Categoria: Opinião

  • Combater a inflação: decrete-se o aumento de salários?

    Combater a inflação: decrete-se o aumento de salários?


    Recentemente, políticos, banqueiros centrais e colunistas nacionais têm comentado o fenómeno da inflação. Uns dizem que se deve ao aumento das margens de lucro das empresas, outros, que resulta do aumento dos salários! Até há quem diga que simplesmente apareceu do nada! Na verdade, mais parece o jogo da adivinha: onde está a bolinha?

    Como solução, alguns dizem-nos que agora importa subir salários, nem que seja por decreto, por forma a compensar os trabalhadores por conta de outrem da subida do custo de vida. À primeira vista, estas soluções são sempre mágicas e simples, com ninguém a questionar-se por que razão não se decreta de imediato a subida do salário mínimo para os 5.000 euros, por exemplo!

    a person holding a wallet in their hand

    Acontece que os salários apenas podem subir quando há aumento de produtividade, caso contrário, seria a falência de qualquer empresa. Apenas com maior produção de bens e serviços por hora trabalhada tal é possível.

    A prosperidade económica depende, essencialmente, do capital fixo acumulado per capita, tendo de existir previamente poupança (lucros e rendimento não aplicado em consumo), mas também, embora menos importante, dos métodos de organização do trabalho – melhores processos, melhor organização, melhor gestão, etc.

    Utilizo várias vezes este exemplo: um analfabeto e um engenheiro numa ilha têm basicamente a mesma produtividade. Ambos lograrão produzir praticamente o mesmo durante um dia de trabalho, apesar das diferenças gritantes na sua formação. No entanto, um engenheiro irá produzir mais na Alemanha do que em Portugal, simplesmente porque na primeira existem mais máquinas, computadores, estradas, fábricas, ou seja, mais capital fixo per capita que no segundo; e, obviamente, melhores métodos de organização do trabalho.

    despaired, businessman, business

    Mas, de imediato, surge a pergunta dos habituais socialistas de serviço: depois de ter investido em novas tecnologias, uma empresa passa a beneficiar de custos unitários mais baixos e maiores margens de lucro, como irá aceitar partilhar essa vantagem adquirida com os colaboradores?

    Num mercado livre, maiores margens de lucro atraem concorrentes. Para se estabelecerem novas empresas, é necessário que estas proponham melhores salários aos colaboradores das empresas já estabelecidas, reduzindo, por essa via, os lucros extraordinários então existentes.

    Esta “luta” cíclica, investimento, vantagem por via de custos e diferenciação – como é caso dos produtos da Apple, por exemplo -, atracção de novos concorrentes, é que permite a prosperidade de uma sociedade. Fruto de maior capital fixo acumulado per capita, produz-se mais por hora produzida.

    Eis que surge outra pergunta dos habituais socialistas de serviço: mas as empresas não têm poder para subir preços de forma unilateral e concertada, como agora parece estar a acontecer?

    board, game, competition

    A única entidade que cria barreiras à entrada a novos concorrentes é o Estado. Para tal, existem vários métodos, em que destaco três: o licenciamento, a regulação e os elevados tributos sobre as empresas – na verdade um roubo.

    No caso do primeiro, temos burocratas durante meses ou anos a fio a decidir se determinado projecto avança ou não, criando todos os incentivos à corrupção – quem não se lembra do Freeport? – e obrigando o proponente do projecto a suportar elevados custos até à obtenção da licença – muitas vezes não é deferida! -, desde o pagamento de advogados e “especialistas” na elaboração do pedido de licença, a custos de funcionamento durante a “apreciação” do projecto. Quem pode suportar tais processos de licenciamento? Obviamente, não são as pequenas empresas.

    No caso da regulação, esta obriga à contratação artificial de colaboradores – mais custos que não servem para melhorar o produto ou o serviço ao consumidor – para áreas de cumprimento normativo e a enormes investimentos em tecnologia e processos – mais custos – por forma a cumprir com as “exigências” da regulação e a responder aos supervisores – relatórios, inspecções, etc. Como sempre, apenas as grandes empresas sobrevivem em tal contexto.

    photo of bulb artwork

    Por fim, os elevados tributos, o que cria uma vez mais enormes barreiras à entrada. Vejamos o caso do negócio de retalho de combustíveis, onde num litro de gasolina o ladrão-mor leva 60% a 70%; o que significa? Uma brutal redução do tamanho do mercado. Se este mercado representa, por exemplo, 100 milhões de euros, significa que efectivamente vale apenas 30 a 40 milhões de euros; mais uma vez, apenas os fortes sobrevivem numa tal selva de bandidos. 

    Como vimos, a concentração de poder em cartéis é o resultado exclusivo da intervenção Estatal, não só nos aspectos sobreditos, mas também derivado da intervenção monetária. Os juros 0% dos Bancos Centrais reduzem drasticamente o papel dos bancos na intermediação da poupança, pois ninguém está interessado em aplicar aí as suas poupanças, preferindo o mercado de capitais, em particular os de maior dimensão e mais líquidos, como é o caso das bolsas de valores norte-americanas.

    Foi precisamente o que aconteceu nas últimas décadas, em que o bar aberto do “crédito grátis” – na verdade crédito criado com uma impressora de notas – servia apenas os “matulões” – Apple, Amazon, Tesla… – em cima do balcão, quer por via do endividamento para compra de acções próprias quer por via dos capitais aplicados por particulares e institucionais nas suas acções.

    grayscale photo of person holding glass

    Como podemos constatar, num mercado livre, a empresa que sobe preços para obter maiores margens é de imediato “posta no seu lugar” pela concorrência; não é o caso de mercados cartelizados, onde é possível concertar subidas de preços. Estes casos são apenas possíveis com intervenções estatais.

    Para aparecer investimento, o que é essencial?

    Um empresário apenas irá investir se existir segurança jurídica, ou seja, protecção da propriedade privada. Não é por acaso que sociedades clássicas, como a grega ou romana, ou a Itália do período renascentista foram capazes de estabelecer economias muito avançadas; tal foi possível, dado que a propriedade privada era protegida.

    Ninguém vai investir na Venezuela, onde o Sr. Maduro pode confiscar o negócio num dia mal-humorado, ou no mercado de arrendamento em Portugal, onde o proprietário não tem liberdade para solicitar o preço que entende.

    Mais uma vez, o maior agressor da propriedade privada é nem mais nem menos o Estado. Os impostos e a inflação são dois esquemas de assalto tão monumentais, que nem mesmo o mais engenhoso dos bandidos imaginaria tal coisa.

    O primeiro é realizado de forma sub-reptícia, com as empresas a reterem impostos e contribuições em nome do bandido-mor, ou ludibriando, através da criação de diferentes conceitos àquilo que sai do mesmo bolso – segurança social do trabalhador e do empregador! O segundo, não é mais que um roubo silencioso, onde o ilusionista utiliza todos os truques: subida de margens, salários, guerra da Ucrânia…

    Recordemo-nos que o fenómeno da inflação resulta em exclusivo do aumento do dinheiro em circulação; numa era em que o padrão-ouro foi abandonado há mais de 50 anos, desde então, através do seu Banco Central, o exclusivo da emissão de dinheiro pertence ao Estado.

    Esta situação é severamente agravada pela prática de reservas fraccionadas, que não é mais que um roubo legalizado, uma falsificação de dinheiro por parte dos bancos, onde o dinheiro que possuem – reservas do Banco Central – é uma ínfima fracção do valor dos extractos bancários dos seus clientes. Por essa razão, dizem-nos que é um sistema “baseado na confiança”: não levante o dinheiro que é seu, confie!

    A man in a black suit loosening his tie

    Acontece que esta falsificação é mais um método de tributação (leia-se assalto) e redistribuição, dos produtores para os falsificadores (bancos) e para aqueles que estão no início da cadeia do novo dinheiro; durante a putativa pandemia, foram nada mais nada menos que os apaniguados do Estado, as farmacêuticas, as farmácias, os laboratórios de análises clínicas, os retalhistas de fraldas faciais, os escritórios de advogados do regime, burocratas, médicos vendedores de vacinas, etc.

    Quando os falsificadores e os primeiros da cadeia gastam o “seu dinheiro” provocam a subida dos preços, obtendo uma maior proporção da riqueza produzida pela sociedade, em prejuízo daqueles que se encontram no final da cadeia, que, infelizmente, se deparam com preços mais elevados.

    Talvez por isso, alguns “economistas”, colunistas e políticos interpretaram a inflação de preços como um método desesperado pelo qual as empresas, a sofrerem com a inflação monetária, tentam recuperar o controlo dos recursos económicos através do aumento de preços, pelo menos a um ritmo tão rápido, se não mais rápido, quanto o Estado imprime novo dinheiro.

    Entre o início da putativa pandemia e o início da guerra da Ucrânia, o dinheiro em circulação subiu a um ritmo anual de 16%! Para o mesmo período, o petróleo, a principal matéria-prima industrial do mundo, a sua principal fonte de energia, subiu 361%, ao ritmo anual de 122%.

    Subida/ Descida de vários activos e do agregado monetário M2- Zona Euro entre o final de Março de 2020 e o final de Fevereiro de 2022 (Unidade: %)
    Fonte: Banco de Portugal, Yahoo Finance e análise do autor

    Em segundo lugar, se o novo dinheiro é criado por meio de empréstimos bancários às empresas (prática de reservas fraccionadas), como muitas vezes acontece, o dinheiro inevitavelmente distorce o padrão de investimentos produtivos.

    A inflação monetária, por meio de empréstimos às empresas, causa não só investimento excessivo em bens de capital, como, por exemplo, matérias-primas industriais, imobiliário, automóveis, mas também incentiva a especulação financeira, atendendo que tanto empresários como consumidores são iludidos pelo “dinheiro grátis” – totalmente artificial, em resultado da distorção dos juros, no sentido descendente, pelo Banco Central.

    O investimento em acções de empresas não é mais do que um investimento indirecto em bens de capital e uma forma de especulação financeira. Durante a segunda década do século XXI, o BCE e o Banco Central norte-americano, a FED, estiveram anos a fio com juros a 0% e a imprimir dinheiro como se não houvesse amanhã, onde reinou a mais descontrolada especulação financeira.

    a person stacking coins on top of a table

    Como podemos observar, entre Novembro de 2011 e o início da putativa pandemia, as obrigações do Estado falido grego subiram mais de 550%, a um ritmo anual de 25%, e o índice bolsista Nasdaq 257%, a um ritmo anual de 17%.

    Durante esse período, o novo dinheiro não foi gasto em matérias-primas industriais ou em actividades produtivas, mas sim em especulação: as grandes empresas norte-americanas pediam crédito a 0% aos bancos, que o fabricavam do “ar”, e compravam as suas próprias acções com o objectivo de elevar o seu preço – maiores bónus para os gestores.

    Os bancos na Europa iam a leilões de obrigações de Estados falidos, como é caso grego e português, comprando-as para as revender com enormes lucros ao BCE, que as adquiria com “dinheiro de monopólio” – era só dar ao botão do computador.

    Subida/ Descida de vários activos e do agregado monetário M2- Zona Euro entre o final de Novembro de 2011 e o final de Março de 2020 (Unidade: %)
    Fonte: Banco de Portugal, Yahoo Finance e análise do autor

    Por outro lado, há um subinvestimento relativo em indústrias de bens de consumo, provocando a médio prazo escassez de oferta, agudizada pelos criminosos confinamentos que destruíram as cadeias de abastecimento durante a putativa pandemia. O resto é história: agora, está aí a conta para pagar, com os mais fracos a serem, como sempre, os grandes perdedores.

    Em conclusão, o Estado e os parasitas que o rodeiam são os únicos beneficiários da inflação; por essa razão, são os únicos que têm de devolver o saque dos últimos anos, baixando radicalmente os impostos – subindo por esta via os salários líquidos – ou devolvendo o dinheiro roubado às pessoas. Não é, certamente, obrigando o sector produtivo a suportar maiores custos com salários a solução.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O imigrante que não se quer integrar

    O imigrante que não se quer integrar


    De todas as discussões possíveis em torno da morte de Nahel Merzouk, o jovem francês de ascendência argelina baleado nos subúrbios de Paris, há uma que não parece oferecer grandes dúvidas: foi cometido um crime pela polícia.

    As imagens deixam pouca margem para discussão e não esteve, em momento algum, em risco a integridade física do atirador, que se limitou a assassinar um miúdo a sangue-frio. 

    Podia o polícia ter disparado para os pneus e imobilizado o carro, mas escolheu, naquele momento e a poucos metros de distância, balear uma pessoa desarmada que em momento algum colocou em perigo a vida do agressor.

    Esta parte da conversa é importante porque não existe “mas” nesta situação. Não existem atenuantes ou justificações que suportem a acção policial. Nem mesmo os distúrbios e a revolta da população que se seguiram a este assassinato podem, a posteriori, servir para validar as balas no peito de Nahel.

    É certo como o destino que, a cada abuso das forças (supostamente) de segurança, se acabe a discutir questões raciais ou de integração de imigrantes. É um tema que me revolta só por si e tende a ficar escatológico, à medida que os dias sob o crime vão avançando.

    João Miguel Tavares disse, a propósito deste caso, que a integração de um imigrante depende do país de acolhimento, mas também da vontade que este tem de fazer parte dessa cultura.

    Miguel Sousa Tavares, de uma forma muito mais radical, disse que os argelinos em França não se querem integrar, de todo, e que estão lá para destruir a França por dentro (Nahel era de ascendência argelina e marroquina e vários jovens de ascendência árabe juntaram-se aos protestos).

    Vamos, antes de mais, meter um ponto de ordem à mesa: para o que aqui se discute, é absolutamente irrelevante saber se Nahel estava bem integrado, se cantava a marselhesa ou se vibrava mais com Mbappé ou Mahrez.

    A única coisa que importa, para este caso, é que um jovem de 17 anos, desarmado, foi assassinado pela polícia sem ter feito nada que o justificasse. Ponto final.

    Dito isto, como é óbvio, a cada dia de tumultos perguntava-me quando é que viria o tema da “integração”.  É sempre engraçado ouvir a opinião de pessoas que viveram toda a vida no seu país de origem a falar sobre a comunidade A ou B que não se quer integrar no sítio X ou Y.

    Reparem que, para início de conversa, discute-se a integração de Nahel como se ele não tivesse nascido em França. Este é sempre o ponto de partida para os ataques raciais e xenófobos. Podemos ir na terceira ou quarta geração de nascidos no país de acolhimento e ainda nos referimos a eles como imigrantes. Talvez fosse bom, para o tema da integração, deixarmos de lhes chamar isso, vá lá, ao fim de duas gerações.

    O que eu perguntaria a João Miguel Tavares e a Miguel Sousa Tavares, se pudesse, é se eles pensam que algum imigrante escolhe viver o inferno que é estar à margem da sociedade que o acolheu ou onde nasceu.

    Pensarão, quiçá, que alguém prefere viver em guetos, ter mais dificuldade no acesso aos empregos e às melhores escolas? Haverá algum filho de marroquinos, senegaleses, argelinos ou tunisinos, em Franca, que prefira uma vida de segregação ao mundo de oportunidades de que outros dispõem? Perdoar-me-ão, mas, de uma maneira geral, não é assim que a coisa funciona. 

    Não importa se há “ódio visceral” (como sugeriu Sousa Tavares) entre franceses e argelinos, por causa da guerra da independência, ou se os árabes seguem outras práticas religiosas. Alguém acredita que um destes miúdos dos subúrbios, onde se amontoam as diferentes comunidades, escolheria entregar pizzas e estar longe da escola se tivesse outras oportunidades e melhores perspectivas de vida?

    Sentados no sofá de nossa casa, no bairro onde sempre vivemos, julgamos compreender como funciona a vida de um deslocado. Sim, Nahel era um deslocado no país de nascimento. Tal como muitos outros com ascendência africana que, por norma, não são levados em grande conta até que marquem um “golito” ou defendam qualquer coisa num campeonato do mundo de futebol.

    Há muitos anos, nos meus primeiros tempos de estadia na Suécia, tive uma chefe de projecto excepcional. Trabalhava no sistema de airbag da nova geração de “Volvos”, muito antes da corrida ao lítio, e esta pessoa, sempre muito simpática, cordial e incentivadora, foi estabelecendo comigo uma relação profissional que me agradava.

    Foi a primeira vez que ouvi sequer um elogio ao desempenho profissional. Nos meus anos de Autoeuropa, aqui pelo burgo, não sabia que as pessoas também podiam ser elogiadas no trabalho.

    Não tinha grandes pontos de contacto naquele país e, como perceberão, era bom ir fazendo amizades no trabalho. Até porque não tinha outras por aquelas paragens. Nesta fase da minha vida fazia tudo para me integrar nos hábitos, cultura e tradições do país de acolhimento. 

    Com o passar dos meses foi dizendo, essa minha colega, que gostava que eu, e a minha companheira, fôssemos jantar lá a casa com a família dela. Imaginei que se estivesse a criar uma relação para lá das paredes do escritório. Uma vez mais repito, não conhecia ninguém e os tempos passados para lá do horário de trabalho não eram de grande actividade social. Era de longe a parte mais difícil na clássica “integração”.

    Lembro-me sempre de um velhote simpático, que me alugava uma casa e me perguntava de quando em vez: “E então, já fizeste amigos suecos? Deduzo que seja difícil. O meu grupo de conhecidos é o mesmo desde a creche. Não entra ninguém novo e quando sai algum, é por que morreu”. Nesta fase eu ainda me ria e pensava que era ele, aquele velhote, o pessimista de serviço.

    group of people tossing wine glass

    Combinámos a data do jantar e eu fui à loja do Estado (Systembolaget), único sítio onde se vende um tinto digno desse nome, comprar qualquer coisa para não aparecer com as mãos nos bolsos. Na véspera do dia – é bom de ver que os suecos combinam tudo com semanas de antecedência e espontaneidade é coisa que só se vê nos filmes – a minha anfitriã manda-me uma mensagem dizendo que ela e o marido achavam que afinal não era boa ideia jantar. E assim ficou.

    Seguimos a relação profissional sem grandes conversas sobre o tema e sabendo que os elogios ou gosto na minha companhia se resumiam ao que, aparentemente, fazia ou deixava de fazer no sistema de airbag.

    O produto lá chegou ao mercado, a Volvo continuou a ser um dos fabricantes mais seguros do mundo e eu segui para outro projecto, cruzando-me aqui e ali com aquela personagem e não trocando mais do que um “olá, tudo bem?” de ocasião. 

    Situações destas repetiram-se – umas mais chatas, outras mais subtis – até que percebi, ao fim de cinco anos a tentar, que aquela parte da sociedade seria mais difícil para não me sentir só. Foi quando comecei a procurar outros portugueses na cidade, latinos de diferentes países da América do Sul e estrangeiros de outros países europeus, com quem fui estabelecendo relações de amizade ao longo dos anos e com quem consegui formar uma rede social nos 12 anos seguintes.

    Nunca vivi num subúrbio mal frequentado de Gotemburgo, nunca andei a queimar nada ou a exigir que cobrissem a pele. Nunca roubei (ok, tirando aquela colecção do Seinfeld), nunca maltratei ninguém, nunca tive qualquer comportamento daqueles clássicos que atribuem, os “opinadores” de sofá, aos que “não se querem integrar”. E, mesmo assim, quando olho para trás, vejo chilenos, portugueses, espanhóis, colombianos, argentinos, ingleses, mexicanos. Não vejo um único sueco. Nada. Zero.

    people sitting on chair in front of table with candles and candles

    A minha dúvida é, se tivesse nascido num subúrbio e crescido com a cultura de “nós e eles”, teria tentado sequer durante cinco anos fazer parte da sociedade de acolhimento? Provavelmente não. O mais certo era chegar aos 13 ou 14 anos e compreender que já estava à margem da realidade dominante e, inevitavelmente, escolher o caminho onde a discriminação não existe: entre os “meus”.

    Tem culpa o Nahel da guerra da independência da Argélia e dos ódios criados, quase 60 anos antes do seu nascimento? Ou da organização dos subúrbios de Paris onde os imigrantes são despejados em guetos? Ou do passado colonial de Franca? Ou do racismo constante dos europeus em relação aos africanos que exploraram durante séculos? Não, não tem culpa de nada disso.

    Nahel Merzouk, tal como muitos outros imigrantes que nem o privilégio de serem chamados franceses têm, limitou-se a nascer num daqueles sítios onde a probabilidade de sucesso reduz drasticamente. Está nos livros. As contas estão feitas.

    No caso dele, nem chegou a um trabalho mal pago ou uma vida precária. Foi logo baleado na rua por um assassino que nunca, jamais, deveria ter acesso a uma arma de fogo.

    O facto de os advogados do polícia já terem angariado mais de um milhão de euros, prova, entre outras coisas, como a sociedade está doente e as prioridades, comprovadamente, trocadas.

    Para onde caminhamos, nesta Europa com saudades dos muros?

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O relator

    O relator


    Vamos estar sucumbidos pelo relato preliminar da comissão de inquérito parlamentar ao caso TAP e sobretudo às indemnizações milionárias. Vamos estar a conjecturar sobre a honorabilidade, a ética republicana, e sobretudo a dívida de gratidão.

    Serventuários do poder, com baixa literacia, com falta de experiência de vida, vão ascendendo à nata dos partidos. Gente que sozinha não se guindou a lugar nenhum consegue o apoio dos chefes da matilha e sobe. Sobe, sobe balão sobe.

    hot air balloon pfestival

    Deste modo tivemos a Caixa Geral de Depósitos (CGD) e o inquérito que poupava Vara e tantos outros. Ilibados! Já vão décadas socialistas, mas entretanto a justiça parece ter cumprido a sua missão independente, e levou-os ao presídio.

    Lembram-se da comissão sobre os submarinos? Sem culpa! O mesmo que a comissão sobre a ponte de Entre-Os-Rios e sobretudo a dos Carvalhos no Funchal? Ilibados! O Carvalho matou 13 pessoas enquanto dançava, sem incúria e sem maldade.

    Houve também uma comissão sobre Pedrógão que assacou culpas aos raios da tempestade seca. Não limparam, não cuidaram, não preveniram, mas o raio que o parta! Ilibação.

    Lembram Tancos? O culpado era do mexilhão. Houve uma Comissão sobre o BES onde se riu o Berardo, onde não se lembrava de nada o melhor CEO português – o Bava. O Bava até foi condecorado pelo Estado, enquanto roubava milhões, se premiava pelos maus negócios e destruía a PT. Recordo Comissões onde o Alzheimer era petulante – com Victor Constâncio fomos ao rigor de como esquecer a catapulta jornada milionária em Bruxelas. Agora está cheio de demência o Salgado.  Também na TAP havia muita dificuldade na memória. Ilibados! Como não?

    O caso mais interessante é que foi rápida a indemnização do emigrante morto às mãos do SEF, mas não há indemnizações a quem morre à guarda do Estado nas cadeias, não há indemnizações céleres em Pedrógão, Oliveira do Hospital, vítimas do desvario da PT e BES, vítimas de iatrogenia no SNS, vítimas de atropelamento por carros do Estado com ministros dentro. Ilibados!

    O problema não são as comissões, mas o modo como elegemos estas pessoas. Temos de pensar nos círculos uninominais, temos de impedir o aconchego dos líderes aos medíocres, temos de criar círculos nacionais onde votamos as pessoas, onde escolhemos mérito e carreira.

    Esta é uma democracia doente que serve os interesses da geração que agora está no poder após substituir a geração de Abril.

    grayscale photography of woman praying while holding prayer beads

    Carregados ao colo pelo sampaísmo, por uma esquerda trauliteira, uma agenda ideológica só de palavras, um complot de domínio do aparelho de estado, impediram reformas profundas, criaram constrangimentos ao mérito, impulsionaram a gestão por normas e regras em vez de liderança competente. 

    Criando normativos e certificações, qualquer um pode chegar ao poder de modo protegido e balizado, não tomar decisões fora do protocolo e, desse modo, pára o normal funcionamento do Estado. Um líder decide, assume responsabilidades, tem memória, cumpre as suas funções, exige e deve ser vigiado por quem o escolheu com lucidez e transparência. Os outros serão sempre ilibados!  

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os efeitos secundários do relatório à TAP

    Os efeitos secundários do relatório à TAP


    A Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP reuniu, durante centenas de horas, ouvindo inúmeras pessoas para tentar saber, fundamentalmente, se a atribuição de uma indemnização de meio milhão de euros a uma administradora, que passados uns dias já trabalhava noutra empresa, da mesma Tutela, era legítima.

    Tivessem perguntado aos catraios de uma qualquer escola primária, e teriam a resposta em segundos: “Não!”  

    Só que o Parlamento é, sobretudo, uma Feira de Vaidades e quando chega às narinas daqueles deputados o cheiro a sangue… nada os faz parar.

    A verdade é que, na análise à entrega daquele dinheiro todo, se foram descobrindo pormenores rocambolescos que, para uma Oposição sedenta de uma oportunidade “de ir ao pote”, eram ouro sobre azul.

    Tanto mais que havia a garantia de cobertura televisiva em directo e integral.

    Durante semanas assistimos a uma caricatura de um qualquer Tribunal Judicial do nosso País onde, ao arrepio da Lei, os arguidos entram como condenados tendo que provar, aos ilustres Magistrados, que estão inocentes.

    O que não é fácil dada a convicção antecipada de Juízes e Procuradores.

    Na Comissão Parlamentar os Deputados seguiram essa estratégia.

    Todos os interrogados que não se revissem nas teses de cada um dos Deputados Inquiridores passavam à categoria de adversários vendo todas as suas declarações serem postas em causa.

    Nuno Pedro Santos, ex-ministro das Infraestruturas e da Habitação.

    Necessário era fazer cair, no descrédito total, toda a estrutura governativa da área em análise.

    Nem que se tivesse de inquirir sobre factos para além do que estava estabelecido.

    Ainda assim, houve diferenças entre os Juízes dos nossos Tribunais e os Deputados da Comissão de Inquérito?

    Desde logo, os primeiros têm legitimidade para interrogar os arguidos sobre (quase) todos os factos, ao contrário dos Deputados.

    Depois, os Juízes só devem preocupar-se com a verdade enquanto os Deputados se preocupam com a “verdade” que mais favorável seja para o seu Partido.

    Finalmente, os Juízes interrogam (na imensa maioria das vezes) num tom sereno, educado, profissional.  

    Já na Comissão de Inquérito houve interrogatórios feitos com sobranceria, arrogância, desdém, apartes mal-educados, por parte de Deputados interessados em mostrar quem era o mais agressivo, o mais contundente o mais temível.

    Fernando Medina, ministro das Finanças.

    Mais importante que fazer com que o interrogado caísse em descrédito era levar o cidadão espectador a admirar a sua coragem no enfrentar os representantes do Poder.

    A tentativa infantil de mostrar que se conheciam os dossiers era outra imagem de marca destes inquiridores.

    “O Senhor diz que isso aconteceu às 21.30 mas parece que há provas de que foi às 21.25. O que tem a dizer sobre isto?”

    Perguntas só possíveis a quem desconhece que o pior que pode acontecer a um político é ele cair no ridículo.

    Semanas com o mesmo tipo de perguntas, com a agressividade a subir de tom, começaram a cansar quem, de início, apoiava a Comissão.

    Até que esta se tornou insuportável.

    Na memória de quem assistia só ficava a repetição das mesmas perguntas, os insultos constantes aos interrogados, o ar professoral, ou de gozo, dos interrogadores.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas.

    Não foi admiração quando o tom de crítica generalizada, a quem era alvo de inquérito, passou a alguma compreensão e, mesmo, simpatia.

    Chegámos a um ponto em que o Primeiro Ministro, para sair vencedor de todas as lutas que tem que travar com estes oposicionistas, só tem que ficar quieto à espera que eles se destruam uns aos outros.

    O relatório preliminar da Comissão mostra isto mesmo à evidência.

    Desde logo porque garante que, “o Governo não interferiu na gestão da TAP”, “não sabia do valor da indemnização paga à sua administradora”, “não se conseguiu provar, por falta de evidências, que o Ministério das Finanças sabia da indemnização”.

    Depois, porque optou por não fazer considerações sobre o caso ocorrido no gabinete do Ministro João Galamba.

    Finalmente, não teve em conta inúmeras horas de debate na Comissão porque os assuntos abordados não estavam no âmbito desta.

    Ou seja, o Relatório final – redigido, como se sabia que iria acontecer, por uma Senhora Deputada do Partido Socialista – está longe de ser tão crítico para o Governo como a Oposição esperava e, em parte, compreende-se a fúria dos seus Deputados.

    António Costa, ao centro, ladeado por Ana Abrunhosa (ministra da Coesão Territorial) e Manuel Pizarro (ministro da Saúde).

    Todavia são eles os grandes culpados deste fracasso e dos efeitos secundários por ele provocado.

    Ao pretenderem extravasar as suas funções, ao quererem fazer um julgamento em praça pública em vez de um inquérito, ao quererem aparecer como grandes paladinos da Verdade, da Justiça, da Honra, esqueceram-se de olhar para baixo e verem a quantidade de pés de barro que os espectadores tão bem conhecem há tantos anos.

    Pobres diabos!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Aumentem os salários! Ontem já era tarde

    Aumentem os salários! Ontem já era tarde


    Cheguei à cantina e pedi o iogurte do costume. Não tem nada de especial: um fio de mel, três ou quatro nozes e já está. Na altura de pagar, reparei que o preço tinha subido de 3,5 para 4,5 euros. Já achava o preço de ontem desagradável, hoje nem vos digo.

    Perguntei à senhora que me servia o porquê da repentina subida de preços e ela disse: “Sabe como é… a Ucrânia!”.

    amber glass bowl with fruits besides white spoon and fork

    Enquanto ia contando o número de colheres que aquele iogurte me proporcionava, pensava nas costas largas da Ucrânia que não mandavam para ali leite, nozes ou mel.

    A propósito desta temática, num programa de debate na RTP com quatro conceituados economistas, Francisco Louçã defendeu que as cadeias de distribuição aproveitavam este momento para aumentar a sua margem de lucro.

    É um facto que os custos de produção são hoje mais baixos do que eram antes do início da guerra, mas, no entanto, não se nota uma redução no preço dos produtos finais. Segundo Louçã, depois de 20 anos em que as regras da concorrência não permitiram aumentos disparatados, chegou agora o momento das empresas aproveitarem a conjuntura actual para dispararem as suas margens. Isto contraria a previsão do Banco Central Europeu que nos assegurou, no ano passado, que a inflação seria temporária.

    woman in black mini skirt holding white and blue banner

    Identificado que está o problema, chegamos à terapia. De momento, discute-se se devemos continuar a aumentar as taxas de juro para controlar a inflação ou, se por outro lado, devemos repensar e compensar essas subidas na despesa das famílias com o aumento dos salários reais.

    Sandra Maximiano, professora do ISEG, também presente neste debate, defendeu algo que já escrevi em outros textos aqui no PÁGINA UM: a aplicação cega da receita de Christine Lagarde – aumentar as taxas de juro em toda a Zona Euro – não tem o mesmo impacto em diferentes países.

    Em Portugal, onde a população é mais pobre e as famílias mais carenciadas – é bom não esquecermos que 75% das pessoas levam para casa menos de 900 euros líquidos –, não há a mesma capacidade de aguentar o aumento da despesa mensal como em outros países mais ricos da União Europeia. Voltamos sempre à discussão de medidas que visam reduzir o consumo em famílias que já pouco ou nada consomem. Aliás, é um tema recorrente falarmos em famílias portuguesas, como se entre elas, as carenciadas fossem uma minoria.

    black adding calculator

    Tenho sempre alguma dificuldade em dizer isto, mas parece-me que continuamos a considerar que Portugal é um país onde a classe média, à escala europeia, tem algum peso. Não tem. Se olharmos e compararmos com os países mais desenvolvidos da Europa, grande parte da população portuguesa nessa escala seria pobre.

    Percebendo então que a inflação não é temporária, que os preços dificilmente voltarão aos valores pré-guerra e que as taxas de juro não regressarão ao mítico 1%, e perdoem-me por esta parte, mas seria obrigado a concordar com Luís Montenegro. Disse o líder do maior partido da oposição que era altura de arriscar e desafiar a Economia: “Temos de subir os salários em Portugal”.

    Dir-me-ão que depois de 20 anos a defender o aumento de salários indexado à produtividade, chegou a vez do PSD, através do seu líder condenado à travessia do deserto, dizer o contrário. É preciso aumentar por decreto. Estaremos perante uma tentativa eleitoralista de Montenegro, concordo, ainda assim correcta.

    clear glass jar with coins

    Não há outro caminho. De facto, Portugal não pode continuar a ser o país dos baixos salários para onde as multinacionais se dirigem na procura de mão-de-obra qualificada a baixo custo.

    É preciso que o Estado, depois de arrecadar impostos extraordinários e as empresas verem as suas margens de lucro subirem, tenham a capacidade e honestidade moral de dividir essas receitas com os trabalhadores, tanto na Função Pública como no setor privado. Esta é uma oportunidade histórica de tornarmos Portugal um país menos desigual.

    Quando até o líder do PSD nos diz que é tempo de arriscar e subir os salários, percebemos que o Apocalipse está próximo.

    Aumentem, então. Ontem já era tarde.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Conveniente ‘in prima partem’

    Conveniente ‘in prima partem’

    É por nos ser conveniente seguir a rua principal (que não existe, não há rua principal, não há princípio) para chegar ao destino (para quem ainda o tenha), que viramos à esquerda, e não à direita (não é para mim).

    É por nos ser conveniente calar em vez de falar (não cantar) para baixar a cabeça (para quem ainda a tenha), que seguimos a vida empurrados pela multidão (a formiga no carreiro?)

    É por nos ser conveniente a conivência com o crime, com o pecado, com a imoralidade, com a falta de ética de invertebrados que tomaram conta dos edifícios, que não denunciamos (but not a snitch!), não nos pomos de pé e somos crescidinhos, adultos, rijos (isso é masculinidade tóxica? Mandem entrar os homens por favor!)

    white arrow painted on brick wall

    Um bufo.

    Um delator.

    Ou um whistleblower? (Precisam-se provas!)

    Se eles, supostos líderes, tivessem espinha, acordavam de manhã com dor nas costas por aquilo que fazem por si próprios contra nós, com ou sem falcão.

    Burgueses insuportavelmente viscosos, com cheiro de cremes por cima de plástico, animados por palhaços de calças de ganga com muita graça, muita graça mesmo, assim como senhoras bem compostas e bem apresentadas na mesinha brilhante da televisão. Que nojo.

    E como se atrevem a não se envergonharem pelo nojo que nos metem? Cábulas! Doninhas que deslizam junto às paredes com a cuequinha húmida por poder ir dar um suposto passeio de uma suposta fortuna de bitcoin. Que nojo.

    right arrow sign on wall

    Influenciadores que se fotografaram com a máscara personalizada, olhem para mim que lindo, fui ver os gorilas na bruma, fiz mais um teste, portei-me bem, é preciso portar bem. Que nojo.

    E pensam eles que a Madame Guilhotine não aparece ciclicamente na história para mudar o capítulo. Pensam eles que a cumplicidade com aquilo que é errado não tem dolo (é errado! É errado! Nem tudo pode ser relativo! Não podem eternamente escudarem-se na desculpa que não sabiam!)

    Anjinhos que dividiram câmaras e juntas de freguesia (uma p’ra ti outra p’ra mim), e nós não sabemos dos senhores que vieram bater à porta para pagar a viagem da diáspora no dia do voto?! Não sabíamos que era errado?! Não comentamos entre dentes e finos e tremoços o nojo da corja que andava a acolchoar o “seu”?

    – Ah mas vou aproveitar a viagem! (Não é para mim!)

    Não sabemos como funcionam os corredores das academias, as palmadinhas nas costas, as simpatias, as guerras e rixas internas, as lutas por poder que nada constroem, nada trabalham?! Estão espantados com o desemprego jovem? A desorientação dos miúdos? A “fuga de cérebros”?! Pois, mas quantos estiveram a dar-lhes a mão? Quantos estão com dor de costas a segurar uma instituição por arames? Quantos estão sobrecarregados com o trabalho das alminhas que estão a governar o “seu”?

    gray arrow left sign

    – Eu vou botar lá por ele! (Não é para mim!)

    Que guardem lá o avental! Que se abotoem lá com as lombadas de palavras que não são deles! Virão uma vez mais os propagandistas do ministério da verdade gritar “negacionista”, “chalupa”, “o que fazer com eles?” Ninguém viu nada, agora foi tudo contra, o assalto aconteceu à porta do prédio e as persianas desceram sorrateiramente assim que a polícia chegou. Ninguém viu nada…

    É por nos ser conveniente passar pelos pingos da chuva (não temos o chuço?) que seguimos pela rua principal para chegar mais depressa ao nosso destino e pousarmos a cabeça na almofada esta noite, dormir, na paz da falta de espinha.

    É por nos ser conveniente que temos a máquina de lavar roupa e a máquina de lavar louça, esses triunfos que emanciparam as mulheres.

    É por nos ser conveniente que pedimos conselho jurídico no hipermercado, em promoção da semana.

    a blurry photo of a woman's face

    É por nos ser conveniente que despachamos o chato do arquitecto, que mais a mais é caro, e só faz bonecos, e mais a mais a realidade virtual agora até trata disso.

    Conveniente.

    Segui pela rua principal, para chegar mais depressa ao destino, e avistei ao longe. Havia neve naquele campo, em pleno Julho, em pequenos tufos espalhados por entre a relva alta. Um campo murado e cercado por uma rede alta onde ovelhas se passeavam preguiçosamente.

    Ao aproximar-me vi que, afinal, a neve eram flores.

    Conveniente.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice

    Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice


    A notícia de manchete desta noite do PÁGINA UM – sobre os 14 “jornalistas comerciais” identificados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – demonstra sobretudo o estado pantanoso (e já comatoso) da nossa imprensa.

    Sob a capa de necessidades de mercado e das sempre presentes dificuldades económicas (não se falando que, por regra, o mercado não aprecia produtos de má qualidade e fraca credibilidade), grande parte dos grupos de media lançaram-se para os braços de empresas privadas e entidades públicas, mercadejando o trabalho dos jornalistas, que se exige independente.

    man lying on green grass soaked with mud

    Não está aqui em causa a publicidade ou a existência de parcerias comerciais estabelecidas pelos departamentos de marketing dos grupos de media, mas sim o uso da figura do jornalismo e da actividade do jornalista para promoção de produtos e de marcas, incluindo o nome de empresas públicas ou privadas, ou mesmo de actividades governamentais.

    Nos últimos anos, os grupos empresariais de media, com a lamentável anuência, compadrio e participação activa de muitos directores editoriais, não se importaram de prostituir o jornalismo, vendendo “notícias”, “reportagens” e “artigos de opinião” a quem pagasse, viesse de onde viesse, a ponto de hoje já não ser nada claro se uma verdadeira notícia é afinal uma notícia feita por interesse editorial (para o público) ou por interesse económico (para o parceiro comercial).

    Há hoje cadernos de encargos de contratos públicos – e imagine-se o que serão os contratos com entidades privadas, que não são de acesso público – que estabelecem até o número de reportagens e entrevistas, exigem análise prévia de conteúdos pela empresa adjudicante, diversas penalizações se não se cumprir níveis de cobertura noticiosa, e até se prevê a substituição de equipas. Uma podridão.

    white ceramic toilet bowl

    Que faz a Entidade Reguladora para a Comunicação Social? Uma análise pela rama, deixando escapar escandalosamente os principais responsáveis pelo pântano na imprensa: os directores editoriais, que não apenas sabem o que se faz, como participam à laia de mestres-de-cerimónia (moderando eventos), contratando e indicando (ou obrigando mesmo) jornalistas (seus colegas de profissão) a violarem o Estatuto do Jornalista, escrevendo conteúdos comerciais.

    Nada contra conteúdos comerciais, mas estes têm de cumprir duas premissas: nunca serem escritos por jornalistas (nem terem participação activa de jornalistas da “casa”), devendo por isso conhecer-se uma equipa redactorial sem carteira profissional de jornalista; e haver uma clara distinção sobre os conteúdos comerciais e aquilo que é actividade jornalística.

    Nada que não esteja definido na Lei há várias décadas. Sucede, porém, que a ambiguidade interessa aos grupos de media e às empresas e entidades públicas. Uma empresa ou um Governo ou autarquia não quer gastar dinheiro em anúncios nem em publicidade clássica; prefere pagar, até mais, se puder associar-se (e associar a sua mensagem) a um evento com um jornal ou televisão, e ter depois uma cobertura noticiosa como se uma verdadeira notícia se tratasse. Vende-se notícias, é o slogan que se poderia agora anunciar em muitos órgãos de comunicação social. Normalizou-se o pântano, esquecendo as leis e esquecendo que o público não é parvo. As fracas vendas e a fraca credibilidade dos media devem-se a isto.

    men's playing rugby

    Com as sete deliberações que o PÁGINA UM começou hoje a apresentar, a ERC aparenta querer mudar este promíscuo pântano. Aparenta, repete-se, porque o faz a contragosto. E com pulhice.

    De facto, os processos intentados pelo (ainda) presidente da ERC, Sebastião Póvoas, não são fruto de uma análise de rotina, necessária e constitucionalmente prevista, mas por uma reacção às notícias do PÁGINA UM que, desde a sua fundação, elegeu o estado da imprensa (e a sua independência e rigor) como uma das suas prioridades.

    Porém, o PÁGINA UM faz isto dentro de um espírito deontologicamente irrepreensível. Sem corporativismo nem amiguismo. Por isso, depois de ter escrito uma primeira série de casos de suspeitosa promiscuidade – que culminou numa notícia que revelava 56 contratos públicos envolvendo sete grupos de media –, decidi endereçar um e-mail ao (ainda) presidente da ERC, juiz conselheiro Sebastião Póvoas, em 15 de Junho do ano passado.

    A missiva tinha como assunto explícito: “Pedido de depoimentos e informações para notícia do PÁGINA UM”.

    Início da missiva de 15 de Junho de 2022 do PÁGINA UM para o presidente da ERC, colocando perguntas. ERC “transformou” perguntas e pedido de informações para notícia em “exposição” e “comunicação”, como se se tratasse de uma denúncia formal.

    Nessa missiva fazia-se primeiro o enquadramento devido, informando da notícia dos 56 contratos, a que se ajuntava uma outra notícia sobre um caso envolvendo o Diário de Notícias e mais uma lista de oito contratos, e ainda uma outra notícia sobre as ligações jornalístico-comerciais da imprensa com empresas farmacêuticas.

    E terminava a missiva, escrevendo: “Nessa medida, e tendo em consideração outras intervenções da ERC, gostaria que V. Exa. informasse se está a decorrer ou vai ser aberto qualquer diligência para analisar estes contratos comerciais e a participação evidente (pelo menos em muitos dos casos) de jornalistas e responsáveis editoriais”, acrescentando ainda que “quaisquer outras informações e depoimentos que V. Exa. considere oportunos nessa fase serão, obviamente, bem-vindos, e desde já se agradece”.

    A ERC tinha várias possibilidades depois de receber este e-mail, incluindo ignorar-me e ignorar o PÁGINA UM, ou exercer as suas funções de regulador, investigando e agindo em conformidade.

    A ERC – e, portanto, os seus membros do Conselho Regulador – é uma entidade reguladora da comunicação social, e não a gerência do Zé dos Frangos a quem, inopinadamente, incumbem de decidir o que se deve fazer a perguntas de um jornalista no exercício da sua função de jornalista, que ainda por cima indica para que servirá a informação que eventualmente lhe for remetida.

    person holding stainless steel fork and bread knife slicing grilled meat on white ceramic plate

    Não poderia a ERC assim, jamais, pelas regras da decência – e até pelo rigor que exige à imprensa (e farta-se de produzir deliberações sobre essa matéria) – escrever invariavelmente nas deliberações (em seis das sete) que “deu entrada” na ERC “uma exposição [que repete duas vezes] de Pedro Almeida Vieira – PÁGINA UM”, rotulando ainda aquilo que são e foram legítimas perguntas jornalísticas como uma “comunicação”.

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – não faz exposições, não faz comunicações, não faz participações, não faz queixas a reguladoras ou a quaisquer entidades públicas no exercício das suas funções jornalísticas

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – faz notícias e faz perguntas. Catalogar perguntas como “exposições” ou “comunicações” não é apenas abusivo, é um acto escabroso, ainda mais tendo em consideração o melindre da situação: um órgão de comunicação social (PÁGINA UM) a escrever sobre assuntos sensíveis relacionados com grandes grupos da imprensa nacional.

    red white and black round wheel

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – sabe já bem (porque não se é ingénuo) quais foram os (baixos) propósitos da ERC e do seu Conselho Regulador quando “transformou” perguntas (que, aliás, nunca foram respondidas) numa “exposição” e “comunicação”.

    A ERC tinha uma indisfarçável necessidade de transmitir aos grupos de media, responsáveis pela promiscuidade reinante, que só assim procedia porque um desgraçado “mensageiro” andava a chatear, a dizer que ela nada dizia sobre andar nu o rei. E, portanto, quiseram alçar-me como alvo.

    A ERC, aliás, não estava verdadeiramente interessada em regular (e moralizar) a imprensa sobre os contratos promíscuos, tanto assim que pouco mais fez do que o PÁGINA UM já revelara. Nem sequer exigiu, como poderia, os cadernos de encargos (muitos são escondidos ilegitimamente do Portal Base), onde se revelam as promiscuidades em todo o seu esplendor. Nem sequer escalpelizou as relações comerciais ambíguas (para usar eufemismo) que saltam aos olhos diariamente em grande parte da nossa imprensa.

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – pediu ao (ainda) presidente da ERC para corrigir esta parte das deliberações e se retractar quer perante mim quer perante os órgãos de comunicação social que foram abrangidos pelos ditos processos, escrevendo-lhe no passado dia 25 de Junho.

    Intencionalmente, o presidente do Conselho Regulador nem se dignou responder ou reagir, o que só lhe aumenta o grau à pulhice de tudo isto, mesmo que ninguém do Conselho Regulador seja pulha. São todos uns santos, aliás. Amen.

  • A entrada da Mariana e o regresso do (outro) António

    A entrada da Mariana e o regresso do (outro) António


    O Bloco de Esquerda (BE) deixou de me motivar no período que se seguiu ao Miguel Portas, Daniel Oliveira e Ana Drago. Entrou numa fase de lideranças errantes, e Catarina Martins sempre foi, na minha opinião, um erro de casting. A um político não basta passar a mensagem certa, tem de saber passá-la sem irritar o ouvinte.

    Catarina Martins falhava, habitualmente, nas duas vertentes. Ainda assim não deixei de acompanhar a vida do partido. Posso não ser eleitor do BE, mas sou eleitor de esquerda e, portanto, tudo o que acontece entre o cada vez mais centrista PS e a extrema-esquerda do MRPP me interessa. Extremismos à parte, espero ter essa parte ficado implícita.

    Durante a Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES (2014-2015), fiquei a conhecer Mariana Mortágua. Tinha tudo, achei eu nessa altura, para ser uma política de sucesso. Estudava os temas, falava de forma calma e ponderada, usava argumentos lógicos e facilmente perceptíveis pelos eleitores, sem entrar em populismos baratos. Esta parte é importante num político que quer algo mais do que um esporádico bom resultado eleitoral.

    O pouco que fui vendo da vida do BE, desde essa comissão de inquérito foi, essencialmente, para perceber para onde caminhava Mariana Mortágua. Nunca percebi, que me perdoem os seus acólitos, como foi possível manter tantos anos Catarina Martins na liderança, quando se tinha Mariana Mortágua ali ao lado.

    O discurso de uma e de outra é a diferença entre mudar o canal ou ficar a ouvir até ao fim. Depois de algumas eleições catastróficas, e, julgo, quase 10 anos de liderança, Catarina cedeu o lugar a Mariana. Em boa hora.

    Este fim-de-semana, numa sardinhada do BE, Mariana Mortágua deixou duas ideias simples, mas fortes, dada a urgência de ambas. A primeira relacionada com as taxas de juro e com a inoperância do Governo português perante os aumentos do Banco Central Europeu (BCE).

    Com salários que rondam os 800 ou 900 euros, algumas famílias viram a prestação da casa subir de 400 para 700 euros. Não é preciso ser um matemático de eleição para perceber que não se vive assim. Na melhor das hipóteses, sobrevive-se.

    Como pode um país cada vez mais pobre, como Portugal, suportar políticas de aumento da despesa familiar para controlar a inflação? Como é que se pode aplicar a gregos, portugueses e romenos a mesma estratégia que seguem alemães, belgas e holandeses? E por que razão é apenas Mariana Mortágua que repete isto, sugerindo que os bancos, com lucros recorde, absorvam os aumentos em vez de sacrificarem as famílias. Tudo isto é tão óbvio que nem deveria dar argumentos para uma conversa.

    A outra mensagem, relacionada com a Educação, foi a de exigir que as creches fossem incluídas no sistema público de ensino e tal, como as escolas, fossem gratuitas em cada bairro e cidade. Algo que afirmo há pelo menos 14 anos, desde que percebi, na minha vivência de emigrante, que os impostos podem ser usados numa Educação verdadeiramente universal. Da creche até ao Ensino Superior, as mesmas oportunidades para o filho do padeiro e do médico. Tudo gratuito. É isso, e apenas isso, que faz um sistema de ensino universal.

    Uma vez mais, porquê apenas Mariana Mortágua, entre duas sardinhas e um copo de vinho tinto, fala sobre isso? Poucas coisas são tão importantes para um país pobre e envelhecido do que o estímulo à natalidade. As creches gratuitas são parte importante do plano.

    Gosto quando a esquerda fala sobre temas clássicos da esquerda sem se perder em discussões de unicórnios ou casas de banho, por onde o Bloco resolveu andar nos últimos anos. Estes são temas actuais, importantes e prioritários. Ditos de forma perceptível e sem grandes dramas ou demagogias. Mariana não parece encarnar um personagem, limita-se a dizer o que pensa. Ou, pelo menos, é essa a sensação que passa.

    No mesmo fim-de-semana, nas Caldas da Rainha onde há anos se recolheu, António José Seguro deu um ar da sua graça e parece, anos depois da rasteira que lhe passaram, estar disposto a regressar às lides políticas. Sobre Seguro, voltarei noutro texto porque há algo mais para dizer, mas, para já, fico com a impressão de que a esquerda portuguesa se começa a mexer numa direcção curiosa, para o período de oposição que se adivinha.

    Depois de tutti-fruttis, Catarinas, Costas, Galambas, Temidos e Cabritas, o futuro parece apontar para algo mais suportável, para quem não vota em Montenegro, Ventura ou o novo Cotrim (ainda não lhe decorei o nome).

    Já só falta o João Ferreira. Mais década menos década, está ai a rebentar.  

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • 2023 = 1984: a realidade já é a distopia?

    2023 = 1984: a realidade já é a distopia?


    O livro 1984, de George Orwell, retrata um regime distópico e totalitário dominado pelo Partido Interno, que governa a superpotência fictícia chamada Oceânia. Os membros do partido desfrutam de benefícios não acessíveis às demais classes sociais, o Partido Exterior – segunda divisão – e os Proles – o proletariado.

    Esses privilégios passam por melhores roupas, alimentos e bebidas mais abundantes ou moradias mais confortáveis. Tal como a restante sociedade, os membros do partido são constantemente monitorados pelo Grande Irmão, uma figura omnipresente que representa o líder supremo. O partido usa tecnologia avançada, como dispositivos de vigilância em todos os lugares, inclusive nos domicílios, para vigiar e controlar as actividades dos seus membros.

    white red and black wall art

    A verdade é uma construção completamente manipulada pelo partido, que controla a narrativa e distorce os factos, de acordo com seus interesses políticos, através do Ministério da Verdade. Os registos históricos são alterados, os documentos são destruídos e até mesmo fotografias são manipuladas para se adequarem à narrativa oficial.

    As crianças são doutrinadas desde cedo a serem leais ao partido, mais importante que qualquer laço familiar, e incentivadas a denunciarem qualquer comportamento ou pensamento considerado desviante, incluindo dos próprios pais.

    A relação entre guerra e paz é uma das principais ferramentas de manipulação usadas no controlo da população. Existe uma “guerra perpétua” com as outras duas superpotências, a Eurásia e a Lestásia. Essa estratégia visa manter a população num estado de constante medo e tensão, além de justificar todo o tipo de controlo rígido sobre todos os aspectos da vida.

    O partido manipula a informação de forma sistemática e altera constantemente a narrativa da guerra para se adequar aos seus objectivos políticos. Por exemplo, num dado momento, o partido pode afirmar que estão em guerra com a Eurásia e que a Lestásia é um aliado, mas noutro momento, a narrativa é invertida, e a Lestásia torna-se o inimigo.

    photo of Gardens by the Bay, Singapore

    Será que a ficção 1984 não será já hoje uma realidade?

    Há dias, tivemos a reunião de Verão do Fórum Económico Mundial que se realiza todos os anos na China – apesar da propaganda nos dizer que a China apoia a Rússia “contra” o Ocidente. Na prática, foi mais uma reunião dos membros do Partido Interno.

    Nestes eventos, um grupo de multimilionários não-eleitos determina de que forma seremos governados. O líder destes encontros de Verão e membro do Partido Comunista da China, o Sr. Li Qiang, no seu discurso de abertura, falou-nos da incontornável putativa pandemia dos últimos três anos: “A Covid-19 não será a última crise de saúde pública que a humanidade enfrentou. A governança global da saúde pública necessita ser aprimorada”.

    Tradução: vêm aí mais “pandemias” – antigamente, emergências inesperadas que ocorriam num intervalo de mais de 50 anos –, mais “inoculações experimentais”, a identidade digital, em que necessitamos que as populações entreguem a soberania dos seus países a organizações globalistas não eleitas, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), para que esta restrinja a nossa liberdade de circulação, através de certificados nazis, como forma de chantagear e ameaçar os dissidentes não disponíveis para “dar o bracinho”.

    woman in black off-shoulder dress

    A este respeito, nos últimos dias, o Ministério da Verdade já anunciou que os fabricantes das inoculações experimentais já reservaram inventário para uma “futura pandemia”. Dominam o passado e futuro!

    Para além do discurso de abertura, tivemos vários encontros paralelos, com as usuais menções à “transformação”, “reconstrução”, “emissões zero”, “sustentabilidade”, “estabilidade alimentar”. Tradução: um governo mundial, aliado a multinacionais monopolistas, com energia caríssima para os pequenos negócios, por forma a arruiná-los, usando a fraude das “alterações climáticas”, e gafanhotos no prato da populaça, em lugar de carne de vaca – a flatulência destas é perigosa para o “clima”.

    Da guerra ao “Vírus”, passámos para a guerra entre a “Rússia e o Ocidente”, tendo a Ucrânia como palco de “batalha”; apesar disso, no final de 2022, na cimeira do G20, a primeira e a China juntaram-se ao segundo para propor o aumento da vigilância e a censura sobre a “desinformação” na Internet, implementar CBDCs (Moedas Digitais dos Bancos Centrais) e introduzir passaportes digitais de “vacinas”, com base “na experiência” da putativa pandemia.

    Também temos “intervalos” na guerra, onde os líderes ocidentais visitam a toda a hora Kiev – durante esse intervalo já repararam que nunca caem bombas –, com o propósito de abraçar o “Novo Churchill”, o “democrata” que encerra televisões, prende opositores e suspende actos eleitorais até ao “final da guerra”. Mesmo com acções de terrorismo de Estado, onde se destroem infra-estruturas de milhares de milhões de Euros, nenhum dos beligerantes parece estar interessado em apurar responsabilidades. A perfeita manipulação do Ministério da Guerra.

    Guerra é paz e paz é guerra, onde as únicas vítimas são os ucranianos e russos que se matam entre si, em nome dos valores “democráticos” do Ocidente, da “integridade territorial” da Ucrânia – quantos silêncios tivemos quando era o lado “certo” a invadir – ou da “desnazificação” pelos russos, com os dois autocratas – um há mais de 20 anos no poder – a acumularem poder e riqueza sem fim, tal como a máquina militar dos Estados Unidos, que tem vindo a realizar bons negócios à conta dos papalvos europeus, que se limitam a “lançar” sanções económicas contra o seu principal fornecedor de energia.

    A verdade é mentira e a mentira é verdade. Há mais de 100 anos, a inflação era definida como o aumento da quantidade de dinheiro em circulação; mais massa monetária à procura dos mesmos bens e serviços levaria inevitavelmente à subida generalizada dos preços. Agora, nada disso, segundo o Ministério da Verdade, trata-se de um índice de preços elaborado pelos governos, precisamente os que mais beneficiam com o assalto silencioso às massas – em 2022, à boleia da inflação, o Estado português assaltou a população em 106 mil milhões de Euros, qualquer coisa como 10 mil Euros por pessoa.

    Entre o final de 2019 e o final de 2021, a Sra. Lagarde aumentou o seu balanço em 4 biliões de Euros (12 zeros), que serviu para os bancos imprimirem dinheiro como se não houvesse amanhã (o agregado M2 atingiu um ritmo de crescimento anual de 16,7%!), provocando que a maioria dos preços das principais matérias-primas registasse subidas vertiginosas entre o início da putativa pandemia e o final de Fevereiro de 2022 – início da guerra da Ucrânia –, como foi o caso do Petróleo e do Gás Natural que subiram 351% e 169% respectivamente.

    Apesar da evidência, a Sra. Lagarde veio-nos dizer que “as alterações climáticas afectam a inflação…a inflação é a fera… que os banqueiros centrais…querem domar e disciplinar”! Terá sido o CO2 que levou a Sra. Lagarde a comprar, com dinheiro de monopólio, as obrigações de Estados falidos aos bancos, para estes implementarem o roubo aos contribuintes a favor das farmacêuticas, laboratórios de análises clínicas, farmácias e apaniguados do poder durante a putativa pandemia?

    Depois do escol ter aplaudido os engodos às massas “oferecidos” pela Sra. Lagarde, levando-as a comprar casas com taxas 0%, “entaladas” agora com juros acima de 5%, em nome da saúde primeiro e a economia vê-se depois!, temo-lo agora “muito aborrecido” – apenas crocodilos a chorarem lágrimas – com a receita da Sr. Lagarde para enfrentar a elevada inflação que ela mesmo criou! Nas últimas semanas, detalhou-nos o plano:

    pink pig coin bank on brown wooden table

    O Meijengro da República, membro do Partido Exterior, disse-nos que os “bancos centrais devem ter muito cuidado com aquilo que dizem“. Tradução: não dêem nas vistas, caso contrário, a populaça apercebe-se do assalto que lhes foi perpetrado. Uns dias antes, escutáramos esta pérola sobre o mesmo tema: “É possível que não se tenha nenhuma verdade segura sobre o futuro”.

    O seu ajudante ainda logrou atirar-nos com uma pérola superior: “O aumento de lucros extraordinários tem contribuído mais para a manutenção da inflação e não as subidas salariais. Isto limita muito a capacidade do enfrentar porque se não acertamos bem no diagnóstico a terapia raramente acerta”! Reparem, a culpa nunca é deles, é sempre do Prol ou das empresas que lhes pagam as contas.

    Entretanto, o projecto do Euro Digital avança a todo o vapor, será, em conjunto com a identidade digital, um autêntico gulag digital que nos será servido, onde será possível ao Estado vigiar e rastrear todas as nossas compras, deslocações, rendimentos e preferências.

    closeup photography of gold-colored ornament

    Tal como o Ministério da Verdade de “1984”, os órgãos de propaganda garantem-nos que tudo será uma maravilha, jamais o BCE estará interessado em partilhar dados de cidadãos com os governos. Tal como nos diziam durante a putativa pandemia: há que confiar nas autoridades!

    Tal como era previsível, os bancos, autênticos braços armados do Partido Interno, começam agora a “desbancarizar” cidadãos dissidentes da narrativa oficial. Desta vez, foi o político Nigel Farage, um dos grandes impulsionadores do Brexit, algo que não agradou ao Partido Interno e que permitiu aos britânicos verem-se livres da URSS/ União Europeia.

    Uma relação de décadas com um banco, onde aí tinha a sua conta individual e de negócios, comunicaram-lhe que por “razões comerciais” as suas contas seriam encerradas. Não lhe valeu de nada ir bater à porta de vários bancos, pois nenhum o aceita como cliente. Isto é o que irá acontecer a quem não alinha na “narrativa oficial” do Partido Interno.

    Depois da guerra na Ucrânia, temos agora a guerra na França, onde hordas de imigrantes decidem destruir tudo no seu caminho, em lugar de confiar nos tribunais e no Estado de Direito, próprio de uma sociedade civilizada.

    blue and yellow striped country flag

    O agente do Partido Interno lá do sítio, que há um ano e meio queria “irritar os não vacinados”, praticando a segregação e incitamento ao ódio, e foi capaz de esmagar qualquer resistência ou revolta da população à tirania Covid-19, não logra agora proteger a propriedade privada dos franceses. Para ele, a culpa nunca será da imigração descontrolada que ele promove, mas, pasme-se, das Redes Sociais!

    Neste sentido, o Ministério da Verdade, em coordenação com a URSS/União Europeia, já vem em seu auxílio, através de uma nova directiva que contém estas preciosidades:

    • As plataformas terão de parar de exibir anúncios para utilizadores com base em dados sensíveis, como a religião e opiniões políticas. O conteúdo gerado através de inteligência artificial, como vídeos e fotos manipulados, conhecidos como deepfakes, terá de ser identificado. Tradução: têm de vigiar e identificar todas as notícias que nos desagradam;
    • As empresas também terão de realizar avaliações anuais dos riscos que as suas plataformas representam numa série de questões, como a saúde pública, a segurança infantil e a liberdade de expressão. Elas serão obrigadas a apresentar as suas medidas para lidar com tais riscos.” Tradução: retirem o conteúdo que possa colocar em causa as miraculosas vacinas e censurem qualquer opinião dissidente;
    fire burning on the road with high rise buildings during daytime photography
    • Empresas externas vão auditar os planos das empresas proprietárias das plataformas. A equipa de fiscalização da Comissão Europeia terá acesso aos seus dados e algoritmos para verificar se estão a promover conteúdos prejudiciais, como aqueles que coloquem em risco a saúde pública ou durante as eleições.” Tradução: tenham cuidado, pois teremos direito a entrar nas vossas instalações, sem aviso prévio ou respeito pela propriedade privada, para ver se censurais o que vos ordenamos, em particular durante as putativas pandemias ou a realização de eleições “livres”, para as quais desejamos obter os “resultados certos”.

    George Orwell ficaria agora assustado com a nossa realidade: já supera 1984.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os cidaDeus do Haka Woke

    Os cidaDeus do Haka Woke


    Woke vem do inglês stay woke e para nós é um “acorda” intenso. Talvez um Acordai do Lopes Graça. Hoje todos temos uma concepção mais desperta para os problemas do Mundo, todos fomos catequizados pelo politicamente correcto e todos seguimos, revoltados, os maus tratos a animais e a pessoas. No entanto, a sensibilidade é escalável.

    Os woke querem despertar a nossa revolta para os problemas ancestrais de escravatura, a segregação racial, sexual, identitária, etc. Há uma ocupação do espaço político pelo movimento woke. Parece que o uso da expressão se generalizou em 2014 com o movimento Black Lives Matter.

    yellow and brown leaves on white ceramic tiles

    Os migrantes incluem-se nesta sopa woke. A sopa inflamatória dos woke, conjuga dezenas de temas e congrega a rede social num espaço vigiado, muito escrutinado que possuem línguas afiadas e viperinas. Um woke discorda de nós e imediatamente nos cataloga de fascista, retrógrado, racista, criminoso.

    A gritaria recorda-me o Haka, gritado e encenado pelos neozelandeses e pelas neozelandesas antes dos jogos de rugby. O Haka woke é uma barbaridade sobre os que insistem nas touradas, sobre os que não seguem a cartilha da responsabilidade humana como principal causa de aquecimento global, sobre os que defendem que o excesso de gatos é uma praga para o ecossistema, sobre os que defendem prostituição legal e clara, sobre os que discordam da política das migrações europeia, sobre os que em nome da redução de consumo e de pegada ecológica acham que deve haver balizas aos pets, sobre os que não concordam com a humanização animal, sobre os que acham errado indemnizar a História, devolver patrimónios conquistados.

    A Haka woke é uma igreja ululante e insultante que cai sobre quem ousar divergir dos seus paradigmas. A pandemia foi um exemplo da força descontrolada do eu opinativo sobre o respeito dos outros.

    rugby team dancing in the field

    O eu opinado não necessita ser sábio, não carece de dúvidas; é um novo texto religioso que leva a mudar a escrita, obriga a alterar a linguagem, penaliza discursos. O grande problema é que nada é imutável e todo o conhecimento científico tem por pressuposto a incerteza, porque uma ínfima descoberta pode mudar todo um raciocínio bem construído.

    Mas hoje há milhões de eus gabarolas, de pessoas que não estudando concluíram certezas: são os “cidaDeus” que não entendem que há outros. Os cidaDeus falam haka, ligam o telemóvel alto em restaurantes, colocam colunas de música na praia, estacionam frente a garagens, furam pneus para castigar compradores, pressionam condutores mais lentos.

    Claro que a maioria destes eus é internauta e ulula despido, ou insulta sem travões. Há cidaDeus woke e há os que o não são. Pegam-se num fanatismo cansativo que está a desmerecer as redes sociais. O inaceitável para cada um baixou de limiar, e agora basta um sussurro, um vislumbre, uma vírgula mal colocada para choverem perfis falsos e perfis verdadeiros carregados de ódio, língua de fora, palavrões, perfídia.

    a couple of kids that are on a slide

    Os trolls fabricam-se a pedido dos partidos. Um troll só tem direitos e sensibilidade; para os outros é toca a lavrar. Vêm desestabilizar, enfurecer, provocar os incautos que ousaram deixar a opinião. Desde 2014 com a cultura woke este fascismo tem tomado a governação da Europa que agora está a viver o ateísmo aos cidaDeus. Uma onda de direita já conquistou a Dinamarca, a Finlândia, a Itália, a Suécia, e é uma força crescente em França, Portugal, Espanha, Alemanha.

    A vitória dos novos ateus existe há vários anos na Hungria e Polónia. Comedimento é a palavra-chave para este problema, bom senso é essencial para alterar este percurso, mas o que não serve mesmo é o cinzentismo do PSD, a falta de posicionamento daqueles que estão exaustos dos cidaDeus que falam haka e tem por ideologia o woke.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.