Categoria: Opinião

  • Os almoços do Presidente da Câmara Municipal de Oeiras

    Os almoços do Presidente da Câmara Municipal de Oeiras


    A comunicação social refere-se aos “Almoços do Isaltino”. Por respeito institucional não posso utilizar a mesma expressão.

    Obviamente que não fiquei indiferente à notícia da “Sábado”, e se até ao momento me mantive publicamente em silêncio, tal facto se deve à necessidade de as coisas esfriarem e qualquer declaração da minha parte ou da Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal de Oeiras dever ser feita de forma serena.

    E se o quebro agora é porque não poderia ficar indiferente ao artigo de opinião publicado [no PÁGINA UM] por Vítor Ilharco, secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, prenhe de lambe-botismo.

    E como é que Vítor Ilharco branqueia os “Almoços do Isaltino”?

    Oeiras é um pequeno concelho com um tão grande sucesso…”

    “Em quatro décadas passou de um dormitório de Lisboa, repleto de bairros de barracas sem saneamento básico (que desapareceram por completo), para o segundo concelho cujas empresas financeiras mais facturam (vinte e cinco mil milhões de euros, ano).”

    É o segundo concelho mais exportador de Portugal.”

    A Câmara de Oeiras é visitada, semanalmente, por políticos dos quatro cantos do Mundo, incluindo Presidentes, Primeiros-Ministros, Ministros, Embaixadores, Autarcas.”

    Mais poderia transcrever; contudo, quem estiver verdadeiramente interessado que faça o favor de ler o artigo do secretário-geral da APAR.

    Pena é que Vítor Ilharco não tenha feito uma “declaração de interesses”, nomeadamente qual o seu relacionamento pessoal e institucional com o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oeiras e com o cidadão Isaltino Morais.

    É verdade que o Senhor Presidente Isaltino Morais fez tudo o que é referido no artigo de Vítor Ilharco, que regularmente vêm a Oeiras diversas personalidades; porém, o que está em causa não são as refeições que possam ser classificadas como “despesas de representação” e/ou “ajudas de custo”, mas sim refeições do Senhor Presidente, dos Senhores Vereadores (alguns), de adjuntos, de assessores, de dirigentes e entre si.

    O que Vítor Ilharco não refere, e para ser opiniosamente honesto deveria tê-lo feito, é que o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Oeiras recebe mensalmente Despesas de Representação no valor de 1.124,33 euros e cada vereador com pelouro aufere 599,65 euros (Remuneração dos Eleitos Locais 2022), o mesmo sucedendo com o Senhor Diretor Municipal referido na notícia, que aufere mais de 700,00 euros mensais em ajudas de custo!

    Mesmo tendo liderado o Município de Oeiras com o sucesso conhecido, o Senhor Presidente Isaltino Morais não pode continuar a ser endeusado, a quem tudo se permite, a quem tudo se tolera.

    As despesas divulgadas e não desmentidas, e algumas das ementas e acompanhamentos são um insulto a quem desesperadamente procura uma habitação, um lugar para dormir, porque se é verdade que o Presidente Isaltino Morais aproveitou os dinheiros vindos da então CEE para terminar com as “barracas”, não é menos verdade que a última construção habitacional social foi em 2002, na Portela de Carnaxide.

    Ou seja, durante mais de 20 anos não se construiu, apesar das promessas feitas nos anos seguintes.

    E agora “corre-se atrás do prejuízo”.

    Poderia o secretário-geral da APAR ter falado dos investimentos ruinosos do SATU – Sistema Automático de Transporte Urbano de Oeiras, do LEMO – Laboratório de Ensaios de Materiais de Obras, EIM, SA (que alguns “iluminados” tiveram a ousadia de pretender que fosse um LNEC 2) e na HABITÁGUA – Serviços Domiciliários e Técnicos, EM, liquidadas já no mandato de Paulo Vistas (2013-2017).

    Se o secretário-geral da APAR conhecesse minimamente o Município de Oeiras, saberia o que se passa na MUNICÍPIA, E.M. e na OEIRAS VIVA, E.M., artificialmente mantidas com as transferências financeiras do acionista Município de Oeiras.

    Foram e são milhões de euros deitados à rua!

    Vítor Ilharco inicia a sua prosa com a expressão “Está difícil a vida para alguma comunicação social”.

    Eu remataria “Isaltino pôs-se a jeito”!

    E por aqui me fico.

    Helder Sá é coordenador da Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal de Oeiras


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os almoços do Isaltino

    Os almoços do Isaltino


    Está difícil a vida para alguma comunicação social.

    As vendas dos jornais caíram abruptamente com a covid-19, que levou à desabituação da leitura destes, até pela proibição de passarem de mão em mão nos cafés, e as audiências nas televisões são disputadas de modo feroz e sem se olhar a meios.

    A busca de notícias sensacionalistas é uma constante.

    São raríssimas as informações correctas sobre o estado do País, os artigos de opinião, independentemente dos autores, são lidos por um número cada vez mais reduzido de interessados e as entrevistas, com especialistas nas matérias que preocupam os cidadãos mais atentos, pura e simplesmente desapareceram.

    As capas dos jornais trazem, sempre, o mesmo tipo de parangonas: o dia a dia dos futebolistas, os amores e desamores das vedetas da televisão, os crimes mais escabrosos e os escândalos políticos.

    Tudo em títulos escritos em maiúsculas e com as cores mais berrantes, nos dois primeiros casos, ou mais sombrias, nos outros.

    O que interessa é captar a atenção dos incautos.

    Na imensa maioria das vezes, depois de lida a notícia, percebe-se que o título é exageradíssimo.

    Muitas vezes absolutamente falso.

    O grande problema é que são muitos mais o que ficam pelo título do que os que se dão ao trabalho de ler todo o texto.

    E, destes últimos, uma grande parte não se preocupa em analisar todo o conteúdo.

    Quando se fala de políticos, então, tudo o que acima se escreve atinge proporções vergonhosas.

    Desde sempre que, em Portugal, falar mal dos políticos é receita fácil para o sucesso.

    Se o alvo for alguém competente, com mérito reconhecido, há que procurar qualquer facto que o faça baixar na consideração da população.

    Ao fim e ao cabo tudo se resume à conhecida inveja dos portugueses.

    A recente notícia de “gastos sumptuosos” em almoços da Câmara Municipal de Oeiras é, disso, exemplo.

    Título da notícia:

    “OEIRAS – O que mostram milhares de faturas do Executivo Autárquico

    6 ANOS DE ISALTINO €139 MIL GASTOS EM 1.441 ALMOÇOS

    Muito lavagante, sapateira, lagostas, ostras, sushi, leitão e camarão-tigre.“

    No texto da notícia falavam de uma dúzia desses mil e quatrocentos almoços “esquecendo” o mais importante.

    Analisemos, então, calmamente:

    Oeiras é um pequeno concelho com um tão grande sucesso que é, por muitos, considerado um caso de estudo.

    Em quatro décadas passou de um dormitório de Lisboa, repleto de bairros de barracas sem saneamento básico (que desapareceram por completo), para o segundo concelho cujas empresas financeiras mais facturam (vinte e cinco mil milhões de euros, ano).

    É o segundo concelho mais exportador de Portugal.

    É um concelho com os maiores índices de nível educacional do país.

    A Câmara de Oeiras é visitada, semanalmente, por políticos dos quatro cantos do Mundo, incluindo Presidentes, Primeiros-Ministros, Ministros, Embaixadores, Autarcas.

    Por artistas, escritores, desportistas, cientistas.

    Os membros do Executivo são constantemente convidados para reuniões, palestras e debates, nos mais variados países.

    A imagem do concelho é uma extraordinária mais-valia para Portugal.

    Quando todas estas personalidades visitam Oeiras, o Executivo, chefiado por Isaltino Morais, faz o que qualquer pessoa educada deve fazer, recebê-las com a qualidade que o Concelho deve exigir aos seus dirigentes.

    E não fazem mais do que a sua obrigação porque, com toda a certeza, tratamento idêntico lhes será dado quando forem eles os visitantes.

    O jornalista, autor da notícia, considera os valores gastos nestas refeições como exagerado.

    Na realidade, 139 mil euros é um número que faz pensar.

    Pelo menos até fazermos contas.

    Falamos de seis anos, 1.560 dias úteis.

    Feitas as contas, os almoços de trabalho dos membros do Executivo, e os destinados aos mais diversos convidados, custaram, ao Município, na totalidade, menos de 90 euros por dia útil.  

    Se o título tivesse estes valores qual seria o impacto da notícia?

    Felizmente a população do concelho conhece os seus autarcas e tem demonstrado uma absoluta confiança neles, o que leva a que vá aumentando, em todas as eleições, a percentagem dos seus votantes.

    Mas, apesar de anos e anos a ser perseguido de maneira ignóbil, Isaltino deve sofrer com estes ataques.

    Não sou ninguém para lhe dar conselhos, mas se ele aceitasse dir-lhe-ia que esquecesse tudo à mesa de um bom restaurante, com um bom lavagante e Moet & Chandon de entrada.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • PÁGINA UM: 20 meses que são 20 vitórias

    PÁGINA UM: 20 meses que são 20 vitórias


    O PÁGINA UM faz hoje 20 meses. Eu conto os meses de existência. Não apenas por serem as primeiras fases da infância o período mais crítico de qualquer ser, mas sobretudo porque, neste modelo deste projecto jornalístico independente, se mostra obrigatório definir o futuro a curto prazo. O PÁGINA UM nasceu pelo apoio financeiro dos seus leitores, com donativos desde 1 euro até algumas centenas de euros, e 20 meses depois vivemos da mesma forma.

    Não quisemos publicidade nem parcerias comerciais: e sabemos que estamos no fio da navalha, mas com a possibilidade impagável de fazer jornalismo sem concessões nem constrangimentos nem medos. Essa liberdade é inexcedível, e não acreditem que seja coisa vista por aí na chamada imprensa mainstream. Aliás, por esse motivo, o PÁGINA UM é tão criticado.

    Mas sabemos que o nosso sucesso não depende apenas das notícias. Depende sobretudo dos nossos leitores e da suas capacidades para avaliarem dia a dia o nosso trabalho, e dar um apoio concreto que não seja só aplausos (lembram-se dos aplausos aos médicos?).

    Ao longo destes 20 meses, já ganhámos muitos apoiantes pontuais ou regulares; fomos perdendo muitos outros, alguns por dificuldades, outros por discordância, outros talvez porque, enfim, consideram que não conseguiremos fazer a diferença. Para estes últimos, e na verdade para todos, gostaríamos de os convencer que queremos fazer a diferença. Podemos mesmo ser a diferença, se meios houver.

    Cada novo apoio e cada saída de um antigo apoiante do PÁGINA UM não me é indiferente: o meu desejo é ver o PÁGINA UM com um maior desafogo financeiro para permitir uma maior aposta no jornalismo de investigação, de pressão, de denúncia. Por agora, temos conseguido muitas vitórias, mas queremos muitas mais.

    A principal vitória parece óbvia; aos fim de 20 meses somos a prova viva de que a qualidade do jornalismo independente é mesmo valorizada pelos leitores, mesmo quando o acesso é completamente livre, ou seja, acesso aberto. Isto vai até contra os modelos clássicos da Economia.

    blue bird on gray rock

    Manter por 20 meses (ou um pouco mais, porque houve dois meses de preparação) um jornal nestas condições é o mais nobre reconhecimento que os nossos apoiantes (financeiros) nos concedem: mesmo sabendo que poderiam ler o PÁGINA UM gratuitamente, assumem que o jornalismo independente necessita de recursos para fazer um bom trabalho. Contribuem também para que os leitores de menores posses possam aceder aos nossos artigos noticiosos e outros conteúdos.

    Em todo o caso, sabemos que este modelo – uma independência extrema e quase estóica – traz enormes limitações de crescimento, porque o orçamento do PÁGINA UM não tem chegado, nos últimos meses sequer aos 5.000 euros mensais, e a gestão do jornal tem uma regra: não há empréstimos bancários e não há dívidas ao Estado.

    Apesar da empresa gestora do PÁGINA UM ter o mesmo capital social da Trust in News, a dona da revista Visão e de outras publicações, não queremos (nem nos permitiriam) viver com um passivo de 11,4 milhões por via de calotes fiscais ou por empréstimos da banca. Ter empresas de media com endividamentos de milhões e dívidas ao Fisco pode ser fácil e cómodo, mas não se faz aí verdadeiro jornalismo. Pelo contrário, mata-se o jornalismo.

    Pedi ao Midjourney para imaginar uma reunião na sede do PÁGINA UM daqui a 20 meses… Na verdade, pode ser qualquer uma destas quatro alternativas… Excepto a gravata.

    Por esse motivo, sabemos o “custo da independência”. E não é apenas o de sofrer os ataques de alguns colegas de profissão – e sobretudo da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (que mantém há um mês um vergonhoso frete sob a forma de falsa deliberação, votada fora das reuniões ordinárias, feita à margem de qualquer ética, na homepage do Sindicato dos Jornalistas).

    Esse “custo da independência” é o de mantermos uma dimensão pequena, com uma redacção minúscula e com um (extraordinário) punhado de colaboradores (quase todos pro bono) que oferece uma diversidade ao PÁGINA UM que muito me orgulha.

    Mas, na verdade, aquilo que me orgulha mais é o reconhecimento dos leitores. E mais não digo, que amanhã é um novo dia e há mais notícias para revelar. Sempre para os leitores. Sempre com os leitores. Obrigado por tudo. E continuem a ler e a apoiar o PÁGINA UM.

  • A lei da Saúde Mental

    A lei da Saúde Mental


    Foi, finalmente, publicada uma nova Lei da Saúde Mental.

    Apesar de toda a fragilidade do texto, que fica longe de resolver uma situação degradante, de imediato surgiram as mais diferenciadas reacções.

    O que é surpreendente já que, se pensarmos por uns minutos, iremos concluir que o bom senso, e algum sentido humanitário, seria mais que suficiente para uma concordância generalizada sobre o modo de encarar o problema dos doentes mentais acusados de cometerem crimes.

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    Se um cidadão prevarica terá que, obviamente, ser levado a Tribunal.

    Caso haja a suspeita de que, por doença mental, não é responsável pelo seu acto, os juízes, depois de consultados os peritos médicos, deverão determinar se é imputável ou inimputável.

    Por outras palavras, se tinha, ou não, a faculdade de perceber a gravidade do delito que cometera.

    Se o Tribunal concluir que é imputável, ou seja, que tinha perfeita consciência do seu crime, deve condená-lo e enviá-lo, em cumprimento de pena, para o Estabelecimento Prisional mais apropriado.

    Se, pelo contrário, o considerar inimputável, concluindo que o crime foi cometido sem que o cidadão tivesse consciência do seu acto, deve entregá-lo, de imediato, aos cuidados médicos de modo a que possa ser internado num Hospital apropriado à sua doença.

    A partir desse momento só os médicos devem ser responsáveis pelo futuro do doente.

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    A explicação é simples: se for imputável deverá ser considerado criminoso, se for inimputável deve ser considerado doente.

    E o lugar de internamento de doentes deverá ser um hospital (nestes casos um hospital psiquiátrico) e não uma cadeia.

    Até porque, em casos de extrema gravidade, ele poderá continuar internado, em ambiente hospitalar, rodeado de enfermeiros e médicos que lhe poderão garantir a dignidade e os cuidados devidos a todos os cidadãos, até ser considerado curado.

    Mesmo que isso signifique até ao fim da sua vida.

    Só desse modo a Sociedade ficará salvaguardada de alguém perigoso.

    Algo impossível de acontecer se optarem pela reclusão já que não poderá, neste caso, ultrapassar a pena máxima de vinte e cinco anos, que a Lei estipula, devendo ser libertado ao fim desse período, independentemente do perigo que a sua libertação possa causar, quer para os outros cidadãos quer para ele próprio, já que pode ser vítima de alguém que se defenda das suas investidas, de modo mais agressivo.

    a man's hand with a handcuffs and a glass of water

    A solução lógica, portanto, é que o autor de um qualquer crime, por grave que seja, sendo imputável deva ficar sob a responsabilidade dos Tribunais mas, sendo inimputável, deverá passar, de imediato, para a responsabilidade do Ministério da Saúde.

    Prender alguém pelo “crime” de ser doente é que é contra tudo o que um Estado Democrático pode aceitar.

    No entanto, o que acontecia e a Lei agora aprovada mantém, era a hipótese de um inimputável ficar “internado” numa cadeia.

    A única alteração, com as novas regras, é o facto de não poder continuar em reclusão depois de terminar o tempo da sua pena e até ser considerado curado.

    Desde logo porque não se percebia porque é que teria de ser um Magistrado a decidir se um Inimputável poderia ser considerado curado, ao ponto de reintegrar a Sociedade, ou não.

    Até agora o documento que tornava isso possível era um mandato de libertação assinado por um Juiz.

    Parece óbvio que essa decisão deveria ser um documento de alta, assinada por médicos, e sob a responsabilidade única destes.

    Photo Of Woman Resting On The Couch

    Argumentam, alguns, que o Juiz, antes de decidir, ouvia peritos médicos.

    Porém, das duas um: ou o parecer dos médicos era vinculativo, e então não se percebe o papel do Juiz já que, neste caso, teria de obedecer aqueles, ou era simplesmente consultivo, e então há que perceber porque é que a opinião do Juiz, num caso de saúde, podia ser mais determinante do que a dos médicos.

    Esta Lei, que anula a hipótese de prisão perpétua para reclusos doentes, vai permitir, contudo, que as nossas cadeias continuem a ter, nas suas celas, dezenas de doentes, inimputáveis.

    Embora, a partir de agora, não se possa prolongar o tempo de prisão a que tiverem sido condenados em julgamento.

    E aí a questão torna a colocar-se: se o condenado era inimputável, nos momentos do crime e em que foi julgado, como pode ser possível que haja uma qualquer condenação?

    Red Haired Woman in Dark Room

    Logo, não seria este o momento certo para a Lei obrigar à transferência de todos estes cidadãos para hospitais psiquiátricos, passando a ficar exclusivamente sob a dependência do Ministério da Saúde e não de Tribunais?

    A realidade é que os reclusos são os cidadãos mais excluídos da nossa sociedade e que os inimputáveis são os mais desprotegidos entre aqueles.

    Uma tristeza.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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  • Deve a Saúde ser um embarque cheio de consentimentos?

    Deve a Saúde ser um embarque cheio de consentimentos?


    Voar é um conhecimento e um treino que alguns pagaram para ter, outros foram premiados com essa sabedoria em funções públicas.

    Se fores de avião, não assinas um consentimento e não perguntas as consequências ou os azares envolvidos.

    Queres viajar? Então pagas o bilhete e entras na estrutura que levantará voo.

    building interior photograph

    É segura? Acreditamos que sim. Leva uns pilotos que podem cometer erros, ou que podem enlouquecer? Há inúmeras listas de procedimentos para evitar falhas. Dupla validação, controle listado de automatismos, verificações constantes, repetição de regras. No fim, pode sempre haver falhas e a competência das pessoas é importante.

    Há um piloto que conseguirá amarar. Há o piloto que planará e fará aterragens em situações extremas. Tudo isto se tenta melhorar impondo mais normas e mais computadores e inteligência artificial. O facto histórico é que voamos e mergulhamos nessa aventura sem assinar coisa nenhuma e sem garantias.

    Já no Direito é tudo semelhante: embarcas numa peleja “tribunalesca” sem garantias de coisa alguma, sem consentimentos informados e deixas-te conduzir na batalha jurídica por advogados e juízes sem qualquer rumo previsível.

    Na restauração ninguém se lembrou de colocar consentimentos ou contratos a quem vai comer e beber. Então, porque surgiu todo o empenho em haver consentimentos nos actos de saúde?

    Como se pode explicar um voo a um turista? Os manómetros, os aparelhos envolvidos, a tecnologia em acção? E uma cirurgia? E um tratamento? Há rotinas, protocolos, estatísticas que permitem ter ilusões sobre resultados, há certezas que nascem de surpreendentes efeitos secundários, e tudo isso é a Saúde e a sua linguagem.

    doctor having operation

    O negócio da Saúde construiu um sem número de registos e de indicações e linhas orientadoras que não são garantias científicas, mas sim práticas defensivas para evitar indemnizações que surgem do contrato com consentimentos.

    Ninguém pode garantir que o menino em terapia não se suicida. Pode pregar-lhe com mais drogas, mais anestesias da vontade, mas a garantia de que não sobrevém um desastre, não existe. O erro zero também é impossível, apesar de ser desejado na Aviação, na Saúde e na Restauração. 

    O que é uma evidência em Saúde? É uma contabilidade numérica em que milhares de utilizações de uma prática, ou fármaco, corresponderam a uma série de resultados desejados ou pretendidos. Na realidade, se a amostra fosse outra, podiam haver resultados diferentes. Reduz-se isto em mais exposição, maior número de sujeitos testados, ou até na sua padronização mais específica. Então, podemos construir um resultado? Infelizmente, sim.

    person in green crew neck long sleeve shirt wearing blue face mask

    Os consentimentos referem-se a regras e a protocolos e a uma sempre incompleta informação. Quando julgamos dominar um tema, pensem o longe que estamos de um salto de paraquedas, ou de um voo num planador, ou da ignorância em que vamos voar. 

    Estas obsessões que hoje dominam a Saúde trouxeram qualidade, por um lado, mas muita ilusão, por outra; e muita estupidez em “tresleituras” de telemóvel, muita utilização para efeitos sem ganhos em Saúde. E tudo isto balizado em textos de milhares de letras cheios de autorizações e consentimentos. Como entraríamos num avião com este método? 

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Umas férias no sofá

    Umas férias no sofá


    Vi uma notícia na SIC que me deixou curioso: a ocupação hoteleira no Algarve, por esta altura do Verão, não é a esperada pelo sector, havendo menos portugueses e espanhóis, além de contenção de despesas. Se bem me recordo, anunciava-se que este seria o melhor Verão de sempre. 

    É um facto que depois da idiotice dos confinamentos as pessoas saíram, as que podiam, para períodos de férias um pouco por todo o lado, mas parece agora haver alguma contenção nos gastos. A inflação com a Ucrânia atrelada parecem ser as principais causas, mas permitam-me, se possível, discordar.

    brown wicker armchair on focus photography

    Uma das desvantagens dos anos de emigração era a “necessidade” constante de usar grande parte do período de férias para regressar a Portugal, ver família, amigos e todas essas actividades incluídas no cabaz que vem com a mala de cartão.

    Para quem, como eu, tem o sonho de dar a volta ao Mundo, esta “necessidade” fazia com que fosse muitas vezes turista no meu próprio país. Quando deixei de ter horário fixo de trabalho, e me converti numa espécie de freelancer (ou nómada digital como parece agora estar na moda dizer), acabaram os 30 dias de férias por ano, e passei a trabalhar enquanto viajava, permitindo não só conhecer os sítios que sonhava como, e até muito mais vezes, estar com família e amigos.

    Durante os anos em que circulava entre o Algarve, Alentejo, Douro e Ilhas, bem antes da Lagarde e da guerra que andamos a patrocinar, sempre achei os preços muito desfasados da realidade portuguesa. Não sou rapaz do Excel, mas, no fim de Agosto, a cada regresso à Suécia, percebia que a despesa de ir a “casa” era equivalente a umas semanas na Tailândia para ver a praia do DiCaprio e a comer galinha em casca de ananás.

    photography of seashore during daytime

    Sempre considerei a possibilidade de sair de casa como uma espécie de um avaliador da qualidade de vida. Para quem gosta, claro. Não pretendo com isto dizer que uma pessoa não possa ficar entre paredes e ainda assim ser feliz. Digo apenas que, para mim, não poder ir a um restaurante, viajar, conhecer outros destinos ou ver culturas que só conhecia da televisão, me retiraria felicidade. 

    Ao longo dos anos fui vendo cada vez mais gente a passar férias em casa, não por opção, e a deixar sequer de frequentar restaurantes. Muito antes desta inflação, que nos come os salários um pouco por toda a Europa, já os hotéis no Algarve e os restaurantes em Lisboa, agora gourmet ou cheios de fusões, se iam afastando das carteiras dos portugueses.

    Sempre achei um erro o país que se dimensiona para receber quem vem de fora. E antes que apareçam aqui apoiantes do Ventura a bater palmas, explico melhor que não tenho nada contra visitantes de outras paragens. Até incentivo. Mas se as nossas cidades, praias e restaurantes deixam de ter locais, porque estes não conseguem pagar uma simples refeição, passamos a ser um destino de plástico, daqueles feitos para agradar o visitante. Perdemos a alma, a História, as raízes. Passamos a ser um Dubai da Europa e não o país com oito séculos de História e a mais antiga fronteira do mundo.

    dish on white ceramic plate

    Voltamos sempre à discussão dos baixos salários dos portugueses como desculpa e origem de tudo.

    E é verdade. É de facto essa a raiz do problema que nos leva a nem dentro do país conseguirmos tirar uns dias de férias. Mas não termina aí e por isso permito-me discordar da guerra e inflação como justificação global.

    Se no preço da habitação já é mais ou menos consensual que a especulação tomou conta do assunto (Lisboa é das cidades mais caras da Europa no rácio custo casa/ salário), no caso da restauração ou até dos hotéis, a situação é relativamente diferente. 

    Fiz a experiência de procurar um hotel de quatro estrelas em Lisboa, Roma e Paris para cinco noites na semana que agora começa. Pelo mesmo preço, cerca de 300 euros por noite, encontrei um hotel ao lado do elevador de Santa Justa, na Baixa Pombalina, outro junto ao Louvre (Paris) e um a poucos passos da Fontana de Trevi (Roma). Percebem certamente para onde vou a seguir. Como é que Lisboa, Roma e Paris cobram o mesmo, sabendo-se que, no caso português, os salários no sector do turismo são pouco mais do que miseráveis?

    well-arrange room

    Ou seja, cidades com custo de vida bastante superior e salários bem mais elevados, têm um custo idêntico para turismo e lazer. E isto já era assim antes da inflação que agora vivemos. Portugal ficou na moda há menos de uma década e começou a vender-se a quem dava mais.

    Os sítios onde comíamos um bitoque por 7 euros são agora “tasKas” ou “SerVejaRia” e o mesmo bife passou a 20 euros com “imersão de experiências tradicionais”.

    As praias onde bebíamos uma imperial ou abríamos umas sardinhas, agora servem balões de Gin com pepino a 12 euros e robalos a 30 euros. Um almoço de família, mesmo para quem trabalha na Suécia, passou a ser uma experiência a pedir mais idas à cozinha de casa. Deduzo que para quem está na média salarial portuguesa se tenha tornado algo a evitar.

    Tive várias vezes esta discussão com quem defendia que nos devíamos virar para o turismo como principal fonte de receita do país. Sempre achei um erro exportar médicos e engenheiros e importar empregados de mesa. O país fica à espera dos belgas, ingleses, alemães e dinamarqueses deixando os locais a ver a acção pela televisão ou da janela de casa.

    white and blue concrete building

    Entretanto os salários nivelam-se por baixo e quem aposta na formação, especialmente nas áreas técnicas, vai-se embora. De repente, o país deixa de estar na moda ou, por exemplo, Turquia e Egipto recuperam dos atentados e da insegurança, e vendem o peixe, o sol e o mar, ainda mais baratos… e lá se vai a estratégia das “imersões de temperos”, dos campos de golfe em áreas de seca constante ou das residenciais que se querem passar por suites em Manhattan.  

    Uma coisa é criar condições para sermos visitados, o que acho bem e me parece inteligente, dada a oferta tão grande que um país tão pequeno como Portugal tem. Outra, bem diferente, é tornarmos o território inacessível para quem cá está o ano inteiro, tornando a classe média e os trabalhadores em geral um grupo à parte, mesmo que sejam maioritários, na utilização das infraestruturas do seu próprio país.   

    Com os salários de 900 euros que chegam à maior parte dos trabalhadores estamos, parece-me, a chegar ao ponto em que ir a um restaurante ou usufruir de umas semanas de férias algures, se tornou um luxo.

    A qualidade de vida de um povo mede-se, em grande parte, para além das condições de trabalho, por aquilo que conseguimos fazer nos períodos de lazer. Aqui há uns anos, desesperado com os invernos suecos, perguntava a um colega, nativo, quantos anos ele se tinha demorado a habituar ao frio e à escuridão. Ele disse: “nunca me habituei e por isso, pelo menos duas vezes em cada inverno, vou para um sítio qualquer com sol. Tailândia, ilhas espanholas, Dubai, Caraíbas…tudo menos seis meses de nuvens”.

    person holding a plate of salad

    Nem sequer lhe perguntei como é que ele pagava isso porque, obviamente, num sítio onde os salários mais baixos estão perto dos 3.000 euros, não há discussão sobre ir ou ficar num período de lazer. E isso, apesar do frio e da escuridão, é qualidade de vida.

    Nós, com sol para dar e vender, uma imensidão de mar e praia, restaurantes excepcionais e esplanadas a perder de vista, vamos, aos poucos, ficando condenados a dividir o tempo entre o local de trabalho e o sofá da sala, em frente à televisão. É como viver à porta do paraíso, mas não conhecer o porteiro.

    Os empresários do Algarve estão desiludidos com a taxa de ocupação? Tenho duas sugestões: baixem os preços das diárias ou aumentem os salários dos funcionários. Qualquer uma delas ajuda.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As duas TAPs que nos custou o fecho da Central do Pego

    As duas TAPs que nos custou o fecho da Central do Pego


    No dia 30 de novembro de 2021 fechou a Central Termoelétrica do Pego. Estava a funcionar há 28 anos, sendo uma das mais modernas e menos poluentes da Península Ibérica e da Europa.

    Apesar do desemprego, da redução de actividade social, e mais fuga de gente daquela região, o encerramento não contou com a firme oposição do presidente da Câmara de Abrantes, Manuel Jorge Valamatos que cumpriu com o seu papel de membro do partido do Governo: concordou, compreendeu, e lavou-se de esperanças no futuro!

    Central do Pego. Foto: Medio Tejo

    Apesar de renovada tecnologicamente há poucos anos para ser menos poluente, e mesmo com a subida galopante dos preços da energia (no mercado ibérico subiu, em menos de um ano, de 30 euros por MWh para 281 euros), o Governo manteve a sua decisão política. Uma escolha ideológica que não teve em conta custos nem consequências. Havia que cumprir a meta de Bruxelas no Plano Nacional para as Alterações Climáticas.

    A central a carvão do Pego, que era responsável por 4% das emissões do país, foi a instalação com o segundo maior peso nas emissões de dióxido de carbono em Portugal na última década, a seguir à Central Termoelétrica de Sines, cujo encerramento ocorreu em Janeiro de 2021. Em termos absolutos, a média anual de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) pela central do Pego entre 2008 e 2019 foi de 4,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono.

    Os impostos com relevância ambiental em Portugal corresponderam em 2021, a 5,0 mil milhões de euros. São os impostos cobrados pelo consumo de energia que tem vindo a regressar aos valores pré pandemia e com tendência a aumentar. Em Portugal, o turismo que aporta em navios colossais (os paquetes) é já responsável por mais GEE do que todo o parque automóvel de Lisboa, Porto, Braga e margem Sul do Tejo juntas (mais poluentes que o Pego a trabalhar).

    Manuel Jorge Valamatos, presidente da autarquia de Abrantes. Foto: Médio Tejo

    José Grácio, presidente executivo da Trust Energy, accionista maioritário da Tejo Energia, que detém a concessão da Central do Pego está em conflito com o Estado, quer por ter perdido o concurso público para o futuro da Central, quer por entender que o encerramento foi um erro estratégico. Esperam-se batalhas legais antes da Endesa tomar posse.

    Portugal pagou, em 2022, mais seis mil milhões de euros pela energia importada do que em 2012, sendo muita dela originária de centrais de carvão espanholas, francesas ou alemãs. O importante era reduzir a produção aqui nem que o custo fossem duas TAPs, o valor pelo qual a China Three Gorges nos comprou a electricidade, as tranches que fomos pondo no BES.

    Somos um país pobre e com um povo taciturno e miserável que paga seis mil milhões por uma bandeira ideológica quando as emissões de GEE aumentaram em toda a Europa e inclusive em Portugal em 2023.

    Quanto ao futuro da Central, o concurso deu como primeiro lugar a Endesa e segundo a GreenVolt. A Endesa tem como base o funcionamento a hidrogénio verde e afirma ir investir seiscentos milhões no Pego, mas com começo sem data. A GreenVolt garante que iria ter um projecto funcional ainda este ano e a evoluir ao longo dos anos para energia sustentável. 

    traffic light sign underwater

    “O gás com efeito de estufa é um gás na atmosfera que actua de forma parecido ao vidro numa estufa: absorve a energia e o calor do Sol que são irradiados pela superfície da Terra, conserva-os na atmosfera e evitando que escapem para o espaço. Muitos GEE, são libertados de forma natural na atmosfera, mas a actividade humana acrescenta enormes quantidades, aumentando assim o efeito de estufa que contribui para o aquecimento global.”

    De facto, temos de ir vasculhar fundo para encontrar os valores que justifiquem o discurso ambientalista cheio de hipérboles e de frases feitas sobre o impacto humano no aumento das temperaturas. Usam, frequentemente sem quantificar ou comprovar as palavras “acrescenta”, “aumenta”, “contribui de modo importante”, mas sempre omitindo os efeitos nefastos da própria Natureza – vulcões, fogos (o sector LULUCF – Land Use, Land Use Change and Forests que tem transitado entre emissor e redutor de dióxido de carbono) questões de rotação da Terra em maior ou menor proximidade do Sol (recordar o Afélio e o Periélio), o eixo de rotação da Terra, o efeito do dióxido de carbono no clima, “mesmo sabendo que o dióxido de carbono foi, provavelmente, muito alto no Ordoviciano Superior. No entanto, a subsequente queda do dióxido de carbono foi breve o suficiente para não ser registada no modelo GEOCARB, mas ainda assim baixa o suficiente (com a ajuda de um Sol mais fraco) para desencadear formações de gelo permanentes. Em outras palavras, foi uma era quente com um breve mergulho em um período frio, devido a uma coincidência de fatores.”

    Earth with clouds above the African continent

    Claro que me serve igualmente qualquer das teses em discussão, e fascino com a lição de Geologia Histórica de Richard Alley. Há um aparente aquecimento global e devemos ter o nosso contributo, sobretudo individual, reduzindo, comprando menos, gastando menos, viajando menos, tendo menos pets, diminuindo a pegada global. 

    Preocupados com a ideologia mais do que com as contas públicas, somos conduzidos nestas penitências de baixos salários, cobranças abusivas de impostos sobre o trabalho, multas ambientais num mundo globalizado onde não castigamos os que competem connosco usando preços almofadados em zero cumprimentos, em total desrespeito de direitos humanos, animais e de Natureza.

    Enfim, para que percebam o peso da ideologia nestas decisões onerosas para o contribuinte: em termos absolutos, a média anual de emissões de GEE pela central do Pego entre 2008 e 2019 foi de 4,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Um pequeno nada nas emissões nacionais ao longo desse tempo. Mas pagámos duas TAPs e o PSD não falou.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A canonização para Carlos Moedas, já!

    A canonização para Carlos Moedas, já!


    Recordo Mário Soares a repetir, à exaustão, que “Portugal é um País Republicano e Laico!”

    (Tudo com letras maiúsculas para ficar claro.)

    Também não esqueço que a maioria do Povo português é católica.

    Que a imensa maioria de nós teve uma educação cristã.

    Que, nos momentos de maiores dificuldades, ou de temor, invocamos o nome de Deus.

    Muitas vezes, em vão.

    A Jornada Mundial da Juventude pode ser um marco importante para centenas de milhares de jovens e, logo, das suas Famílias.

    E, reconheço, tenho pelo Papa Francisco admiração e respeito.

    Gosto de muitas das suas atitudes como Homem.

    Considero-o um Avô simpático, carinhoso, com uma palavra sábia no momento certo e, sobretudo, dotado de sentido de humor, o que, para mim, é essencial.

    Como representante máximo da Igreja Católica… estou em desacordo com muito do que ele defende.

    Dito isto, reconheço que fiquei feliz com a vinda de Sua Santidade o Papa Francisco a Portugal.

    Tenho tentado seguir todos os preparativos para esta Festa (porque tem que ser uma Festa) mas, a pouco e pouco, fui ficando menos entusiasmado.

    person wearing white cap looking down under cloudy sky during daytime

    Não foi surpresa a ânsia dos políticos a quererem mostrar empenho no apoio às Jornadas, sempre com a intenção de procurarem o título de anfitrião-mor!

    O Presidente do Município de Lisboa, que há uns tempos é quase o Presidente das Jornadas, não se tem cansado nessa busca.

    Todos os dias apresentando projectos grandiosos, programas ultra-ambiciosos, ideias superlativas.

    Lembro, por exemplo, o “Melga-Palco” que, depois de reduzido no seu tamanho inicial, por gente mais consciente, digamos assim para sermos simpáticos, ficou, ainda assim, um melga-palco.

    Quase quatro milhões de euros por um mamarracho que servirá para um único dia – por muito que tentem convencer-me do contrário não consigo imaginar qualquer utilidade para aquela coisa – mais vinte e cinco milhões (antes das derrapagens) para outras obras, é quanto o Município de Lisboa vai “investir” nas Jornadas.

    Uma gota de água se compararmos com o custo final, mas isso, como dizem na minha terra, “são outros trezentos”!

    Porém, as preocupações de Carlos Moedas não se ficam pelo Parque Tejo.

    Lisboa tem imensa necessidade de obras para receber, dignamente, o Sumo Pontífice, concluiu depois de viajar pela capital, quiçá pela primeira vez.

    Preocupações enormes foram surgindo à medida que a percorria.

    “Que falo é este?” perguntou num grito, e de olhos esbugalhados, quando vislumbrou a peça com que João Cutileiro resolveu comemorar o 25 de Abril de 1974.  

    De imediato concluiu que aquela obra não conjugava com o segundo altar onde o Papa rezará, no Parque Eduardo VII, e que estava previsto ficar exactamente onde se encontra o monumento de noventa toneladas.

    Nada que demovesse o Presidente de agradar à Igreja pelo que decidiu pedir à família do escultor para autorizar a que a Obra fosse retirada daquele local.

    A família até anuiu sem colocar qualquer entrave.

    a large body of water with a tall building in the background

    Talvez por isso, resolveu optar por medida “mais em conta”, propondo tapar o monumento, provavelmente para que os jovens não venham a saber que foi aquela a maneira como o escultor resolveu homenagear a “virilidade e solidez dos Capitães de Abril”!

    Mas, obviamente, arranjou uma desculpa mais “politicamente correcta”: “O monumento precisa de obras urgentes e a Câmara Municipal de Lisboa admite que pode vir a ser tapado durante o evento. Negamos que a ideia seja escondê-lo do Papa Francisco”.

    Finalmente passou pela Baixa e… cúmulo dos cúmulos, descobriu que havia sem-abrigos a dormir na rua, em tendas!

    Como se Lisboa fosse uma cidade africana!!!

    A Polícia Municipal retirou as centenas de camas improvisadas, barracas e camas de cartão deixando as avenidas a brilhar.

    À pergunta se isso se devia à vinda do Papa, a resposta esperada:

    “Só por má-fé se pode dizer isso. É uma Operação planeada há muito tempo e só por coincidência levada a cabo na véspera da chegada de Sua Santidade. A nossa preocupação é dar um sítio digno para estes cidadãos viverem”.

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    Esqueceu-se de dizer onde vão ficar, agora, aqueles infelizes, mas uma pessoa não se pode lembrar de tudo.

    Não sei se, por muito bem que corram as Jornadas, esta actuação de Moedas o levará a ficar na fila para ser canonizado.

    Mas o que ele se tem esforçado!…

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Pão e circo

    Pão e circo


    Alegadamente (temos sempre que começar a frase por aqui), assessores do PSD receberam 200.000 euros do Parlamento durante o “reinado” de Rui Rio. Este é o rastilho para mais um caso que promete uns dias com uns directos deprimentes até que vá para a gaveta do esquecimento, nomeadamente na altura das conclusões.

    Uma das coisas que nunca percebi nas buscas relâmpago da Polícia Judiciária (PJ) é a facilidade com que as televisões estão, a tempo e horas, no local da acção. A PJ parece ter uma linha vermelha para avisar os meios de comunicação de cada vez que montam o circo.

    Devo dizer que a palavra não é escolhida ao acaso. Tudo isto me parece de facto um circo. Casos e mais casos iniciados em directo no Jornal da Noite e, 10 anos depois, ainda se aguardam conclusões. A justiça segue uma agenda partidária que é mais ou menos óbvia e cansa de tão básica que é. Fazem de nós, os eleitores, uma espécie de gado que não percebe o que se passa e que abre a boca de espanto a cada novo escândalo.

    fire, calls, hot

    Com o PS aflito, envolto nos escândalos da TAP e da recuperação de computadores pelo SIS, recuperou-se o caso Tutti Frutti, em lume brando há sete anos. Alguns diretos, escutas de dirigentes do PSD a comprovar um profundo desprezo pelo erário público e muitos debates sobre a corrupção nas juntas de freguesia, com umas caneladas em Medina. O PS respirou. 

    Voltou Pedro Nuno Santos, que deu uma lição na Comissão Parlamentar de Inquérito e explicou, em poucas palavras, por que será o sucessor de António Costa. Seguiu-se mais contestação dos professores, novas dificuldades com as taxas de juro, alunos sem professores nas provas finais, falta de médicos nas urgências e discussões em torno da redução de impostos para ajudar as famílias durante a crise inflacionária. 

    Voltam as dificuldades do PS e sai a Policia Judiciária em nova rusga, agora em sedes distritais do PSD e até na casa de Rui Rio. Reparem que, nem o caso Marquês, que já pertence à pré-história, chegou ao fim e ninguém consegue manter actualizado o número de investigações abertas. O Ministério Público queixa-se da falta de pessoal (imagino que não seja uma carreira atractiva) mas não deixa de meter a mão em tudo, pelo menos no início, sem concluir qualquer coisa que se veja. 

    Andaram anos a aparecer no Estádio da Luz, de 15 em 15 dias, sempre com directos da CMTV, sem conseguirem chegar a bom porto. Prenderam Sócrates de forma “hollywoodesca” nas mangas do aeroporto, sem que, ao fim de anos, tivessem sequer acusação formada. Parecem mais uma comissão de festas de aldeia do que uma brigada de investigação ao crime. Largam os foguetes, tiram as primeiras imperiais, mas a meio do concerto já estão em casa, deixando a limpeza do recinto para quem vier depois.

    A imagem de Rui Rio na varanda, enquanto lhe faziam buscas em casa, a responder a perguntas de café que os jornalistas faziam cá em baixo, é um momento ligeiramente deprimente da nossa democracia. Não meto as mãos no fogo por político algum do centrão, mas parece-me algo inócuo ir a casa de um antigo líder para encontrar registos de transferências de dinheiro. Não seria mais fácil ir à Assembleia da República, uma vez que foi dali que veio o dinheiro?

    Repare-se que, em momento algum duvido da corrupção e desvio de dinheiro nos bastidores da política portuguesa. Ainda assim, sem nunca ter votado em qualquer partido de direita, se tivesse que apostar as minhas fichas, não colocaria Rui Rio nesse papel. O homem não será certamente o político mais carismático mas parece ser uma pessoa séria.  

    Hoje e amanhã vamos discutir o tema e ver “senadores” como Miguel Relvas a analisar a situação. Também faz parte do circo. É aliás outro tesourinho deprimente que nós, eleitores e espectadores, vamos tolerando.

    Os políticos que hoje estão envolvidos em escândalos serão aqueles que daqui a uns anos, com novos penteados e os dentes arranjados, farão as delícias do comentário televisivo. Paulo Portas passou uma pasta mais branca nos dentes e deixou os submarinos bem lá atrás, para nos falar de moralidade nos jornais da TVI. Já Miguel Relvas, o licenciado (alegadamente) das quatro cadeiras, apagou a Tecnoforma do Curriculum Vitae, penteou o cabelo para trás e é um homem novo, que nos conta como o dinheiro público deve ser bem gerido. 

    Lá para domingo já deveremos ter uns quantos incêndios de proporções catastróficas e os directos, em princípio, passarão para as autoestradas em chamas e os debates incidirão sobre os Kamov e os contractos de aluguer de Canadair espanhóis. O PSD que vá arranjando qualquer coisa na TAP porque, certo como o destino, a cada novo aperto na governação, lá virá qualquer coisa laranja para as “breaking news“. Com as Europeias já no horizonte, é normal que o “governo desgastado” não queira correr riscos.

    Há que ir alimentando a indignação diária e mantendo o nível de espectacularidade das notícias. Só queremos ter mais “alertas” e “breaking news” e, como tal, estamos no caminho certo. Ninguém quer eliminar a corrupção na política, acabar com o desvio descarado de fundos públicos ou sequer erradicar esta ideia de que ser político é uma profissão para a vida. Muito menos terminar o compadrio entre políticos e empresas de amigos.

    Há que mexer muito para dar a sensação de movimento e, essencialmente, ficar no mesmo sítio. O pão e o circo, que nos vão amarrando ao terceiro mundo.

    Se possível, e se não for pedir muito, os partidos de esquerda que aproveitem este atirar de lama ao centro, para mostrarem aos eleitores que são e podem fazer diferente. Já era um serviço que faziam à democracia.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Conveniente ‘in secunda partem’

    Conveniente ‘in secunda partem’

    Balindo, as ovelhas aproximaram-se do muro. Que inopinado! Para ruminantes fofos pareciam estranhamente seguros de que eu não seria uma ameaça. Seria por conviverem com flores que parecem neve ou talvez me pedissem que as libertasse da sua cerca, ares dos tempos, presas sem predadores.

    Não lhes toquei. Sinceramente, ocorreu-me que poderia ser mordida. Sabe-se lá o que pode fazer uma ovelha reclusa a quem caminha do lado de fora. Melhor manter distância segura, do lado de cá do muro (mais conveniente).

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    Ainda faltavam largos passos para chegar ao meu destino (em princípio) e contemplei pelo caminho outras tribos urbanas deslocadas do cheiro a cimento e rebarba de metal das obras que nos cercavam. Gatos tinhosos que se digladiavam junto a embalagens de comida em múltiplas pilhas de gordura junto a um silvado de uma casa devoluta, apaparicados por duas senhoras que lhes estimavam a dieta em afincada penitência humanitária. Três voluntários na mata mais distante que ceifavam furiosamente a vida de flora dita “invasora”, plantas que sempre achei inofensivas mas, esclareceram-me, seriam uma praga não autóctone que punha em causa a sobrevivência de espécies indígenas.

    Que estranho, estranho mundo que nós vivemos.

    Que inconveniente. Espécies mais oportunistas e eficientes em lutar pela vida, a comprometerem a segurança de outras. Há que ceifá-las pois! (É?)

    Orgulhosamente sós, os indígenas da Sentinela do Norte também acham conveniente repudiar o mundo inteiro da sua casa. E o mundo lá vai tentando respeitar isso, até porque cada tentativa normalmente acaba numa escaramuça de arco e flecha.

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    Os Sentinelas existem, nós – o mundo – sabemos que eles existem. Não sabemos que língua falam, quantos são, como se organizam entre eles, que crenças e fés alimentam – se é que alimentam algumas – sabemos apenas que estão ali, de sentinela em pleno Índico, sabemos que não somos bem vindos de barco, de avião, de helicóptero, a nado. Podemos levar prendas, podemos levar “a palavra”, não fomos convidados a entrar e não têm eles qualquer intenção de sair.

    Podemos pairar por perto em mar alto. É possível que os vejamos a começar a preparar pequenos barcos para virem ter connosco e nos demonstrarem o que pensam sobre espécies invasoras.

    O mundo, para os Sentinelas, não existe, ou não importa que exista. É uma inconveniência que não augura nada de bom e não é tolerada. Será, porventura, um notável exemplo de seres humanos sem curiosidade. Ou então uma pobre tribo oprimida em que jovens ambiciosos se vêem amarrados por anciãos medrosos. Ou talvez até, esteja ali, por entre prendas e subornos do passado, um segredo, um tesouro de magia que não sabemos que existe, o que contém, que fonte da juventude se esconde e os alimenta candidamente para lhes suportar a vida rodeada de mar, preciosa e incólume.

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    A Índia assegurou na lei que não os devemos incomodar. Que se o fizermos nem mesmo os nossos ossos serão recuperados, ficaremos lá, sim, para sempre (que inconveniente!)

    A cada passo, dois vocalistas de pregões divergentes ralham um com o outro, vagarosamente, as suas palavras saem com mais velocidade do que o seu caminhar, pernas sincopadas a empurrar o caminho de ambos como se carris invisíveis os conduzissem para uma cave escura onde vão ficar a falar sozinhos (não os sobrevoem).

    – Isto o que faz falta é mais controlo!

    – Não! Não! O que faz falta é menos! Nenhum controlo permite o crescimento!

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    E eles sorriram ao juiz, com uma disposição solarenga

    Porque não tinham a cura mas certamente precisavam do dinheiro

    Ao vislumbrar o meu destino vi flores roxas sacudidas pela brisa junto à estrada. Mas ao aproximar-me descobri que era lixo.

    Inconveniente.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.