Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 13º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que levou os media a esconderem que a maioria dos Prémios Nobel que não querem ver Robert F. Kennedy Jr. na liderança da ‘pasta’ da Saúde na administração Trump são os mesmos que defenderam a organização caída em desgraça, EcoHealth Alliance, que conduziu pesquisas perigosas em Wuhan, na China. Também se analisam dois casos em que a SIC Notícias e o Correio da Manhã cometeram lapsos de tradução que totalmente alteraram as notícias em causa.
Categoria: Opinião
-
Memórias de Adriano
Há uma penada de anos conheci um mestre-de-obras romeno, o Adriano. Naqueles meses a revirar-me a casa do avesso, a picar, estocar, pintar, derrubar e levantar paredes, abrir rossos, fazer argamassa, barrar cimento, instalar cabos, acartar baldes, afagar, polir e instalar as traquitanas, descobri uma inusitada faceta do mestre Adriano.
Certo dia, ao subir a escada para ver o andamento da obra, ouvi os trinados de uma guitarra e o Ai Mouraria cantado com voz roufenha. Entrei, pé ante pé, e lá estava o mestre Adriano, sentado num par de tijolos, de olhos semicerrados, a dar no fado como um fadista de Alfama. Quando me viu, à falta de melhor desculpa, esticou a mão para me passar uma bucha de torresmos. Enquanto os trolhas, três eslavos e um cearense, se deliciavam nas bifanas, a ouvir o mestre, limitei-me a dizer-lhe, prossiga. Nesse dia fiquei a saber que tinha em casa, além de um trolha, um fadista, que passei a frequentar, entre pincéis, martelos e ferramenta.
Quis saber de onde lhe tinha brotado a paixão por coisa tão portuguesa. Era daí que lhe vinha o dedilhar e o canto, do território da paixão. Contou-me, no seu português de quem rodara por bairros populares, que trinta anos antes embalara a trouxa e zarpara de Bucareste, depois de ouvir Amália Rodrigues cantar na rádio. Foi, disse-me, como se Deus o tivesse chamado à terra onde só podia ter nascido tal melodia. Entre ouvir Amália e abalar passaram menos de cinco dias.
Adriano nada sabia de Portugal ou da diva. Na Roménia tocava viola de ouvido, as canções dos Beatles, The Who, dos Led Zeppelin. Ao chegar a Lisboa, a primeira coisa que fez, antes de se instalar na pensão Girassol, foi ir aos fados. Entre uns biscates e aperfeiçoar a arte do estuque, passou a ser assíduo do Luso, da Parreirinha, da Tasca do Chico. De então para cá, ouviu e bebeu de tudo e de todos, até eleger Joel Pina para o altar do seu panteão. Nada lhe passou ao lado. A todos acolheu, de todos aprendeu, a ouvir e a ver, todos os que pôde. De Beatriz da Conceição a Marceneiro, de Carlos do Carmo a Argentina Santos. Era um fadista e não sabia.
Tenho admiração por quem sente o que é dos outros como seu, todo aquele que torna o estrangeiro a sua morada. Não apenas por razões que o bolso conhece, mas por emoções desconhecidas. Gente que desce às profundas de genes tomados por adopção. Desde o meu achado na obra da Rua Correia Teles, passei a ir ouvir o mestre Adriano às tascas do fado, onde acompanha fadistas de todos os quilates, de aspirantes a veteranos. Pedem-lhe um dó maior e ele dá tudo de si. Alguns, creio, não saberão estar ali um romeno que largou a sua terra por causa do fado. Adrián e não Adriano. Não darão conta pela sua fala sem sotaque ou por ser tão raro meter galgas como é próprio do mais virtuoso. E se as mete, logo as disfarça como fazem os indígenas do ofício, sem dar parte fraca.
Adriano diz caralhadas com o deleite de um gimbra. Tal como sabe de cor e salteado as deixas e os intervalos de dar ou não dar as notas. Ou quem foram o Pacheco, o Pina, o Paredes, as guitarras do Grácio, as madeiras, os seus veios, nervuras e as suas minudências de onde só uma alma unida a outra pode tirar os sons mais límpidos.
Quando um estrangeiro se instala num país por motivos de uma força maior, fazendo da terra que o adopta a sua pátria sentimental, aí está o significado de um mundo sem fronteiras. Nós demos-lhe o fado, ele devolve-nos a dádiva como se fosse nascido no seu caldeirão. Limpinho.
Tiago Salazar é escritor e jornalista (com carteira profissional inactiva)
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
APOIOS PONTUAIS
IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1
MBWAY: 961696930 ou 935600604
FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff
BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
-
Guimarães 1.0 (seguido de Bolonha 0.0)
A delícia do futebol é, na verdade, ser um reflexo da vida, e esta constatação vai muito além do cliché que se repete nas bancadas ou em mesas de café. É o teatro do improvável, a vida ou o futebol, uma peça onde o destino brinca com o esperado para introduzir o inesperado, transformando as certezas irrefutáveis em poeira no primeiro sopro de surpresa.
Se a vida é uma luta constante entre a ordem e o caos em cima de uma bola chamada Terra, o futebol é a sua recriação mais fiel mas curta, em 90 minutos, de drama humano condensado em passes, golos, falhanços e, claro, nesta imprevisibilidade esperada que nos faz voltar, semana após semana, para ver como o capítulo seguinte será escrito.
(e cheguei atrasado ao estádio, o que não é, certamente inesperado; salva-se que, no meio disto, esgotaram-se as doses de farnel, donde resultou que me desenrascaram apenas um pacotinho de batatas fritas, uma água e, vá lá, uma bifana verdadeira)
Continuemos. Vejamos o exemplo do Glorioso e do seu arqui-adversário da Segunda Circular. Ainda há pouco mais de um mês, a Liga portuguesa arriscava ser um imerso marasmo. O Sporting de Amorim limpava tudo com uma surpreendente facilidade, cabazadas a eito, e o Benfica em estado de letargia tão desinspirada que já nem a mais fervorosa das águias acreditava numa reviravolta.
Sob a direção de Roger Schmidt, nem um pingo de pressão, muito menos de criatividade, parecia ter perdido o fôlego, arrastando-se por uma sequência de exibições que fazia os adeptos suspirarem pela próxima época como a única salvação possível. Mas, como no futebol e na vida, as coisas nunca são tão simples nem tão lineares. E eis que assim se Schmidt, e o Sporting viu o seu treinador de sucesso rumar ao Manchester United – e num picar de olhos, a realidade altera-se. O Benfica feito carta fora do baralho, já está em posição de líder virtual, ‘bastando-lhe’ sair vitorioso deste Vitória e do jogo em atraso contra o Nacional, se os nevoeiros se escafederem em nova visita, que o ex-benfiquista João Pereira tratou de escavacar os lagartos depois da debandada de Ruben Amorim para a Velha Albion.
(e gooooooooooloooooooooooo!!! Benfica… Aktürkoğlu, ao minuto 29, a desbloquear o nulo; isto estav a difícil, com as ofensivas muito afuniladas; venham mais agora, que já temos luz verde para a vitória)
De facto, há algo profundamente filosófico neste jogo de incertezas. Heraclito dizia que “tudo flui”, que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. No futebol, é certo que nunca se joga duas vezes o mesmo jogo, mesmo quando o adversário é o mesmo e as equipas tenham as mesmas caras. O golo inesperado, o erro do árbitro (ou do VAR), o ressalto fortuito – tudo contribui para esta dança do imprevisível que transmuta o futebol num espelho tão claro da existência humana. E é nesse fluxo constante, nessa impossibilidade de prever o que vem a seguir, que encontramos o fascínio deste desporto.
Mas não é só a filosofia que encontra eco no futebol. Também a História, com as suas vitórias e derrotas inesperadas, parece partilhar da mesma lógica. O futebol, nesta imprevisibilidade que tanto o define, reflecte o melhor e o pior da vida. A narrativa do Benfica encontra – exagero, claro! – paralelos históricos que mostram como os momentos de maior adversidade podem ser os precursores de vitórias inesperadas.
(intervalo, e espero que o descanso dê mais alento ao Benfica, que me parece ago inquieto com este atrevido Guimarães)
Enquanto o descanso dos guerreiros decorre, um pouco de História: lembremo-nos do desembarque de Dunquerque, durante a Segunda Guerra Mundial. Em Maio de 1940, as tropas britânicas e aliadas estavam cercadas pelas forças alemãs na costa francesa, e a situação era desesperante, e a derrota inevitável na apoarência. Mas, num acto de coragem e engenho, a Operação Dínamo mobilizou civis e militares para uma das mais extraordinárias evacuações da História. Mais de 300 mil soldados foram salvos, um feito que, embora não fosse uma vitória no sentido convencional, representou uma viragem moral e estratégica que mudou o curso da guerra. Foi um exemplo claro de como a resiliência, a esperança e a acção coletiva preparam aquilo que seria uma derrota iminente num triunfo inesperado.
(e começa a segunda parte)
Continuemos… e isto para, evitando mais exemplos bélicos, não introduzir aqui em detalhe a Batalha de Inglaterra, que se seguiu a Dunquerque. A Royal Air Force, em inferioridade numérica face à Luftwaffe, conseguiu defender os céus britânicos dos contra-ataques devastadores, demonstrando que a determinação e a coragem podem superar probabilidades aparentemente intransponíveis. O futebol, tal como a História, está, pois, repleto destes momentos em que o improvável se torna possível, em que as narrativas são subitamente invertidas, mudando o desespero em esperança e a fraqueza em força.
Por isso, quando o Sporting decidiu apostar num treinador novato como João Pereira, muitos riram-se da ousadia ou da ingenuidade. E, no entanto, essa decisão, aparentemente inocente, foi o catalisador para que o Benfica encontrasse espaço para se reerguer. O futebol, como a vida, tem destas ironias deliciosas. Pequenos gestos, pequenos desvios, podem gerar mudanças monumentais. É a teoria do caos em acção: o bater de asas de uma borboleta em Manchester pode mesmo gerar um cataclismo em Lisboa.
(ui… o Florentino a inventar, bola a ressaltar para o Guimarães, e nem sei como não foi golo nem sei, mesmo com repetição na televisão, se o corte do Otamendi, in extremis, pode ter sido feita sem as mãos; o VAR é soberano!)
Mas o futebol nem é só isto que eu estava aqui a dizer. É também uma celebração do presente, uma pausa na lógica e na racionalidade do dia-a-dia para vivermos o agora em toda a sua intensidade. Quando estou no estádio, entre cânticos e gritos, embora eu seja bastante comedido na Varanda da Luz, ou os leitores e leitoras em frente à televisão a sofrer pelo golo que tarda em chegar, não há ontem nem amanhã. Há apenas aquele instante, aquele momento de esperança, de angústia ou de êxtase puro. É por isso que o futebol, mais do que um desporto, é uma experiência existencial. É, como diria Camus – não sei bem se disse, ouvi dizer –, o lugar onde “aprendemos que uma bola nunca vem para nós como esperamos”.
E o Benfica, nesta temporada, mostra-nos como o futebol e a vida se entrelaçam. Não há finais garantidos, não há glória sem risco, não há narrativa que não possa ser reescrita. É a incerteza que dá sabor às vitórias e torna as derrotas suportáveis. Ser líder virtual não é ser campeão, e os próximos meses serão uma montanha-russa emocional onde tudo pode acontecer. Mas, para já, o Benfica é a prova viva de que, no futebol como na vida, nunca se deve subestimar o poder do improvável.
E é isso que faz do futebol uma delícia. Porque, no final, o que nos prende ao jogo não é a previsibilidade, mas a promessa do inesperado. O golo que surge contra todas as probabilidades, o passe mágico que desarma a defesa, o falhanço que nos faz rir e chorar ao mesmo tempo. É no futebol que encontramos a essência da vida – essa mistura de caos e beleza, onde cada segundo é uma oportunidade de redenção. E, no fundo, é isso que nos mantém vivos. E a sonhar.
(lá em baixo, o jogo anda vivo, mas eu gostava que estivesse morno, porque o Guimarães me parece mais próximo do empate do que o Benfica de marcar mais um)
Não desejo cantar já vitória, mas a trajetória do Benfica nesta temporada ganhará, se vencermos, uma dimensão quase épica. Há poucos meses, os adeptos pareciam estar num estado de luto antecipado. Num piscar de olhos, a lógica foi subvertida, e o caos organizou-se em algo que parece agora uma caminhada rumo à glória. A liderança virtual não é ainda o título, mas é uma lembrança poderosa de que no futebol, tal como na vida, a única constante é a mudança.
Mas continuemos a filosofar, enquanto ali o jogo caminha para o final, com alguns estrebuches do Vitória que me estão a pôr nervoso. O futebol é, por outro lado, também uma celebração do presente, algo que o distingue de quase todas as outras áreas da vida. Quando um golo é marcado no último minuto, nada mais importa. Não há passado nem futuro, apenas aquele momento puro de emoção. É por isso que este desporto, além de ser um reflexo da vida, é também uma lição sobre como viver. Na Varanda da Luz, ou em frente à televisão, os adeptos não pensam no amanhã; vivem o agora com uma intensidade que transcende o racional.
(eu já só quero que isto acabe, porque não há crónica do que aquela que nasce com o rei na barriga, ou seja, com a vitória antecipada e, depois, redunda num desastre, e eu quero mesmo ir a Alvalade, com o Carlos, no dia 29, com o Benfica à frente do campeonato)
Esta será a maior delícia do futebol: a sua capacidade de nos lembrar que a vida é feita de momentos. Momentos que, como o desembarque de Dunquerque ou a Batalha de Inglaterra, nos mostram que nem tudo está perdido, mesmo quando tudo parece estar contra nós. O Benfica, nesta temporada, é mais do que uma equipa de futebol; é um símbolo da resiliência e da força do improvável. Porque, no fundo, no futebol como na vida, nunca se deve subestimar o poder da surpresa – é nela que reside a verdadeira magia.
E o jogo acabou e eu estou aliviado… Acho que quarta-feira só aqui venho, para assistir ao jogo contra o Bolonha, apenas para descontrair. Até porque ainda estou a lembrar-me daquela desgraça que foi contra o Feyenoord.
E sobre o jogo contra o Bolonha, não há muito a dizer. Foi uma nulidade. Um nulo, de que pouco ou nada se deve dizer.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
-
Tanatoceno: parte II
VIDA NATURAL E VIDA ARTIFICIAL
A expressão “vida artificial” (cara aos transhumanistas), é um oxímoro. Ou há Vida ou há um “artifício”, ou um simulacro de vida. A Vida não pode ser nunca artificial. Nada é mais oposto à Vida que as manipulações do mundo vivo pela tecnologia”[1].
MOLÉCULAS QUIRAIS[2]
A apreciação das dimensões macro e micro espaciais desse abismo pode passar pela avaliação da sua qualidade molecular. Setenta por cento da nossa constituição é água, e é essa a percentagem também da sua presença no planeta. Não será despiciendo sublinhar o quanto a qualidade das suas memórias e condição ambiental podem divergir e ser determinantes no mundo vivo.
Para alguns, uma molécula de água de uma cascata montanhosa é indistinguível de uma molécula de água que sai de um tubo de escape. Os caminhos do materialismo científico conduziram a ciência a uma visão de tal forma estratificada da realidade que o mais elementar requisito duma Análise Global de Sistemas é ignorado. É possível provar com métodos como a cristalização sensível ou o efeito Kirlian[3] que, apesar de terem a mesma estrutura química, aquelas duas moléculas não são iguais. Um mesmo meio aquoso submetido a diferentes circunstâncias dá origem a formas geométricas dos cristais respetivos que são harmoniosas ou, pelo contrário, caóticas, como o provaram os trabalhos de Masaru Emoto (Japão). Jacques Benveniste e Luc Montagnier (França)[4] estudaram também a capacidade que tem a água de memorizar as características da matéria com que esteve em contacto. A água manifesta e transmite a qualidade vibratória das frequências que a percorrem e guarda memória delas[5]. Para estudar essa realidade da água é preciso aceitar ir para lá do dogma materialista da estrita composição química. Se dúvidas houver sobre a realidade ondulatória (a par da corpuscular) duma molécula, vejam-se por exemplo os trabalhos de Luc Montagnier que permitiram duplicar e reconstituir à distância uma molécula sem nenhuma base material[6].
Quando Marie e Pierre Curie utilizavam a radiestesia na sua prática laboratorial, percebiam já que, para além de um comportamento corpuscular, toda a matéria tem também um comportamento ondulatório (ou vibratório), i.e. uma irradiação. A química desenvolveu uma compreensão própria dessa realidade ao abrir o capítulo da estereoquímica: o estudo da qualidade das moléculas que acrescenta à sua fórmula química, a configuração e arrumação dos átomos que as constituem no espaço tridimensional. As propriedades óticas duma molécula (comportamento do plano de luz polarizada que a atravessa quando cristalizada) diferem entre moléculas com a mesma constituição química. Umas são levogiras (têm um movimento rotativo para a esquerda), outras dextrogiras (para a direita) e outras sem nenhum desvio ou movimento. A título de exemplo, na molécula de ADN, 19 das 20 moléculas de aminoácidos que compõem as proteínas, assim como todos os açúcares naturais, são levogiras[7].
As noções de quiralidade, isomeria, enantiomeria e de mistura racémica[8] permitiram estabelecer diferenças fundamentais entre a acção biológica (e por extensão farmacológica) de umas e outras[9]. Genericamente, Young, Pasteur e Fresnel demonstram que a matéria viva é assimétrica e quiral (a duplicação duma molécula no espelho não lhe é sobreponível, como as nossas duas mãos também não o são), e a matéria inerte, simétrica (ou aquiral)[10].
A quiralidade só pode ter origem em fontes naturais. As moléculas artificiais nunca são quirais. Das quatro forças que existem no Universo, a força nuclear fraca será aquela na qual a quiralidade tem origem.
Os seres vivos têm a capacidade de ir buscar moléculas aquirais ao exterior (alimentos naturais) e fabricar com elas compostos quirais de carbono, ou seja, elevar a frequência vibratória (qualidade ondulatória) dos alimentos de forma a transformá-los em matéria viva[11]. Mas não pode fazê-lo com as moléculas artificiais que, por isso, os intoxicam. Um organismo vivo caracteriza-se por trocar informação, matéria e energia com o exterior e por poder reproduzir-se: é preciso que nos interroguemos sobre o que possibilita esses saltos quânticos (a transformação da matéria inerte digerida em matéria viva ou a reprodução) e reconhecer que uma análise in vitro e outra in vivo apresentam forçosamente resultados muito diferentes. É preciso, simultaneamente, reconhecer que a distinção mais subtil entre matéria natural e não natural parece residir na quiralidade. A resistência do mundo vivo às inúmeras ameaças a que é submetido todos os dias há várias décadas, é aferível a partir dela. No coração da matéria, a vida natural é movimento predominantemente rotativo e a inércia é um indicador da sua ausência ou de uma inadequação biológica.
A dissimetria especular que caracteriza a vida a este nível acontece também a nível macro cósmico. O eletrão é tendencialmente levogiro e a energia que liga as moléculas levogiras é maior do que aquela que liga as moléculas dextrogiras.
O mesmo princípio funda a estereobotânica: a planta é uma sinergia num todo (princípio do Totum vegetal); a extracção duma molécula reduz o seu efeito. Entre elas, as plantas têm também sinergias. Na alimentação, em fitoterapia, gemoterapia ou aromaterapia o mundo vegetal oferece ao Homem os nutrientes e curativos mais importantes e a fonte desse conhecimento foi encontrada pelos ocidentais junto dos povos que colonizaram para depois dizimar e ridicularizar: as populações índias e aborígenes dos continentes americano e australiano. O mesmo tipo de conhecimento foi encontrado nos xamãs da Sibéria e dos Himalaias, nas heranças milenares da medicina tradicional chinesa e indiana, etc. O isolamento, por extracção, de uma molécula das outras que constituem a planta (agravado pela sua replicação sintética) altera e diminui a sua capacidade de actuação: a planta como um todo é adaptogénica, enquanto o princípio isolado actua numa só direção. A norma são as sinergias, segundo o princípio mais lato de “entourage”.
Na sua lógica de poder, dominação e lucro, o ser humano não percebeu que o que a natureza dá não existe para ser patenteado e propriedade de alguns, e achou que podia recriar a molécula natural em processos de síntese laboratorial ignorando a importância da quiralidade, do totum vegetal, das sinergias intra e extra-espécies, das leis naturais e da ética a que estamos obrigados perante elas. Aventurou-se, desse modo, na criação de milhares de moléculas de síntese que hoje circulam em todo o planeta, intoxicando e desregulando a biodiversidade, o ar, a água, os minerais, as plantas, os animais, os seres humanos: os seus sistemas endócrinos, o seu terreno e meio interno, a sua eletrofisiologia e a sua imunidade. A criação de moléculas artificiais não permite a obtenção da qualidade quiral nem garante a separação dos duplos indesejados (pares de enantiómeros em compostos), e existem provas de que as misturas racémicas não são favoráveis à biologia dos seres vivos. Mas a comercialização de um racémico é muito mais barata do que a de um desdobrado[12].
Não satisfeito com isso, o ser humano manipula geneticamente todos os estratos e cadeias da vida; ignora que ele próprio é uma realidade complexa em que interagem espírito, alma e corpo[13] e tende a considerar credíveis apenas os estudos científicos financiados e instrumentalizados pelas grandes indústrias[14].
O DOGMA MATERIALISTA
O entendimento das partículas da luz (fotões) ou da matéria em geral como tendo uma natureza e um funcionamento quânticos surge no início do século XX nas áreas da mecânica e da física, mas desenvolve-se, mais recentemente, nas ciências da vida como a biologia e a medicina. Aplicados à realidade complexa e global do ser humano, a interferência do investigador no seu objeto de estudo e os princípios de superposição, de entrelaçamento e de incerteza têm implicações filosóficas e antropológicas profundas [15]. Como vários autores sublinham, a dificuldade da física quântica reside no facto de ser uma espécie de metafísica e de perturbar, por isso mesmo, os dogmas mais sólidos e persistentes da ciência dos séculos XIX e XX.
Diz-nos a Cosmologia que a matéria é apenas 4% de tudo o que existe no Universo[16]. É a expressão mais densa da energia. O espírito é o seu contraponto mais subtil. Isso significa que 96% de tudo o que existe escapa aos cinco sentidos a que a nossa educação e civilização nos restringem. Mas esse lado invisível e inaudível à grande maioria existe, é determinante e é suscetível de ser conhecido e estudado. A educação para essas funções do espírito, erradicada pela ciência positivista e atomista do século XIX, era frequente em grandes civilizações tradicionais.
Num congresso realizado em 2014 em Canyon Ranch (E.U.A) vários cientistas de todo o mundo foram convidados a partilhar experiências de teor espiritual significativas que informaram o seu ponto de vista pós materialista da ciência. As discussões incluíram informação em neurociência, espiritualidade e doença, experiências de morte iminente (EMI) ou NDE (versão inglesa), parapsicologia e paradigmas psiquiátricos e antropológicos alternativos.
No Manifesto para a Ciência Pós materialista que delas resultou é feita uma síntese do impacto da ideologia materialista na ciência e da influência do paradigma pósmaterialista emergente[17]. Um dos organizadores, Mario Beauregard, é autor de livros dedicados à ponderação da consciência como uma realidade independente do corpo e suscetível de se constituir como objeto de estudo[18].
A importação da física quântica para a biologia permite, hoje, ver a célula como um suporte ou campo de ressonância e perceber que os mecanismos profundos da biologia são regidos por campos eletromagnéticos. A esta noção deve associar-se a de campos morfogenéticos de Rupert Sheldrake, a de campos magnetobiológicos de Émile Pinel, os estudos do ADN como campo de ressonância e teleacção por Lakhovsky, David Bohm, Luc Montagnier ou Garaiev e Poponin. Cannenpasse-Riffard[19] aborda questões fundamentais sobre a vida, o Universo e a consciência num livro pouco convencional de medicina e biologia quânticas. A separação entre espírito e corpo (ou entre energia e matéria) é o quadro geral dentro do qual a doença é lida atualmente como causada exclusivamente por agentes exógenos. Ultrapassada, para o autor, a física do século XIX continua a influenciar a biologia e a neurologia. Mas é a física quântica que, segundo ele, vai permitir um entendimento dos fenómenos de consciência[20].
A Teoria Geral dos Sistemas (Ludwig von Bertalanfy 1968) e a Teoria dos Sistemas Abertos e dos Processos Irreversíveis (IlYa Prigogine), sublinham o princípio de emergência: um sistema aberto (como um ser vivo) interage em permanência com o exterior e, contrariamente aos fechados, que estão submetidos ao princípio da entropia (segunda lei da termodinâmica), é regido por uma força contrária à entropia, levando o sistema à regeneração, reorganização e homeostasia, para assegurar a sua perenidade: a neguentropia. Essa força tem de provir de alguma fonte, uma fonte de vida. Já descobrimos qual e onde se encontra?
OUTROS FACTORES DE INTOXICAÇÃO
Nas telecomunicações móveis são usadas frequências muito altas (radio frequências ou micro-ondas, não ionizantes), em ondas pulsadas, bastante agressivas para o organismo. A eletrofisiologia e a eletrobiologia do corpo humano são radicalmente perturbadas na sua voltagem natural, pela voltagem induzida por este tipo de radiação. O stress oxidativo é permanente. A generalização do 5G (a que se seguirão o 6 e 7 G) será letal para toda a vida no planeta. Tudo o que já foi possível investigar até ao presente nesta área justificaria largamente e, no mínimo, a aplicação de um princípio de precaução[21].
Por outro lado, múltiplos programas têm sido desenvolvidos na área da geo-engenharia, com a acção conjugada de metais pesados em rastos químicos e de ondas eletromagnéticas [22]. As nuvens artificiais e a modificação intencional da ionosfera (Cf. projeto HAARP) modificam o clima da Terra e o seu equilíbrio; interrompem ciclos naturais; afetam a fotossíntese; interferem nos ventos e na pressão atmosférica; alteram a ressonância das ondas de Schumann[23] no ser humano; causam problemas ligados à alteração dos ciclos circadianos e à ingestão e inalação de metais tóxicos.
A questão alimentar é também nuclear: os modelos nutricionais e a nossa relação com os animais. Uma conexão com a Natureza conforme à das tradições e culturas ancestrais, com valores existenciais e utilitários harmonizados, favorece uma visão positiva da humanidade e da fruição do planeta. Havendo vontade política, é possível implementar a conversão da agricultura química e da monocultura em agricultura biológica e em biodiversidade e contribuir para a proibição de dezenas de milhar de moléculas sintéticas introduzidas no planeta.
A carência em micronutrientes essenciais que hoje se verifica advém de produtos naturais adulterados, desvitalizados, mal conservados e intoxicados; a emancipação local e regional deveria favorecer a proximidade entre consumidor e produtor, a auto-suficiência económica e a verdadeira sustentabilidade[24].
A jornalista francesa Stéphane Horel é uma das principais vozes de denúncia do funcionamento dos lobbies e dos bastidores da decisão política em matéria de consumo agroalimentar, química, petrolífera farmacêutica e industrial. Em dois livros que publicou[25] a autora expõe a estratégia das grandes indústrias mundiais no sentido de impedir, confundir, adiar, desacreditar qualquer estudo científico não pago e não enquadrado pelas próprias indústrias; ou qualquer projeto de lei ou normativo inspirado pelo princípio de precaução, nomeadamente na área dos perturbadores endócrinos e dos produtos cancerígenos.
A MATRIZ UTÓPICA
A ideologia do progresso alimenta, há pelo menos dois séculos, o imaginário de um permanente crescimento económico, logicamente insustentável; exalta a revolução tecnológica para lá do seu enquadramento ético; exacerba a pulsão territorial e as patologias do poder. De uma forma muito idealizada, presidiu a vários projetos arquitectónicos e urbanos utópicos dos anos 60: Ant Farm, na América que seguia Buckminster Fuller; “Helix City”(1961), de Os Metabolistas, no Japão; Archigram, de um grupo anglo-saxão de arquitetos.; Arcosanti, fundada por Frank Lloyd Wright, na sequência de Broadacre City. Auroville, criada em Pondichéry (Índia, 1968). Na mesma época, Germano Celant designa por “Arquitectura Radical” as iniciativas de grupos italianos como Archizoom, SuperStudio, 9999 e UFO [26].
Mas a grande revolução que está por fazer é outra. Da micro realidade química, magnética e vibratória da molécula à macro realidade duma sociedade que polui, desresponsabiliza, adoece e aliena, a ciência, a medicina, a agricultura, a alimentação e a utilização prometeica da tecnologia já colocaram a atual civilização à beira de um colapso muito provável. A natureza extrema do seu malefício também acordou muitas consciências.
A grande revolução que está por fazer é incrivelmente microscópica: tem a dimensão de uma molécula. A sua condição e contrapartida macroscópica surgirá da elevação dos níveis de consciência de todos aqueles que estiverem em condições de promover, em cadeia, as mudanças sociais que se impõem.
A História ensina e prova que as grandes e mais importantes revoluções germinam num espaço onírico e criativo fecundo, necessariamente interior e individual e que começaram sempre por ser sonhos de pequenos grupos, considerados utopia.
Leonor Nazaré é curadora de arte contemporânea.
[1] Daniel Robin, Le Règne de l’intelligence artificielle. La fin de l’Anthropocène et l’avènement des posthumains, Grenoble : Le Mercure Dauphinois, 2022, p.16. Tradução nossa.
[2] Com revisão científica e algumas notas de António Godinho (médico generalista).
[3] Técnica fotográfica usada para capturar descargas elétricas coronais. O nome é uma homenagem ao cientista soviético Semyon Kirlian, que, em 1939, descobriu acidentalmente que se um objeto numa chapa fotográfica for conectado a uma fonte de alta tensão, será produzida uma imagem nessa chapa. A técnica tem sido conhecida também como eletrografia ou eletrofotografia.
[4] Masaru Emoto, Les Messages Cachés de l’Eau, Paris. Ed. J’ai lu, 2004 ; Jacques Benveniste, Ma Vérité sur la Mémoire de l’Eau (publiée en 1988 dans la revue “Nature”), Paris, Albin Michel, 2005 ; de Luc Montagnier, entre outros : Des Virus et des Hommes, Paris, Ed. Odile Jacob, 1994.
[5] É o princípio da homeopatia, em dinamizações muito altas.
[6] Acerca da descoberta de Luc Montagnier (prémio Nobel de Medicina, em 2008), sobre a memória da água, ver https://www.youtube.com/watch?v=R8VyUsVOic0
[7] Martin Gardner, L’Univers Ambidextre (1967), Paris : Seuil, 1994
[8] Quiral significa assimétrico e aquiral, simétrico. Isomeria: fenómeno em que diferentes compostos partilham a mesma fórmula química, mas apresentam arrumação espacial diferente dos seus átomos; enantiomeria: fenómeno em que as moléculas de isómeros são imagens especulares não sobreponíveis. Mistura racémica: com partes iguais das duas metades. Nas moléculas consideradas antípodas óticos, apenas uma delas tem acção terapêutica. A maioria dos medicamentos alopáticos tem uma fórmula racémica, ou seja, sem eliminação dos duplos indesejados e inativa.
Para uma compreensão acessível e rápida destes conceitos consultar, por exemplo, https://www.coursehero.com/file/210886636/3-Estereoqu%C3%ADmicapdf/.
[9] Por exemplo, o esomeprazole é o isómero S do omeprazole, o qual é uma mistura racémica de isómeros S e R.
[10]Cf. Jean Jacques, La Molécule et son double, 1992 ; Stéréochimie et chiralité en chimie organique, Ed. De Boeck, 1999.
[11] Na fase pós prandial surge uma leucocitose a nível do aparelho digestivo que, inicialmente, se pensava ser uma resposta à incompleta degradação de algumas proteínas, o que não se confirmou, visto que se bebermos água isenta de matéria orgânica não surge leucocitose, a não ser que a água seja fervida; ou seja, tal como um íman perde as suas capacidades magnéticas a altas temperaturas, também os alimentos e mesmo a água, se aquecidos acima dos 90C, perdem o seu potencial elétrico que tem que ser restabelecido para que se faça a digestão (A.G.)
[12] Nos compostos químicos, a desejável separação entre isómeros (moléculas quirais) é feita normalmente com base nas propriedades químicas, o que a torna muito difícil ou inoperante: a diferente arrumação no espaço raramente é tida em conta. A resposta biológica pode não ser a desejada e este é um grande problema da indústria farmacêutica que opta pelas soluções menos dispendiosas, ou seja pelas misturas racémicas. Estas contêm os dois isómeros (enantiómeros, antípodas óticos) em partes iguais e não apresentam desvio da luz polarizada (são inativas).
Idealmente as moléculas preparadas para agir de modo terapêutico deveriam ser limpas dos seus duplos inúteis. Os fármacos quirais (com separação das metades especulares e determinação daquela que tem acção biológica, porque só uma delas a tem), interagem com recetores como as enzimas e as proteínas. Quase nunca são conhecidas as ações fisiológicas dos dois enantiómeros.
[13] Segundo a tradição hermética.
[14] A jornalista francesa Stéphane Horel é uma das principais vozes de denúncia do funcionamento dos lobbies e dos bastidores da decisão política em matéria de consumo agroalimentar, química, petrolífera farmacêutica e industrial. Em Intoxication. Perturbateurs endocriniens, Lobbyistes et eurocrates. Une Bataille d’influence contre la santé, Paris : Éditions La Découverte, 2015 e Lobbytomie. Comment les lobbies empoisonnent nos vies et la démocracie, Paris : Éditions La Découverte, 2018, a autora expõe a estratégia das grandes indústrias mundiais no sentido de impedir, confundir, adiar, desacreditar qualquer estudo científico não pago e não enquadrado pelas próprias indústrias; ou qualquer projeto de lei ou normativo inspirado pelo princípio de precaução, nomeadamente na área dos perturbadores endócrinos e dos produtos cancerígenos (A.G.).
[15] Brian Greene, O Universo Elegante (1999), Lisboa : Gradiva, 2004 ; e Sven Ortoli e Jean Pierre Pharabod, Le Cantique des quantiques, Paris: Éditions La Découverte, 2007.
[16] Ver, por exemplo, http://www.indesciences.com/matiere-noire-cote-obscur-de-lunivers/
[18] Mario Beauregard, Un Saut quantique de la conscience. Pour se libérer enfin de l’idéologie matérialiste, Paris: Guy Trédaniel éditeur, 2018
[19] Raphaël Cannenpasse-Riffard, Biologie, médecine et physique quantique, [1997-2015 ?], Embourg (Belgique): Résurgence, 2011.
[20] Ibidem, pp. 88-89 e 91.
[21] Por exemplo, Relatório BioInitiative. Em 2007, o BioInitiative Working Group divulgou um relatório que avalia os possíveis efeitos na saúde da exposição a campos elétricos e magnéticos (EMF). O relatório abrange as frequências baixas (ELF) EMF associadas com energia elétrica e as rádio-frequências (RF) EMF de fontes tais como telefones celulares e transmissores de comunicações.
Em 2012, foi apresentada uma edição atualizada do mesmo Relatório. A partir desse ano tem havido sucessivas atualizações, sendo a última de 2022. A principal conclusão do Relatório BioInitiative é que os limites de exposição do público aos campos eletromagnéticos estabelecidos pela Comissão Internacional sobre Radiações Não-Ionizantes (ICNIRP), e pelo Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE), e outras organizações, são insuficientes para proteger a saúde e exigem uma redução substancial. Cf. https://radiationrisks.geohabitat.pt/pt/3-1-Relatorio-Bioinitiative/Apresentacao-/[22] Por exemplo, Clive Hamilton, Les Apprentis Sorciers du Climat, Raisons et Déraisons de la géo-ingénierie, Paris : Ed. du Seuil, 2013, ou Nenki, Chemtrails. Les Tracés de la mort, Québec, Canada: Louise Courteau éditrice, 2003.
[23] A Ressonância Schumann é o conjunto de picos no espectro da banda de frequências extremamente baixas (ELF) do campo eletromagnético terrestre, formado pela superfície da Terra e pelas camadas inferiores da ionosfera.
[24] Marie-Monique Robin, Solutions locales pour un désordre global, https://odysee.com/@chouppa62:d/Solutions_Locales_Pour_Desordre_Global_:5
[25] Intoxication. Perturbateurs endocriniens, Lobbyistes et eurocrates. Une Bataille d’influence contre la santé, Paris : Éditions La Découverte, 2015 e Lobbytomie. Comment les lobbies empoisonnent nos vies et la démocracie, Paris : Éditions La Découverte, 2018.
[26] Jean-Louis Violeau, Les 101 mots de l’Utopie, à l’usage de tous, Paris, Archibooks + Sautereau Éditeur, 2009
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
APOIOS PONTUAIS
IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1
MBWAY: 961696930 ou 935600604
FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff
BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
-
As asas de Mafalda Anjos: a hipocrisia e a incompetência, que minam o jornalismo
A crise da imprensa nacional não é de hoje. Também não nasceu da ascensão das redes sociais, ou da desinformação, que muitas vezes servem de bode expiatório para esconder as verdadeiras falhas que corroem as redacções e as suas lideranças. Não, o verdadeiro problema da nossa imprensa é interno e, por vezes, personificado por aqueles que ocupam as direcções editoriais.
Directores que, sob o manto do jornalismo, colocam a promoção pessoal, o apadrinhamento político e as relações empresariais acima da integridade e da missão jornalística. O caso de Mafalda Anjos, directora da Visão e directora editorial (publisher) do grupo Trust in News durante vários anos – e que veio hoje ‘chorar lágrimas de crocodilo’ – é exemplar, mas está longe de ser único.
Mafalda Anjos fez, em Julho do ano passado, um exercício de indignação quando o PÁGINA UM abordou as dívidas colossais que a Trust in News foi acumulando desde 2018. Mafalda Anjos na sua prepotência escreveu que: “não me pronuncio sobre o conteúdo de artigos fantasiosos que versam as contas da TI nem permito que me citem em ON em qualquer artigo”.
Printscreen do Instagram de Mafalda Anjos onde se ‘lamentou’ da situação da Trust in News. Mas hoje, com cerca de uma centena de jornalistas em risco de despedimento, a Trust in News está mergulhada numa insolvência que surpreende apenas os desatentos ou cúmplices. A recente publicação de Mafalda Anjos nas redes sociais pinta um retrato desconfortável da gestão editorial em Portugal. Escreveu ela que a Visão e as submarcas de nicho deram, até 2023, “uma margem de contribuição positiva para o grupo”. Isto é de uma incompetência; é de um ultraje, é de uma hipocrisia. Sem limites.
Ao demarcar-se dos actos de gestão da Trust in News, tentando apagar o seu papel no descalabro, Mafalda Anjos confia na ignorância ou boa-fé dos incautos leitores.
Não se pode esquecer – e Mafalda Anjos tem obrigação de saber, pelos seus lamentados largos anos em cargos de liderança em órgãos de comunicação social – que a Lei da Imprensa é clara, no seu artigo 20º: o director tem o direito de “ser ouvido pela entidade proprietária em tudo o que disser respeito à gestão dos recursos humanos na área jornalística, assim como à oneração ou alienação dos imóveis onde funcionem serviços da redacção que dirige” e ainda de “ser informado sobre a situação económica e financeira da entidade proprietária e sobre a sua estratégia em termos editoriais”.
Se Mafalda Anjos não quis exercer esse direito ou até teve mas nada entende de demonstrações de resultados, deveria, em qualquer dos casos, ter batido com a porta logo no primeiro ano de liderança da Visão. Mas ela esteve como directora desta revista entre 2016 (antes ainda da chegada de Luís Delgado) e final de 2023. Foi publisher de todas as revistas do grupo de Luís Delgado entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2022. Só saiu de tudo quando o barco estava a afundar, mas tratou antes de conseguir para si um acordo de rescisão de 54 mil euros, tendo o karma lhe concedido, em troca, (mais) um calote do Luís Delgado.
Statetement de Mafalda Anjos no Instagram sobre a manifestação de trabalhadores da Trust in News na Praça Luís de Camões, em Lisboa. Portanto, posto isto, se a situação da Trust in News chegou ao ponto de implosão, onde estavam a vigilância e a responsabilidade de quem liderava uma das suas principais publicações? É possível que a ex-diretora da Visão tenha ignorado, durante anos, os sinais evidentes de insolvência, confiando cegamente numa administração que foi acumulando paulatinamente 32 milhões de euros de passivo e com as dívidas ao Estado a subirem ao ritmo de 3 milhões ao ano? Ou será que a narrativa de “vítima de má gestão” serve apenas para proteger a sua imagem, ao custo da verdade?
A verdade, por mais dura que seja, precisa ser dita: o problema maior do jornalismo nacional não está nas redes sociais, que funcionam como veículos de informação, desinformação e opinião. Está dentro das próprias redacções, onde direções editoriais, travestidas de jornalistas, abandonaram a missão de informar para se dedicarem à promoção de interesses privados, políticos ou empresariais.
A sobrevivência e a credibilidade da imprensa não se esfumam apenas com as quedas nas vendas de papel; esfumam-se, sobretudo, com a erosão da confiança do público. E como se pode confiar em directores que ignoram, ou fingem ignorar, os indicadores financeiros das suas publicações? Que, no silêncio ou na conveniência, contribuem para o desmoronamento das instituições que dizem defender?
O caso de Mafalda Anjos é paradigmático, mas não isolado. É impossível não lembrar Rosália Amorim, cujo desempenho à frente do Diário de Notícias num grupo que está a caminho da derrota (a Global Media, com a transmissão dos direitos do Jornal de Notícias para uma nova empresa jornalística, não vai durar nem um ano), resultou numa ainda maior perda de credibilidade do jornal. Hoje, veste-se de nova roupagem, trabalhando na Ernst&Young (EY), onde não hesita em promover eventos com a imprensa e com figuras que antes bajulava nas páginas do jornal, como sucedeu ainda esta semana com Gouveia e Melo.
E-mail de Mafalda Anjos de Julho de 2023 no seguimento das primeira notícias do PÁGINA UM, há mais de um ano, sobre a desastrosa situação financeira da Trust in News, muito antes da sua oficial ‘implosão’. Esta reciclagem de protagonistas, entre a imprensa e os negócios, é o reflexo de um ecossistema podre, onde interesses cruzados e falta de escrutínio corroem a base de um jornalismo independente.
Os jornalistas nas redacções – que hoje são as principais vítimas em ‘parceria’ com os leitores que cresceram confiando na imprensa e hoje se sentem desiludidos –, em vez de lamentarem a perda dos empregos, o seu e o dos seus camaradas de profissão, devem sim reflectir sobre o verdadeiro papel das direcções editoriais na crise da imprensa portuguesa.
A democracia precisa de jornalismo destemido, rigoroso e credível, mas esse jornalismo só pode nascer de redacções lideradas por profissionais verdadeiramente comprometidos com a verdade e a ética. Enquanto as redacções se mantiverem reféns de directores mais interessados na autopromoção e em carreiras políticas ou empresariais, o futuro da imprensa continuará hipotecado.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
APOIOS PONTUAIS
IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1
MBWAY: 961696930 ou 935600604
FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff
BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
-
Fui eu quem apanhou os Melos no bar Cockpit
Fui eu quem apanhou Nuno Melo com Gouveia e Melo
Está na hora de assumir: fui eu o jornalista que registou o encontro entre Nuno Melo e Gouveia e Melo. Frederico Duarte Carvalho, jornalista desde 1992, possuidor da carteira profissional número 1581, tendo trabalhado em órgãos de Comunicação Social como O Primeiro de Janeiro, Tal&Qual e Focus. Presentemente, jornalista freelancer, escritor e colaborador (ir)regular do PÁGINA UM.
As imagens do encontro foram retiradas de um vídeo de 20 segundos que gravei na noite de terça-feira, dia 19 de Novembro, quando estava sentado na esplanada do bar Cockpit (que não fica em Alvalade. Mas por que toda gente insiste em dizer Alvalade? Haja rigor jornalístico, pois aquilo é Areeiro: a freguesia de Alvalade termina do outro lado da linha do comboio, a meio da Avenida de Roma. Se o encontro tivesse sido no bar Old Vic, do outro lado da linha, por exemplo, aí sim, seria Alvalade).
Foto: PÁGINA UM / FDC As circunstâncias em que consegui captar o momento de relevante interesse jornalístico merecem ser explicadas. É preciso travar as teorias da conspiração levantadas por gente que, alegadamente (esta frase tão jornalística e tão esquecida), é séria.
Ouço perguntarem por aí se as fotos foram ou não foram combinadas entre o jornalista e os intervenientes. Querem saber quem pagou para o jornalista estar ali, naquele momento. Ou ainda quem deu a informação sobre o encontro e porquê, porquê, ao PÁGINA UM. Irei então, dentro do que me é possível profissionalmente, elucidar algumas das mentes brilhantes do País sobre o que ainda se pode fazer no jornalismo em Portugal.
Por volta das 22h21 recebi uma chamada no meu telemóvel – para quem controla os metadados, sim, podem ir ver quem me ligou. Era um amigo (apolítico) que soube, através de um amigo, que soubera através de um outro amigo de um amigo, que o piso superior do bar Cockpit tinha sido reservado para um encontro entre o ministro da Defesa, Nuno Melo, e o almirante Gouveia e Melo.
A minha primeira reacção foi: “Está bem! Já ouvi melhores”, e deixar-me estar. Aquilo não fazia grande sentido, mas como ainda sou jornalista – não tenho horários de trabalho -, meti-me a caminho do local. Ajudou à decisão o facto de, por coincidência, estar por perto – e, se quiserem saber, por acaso eu é que estava mesmo em Alvalade nessa altura.
Foto: PÁGINA UM./ FDC Cheguei então ao pequeno bar do Areeiro, poucos minutos depois das 22h30, que era a hora prevista para o encontro. Perguntei se podia ter uma mesa dentro e disseram-me que só havia espaço na barra do bar, pois o piso de cima estava fechado. Olhei para o local e comprovei que, de facto, não estava ninguém nas mesas de cima. Tal não significava, contudo, que estivesse fechado para uma cimeira de Defesa à Portuguesa. Fui então sentar-me numa mesa da esplanada. A única vazia e algo afastada da entrada principal. Não me parecia o melhor local, mas era o que havia.
Pedi uma bebida para justificar a ocupação da mesa e esperei para ver se aparecia alguma das duas figuras que me tinham sido prometidas. Cogitava sobre o meu papel de jornalista e lembrava-me das várias esperas e fotografias que fiz em anteriores trabalhos. Apesar de ser jornalista da escrita, sei também o valor que uma boa imagem pode ter e mantenho esse instinto de fotógrafo jornalístico.
(Há um bom par de anos, por exemplo, ao serviço do Tal&Qual, fiz uma espera para fotografar o carro oficial de António Guterres – ainda como primeiro-ministro -, a fazer uma manobra, então proibida, de virar à esquerda no cruzamento da Avenida Duque de Ávila com a Avenida da República, sem qualquer indicação de marcha de urgência – como mandam as regras -, dias depois do governante ter dado início à campanha de tolerância zero nas estradas nacionais.
Foto: PÁGINA UM / FDC Noutro exemplo, em 2016, quando estava de férias em Roma, fotografei duas pessoas que conversavam no telhado de um edifício que me pareceu ser governamental, pois tinha várias bandeiras oficiais. Descobri depois, ao falar com jornalistas locais, que apanhara a presidente da Câmara de Roma, Virginia Raggi, a conversar no telhado da autarquia, com o seu chefe de Gabinete, Salvatore Romeo.
A foto foi publicada na primeira página de vários jornais italianos. A imagem levantava a questão de que a autarca suspeitava que havia escutas no seu gabinete e, por isso, preferia tratar dos assuntos importantes no telhado da câmara municipal. Tudo poderia ter corrido bem para eles até eu tirar a foto por ter achado o momento algo insólito. E poético, até).
Já se tinham passado quase 15 minutos e não havia sinal de Nuno Melo ou Gouveia e Melo. Senti que estava numa caça aos gambuzinos. No momento em que estava a pensar desistir da espera – estava disposto aguardar mais 15 minutos, até às 23h00 – vejo um táxi a chegar ao bar.
Ao início, não deu para ver quem vinha dentro, mas a lógica dedutiva (leiam Arthur Conan Doyle) pensou que, se alguém se dera ao trabalho de apanhar um táxi para ir a um bar numa noite de terça-feira, é porque essa pessoa estava empenhada em ali chegar. Agora, poderia ser um morador local que chegava a casa? Seria lógico o ministro vir de táxi? O almirante? Faria sentido algum deles vir de táxi? O mais certo seria ser um simples morador a chegar a casa.
Foto: PÁGINA UM / FDC De qualquer modo, o tal instinto jornalístico fez com que jogasse nas hipóteses e apontei discretamente o meu telemóvel para o local onde estava o táxi. Não conseguia ver quem estava no lugar de passageiro, pois a linha de visão passava por uma viatura estacionada ao seu lado. Ainda estive 30 segundos com a câmara ligada, sem nada de importante a acontecer, até que vejo uma cabecinha a sair do táxi. Era o almirante! A “coisa” ia mesmo acontecer. A informação era boa.
O almirante Gouveia e Melo, assim que saiu do táxi – à civil – e caminhou para o bar, vindo na minha direção, não o fez a olhar para a esplanada onde eu estava. A sua atenção centrava-se na rua atrás de mim. Mal sabia eu – que continuava a segurar o telemóvel num ângulo casual ao mesmo tempo que tentava manter fixo o enquadramento e foco – que Nuno Melo estava também a chegar em viatura oficial.
Gouveia e Melo ficou parado à minha frente e a olhar para trás de mim. Arrumou os óculos – no vídeo, parece que os seus olhos encontram os da minha câmara.
(Pergunto-lhe, caro almirante: Viu-me mesmo a filmar e resolveu disfarçar ou isso escapou-lhe de todo?)
Entra Nuno Melo em campo. De costas. Dá para reconhecer que é ele, mas a foto precisa de o identificar, sem margens para dúvidas. Ouço Gouveia e Melo a comentar que até pareciam que estavam ambos sincronizados.
Mantenho a câmara fixa e espero que Nuno Melo não se lembre de olhar para trás de si. Ter-me-ia reconhecido (fui candidato do PPM ao Parlamento Europeu em 2009, quando ele e Paulo Rangel, os dois da AD que não foi feita na altura, eram os candidatos dos CDS e PSD. Cobri ainda a comissão de Camarate que Nuno Melo presidiu. A propósito, Nuno, vais pedir os documentos norte-americanos que ainda estão por divulgar ou preferes levar-nos para a III Guerra Mundial?
Gouveia e Melo, segundo à esquerda. Foto: D.R. Acompanho com o telemóvel, discretamente, a entrada de ambos no bar. Num último momento, o ministro fica de lado e é possível identificar ambos. Nuno Melo leva o almirante pelo braço e aponta, ainda à entrada do bar, para o piso de cima. Percebo então que terá sido ele o responsável pela escolha do local. Está a explicar ao almirante onde se vão sentar.
(Marcar um encontro com um almirante para a Avenida Sacadura Cabral tem o seu quê de interessante: apesar da associação imediata à Aviação, é preciso lembrar que se tratava de um oficial da Marinha e o raid aéreo de 1922 nunca teria sido possível sem o apoio daquele ramo das Forças Armadas. E se juntarmos a isso o facto de ter sido um antepassado de um antigo líder do CDS e também putativo candidato a candidato a Presidente da República, tudo isso aumenta as possíveis especulações em relação à escolha do local para uma cimeira deste nível).
A esplanada está cheia, mas mais ninguém se parece preocupar. Não vejo ninguém a ligar para jornais ou a fotografar. Parece que fui mesmo único a registar o encontro. E sei que isso vai causar furor. Sem o trabalho jornalístico, sem as imagens que o comprovassem, qualquer informação que viesse a público referindo que ambos tiveram um encontro nocturno num bar, seria apenas um rumor. Nunca uma notícia.
Assim que reuni as imagens do vídeo de 20 segundos, pensei: “O que farei com esta espada?”. Liguei então para o Pedro Almeida Vieira, do PÁGINA UM – porquê para ele e não outro jornal? Simples: o PÁGINA UM também é o “meu” jornal e o Pedro é o director de jornal que mais vezes liga para mim do que qualquer outro director do País. Por isso, é dele que me lembro primeiro sempre que tenho uma notícia. A segunda hipótese seria o director do Tal&Qual, mas não o quis incomodar àquela hora tardia, pois a edição da semana já tinha fechado.
Foto: PÁGINA UM / FDC O Pedro percebeu o valor do material que tinha nas mãos e sabia que não se podia guardar a informação para mais tarde. Era preciso agir na hora. Começou a preparar o texto, que foi publicado ainda o encontro não tinha terminado. Pedi para não assinar as fotos. Ainda. Não queria matar o mensageiro antes da mensagem circular.
Saí da esplanada antes de Nuno Melo e Gouveia e Melo terminarem o encontro. Poderia ter esperado por eles e confrontá-los à saída? Claro que sim, mas como não gosto que me mintam, resolvi deixá-los nas suas conspirações nocturnas.
Já tinha feito o meu trabalho. Agora, outros que fizessem o seu.
Frederico Duarte Carvalho, jornalista (CP 1581)
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
APOIOS PONTUAIS
IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1
MBWAY: 961696930 ou 935600604
FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff
BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
-
Um poema de Li Bai
Uma folha de mim lança para o Norte,
Onde estão as cidades de Hoje que eu tanto amei;
Outra folha de mim lança para o Sul,
Onde estão os mares que os Navegadores abriram;
Outra folha minha atira ao Ocidente,
Onde arde ao rubro tudo o que talvez seja o Futuro,
Que eu sem conhecer adoro;
E a outra, as outras, o resto de mim
Atira ao Oriente,
Ao Oriente de onde vem tudo, o dia e a fé,
Ao Oriente pomposo e fanático e quente,
Ao Oriente excessivo que eu nunca verei,
Ao Oriente budista, bramânico, sintoísta,
Ao Oriente que tudo o que nós não temos.
Que tudo que nós não somos,
Ao Oriente onde – quem sabe? – Cristo talvez ainda hoje viva,
Onde Deus talvez exista realmente e mandando tudo…
[…]
Álvaro de Campos, Vem, Noite antiquíssima e idêntica (1914)
Tendo dado à sua última crónica semanal o título “Os poetas vão ser colocados em lugares mais úteis”, Ana Cristina Leonardo concluía a sua reflexão afirmando que, perante a hipótese de uma III Guerra Mundial, se deviam esquecer os poetas, porque «os exércitos irão salvar o mundo»[1].
Cavaleiros a cavalo (séc. VI d.C.)
(a partir de uma pintura mural, na província de Shanxi, na China)1. Havendo todas as razões para nós, povo aberto a todos os horizontes, línguas e lugares, fazermos o inverso do que aparentemente anunciavam o título e a conclusão daquela nossa escritora[2], recuemos um pouco no tempo, para ir ao encontro de Li Bai (701-762 d.C.)[3], poeta de que as crianças chinesas ainda hoje aprendem a decorar alguns versos, poeta que em vida ficou conhecido como o “imortal exilado do Céu” e que, não obstante tudo, continua a ser divinizado em zonas rurais da China e no Vietname.
Li Bai 2. Do cancioneiro de cerca de 1100 poemas seus que nos chegaram, o poema aqui apresentado, composto em estilo yuefu[4], não versa nem sobre o vinho, nem sobre a Lua, nem sobre a vida de retiro, nem sobre a saudade das esposas-meninas – temas que seguramente o imortalizaram –, mas sobre a guerra, que também acabou por conhecer de perto, pois, se até meados do século VIII, o Império conhecera a paz, é também a partir de 750 que o tema da guerra se desenvolve na sua poesia[5].
Refere António Isidro a propósito deste poema (a que cada tradutor dá um título diferente) que Li Bai terá assistido ao embarque de tropas para uma campanha, saindo a voz «embargada do seu pincel, para contar a tragédia da guerra e o cataclismo que ameaça o reinado do imperador Tang Xianzong»[6].
Não obstante a existência de pelo menos duas traduções portuguesas do poema[7] (além das múltiplas traduções inglesas a que tive acesso)[8], por diversas razões, optou-se por fornecer aos leitores do PÁGINA UM uma versão elaborada a partir da tradução feita por Pietro de Laurentis, Professor da Universidade de Nápoles “A Oriental”, um orientalista que se tem dedicado de modo especial à caligrafia e à estética da China medieval[9].
Um poema de Li Bai – Museu Gugong (Pequim)[10] Combates a sul das muralhas
No ano passado lutámos na nascente do Rio Sanggan.
Este ano lutámos
no curso do Rio Pamir.
Os cavalos de guerra banham-se nas ondas do Lago Tiaozhi,
ao galope nas pastagens nevadas das Montanhas Tianshan.
Expedições de guerra com dez mil milhas de comprimento,
terminado o combate, as nossas tropas envelheceram.
Matar e massacrar são as ocupações dos Tártaros,
desde tempos antigos, vêem-se apenas ossos brancos nas areias amarelas.
Para se defenderem dos bárbaros, os Qin construíram a Muralha,
no tempo em que os Han queimavam as tochas lá do alto.
As tochas de avistamento ardiam incansavelmente,
e as expedições de guerra não terminavam nunca.
Morria-se em campo aberto combatendo corpo a corpo,
os cavalos exaustos relinchavam de dor em direcção ao Céu[11].
Corvos e falcões bicavam dos corpos humanos as entranhas,
que apertadas no bico transportavam para as árvores secas e deixavam dependuradas nos ramos.
Soldados espalhados entre ervas desoladas, que benefício tem a vida de um general?
Sabe-se, objectos nefastos são as armas,
o sábio apenas as usa se não tiver alternativa[12].
Pavilhão Memorial de Li Bai (em Jiangyou) José Melo Alexandrino é professor universitário
[1] Crónica publicada no caderno ípsilon do jornal Público, em 22 de Novembro de 2024, pp. 30-31 (disponível on-line, para assinantes, aqui).
[2] Basta para o efeito ler e reflectir no artigo, para concluir que a lição a extrair é a inversa.
[3] Para uma, aliás excelente, biografia daquele que é considerado por muitos (ou juntamente com Du Fu) o maior poeta chinês, veja-se Pietro de Laurentis, Li Bai – L’uomo, il poeta, cit., pp. 1-20; para uma biografia em português, António Graça de Abreu, Cem Poemas de Li Bai, Póvoa de Santa Iria, Lua de Marfim, 2021, pp. 22-69.
Sobre o poeta, em língua portuguesa, merecem referência as obras de António Graça de Abreu: Poemas de Bai, 2.ª ed., Macau, Instituto Cultural de Macau, 1996 (tendo a 1.ª edição, datada de 1990, contado com uma intervenção de Natália Correia, em palavras publicadas em 2021, na obra já citada, Cem Poemas de Li Bai, pp. 12-21); ainda em obra coordenada por António Graça de Abreu e Carlos Morais José, Quinhentos Poemas Chineses, Lisboa, Nova Vega, 2014, pp. 135-152 (na tradução de diversos autores), por último, numa belíssima edição, António Isidro, Li Bai – A via do Imortal, Macau, Livros do Meio, 2022.
[4] Sobre o qual, Pietro de Laurentis, Li Bai – L’uomo, il poeta, cit., p. 56.
[5] António Graça de Abreu, Cem Poemas…, cit., p. 66.
[6] António Isidro, Li Bai – A via do Imortal, cit., p. 191.
[7] Assim, António Graça de Abreu: Poemas de Bi Bai…, cit., pp. 226-227; Id., Cem poemas de Li Bai, cit., pp. 184-185 (com o título “Lutámos a sul das muralhas”); António Isidro, Li Bai – A via do Imortal, cit., pp. 191-192 (com o título “As Guerras a Sul da Cidade”).
[8] A maior parte das quais acusando influência da tradução de 1919 de Arthur Waley (e dos excessos de liberdade poética que esse renomado sinólogo britânico confessadamente se concedeu nessa versão).
[9] Cfr. Pietro de Laurentis, Li Bai – L’uomo, il poeta, Milano, Edizione Ariele, 2016 p. 93.
[10] A partir da tradução oferecida por Pietro de Laurentis (obra citada, p. 317), uma versão possível deste poema autógrafo de Li Bai pode ser a seguinte:
Altos os montes, longos os rios,
milhares e milhares os fenómenos do universo.
Privado de um adequado pincel,
poderias realmente descrever tanta pureza e potência?
[11] Dada a sua beleza poética, este verso é assim traduzido por António Graça de Abreu:
Relincham para o céu cavalos sem cavaleiro.
[12] Segundo António Graça de Abreu, os dois últimos versos são uma citação do capítulo 31 do Tao Te Ching, apresentando então a seguinte tradução (cfr. Cem Poemas.., cit., p. 185):
Abomináveis e cruéis as guerras!
O homem de bem só obrigado as faz.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
-
A instrumentalização da empatia para justificar a insanidade
A empatia é, sem dúvida alguma, um valor humano extremamente nobre e valioso. É ela que nos faz “calçar” os sapatos do outro, sentir compaixão pelo sofrimento alheio e, em última instância, ter vontade de ajudar aqueles que precisam. E, verdade seja dita: ninguém passa pela vida incólume e sem necessitar, em diversos momentos, do conforto de uma mão estendida. Razão ainda maior para que todos sejamos empáticos com outros problemas que não os nossos, e tenhamos bondade para querer para atenuar o sofrimento colectivo – dentro daquilo que esteja ao nosso alcance, evidentemente.
Porém, tal como tudo, por muito louvável que possa ser um sentimento ou um valor, jamais deverá ser levado a um extremo que resulte na perda de bom senso e até na loucura.
Este é precisamente o motivo pelo qual, por muita empatia que possamos ter por um sem-abrigo, não nos vamos endividar para lhe proporcionar uma casa. Nem sequer dar-lhe toda a comida que temos na despensa – ou, fazer sacrifícios que nos prejudiquem e coloquem a nossa família numa situação vulnerável, apenas para que nada falta ao sem-abrigo.
De igual modo, ninguém no seu perfeito juízo irá ceder a sua casa a alguém que durma na rua para substituir um sem-abrigo por outro. Nem tão pouco, manter-se em sua casa mas lotá-la com todas as pessoas necessitadas com que se vai cruzando pelas ruas – certamente que a esmagadora maioria não o faz, nem tal coisa lhe passaria pela cabeça.
E porquê? Porque não é sensato! Tentar colmatar sofrimento com mais sofrimento não é ser empático; é ser simplesmente louco. Ou seja: levada ao seu cúmulo, a “empatia” far-nos-ia cometer as maiores loucuras para salvar o mundo inteiro! Mas nós não somos super-homens nem super-mulheres – somos apenas seres humanos.
A maior parte das pessoas nem sequer emprestará dinheiro a um amigo em dificuldades, ou irá emprestar torcendo muito o nariz! E estão erradas? Não! Porque na realidade, todos nós, no fundo, temos perfeita consciência – por muito virtuosos e ‘bonzinhos’ que nos queiramos achar – que aquilo que podemos dar a outrém tem limites; e é insano extravasar esses limites, encetando determinados esforços e sacrifícios por alguém quando tem de ser o próprio a fazê-los.
E todos sabemos que, embora a ajuda e a cooperação sejam sempre necessárias na vida, nunca se podem substituir aos esforços que cada um tem envidar por si próprio.
Deste modo, se é verdade que um bom coração saberá quando estender a mão, uma boa cabeça saberá quando não o fazer. E um coração sem cabeça não faz um corpo.
É este o problema fundamental a que assistimos hoje no mundo Ocidental; a doença que o está a destruir: a instrumentalização da empatia e do nosso lado mais generoso para nos levar ao suicídio. Esta tem sido a dialéctica dominante – ainda mais perversa e diabólica, porque nos manobra e manipula dizendo-nos que só assim seremos “boas pessoas” – na praça pública; imposta pela imprensa, governo, União Europeia, e demais organizações supranacionais. Vimo-lo com a covid-19, mas está a acontecer, às claras, com muitas outras ‘crises’.
Os interesses concertados querem que o Ocidente se mate (não tão metaforicamente quanto isso), para ser comido de cebolada pelos “coitadinhos”. E como? Através da aceitação desta imigração massiva e descontrolada, de ajudas financeiras astronómicas para países que sofrem ou que estão em guerra, ou outras psicopatias que os nossos ‘overlords’ em Bruxelas nos queiram impôr do alto da sua torre de marfim. Tudo isto, enquanto os europeus definham, dia após dia, e caminham alegremente para o precipício, incautos e de olhos vendados. E com a deterioração da qualidade de vida e da segurança a ocorrer a uma velocidade estonteante.
Felizmente, parece haver cada vez mais gente a acordar – veremos se a tempo de evitar o suicídio do Ocidente!
Maria Afonso Peixoto
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
APOIOS PONTUAIS
IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1
MBWAY: 961696930 ou 935600604
FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff
BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
-
A directora da Lusa e um ‘spin doctor’ entram num bar
Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 12º episódio, analisa-se o fenómeno bizarro que levou a directora da agência Lusa a ‘aliar-se’ a Luís Paixão Martins, na rede X. Também é analisado o fenómeno estranho que tem levado a imprensa, em geral, a esconder que Luís Delgado e os outros dois gerentes da Trust in News foram condenados a pena de prisão, com pena suspensa por cinco anos.
-
Gouveia e Melo é só a carranca da barca
Como atuará Gouveia e Melo, se for eleito Presidente da República (PR)?
Ou, mais precisamente: Gouveia e Melo cumprirá a função de moderador no regime político semipresidencial que a Constituição (CRP) atribui ao PR?
São estas as principais perguntas a que devem responder nas suas mentes, primeiro, quem planeia dar a sua assinatura para levar o Tribunal Constitucional a validar a candidatura de Gouveia e Melo e, depois, quem se inclina a votar nele para PR.
A escolha em eleições, e sobretudo de políticos, é um processo individual, interior, subjetivo; mas é influenciado pela envolvente. E pode ser também um processo complexo; mas para a maioria dos cidadãos resume-se tipicamente a um ou dois critérios, ou talvez a um ou dois factos ou imagens, afastando tudo o resto – só uma pequena fração da população tem tempo ou disponibilidade mental na sua vida, ou sequer interesse, para considerar e refletir sobre um panorama abrangente e mais do que complicado, complexo. A popularidade da imagem de Gouveia e Melo mostra-o: a distribuição de vacinas levou os media a elevá-lo a herói (por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui) e após apenas 9 meses a promover uma campanha para ele ser PR; e como um herói não tem defeitos (se tivesse, era humano não era herói) editores, jornalistas e comentadores fizeram em uníssono tábua rasa do seu passado desalinhado com a narrativa mediática do herói-sem-pecado-exemplo-de-virtude – e quem duvidasse de tal imaculada conceção era negacionista, malandro ou detrator… A falta de reflexão das massas sobre as imagens e legendas que as TVs lhes dão, em geral a visar o entretenimento e simplistas, abriu espaço à aclamação generalizada.
As perguntas acima expressas olham para o futuro. Todos projetamos o futuro a partir de pegadas do passado – e desejos. Justamente por isso, é simplista, senão mesmo irracional, que um eleitor selecione pegadas: o caminho é feito de todas as pegadas; ou melhor, o caminho é contínuo, como é a esteira de um navio a navegar.
Como já notei, é espantoso que já haja pessoas a dizer que votarão em Gouveia e Melo; muitos não querem saber da ausência de formação ou experiência política, que reconheceu; e por o acharem um herói num cargo logístico e executivo acham que vai ser o máximo num cargo que não é executivo e é o politicamente mais sofisticado e mais complexo do regime. Poucos reconhecem que as TVs tiveram e têm um papel decisivo na imagem que formam do seu herói. Esta opção mostra que escolhem por símbolos e imagens em vez da substância e dos factos. Só “falta” depois serem muito críticos dos políticos eleitos…
A fé no “homem-forte” ou na “mão forte” – para “endireitar o país”… – revela a preferência pela autoridade, e até pelo autoritarismo, pela firmeza e pela eficácia na governação sobre o respeito pelo Estado de Direito Democrático; alguns acham que a farda militar é decisiva e sonham com caudilhos. Mas esta visão estereotipada é uma generalização infundada que sobrevaloriza a farda, como símbolo de autoritarismo ou de virtude. Quem quer um “homem-forte” é pouco dado a mudar de ideias – até ser “atropelado” por um “homem-forte”…
Gouveia e Melo não se fez rogado em “atropelar” o seu antecessor à vista de todos. E faz o que pode para alimentar a imagem de “homem-forte” (decerto orientado e apoiado por uma “agência de comunicação”, formal ou informal); ocasionalmente ensaia uma imagem menos radical (o que isso lhe custa! É que ele não é um português suave…) para ser aceite pelos moderados, e aumentar a popularidade – que alimenta a vaidade. Diz que não é político, e disse que não quer ser político; mas busca palco mediático, cargos e popularidade, como qualquer outro político. O poder seduz Gouveia e Melo; qualquer cargo lhe serve.
Já citei o General Loureiro dos Santos quando disse que “O grande problema dos militares a partir de certa altura é que não sabem fazer mais nada.” Com 64 anos, Gouveia e Melo pode tentar mudar a sua imagem no palco mediático para a base de apoio alargar; só que com uma personalidade vincada e autoritária e vaidoso, as várias contradições, e com décadas a mandar, a controlar e a não gostar de ouvir quem dele diverge (os “malandros” e os “detratores”…), leigo sobre políticas públicas em democracia, pode impressionar os mais superficiais, mas dificilmente vai passar a ser um moderado e um moderador.
Mais. É verdade que qualquer militar fora da efetividade de serviço pode concorrer a, e ocupar, um cargo político como qualquer outro cidadão. Porém, acredito que mais de 10 milhões de cidadãos em Portugal desconhecem a norma legal no Estatuto dos Militares das Forças Armadas que estabelece (desde 1990) que “Regressa ao ativo o militar nas situações de reserva ou de reforma que desempenhe o cargo de Presidente da República, […].” (nº1 do art.152º do decreto-lei 90/2015). Com esta base legal, eleito PR, Gouveia e Melo pode voltar a usar o seu uniforme militar, no cargo; estou convencido que o fará. Assim, não custa imaginá-lo a aparecer em cenários de inundações, abalos sísmicos, grandes acidentes, fogos rurais, etc. vestindo o camuflado e a mandar – para ele toda a crise é uma guerra e ele o comandante supremo!… O poder de uma farda é grande nestas ocasiões, e em ambientes de tensão e de incerteza; e poucos arriscarão contrariá-lo. Com a convicção amplamente exibida de que sabe de tudo, tudo aponta para que venha a exorbitar as suas funções e a dizer ou fazer asneiras irreparáveis. Pode não ser nada de novo no cargo; mas é indesejável.
Pior: dada a fraca preparação para o cargo e a vaidade, será facilmente instrumentalizado nos bastidores por um grupo que o bajule – e pelos vistos há um grupo cuja “máquina está pronta para arrancar”; decerto que ela não funciona com pés descalços ou com uns quantos palradores nas redes sociais… Logo, com a “vassoura” ele não vai construir a maioria política dele: ele só vai dar cobertura ao poder fáctico da barca cuja “máquina” o governará a ele na prática. Gouveia e Melo é só a figura de proa desta barca; não dá ordens para a máquina.
Mas há mais. Como já referi, o atual PR e o Governo já mostraram ter receio de Gouveia e Melo, como ficou claro por lhe permitirem violar o dever de isenção a que todos os militares na efetividade de serviço estão sujeitos (nº2 do art.27º da Lei de Defesa Nacional, reforçado no art.20º do Regulamento de Disciplina Militar). E acharão que o podem controlar se o reconduzirem no cargo de comandante da Armada e o levarem a comandante dos exércitos, impedindo a recondução do atual CEMGFA ou a elevação a CEMGFA do comandante da Força Aérea (como deve ser, pela rotação entre exércitos), sem qualquer facto válido ou outro motivo. Quiçá receiam que, se Gouveia e Melo não for reconduzido, seja logo contratado por uma TV para a liturgia dominical, e aí diga coisas populistas e muitos eleitores o apreciem. Não custa prever que a sua fragilidade nos temas que mexem com as massas será tratada pela “máquina”, que o preparará para a coreografada liturgia semanal. Mas acaba-se a farda e fica exposto à crítica; por exemplo, outros canais de comunicação já o podem atacar por já não ser uma figura de Estado e passarem a ver a promoção do produto de um concorrente. A TVI promoveu Marcelo Rebelo de Sousa e promove agora Paulo Portas; o Grupo Impresa promoveu de início Gouveia e Melo, e promove há anos Luís Marques Mendes; cabe agora ao NOW promover Gouveia e Melo, em linha com a promoção que o Correio da Manhã faz dele há muitos anos.
A opção da recondução tem garantido o fracasso, porque Gouveia e Melo já percebeu que é impune; logo, continuará a usar os media como lhe aprouver. Além disso, a recondução e a elevação a CEMGFA não o impedem de se candidatar a PR: só lhe acrescentam margem para explorar o cargo e a farda para se promover nos media, e deixar o cargo quando lhe convier.
Mas há mais e pior. Quanto mais tempo estiver a comandar a Armada, mais dirigentes fiéis a si vai promover; e enquanto CEMGFA vai escolher dirigentes dos outros dois exércitos que lhe sejam fiéis – e é de fidelidade, e pessoal, e não de lealdade que se trata. Tornando-se PR meses depois de ser CEMGFA, terá nos exércitos muitos dirigentes fiéis, subordinados até dias antes. Com as dívidas pessoais criadas, a prevalência das relações pessoais sobre o respeito por instituições como o Estado de Direito (frequente entre os militares), a fidelidade destes militares pode ser usada por Gouveia e Melo para fazerem o que ele quiser, incluindo pressão mais ou menos discreta (por exemplo, com humilhações públicas, que tanto aprecia, como o Caso Mondego mostrou) sobre o Governo e não só. Com legitimidade alcançada por uma vitória numa eleição direta, uma personalidade autoritária e vaidoso, o perfil executivo, o passado recente de impunidade, e a tendência das elites portuguesas para se acomodarem a poderes fácticos e não ao Estado de Direito nem à Democracia, Gouveia e Melo fará o que lhe aprouver sem que os mecanismos do Estado de Direito o moderem ou travem – como já mostrou. Com a criatividade e a eficácia de que se gaba, depressa moldará um regime (aparentemente) presidencial, à margem da CRP e do Estado de Direito. De facto, como não percebe o regime e o processo político, será só uma figura de proa de um grupo de “assessores” e “conselheiros”, a barca, que o manipulará através da sua vaidade.
Este é um cenário de fugir. Os sinais estão à vista de todos.
O cenário será improvável. De facto, não creio que Gouveia e Melo consiga ser eleito contra o PSD e o PS, cujos dirigentes já anunciaram não o apoiar para PR, e as simpatias noutros grupos e óbvias no CDS são pequenas e emocionais; de resto, a melhor sondagem no auge da sua popularidade e sem concorrentes assumidos revelava 30% de apoio – e vai descendo, em sondagens cujas taxas de resposta revelam que só ativistas se manifestam.
Mas este cenário não é impossível – os portugueses até já reelegeram quem os prejudicou… Para o afastar é necessário que os órgãos de soberania percam o infundado receio que têm de Gouveia e Melo; que os eleitores saibam que a imagem idealizada e heroica dele é uma miragem, por mais que “a máquina” sem cara ande a tentar endeusá-lo perante as massas.
E é necessário que, pelo menos os eleitores que refletem antes de votar, observem todos os sinais antes de ser tarde, e percebam que Gouveia e Melo não vai cumprir a CRP, não vai acabar com a corrupção, não vai melhorar o SNS ou a educação, não vai aumentar a riqueza, não vai resolver o problema dos fogos rurais, nem qualquer outro problema significativo dos portugueses. Não lhe compete; e não sabe como. Só vai servir “a máquina” que o apoia.
Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
APOIOS PONTUAIS
IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1
MBWAY: 961696930 ou 935600604
FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff
BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.