neste momento, até o sexo biológico é tabu nos países das maravilhas, até porque todos sabem que a biologia é ciência non grata nesta década.)
Enquanto isso, procurem comédia, que esta vida são dois dias e, acho eu, o Carnaval foi três.
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Esqueçam a pandemia. Centrem-se nas revelações que ontem aqui apresentámos. Isto tem já apenas a ver com Ciência. Com prática científica. Com ética. Pelo menos, a pandemia per si deixou de ser a questão central da luta do PÁGINA UM sobre um infame relatório do Instituto Superior Técnico (IST) de finais de Julho do ano passado que atribuiu, quantificando, mortes directas às festas populares e festivais musicais no mês anterior.
Foi por ser tão evidente o desfasamento entre aquilo que os investigadores do IST tinham concluído e os dados reais da incidência e da mortalidade que me levaram a solicitar o relatório daquela instituição universitária – que hoje sabemos ser o Relatório Rápido nº 52 –, bem como a metodologia e os dados numéricos usados, tanto para esse relatório como para todos os anteriores, desde Julho de 2021.
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. A ignorância com honra é preferível à inteligência sem ética.
Num cenário habitual em meio científico – onde os investigadores têm confiança absoluta no rigor e boa-fé do seu trabalho –, haveria completa abertura para se disponibilizarem relatórios, metodologias e dados numéricos. Para ser possível a um terceiro replicar os resultados. Isto não é desconfiança; pelo contrário: é confiança. Isto é a base da Ciência.
Mas não foi isso que sucedeu. E o que sucedeu foi uma Universidade estar no banco dos réus por recusar disponibilizar relatórios científicos.
Mas como a juíza do processo de intimação se terá esquecido de englobar os relatórios anteriores ao Relatório Rápido nº 52 – presume-se 51 relatórios –, foi necessário recorrer para o Tribunal Central Administrativo Sul.
Ora, o que se esperaria do comportamento do Instituto Superior Técnico?
Talvez que o seu presidente, o catedrático Rogério Colaço, pusesse a mão na consciência, tirasse o pó à humildade científica e puxasse lustro à ética – e depois entregasse os outros 51 relatórios e os ficheiros de dados.
Existem dois relatórios – Relatório Rápido nº 52 e Relatório Rápido nº 51 – e depois há, segundo o IST, “supostos relatórios”.
Mas não. Ontem, o PÁGINA UM noticiou mais um episódio desta “novela IST”, que coloca a Ciência portuguesa nas ruas da amargura – exagero!, apenas a Ciência feita nos corredores, gabinetes e laboratórios do Instituto Superior Técnico.
Em sede de contra-alegação, o IST defendeu que não deve existir qualquer alteração da sentença, porque terá ficado “apenas provada a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, e que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos, usados para a elaboração dos supostos relatórios.”
Mas pergunto: o que é isto?!
Deveria haver dúvidas sobre a existência dos relatórios que foram publicamente revelados pela imprensa mainstream sempre sob a chancela do IST? Que foram sendo sempre divulgados pela Agência Lusa, que fez fé que os viu?
Serviram estes relatórios do IST apenas para, de tempos em tempos, alimentar a hipocondria nacional, mesmo depois de uma taxa de vacinação elevadíssima, do surgimento da pouco letal Ómicron e de (oficialmente) mais de metade da população portuguesa adquirir imunidade natural?
Trecho das contra-alegações do Instituto Superior Técnico, para tentar convencer os juizes desembargadores da inexistência dos relatórios anteriores ao Relatório Rápido nº 52.
Serviram para os lobistas das farmacêuticas, como Filipe Froes, usarem a imprensa para “vender o seu peixe” – leia-se fármacos das empresas que os avençam?
Leia-se, aliás, a título de exemplo, uma notícia de 11 de Maio de 2022 no portal Sapo, a Multinews, onde se destaca que “Filipe Froes defende antecipação da 4ª dose da vacina”, sendo estas declarações enquadradas nos famigerados relatório do IST:
“O coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, Filipe Froes, que também participou na elaboração do relatório do IST, defende ‘que há uma necessidade de voltar a estar disponível no site da DGS a informação diária relativamente ao movimento, internamento e caracterização demográfica dos indicadores’.
Para além disso, adianta à Multinews, o ressurgimento da pandemia e a possível sexta vaga, ‘reforça a antecipação da quarta toma da vacina para a população idealmente com mais de 60 anos, independentemente de haver fatores de risco ou não’.
É ainda necessário ‘haver acesso aos novos fármacos antivíricos e aos anticorpos monoclonais, de maneira a que as pessoas mais vulneráveis, possam encontrar a proteção que precisam sem estarem dependentes da máscara, do confinamento e da imunidade menor da vacina’, conclui.”
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em 14 de Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia, que previu a realização de relatórios periódicos. Filipe Froes aproveitou os relatórios para ir “incentivando” a vacinação e a compra de anti-virais comercializados por farmacêuticas com quem colabora (e tem rendimentos comerciais).
Mas se existirem dúvidas sobre a existência dos ditos relatórios anteriores ao Relatório Rápido nº 52, então convinha que o Polígrafo fosse a correr dar bordoada nos órgãos de comunicação social que deram notícias sobre os relatórios (inexistentes?) do IST. Eis aqui uma breve selecção, apenas de 2022, com os respectivos títulos, entrada e ligações:
Relatório do IST prevê um número de casos em isolamento acima de 1.050.000 no dia de eleições legislativas, a 30 de janeiro e aponta que a covid-19 passará a ser como a gripe.
Todos os portugueses estarão imunizados após a atual vaga da pandemia, o que deverá acontecer depois de fevereiro, e a covid-19 vai evoluir para uma “doença residente” como a gripe ou a herpes, prevê o Instituto Superior Técnico.
Portugal regista uma “redução acentuada do perigo pandémico”, indica o relatório do grupo de acompanhamento da pandemia do Instituto Superior Técnico (IST), que recomenda que as “medidas em vigor sejam reduzidas de forma quase total”.
O relatório do IST indica que a “subida acentuada” do R(t) pode resultar numa nova vaga. O risco pandémico ainda não é muito elevado, mas os dados apontam para uma tendência de aumento dos internamentos em enfermaria e em UCI nos próximos 15 dias.
A ministra da Saúde, Marta Temido recusa, para já, falar numa sexta vaga da pandemia de covid-19 em Portugal, apesar do cenário ser admitido por um relatório do Instituto Superior Técnico.
Relatório do Instituto Superior Técnico indica que a incidência média a sete dias aumentou de 8.763 para 14.267 casos desde 19 de abril, o que se deve “à retirada abrupta do uso de máscara em quase todos os contextos e à nova linhagem BA.5 da variante Ómicron que começa a instalar-se” no país.
Um relatório do Instituto Superior Técnico (IST) divulgado nesta terça-feira alerta para a subida da mortalidade por covid-19 no próximo mês. Máscaras voltam a ser recomendadas em concertos ou grandes eventos ao ar livre — e sempre que exista risco de contágio.
Em conclusão, na Ciência não basta a inteligência. Sem ética, a inteligência (e, neste aspecto, quanto maior, pior) pode ser usada para burlas e fraudes, mesmo se, aos olhos de incautos, crédulos e ignorantes, possam parecer verdades insofismáveis.
Cabe, por isso, a nós, não sermos incautos nem crédulos nem ignorantes, e não aceitarmos os comportamentos de Rogério Colaço e dos investigadores dos ditos relatórios – Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro.
Estou confiante que, em sede de tribunal, o PÁGINA UM obrigará o IST a revelar todos os relatórios – ou a assumir que nunca fez parte deles. Mas o trabalho essencial não cabe a nós: é tarefa dos professores e investigadores do IST, que talvez tenham mesmo de arrumar a “casa”, com umas boas vassouras de ética. Lembrem sempre que a ignorância com honra é preferível à inteligência sem ética.
Há seis anos, se a memória não me falha, sentei-me com o último chefe directo que tive para negociar o aumento anual de salário. Passavam dois anos desde que ele, algures em 2016, me começara a avisar que já não havia “margem” para mexer em salários e que eu teria, por essa altura, atingido o topo.
Era, portanto, esperado que eu, aos 39 anos, concordasse em ficar com o mesmo salário, quiçá, até aos 65, idade em que me reformaria.
Expliquei-lhe, ainda de forma educada nessa reunião, que a “margem” esgotada a que ele se referia era aquela em que ele, a empresa, tinham como modelo de negócio ficar com 35 a 50% do valor gerado por mim.
Ou seja, a conversa dele começava no lucro garantido de 35% e a partir daí, logo se via quanto mais é que poderia raspar-me da pele. A mim e a outros em idêntica situação.
A negociação terminou com a exigência, por parte do empregador, de não abdicar do lucro mínimo de 35% e eu, que achava que eles nem faziam o suficiente para receberem 5%, decidi vir-me embora e começar a trabalhar por conta própria. Ou a decidir a quem e de que forma dava margens no valor produzido única e exclusivamente por mim.
O empregador não ficou contente e, mais tarde, ameaçou-me com um processo em tribunal, que nunca teve pernas para andar. Isto porque, felizmente, a escravatura há muito foi erradicada destas paragens.
Ficou-me dessa experiência a ganância desmedida com que se procura o lucro, independentemente de quem trabalha ou de quem merece ser compensado.
Tenho dito a cada português que aqui chega (Suécia), em busca de uma vida melhor, que nunca se vergue na defesa dos seus direitos laborais e que, especialmente, nunca tenha medo de vender a sua força de trabalho pelo preço justo.
Para quem vive do seu trabalho não há outra arma contra quem vive do lucro gerado por todos nós. A divisão de riqueza gerada tem que ser justa e, quando não for, a classe trabalhadora deve estar unida.
Esta conversa das margens veio-me à cabeça quando ouvi as N entrevistas aos presidentes de associações de retalho que foram chamados às televisões para tentarem justificar o injustificável: as enormes margens de lucro com a inflação.
Entre eles estava Rodrigo Moita de Deus, conhecido lobbysta e presidente da Associação de Portuguesa de Centros Comerciais, que procurava validar o escândalo que semanalmente vemos nos supermercados com o aumento dos custos na cadeia de produção.
A direita mais liberal não o diz abertamente, porque fica mal, mas apoiam o lucro infinito porque “as empresas existem para dar lucro”. Que me lembre, só Cecília Meireles, já sem funções parlamentares e num debate com Mariana Mortágua na SIC Notícias disse, a propósito dos lucros excessivos da banca que “desconheço o conceito de lucro excessivo”.
É o mesmo que dizer que, enquanto se puder aumentar o lucro, importa pouco quando cadáveres se vão amontoando para que os conselhos de administração se elevem nas ossadas.
Cecília, cujo partido desapareceu, já pode dizer isto abertamente, os restantes actores da direita ainda precisam de fingir que se preocupam com a miséria que vai abraçando os portugueses.
Toda esta defesa do lucro a todo o custo como conceito e, pior, a patética tentativa de ensaiar uma narrativa de aumento generalizado na cadeia de produção, para justificar aumentos de 70% em produtos do cabaz essencial, honestamente, dão-me vómitos.
Por acaso, os trabalhadores dessa cadeia de produção foram aumentados em igual proporção? Alguém ouviu falar em aumentos de 30% para os operadores de caixa do Pingo Doce ou 70% para os funcionários da Terra Nostra, que produzem o queijo e o leite nos Açores? Não, pois não?
Então acabem com essa conversa do aumento dos custos de produção como se não fosse uma coisa localizada em partes dessa cadeia.
Mas os custos de produção não aumentaram? Sim, claro que aumentaram. As rações para os animais subiram de preço com a guerra da Ucrânia. Os combustíveis também e, obviamente, o transporte de mercadorias ficou mais dispendioso.
Mas não seria de esperar que esses aumentos fossem divididos (para ser simpático) entre quem produz, quem distribui e quem compra? Seria pedir muito que os supermercados reduzissem um pouco as suas margens ou vá, que as mantivessem, para que a bomba não caísse toda nas mãos dos consumidores que empobrecem a cada dia?
Não aguento mais um dia de “passa culpas” ou de tentativas de convencimento da população por parte dos líderes das associações ou CEOs da distribuição. Se as margens de lucro aumentam com a inflação, é porque o impacto é todo absorvido por nós. Por quem trabalha. Ponto final.
Se não há aumentos salariais reais (acima da inflação) e se bancos e supermercados apresentam lucros recorde enquanto todos empobrecem, é porque as margens aumentaram e as grandes corporações se aproveitaram da inflação para especular. Ponto final. É isto o lucro excessivo. O momento em que, com a permissão dos governos, há uma transferência direta de dinheiro dos trabalhadores para o capital. É um assalto em termos legais. É isso que estamos a viver.
O escândalo é de tal forma descarado que dou por mim, aqui na Suécia, a comprar produtos que chegam num camião TIR de Espanha quase ao mesmo preço que o compraria numa grande superfície em Portugal. Mesmo com 3000 quilómetros de gasóleo e operadoras de caixa que recebem três vezes mais do que em Portugal, o aumento não é todo absorvido pelo cliente final. É obra.
O Governo, tarde como é habitual, pondera limitar os preços em alguns produtos essenciais. Aqui d’el Rei que se juntam as vozes a gritar pela nova Venezuela e aparece logo um par de economistas a explicar que isso fará alguns produtos desaparecerem do mercado por troca com outro paralelo e de preços mais altos, por causa da redução da oferta.
Como meus amigos? Como? Vão os produtores deixar de vender bens essenciais? E vivem de quê? O Continente e o Pingo Doce não aceitarão? Óptimo. Voltemos aos mercados e aos pequeno produtores com pequeníssimas cadeias de distribuição. Produtos locais, comércio de proximidade, preços mais baixos, maior divisão de riqueza.
Qual é o problema? É que se acaba o “lucro excessivo” e isso incomoda a quem manda.
Dizia hoje um pequeno produtor, no mercado de Espinho, que os preços não eram altos porque precisavam de vender e que esta era a forma de concorrer com as grandes superfícies. Explicou também que o segredo para ter produtos tão bons (os legumes apresentados tinham tamanho avantajado) e frescos era, para além de ele próprio os cultivar, o uso de estrume de gado bovino como fertilizante.
Ora aí está. Estrume de gado bovino pode ser, afinal, solução de boa parte dos nossos males. Ou de vaca, dito de forma mais corriqueira. Primeiro na terra, para gerar belos legumes e depois, aplicado com alguma mestria, na cara de quem nos obriga a empobrecer para aumentar as fortunas de uma minoria.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O meu companheiro Tiago Franco aqui do PÁGINA UM – prefiro esta palavra, em lugar do trato usado pelos bolcheviques que ele usou comigo – escreveu há dias um artigo sobre a TAP, isto é, a Bancarroteira Nacional, em resposta ao meu artigo em que propus 10 questões a serem colocadas na Comissão de Inquérito sobre a actuação do Governo na gestão desta companhia aérea, sobretudo entre 2020 e 2022, quando se encontrava sob controlo público.
Gostaria, porém, de fazer primeiro um ponto de ordem: no seu artigo, o Tiago começou por dar a entender que sou um membro ou simpatizante da Iniciativa Liberal (IL); quero assim recordar-lhe que escrevi o seguinte sobre o programa eleitoral desse partido nas últimas eleições legislativas: “Dá vontade de afirmar: com liberais destes, quem precisa de socialistas?”. Julgo que estas singelas palavras ilustram bem o que penso.
O Tiago informa-nos que gosta muito de ler sobre esta “associação de esquerdistas”, porque o transporta para as histórias de Nárnia, em contraste com o mundo real: do trabalho, do sacrifício e das dificuldades do dia-a-dia.
Deduzo que esteja a insinuar que vivo no tal mundo das aventuras da Alice no País das Maravilhas, onde tudo é idílico, mágico, fantasioso e fácil. No entanto, quero dizer-lhe que trabalhei por conta de outrem durante quase 15 anos, desde que saí da faculdade; e nos últimos 13 anos, sou empresário, investi e arrisquei as minhas poupanças em duas empresas do sector financeiro, criando dezenas de empregos.
Tal como o Tiago, vivi vários anos fora de Portugal, já que infelizmente o nosso país não me proporcionou, na maioria das vezes, as oportunidades de emprego e de investimento que procurava. Deduzo que seja essa também a razão para o Tiago ser emigrante há muitos anos.
Mas vamos ao debate. Tiago utilizou aquela rábula tão própria dos Homens de Esquerda: o “dinheiro público despejado na banca privada”. Há vários anos que eu denuncio a prática de Reservas Fraccionadas pelos bancos, que consiste em emitir dinheiro do nada, sem qualquer contrapartida de serviços e bens à economia.
Trata-se de um gigantesco sistema piramidal, fraudulento, orquestrado por um Banco Central e legalizado pelo Estado, que confisca, através da inflação (emissão de dinheiro), os pobres e a população em geral a favor de uma minoria privilegiada de banqueiros, grandes multinacionais e apaniguados dos Governos.
Dizer-se que há “dinheiro público despejado na banca privada” é como anunciar o regresso do criminoso ao local do crime, espoletado pela crise de “confiança” – a vigarice legalizada pelo Estado foi descoberta! – e a consequente “corrida ao banco”, atendendo que são negócios permanentemente insolventes, tal como é a TAP há décadas, onde o butim deles é sempre o bolso dos contribuintes.
E então o que é um negócio insolvente? Explico. Se os activos da empresa fossem liquidados seriam insuficientes para satisfazer todas as responsabilidades e compromissos, o passivo. Tal como o agora desesperado Silicon Valley Bank, incapaz de honrar os depósitos que dizia possuir à sua guarda, mas que na verdade não existem.
No final de 2011, a diferença entre o activo e o passivo da TAP era de 343 milhões euros negativos. Subiu para 512 milhões euros negativos no final de 2015 e seis anos mais tarde (2021) era de 468 milhões de euros negativos. Tudo isto mesmo depois do Sr. Joaquim do Restaurante, da Sra. Joana do Cabeleireiro, do Sr. João do Táxi (na verdade, todos nós) terem sido alvo de confisco em 3.200 milhões de euros e de continuarem a serem avalistas de uma dívida financeira que subiu quase 500 milhões de euros entre 2011 (986 milhões de Euros) e final de 2021 (1.480 milhões de Euros).
Portanto, uma empresa que está em bancarrota há décadas, de onde nunca saiu, e que carrega as cores nacionais, não pode ter outro nome: Bancarroteira Nacional.
O Tiago recordou-nos bem o repto de Cotrim Figueiredo, o então líder da tal ‘agremiação socialista’: “Nisto surge a covid-19 e o Cotrim grita com o Costa na Assembleia para lhe dizer que o apoio do Estado às empresas está a demorar muito.”
Desta vez, o Cotrim até estava certo em gritar com o Costa a pedir a devolução do assalto, mas faltou-lhe a ele e a toda classe política denunciar a falsa pandemia, que em nome de um vírus com uma taxa de sobrevivência de 99,8%, obrigou companhias aéreas a não voar. E quando estas o voltaram a fazer, tivemos testes que não diagnosticavam, fraldas faciais, inoculações de substâncias experimentais e certificados nazis.
Ao contrário do Sr. Joaquim do Restaurante, da Sra. Joana do Cabeleireiro, do Sr. João do Táxi, que tiveram de fechar portas e abrir falência em muitos casos, a Bancarroteira Nacional realizou em 2020 um novo assalto aos contribuintes, obrigando mesmo aqueles que a não utilizam – e são muitos, nos aeroportos do Porto e Faro, a importância da TAP é irrelevante – a entregar cada um 320 euros. Numa família de quatro pessoas foram 1.300 euros aproximadamente sem sequer tirarem os pés do chão para voarem para qualquer lado. Voar só lhes voa sempre o dinheiro.
Tudo isto se passou no país do salário médio de 1.300 euros por mês, correspondente a 971 euros líquidos (11% Segurança Social e 14,3% de IRS – um dependente, dois titulares), apesar do empregador pagar 1.609 euros (acresce segurança social do empregador 23,75%; e o Sr. Estado fica com 40%!), enquanto “pilotos, pessoal de bordo, assistência em terra, engenheiros de manutenção, técnicos de aeronaves” auferem em média cerca de 3.350 euros brutos (2.034 euros líquidos; um dependente, dois titulares). Nada contra, mas vivam dos clientes e não do nosso bolso.
Em conclusão, o dinheiro cobrado pela Bancarroteira Nacional aos seus clientes, que voam nos aviões, onde parece que o Tiago Franco se inclui, nunca é suficiente, pelo que vão sempre ao bolso da “plebe” que aufere 970 euros líquidos; e isto para evitar que o coração do Tiago sangre com a montanha de desempregados no “espaço que sobrar debaixo da Ponte 25 de Abril”.
Os Homens de Esquerda apenas reflectem no que vêem, esquecendo-se do que não vêem: o consumo e a poupança subtraídos a milhões de famílias, os milhares de empregos que podiam ser criados e não são – em virtude da pesadíssima carga fiscal para sustentar os desmandos da TAP – por pequenos negócios e as 142 mil pessoas que podiam auferir um salário de 1.300 euros durante um ano com os 3,2 mil milhões de euros (22,5 mil euros brutos/ano, incluindo o assalto dos 23,75% da SS do empregador) “oferecidos” à Bancarroteira Nacional.
A vida empresarial é “dura, a luta é constante e os problemas bem reais”, é, no fundo, procurar satisfazer uma necessidade com recursos escassos e obter lucro – a avaliação correcta à aplicação de poupanças num negócio. É por essa razão que irão sempre existir aviões para transportar pessoas de e para Portugal, desde que exista tal necessidade e seja possível obter lucros. Garanto-lhe que ninguém dará pela falta da Bancarroteira Nacional.
Enfim, mas como bom Homem de Esquerda, o Tiago considera um “horror” uma empresa ter lucros, próprio de “abutres”; mas já roubar o desgraçado de 970 euros líquidos por mês não parece assaltar a sua consciência.
Uma coisa lhe garanto: a empresa onde o Tiago trabalha certamente dá lucros; caso contrário, fecharia as portas, deixaria de lhe pagar o salário e enviá-lo-ia para o desemprego, excepto se existisse por lá um Pedro Nuno Santos a “resgatá-la” com o dinheiro dos outros!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A ti, que estiveste internado nos serviços de saúde durante a tal crise de 2020 a 2021, abre a porta do silêncio e conta-lhes o que viveste.
Cidadão com teste na narina positivo era internado numa cama, num quarto de um ou vários, janelas fechadas e penico alto debaixo da cama.
Preso na habitação fechada, sem renovação de ar com o penico pertinho da mesa da comida, confundindo cheiros.
Vinham pessoas impossíveis de identificar, vinham técnicos completamente limitados por roupas de protecção, e ajudavam a higiene, despejavam os penicos e traziam comidas.
A medicação decorria nas mesmas condições. Não pode sair! Não pode abrir a janela! Deite-se!
O musgo acumulava-se nos tectos e o mau cheiro crescia.
A doença nuns progredia de modo inexorável para um fim trágico, e noutros havia um despertar.
A liberdade dependia do cotonete na narina.
A progressão da doença assustava os técnicos que viviam em pânico de ir para um daqueles insalubres lugares.
O susto era produto da informação externa aos hospitais, veiculada por alarmistas médicos, alucinados matemáticos que previam o apocalipse. Assustados iam para casa e dela voltavam.
Os meses passavam e os cenários eram iguais, cada vez mais simples, mais previsíveis, com mais gente que ficara infectada e regressava sã. A larga maioria das pessoas contraía a doença e melhorava.
Havia uma recomendação de fechar-se em casa uns dias e depois, apesar do que se diz nos livros, regressava imune, carregava medo igual, e protegia-se do mesmo modo.
Um tempo de fazer pela ignorância do medo, sem ousar acreditar numa vírgula que fosse do que se escrevera até hoje. Assim fecharam-se milhares de pessoas, incomunicáveis permaneceram durante anos alguns idosos, converteram-se lugares de escrutínio da vontade e da opção livre, em casernas militares e presídios obrigatórios. Os filhos arrasados de receio fugiam dos pais.
A mim perturba-me imenso aqueles encerramentos de jovens e idosos no sanatório dos Covões durante semanas, como se estivéssemos nas trevas da lepra, no pior tempo da SIDA, no maior obscurantismo da Idade Média.
Se tivessem morrido 7% das pessoas que contraíam a doença (faleceram menos de 0,9 e sobretudo os muito doentes, ou idosos em fim de vida e, como em tudo na vida, raras excepções), tínhamos voltado à mais negra das noites. Tinham-se matado vizinhos, tinham-se libertado as feras dentro de nós, pessoas viravam bestas – se é que alguns não viraram.
O que testemunhei nos hospitais durante a crise de 20/21 é uma das facetas mais tristes da menoridade humana e daquilo que o medo expresso nas redes de informação catapulta.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Karol Sikora é um médico britânico com um currículo invejável a nível mundial na área da Oncologia. Poderia fazer aqui uma síntese, mas retiraria espaço para vos falar do seu artigo de opinião, nesta quinta-feira, no The Telegraph, a propósito do escândalo dos Lockdown Files, que intitulou “Os apoiantes dos bloqueios chamaram-me assassino – eles deveriam estar enojados consigo próprios” (Lockdown supporters called me a killer – they should be disgusted with themselves).
Cito-o, integralmente, não apenas por conveniência, mas porque o seu texto não tem nada a mais nem a menos. Tem tudo, no sítio certo. As suas palavras devem – ou deveriam soar – como punhais em muitas consciências. Aqui vai:
“Opor-se à série implacável de políticas de confinamento foi uma experiência solitária e, às vezes, extremamente desagradável. Aqueles de nós que expressaram preocupação com o encerramento efectivo de um país foram rotulados como extremistas de direita, que ficavam felizes em ver milhões morrerem com a doença [covid-19]. Foi uma desgraça, legitimada por políticos de baixo nível, como Matt Hancock [ministro da Saúde da Inglaterra, no epicentro dos Lockdown Files], que estavam muito interessados em promover a sua própria imagem pública. Milhares sucumbiram às medidas de confinamento destrutivas e muitas vezes inúteis que impuseram em todas as oportunidades.
Não haverá desculpas para a multidão latindo no apoio aos lockdowns – o estrago já foi feito, o debate mudou e o inquérito pode muito bem tornar-se num branqueamento. Os Lockdowm Files do The Telegraph prestaram um grande serviço ao interromper parcialmente essa marcha.
Lembro-me dos dias sombrios do confinamento. As vozes do costume usando os horríveis números diários de mortes para bater e abusar sobre os críticos do confinamento, culpando-nos por cada pobre alma contida nesses gráficos e tendo imensa alegria em aumentar a linguagem vil para obter mais likes no Twitter. Muitas dessas vozes agora estão totalmente caladas sobre os milhares e milhares de mortes em excesso não causadas pela covid-19, associadas aos atrasos e suspensões decorrentes das restrições. Não me arrependo de me opor a uma variedade de políticas de confinamento e restrições e à linguagem que usei durante a pandemia – mas será que eles podem dizer o mesmo?
Agora sabemos com certeza que algumas decisões [durante a pandemia] foram baseadas em relações públicas e de política, ao invés de Ciência e bom senso. Quando o ministro da Saúde [Matt Hancock] falava em “assustamos toda a gente até borrarem as calças” com uma nova variante, aqueles que expressaram cepticismo na época sobre a linguagem usada podem se sentir justiçados.
Apesar de coberto por um dos mais reconhecidos jornais do Reino Unido (The Telegraph), a imprensa mainstream portuguesa mantém os seus leitores na ignorância sobre a forma como foi realizda a gestão política da pandemia no Reino Unido.
As pessoas precisavam de factos, honestidade e um pouco de esperança para tomar as suas próprias decisões num nível aceitável de risco. Aquilo que eles conseguiram foi enganar e distorcer, minando a confiança na Saúde Pública para as próximas gerações. Hancock não tem nenhum legado para se orgulhar, mas ele era apenas um membro da brigada pró-lockdown, a grande maioria dos quais não terá sua correspondência privada espalhada por um jornal nacional. No entanto, mesmo com esses vazamentos – uma pequena percentagem da verdade real – o castelo de cartas dos confinamentos já começou a ruir. Não pode e não vai suportar mais pressão.
Estou desesperado para que um branqueamento do inquérito da pandemia seja evitado, por um motivo simples: isto não pode acontecer novamente. Se pelo menos não fizermos as perguntas, quando outra pandemia surgir, ou a ameaça de uma, os confinamentos não podem ser a opção ideal. Os conselheiros que fizeram as recomendações anteriores não podem ser usados novamente.
A negação total de muitos, até mesmo de reconhecer o grande dano dos confinamentos, não me enche de confiança. Ver indivíduos supostamente bem qualificados realizarem uma notável ginástica mental para evitar chegar à conclusão óbvia é uma visão humilhante. A assistência médica de rotina para condições não relacionadas à covid-19 foi efectivamente negada para milhões, por meses a fio, e agora temos milhares e milhares de mortes em excesso não relacionadas com a covid-19. Honestamente, o que eles achavam que aconteceria?
A minha caixa de correio durante os confinamentos esteve transbordando de desesperados pacientes com cancro, cujo tratamento havia sido adiado indefinidamente.Lembro-me do caso de uma mãe que teve a sua quimioterapia cancelada, levando à sua morte trágica, deixando para trás três filhos pequenos e um marido amoroso.E não é só cancros: problemas cardíacos não tratados, pressão arterial fora de controle, derrames não tratados, outras medidas preventivas esquecidas e, claro, obesidade crescente. A crise pós-confinamentos abrange todos os aspectos da saúde, físicos e mentais. Isso para aqueles que têm a sorte de receber qualquer suporte médico ou diagnóstico. Outros foram instruídos a ficar em casa e foi exactamente o que fizeram – morrendo ali sem os cuidados de que precisavam e mereciam.
Para aqueles de vocês que se posicionaram corajosamente contra várias restrições e políticas – da minha parte, um sincero obrigado. Perdemos completamente o argumento no tribunal da opinião pública, mas esperamos que uma pequena diferença tenha sido feita. Suspeito que o clima nacional [na Inglaterra] pode ter mudado significativamente na última semana. Afinal, a luz do sol é o melhor desinfectante e a Primavera está a chegar.”
Enquanto traduzia este texto de Karol Sikora, vieram-me muitas ideias à cabeça, e também um recente tweet de Ricardo Costa – director-geral de informação da Impresa (Expresso e SIC) desde 2016 e irmão do primeiro-ministro António Costa –, a propósito de um podcast “Liberdade para Pensar”, onde orgulhosamente se falou do ano de 2020 “em que voluntariamente abdicámos da nossa liberdade”.
Tweet de Ricardo Costa do passado dia 3 de Março, sobre o ano em que “voluntariamente abdicámos da nossa liberdade”. Ele está a tratar que continuemos a abdicar dela.
Ricardo Costa e quase todos os jornalistas vivem num mundo paralelo, mas que impuseram ser o real. Para eles, a verdade não interessa, porque a verdade é moldável e maleável, segundo os ditames do poder. Vem nos livros de História – e a vil natureza humana não muda, infelizmente.
Este Ricardo Costa, e muitos outros jornalistas, nada aprenderam, nem jamais assumirão os seus erros e lamentáveis posturas como jornalistas durante os últimos três anos. Nem sequer querem já saber o que são os Lockdown Files nem os Twitter Files nem nada que interfira com a narrativa que ajudaram a cimentar. São cegos, surdos e mudos para aquilo que não lhes interessa, porque têm sangue nas mãos – e talvez outras coisas nos bolsos.
E, por isso, serão eles os melhores e mais acérrimos defensores de políticas obtusas e lesivas das populações. E estarão, como cães-de-fila, voluntaria e obedientemente, na frente de ataque quando se quiser fazer mais e pior. E estarão na linha da frente para que continuemos a abdicar da liberdade, até pensarmos que uma ditadura é uma democracia se proibirmos chamar uma ditadura de ditadura.
Ainda mais agora, que eles saborearam o doce efeito da falta de escrúpulos, temperada com boas doses de financiamento das farmacêuticas [desenvolverei o tema com factos concretos, muito em breve], e nada lhes parece acontecer que não seja o bem deles e daqueles que eles decidiram servir.
Raiva e nojo, sinto eu neste preciso momento em que vos escrevo. Raiva pelas palavras do oncologista Karol Sikora. Nojo pelas atitudes dos jornalistas que, durante a pandemia, deram lastro a políticas assassinas e, sublinhe-se, nada voluntárias.
Que as próximas gerações os estudem sobre o que fizeram. E que os julguem a sua memória como merecem, não apenas pelo que fizeram, mas sobretudo pelo que não fizeram.