Categoria: Opinião

  • Investir na Ignorância

    Investir na Ignorância


    Contava-me um professor, há muitos anos, que no primeiro Conselho de Ministros do Japão, depois de terminar a última Guerra Mundial, a preparação do Orçamento de Estado foi extremamente complicada dado o estado em que tinha ficado o país.

    Todos os Ministros pediam aumento substancial das verbas que seriam atribuídas aos seus Ministérios sabendo, embora, da falta de recursos.

    O Ministro da Saúde lembrava a quantidade de feridos de guerra e as vítimas das radiações, causadas pelas bombas atómicas que destruíram Hiroshima e Nagasaki, e que aumentavam, exponencialmente, o número de doentes internados.

    brown wooden table and chairs

    O Ministro das Obras Públicas falava da necessidade de recuperar as cidades, estradas e pontes arrasadas pelas bombas.

    O Ministro da Solidariedade recordava as inúmeras famílias que tinham ficado sem casa, sem emprego, sem possibilidade de trabalho e que precisavam de apoio imediato.

    O Ministro da Indústria salientava a necessidade premente de ajuda para as fábricas que estavam paradas por falta de energia, de maquinaria e de pessoal.

    O Ministro da Defesa explicava o estado em que tinham ficado os três ramos das Forças Armadas, depois de uma guerra em que tinham sido derrotados.

    E todos exigiam, para os seus ministérios, quantias que, por vezes, ultrapassavam o valor total de que o país dispunha.

    Houve um grande alvoroço quando o Ministro da Educação apresentou a sua proposta.

    Pedia uma verba superior ao do último ano de paz no país.

    A revolta foi enorme e os Ministros começaram a analisar toda a proposta, ponto por ponto, concluindo que, para todos estes, eram pedidas verbas que consideravam exageradas e que ao orçamento da Educação devia ser atribuída uma verba muitíssimo inferior à apresentada pelo Ministro.

    two roads between trees

    Quando foi a vez deste falar, disse:

    –  Se consideram erradas as contas de quem quer investir na Educação, façam contas ao custo de investir na Ignorância.

    O silêncio que se seguiu acalmou os ânimos e a Pasta da Educação foi das que menos cortes sofreu.

    Algo semelhante aconteceu na Alemanha.

    Talvez seja essa uma das explicações para que, poucas décadas depois do fim da guerra, as duas maiores potências na Europa e na Ásia, fossem, de novo, a Alemanha e o Japão.

    Os dois países que tinham ficado arrasados.

    Pode parecer estranho que, em pleno século XXI, ainda seja necessário recordar, aos governantes, que a Educação, a par da Saúde e da Justiça, tem de ser a grande prioridade.

    Voltando a falar do Japão, há quem garanta que o apertado protocolo de Estado obriga a que todos os cidadãos se curvem perante o Imperador, com excepção dos professores.

    Muitos acham tal como uma excentricidade que provoca sorrisos ou, mesmo, gargalhadas.

    red apple fruit on four pyle books

    Outros põem em causa esta narrativa, que até podia ter um fundo de verdade por uma razão simples:

    Os japoneses apostam na Educação.

    Já em Portugal, os professores estão na base da pirâmide social ganhando mal, sendo desrespeitados por alunos e pais e sem qualquer apoio do Estado, sequer na sua segurança.

    Os portugueses apostam na Ignorância.

    Aqui, o Ensino degrada-se de dia para dia.

    Péssimo comportamento dos alunos, falta de professores, desajustados programas escolares, facilitismo e desleixo são as marcas das nossas escolas.

    A preocupação dos últimos governos, no que à Educação diz respeito, é zero.

    Alunos que passam de ano sem terem nota positiva a uma única disciplina, são imensos.

    Depois acontecem vergonhas como na Ordem dos Advogados onde, nos últimos três anos, chumbaram 83% dos licenciados em Direito e que pretendiam ser advogados.

    silhouette of child sitting behind tree during sunset

    Não terão dificuldades em conseguir emprego porque entrarão nas juventudes partidárias e, em breve, serão Deputados, Secretários de Estado e Ministros.

    Antigamente os pais, que se apercebiam do facilitismo, e da falta de disciplina nas escolas, diziam esperançados:

    – A tropa vai endireitá-los!

    Mas, antigamente, as Forças Armadas eram levadas a sério…

    Para desagrado dos ignorantes, de ontem e de hoje, que tudo têm feito para, de igual modo, as destruir, hoje nem na tropa há disciplina.

    A Ignorância venceu.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Por quem os sinos dobram

    Por quem os sinos dobram

    Agora, todos os meus sonhos são de pessoas mortas.

    Jorge Luis Borges

    DOCTOR BRODY’S REPORT


    Em Portugal, fala-se muito, muito, muito, do aumento da velhice e do desaparecimento da infância. Acrescenta-se que a resolução deste drama[1] é complicada, senão mesmo muitíssimo delicada[2]. E ponto final parágrafo. À falta de soluções, espera-se que os velhos morram e que as crianças comecem a crescer nas árvores. E é verdade, há muitos velhos em Estremoz, como se choraminga que acontece enquanto parte integrante da “desertificação do interior[3].” Só que os velhos não morrem suficientemente depressa, exactamente como as crianças que viriam substituí-los não conseguem sequer ajudar os pais no trabalho[4] nem horas que cheguem nem dias que compensem. Mas então e os senhores não vão mesmo fazer nada? Hey! Está aí alguém?


    Há inúmeros factores que complicam a tomada de políticas que equilibrassem a velhice com a infância. Em Economia, em Gestão, em Cálculo, em Direito, desculpem mas é que até em Biologia, a gente aprende que quando um problema é composto por vários problemas diferentes, todos igualmente complexos e todos igualmente concorrentes para resolver a equação, não tem nada que enganar: separam-se os diferentes problemas uns dos outros, e resolvem-se separadamente um por um. Se até eu sei fazer isto, como é que é possível que quem manda em nós não saiba? Sabem o que é que parece? Parece que o desequilíbrio populacional é um problema de tal forma espinhoso que “eles” olham para aquilo e amuam. Enfrentar aquilo? Eu não. Mandem vir outro que trate disto, se é que ainda anda por aí algum.

    Antes de mais nada, atendendo à Guerra na Ucrânia[5], não se deseja de todo que os casais recomecem a ter uma dúzia de filhos por cabeça[6]. Nem seria fácil implementar agora nenhum programa social de apoio a famílias numerosas como estas. Trata-se de um País que está tão falido, e onde o dinheiro dos contribuintes já foi tão roubado por quem conseguiu deitar-lhe a mão[7], que o próprio Serviço Nacional de Saúde ainda anda a meter mais água do que uma antiga Grande Nau da Carreira das Índias, que, por via da ganância, foi completamente sobrecarregada de bens, e destituída de qualquer manutenção, quando voltava de Goa para Lisboa[8]. Mas, tal como à época ninguém ligou nem um bocadinho a nenhuma Ordem da Coroa[9] para limites de peso e de passageiros, ou para obrigatoriedades de manutenção, também no século XXI não se ouve ninguém anunciar que encontrou uma solução razoável e exequível para mais esta História Trágico-Marítima[10].

    CPC, aos 63 anos, contrastando com S, aos três meses.
    Ela aceita sem protestos que já está com os pés para a cova – mas depois quem é que vai cuidar do pequenino?

    E temos também o pesadelo do Ensino, claro está. Considerando que os professores já andam a ter que dar aulas a mais de vinte alunos[11] com a escassa miudagem de que o País dispõe[12], quantos meninos teria cada turma se a natalidade aumentasse? Trinta e sete? Quarenta e dois[13]? Para não falar dos pais desses meninos, que já estiveram de tal forma à beira do desemprego por ficarem vezes demais em casa a cuidar dos filhos durante a greve dos professores[14], que mais filhos é que não quererão ter de certeza – e falar disso muito menos, porque não, de forma nenhuma, não se fala de um trauma como se fala de um frigorífico avariado[15].

    E assim passam os dias, na doce inanição do aprés moi le déluge[16] como se nada fosse. Até ao momento em que paramos mesmo, porque desta vez os sinos dobraram por alguém da nossa afeição.

    A minha casa em Estremoz é como Jerusalém nos antigos mapa-roda que nos restam, de entre todos os que foram desenhados durante a Alta Idade Média[17]: fica exactamente no centro preciso de tudo. Não se trata aqui de qualquer espécie de sentido figurado: o Passeio de Santiago[18] marca a organização do crescimento da cidade para fora de portas, de tal forma que, da janela do meu quarto, tenho o privilégio de poder olhar de vez em quando para o Torreão-Mór[19] das primeiras muralhas, todo iluminado entre as estrelas, enquanto estou a ler na cama durante a noite. Desta posição central resulta o facto, que para mim é encantador, de poder ir contando o passar das horas pelos sinos sucessivos das três grandes igrejas: primeiro a de São Francisco, depois a de Santo André, e, finalmente, lá muito ao fundo, a de Santa Maria. Habituei-me a ouvir os sinos de São Francisco tocarem no fim-de-semana a assinalar as várias missas, e a celebrar com eles os Dias Santos.

    É mesmo verdade: as minhas noites sabiam a bençãos, tudo era verdadeiramente encantador, até eu notar que… e não era fantasia minha, porque comecei a estudar o fenómeno com muita atenção… e aquele tipo de repicar de sinos só há mesmo na Igreja de São Francisco… até notar que, Santo Deus, que sufoco. Se os sinos de São Francisco não dobravam a finados dia sim-dia não, no mínimo andavam lá perto.

    E claro que era verdade, quando comecei a perguntar toda a gente me disse que claro que era verdade: os sinos estão sempre a dobrar a finados porque estão sempre a morrer pessoas. “Mas a pessoa morreu de quê?” – “Então, coitada, foi da idade.” E, de repente, é como a tripulação descobrir que o leme da Grande Nau está podre à primeira tempestade que se aproxima, ou que todos os canhões ficaram em Goa para desimpedir espaço no convés ao primeiro aviso de piratas ou de holandeses na distância. O tocar dos sinos passa logo a ter outro peso, e o seu dobre a finados começa a doer-nos também a nós, assim que participamos do funeral da pessoa que, também ela, morreu da idade. “Mas ainda a semana passada estava tão bem disposta…” – “Então, coitada, antes assim, seja como fôr a gente tem que ir, nem que mais não seja para dar lugar aos novos.

    Pois com certeza, mas cadê os novos – e cadê o seu direito à felicidade?

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] Eu é que digo “drama”, porque não há outra palavra que realmente defina o que tem vindo a acontecer nas últimas décadas. Claro que nenhum político, ou comentador, ou alguma pessoa ilustre chamada a participar num debate, ou até algum humorista politicamente incorrecto, se dá ao trabalho de dizer “drama”. Em, boa companhia, o envelhecimento nacional é aquilo a que se chama “um problema”. E, escusado será dizer, ninguém promete que vai lutar contra ele em nenhuma campanha eleitoral.

    [2] Por acaso, e pensando bem depois de ter escrito “muitíssimo delicada”, ocorreu-me que é possível que eu seja a única pessoa que diz isto — e que, de estar sempre a ouvir a minha própria voz a dizê-lo aos outros, já imagine que ouvi muita gente a dizer “delicada”. Wishful thinking. A expressão existe porque todos os dias faz sentido.

    [3] “Eles” dizem isto com especial prazer. Estão aqui estão a escrever umas éclogas sobre o assunto.

    [4] Que se lixe ir à escola. Descarregam-se os sacos todos primeiro, a seguir há que caiar estes muros todos, alguém tem que ir depressa apanhar as batatas, e depois logo se vê.

    [5] Como é evidente, quando deixar de haver guerra na Ucrânia, a culpa continuará a ser da Guerra na Ucrânia.

    [6] Marido e mulher formam uma unidade, supostamente indivisível salvo prova do contrário. Infelizmente, o que há mais por aí, na nossa sociedade, são provas do contrário. O que, por seu turno, cria ainda mais um outro problema (palavra que neste caso é utilizada correctamente) no apoio às famílias numerosas.

    [7] Uma vez mais: não só assumo total responsabilidade pelo que acabo de escrever, como até esclareço que atenuei para “deitar-lhe a mão” o predicado que realmente me apetecia oferecer a esta frase, que era “apropincuar-se com”.  Mas, ao menos aqui, e pelo menos em privado, ouço imensa gente dizer o mesmo que eu. É sempre reconfortante, isto de não estarmos sós.

    [8] Ou “tenta voltar”, que foi mais o caso. Perderam-se milhares de naus nesta loucura. À primeira tempestade, descobria-se que a Nau já não tinha nem bombas para drenagem da água, deixadas em Goa, como tudo o resto, para carregar ainda mais brocados, mais especiarias, e mais drogas. O provérbio “Se queres rezar vai para o mar” aparece no século XVI, e claro que não aparece por acaso.

    [9] Houve várias. A Coroa perdia fortunas indescritíveis em cada naufrágio. E os monarcas não são necessariamente parvos.

    [10] Leram as TRÁGICO-MARÍTIMAS, porventura? É que eu li. Com muita atenção. São só três histórias, de três naufrágios diferentes. Mas percebe-se logo, até pelos comentários indignados dos cronistas da época, porque é que os naufrágios no trecho Goa-Lisboa foram tão frequentes, e tão estupidamente evitáveis, na História supostamente gloriosa da Carreira das Índias.

    [11] Ou seja, anda a pedir-se-lhes que todos os dias descubram a quadratura do círculo, e o aproveitamento dos alunos ressente-se de missões impossíveis.

    [12] E o País Real anda a ter imenso cuidado com a redução da miudagem. Se quiserem digam que a culpa é da Guerra da Ucrânia, quero lá saber – a verdade é que o pessoal está teso. Mesmo numa cidade tão calma e aprazível como esta, os meus alunos das explicações são frequentemente filhos únicos E eu acabo por fazer imenso pro bono, porque ninguém tem dinheiro, pronto.

    [13] Ou seja, aqui já não se trata de mais quadraturas do círculo ou de mais missões impossíveis: trata-se, pura e simplesmente, de atirar a toalha e desistir de todo o alfabetismo nacional. Todo. Em benefício dos pais, a Escola passa a funcionar enquanto cantina e ATL, e acabou-se a conversa. Mas acabou-se mesmo, ouviram? Epá, mas então calem-se. Calem-se, meu.

    [14] Se é que não foram mesmo para o desemprego. Ou, no mínimo, nas entrevistas de emprego tiveram que enfrentar o fatídico “então e deseja ter filhos?” com ainda mais cuidado.

    [15] Pelo menos “não se fala de um trauma assim de um dia para o outro”, ou “não se fala de um trauma sem ser em terapia.” Um trauma é um caso sério. Demora tempo a instalar-se. E, uma vez instalado, consegue esconder-se tão bem que só alguns dos melhores profissionais da coisa é que conseguem puxá-lo cá para fora à força. Mas olhem bem para “eles”: alguém parece honestamente preocupado com a saúde mental dos portugueses?

    [16] Sou culta, sou. “Depois de mim que venha o Dilúvio” era o que dizia desdenhosamente o Rei de França Louis XV quando os seus conselheiros aludiam aos gastos disparatados na Nobreza perante a fome crescente do Povo.

    [17] São cerca de seiscentos mapas, sobreviventes em diversos países europeus, portanto sabemos que o conceito de Jerusalém marcar o centro preciso da circunferência representativa da Terra não foi uma fantasia: foi mesmo a primeira semelhança do mundo que organizou a inteligência medieval. A culpa deste mal-entendido terá sido de Santo Agostinho, que terá escrito, não sabemos onde, que “a virtude de todas as coisas está no centro.”

    [18] Nome inventado a bem da privacidade, ou queriam mais o quê?  O número da porta e o andar?

    [19] Idem.

  • Contas do Página Um Lda. relativas ao ano de 2022

    Contas do Página Um Lda. relativas ao ano de 2022


    Além das exigências fiscais, o PÁGINA UM, tal como os outros órgãos de comunicação social, tem de divulgar, junto da Plataforma da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), diversos dados económicos e financeiros, conforme os artigos 3º e 4º do Regulamento nº 348/2016, publicado em Diário da República, 2ª série, de 1 de abril de 2016.

    Como é do conhecimento público, o modelo de negócio do jornal PÁGINA UM é muito sui generis no contexto dos media portugueses: não temos publicidade nem parcerias comerciais e, nessa medida, os rendimentos provêm, em exclusivo dos donativos, desde a constituição da empresa gestora (Página Um, Lda. em Abril do ano passado).

    Nesa medida, os rendimentos totais (que não incluem os donativos do FUNDO JURÍDICO) foram, no ano económico de 2022, de 42.810 euros, que serviram para suportar encargos muito diversos (estrutura e funcionamento do jornal e sobretudo pagamentos de jornalistas). Saliente-se que os donativos são sempre considerados fiscalmente como rendimentos, embora não como vendas ou prestação de serviços. O PÁGINA UM não recebe nem nunca recebeu donativos em numerário, sendo todos os donativos feitos através de meios electrónicos registados (transferência bancária e meio indirectos como Paypal e Steady).

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    A estratégia de gestão do PÁGINA UM passa também por uma política de não-endividamento, pelo que o passívo do PÁGINA UM se circunscreve a pequenas dívidas ao Estado por pagamentos a efectuar em Janeiro deste ano e ao IRC dos resultados líquidos positivos.

    O PÁGINA UM apresentou assim resultados líquidos positivos, com um lucro de 1.843 euros.

    São valores que, no quadro da imprensa, e para um projecto desta natureza, nos mostra que o PÁGINA UM tem sustentabilidade, mesmo se em moldes ainda minimalistas.

    Neste momento, conseguimos ter, em média, a produção de três ou quatro conteúdos diários, entre notícias, artigos e entrevistas, além da criação do P1 PODCAST, um projecto que se encontra em forte consolidação,e que veio substituir um projecto algo falhado que foi o P1 TV,embora com a produção de um documentário.

    Com mais apoios, por certo garantiremos sim uma maior produtividade, com a mesma ou ainda maior qualidade e assertividade. E sem esquecer também um dos nossos maiores desafios: a luta a favor de uma maior transparência da Administração Pública, de que o FUNDO JURÍDICO, que tem sustentado os encargos dos processos em Tribunal Administrativo, constitui a nossa principal arma.

    Lembremo-nos que no contexto da imprensa mainstream, a generalidade das empresas de comunicação social apresentam, por regra, prejuízos (e muito elevados), com passivos aflitivos. O PÁGINA UM poderia optar por uma estratégia de endividamento para poder investir mais, mas consideramos que temos ainda uma margem de crescimento, através do aumento dos donativos, por via da qualidade do nosso trabalho, necessitando também de chegar a cada vez mais pessoas.

    Dados financeitos mais relevantes constantes do relatório da ERC sobre o Página Um, Lda., empresa gestora do PÁGINA UM.

    O PÁGINA UM quer mesmo provar que a sustentabilidade de um órgão de comunicação social está enraizada sobretudo na qualidade jornalística, e que esta é valorizada pelos leitores.

    Obrigado a todos os que contribuíram até agora. Esperemos que os resultados que temos mostrado (e agora também financeiros) contribuam para que tenham a convicção que os apoios foram por nós bem aplicados. Para aqueles que ainda não contribuíram, esperemos que tenham essa oportunidade. Como tem sido o nosso lema, a independência do jornalismo depende dos leitores.

    Pode ler AQUI o relatório da ERC com os dados financeiros relevantes do PÁGINA UM, Lda.

    Pedro Almeida Vieira

    Director do PÁGINA UM e gerente do PÁGINA UM, Lda.


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  • Se não fosse a TAP, a dona Maria teria uma parede caiada

    Se não fosse a TAP, a dona Maria teria uma parede caiada


    O meu camarada Luís Gomes não ficou contente com a resposta ao artigo sobre a TAP, e resolveu voltar à carga. Desta vez, esgotados os argumentos sobre o debate inicial (privatizar ou não, era essa a discussão), resolveu alargar o espectro da conversa para as ideologias políticas pincelado com alguma filosofia da evolução dos povos. Pelo meio, ainda me brindou com os meus sonhos de poder que, até aqui, eu próprio desconhecia.

    Não sei se o Luís aprecia futebol, e se estava lá no dia em que Carlos Queiróz substituiu o Paulo Torres e deixou a ala direita para o Paneira fazer miséria, naquela noite gloriosa dos 6-3. Um erro do qual Queiróz nunca recuperou, diga-se.

    green tennis balls on tennis court

    Ora, o meu companheiro de jornal fez algo parecido. Deixou o flanco aberto que agora, com a educação possível, tratarei de usar e abusar.

    O Luís desiste de falar na TAP ao fim de um parágrafo sem responder às questões básicas da contenda. Importações e exportações. Empregos. Fornecedores nacionais. Rotas com a diáspora que ninguém quer. Era nesta piscina que devíamos nadar, e o Luís, como qualquer bom amante dos mercados, explicar-nos-ia como é que a coisa se fazia com as Ryanairs que chantageiam por subsídios dos Governos europeus.

    Em vez disto, o Luís opta por encetar um papiro de discurso clássico “Paulo Portas do tempo das feiras”. O título é auto-explicativo, mas eu dou uma achega. Quando Paulo Portas sonhava ser qualquer coisa mais do que o presidente de um partido de betos anafados (julgo que “anafado” ainda se pode dizer sem ofender todEs), corria todas as feiras do país com um boné de pastor. Por lá, entre peixeiras e as sessões da Assembleia da República, gritava aos microfones que o dinheiro público mal gasto em sítio X seria magnificamente aplicado no sítio Y.

    Normalmente o sítio X era um elefante branco qualquer e Y, quase sempre, uma velhinha chamada D. Maria que precisava de ajuda para caiar umas paredes e substituir umas telhas para não dormir com pingos na testa.

    white, red, and green airliner

    Gosto muito da palavra “caiar”, desde que o meu bisavô, o primeiro empreendedor da família, fazia esse pó branco menos lucrativo do que o outro e alimentava a minha avó com as receitas da labuta. Eu não estava lá, mas contaram-me.

    O Luís ao sacar de um “clássico Portas” nos seus tempos da lavoura (que saudades desses concertos de pandeireta no Bolhão), cai obviamente na mesma esparrela. Depois de convencer meio-mundo que ele, o Portas mais fraquinho, gostava de contas certinhas, chegou ao Governo e foi o que se viu. Alô Tridente….estás à escuta? De repente, as donas Marias esvaneceram-se nas brumas das sardinhas bem fresquinhas, e o Paulo, o amigo Paulo, desatou a comprar submarinos e a tirar fotocópias em barda.

    O X do Luís é a TAP e o Y as empresas e os empresários onde ele, como se compreende, está incluído. Portanto, estamos aqui numa embirração que nos leva a concluir que, sem a TAP, o Luís poderia ter mais alguns benefícios fiscais. Compreendo, pois, que esteja contra este aborrecimento de se tentar salvar uma das companhias que mais cria riqueza em Portugal. Mas isto ainda piora, Luís. Mesmo que a TAP não existisse e usássemos todos a Carris para chegar a Madrid ou a Transtejo para Boston, mesmo assim o dinheiro não iria para aliviar a tua carga fiscal e de restantes amigos do Lions Club.

    Com elevado grau de certeza, o dinheiro iria para a banca, para mais umas Tecnoformas, uma ou outra PPP, vários secretários de Estado, algumas adjudicações a empresas de amigos numa autarquia qualquer perto de Gaia, em palcos papais… enfim, em tudo e um par de botas. Mas não chegaria ao alívio fiscal. Nem às creches ou ao aumento do salário mínimo. Muito menos ao SNS. 

    close-up photo of assorted coins

    Portanto, Luís, seria gasto na mesma, perdido nas teias de interesse e de corrupção sem que o país beneficiasse com isso. Ora, por muito que isso custe a engolir, pelo menos com a TAP está a ser gasto em algo que serve o país e que traz riqueza. Espero que por esta altura do nosso debate – pelo menos esta parte – esteja apreendida.

    Há ainda a insistência na casca de banana do financiamento público ao longo dos anos. O Luís não se cansa de ser Queiroz, e obriga-me assim a novo cruzamento do Paneira para o Isaías.

    A União Europeia proibia a ajuda às companhias de bandeira. Ponto final. As excepções foram todas aprovadas. A última delas, repito, depois de dois anos de paragem, por causa da covid-19, e foi igual para todas: Lufthansa, SAS, Air France, British, ITA, e por aí fora.

    Todas com prejuízos, todas resgatadas, todas a voar hoje. Algumas low cost foram no vento dos mercados; as companhias de bandeira não. Espero que também não seja preciso explicar porquê. Uma coisa é serviço público, outra é vender bilhetes para andar no carrossel da feira da Cruz de Pau. Ao fim de 15 dias a feira vai para outra paróquia; já o serviço público fica enquanto… existir público. O primeiro é irrelevante; o segundo é essencial.

    gray and white airplane on flight near clear blue sky

    Isaías faz o segundo; agora de perna esquerda perante um Lemajic desprotegido 

    Este pedaço de prosa do Luís deixou-me a pensar:

    Em relação à ‘superioridade moral’ que exibe, em particular o “argumento de paga quem usa é o típico de quem defende uma sociedade não solidária”, ajuda-me a compreender o seu fascínio pela eugenista Suécia. Trata-se de um país protestante, cultura que deu origem a todas as ideologias totalitárias, como o socialismo, o comunismo, o fascismo e o nazismo. Julgo que o Tiago se encontra entre as duas primeiras.

    Agradeço, desde já, a oportunidade de ficar fora do restrito clube das suásticas: é gente com talento para a decoração de corpos na perspectiva do utilizador, e até com jeito para línguas, já que escrevem sempre em alemão, mas de facto não são bem a minha praia.

    Já o socialismo e o comunismo deixam-me algo na expectativa, porque dependem do interlocutor e das respectivas confusões. Pelo que vou lendo nas palavras do Luís, parece-me que ele será um dos que juram a pés juntos que Portugal vive num regime socialista e que Putin, esse comunista marafado, segue os ensinamentos de Lenine. De modo que fica sempre difícil meter pensamentos numa gaveta e catalogá-los.

    Mas posso tentar. Aquilo que eu defendo é relativamente simples de compreender, julgo eu. Acredito num modelo de sociedade em que todos têm o básico indispensável para uma vida com dignidade. Básico significa comida, um tecto e educação. Defendo que os impostos, progressivos, devem ser aplicados a favor dos contribuintes, começando na satisfação das necessidades básicas descritas anteriormente. Defendo Educação (verdadeiramente) universal como pilar da Economia e um sistema social que protege os mais carenciados, seja por doença ou por circunstâncias da vida que os levam a perder o rendimento vindo do trabalho.

    Estando isto garantido pelo erário público, sou aberto a discutir as prioridades seguintes. O nome da ideologia para isto deixo ao critério do Luís. A Suécia, que não me fascina particularmente, conseguiu colocar muitas destas coisas em funcionamento, pouco depois de saírem da miséria e de deixarem de comer batatas de manhã à noite. Não deve ser rocket science.

    Aquilo que eu não defendo, certamente, é aquela que me parece ser a ideologia do meu companheiro economista: uma espécie de selva do salve-se quem puder. Um mundo regulado por mercados que, acrescente-se, neste século parecem não conseguir acertar o passo. Um mundo onde nos cobram menos impostos e cada um cuida de si. Uma sociedade onde a perda do emprego representa o fim da vida. O liberalismo desenfreado como aquele que se pratica nos Estados Unidos, onde dezenas dormem nas mesmas ruas onde os executivos fazem o jogging matinal. Também vi, ninguém me contou. Tal como os fornos de cal do meu bisavô.

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    Já que o Luís parece não ser fã dos liberais portugueses, e em cada linha que escreve transpira individualismo, arrisco que será esta a sua ideologia. Deixem-me ganhar dinheiro em paz que pagarei as minhas próprias idas ao hospital (da CUF). Os outros que se orientem. Criem unicórnios. Todos.

    A referência a ditaduras, como exemplos onde o bem comum se sobrepôs ao indivíduo, é um pau de dois bicos. Percebo que vem em todos os crachás dos liberais essa conversa da liberdade individual, mas, neste caso, é facílimo encontrar exemplos de sociedades pensadas para um todo onde a força individual está presente.

    Os nórdicos funcionam assim. São ensinados a pensar como um colectivo onde cada um é parte integrante. Isto significa que ninguém fica para trás, mas nem por isso se deixa de premiar o mérito e esforço individual. É ver quantas pequenas empresas são criadas, os impostos que são pagos, o peso do sector público (30% dos empregos) e a quantidade de multinacionais que este país deu ao Mundo. E tudo partindo de uma base colectiva.

    O mundo, ao contrário do que o Luís parece acreditar, não se divide no individualismo ou ditaduras fascistas. Há muito campo para explorar pelo meio.

    cars parked in front of building during daytime

    Quando o Luís me apelida de indivíduo dominante e árbitro de um bem maior com aspirações de poder, fico de facto baralhado. A nossa agradável discussão começou com o meu companheiro a juntar-se ao coro dos que arrasam a TAP, pedindo o seu encerramento e condenando à miséria uns milhares de trabalhadores. Já para não falar nas perdas para o próprio país.

    Eu só defendi exactamente o contrário. Ou seja, a manutenção dos empregos e do serviço ao país. Visto daqui, o árbitro que pretende dominar e alterar vidas alheias, não pareço ser eu. Estou certo que ainda chegaremos aos judeus escravizados por Cleópatra e ao momento em que o camarada Moisés abriu o Mar Vermelho (ou foi só no filme?), para justificar a entrega da TAP ao grupo da Iberia.    

    Agrada-me ainda assim, em toda esta conversa, perceber que o Luís conseguiu pedir a venda da TAP e a substituição dos seus serviços pelo misterioso “mercado”, com o mesmo número de argumentos que o Ventura usou para defender o padre amigo. Bola, como diria o poeta da Reboleira.

    O resto, fica para um jantar… Pago pelo meu amigo empreendedor.

     

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Democracia à francesa

    Democracia à francesa


    Sou um grande fã da forma como os franceses aplicam a democracia. Se lhes mexem nos direitos, vão para a rua partir tudo. Podem não ser grande coisa quando se metem em guerras para estragar o que é dos outros mas, nas ruas de Paris, ninguém parte material como eles.

    Se me perguntarem, acho que estão a prestar um favor à sociedade e, de certa forma, a dar uma lição de cidadania. Depois de Sarkozy ter passado a idade da reforma de 60 para 62, o bom do Emanuel quer repetir a graça até aos 64.

    Um sindicalista de origem portuguesa, radicado em terras de França, como a nossa Linda de Suza, dizia aos microfones da RTP que a lei que o governo francês tentava aprovar era um roubo declarado à classe trabalhadora. Segundo ele, bastaria aumentar os impostos em 1% às 60 maiores fortunas francesas para cobrir o rombo no fundo de pensões.

    people protesting

    Não tenho dados para confirmar a conta, mas não é muito difícil de acreditar, uma vez que o princípio é quase sempre o mesmo. Trabalhadores de base, como nós, têm que trabalhar cada vez mais anos para garantir reformas não particularmente altas.

    Trabalhadores de elite, por exemplo como Manuel Pinho, podem passar décadas a receber uns milhares livres de impostos, vindos de uma offshore qualquer e, quando chegam à idade da reforma, têm um valor acumulado de tal ordem que ninguém lhes diz até que idade precisam de trabalhar.

    Para os restantes, não funciona bem assim. Somos esmagados com cada vez mais impostos ou, como se diz por aqui na Suécia, “ninguém enriquece a trabalhar”. Depois de uma vida a cumprir um contrato social de descontos, esperando que no fim da caminhada nos seja devolvida uma percentagem do salário em forma de pensão, as regras são alteradas. O tempo de trabalho aumenta porque, é esta a justificação recorrente, a população está a envelhecer.

    Pergunto: a culpa disso é de quem trabalha? Os jovens que não conseguem sair de casa dos pais por causa dos salários miseráveis, são culpados de não terem mais umas centenas de euros para pagarem uma creche?

    a man holds his head while sitting on a sofa

    Bem sei que é nas ruas de Paris que o fogo arde agora mas, quando aqui há uns anos a função pública viu a idade da reforma passar para os 67 anos, o argumento foi exactamente o mesmo. Reparem, eu não digo que não seja factual. Percebo a matemática da coisa.

    Mas, se em vez de andarem sempre a aumentar os anos de trabalho para resolver o problema do excesso de velhos, começassem antes a apostar em políticas de incentivo à natalidade, não seria mais eficaz?

    A conversa liberal neste tema irrita-me profundamente, com o estafado argumento do mérito para não se ir buscar mais impostos aos milionários. Há sempre um esperto que aparece com aquela conversa que ninguém sabe se existiu entre o Otelo e o Olof Palme, a propósito de acabar com os ricos versus acabar com os pobres.

    Nada me move contra um milionário mas não entendo a vergonha ou a defesa da carga fiscal ao mesmo. Qual é o problema de taxar mais as grandes fortunas? Por acaso algum milionário criou fortuna sem o trabalho dos outros? Qual é o problema de devolver uma parte em obrigações sociais?

    a close up of a typewriter with a tax heaven sign on it

    Quem defende que não se toque nas grandes fortunas são aqueles que, por norma, andam lá perto e beneficiam com os esquemas. São os mesmos que defendem paraísos fiscais, gestão privada com investimento público ou aquela frase que me leva às lágrimas: “empresas é que criam riqueza e postos de trabalho”.

    Ao fim de 22 anos de trabalho, nunca vi um prédio vazio a criar seja o que for. É isso uma empresa. Um prédio vazio. Já quando o enchem de pessoas, de facto, aquilo começa a criar qualquer coisa.

    Toda a lógica deste sistema de elites é perfeitamente absurda e altamente penalizadora para a esmagadora maioria da população. Senão, vejamos. 

    Os trabalhadores são afogados em impostos e obrigados a pagar os excessos das elites. Seja na forma de resgate à banca, depois destes jogarem no casino com os depósitos, seja, por exemplo, nos lucros da Amazon, depois dos governos nos obrigarem a estar dois anos em casa e a encomendar vidas online. 

    people working on building during daytime

    O mesmo sistema que permite isto, compete entre si, de país para país, para que as empresas paguem os mínimos impostos possíveis (Irlanda e Holanda na Europa, por exemplo, onde estão as empresas do PSI20).

    Há sempre uma forma de aumentar os lucros através de engenharias fiscais, passando por paraísos totalmente legais que, no fim, vão aumentar os dividendos de donos e accionistas. Lá está, pessoas que criam fortunas com base em especulação e trabalho de terceiros.

    No meio disto tudo, temos a maioria silenciosa a trabalhar para garantir os lucros e a receber uma ínfima parte do que gera. Ainda levam com as culpas de terem poucos filhos e contribuírem para o envelhecimento da população.

    Para a dor ser ainda maior, temos que ouvir alguns idiotas úteis a defenderem, em horário nobre, que empresas servem para dar lucro e como tal, há que não atrapalhar a vida dos ricos.

    person standing near the stairs

    Parece não haver grande consciência sobre a enorme distância social entre um trabalhador de base e um CEO, um accionista (daqueles com fatias que se vejam) ou um dono de uma empresa.

    Lembro-me sempre de uma empresa pequena com a qual lidei, ali da região de Setúbal, com apenas 80 funcionários onde os trabalhadores da linha de montagem (a maioria) recebia pouco mais do que o salário mínimo (menos de 500 euros na altura) e o CEO cerca de 10 vezes mais. Isto numa micro-escala. Nas multinacionais detidas por milionários esta diferença é quase incalculável.

    Qual é o problema de puxar esta minoria, com lucros absolutamente pornográficos criados nos braços dos outros, para a realidade do quotidiano e taxar, de forma mais justa, as grandes fortunas? Fogem para paraísos fiscais? Por que permitem os governos, sequer, a existência de paraísos fiscais?  

    group of person on stairs

    Não se trata de ideologia mas sim de pura justiça social na distribuição da riqueza acumulada. Ela não caiu do céu e muito menos foi obra de um indivíduo. Que tabu é este e que medo têm os governantes desta minoria que controla a riqueza do planeta?

    É mais fácil meter polícias pobres, cuja idade de reforma também aumentará, a bater em trabalhadores que lutam pelos seus direitos do que ir atrás de quem acumula o capital?

    Não perceberá a polícia de choque, nas ruas de Paris, que está no lado errado da barricada?

    E já agora, percebemos nós, portugueses calmos e passivos (a não ser que o golo tenha sido em fora-de-jogo), que os franceses estão a fazer o que toda e qualquer população devia fazer de cada vez que nos chamam para pagar os dislates das elites?

    Nós somos a maioria. Deveríamos ser nós a ditar as regras.

     

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Salvar o coiro do almirante Gouveia e Melo: eis a nova atribuição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social… e vale tudo!

    Salvar o coiro do almirante Gouveia e Melo: eis a nova atribuição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social… e vale tudo!


    Sem necessidade de qualquer alteração legislativa por iniciativa da Assembleia da República ou do Governo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tem agora uma nova atribuição: salvar o coiro do (vice-)almirante Gouveia e Melo, antigo coordenador da task force da vacinação contra a covid alcandorado “herói nacional”, actual Chefe do Estado-Maior da Armada e putativo candidato a Presidente da República.

    Todas as outras atribuições legais da ERC – entre as quais a de assegurar o livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa; a de zelar pela independência das entidades que prosseguem actividades de comunicação social perante os poderes político e económico; e a de garantir a efectiva expressão e o confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial de cada órgão de comunicação social – ficam secundarizadas perante esta nova atribuição quando se “belisca” o senhor almirante.

    Sede da ERC

    Ou então talvez esteja a ser injusto. Na verdade, se calhar, a ERC só serve para fazer fretes e atacar o jornalismo independente.

    Enfim, certo é que a ERC foi extraordinariamente diligente em “despachar” uma deliberação – a segunda – contra o PÁGINA UM por mor de investigações jornalísticas na área da Saúde. No primeiro caso, como se sabe, abordou a investigação em redor da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que foi “censurada”, apesar de se ter revelado que tudo o que escrevemos era factual e verdadeiro, tanto assim que o presidente desta associação foi multado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde e “enxotado” pelo Infarmed como consultor.

    E agora temos o caso Gouveia e Melo – onde a ERC quis meter o bedelho –, que no início de 2021 andou com o ex-bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a mercadejar vacinas covid-19, para serem administradas em médicos do sector privado (que não estavam em contacto com doentes) a troco de cerca de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, de sorte a se ultrapassar a norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) que estabelecia as prioridades de vacinação. Gouveia e Melo não tinha, como líder da task force, competências para autorizar excepções à norma nem negociar coisa nenhuma. Curiosamente, também aqui, a ERC crítica o rigor do PÁGINA UM enquanto decorrem diligências da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Esta pressa da ERC em julgar o trabalho do PÁGINA UM pareceria amor se fosse para dizer bem… Como é para dizer mal…

    Já agora, sobre o caso da vacinação dos médicos não-prioritarios, e para compor o ramalhete, o pagamento ao Hospital das Forças Armadas veio da conta conjunta de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins (actual presidente do Conselho de Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte) e Eurico Castro Alves (actual presidente da secção do Norte da Ordem dos Médicos), que eram os gestores ad hoc (em nome individual) do fundo Todos por Quem Cuida, cujas verbas totais (cerca de 1,4 milhões de euros) vieram quase na sua totalidade das farmacêuticas.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS

    Porém, em vez de a factura do Hospital das Forças Armadas ter sido passado em nome da campanha Todos por Quem Cuida, acabou por ser emitida em nome da Ordem dos Médicos – ou seja, uma factura falsa, porque não houve fluxo financeiro entre a Ordem dos Médicos e o Hospital das Forças Armadas. Depois, ainda tivemos quatro farmacêuticas a receber facturas, também falsas, para justificar donativos nunca efectivamente recebidos pela Ordem dos Médicos – e, já agora, sem declaração no Portal da Transparência do Infarmed – de quatro farmacêuticas (Ipsen Portugal, Bial, Laboratório Atral e Gilead, onde então trabalhava Ana Paula Martins). Também mais uma vez não houve fluxo financeiro associado – das farmacêuticas para a Ordem dos Médicos –, pelo que existem aqui mais quatro facturas falsas.

    Na verdade, os únicos fluxos financeiros que existiram foram entre as farmacêuticas e a conta da campanha Todos por Quem Cuida (gerida a título pessoal por Guimarães, Martins e Alves) e depois entre a conta da campanha Todos por Quem Cuida e o Hospital das Forças Armadas. Em suma, onde houve fluxos financeiros não houve facturas; onde houve facturas não houve fluxos financeiros que as justificassem.

    Mas, perante tudo isto – e ademais, profusamente documentado e explicado no artigo de investigação jornalística do PÁGINA UM, e após o acesso aos documentos ter sido possível somente depois de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, que faz a ERC com uma queixa de um “anónimo de rabo de fora”?

    Ana Paula Martins e Miguel Guimarães, ex-bastonários das Ordens dos Farmacêuticos e dos Médicos, geriram, em parceria com o actual presidente da secção do Norte da Ordem dos Médicos, um fundo de 1,4 milhões de euros, quase todo proveniente de farmacêuticas, com diversas ilegalidades e promiscuidades à mistura.

    Trata a ERC de abrir um processo que questiona o rigor informativo do PÁGINA UM (sem explicitar em concreto onde existiam as falhas) e acelera uma “deliberação” em tempo recorde (há processos que demoram no regulador mais de dois anos; este, contra o PÁGINA UM, demorou pouco mais de um mês).

    O almirante agradece. O ex-bastonário, idem. E as farmacêuticas, idem. E todos os outros envolvidos numa gigantesca falcatrua com 1,4 milhões de euros travestida de acções de beneficiência, idem.

    E não esqueçamos também que a ERC perdeu em primeira instância uma intimação do Tribunal Administrativo de Lisboa interposta pelo PÁGINA UM sobre transparência dos media. E não esqueçamos que a ERC está a adiar desde já há quase um ano uma solicitação do PÁGINA UM sobre estranhos contratos comerciais entre grupos de media e diversas empresas e entidades públicas. E que a ERC andou a ameaçar o PÁGINA UM quase de actos de vandalismo, até que pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos a acalmasse e fizesse cumprir os normativos legais…

    Mas passemos à frente os oito pontos da deliberação em causa em defesa de Gouveia e Melo (e contra o PÁGINA UM) – que ocupam as duas últimas páginas das 20 que foram paridas e divulgadas no seu site, sem sequer terem sido enviadas previamente ao PÁGINA UM nem ter sido concedida qualquer audiência prévia de interessados (isso é só para a “imprensa amiga”).

    Segunda página da Norma 002/2021, de 31 de Janeiro de 2021, onde se definem os grupos prioritários. Documentos confirmam que Gouveia e Melo desrespeitou a norma e negociou a vacinação de médicos não-prioritários, que só deveriam ser vacinados na Fase 2 e 3 em função das comorbilidades e idade.

    E analisemos sim alguns aspectos  da deliberação, para saber, enfim, do rigor de análise dos membros do Conselho Regulador da ERC – e também do seu departamento de análise de media liderado por Tânia de Morais Soares, até porque foram feita profusas considerações sobre aspectos operacionais e contabilísticos em redor do tema abordado pelo PÁGINA UM.

    E nem precisam de ser todos; basta alguns para não se ser demasiado exaustivos.

    Peguemos então num aspecto essencial: a ERC tem a lata de omitir na sua deliberação – e em particular quando genérica e hipocritamente elogia o jornalismo de investigação – que o trabalho do PÁGINA UM decorreu num cenário de obscurantismo.

    Os documentos a que o PÁGINA UM teve acesso vieram apenas após uma sentença em Tribunal Administrativo contra a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos, uma vez que o bastonário da Ordem dos Médicos recusou até cumprir dois pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    A ERC, na sua deliberação, farta-se de fazer referências àquilo que era do “conhecimento público” – e aquilo que a investigação do PÁGINA UM revelou vai muito além do conhecimento público. Que os médicos em causa foram vacinados, era do conhecimento público, e aí não havia novidade. Mas não era sobre isso que versava o trabalho de investigação do PÁGINA UM. A ERC confundiu, e quer confundir-nos, que conhecimento público – e suposta transparência – não significa que um acto seja legal. Se eu anunciar aos sete ventos que vou “fugir ao fisco”, esta minha postura de transparência, do conhecimento público, não altera a ilegalidade do meu acto se alguém o investigar.

    Em suma, uma coisa é saber-se que houve médicos vacinados por influência da Ordem dos Médicos; outra bem diferente é questionar a legalidade do processo. Infelizmente, durante a pandemia fecharam-se os olhos a muitos atropelos legais e éticos sob a justificação que era para o “nosso bem”.

    Na procura de encontrar supostas falhas de rigor, a ERC chega mesmo a acusar o PÁGINA UM de omitir partes da “história”, que na verdade, estão escaparrapachadas no artigo, incluindo referências, com ligação, para notícias da época dos factos.

    Na sua fúria persecutória, a ERC até chega a acusar o PÁGINA UM de omitir uma entrevista do bastonário da Ordem ao Diário de Notícias que garantiria a lisura do processo. E até cita, extensamente, essa entrevista de Miguel Guimarães ao Diário de Notícias: “O último momento que considera marcante destes seis anos tem a ver com o facto de ter sido a Ordem a assumir o processo de vacinação de todos os médicos que não estavam integrados no SNS, porque os do serviço público foram os primeiros a serem vacinados, eram profissionais de risco, mas “os outros estavam a ser esquecidos e a Ordem fez uma coisa que vai ficar para a história: planeou e organizou o processo de vacinação a nível nacional de todos os médicos que estavam a ficar para trás. Obviamente, que tudo foi autorizado pela Task Force, liderada pelo vice-almirante Gouveia e Melo, que nos deu vacinas, que nos ajudou a criar quatro centros de vacinação, três em unidades militares e um no hospital do Algarve, para vacinarmos sete mil médicos no país. Foi um processo em que tínhamos também todos os holofotes virados para nós, mas que correu bem e nos trouxe grande satisfação“.

    ERC acusa o PÁGINA UM de omitir informação de conhecimento público, citando longamente uma entrevista de Miguel Guimarães ao Diário de Notícias que… foi publicada um mês e meio depois do artigo do PÁGINA UM.

    Aliás, esta é a mais patética e asquerosa lavagem de imagem – patrocinada pela ERC – que se pode conceber, por uma simples razão: o artigo do PÁGINA UM que denuncia a ilegalidade dos procedimentos foi publicado em 15 de Dezembro de 2022, enquanto a entrevista de Miguel Guimarães foi concedida ao Diário de Notícias em 30 de Janeiro de 2023. Na verdade, estas afirmações até justificam uma parte das denúncias do PÁGINA UM: o líder da task force “autorizou” quando não tinha competências para tal, e se “autorizou” foi porque ultrapassou o que estava na norma da DGS.

    Mas gargalhemos: então não é que a notícia do PÁGINA UM omitiu, segundo a ERC, uma entrevista de Miguel Guimarães que apenas viria a ser dada um mês e meio depois? Lamentável, não é? Que falta de rigor! Inadmissível! O PÁGINA UM vai pedir uma bola de cristal à ERC para evitar mais omissões deste quilate.

    Mas vamos ser claros.

    O caso denunciado pelo PÁGINA UM baseia-se em factos e documentos: houve pessoas vacinadas por indicação da Ordem dos Médicos, em conluio com Gouveia e Melo, que não constavam na lista de prioridades no contexto da norma da DGS em vigor. A norma não foi mudada; foi sim combinado por duas pessoas (Miguel Guimarães e Gouveia e Melo), a troco de dinheiro para o Hospital das Forças Armadas, um desvio de vacinas (então destinadas a grupos de risco, sobretudo idosos) para um grupo específico de pessoas escolhidas não em função da sua actividade profissional (em contacto com doentes) mas sim por estarem inscritas numa associação profissional (Ordem dos Médicos). Miguel Guimarães e o então vice-almirante Gouveia e Melo não cumpriram a norma da DGS – basta saber ler para confirmar isso –, e sabiam disso.

    Se eles achavam errada a norma deveriam influenciar a sua alteração pela DGS ou pelo Governo. E não mancomunarem-se, envolvendo pagamento de serviços ao Hospital das Forças Armadas. E note-se que Gouveia e Melo nunca deteve poderes legais para uma autorização daquela natureza – podia achar que tinha, mas não tinha por força do Despacho 11737/2020 de criação da task force –, pelo que extravasou as suas competências.

    Mais evidente não pode ser.

    Aliás, por 11 vezes – repita-se: 11 vezes – a ERC acusa, na sua deliberação, o PÁGINA UM de lançar “suspeições” sobre este expediente entre Miguel Guimarães e Gouveia e Melo!

    Quais suspeições?! São evidências, caramba: a norma era clara; não foi alterada por quem de direito (DGS); e houve uma combinação para excepções à margem da tutela da task force. Tudo está explicado, com documentos, com a ligação à norma da DGS em vigor e com a ligação ao Despacho 11737/2020 de criação da task force. E ainda dizem que são “suspeições”? Eu chamo-lhe factos e evidências.

    Mas a ERC ainda foi mais longe no labéu, e meteu-se a defender a operação contabilística dos procedimentos de vacinação entre os envolvidos, não percebendo – ou não querendo perceber – que em causa está a existência de quatro “entidades”: farmacêuticas (que concederam os donativos), os gestores da campanha Todos por Quem Cuida (que receberam os donativos e pagaram ao Hospital das Forças Armadas), o Hospital das Forças Armadas (que prestou um serviço) e a Ordem dos Médicos (que apenas coordenou a vacinação).

    Numa situação normal (e legal), tudo seria simples, com dois fluxos financeiros e correspondentes documentos associados, com os seguintes passos: as farmacêuticas concediam o donativo aos gestores da campanha Todos por Quem Cuida (primeiro fluxo financeiro) contra entrega da correspondente emissão de factura (necessária para justificar a saída de dinheiro), e em consequência os gestores da campanha pagavam o serviço de vacinação ao Hospital das Forças Armadas (segundo fluxo financeiro) contra entrega de factura de prestação de serviços.

    Factura para pagamento da vacinação de médicos não-prioritários. Apesar do pagamento ter sido feito por uma compra titulada por três pessoas, a factura foi emitida para a Ordem dos Médicos, que por sua vez emitiu quatro facturas falsas para justificar donativos que, na verdade, nunca recebeu.

    Certinho e limpinho, certo?

    Mas o que é que aconteceu?

    Mantiveram-se os dois fluxos financeiros e dois documentos que os justificaram, mas não de forma correcta, por não coincidirem entre entidades.

    Na verdade, aquilo que se fez foi o seguinte:

    1. As farmacêuticas deram um donativo aos gestores da campanha Todos por Quem Cuida – que, aliás, a título individual se furtaram a pagar imposto de selo de 10% para os donativos superiores a 500 euros (e a campanha recebeu 1,4 milhões de euros), não havendo também registo no Portal da Transparência do Infarmed, portanto, só aqui são duas ilegalidades –, mas sem emissão de qualquer factura, pelo que não foi por aqui, como devia ser, que as farmacêuticas justificaram a saída de dinheiro.
    2. A campanha Todos por Quem Cuida pagou a vacinação dos médicos não-prioritários ao Hospital das Forças Armadas (não sendo este pagamento do conhecimento público antes da notícia do PÁGINA UM), mas este fluxo financeiro não teve a correspondente emissão de factura em nome dos gestores da dita campanha.
    3. Em alternativa à legalidade, o Hospital das Forças Armadas teve sim indicações para emitir a factura em nome de uma entidade que, efectivamente, não lhe tinha pagado nada: a Ordem dos Médicos.
    4. Por fim, a Ordem dos Médicos passou (largos meses depois) quatro facturas a quatro farmacêuticas, como se estas tivessem transferido para si alguma verba. Falso, porque os donativos tinham sido enviados para a conta bancária que tinha Miguel Guimarães como principal titular (e que não entrava na contabilidade da Ordem dos Médicos).
    man holding box

    No meio disto, a ERC põe-se a especular sobre possíveis causas ou hipotéticos documentos perdidos ou serviços distintos – enfim, uma embrulhada –, esquecendo vários detalhes fundamentais. Primeiro, o PÁGINA UM, para a preparação deste artigo, baseou-se em TODA a documentação operacional e contabilística que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos foram obrigadas a disponibilizar pelo Tribunal Administrativo de Lisboa. Assume-se assim que não existem documentos perdidos, até porque nos três dias de análise, e posteriormente, se pediram todos os esclarecimentos (e muitos foram transmitidos pelos técnicos que acompanharam atentamente todas as horas de consulta). Segundo, a análise contabilística foi feita por um jornalista com licenciaturas em Economia e Gestão, e que, em duas das visitas à Ordem dos Médicos, foi ainda coadjuvado por uma outra pessoa com formação académica e elevados conhecimentos de Gestão e de Contabilidade.

    Sejamos claros: do ponto de vista contabilístico, há cinco facturas falsas. Cinco! Há a factura emitida pelo Hospital das Forças Armadas à Ordem dos Médicos, porque não foi esta entidade que lhe pagou nem existe referência de que houvera um terceiro a proceder ao pagamento (alternative payer). E há quatro facturas emitidas pela Ordem dos Médicos a quatro farmacêuticas, com datas “fictícias” (algumas sem correspondência com os fluxos de caixa do período), para justificar donativos que, na verdade, nunca entraram nos cofres da Ordem dos Médicos, uma vez que as saídas de dinheiro (donativos) dessas farmacêuticas se destinaram à conta de Miguel Guimarães (e companhia), integrando indiscriminadamente o “bolo” de cerca de 1,4 milhões de euros da campanha Todos por Quem Cuida. A Ordem dos Médicos emitiu assim quatro facturas falsas para aquelas farmacêuticas como podia ter passado a outras quaisquer.

    Portanto, temos cinco facturas falsas, e a ERC ainda acha que está tudo bem, e o trabalho de PÁGINA UM todo mau?

    O pagamento ao Hospital das Forças Armadas foi feito por uma conta que geria a campanha, mas que não pertencia nem à Ordem dos Médicos nem à Ordem dos Farmacêuticos, e portanto sob contabilidade paralela e ilegal. Os titulares das contas (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves) nunca cumpriram as exigências fiscais nem de transparência, e nunca emitiram qualquer factura de recepção dos donativos, promovendo uma “corrente de facturas falsas”.

    Há dinheiros a circular entre farmacêuticas e médicos sem sequer serem registados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, e a ERC acha tudo bem, e o trabalho do PÁGINA UM todo mau?

    Há fuga aos impostos cometidos pelos gestores da campanha Todos por Quem Cuida, e a ERC acha tudo bem, e o trabalho do PÁGINA UM todo mau?

    Há normas não cumpridas e acordos ad hoc para contornar prioridades na vacinação (com desvio de vacinas destinadas a grupos mais vulneráveis), por actos de Gouveia e Melo, e a ERC acha tudo bem, e o trabalho do PÁGINA UM todo mau?

    Enfim, toda a análise feita pela ERC – numa tentativa de denegrir o trabalho do PÁGINA UM e salvar a face das duas Ordens, dos gestores da campanha Tudo por Quem Cuida e de Gouveia e Melo – é ridícula e absurda. Mas muito, muito grave.

    E a argumentação técnica chega a ser risível. Atente-se, por exemplo, ao ponto 78 da deliberação da ERC: “Por outro lado, todas as faturas em questão se encontram descritas como ‘donativo sem contrapartida’, o que é inconsistente com o argumento do Página Um de se tratar de despesas para efeito fiscal.”

    Sonora gargalhada! Ó senhores da ERC: qualquer factura, incluindo as de donativos, tem sempre um efeito fiscal associado, no pressuposto que justificam gastos e/ou servem para se assumirem despesas, sem as quais estaremos, em última análise, perante saídas de dinheiro indocumentadas, que se assim for também terão consequências fiscais. E isto independentemente de existirem benefícios fiscais em donativos a determinadas entidades – que, aliás, também se verificou na gestão da campanha Todos por Quem Cuida, através da emissão de largas centenas de outras facturas falsas, como o PÁGINA UM denunciou num outro artigo.

    Os pontos seguintes da deliberação da ERC, abordando outras questões contabilísticas e fiscais, para acusarem o PÁGINA UM de “especulações abusivas, sem a devida e necessária sustentação factual nos documentos apresentados”, deveriam merecer, como reacção da minha parte, chamar azémolas a esta gente.

    Mas como no ano passado eu já acusara os membros do Conselho Regulador da ERC de analisarem processos “por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos” – e levei um processo-crime por isso, entretanto abandonado, não sei ainda se por terem acabado por concordar comigo – não me apetece ser repetitivo. Ou redundante.


    Nota final: Não é função de um jornal fazer denúncias directas para o Ministério Público investigar eventuais crimes em redor das suas notícias, embora em muitos casos se espere que haja iniciativa própria da Justiça quando tal se justifica. Mas, neste caso em concreto – e face a esta vergonhosa deliberação da ERC –, o PÁGINA UM, em prol da defesa do rigor do seu trabalho, vai comunicar ao Ministério Público as notícias que produziu em Dezembro passado sobre estas matérias, e manifestar a disponibilizade para facultar cópia de diversos documentos operacionais e contabilísticos extraídos da consulta aos dossiers da campanha Todos por Quem Cuida. Em todo o caso, os originais estarão na Ordem dos Médicos, para consulta ou buscas da PJ. E às tantas estará lá também uma auditoria que, durante o processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, as duas Ordens juravam estar em conclusão…

  • Ao semear nuvens, a terra girou ao contrário

    Ao semear nuvens, a terra girou ao contrário


    Numa era em que tudo surge ampliado, em que cada laracha no balcão do café (cimbalino, se faz favor!) ganha ecos de trinado de cabra, cada sugestão de debate é um buraco, uma toca para onde foge um coelho apressado e ninguém estranha que ele esteja impecavelmente vestido.

    Ora são padres de amígdala tolhida, por condicionamento de desenvolvimento sexual, ora é a pedofilia não ser exclusiva da Igreja (a pedofilia é crime porque tem uma vítima, espero que quem divague sobre os contornos patológicos da psique do criminoso não se esqueça disso).

    people sitting on church pew inside church

    Ora são buracos em empresas públicas (e como tapar um buraco sem abrir outro ou deitar entulho lá para dentro e cobrir com florzinhas), ora a TAP não é o único problema, e mais a mais o Estado (essa entidade sobrenatural) não deve meter a unha em propriedade privada sem ver que vai nu e que tem as suas propriedades votadas a um abandono crónico, endémico, à vista de todos há décadas.

    Mergulhar em cada toca parece uma queda vertiginosa (e é), a maioria de nós segue o instinto comovente de escolher um lado e gritar uma opinião conforme tenha mais ou menos tempo para se entrincheirar em conversas de surdos, lendo as “gordas” (esta palavra foi proibida pelo index woke dos loucos anos vinte) e, se sofrerem da mesma maleita que eu, mal sejam apresentados números e gráficos a cabecita começa a entoar uma musiquinha para distrair (que isto de números é abstração das mentes superiores, e mais a mais está claro que eles têm vontade própria e vão enfiar-se em luras ainda mais escuras que não me parecem de todo apelativas em comparação com sentir raios de sol em brisa fria a aquecer-me as costas).

    Eu cá sei somar, subtrair, multiplicar e dividir. Quando a malta se põe a comparar números e a dizer coisas como “triénio” e “spread”, podem estar a falar de gestão danosa à portuguesa, crash financeiro internacional ou efeitos adversos de picas experimentais, que lá começam os Monty Python a cantarolar na minha cabeça, e já não sobra atenção para compilar dados.

    a large number of numbers are arranged in rows

    Isto é a honesta declaração de iliteracia da minha pessoa. A minha única premissa é que não sei. Há toda uma série de engrenagens (sejam as oleadas ou as gripadas) que vejo a movimentarem-se e saltam-me porcas e parafusos se tento meter a chave nelas.

    A mim não me toca (e eu não me toco, mas elas tocam-me a mim, invariavelmente), pois não tenho poder, não tenho costela “activista” e o meu único passatempo de garota é rir-me com as redundâncias, incongruências e artifícios políticos dos diferentes propagandistas (isto é, rir para não chorar).

    Leva-se uma vida inteira a compreender a sabedoria de Caeiro.

    Como a inteligência artificial é bom, e é o que está a dar (inteligência artificial é diferente de consciência artificial, tenham calma), e a propósito de tocas, perguntei ao ChatGPT o que era o “cloud seeding“. Até porque nesse dia olhei para o céu e lá vi rastos de caracóis em forma de nuvem (passou um avião, deu um pum e foi ao ar).

    a laptop computer sitting on top of a wooden table

    Foi no quintal de casa junto ao tanque de lavar roupa nos idos anos noventa (seriam os idos de Março?) que ouvi pela primeira vez um rabujar sobre “lá andam eles a dar cabo disto tudo, são eles que arranjam de mexer onde não devem” (quando é que clonaram a Dolly?). E foi a primeira vez que conheci outra entidade sobrenatural, normalmente plural, que se apresentava como um bando, uma praga de macacos voadores feitos engrenagens a girarem o planeta para onde alguém tinha decidido girar, e nós mareados cá em baixo, a sermos empurrados para onde nos levassem.

    O meu conhecimento não ia muito além das crónicas de encantar da Condessa de Ségur ou as tropelias de Os Cinco da Enid Blyton, mas imediatamente assumi, com instinto comovente, que “eles” eram por certo uma entidade vilânica, que deveria ser chamada à justiça, mas Deus dava nozes a quem não tinha dentes (e à medida que o Eça entrava na minha vida até percebi que com jeitinho “eles” não sabiam sequer o que eram).

    – Mas porque é que mais médicos não se insurgem contra o que se está a passar publicamente?

    – Eu quero trabalhar, minha querida!

    aerial photography of clouds

    Então, o ChatGPT munido do seu vasto conhecimento – pelo menos até há uns anos – e um acesso generalizado a fontes de conhecimento filtrado – o melhor possível segundo critérios de seus criadores –, explicou-me a tecnologia de cloud seeding, do enorme sucesso que a mesma tem garantido em criar pluviosidade em áreas conhecidas pela seca e seus benefícios em agricultura industrial e manipulação do clima.

    Fascinante… (os nossos amigos Emirados até têm um vídeo promocional sobre isso).

    De seguida perguntei se havia efeitos adversos desta tecnologia já medidos ou previstos e, de novo, esta novíssima entidade artificial explicou-me que sim, que havia ainda alguma polémica e vozes críticas, mas ainda nenhum consenso científico sobre se seria técnica nefasta ou não, pelo que certamente que, por agora, se podia empiricamente concluir que estava tudo bem. É só mais uma ferramenta (é um martelo, prega pregos, pregos pregam Pedro).

    O meu cérebro, analfabeto claro, fez logo uma ponte no penhasco (o atrevimento da garota) e perguntou ao robot o que eram então os chemtrails. E o robot rapidamente me apaziguou as ideias e respondeu que embora conseguisse ver o paralelo, a tecnologia de semear nuvens era uma técnica segura e legítima, enfim, uma ferramenta com vários fins para o bem-estar da Humanidade, enquanto a alegada tecnologia de chemtrails (nanopartículas e micropartículas que causam alterações climáticas e mais umas quantas coisas que um coelho me contou) era uma teoria de conspiração.

    white clouds and blue sky

    Até poderia ir à minha vida com esta resposta, até porque sempre desconfiei de coelhos impecavelmente vestidos. Mas que a história está manca está.

    De resto, se a terra girar ao contrário, de certeza que Oz nos informará sobre isso. Até lá, é comer até rebentar.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A Bancarroteira Nacional e o “bem comum”

    A Bancarroteira Nacional e o “bem comum”


    Em resposta ao meu artigo, o meu companheiro Tiago, aqui do PÁGINA UM, voltou à carga metendo a Bancarroteira Nacional, e desta vez, tal como Pedro Nuno Santos, com a estafada divisa: “a TAP é nossa”, mesmo daqueles que não a usam! Nunca dei por tal, sempre que viajei na TAP ou em outras companhias aéreas em que paguei o respectivo bilhete de avião.

    No referido artigo, para justificar o assalto do contribuinte português, o tal que aufere 971 Euros líquidos por mês e que paga uma fracção assinalável dos salários da Bancarroteira Nacional, o Tiago até recorreu a contradições insanáveis.

    Senão vejamos: “Mas noto que enquanto o Luís faz as contas, e bem, ao que o sr. João do Táxi ou a sra. Joana do Cabeleireiro pagam, já se esquece da calculadora na altura de referir os salários dos trabalhadores da TAP. Repare-se: se os salários são mais elevados, significa que também pagam mais impostos para o sr. João do Táxi. E ainda bem. É assim que funciona uma sociedade civilizada.”

    Eu não me esqueci da calculadora, Tiago: sem o confisco dos desgraçados 1.300 euros brutos por mês, tal como o negócio da Sr. Joana ou do Sr. João que fecha portas caso as receitas sejam insuficientes para cobrir custos, a Bancarroteira Nacional também teria tido um fim, uma realidade que teimas em ocultar. Se esta sobrevive apenas do saque aos contribuintes, é a Sr. Joana e o Sr. João que pagam os salários da Bancarroteira Nacional, e não o contrário.

    Sobre a “civilidade” dos impostos progressivos, é óbvio que um assaltante prefere sempre obter o butim num bairro de ricos. Aliás, há anos que a Mariana Mortágua chamava a nossa atenção para tal técnica de extorsão: “A primeira coisa que acho que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro“.

    Agora compreendo o Tiago ler histórias de Nárnia, pois parece não compreender que os recursos no mundo real são escassos: os 3,2 mil milhões de euros necessários ao resgate da Bancarroteira Nacional foram subtraídos a milhares de pequenos negócios (IRS, IVA, IRC, SS…) que podiam ser aplicados na abertura de novas empresas e na contratação de pessoas.

    white airplane wing over the clouds during daytime

    Os milhares de desempregados da TAP e os seus fornecedores é o que se vê; o que não se vê, o mundo real, são os 320 euros retirados a cada português que podiam servir outros propósitos, mas foram usados para resgatar da falência um negócio ruinoso.

    Em relação à “superioridade moral” que exibe, em particular o “argumento de paga quem usa é o típico de quem defende uma sociedade não solidária”, ajuda-me a compreender o seu fascínio pela eugenista Suécia.

    Trata-se de um país protestante, cultura que deu origem a todas as ideologias totalitárias, como o socialismo, o comunismo, o fascismo e o nazismo. Julgo que o Tiago se encontra entre as duas primeiras.

    Enquanto no mundo escolástico e dos direitos naturais (direito à vida, direito ao fruto do trabalho, direito à liberdade) e que deu origem ao liberalismo, a verdade significa que o que está dentro das nossas cabeças (ideias, noções, percepções) corresponde ao que está fora (a própria realidade); para qualquer ideólogo como o Tiago, é o contrário: é ter a própria realidade condizente com o que está dentro da sua cabeça.

    black and gray airplane seats

    Em vez de testar sua percepção contra a realidade, o Tiago julga a realidade contra a sua ideologia; ao lidar com qualquer fenómeno social, parte da premissa de que a “verdade” – ou seja, a sua ideologia – deve ser o parâmetro.

    As ideologias são sempre perigosas: os homens “são todos iguais” (comunismo e social-democracia) ou o melhor governará as massas (fascismo e nazismo). Todos os homens têm seu lugar e devem chegar lá para que as coisas funcionem como prescreve a realidade ideológica, sempre a mais verdadeira, mesmo que o “lugar certo” de algumas pessoas seja o Gulag, Auschwitz, o campo de quarentena covid-19 ou a cadeia para os que se recusam a serem assaltados pelo Estado.

    Normalmente, afirmam que este ou aquele mal seria “resolvido” se apenas todos, por exemplo, “entregássemos”, sem “qualquer resistência”, uma fracção expressiva do fruto do nosso trabalho ao Estado; a grandiloquente expressão “isso só é possível se todos pagarmos para o bem comum” do Tiago é a receita para todos os males.

    O principal problema do pensamento ideológico é que se trata da adoração de uma fantasia. Fantasias são coisas que abundam na cabeça do Tiago, quando até atribui alma à “sociedade”: aparentemente, esta pensa, reflecte e actua!

    white, red, and green airliner

    A realidade, todavia, é muito diferente: existem indivíduos com fins e interesses distintos do seu. Eu, por exemplo, não estou interessado em pagar os desmandos da TAP. Se o Tiago quer viajar num avião onde lhe é servido um pastel de nata, enquanto escuta um fado, apenas tem de esperar umas horas e ter um pouco de paciência até chegar a Lisboa – vai ver que não custa nada –, ou então fundar uma companhia aérea com o seu bolso e pintar os aviões com as cores nacionais.

    No pensamento colectivista do Tiago, o indivíduo existe para o bem da “sociedade” e não o contrário. O indivíduo tem de se subordinar e comportar-se em benefício da “sociedade”, sacrificando os seus interesses privados egoístas pelo “bem comum” – ninguém sabe o que é isto, mas o Tiago talvez nos explique.

    Esta mentalidade colectivista foi essencial para a implementação do comunismo, do fascismo e o do nacional-socialismo: “O bem comum antes do interesse individual” proclamava Adolf Hitler nos anos 30 do século transacto.

    Não é uma demonstração de compaixão sacrificar os nossos interesses pessoais pelo bem maior de nossa “sociedade”? O colectivismo, ao afirmar que o indivíduo deve sacrificar seus interesses privados pelo bem da “sociedade”, toma o que é meramente uma abstração – “sociedade” – e trata-a como se tivesse uma existência concreta; no fundo, um animismo próprio de sociedades tribais.

    vintage adding machine

    Em contraste com o indivíduo, que tem uma existência real no mundo, a “sociedade” é uma abstração usada para representar uma colecção de indivíduos que interagem e buscam objectivos distintos para si.

    Por mais que se perscrute, nunca se encontrará uma entidade concreta chamada “sociedade” que possamos apontar e identificar da maneira análoga à identificação de um indivíduo. A “sociedade” não existe separada dos pensamentos e acções das pessoas. Não tem interesses e não visa nada. O mesmo é válido para todos os outros colectivos, seja o proletariado, a nação ou os trabalhadores da TAP.

    Como a “sociedade” não é mais que uma abstracção, pois não pode pensar, agir, falar ou escolher e, portanto, apenas um indivíduo – o Tiago –, ou um grupo de indivíduos – o Tiago e camaradas do ideário – deve ter a capacidade de definir o chamado bem maior da sociedade e, de seguida, o poder de forçar os indivíduos a agir a serviço desse “bem comum” – usam sempre o poder coercivo do Estado para a implementação das suas fantasias.

    Desde o alvorecer da civilização que os indivíduos dominantes se autodenominam árbitros do bem maior, o que parece ser uma aspiração do Tiago, e, portanto, não surpreendentemente, o bem maior, na maioria das vezes, apenas equivale ao bem daqueles que estão no poder – o Tiago não está lá, mas parece que almeja.

    pink and black ceramic piggy bank

    Com tais ideias colectivistas, o indivíduo sempre foi uma vítima, comandado a ser “altruísta” no serviço sacrificial a algo superior, seja Deus, Faraó, Imperador, Rei, Estado, raça, proletariado, “sociedade” ou “trabalhadores da Bancarroteira Nacional”. É um estranho paradoxo que a ideologia do Tiago – que nos diz que devemos considerar-nos animais de sacrifício – tenha sido geralmente aceite como uma ideologia que representa a benevolência, o amor pela humanidade ou mesmo a “sociedade civilizada”, como parece ser a Suécia do Tiago.

    Desde o primeiro indivíduo que foi sacrificado num altar para o bem da tribo, aos hereges e dissidentes queimados na fogueira pela glória de Deus, aos milhões exterminados em campos de concentração para o bem da raça (Auschwitz) ou do proletariado (Gulag), aos confinados para salvar-nos do vírus invisível, é essa a moral colectivista que justificou todas as ditaduras e todas as atrocidades, passadas e presentes, incluindo o assalto da Bancarroteira Nacional ao nosso bolso ocorrido em 2020 e 2021.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Às tantas ainda chega uma hora em que se começa a partir coisas…

    Às tantas ainda chega uma hora em que se começa a partir coisas…


    Não sei se tiveram a oportunidade de ver o debate entre Cotrim de Figueiredo e Duarte Alves, a propósito do (alegado) aproveitamento das grandes cadeias de distribuição para inflacionarem ainda mais os produtos, em nome do lucro fácil.

    Se não viram, puxem a box para trás e vão ver (SICN), porque é uma lição de como ser eficaz na mensagem política.

    Cotrim de Figueiredo fez o que se esperava dele e defendeu o lucro a todo o custo. Ou melhor, tentou explicar-nos a naturalidade das receitas extraordinárias sem que isso significasse um aumento das margens por parte das distribuidoras.

    10 and 20 banknotes on concrete surface

    Não foi o primeiro, e certamente não será o último, a tentar convencer-nos que o aumento dos produtos básicos apenas reflecte a inflação e os custos de produção. Pedro Marques Lopes, entre outros da direita mais ou menos liberal, tentam explicar com ideologia aquilo que a Matemática não permite.

    Duarte Alves, que é inteligente e consegue ler um relatório e contas, não tem metade do paleio e da lábia compressora com que Cotrim defende as suas ideias – ou ideais, vá. A cada frase debitada com o aumento do custo de produção do alimento X, Cotrim tentava mostrar um aumento semelhante nas prateleiras do supermercado. Finalizava cada frase com um “não estou aqui para defender as grandes superfícies, mas…”.

    Mas não fez outra coisa que não fosse culpar a cadeia de produção pelos aumentos e isentar os grandes grupos de distribuição.

    Pelo meio ainda fez uma piada, sugerindo a Duarte Alves que ligasse ao seu amigo Putin e lhe pedisse para desocupar a Ucrânia, para que a inflação voltasse ao que era. Duarte Alves, que é bom rapaz, mas a quem falta o tão famoso killer instinct, podia ter lembrado ao Cotrim que amigo, mas amigo a valer, era ele quando andava a distribuir e publicitar Vistos Gold pelos endinheirados russos, aí há uns bons 10 anos, quando era presidente do Turismo de Portugal.

    Cotrim é aquilo tipo de escroque que usa a semântica, e já agora, uma boa preparação de dossiers, para repetir mentiras como se fossem verdades.

    goods on shelf

    A questão essencial desta narrativa dos liberais e dos afoitos defensores da Jerónimo Martins é a seguinte: se o preço na prateleira reflecte apenas o aumento dos custos de produção – sugerindo, pois, que os supermercados também absorvem parte do impacto –, como é que os lucros aumentam relativamente ao ano anterior?

    Como é que os produtores se queixam de margens mínimas e não conseguirem manter a produção?

    E como é que os trabalhadores em toda a cadeia de produção não viram aumentos reais?

    Não há mais ninguém que veja que a conta não bate certo?

    Os únicos que, comprovadamente, aumentam os ganhos são os supermercados, mas os avençados vão-nos repetindo que é pelo meio da cadeia que o dinheiro se perde. Então… se se perde, como é que se multiplica no fim?

    Parece um rio misterioso que passa a riacho ali no meio, praticamente seca e, no fim, se transforma num oceano. Considero-me um optimista, e até acredito nas benesses da Matemática, mas esta história parece mais um auto-de-fé.

    aerial photography houses

    Rodeados de casos destes, e de ataques diários, os portugueses deixam de consumir ou sequer de conseguir pagar as despesas da casa. Salários que chegam ao fim do mês vão sendo notícia. O Governo português toma uma medida acertada, finalmente, de atribuir uma ajuda imediata para que os mais necessitados consigam pagar a renda.

    Pode ser um penso rápido e não fechar a ferida – o problema é estrutural, todos sabemos disso, mas há milhares de famílias que deixaram de conseguir pagar as suas habitações e comer decentemente.

    E eis que aparece novamente o Banco Central Europeu (BCE), sempre pela inenarrável Lagarde, para umas reguadas nos Governos da Zona Euro, pedindo-lhes que acabem com as prestações sociais.

    A teoria é que ao injectarem dinheiro nas famílias, a sua capacidade de consumo aumenta e, dessa fora, as políticas do BCE são menos eficazes. Ou seja, pagar a renda de casa já é consumir. A esmola que vai ser dada a famílias em dificuldades para que não percam o telhado, é visto pelo BCE como capacidade de consumo. De que forma? Deixam de pagar a casa e vão comprar vinho verde?

    lighted high rise building near body of water at nighttime

    Não chega empobrecer. Não chega atingir a loucura com o desespero de não saber o dia de amanhã. Não chega pagar uma guerra escolhida por outros. Temos de ficar na rua, a céu aberto, completamente de gatas no que sobra de dignidade humana.

    E é ainda mais engraçado que pessoas como Cotrim de Figueiredo, ou todos aqueles que defendem os donos do capital, nos digam há décadas que o salário mínimo não pode ser aumentado por decreto. Já o lucro das multinacionais, o custo das nossas casas, a grandeza do nosso empobrecimento, a diminuição dos nossos salários, não só podem como são, ciclicamente, decididos por decreto.

    Puta que os pariu! A essa minoria que controla o acesso ao capital, e que nos faz matar por migalhas. Pobre classe trabalhadora que demora a perceber que é ela a maioria, é ela a detentora do conhecimento, e é ela a dona da verdadeira força.   

     

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O estado de abandono das casas do Estado

    O estado de abandono das casas do Estado


    A Parpública é uma estrutura em forma de empresa de capitais públicos, e gere coisas como a TAP, a Imprensa Nacional-Casa da Moeda, a Águas de Portugal, a Estamo e a Efacec.

    Por vezes, gere privatizações de objectos mobiliários ou imobiliários do estado com criação de lucros. Outras vezes é condenada em tribunal, como em 2021 a propósito de uma das equipas de gestão da TAP que conseguiu 1,7 milhões de euros.

    Na Parpública sobem à liderança sobretudo os amigos do partido do Governo, e claro que, nas subsidiárias, de igual modo se come a ceia, estando actualmente inundadas de ex-membros do executivo da Câmara de Lisboa do tempo Medina. Perdido num lado, recuperado noutro. São todos funcionários públicos e gerem os bens públicos.

    white and brown concrete buildings

    A Estamo é uma sociedade que tem por objecto a compra e venda de imóveis do Estado.

    Entre a Estamo e a Parpública, algumas hastas públicas, algumas reuniões com Ministério da Defesa, Ministério da Educação, Ministério da Justiça e Câmaras Municipais colocariam ao dispor do povo e dos empresários, milhões de metro quadrados edificados em degradação e abandono.

    Já vi abandonado património da EDP, da CP, escolar, hospitalar, militar, prisional em todo o país. O Estado é o maior incumpridor das leis e o maior predador da imagem nacional, deixando tombar muralhas, castelos, palácios e instituições.

    Podíamos fazer uma lei em que o abandono era penalizado, mas tínhamos de recordar o Estado. Afinal a ministra da Habitação sem percurso, sem história, sem currículo de vida, além de servente de Pedro Nuno Santos, teria um mundo para lavrar ideias conexas.

    A habitação para estudantes em grande número obrigava milhares de donos de casa a repensar a sua utilização, os seus arrendamentos. O Estado ou as Câmaras entravam num negócio que tem sido rentável a muita gente e que permite a manutenção e preservação de edifícios.

    aerial photography of rural

    A criação de centros de trabalho para empresas com salas comuns, auditórios rotativos, salas de reunião, localizava pequenas e médias empresas e libertava espaço na cidade.

    Os centros das cidades devem ser para as famílias, mas as leis têm de ser eficazes para construir acessibilidades à mobilidade, facilitar a construção de elevadores, permitir alterações de estruturas para criar qualidade de vida.

    Os centros velhos devem ser renovados sem um peso em anos de licenças e custos brutais de burocracia. Há muito para fazer na construção e na habitação, mas o Governo entrou pela porta alheia e fechou a sua.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.