Categoria: Opinião

  • Carta aberta: vamos a jogo, com Lei & Ordem, não com palhaçadas

    Carta aberta: vamos a jogo, com Lei & Ordem, não com palhaçadas

    Carta enviada hoje à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com conhecimento ao Sindicato dos Jornalistas e ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas a pretexto de um parecer desta última entidade contra o director do PÁGINA UM em consequência de uma queixa da presidente da própria Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e simultaneamente conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas.


    Lisboa, 23 de Julho de 2023

    Exmos. Senhores Membros do Plenário da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista:

    O Aviso nº 23504/2008, publicado no Diário da República, 2º série, de 17 de Setembro de 2008, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.

    De acordo com o nº 2 do artigo 1º do referido diploma, “sempre que da prática da actividade de jornalismo resulte a violação de normas de natureza deontológica, é reconhecida à CCPJ a possibilidade de instaurar inquérito ou processo disciplinar ao abrigo do presente Estatuto”, estabelecendo-se também, no nº 2, que “comete infracção disciplinar profissional o jornalista e os restantes indicados no nº 1 do artigo 1º que, por acção ou omissão, violarem dolosa ou negligentemente algum dos deveres mencionados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista.”

    Ora, como V. Exas. terão conhecimento, a Dra. Licínia Girão, presidente da CCPJ, apresentou queixa contra mim junto do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Ignoro os motivos para, tendo ela suspeitas de eu ter violado dolosa ou negligentemente os deveres mencionados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista, não ter como queixosa e presidente da CCPJ (e simultaneamente membro do Secretariado da CCPJ) proposto a abertura imediata de um procedimento disciplinar contra mim, atendível o artigo 12º do referido diploma.

    Aliás, deveria tê-lo feito logo em Agosto de 2022, e não em Maio de 2023.

    Ademais, eu nem consideraria esse acto desapropriado, desde que houvesse o decoro de explorar as alternativas colocadas no nº 4 do artigo 12º do referido Estatuto Disciplinar dos Jornalistas, ou seja, em vez de o processo ser distribuído a um dos três elementos da Secção Disciplinar (Anabela Natário, Miguel Alexandre Ganhão ou Isabel Magalhães), “ser delegada em pessoa com habilitação idónea ao desempenho da função, preferencialmente jornalista com um mínimo de dez anos de exercício da profissão de jornalista ou licenciado em Direito, devidamente mandatado pela Comissão [CCPJ]”.

    Tudo seria mais adequado e justo para todas as partes – e teríamos evitado o lamentável espectáculo de um Conselho Deontológico que, interpretando e criando normas regulamentares ad hoc, nem sequer considerou a minha defesa. Convenhamos que a Dra. Licínia Girão gostaria de “vencer” uma queixa sem ser por falta de comparência do denunciado por imposição na “secretaria” por parte do “árbitro”, isto é, do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, entidade onde ela integra o Conselho Geral.

    Portanto, deduzo que teria sido melhor para a queixosa (Dra. Licínia Girão) ter optado por usar a CCPJ para a abertura de um procedimento disciplinar, porquanto, ao invés de ela conseguir apenas um “parecer” sem consequência formal, poderia ver ser-me aplicada uma das sanções disciplinares previstas no artigo 8º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.

    E para mim também seria melhor, porquanto, além de assim evitar assistir ao triste espectáculo de um organismo que já integrei (Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas), através do parecer relativo à Queixa nº 16/Q/2023, teria os meus direitos efectivamente defendidos.

    Isto é, obrigatoria e escrupulosamente, num procedimento disciplinar ao abrigo do já referido Estatuto, serão seguidos os procedimentos legais, designadamente a fase de instrução, o eventual despacho de acusação, a notificação da acusação, o prazo para defesa, a apresentação da defesa, a indicação de testemunhas, o eventual pedido de realização de novas diligências, as alegações e mesmo o recurso ao Tribunal Administrativo de uma decisão desfavorável. Algo que esteve muito longe de suceder no decurso do “processo” absurdo instaurado pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, que nos deve envergonhar a todos, porquanto nem sequer foram consideradas as minhas respostas escritas, mesmo após um parecer jurídico solicitado pelo próprio Conselho Deontológico ao gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas.

    Em todo o caso, se alguma utilidade tem aquela peça, parida por quatro jornalistas conjunturalmente membros do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, é a de apontar, até pelas “certezas” que aparentemente dali derivam, que eu cometi um sem-número de infracções graves aos deveres mencionados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista em relação às notícias que publiquei sobre a Dra. Licínia Girão e sobre a própria CCPJ.

    Obviamente, discordo dessa visão.

    Portanto, posto isto, considero que a CCPJ tem a obrigação, legal e moral, de me instaurar um procedimento disciplinar sobre estas matérias, sem o qual se poderá, legitimamente, interpretar que o recurso ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas por parte da Dra. Licínia Girão serviu apenas para obter uma “condenação” num determinado “ambiente amigo”, desconfiando que tal “condenação” dificilmente seria conseguida se, ao invés de se andar a “brincar aos pareceres” ao arrepio da Lei e da Ética – como se mostra evidente pela acção do Conselho Deontológico – se recorresse ao Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.

    Nessa medida, serve esta Carta Aberta, para instar V. Exas. para que, considerando o previsto na alínea a) do n º 2 do artigo 12º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas, seja decidida a abertura de procedimento disciplinar contra mim relativamente às matérias sobre as quais a Dra. Licínia Girão se queixa.

    Isto, claro, se a Dra. Licínia Girão, como pessoa “devidamente identificada” e “directamente afectada pelo facto susceptível de consubstanciar uma infracção disciplinar” não se tenha já antecipado – ou, enfim, se venha, cronologicamente, a antecipar, com o devido carimbo comprovativo desse justo acto de antecipação –, pedindo a instauração deste procedimento disciplinar, de acordo com a alínea b) do artigo 12º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.

    O efeito, em qualquer dos dois casos, resultará em colocar-me à mercê de um julgamento com Leis. Somente assim, como sói dizer-se, se fará Justiça. E somente assim poderá haver respeito pela classe dos Jornalistas, que devem constituir um bastião da Democracia, e não um grupo corporativista que a corrói.

    Cumprimentos.

    Pedro Almeida Vieira

    Director do PÁGINA UM

  • Será o Banco Central Europeu uma história invertida de Frankenstein?

    Será o Banco Central Europeu uma história invertida de Frankenstein?


    Nos últimos meses, uma pletora de políticos e jornalistas económicos tem-se insurgido contra as recentes subidas das taxas de juro na Zona Euro. No início de Julho de 2022, as taxas de juro situavam-se em 0%; a partir daí, foi sempre a subir. A mais recente subida, no último dia 21 de Junho, fixou os juros em 4%. Assim, um qualquer empréstimo ao Banco Central Europeu (BCE) por um banco comercial da Zona Euro implica encargos financeiros de 4% ao ano.

    Mas parece que as subidas não terminam por aqui. Talvez por isso, recentemente, um grupo de eurodeputados portugueses reuniu-se com Christine Lagarde, a presidente do BCE, para lhe dar conta de um grandiloquente alerta: após o Verão, o BCE deveria parar as subidas de juros por forma a que a Zona Euro não “morra por causa da cura”. É curioso, durante os anos a fio com juros 0%, ou até mesmo negativos – tal aconteceu durante a putativa pandemia–, nunca escutámos sublimes súplicas!

    Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu.

    Como sempre, as classes médias são as que mais sofrem com estas devastadoras políticas, atendendo que as taxas Euribor, os indexantes dos empréstimos à habitação e altamente condicionadas pelas taxas de financiamento do BCE ao sistema bancário, já superam os 4%, como é o caso do prazo a 12 meses.

    Assim, no início de 2022, um empréstimo de 200 mil Euros, com um spread de 1,5% aplicado à Euribor a 12 meses (-0,45%) e com um prazo de 40 anos, implicava um pagamento mensal de 510 Euros; agora, com a Euribor a 12 meses nos 4,134%, significa um encargo mensal de 1.045 Euros. A duplicação do valor da renda em apenas um ano!

    Como ficou evidente pelo colapso das tiranias comunistas nos finais dos anos 80 do século transacto, o planeamento central é um completo falhanço. No entanto, e apesar de tudo, continuamos a acreditar que seis iluminados ao leme de um Banco Central são capazes de determinar o preço do dinheiro!

    Até nos asseguram que possuem poderes especiais, sendo até capazes de conhecer a preferência temporal de cada um dos milhões de particulares e dirigentes de órgãos sociais de empresas que interagem no mercado de poupança todos os dias. Aquilo que deveria resultar da oferta e procura por poupança num mercado livre, é substituído pela “opinião” de um grupo restrito de burocratas não eleitos – claro está, suportado “na leitura e análise” de enormes quantidades de informação enviada pelos bancos supervisionados.

    Foto oficial dos seis membros do Conselho Executivo do Banco Central Europeu, liderado por Christine Lagarde.

    Segundo a sua cartilha, o seu Santo Graal é nada mais nada menos que uma inflação-alvo de 2%! Não conhecemos as razões associadas a tal perfeição, mas fica sempre a pergunta no ar: por que não 1%, ou 0,5%, ou mesmo 0%; ninguém sabe, mas aparentemente ninguém os questiona!

    Uma coisa repudiam sempre: a deflação, esse terrível fenómeno que incrementa o poder aquisitivo das classes com rendimentos fixos. Aparentemente, algo que agora custa 100 Euros e que irá custar 98 Euros ou 97 Euros daqui a um ano é funestíssimo, dado que os consumidores diferem o seu consumo, “prejudicando” o consumo agregado! Ora, se eu necessito de comer ou vestir-me agora, por que razão irei adiar a minha compra?! Parece que ninguém tem a resposta.

    Apesar do seu enorme poder, estas instituições possuem um único produto: dívida, nada mais! Quanto mais dívida, maior o seu poder. Além disso, esta é criada a partir da contrafacção de moeda: para tal, basta um banco comercial solicitar um crédito ao Banco Central, com este último a creditar informaticamente a conta do primeiro; assim, do “nada”, desta forma simples, é criada nova moeda!

    Como chegamos até aqui? Como foi possível o aparecimento de tais instituições sem qualquer contestação?

    Christina Lagarde com Pierre Gramegna, director executivo do Mecanismo Europeu de Estabilidade.

    Importa recordar as razões da sua origem: o Banco Central é a criatura criada pelos bancos, semelhante ao romance de terror gótico de Mary Shelley, publicado pela primeira vez em 1818. Conta-nos a história do jovem cientista Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que vive na Suíça no século XVIII, que criou um monstro.

    No caso dos bancos, este monstro foi criado para coordenar a prática de reservas fraccionadas entre bancos; a existência de um dissidente no saque à população – se o fizermos está-nos reservado o cárcere – era um perigo que importava eliminar. Assim, nada como um “monstro” a dirigir um cartel bancário para impor o roubo via inflação da população.

    No romance de Mary Shelley, no princípio, a criatura é rejeitada pelo seu criador, pelo que tenta integrar-se na sociedade humana, mas é constantemente repudiado e maltratado devido à sua aparência assustadora. Desesperado por amor e aceitação, a criatura começa a sentir uma profunda raiva e ressentimento em relação ao seu criador, Victor Frankenstein, e à Humanidade em geral.

    Em busca de vingança, a criatura confronta Victor Frankenstein e exige que ele lhe crie uma companheira, uma criatura semelhante, com a promessa de que irá desaparecer para sempre da sua vida. No princípio, Victor Frankenstein concorda, mas depois muda de ideias por medo das consequências de criar uma nova criatura, ainda mais horripilante que a primeira.

    Participantes do Forum do Banco Central Europeu que se realizou em Sintra no final de Junho.

    A criatura, enfurecida e sentindo-se traída novamente, passa a perseguir Victor Frankenstein e a ameaçar a sua família. A história culmina numa série de eventos trágicos e violentos, que levam a um confronto final entre Victor Frankenstein e a sua criação, levando à morte do primeiro.

    A pedido dos seus criadores, o monstro teria de assegurar o saque à população de forma silenciosa, criando dívida e dinheiro sem fim. Em certo dia, atingiu uma dimensão desmesurada,  superior a 7,2 biliões de Euros, passando a colocar em perigo a sua imagem pública, em resultado da elevadíssima inflação que provocou.

    Tal como no romance de Mary Shelley, por forma a vingar-se, o monstro decide assassinar os seus criadores: será através do Euro Digital, onde cada carteira digital indicará o número de tokens existentes, impossibilitando a contrafacção de dinheiro pelos bancos.

    Será a sua morte às mãos do monstro. Com o seu fim, o monstro tornar-se-á a super criatura que controlará a vida de todos os cidadãos, ocupando o lugar cimeiro de uma tirania sobre a humanidade: o que consumimos, quanto consumimos, a que horas consumimos, com quem transaccionamos, o que podemos consumir, se temos direito a um rendimento mínimo, quanto nos retiram em impostos, em que zona geográfica podemos consumir no caso de confinamento…no fundo, o epicentro de um crédito social chinês.

    No romance de Mary Shelley, o monstro acaba a chorar a morte do seu criador; na nossa história, será ao contrário: o monstro rejubilará com todo o poder que alcançou com o desaparecimento dos seus criadores.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria

    A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria

    Recebi ontem uma coisa chamada, pomposamente, “deliberação” do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Tenho alguma aversão em usar a denominação completa, por incluir o Sindicato dos Jornalistas, que é estrutura ainda com alguma decência e com eleição autónoma de membros – e ainda mais o termo Conselho Deontológico, que remete para Ética. Na verdade, nos tempos que correm, de podridão na imprensa, chamar Conselho Deontológico àquilo que hoje ali temos na Rua dos Duques de Bragança para tratar de ética no jornalismo é tão bizarro como a denominação República Popular Democrática da Coreia para a Coreia do Norte.

    Enfim, mas versa a coisa, a dita “deliberação” – que está neste momento no site do Sindicato dos Jornalistas, com logótipo do Sindicato dos Jornalistas, logótipo na homepage do Sindicato dos Jornalistas e hoje mesmo colocado – sobre uma queixa da conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas, Licínia Girão, que preside, por amparos do dito Sindicato dos Jornalistas, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    A dita senhora, Licínia Girão de sua nominata, recentemente licenciada e com mestrados igualmente recentes, encabeça desde Maio do ano passado a CCPJ, uma entidade pública para a qual, se exige por lei, o ser-se “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

    Porém, em artigos que comecei a escrever a partir de Agosto do ano passado, conclui-se, com factos, que afinal estamos perante alguém que nem sequer conseguiu concluir o estágio de advocacia e cancelou a sua inscrição na Ordem dos Advogados. Ou seja, uma “jurista de mérito reconhecido” que tentou mas, hélas, não conseguiu obter o título de advogado. Se alguém que tenta mas não consegue terminar o estágio de advocacia é mesmo assim um “jurista de reconhecido mérito”, que diremos então dos 35.432 advogados reconhecidos pela Ordem dos Advogados? Podem usar o atributo de “jurista de reconhecido super-mérito”, por ser justo considerar que os seus méritos são superiores ao mérito da Dra. Licínia Girão?

    Estamos também perante alguém que luta abnegadamente para que eu lhe reconheça o mérito, em notícias, mas que tem das piores notas na candidatura para o 39º curso de magistratura do Centro de Estudos Judiciários. Terá sido um chumbo de mérito?

    Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas, ostentando o diploma da Menção Honrosa na categoria Ensaio/ Prosa no âmbito dos 13º Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana, obtido m Junho de 2021.

    Mas, enfim, passando à margem da recusa da senhora presidente da CCPJ e Conselheira do Sindicato dos Jornalistas, de ela própria me poder instaurar um processo disciplinar na CCPJ – mas aí estaria ela obrigada a cumprir preceitos legais e de transparência, que não se exige entre camaradas –, vejamos então como os seus queixumes foram tratados pelo diligente Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (a partir de agora CD-SJ).

    Em 18 de Maio passado, o CD-SJ informou-me da queixa de Licínia Girão, mas em vez de me pedir que me pronunciasse abertamente sobre esta matéria, colocou-me, desde logo, 22 quesitos, que consubstanciavam já uma acusação com pré-conclusões ou mesmo conclusões. Por exemplo, o último quesito era o seguinte:

    Por fim, e de forma mais geral, pedimos-lhe uma última resposta sobre este tema: o Código Deontológico é claro na necessidade de separar factos e opiniões, o que nem sempre acontece nos seus textos. Como o justifica?

    Isto sem sequer explicitar casos concretos onde eu alegadamente não separava factos e opiniões.

    No próprio dia 18 de Maio, respondi ao CD-SJ com alguma informação (transmitida informalmente), lamentando o tom inquisitorial e já acusatório, e manifestava a minha disponibilidade de “responder formalmente mais tarde, e em audiência presencial gravada (sem o que não me predisporei a colaborar neste processo)”.

    João Paulo Meneses (à esquerda), presidente do Conselho Deontológico do Sindicato do Jornalista e Provedor do Adepto do Rio Ave Futebol Clube. Também é docente universitário na área da Comunicação Social e especialista em vinho alvarinho.

    No dia 22 de Maio remeti também ao CD-SJ cópia de um e-mail que enviara à Presidente da CCPJ e Conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas em 14 de Agosto do ano passado, aquando da preparação do primeiro artigo, e que não tivera resposta ao essencial das questões formuladas.

    Em 23 de Maio, o CD-SJ reiterou que apenas aceitava “respostas que sejam dadas por escrito, às perguntas enviadas”, acrescentando que “com ou sem respostas, analisaremos a queixa em causa”.

    No próprio dia 23 de Maio, respondi ao CD-SJ estranhando que todas as suas comunicações não eram assinadas, pedindo para ser formalmente notificado da queixa. Reiterava que o regulamento interno do CD-SJ não limitava nem condicionava a forma de resposta do denunciado.

    Em 4 de Junho reiterei o meu pedido de esclarecimento ao CD-SJ sobre o formalismo de me notificarem e de conhecer a identidade do relator que estaria com a responsabilidade de análise da queixa.

    No dia 7 de Junho reiterei a necessidade de transparência no processo, através de um e-mail enviado ao CD-SJ, ainda mais no contexto de um conjunto de artigos do PÁGINA UM que denunciavam recentes promiscuidades na imprensa, uma delas num órgão de comunicação social onde trabalha um dos membros do CD-SJ.

    Nesse mesmo dia, 7 de Junho, o CD-SJ reiterou que “apenas considera respostas que sejam dadas por escrito” e acrescenta: “Embora os prazos definidos pelo Regulamento do Conselho Deontológico para a chegada das eventuais respostas já tenham sido ultrapassados, e consequentemente, a análise da queixa já tenha começado, poderemos ainda receber as suas respostas, caso cheguem nos próximos dias. Queremos acrescentar que os nossos procedimentos relativamente a este caso são iguais aos outros.”

    Marcos Borga, fotojornalista da Visão, é um dos membros do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ). A Visão foi uma das revistas onde a ERC detectou “jornalistas comerciais”, que escreveram textos para cumprir contratos comerciais.

    No dia 8 de Junho, enviei um e-mail ao Sindicato dos Jornalistas com um pedido de apoio jurídico por causa da queixa do CD-SJ, que é uma estrutura autónoma. Salientei que “não sei quais são os propósitos do CD do SJ – que tem pelo menos três membros a trabalharem em órgãos de comunicação social visados pelo PÁGINA UM de [por] práticas pouco idóneas (…)”. E acrescentava ainda que “servindo esta missiva para V. reflexão, venho também pedir, mais uma vez, aconselhamento jurídico para este processo, de modo a evitar que haja um parecer do CD do SJ sem cumprimento das formalidades legais (estando o CD integrado num sindicato, julgo que existem obrigações legais a cumprir, que estão acima do livre arbítrio dos seus membros ou de interpretações à la carte do regulamento interno) e, se tal não for possível de evitar, a tomar diligências judiciais no caso da minha credibilidade profissional e ética for afectada pelo eventual parecer”.

    Sem resposta, no dia 12 de Junho, enviei um novo pedido ao Sindicato dos Jornalistas, com conhecimento do CD-SJ, solicitando a emissão de um parecer jurídico para se saber da legalidade dos procedimentos. E acrescentava que “em todo o caso, mesmo sabendo que são organismos independentes, e até porque esta mensagem também lhe é dirigida, pedia que houvesse a sensatez por parte do Conselho Deontológico do SJ para aguardar pelo parecer do Gabinete Jurídico antes de elaborar o parecer. Se o parecer determinar que tenho de apresentar obrigatoriamente a defesa por escrito, assim farei em menos de três dias. Não estou nem quero fugir ao processo e tenho até todo o prazer de defender os meus princípios, mas numa luta justa e não num processo enviesado.”

    No dia 11 de Julho, enviei ao Sindicato dos Jornalistas, com conhecimento do CD-SJ, um e-mail com o seguinte conteúdo:

    Catarina Santos, membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e jornalista do Observador, O PÁGINA UM tem relatado diversos casos relacionados com este órgão de comunicação social, o último dos quais relacionado com a compra de podcasts pela Gebalis.

    “Vai fazer amanhã um mês que pedi a intervenção do Gabinete Jurídico associado ao SJ para dirimir a questão sobre como deveria o CD-SJ proceder, dentro da lei e do espírito de transparência e de justiça na análise, no “processo” resultante de uma queixa da presidente da CCPJ.
    Fiz esse pedido não para me furtar de qualquer “julgamento”, mas sobretudo para o ter… mas justo.
    Verifico, porém, que até agora, formalmente, não tenho conhecimento do resultado dessa análise jurídica e, em consequência, não faço a mais ténue ideia do que anda o CD-SJ a fazer neste interim.
    Deixo também, formalmente, duas ligações a notícias do Página Um que, talvez, fossem também interessantes de analisar pelo CD-SJ
    https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/03/erc-poupa-directores-e-decide-so-identificar-14-jornalistas-comerciais/

    https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/07/erc-detecta-quatro-grandes-empresas-de-media-com-15-contratos-publicos-forjados/

    designadamente sobre a participação de directores de OCS na execução de contratos comerciais e em jornalistas que fazem a cobertura de eventos comerciais envolvendo os seus empregadores.
    Aguardando o parecer jurídico, aceitem os meus melhores cumprimentos.”

    No dia 14 de Julho, recebi a seguinte comunicação de Ana Isabel Costa, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas:

    Foi pedido um parecer ao gabinete jurídico em relação às questões colocadas no teu email de 12 de junho de 2023.

    Tendo em conta o melindre da situação, como bem referes, acreditamos que o documento, que enviamos em anexo, reflete uma posição equilibrada e ao alcance de todas as partes.

    Note-se que este parecer jurídico – que afinal era, sim, a resposta a um parecer que fora solicitado pelo próprio CD-SJ em 24 de Maio – defendia que o CD-SJ tinha autonomia para definir a forma de resposta e que a notificação poderia ser por e-mail (desde que garantida a sua recepção), mas que deveria identificar o relator.”

    O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas integra também uma jornalista da Lusa, Susana Oliveira, detida pelo Estado (50,15%) e pelo universo da Global Media (quase 46%), de Marco Galinha. O PÁGINA UM tem denunciado inúmeros casos deontologicamente reprováveis tanto da Lusa como das diversos órgãos de comunicação social da Global Media, nenhum deles abordados pelo CD-SJ.

    No próprio dia 13 de Julho, comuniquei ao Sindicato dos Jornalistas e ao CD-SJ que, embora discordando de aspectos do parecer jurídico, “vou cumprir o que aí consta a partir do momento em que me for indicado o relator do parecer. Quando tal suceder, agradecia que me fosse indicado o prazo para responder. Em todo o caso, como já referi, o CD-SJ está a meter-se num caminho muito perigoso quando está a abrir-me um processo desta natureza. A CCPJ tem, ela própria, os instrumentos legais para me abrir um processo. A presidente da CCPJ sabe, mesmo que omita na queixa, que cumpri todas as diligências para que prestasse declarações e esclarecimentos concretos. Não o fez (e tenho provas disso) nem os seus colegas do Plenário (que foram questionados individualmente).

    No dia 14 de Julho, o CD-SJ respondeu-me com o seguinte e-mail, também não assinado, como habitualmente:

    O CD discorda do entendimento do advogado do Sindicato relativamente à necessidade de identificar o relator, não apenas porque ela não está fundamentada em qualquer argumento mas também porque, ao longo deste mandato, e, já agora, também dos mais recentes, o relator nunca é identificado, não vendo o CD razão para, também aqui, criar aquilo que seria uma exceção.

    Apesar da proposta de parecer estar numa fase adiantada, consideraremos as respostas de Pedro Almeida Vieira, se elas nos chegarem nos próximos dias.

    No dia 18 de Julho, enviei um e-mail ao CD-SJ, onde, fazendo várias considerações, escrevo o seguinte:

    O pedido que fiz ao Gabinete Jurídico não esclareceu a questão essencial, não sei porquê: a legalidade, no contexto do Direito português, do V. regulamento interno.

    Mas tenho já mais do que fazer do que andar a alimentar algo que pode ser visto como uma tentativa de fuga. Portanto, fiquem, por agora, no secretíssimo inquisitorial bacoco e anacrónico de não revelarem o relator. Para mim, é demonstrativo da V. têmpera para analisar com isenção este processo. Mesmo com uma defesa irrepreensível, bem sei que V. Exas. têm a “obrigação” de me censurar de alguma forma, porque faz parte do jogo corporativo “sancionar” quem anda a dizer que o rei vai nu.

    Posto isto, respondi, ponto por ponto, aos vossos quesitos, incluindo também documentos, entre os quais e-mails.

    Fiz publicamente, pelo que poderão consultar, tanto o texto das resposta como os documentos e ligações, através do seguinte endereço:

    https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/15/enquanto-tudo-arde-o-conselho-deontologico-do-sindicato-dos-jornalistas/

    Todo este processo o quero público, daí este e-mail seguir para a Direcção do Sindicato dos Jornalistas.

    Carlos Camponez, professor universitário da Universidade de Coimbra na área da Comunicação Social e jornalista freelancer. Pediu escusa para votar a “deliberação” contra mim, não se conhecendo justificação da sua decisão. O regulamento interno do CD-SJ não prevê escusas.

    Note-se que, em matéria de processo administrativo – por exemplo, no seio de processos em Tribunal Administrativo, não existe segredo de justiça, e a norma é a transparência e a publicidade. As minhas respostas ao CD-SJ, constantes no texto publicado no PÁGINA UM, foram feitas quesito a quesito, não me furtando a nenhuma, e estavam acompanhadas de documentos.

    Cumpri assim, enfim, a exigência do CD-SJ em 23 de Maio: “respostas (…) dadas por escrito, às perguntas enviadas”.

    No dia 21 de Julho, ontem, portanto, recebi do CD-SJ a “deliberação” aprovada no dia anterior, 20 de Julho, onde se explicita o seguinte:

    A 18 de julho, Pedro Almeida Vieira comunicou ao CD que tinha decidido responder aos “quesitos” através de um artigo publicado no “Página Um”, três dias antes, a 15 de julho, que pode ser encontrado através do seguinte link: https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/15/enquanto-tudo-arde-oconselho-deontologico-do-sindicato-dos-jornalistas/.

    O CD não considera esta publicação uma resposta formal às questões colocadas a Pedro Almeida Vieira. Entende mesmo que admitir esta forma de comunicação com visados e queixosos, através de publicações em órgãos de comunicação social, no decorrer da análise a uma queixa, não contribuiria para o regular funcionamento do processo de análise, que se pretende rigoroso e tão célere quanto possível.

    Ou seja, o CD-SJ – que sistematicamente transmitiu as suas comunicações sem formalismos, por e-mail e sem serem assinadas – decidiu intencionalmente ignorar as minhas respostas, alegando que estas, embora cumprissem o exigido – escritas e com respostas às perguntas colocadas –, foram tornadas públicas.

    Note-se, também, a rapidez da decisão.

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    Com efeito, o CD-SJ conheceu as minhas respostas no dia 18 de Julho – apenas dois dias úteis depois de, comunicado o parecer jurídico sobre os procedimentos a atender; parecer jurídico que tanto o CD-SJ como eu tinham solicitado ao gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas. Pressupunha isto que o processo com vista à “deliberação” estaria suspenso enquanto não houvesse parecer jurídico (e eu insisti várias vezes para ser conhecido).

    Por outro lado, saliente-se que o CD-SJ decidiu não reconhecer as minhas respostas, que lhe foram dadas a conhecer formalmente no dia 18 de Julho, e nem sequer esboçou a mínima reacção, nem me transmitiu antecipadamente as razões pelas quais não as iria considerar no processo. Isto mesmo sabendo que as minhas respostas cumpriam os requisitos e o regulamento interno: foram enviadas por e-mail (com a ligação ao site do PÁGINA UM, que em termos práticos funciona como se fosse um ficheiro em anexo), estavam escritas e respondiam a cada um dos 22 quesitos.

    Bem sei que incomodou o CD-SJ que as minhas respostas estivessem na “praça pública”, mas considero legitimamente que a melhor forma de vencer o obscurantismo é a transparência. A divulgação das minhas respostas, ademais perante procedimentos ínvios, era legítima, mesmo que não fosse do agrado dos membros do CD-SJ.

    Contudo, apenas dois dias depois das minhas respostas – ignoradas com a desculpa esfarrapada –, o CD estava já a aprovar a sua deliberação. Uma “deliberação” de 19 páginas!!!

    Já estava escrita no essencial, não vos parece evidente?

    Enfim, mesmo que eu tivesse respondido em papel perfumado, os membros do CD-SJ iriam  recusar as respostas, porque os obrigaria a reflecti-las numa “deliberação” que já conclusa desde o início. Mesmo que os quesitos fossem respondidos em papel impresso, porventura recusariam considerá-las por não ter sido em papel selado. Ou alegariam que usara Arial em vez de Times New Roman. Ou dois espaços em vez de espaço e meio. Ou o raio-que-os-parta.

    man doing keep quiet sign

    Mas vejam: mesmo assim, o parecer incluiu a “justificação” para a recusa das minhas respostas – pensava eu que o CD-SJ buscava a verdade, não o cumprimento de “formalismos” à la carte –, o que remete para outras questões mais formais.

    De facto, o número 1 do artigo 7º do Regulamento Interno do CD-SJ diz que “as reuniões ordinárias do CD realizam-se uma vez por mês nas instalações do Sindicato ou por meio de comunicação à distância, salvo imprevistos imponderáveis”, havendo ainda a possibilidade de reuniões extraordinárias “a requerimento de qualquer membro do CD” que “devem ser realizadas no prazo máximo de três dias e máximo de dez dias após a receção do pedido”.

    Mas deveria cair o Carmo e a Trindade se não se apressassem. E era tanta a pressa de publicar uma “deliberação” nesta fase em que o PÁGINA UM está a denunciar quase diariamente os podres da imprensa (e a inacção da CCPJ, da ERC e do próprio CD-SJ) que se deve ter realizado uma reunião extra-extra-extraordinária para aprovar a deliberação. Vejam: dois dias entre a recepção das minhas respostas não consideradas e a aprovação da “deliberação”. Ainda se queixam da produtividade deste país…

    Recebida a “deliberação” ontem, e tendo eu também ontem já solicitado que desejava recorrer da dita, conforme prevê o Regulamento Interno do CD-SJ, transmiti que esperava que não fosse divulgada antes dessa análise.

    Olha o que eu foi dizer! Sempre que peço uma coisa, o CD-SJ corre a fazer o contrário.

    E assim, tendo esse meu pedido sido feito às 20h35 minutos de uma sexta-feira, hoje à tarde já a “deliberação” estava publicada em grande destaque na homepage do Sindicato dos Jornalistas, abusivamente encimada com o logótipo do Sindicato dos Jornalistas.

    girl covering her face with both hands

    Posto isto, decidi então escrever este texto, sob o lema “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria”. São quatro crápulas, porque o quinto membro do CD-SJ, Carlos Camponez, diz a “deliberação”, pediu escusa (não sei se por a Dra. Licínia Girão o citar 17 vezes numa tese de mestrado). Curioso não ter havido mais escusas, sabendo eu que outros três membros do CD-SJ trabalham em órgãos de comunicação social onde grassam práticas deontologicamente muito pouco aceitáveis já denunciadas pelo PÁGINA UM e até em deliberações recentes da ERC. Sim, estou a falar da Visão, do Observador e da Lusa.

    Em todo o caso, confesso que não fiquei satisfeito com o título. Por issso, pedi ao ChatGPT “se há alguma palavra ainda mais ofensiva do que crápula”.

    Respondeu-me que “como IA desenvolvida pela OpenAI, minha programação inclui diretrizes para promover uma comunicação respeitosa e segura. Portanto, não posso fornecer ou encorajar o uso de palavras ofensivas, vulgares ou prejudiciais. Palavras ofensivas são prejudiciais e podem causar danos emocionais ou psicológicos a outras pessoas. É importante lembrar que o respeito e a empatia são fundamentais para uma comunicação saudável e construtiva.”

    Insisti, e o ChatGPT elencou-me então outras “palavras que podem ser consideradas sinónimos de ‘crápula’ e têm uma conotação negativa sem serem palavras ofensivas extremas”, tais como canalha, cafajeste, velhaco, patife, vigarista, desprezível, trapaceiro, dissimulado, inescrupuloso e perverso.

    Ora, atendendo que o CD-SJ me acusa de não ser rigoroso e exacto, queiram, portanto, atender que os quatro membros que votaram a “deliberação” podem não ser crápulas, que é palavra ofensiva extrema, segundo o rigoroso ChatGPT. Talvez sejam, afinal, apenas canalhas.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Ou cafajestes.

    Ou velhacos.

    Ou patifes.

    Ou vigaristas.

    Ou desprezíveis.

    Ou trapaceiros.

    Ou dissimulados.

    Ou inescrupulosos.

    Ou perversos.

  • A exibição da incompetência

    A exibição da incompetência


    Uma vez mais fomos confrontados com o espectáculo de buscas levadas a cabo por elementos do Ministério Público, a casas de suspeitos de actividades criminosas, em directo, pela televisão.

    Desta vez, os visitados foram a casa do antigo dirigente do PSD, Rui Rio, e a Sede do seu Partido.

    Não vou tecer qualquer consideração sobre o motivo das buscas, porque só conheço o que a imprensa divulgou, mas pretendo analisar o método de trabalho de alguns Magistrados do Ministério Público, em Portugal.

    Desde logo porque, finalmente, houve críticas públicas, e da parte do Poder Político, que, como é sabido, só reage quando lhe toca na pele.

    Rui Rio, ex-presidente do PSD

    A prática da Justiça-Espectáculo, tão do agrado destes Magistrados, que querem aparecer como lutadores intransigentes contra o crime, merece ser analisada e, ela própria, julgada.

    O esquema é facilmente explicado: na suspeita de um crime, mesmo que baseada numa queixa anónima, o Ministério Público deve agir analisando todos os factos.

    Caso apareçam, entre os denunciados, nomes de figuras públicas, a investigação chega, por vias estranhas, a alguma comunicação social que, a partir daí, os divulga como “suspeitos de crimes”.

    “Suspeitos” que passam, de imediato, à categoria de criminosos porque, o Povo ensina, “não há fumo sem fogo”.

    Ou seja, se o Ministério Público investiga é mais que certo que há um crime à espera de ser descoberto.

    Mas, será assim?

    Números provenientes do Ministério da Justiça provam o contrário.

    Preto-no-branco esclarecem que 47% das acusações do Ministério Público terminam com a absolvição dos investigados.

    Muitos acabam por nem ir a Julgamento, mesmo depois de verem os seus nomes divulgados em jornais, rádios e televisões.

    Alguns chegam a passar por prisão preventiva até serem inocentados.

    Em sete anos foram mais de 150.000 os portugueses que viveram este drama.

    Sessenta e cinco, por dia.

    Sendo que nenhum dos Magistrados detentor desses processos sofreu, com essa incompetência, qualquer chamada de atenção.

    Esta situação só é possível porque o acordo entre estes e os órgãos de comunicação social termina na fase em que a acusação deixa de parecer credível.

    Obviamente não é do interesse de nenhum destes dois “parceiros” a demonstração de falhanço.

    Na melhor das hipóteses, às centenas de parangonas em primeiras páginas e aberturas de telejornais, corresponderá, no fim, uma nota de rodapé, ou uma notícia de segundos, sobre o arquivamento do processo.

    Como se chegou a este ponto?

    Para a notícia essencial ter impacto, as buscas são levadas a cabo por muitas dezenas de polícias e peritos, sob a orientação de um Procurador, ou Juiz, e com transmissão em directo pelas televisões.

    Uma operação que tem de ser preparada no maior dos segredos, para evitar que os suspeitos se livrem de documentos, ou equipamentos, que possam ser essenciais para os investigadores, chega, no entanto, e sempre que o caso é considerado mediático, ao conhecimento antecipado de jornalistas que, por vezes, aparecem nos locais das buscas ANTES das autoridades.

    O que faria corar de vergonha qualquer Magistrado num país civilizado é, em Portugal, considerado normal.

    A falta de pudor que há neste procedimento é assustadora.

    Mas de tremenda eficácia para quem pretende acusar.

    Qualquer investigação que corra o risco de ter que ilibar os potenciais arguidos, por falta de indícios suficientemente fortes para tornarem credível uma acusação, socorre-se de uma opinião pública, instrumentalizada pela opinião publicada que aceita participar numa troca de favores: eu dou-te uma “cacha”, que te faz aumentar as audiências, e tu dás a entender que as minhas suspeitas são fundamentadas.

    Lucília Gago, procuradora-geral da República desde 2018.

    Mais cedo ou mais tarde, muitas destas notícias bombásticas acabam por cair no esquecimento só sendo recordadas, em escassos minutos, quando se reparam os erros ilibando os acusados.

    Mas, semanas a fio com as fotografias e nome estampados em jornais, ou em programas televisivos, não perdoam e esses acusados, sem critério, ficam, para sempre, com o nome destruído e as suas carreiras destroçadas.

    Ao contrário de quem, por absoluta incompetência (não quero acreditar que seja má-fé), continua, serena, segura e impunemente a subir na carreira.

    Este país, até que, entre os investigados, comecem a surgir políticos com poder, vai estar muito perigoso!

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ronaldo e a bol(h)a

    Ronaldo e a bol(h)a


    Sempre que se abre a boca para falar de Ronaldo é preciso compreender que vamos ofender alguém. Há o grupo de indefectíveis, onde se inclui o meu filho, que me obriga a ver jogos do campeonato saudita; e os outros, que vão lendo a realidade como ela é.

    O ponto de partida para mim, quando penso em Cristiano Ronaldo, é no extraordinário atleta, melhor futebolista português de sempre e, provavelmente, a pessoa que mais deu a conhecer o nosso país pelo Globo. Reconheço, sem grandes problemas, que pessoas que não faziam a mínima ideia onde ficava Portugal, foram ao mapa ver por causa de Ronaldo. Portanto, até ao nível dos conhecimentos de Geografia, até de cada adepto escondido na Micronésia, o nosso madeirense colaborou.

    Ainda assim, depois de década e meia de glória, começa a ser penoso ver esta transformação de ídolo planetário para o “Gajo de Alfama” (dos tempos em que o Ricardo Araújo Pereira tinha piada). As recentes declarações de Ronaldo, puxando para si o mérito de abrir o caminho das Arábias para mais jogadores de renome, qual Vasco da Gama dos petrodólares, soam um pouco mal.

    Fizeram-me lembrar aqueles tempos de terror em que Jorge Jesus, envergando o Manto Sagrado, nos envergonhava a cada conferência de imprensa com as suas bazófias a perder de vista. Certo dia, numa palestra na Faculdade de Motricidade Humana, Jesus, o Poeta da Reboleira, disse que queimara muita pestana para inventar uma Ciência. Assim mesmo, inventar uma Ciência.

    Eu aprecio homens da Ciência, convenhamos. Até porque sem as suas descobertas dificilmente eu teria as bases que trazem o pão cá para casa. Mas, como diria o nosso Costa, vamlá a ver, decidir se os laterais fazem o corredor e os extremos vão por dentro ou, em alternativa, jogamos com um meio-campo a três e dois extremos puros, não é a mesma coisa que descobrir a cura para o cancro. Ou sequer, vá lá, desenvolver uma Via Verde que poupa umas horas de fila na segunda ponte do Feijó. Aliás, neste caso, foram portugueses que inventaram aquilo. Homens da verdadeira Ciência.

    Bem sei que países pouco desenvolvidos fazem do futebol um desígnio nacional. São programas de debate diários em todos os canais informativos sobre o que aconteceu, o que está a acontecer e o que vai acontecer à vida dos artistas da bola. Quando há jogo debate-se o penalti e quando não há fala-se da transferência e dos rumores. Diariamente. São 12 meses por ano com paragem no Natal para podemos ver as fotos dos jogadores a comer bacalhau.

    Também eu sofro com a bola, especialmente quando ela desliza na Catedral, e não me quero por isso excluir da parolice nacional em torno da caixa de Pandora de Ronaldo. Dir-me-ão que a um milionário todo o disparate é permitido. Se Elon Musk, tido por muitos como um génio, pode dizer asneiras em barda, por que não poderá Ronaldo, um milionário com baixa escolaridade, fazer o mesmo? De facto, pode, mas não deixa de ser deprimente.

    Ronaldo deixou de jogar futebol, um jogo de equipa, há uns bons anos, provavelmente antes sequer de chegar à Juventus, e começou então a praticar uma modalidade individual chamada “quebrar recordes”.

    Pelo caminho, ia reclamando com quem não o ajudava a chegar lá e culpando os restantes 10 em cada insucesso. Continua no seu direito, mas, visto daqui, foi quando comecei a olhar mais para o lado. Saber envelhecer no mundo das estrelas planetárias não deve ser fácil, acredito que não; ainda assim, sempre imaginei Cristiano Ronaldo a sair de cena pela porta grande e sem se arrastar nos relvados, como faz agora.

    Cristiano Ronaldo decidiu desafiar o tempo e continuar pela única porta que se abriu: a da ditadura saudita, e da que teimosamente, na seleção nacional, não se fechou.

    Note-se que não faço parte do coro de puritanos que acha que um futebolista não deve validar uma ditadura. Era o que mais faltava. Anda o famoso “Ocidente” a fazer da Arábia Saudita um parceiro privilegiado há décadas, a fechar os olhos aos crimes perpetrados no seu território em nome dos barris de petróleo e esperava-se que um atleta, a quem se oferece uma fortuna incalculável, fosse recusar uma mudança para o deserto? Sabe lá o Ronaldo a História da Arábia Saudita…

    O Macron, presidente francês, sabe certamente e, mesmo assim, disse alto e bom som, num encontro de líderes a propósito das sanções à Rússia, que tinham que pedir aos sauditas que aumentassem a produção. Portanto, deixemo-nos de moralismos bacocos.

    Nós validamos, há muito, todas as ditaduras que são boas para o negócio. E tal como as elites políticas, Ronaldo foi fazer pela vida e entrar num circo a troco de dinheiro. Repito: está no seu direito. Mas tentar convencer toda a gente, um ano depois, que o campeonato saudita é muito bom, ou que abriu o caminho para outras estrelas, é apenas triste. Aquilo que abriu caminho foram as fortunas que os xeques sauditas, que exploram e lucram com os recursos do país, resolveram distribuir um pouco por todo o lado.

    Jogadores em fim de carreira ou ainda com muitos anos nas pernas foram aliciados, numa tentativa de trazer o país para a alta roda futebolística. Um pouco como o que chineses tentaram fazer há cerca de 10 anos, com a construção de uma Superliga, que levava alguns dos bons talentos da Europa, mas modelo ao qual se colocou, entretanto, um travão nos gastos por ser insustentável.   

    Depois do Mundial do Qatar, outra ditadura amiga – os sauditas – tentam, através do futebol, dar uma nova imagem do país. Ronaldo alinhou, e agora são vários os nomes famosos que se juntarão a ilustres desconhecidos.

    Entre eles, Ruben Neves, internacional português, foi claro e objectivo nas suas declarações: saiu da Premier League, onde era um ídolo no Wolverhampton, porque o dinheiro ganho na Arábia Saudita permitiria dar à família uma vida diferente e, provavelmente, garantir o conforto da geração seguinte. Tudo bem, tudo certo. Nada de conversas sobre o “projecto” ou a “Liga Saudita vai ultrapassar a Turquia e a Holanda”, como nos informou Ronaldo, o homem que abre caminhos.

    Para finalizar a palestra, o nosso descobridor, ainda disse que a Liga Italiana também estava morta quando ele foi para lá e que não voltaria para a Europa onde o futebol se tornara muito fraco. Nem Zlatan Ibrahimovic, dono e senhor da maior arrogância que se conhece neste mercado, produz disparates destes. A Liga “morta” colocou três clubes nas meias-finais da Liga dos Campeões no ano em que Ronaldo saiu de lá. E o futebol fraco europeu brindou, pelas camisolas do Celta de Vigo, um empate de 5-0 ao Al-Nassr, um pouco depois destas declarações.

    Não sei se o estimado leitor já viu algum jogo do campeonato saudita, espero que não, mas é mais ou menos como aquelas futeboladas que fazemos aos domingos com o pessoal amigo onde aparece sempre um, que em novo, chegou a jogar nos juniores do Belenenses…

    Ronaldo não volta para a Europa, porque não há quem pague o que ele quer, e nenhuma das equipas de topo, onde ele acha que ainda teria lugar, o quer por perto.

    A continuar por este caminho, sem aceitar o tempo que a todos consome, ainda nos vai fazer esquecer aquele rapaz sem medo que fazia todo o corredor em Old Trafford, e nos encantava, nos tempos de Alex Ferguson.

    É uma pena. Para nós, os adeptos, claro.

    Na verdade, nada que o afecte, lá na bolha onde vive.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Metal: crónica dos materiais

    Metal: crónica dos materiais

    Se em silêncio ouvimos aqueles eucaliptos, pinheiros e acácias, a sacudir gentilmente o cabelo com o vento, a folhagem… muito do sussurro dela se parece com as ondas do mar e quase que sentimos o sal a morder a bochecha junto aos molares.

    Como é que este som me lembra metal, se é tão mais fresco e azul?

    É porque também é leve, maleável. Mas o metal a ser feito é quente, sem dúvida, muito quente, nascido do fogo. Mas uma vez frio fica gelado, transformado em árvores petrificadas que seguram cabos de electricidade, espadas e adagas que usamos para sermos mais pontiagudos.

    aerial view of forest

    Se nos raspamos em metal, mesmo frio, sabemos que vai queimar a pele. Arrancar a derme (a frio), mostrar-nos o inferno da dor que se espalha como mancha. (Até a água há-de enferrujar a chaga.)

    O varão de ferro com nervuras a falarem em código. O perfil de alumínio a pedir que se brinque, se construa, se encaixe. A folha de inox a soltar trovões inesperados. O cobre em fiapos, o ouro do estaleiro.

    O andaime, o seu som clincante, sempre sujo de cimento, sempre de mil cores (clin clanc), o vento a assobiar nos tubos como quem toca órgão.

    As dobradiças, as braçadeiras da caixa aberta da carrinha, o guarda-lamas a querer prevenir a torção do plástico com que decidiram começar a fazer as portas, a carroçaria, o habitáculo (o metal a finar-se porque pesa, é trabalho de músculo e não de laboratório e robot).

    Clin clanc

    birds flying over brown metal tower

    Pensa no sabor do metal e sentes a língua a retrair-se um pouco, um incómodo ligeiro. Pensa no cheiro do metal quando entras na oficina do serralheiro e sentes o azul quente entrar nos pulmões e tirar o ar. O ácido do estômago a trepar por ti acima numa azia (metálica) e sabes que se não vais usar fogo para esculpir, com um enorme escudo em frente ao rosto, mais vale saíres dali, ali não se vive em paz.

    Clin clanc

    A era do progresso já não sabe a metal. Está escondido, torcido, perdido ou invisível. A era do progresso sabe a plástico. Polímero. Mas isso é outra dor crónica.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Imprensa: o deboche do rei que nu se vai prostituindo

    Imprensa: o deboche do rei que nu se vai prostituindo

    O meu regresso ao jornalismo, depois de um interregno de cerca de uma década, e depois de um passado que não me envergonha (cheguei a escrever em simultâneo na Grande Reportagem e no Expresso, e ainda na Forum Ambiente, numa altura em que não era cool escrever sobre Ambiente), foi desencadeado pelo estupor da cobertura da pandemia pela generalidade dos órgãos de comunicação social.

    Estávamos em plena pandemia, e custava-me a crer que os jornalistas se tivessem tornado missionários – como esquecer o “diácono” Rodrigo Guedes de Carvalho com o seu “tenham noção” –, histéricos promotores do pânico, maus investigadores, pés-de-microfones acríticos, censores encartados e paladinos da discriminação.

    O PÁGINA UM nasceu muito pelo tratamento noticioso da media mainstream durante essa longa e trágica fase da nossa vida em sociedade.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Cedo me confrontei, porém, com uma realidade mais atroz, à medida que recuperei o ritmo de jornalismo de antanho. Na verdade, não mudei muito de estilo – recuperei, talvez aqui e ali com mais acinte e sarcasmo, o meu estilo na saudosa Grande Reportagem, e o aprofundamento dos temas (sustentado sempre em dados e em documentos) da Forum Ambiente.

    Por um lado, deparei-me com uma “cortina de betão” das entidades públicas, o que se poderia dever ao facto de estar a liderar um pequeno órgão de comunicação social (e não a ser um jornalista do Expresso, a quem as notícias, por vezes, caem no colo), mas que, rapidamente, me consciencializei de ser a “cultura do bloqueio” da informação, permitida por anos e anos de jornalismo manso.

    Mas, talvez aquilo que mais me chocou foi constatar que, afinal, a pandemia não foi só “um mau dia” para a imprensa. Pelo contrário, agravou o divórcio entre o jornalismo e os leitores, com os primeiros a mancomunarem-se com os departamentos de marketing, desenvolvendo despudorados ménage à trois (públicos e privados) com anunciantes, transformados entretanto em parceiros.

    Nada contra os anúncios, nada contra a publicidade, nada contra o marketing, nada contra a promoção de marcas, nada contra as novas formas de comunicação – mas há limites, há linhas vermelhas inultrapassáveis. Ao marketing o que é do marketing; ao jornalismo o que é do jornalismo. O azeite e a água são essenciais, mas se se tentar misturá-los, aquilo que apenas se consegue é estragar os dois.

    O jornalismo está ao serviço dos leitores – por muito que as empresas de media se esqueçam. Só ao serviço dos leitores. Óptimo se a sua qualidade e credibilidade do jornalismo servirem para vender o produto onde trabalham – o jornal, a frequência radiofónica ou televisiva, a plataforma digital – às empresas, ao Estado e às autarquias.

    Mas esse produto vale mais quanto mais leitores tiverem, quanto mais credibilidade e independência a informação possuir. Se assim for, as empresas de media metam depois os marketeers a trabalhar… mas sem a participação dos jornalistas, que devem estar arredados da execução de “parcerias comerciais”, dedicando-se em exclusivo ao trabalho de jornalismo, para manter a referida credibilidade e independência da informação.

    Sem jornalismo independente, a prazo teremos apenas jornalistas mentirosos e péssima informação, e anunciantes e leitores a afastarem-se, e em consequência a falência anunciada. Há, neste momento em Portugal, empresas de media que já deveriam ter declarado falência, e enquanto tal não sucede só mal fazem à imprensa, obrigando outras empresas, por concorrência desleal, a cometerem “atrocidades” éticas.

    Porém, nos últimos anos, aquilo que sucedeu foi que muitos dos princípios da ética do jornalismo – a maior será o não mentir, procurando sempre a verdade – se perdeu. Melhor, ou pior, se vendeu.

    Desde o início do PÁGINA UM, sofri na pele aquilo em que a imprensa se transformou, quando um ataque sem precedentes, vindo da CNN Portugal – e coadjuvado por outros órgãos de comunicação social como o Expresso, o Público ou o Observador – me quiseram, de um só golpe, ceifar a minha credibilidade e a sobrevivência de um projecto jornalístico que se anunciava verdadeiramente independente, sem publicidade nem parcerias comerciais, apenas com o apoio dos leitores.

    Nos meses seguintes, fomos denunciando cada vez mais promiscuidades, sobretudo através de acordos de parceria comercial, incluindo com o Estado, em que jornalistas com responsabilidade editoriais andavam de mão-dada (para ser suave) com farmacêuticas, com Governo, com autarquias, com empresas, com tudo.

    Não só tínhamos jornalistas activamente a promover marcas e produtos, como, em paralelo, tínhamos as evidências de haver assuntos tabu na nossa imprensa – curiosamente, assuntos delicados para empresas, autarquias e Governo com os quais os tais jornalistas-comerciais confraternizavam em eventos e conteúdos pagos.

    Nos meses mais recentes, o PÁGINA UM foi retomando as denúncias sobre estas matérias e, se verificarem, nas últimas duas, além da decisão (suave) da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em abrir sete processos de contra-ordenação a outros tantos grupos de media por causa de parcerias comerciais com entidades públicas, noticiámos outros casos envolvendo o Público, o Observador, a TVI, o Correio da Manhã e o Expresso.

    Tenho um amigo, ligado à Comunicação Social, que, quando lhe conto estes episódios, diz invariavelmente “Extraordinário!”. Engana-se: nada há já aqui de extraordinário, mas apenas de ordinário, no sentido depreciativo do termo.

    Ordinário deboche – é isto que está a acontecer aos olhos de todos, sem um pingo de vergonha daqueles que, em tom e postura aprumada, batem hipocritamente no peito clamando independência e credibilidade.

    E por isso mesmo, perante este deboche – e “alimentado” pelos ataques da ERC, da Comissão da Carteira do Jornalista e do Conselho Deontológico, a tríade que me “elegeu” como alvo a abater (sabem bem eles as razões…) –, o PÁGINA UM decidiu a partir de hoje abrir uma secção autónoma para assuntos relacionados com a IMPRENSA, incluindo as redes sociais. Deste modo, sempre que houver notícias, daremos com a máxima prioridade. A denúncia do deboche é, a partir de hoje, declaradamente, um dos nossos cavalos de batalha.

    Nessa medida, assumimos ser a consciência crítica do jornalismo, contra o rei, que nu sabe estar, mas que prefere continuar a prostituir-se em vez de regressar às suas nobres funções, servindo o povo, isto é, os leitores.

  • Enquanto tudo arde, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas…

    Enquanto tudo arde, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas…

    Nas últimas semanas, o PÁGINA UM abordou vários casos escandalosos – e mais escreverá – em redor da imprensa portuguesa.

    Ainda ontem, revelámos o caso da compra de notícias pela Direcção-Geral da Saúde ao Expresso (Impresa) para se divulgar um plano governamental: o Plano Nacional de Literacia em Saúde.

    Durante a última semana, revelámos a compra de espaço informativo da CMTV, incluindo alinhamentos e indicação de autarcas a serem entrevistados, por parte de 10 Câmaras Municipais.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Noticiámos também, em primeira-mão, as coimas milionárias aplicadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) envolvendo o negócio da TVI, e que esteve inexplicavelmente escondido durante cinco meses.

    E escrevemos sobre contratos forjados dos media com entidades públicas, a participação activa de directores editoriais em eventos pagos, e na identificação pela ERC de “jornalistas comerciais”.

    Na semana anterior, tínhamos denunciado uma reportagem irresponsável da TVI a promover um evidente esquema fraudulento.

    E houve muitas mais nas semanas anteriores, algumas envolvendo o Público, e a forma como mercadeja conteúdos noticiosos. E haverá mais para as próximas semanas porque a pouca-vergonha não cessa.

    Enquanto a imprensa portuguesa mostra toda a sua podridão de princípios, somando casos de promiscuidades, de violação da Lei de Imprensa, do Estatuto do Jornalista, com jornalistas a participarem em eventos pagos e a escreverem conteúdos comerciais, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas insiste em avançar contra mim com um procedimento com vista à elaboração de um parecer (censório) em resposta à queixa da presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, apresentada em Maio passado.

    Uma mui oportuna queixa, logo a seguir ao parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que determinava o dever da CCPJ de facultar um vasto conjunto de documentos, incluindo actas, recomendações e processos concluídos. Note-se bem: a CCPJ nem actas quer deixar consultar, algo esdrúxulo numa entidade que acredita jornalistas. Jogada de antecipação, porque, na verdade, estava eu a pensar cumprir o estabelecido no ponto 3 do Código Deontológico, até por ser minha obrigação: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos.”

    Mas eis que a pessoa (Licínia Girão) que lidera a entidade (CCPJ) que me coloca “restrições no acesso às fontes de informação” e faz tudo para “limitar a liberdade de expressão e o direito de informar”, e que deveria ser por mim denunciada (como até era minha obrigação), afinal põe-se como virgem ofendida, queixando-se de mim.

    Mas esta queixa de Licínia Girão, com 16 páginas de arrazoadas acusações e nenhuma parra (ou seja, provas do que escreve) é muito sui generis noutras vertentes.

    Diz-se ela perseguida por mim, exclusivamente por ser visada em diversas notícias do PÁGINA UM. Já com algumas dezenas de anos de profissão, a acusação não é nova: não conheço um visado com rabos de palha que se vitimize, culpando o jornalista. É um clássico, mas inédito vindo de uma jornalista. E vai aoi ponto de garantir que qualquer referência que eu faça à CCPJ é sempre uma “narrativa sensacionalista”. Na verdade, confesso, nem em políticos se vê esta mania da perseguição. A Dra. Licínia Girão confunde não largar uma história, que é uma virtude dos jornalistas de investigação, com uma perseguição. Só deve ter feita na vida notícias louvaminheiras…

    Mas a queixa é sobretudo sui generis porque a CCPJ tem poder disciplinar sobre os jornalistas, e, portanto, se a Dra. Licínia Girão considerasse haver matéria suficiente para me instaurar um processo, abria-o ela ou os seis oito compinchas da CCPJ. Teriam esse direito – e até, direi eu, a obrigação.

    Porém, instaurar um processo disciplinar na CCPJ poderia ser melindroso: teria de seguir as directrizes do Código de Procedimentos Administrativos, com indicação de testemunhas, apresentação de provas, recurso, etc.. Uma chatice.

    Valeu mais a pena, à Dra. Licínia Girão, enviar a sua queixa para um Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas sem regras democráticas. Ali, o acolhimento seria, por certo, melhor. Sem filtros. E não se enganou.

    Para já, temos um ignoto relator (é extraordinário como um jornalista não gosta de mostrar a cara e o nome) que me confrontou com um chorrilho inquisitório que transcreve, como inteiramente válidas, as acusações da Dra. Licínia Girão (que nunca esclareceu nada, preferindo colocar-se como vítima), e tece ainda considerações sobre estilos de escrita, e assume até o direito de se imiscuir na adjectivação de textos jornalísticos.

    Perante o rol de questões enviesadas, e não ser identificado o relator, solicitei um pedido para se ser ouvido presencialmente, até para melhor esclarecimento. Foi recusado.

    Foi-me também recusado o pedido da identificação do relator, mesmo depois de um parecer do gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas.

    Bem sei, porque sou o “mensageiro” a abater, que o Conselho Deontológico, ao aceitar uma queixa da presidente da CCPJ, e ao fazer as perguntas que faz, tem um fito claro.

    O parecer do Conselho Deontológico vale nada do ponto de vista formal, mas representa uma linha de luta para me descredibilizar e descredibilizar o PÁGINA UM.

    Porém, não o fará nem livre nem impunemente, porque lhes respondo por escrito, como pretendem, mas escrito onde eu quero e onde posso: aqui, no PÁGINA UM. Que as venham ler aqui, e de boleia leiam os escândalos que tenho escrito. Contra o obscurantismo de uma entidade que quer tratar de ética e deontologia, e nem sequer identifica o relator, respondo com a máxima transparência.


    Lisboa, 15 de Julho de 2023

    Exmo. Senhor Ignoto Relator ou Exma. Senhora Ignota Relatora do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas:

    Sem prejuízo do lamentável procedimento de V. Exas., que só vos envergonha, ao não aceitarem sequer seguir o parecer do gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas no que respeita à identificação do relator, tomei a decisão de vos responder. Cansa-me arrastar este processo, mas também não permito que façam o V. serviço sem vos dar o trabalho de, pelo menos, na aparência serem justos.

    Faço a minha defesa pública, porque o obscurantismo se vence com a transparência.

    Ignoro se, na V. “sentença”, terão em consideração alguma coisa que eu escreva em resposta aos V. quesitos completamente enviesados, mas, em todo o caso, informo que respondi nos intervalos das questões, estando as minhas palavras a negrito.

    Tenha, contudo, V. Exa. a convicção de que não permitirei que conspurquem a minha idoneidade e rigor num projecto de jornalismo independente e deontologicamente imaculado. Compreendo que o trabalho do PÁGINA UM, e o meu em particular, tem incomodado o status quo, razão pela qual, apesar das inúmeras violações à Lei da Imprensa e ao Estatuto do Jornalistas, para além de condutas deontológicas impróprias, tudo vai navegando numa corporativista paz podre.

    Requeiro, desde já, o pedido, previsto no V. regulamento interno, para o acesso ao parecer antes de ser eventualmente publicado para eventual recurso.

    Desnecessário será dizer que V. Exas. estão a fazer um parecer sobre deontologia e ética – donde se deseja que não se esqueçam disso enquanto o escrevem e aprovam.

    Tomo também a liberdade de solicitar que, em relação à última questão, sejam mais explícitos para que eu possa responder em concreto.

    Envio também aqui a troca de mensagens para comprovar que a Dra. Licínia Girão, bem como os outros membros da CCPJ, manifestamente tiveram, desde o início, uma postura não colaborativa, não prestando os esclarecimentos que a questão revestia. A Dra. Licínia Girão omite deliberadamente que houve insistentes pedidos de esclarecimento.

    1 – Perguntas enviada para o e-mail profissional (advogada-estagiária) da Dra. Licínia Girão (14/8/2022)

    2 – Pedido de esclarecimentos para Jacinto Godinho, membro do Secretariado da CCPJ (14/8/2022)

    3 – Aviso enviado à CCPJ sobre e-mail com perguntas enviadas para o e-mail profissional (14/8/2022)

    4 – Resposta da Dra. Licínia Girão (16/8/2022)

    5 – Insistência para esclarecimentos, uma vez que a resposta não continha quaisquer respostas a um conjunto vasto de perguntas (16/8/2022)

    6 – E-mail para a CCPJ referindo que se iria enviar mensagens a serem entregues a cada um dos membros da CCPJ (17/8/2022)

    7 – E-mail para a Dra. Licínia Girão sobre cancelamento da inscrição na Ordem dos Advogados (3/1/2023)

    8 – Resposta da CCPJ sobre o cancelamento da inscrição (4/1/2023)


    QUESITOS E RESPOSTAS

    1) Artigo publicado a 24 de fevereiro de 2023: “Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Como fundamenta as seguintes afirmações:

    a. “decidiu aumentar taxas”;

    b. “recusa dizer quanto ganha”;

    c. “Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado como ‘jurista de mérito’, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020”.

    Resposta à alínea a)

    Salvo melhor opinião, foi notícia a intenção da CCPJ, da qual a Dra. Licínia Girão é presidente e membro do Secretariado, de aumentar os emolumentos para a carteira, tendo até desencadeado um abaixo-assinado. Não é do conhecimento público que a Dra. Licínia Girão, pelo menos antes do recuo, se tenha manifestado contra esse aumento de taxas; pelo contrário, o Secretariado procurou mesmo justificá-lo e validá-lo, conforme se pode confirmar aqui.

    Resposta à alínea b)

    A recusa é pública e reiterada e até constitui uma das questões de uma intimação que decorre no Tribunal Administrativo de Lisboa (Processo 1973/23.OBELSB) contra a CCPJ, que envolve também o acesso a actas das reuniões e a outros documentos administrativos na posse desta entidade. O processo de intimação é da autoria da jornalista Elisabete Tavares, uma vez que se considerou mais adequado não ser por mim apresentado, visto que em Setembro do ano passado fora intentada uma intimação similar, mas por lapso fora do prazo. «Ou seja, estamos perante um facto.

    Resposta à alínea c)

    Outro facto. É público que a Dra. Licínia Girão foi “incapaz de concluir o estágio”, uma vez que, tendo-se inscrito no estágio não o concluiu no tempo determinado, tendo optado por cancelar a inscrição em 10 de Outubro de 2022, conforme confirmação formal do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados. O cancelamento da inscrição, conforme o artigo 52º do Regulamento de inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, impede o uso do título de Advogado estagiário, consubstanciando assim uma desistência factual, donde significa que a pessoa que opta por essa via assume a sua incapacidade de terminar o estágio. Para conhecer as diversas acepções da palavra “incapaz”, basta consultar um qualquer dicionário. Em todo o caso, eu diria que “incapaz” está no sentido de “não capaz”, e nessa medida, se colocarmos a questão: “A Dra. Licínia Girão foi capaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020?”, a resposta terá de ser negativa, considerando que já decorreu o tempo suficiente para seus colegas terminarem. Aliás, numa notícia do PÁGINA UM em 5 de janeiro p.p., salienta-se que já havia 20 colegas de curso da Dra. Licínia Girão que já tinham, lá está, sido capazes de concluir o estágio de advocacia e já estavam inscritos como advogados na Ordem dos Advogados.


    2) Artigo publicado a 18 de agosto de 2022: “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige “jurista de reconhecido mérito”

    a. Como enquadra o facto de sublinhar regularmente, neste e noutros artigos, que a denunciante trabalhou “sobretudo” na imprensa regional e como freelancer? O que pretende demonstrar com essa afirmação?

    b. Que motivos o levaram a optar por não fazer referência a cargos assumidos em redações de órgãos regionais e locais e à colaboração ao longo de anos com órgãos de comunicação nacionais como o Jornal de Notícias, a Agência Lusa e o Jornal de Letras?

    Resposta à alínea a)

    São factos. A Dra. Licínia Girão trabalhou, efectivamente, sobretudo em órgãos de comunicação social de âmbito regional e também sobretudo como freelancer. Aliás, está a Dra. Licínia Girão identificada no próprio Conselho Geral do Sindicato do Jornalista com as siglas FL. Quando dou uma informação desta natureza não pretendo demonstrar nada, a não ser informar os leitores e enquadrar o perfil da pessoa em causa.

    Sobre a imprensa regional, subscrevo o preâmbulo do Decreto-Lei nº 106/88 que diz que “a imprensa regional desempenha um papel altamente relevante, não só no âmbito territorial a que naturalmente diz mais respeito, mas também na informação e contributo para a manutenção de laços de autêntica familiaridade entre as gentes locais e as comunidades de emigrantes dispersas pelas partes mais longínquas do Mundo. Muitas vezes, ela é, com efeito, o único veículo de publicitação das aspirações a que a imprensa de expansão nacional dificilmente é sensível (…)”.

    Sobre o facto de a Dra. Licínia Girão ser freelancer, que acham que eu quereria demonstrar ao escrever esse facto, se eu também sempre fui freelancer, mesmo quando colaborava permanentemente, e com nome na ficha técnica, em simultâneo no Expresso e na Grande Reportagem?

    Nota final: causa-me profunda estranheza e até repulsa esta pergunta do Conselho Deontológico: estão mesmo a querer que um jornalista justifique como deve apresentar factos aos seus leitores?

    Resposta à alínea b)

    Sobre esta matéria, recordo-vos a nota do Sindicato dos Jornalistas de 14 de Maio de 2022: “O Sindicato dos Jornalistas congratula-se com a cooptação da jornalista Licínia Girão para presidir à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) para o triénio 2022/2025, substituindo no cargo a jornalista Leonete Botelho. A escolha de Licínia Girão, que assumiu funções a 11 de maio, foi acordada na reunião plenária da CCPJ depois da proposta do nome pelos representantes dos jornalistas no órgão. Licínia Girão, jurista e jornalista freelancer, sucede a Leonete Botelho, que tinha sido a primeira jornalista e também a primeira mulher a assumir a presidência deste importante órgão de co-regulação. Jornalista há 30 anos em diversos órgãos de comunicação regionais e nacionais, Licínia Girão trabalha sobretudo a partir da região centro, com destaque para o interior do país. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, tendo concluído uma pós-graduação em Direito da Comunicação, um mestrado em Jornalismo e Comunicação e outro também em Direito. Acreditamos que Licínia Girão está em condições de continuar o trabalho de aproximação entre a CCPJ e as redações.”

    Se o Sindicato dos Jornalistas, que feliz se congratulou com a nomeação, não lhe faz uma biografia detalhadas… Aliás, não se conhece da Dra. Licínia Girão uma nota biográfica que se apresente.

    Mas confesso que procurei bastante. Por exemplo, no catálogo da Biblioteca Nacional, onde não se encontra nenhuma referência a ter ocupado cargos de direcção em quaisquer órgãos de comunicação social. Numa pesquisa alargada pela Internet são poucas as referências de artigos seus na imprensa de âmbito nacional. Pesquisas em repositórios como o Google Scholar ou o Scopus deram zero resultados.


    3) Dá conta na notícia que a denunciante se encontrava a realizar “um estágio de advocacia num escritório de Santo Tirso, Rodrigues Braga & Associados, apesar de viver em Coimbra.” E esclarece ainda como obteve essa informação: “O PÁGINA UM contactou esta tarde, por telefone, a sociedade Rodrigues Braga & Associados – cujos contactos correspondem ao local de estágio de Licínia Girão no registo da Ordem dos Advogados –, perguntando como poderia contactar com a advogada-estagiária, tendo sido informado por uma secretária que não era do seu conhecimento estar lá a trabalhar alguém com o nome da actual presidente da CCPJ.”

    A denunciante afirma que “nunca foi estagiária da sociedade de advogados mencionada na publicação” e que se trata de uma “coincidência nos contactos no que respeita à morada dos escritórios” resultante do facto de “diversos advogados ou sociedades de advogados” partilharem espaços. Acrescenta que “facilmente o denunciado tinha acesso à prova do efetivo estágio da denunciante, que por acaso teve início em Coimbra e aí decorreu durante toda a primeira fase, uma vez que esta participou, por exemplo, em diversas diligências nos tribunais de toda a região Norte, praticamente todas elas de acesso público.” 

    a) Como responde a esta correção feita pela denunciante?  

    b) Em relação à afirmação “está agora a realizar um estágio “fantasma” num escritório de advogados em Santo Tirso, apesar de viver em Coimbra”:

    i. Tem provas irrefutáveis que permitam afirmar que se tratava de um “estágio-fantasma”?

    ii. Encontra, factualmente, alguma irregularidade no facto de um estagiário residir fora da comarca onde realiza o estágio?

    Resposta à alínea c)

    Não há correcção alguma. Há aldrabice da Dra. Licínia Girão, que não apresenta sequer um documento que prove o meu alegado erro. No seu então registo como advogada estagiária na Ordem dos Advogados consta os contactos do local de estágio em Santo Tirso com indicação completa do endereço e dos contactos telefónicos, que correspondem aos contactos da sociedade de advogados Rodrigues Braga & Associados. Não há conhecimento de qualquer outro escritório de advogado que partilhe os mesmos telefones da Rodrigues Braga & Associados. Curiosamente, a Dra. Licínia Girão não indica, na sua queixa, em que escritório afinal estagiava e quem era o seu patrono. Talvez não seja má ideia, se o Conselho Deontológico, quer apurar a verdade, saber esses “pormenores”, ou até contactar a sociedade de advogados Rodrigues Braga & Associados e/ ou contactar o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados. Aprofundem o assunto, queiram saber a verdade, e não acreditar por uma questão de fé na denunciante, a quem, por certo, acredito que queiram agradar, embora não queiram com isso violar a Verdade e a deontologia no seu apuramento.

    Faço também notar que em 14 de Agosto de 2022, coloquei questões à Dra. Licínia Girão, citando esta passagem: “Também tenho conhecimento que se encontra a realizar o estágio de advocacia desde 2020 num escritório de advocacia em Santo Tirso, apesar de ter conhecimento de viver em Coimbra (agradecia confirmação), embora o seu nome não conste na equipa do referido escritório (https://archive.ph/too8Q). Aliás, agradecia que me informasse em que moldes se encontra a realizar esse estágio.” A Dra. Licínia Girão optou por nada esclarecer. Escrevi, portanto, com base em factos: registo e contacto com o escritório da sociedade de advogados existente no respectivo registo, não havendo qualquer informação da existência de outro escritório no mesmo endereço e compartilhando os mesmos telefones.

    Resposta à alínea d)

    Sobre a subalínea i), as provas são o registo na Ordem dos Advogados e o contacto telefónico que consta no registo, que me parecem suficientes, além do facto de estarmos a falar de um estágio em Santo Tirso de alguém que mora em Coimbra. A recusa, à data, da Dra. Licínia Girão em esclarecer esta situação reforça a minha convicção de que se tratava de um estágio-fantasma. Tenhamos consciência que, sendo a Dra. Licínia Girão jornalista há 30 anos e ocupando um cargo público, não deveria estranhar perguntas, mesmo se incómodas de jornalistas seus colegas. Recusar esclarecer (em Agosto de 2022) e vir depois, muitos meses depois (Maio de 2023), queixar-se ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, sem uma prova (a não ser a sua palavra). Não é só absurdo como eticamente indecente.

    Sobre a alínea ii), em nenhuma parte dos meus artigos se refere que existe “alguma irregularidade no facto de um estagiário residir fora da comarca onde realiza o estágio”. Seria absurdo dizer isso, bastando ver quantos estagiários em Lisboa, por exemplo, vivem fora da comarca de Lisboa. Sucede que a estranheza não está no facto de Santo Tirso se situar em comarca diferente de Coimbra. Está no facto de distarem 150 quilómetros, com um tempo de percurso de uma hora e meia.


    4) Neste mesmo artigo, justifica o facto de não se ter identificado como jornalista por “se estar perante um incontestável interesse público, estando convicto de que a sua identificação prévia como jornalista resultaria num eventual enviesamento da verdade.” 

    a) Reformularia este enquadramento à luz da correção feita pela denunciante da informação que, por este método, recolheu?

    Resposta à alínea a)

    Tenho a perfeitíssima convicção, como jornalista com carteira profissional desde 1995, como antigo membro do Conselho Deontológico e perante a minha experiência como jornalista de investigação, que não me identificar como jornalista, e sim como cidadão normal, era a única forma de conhecer a verdade sem qualquer risco de enviesamento. Além disso, a não identificação como jornalista não resultou, neste caso, em qualquer abuso da boa-fé com que a pessoa que me atendeu me forneceu informação. Reitero, mais uma vez, que o relator do Conselho Deontológico comete já um enviesamento ao considerar válida a existência de uma “correção pela denunciante”.

    Não há qualquer correcção sobre factos até agora não desmentidos documentalmente: a Dra. Licínia Girão não era conhecida pela secretária do escritório onde estagiara, sendo que também não constava na lista de advogados-estagiários que constavam no site da dita. Faço notar que a norma do Código Deontológico que prevê a excepção na identificação se enquadra perfeitamente no caso: pretendia-se apurar um facto relacionado com a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, uma entidade pública que, ademais, exerce funções relevantes para a profissão e para a imagem dos jornalistas.

    Em todo o caso, a opção por se usar esta legítima excepção é matéria de consciência do jornalista e seria absurdo, ainda mais dadas as circunstâncias, o Conselho Deontológico censurar essa prática para o caso concreto em apreço. Até porque, enfim, foi método importante na investigação.


    5) Noutra passagem da notícia, refere o seguinte: “No Registo Nacional de Teses e Dissertações constam agora dois mestrados concluídos em Outubro de 2019 e em Março de 2021: o primeiro em Jornalismo e Comunicação; e o segundo em Ciências Jurídico-Forenses. Além destas duas recentes provas académicas de nível intermédio, não consta outro qualquer registo consultável de obra académica ou de natureza relevante do ponto de vista profissional que possa atribuir a Licínia Girão um estatuto de “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.

    a) Como justifica a opção pela expressão “nível intermédio” para descrever estas qualificações?

    b) Como responde à acusação de que “deliberadamente o denunciado ocultou o vasto currículo académico e profissional da denunciante”?

    Resposta à alínea a)

    Esta pergunta é um absurdo. Um mestrado, sobretudo no âmbito do Processo de Bolonha, constitui uma qualificação de nível superior 7, estando entre a licenciatura (nível 6) e o doutoramento (nível 8). Parece-me óbvio ser correcto o nível intermédio, quando enquadrado em “provas académicas”, como expressamente refiro. Em abono do máximo rigor, quando se fala em provas académicas a defesa de de dissertação de mestreado até é o nível mais baixo, atrás da tese de doutoramento, da aula de agregação e da proposta de habilitação para o exercício de funções de coordenação científica.

    Não se apoquente, porém, a Dra. Licínia Girão com tal. Não se sinta inferiorizada. Também eu tenho formação com provas académicas de nível intermédio, tendo em conta as três formações de nível 6 (embora uma pré-Bolonha, com defesa de tese final) e uma de nível 7 (mestrado), não tendo ainda concluído a de nível 8. Não é desprimoroso, embora talvez insuficiente, na minha opinião, para eu me considerar (ou outros considerarem-me) com mérito suficiente para me assumir, por exemplo, como bastonário da Ordem dos Engenheiros ou dos Economistas.

    Resposta à alínea b)

    Não foi ocultado o vasto currículo académico da Dra. Licínia Girão, por um simples facto: não é vasto. São apenas conhecidas duas teses de mestrado. Não lhe são conhecidos artigos científicos, escrita de livros ou capítulos de livros, conferência ou outro tipo de actividade na área jurídica ou de comunicação social que possam contribuir para justificar que se trata de uma “jurista de mérito”. As palavras são importantes e relevantes. Os meus artigos fazem um levantamento exaustivo do currículo da Dra. Licínia Girão. Em resposta, na queixa, a Dra. Licínia Girão não contrapõe com absolutamente nada do seu currículo que prove qualquer ocultação ao suposto vasto currículo académico e profissional.


    6) Adianta, ainda, no mesmo artigo, que Licínia Girão “também se candidatou a mediadora de conflitos dos julgados da paz do agrupamento de concelhos da Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, e do agrupamento de concelhos de Alvaiázere, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande e Porto de Mós, não se conhecendo também os resultados.”

    A denunciante salienta que esses resultados já eram públicos desde 2 de setembro de 2021, como se verifica na ata, publicada aqui

    a) Como comenta esta correção feita pela denunciante?

    Resposta à alínea a)

    Efectivamente, há um lapso no meu texto, por faltar um “remate” na frase, mas que não retira factualidade ao currículo que se expôs. Aquilo que eu deveria ter sido escrito era “(…) não se conhecendo também os resultados do seu trabalho”. Isto porque, tanto na data dos textos como agora, de acordo com o Conselho dos Julgados de Paz, os dois agrupamentos para os quais a Dra. Licínia Girão se candidatou em 2021 não estão sequer ainda instalados em 2023. Ou seja, ela nunca exerceu a função de mediadora, portanto não pode ser incluída no seu currículo.

    Em todo o caso, não deixa de ser curioso que a Dra. Licínia Girão passe á frente de uma outra referência curricular, que aliás deveria mkerecer a atenção do Conselho Deontológico e até da CCPJ. Com efeito no meu artigo de 18 de Agosto de 2022, intitulado “Advogada-estagiária ‘fantasma’ com cargo que por lei exige ‘jurista de reconhecido mérito’”, saliento que “Licínia Girão assume-se também como ‘coordenadora da comunicação interna do Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos (ICFML)’, uma tarefa que poderá ser considerada incompatível face ao estabelecido no Estatuto do Jornalista. De acordo com a alínea b) do nº 1 deste diploma legal são incompatíveis com a actividade jornalística as ‘funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais’”. Isto já não interessa ser analisado?

    Enfim, mas concedo, porém, que houve um lapso na passagem referida, que teria sido de imediato corrigida se a Dra. Licínia Girão a tivesse apontada, fazendo cumprir assim o ponto 5 do Código Dentológico, isto é, ” como “promover a pronta retificação das informações que se revelem inexatas ou falsas.”


    7) Artigo publicado a 27 de agosto de 2022: “Oito jornalistas protegem com silêncio escolha de advogada-estagiária em cargo que exigia mérito”

    Escreve, na notícia, o seguinte: “o currículo desta jornalista freelancer, sobretudo associada à imprensa regional, mostra-se paupérrimo para a exigência da lei: tem dois mestrados, mas o de Ciências Jurídicas terá demorado pelo menos 11 anos a concluir. E nas provas do concurso para a magistratura foi excluída logo na primeira fase com um comprometedor “chumbo”, tendo ficado quase na cauda da tabela.” Acrescenta que, “além disso, o seu percurso académico tem pouco de distinto, mesmo se esforçado: terá demorado pelo menos 11 anos a concluir um mestrado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra, uma vez que já aí era aluna em 2011 e apresentou a tese no ano passado.”

    O documento para o qual remete como prova de que a denunciante era aluna na Universidade de Coimbra desde 2011 é de uma lista de cadernos eleitorais de estudantes da Faculdade de Letras. O mestrado em Ciências Jurídico-Forenses é ministrado na Faculdade de Direito. 

    a. Como fundamenta a afirmação de que a denunciante demorou 11 anos a concluir o mestrado em causa?

    b. Como fundamenta a opção pela classificação de “paupérrimo” para descrever o currículo da denunciante?

    Resposta à alínea a)

    Face à ausência de esclarecimentos da Dra. Licínia Girão sobre o seu percurso académico, apenas foram encontrados alguns pontos do seu percurso. Em todo o caso, o tempo que medeia uma primeira inscrição e a conclusão de estudos pode ser medido assim, independentemente da mudança de cursos durante o período. O uso do futuro do pretérito-composto, aliás muito usado em jornalismo, deve-se a algum grau de incerteza, de contrário teria escrito “demorou”.

    Se o recurso à expressão “terá demorado” for considerada pelo Conselho Deontológico como falta de rigor, desde já solicito que seja analisado o rigor destas notícias do Jornal de Notícias, do Rádio Renascença,  O Jogo, Rádio Elvas, CNN Portugal, Público, etc., que recentemente usaram a expressão “terá demorado” em notícias. Atenção que não usei a expressão “pode ter demorado”, porque tenho uma aversão à expressão muito em voga no jornalismo português.

    Resposta à alínea b)

    Não sabia que eram competências do Conselho Deontológico escrutinar o uso de adjectivos pelos jornalistas. Fico agora a saber. Em todo o caso, objectivamente, a Dra. Licínia Girão tem, no contexto de um cargo onde se exigia ser-se “jurista de mérito”, um currículo paupérrimo e criado de forma muito recente. Objectivamente, a Dra. Licínia Girão tem dois mestrados bastante recentes (2019 e 2021), não tem currículo académico, não tem ensaios nem escritos de relevo, não tem um percurso na docência nem na magistratura, não terminou o estágio de advocacia e chumbou nos exames do CEJ. Queriam que, objectivamente, em rigor e consciência, eu mentisse aos meus leitores?

    Aliás, o interesse das notícias do PÁGINA UM era exactamente sobre como se chega ao cargo de presidente da CCPJ com um currículo desta natureza. Pode o Conselho Deontológico não gostar, não concordar, mas são apresentados factos com rigor e boa-fé e ouvindo as partes, que aliás não colaboraram.


    8) Artigo publicado a 22 de agosto de 2022: Chumbada: presidente do regulador dos jornalistas teve das piores notas no concurso para a magistratura

    Há uma passagem no artigo que diz o seguinte: “Com efeito, atendendo às suas notas nas três provas escritas – Direito Civil, Direito Penal e Desenvolvimento de Temas Culturais, Sociais ou Económicos –, certo ficou que não lhe bastará ser considerada, entre alguns dos seus pares, uma “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social” para ser aceite nos cursos de formação de juízes e delegados do Ministério Público. Vai ter muito que estudar.”

    a. Considera a forma como expõe este raciocínio própria de um texto noticioso? Como justifica, em particular, a opção pela expressão “vai ter muito que estudar”?

    b. Sabia ou procurou saber se existiria algum contexto que explicasse o desempenho da denunciante nos referidos exames?

    Resposta à alínea a)

    Acho extraordinária esta pergunta do Conselho Deontológico. Extraordinária por ordinária. Acha mesmo o Conselho Deontológico que deve analisar estilos jornalísticos, estilos de escrita, estilos de abordagem? Um texto noticioso, e saberão os doutos membros que são docentes, não abrange um apenas estilo, cinzento e formal, pedindo permissão à palavra anterior para escrever a seguinte, cheia de respeitinho. O estilo que uso no PÁGINA UM está muito próximo do que praticava há mais de 20 anos, nas revistas Grande Reportagem e Forum Ambiente. Bem sei que mudou muito o jornalismo e que agora usarem-se expressões coloquiais e/ ou sarcasmo evidente num artigo jornalístico constitui crime de lesa-majestade, sobretudo se a Majestade é a presidente da CCPJ.

    Agora, objectivamente, a Dra. Licínia Girão tem avaliações miseráveis para quem é considerada, entre os seus pares, “jurista de mérito”. É uma conclusão jornalística justa e rigorosa. Teria escrito o mesmo de um político.

    Resposta à alínea b)

    Não procurei nem tinha o dever de procurar saber. Infelizmente, todos perdemos os nossos entes queridos, e o mesmo me sucedeu em Setembro do ano passado, sem que eu deva usar essa situação para justificar qualquer falhanço. A Dra. Licínia Girão fez três exames em três semanas para as provas de acesso. Se compareceu aos três exames, certamente foi por considerar reunir condições intelectuais e emocionais para ser aprovada. Se entregou as provas, idem. Estaria assim convencida de que seria aprovada. Não foi, e fez, aliás, um dos piores resultados. Não é lícito vir agora desculpar-se da morte de um familiar. E mais: exigir que o jornalista soubesse desse facto.

    Mostra-se extremamente grave que a presidente da CCPJ me acuse de ter conhecimento da morte da mãe (não tive), acrescentando que “optou, desonestamente, por ocultá-la, em clara violação do Código Deontológico dos Jornalistas”. É uma reles acusação. Reles ao mais alto nível.

    Aliás, convém referir que, ao longo da investigação, apurei uma questão da vida pessoal da Dra. Licínia Girão (o seu processo de insolvência em 2012), que optei por não utilizar por ser matéria que, embora pudesse ser considerada relevante para traçar o seu percurso de vida, era de algum melindre e não contribuía para o que estava em causa: o seu currículo ser ou não relevante para assumir a presidência da CCPJ.

    Por outro lado, em Agosto de 2022, quando se colocaram as questões sobre o seu percurso profissional, pedindo esclarecimentos, optei por enviar as questões para o e-mail profissional da Dra. Licínia Girão que então detinha como advogada-estagiária. E enviei uma mensagem para o e-mail geral da CCPJ com a seguinte mensagem: “Tendo em consideração que se está perante pedidos de esclarecimento que podem confluir com aspectos da esfera pessoal, tomei a liberdade de lhe colocar questões para o endereço de e-mail da Ordem dos Advogados, uma vez que este não é o seu e-mail profissional da CCPJ. Serve, assim, este e-mail para avisar de tal envio, tendo em conta que ignoro se costuma aceder com frequência ao referido e-mail.”

    Ou seja, parti para esta investigação com elevada honestidade no pressuposto de que, se dados esclarecimentos devidos, o caso ficaria encerrado. Não só não foram dados quaisquer esclarecimentos, como se adensaram mais as suspeitas e provas.

    Saliento também que, ao longo das notícias que visaram o percurso profissional da Dra. Licínia Girão, foi tentado contacto com todos os membros, todos, da CCPJ sobre a escolha e pedindo opinião sobre se a consideravam, visto o currículo, uma “jurista de mérito”. Nem um só respondeu, o que é um direito que lhes assiste, mas não pode é depois vir-se criticar a deontologia de quem pergunta e investiga.

    Acresce que foram pedidas as actas do Plenário, onde se incluirá a da eleição da Dra. Licínia Girão, mas não foram facultadas, estando a decorrer um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.  

    Note-se, por fim, que as “verdades” colocadas na queixa da Dra. Licínia Girão, além de não serem consubstanciadas com a apresentação de provas, nunca foram expostas quando atempadamente foi questionada.

    Aliás, mostra-se surpreendente que a Dra. Licínia Girão se escandalize por eu colocar em causa os motivos do cancelamento, e ter feito perguntas à Ordem dos Advogados. Diga-se, aliás, que o registo do cancelamento tem o motivo. Para que a informação da Dra. Licínia Girão se transformasse em facto deveria ter uma prova – que existe, mas que ela se recusa a querer revelar, preferindo tecer críticas à forma como investigo.

    Na verdade, o uso sistemático da palavra desonestidade para se referir a mim, e ao meu trabalho, só porque a afecta, é ultrajante e indigno para alguém que preside à CCPJ. Tenho um passado transparente e impoluto, que não é escondido; ao contrário do passado da Dra. Licínia Girão, que ela acha que não pode ser escrutinado por via das funções que exerce.

    Sinceramente, agora sei quem tem aqui problemas deontológicos a resolver.



    9) Artigo publicado a 5 de janeiro de 2023: Licínia Girão: a “jurista de reconhecido mérito” sem mérito para concluir estágio

    Afirma que “Licínia Girão cancelou a sua inscrição como estagiária na Ordem dos Advogados depois de se mostrar incapaz de concluir o estágio de advocacia iniciado em finais de 2020, e que duraria 18 meses.”

    a. Em que factos se baseia para afirmar que a denunciante se mostrou “incapaz”?

    Resposta à alínea a)

    Esta questão já acima foi respondida. Sendo o prazo normal do estágio de 18 meses, e em Outubro de 2020 a Dra. Licínia Girão cancelou a inscrição, desistindo do estágio (o que não ocorreria na suspensão), significa que não foi capaz de o concluir. Ou seja, mostrou-se incapaz. É objectivo. É português.

    Noutra passagem, escrevo o seguinte: “Agora, apurou o PÁGINA UM, a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para conclusão do estágio da Ordem dos Advogados, que começara em finais de 2020.”


    10) Dispõe de provas de que a denunciante tenha feito alguma prova pública ou outra à Ordem dos Advogados?

    Resposta

    Julgo que o relator – e inquiridor (ou inquisidor) – do Conselho Deontológico sabe compreender português. Escreveu-se que a presidente da CCPJ nem sequer conseguiu ultrapassar as provas para a conclusão do estágio. As provas são uma das fases para a conclusão do estágio e não são ultrapassadas em uma das duas causas: ou porque nem sequer se compareceu às provas, ou então compareceu-se e chumbou-se. Ora, aquilo que escrevi – e deve ser isso que deve ser analisado – foi que a Dra. Licínia Girão se mostrou incapaz de concluir o estágio, sendo que a prova é não ter concluído o estágio e ter cancelada a sua inscrição na Ordem dos Advogados sem ter o título de advogado.

    No mesmo artigo, diz ainda o seguinte: “Independentemente da veracidade desta declaração, não comprovada por qualquer documento, certo é que a opção pelo cancelamento – em vez de uma suspensão (que implicaria que, a qualquer momento, pudesse reatar a inscrição –, não esconde mais um insucesso de Licínia Girão no “mundo das leis”, sobretudo para quem chegou à liderança da CCPJ rotulada de “jurista de reconhecido mérito”.”


    11) Dá como certa a informação de que, caso a denunciante pedisse a suspensão do estágio, poderia reatar a inscrição “a qualquer momento”?

    Resposta

    Façam o favor de ler o Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados, até para não se fiarem, como fazem com as denúncias da Dra. Licínia Girão, naquilo que uma parte escreve. O dito regulamento diz, no artigo 12º que o advogado pode requerer a suspensão do seu estágio até um período máximo de seis meses, indicando que logo que cessada a suspensão, ocorre um reingresso. Mais adianta que se ao fim dos seis meses o estagiário não tiver requerido o levantamento da suspensão “importa o imediato cancelamento da sua inscrição”. Podem também ler o Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados-Estagiários sobre as diferenças entre suspensão e cancelamento.


    12) Pedimos-lhe que atente ainda neste excerto da notícia: “Os dois revezes de Licínia Girão – nos mundos da Magistratura e na Advocacia em apenas um ano – não a impedem de continuar a sua profissão de jurista (embora limitada em termos de actividade profissional), nem de ser considerada pelos seus pares (oito jornalistas) que a cooptaram para a CCPJ, como alguém de “mérito reconhecido”.

    a) Como sustenta a afirmação “embora limitada em termos de actividade profissional”?

    Resposta à alínea a)

    Acho estranho que uma “jurista de mérito” como a Dra. Licínia Girão não entenda as consequências do chumbo no CEJ e a não conclusão do estágio de advogada em termos de a limitar a exercer determinadas funções profissionais. Mais uma vez remeto para o  Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados-Estagiários, que no nº 1 do artigo 57º diz que “O cancelamento da inscrição impede o exercício da advocacia e o uso do título de «advogado» ou de «advogado estagiário»“. Ou seja, um jurista sem ter concluído o estágio fica bastante limitada no exercício da sua profissão. Não é uma opinião, é um facto.


    13) Por fim, e de forma mais geral, pedimos-lhe uma última resposta sobre este tema: o Código Deontológico é claro na necessidade de separar factos e opiniões, o que nem sempre acontece nos seus textos. Como o justifica?

    Resposta:

    Esta é mais uma pergunta extraordinária, onde o relator denuncia que já tirou as suas conclusões. Refere genericamente que “nem sempre acontece nos seus textos” a separação entre factos e opinião. Não diz onde nem em concreto em que passagens. Seria o mesmo que um polícia me acusar de que “nem sempre acontece na sua condução que cumpre a Código da Estrada, e por isso vou multá-lo”. Assim, sem necessidade de identificar a acusação em concreto.

    E mais, ainda o relator pede para me justificar, como se houvesse mesmo nos meus textos essa ambiguidade. Mais uma vez o relator faz como um inquisidor que pede ao réu que justifique as razões de ter blasfemado, mesmo se ele até nunca blasfemou. Se tem de se justificar de algo, é porque cometeu o acto de que, de forma genérica e abstracta, o acusam. Isto era de um brilhantismo fantástico na Idade das Trevas; mais fantástico ainda quando intentado por supostos guardiães da deontologia jornalística neste Portugalinho do respeitinho do século XXI.

    Enfim, têm mesmo a noção de que, se me querem “condenar”, não podem ser assim tão pouco discretos?

    Em todo o caso, sempre direi que se o relator conseguiu encontrar opiniões nos meus textos e também conseguiu encontrar factos, então é porque ficou, e está, claro aos seus olhos a distinção entre factos e opinião.

    Mas vamos ser claros, e discutamos o que se encontra mesmo no Código Deontológico. Lá não proíbe que coexista factos e opinião num mesmo texto jornalístico, mas sim que os factos sejam relatados com rigor e exactidão, além de ser interpretados com honestidade, devendo existir uma distinção entre o que é uma coisa (factos) e outra (opinio). Ora, se há uma interpretação de factos (com honestidade), passamos para a esfera subjectiva da escrita, onde é (mais do que) lícito, no mesmo texto, que sejam emitidas opiniões, desde que seja evidente aos leitores que aquelas são opiniões.

    Aliás, numa reportagem, se escrevo que uma paisagem é deslumbrante, estou a referir-me a um facto (paisagem) e à sensação que me transmite (opinião). Para o leitor mostra-se evidente que existe um facto e uma opinião.

    Quando num texto jornalístico se usa adjectivação, muitas vezes no seguimento da interpretação de factos, estamos sempre perante uma opinião, também facilmente identificada pelos leitores.

    Por exemplo, no caso em apreço, quando escrevi que o currículo da Dra. Licínia Girão era paupérrimo (uma adjectivação de um facto, o seu currículo), emito uma opinião baseada numa interpretação de factos que apresento (o conjunto da sua formação e experiência profissional). Para os leitores é clara a distinção – e mais: como exponho em detalhe tudo, podem os leitores discordar daquilo que escrevi e tirar a própria conclusão. É esse o âmago do jornalismo: informar os leitores, interpretar essa informação (o jornalista não é um autómato), e fazê-los, a partir daí, pensar pelas respectivas cabeças. E depois de ler tudo aquilo, e sabendo a minha opinião (e também a ausência de esclarecimentos e a falta de opinião dos restantes membros da CCPJ), os leitores devem responder, por eles próprios, à seguinte pergunta: é a Dra. Licínia uma jurista de mérito?

  • Costa é um político nato

    Costa é um político nato

    António Costa faz promessas de estabilidade e até acredito que sejam sinceras, mas lá fora vejo movimentações que apontam em sentido contrário. Há meses, mencionei a hipótese do nosso primeiro-ministro poder ser o próximo Secretário-Geral da NATO. Agora, não só a mantenho como a reforço. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    Ele pode dizer que não quer e até o pode repetir, como Pedro, por três vezes. Só que faz sentido e, por isso, permitam-me fazer algo irresponsável do ponto de vista jornalístico – mas autorizado e, podemos dizer, assaz estimulante quando se trata do género de crónica – que é especular. Especulo baseado em factos que vou colhendo aqui e ali e que, depois, interpreto como bem entendo. Não mais que isso.

    Tudo começou com uma crónica a 14 de Março, intitulada “Perguntei à minha bola de cristal”, onde fazia notar que o actual Secretário-Geral da NATO, o ex-primeiro-ministro norueguês Jens Stoltenberg, iria deixar o cargo em Outubro deste ano. E isso iria provocar mexidas em Bruxelas, pois um dos nomes ventilados para o substituir era o da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.

    Se a ex-ministra da Defesa da Alemanha, que ocupa agora um posto que já pertenceu ao português Durão Barroso, aceitasse substituir o norueguês na cadeira da aliança militar entre os EUA e a Europa, então isso iria deixar em aberto o seu lugar um ano antes da conclusão do primeiro mandato de cinco anos e que, em 2024, ainda pode ser renovado por mais cinco.

    Seria um problema Ursula sair em Outubro deste ano. Foi então que, numa segunda crónica, a 4 de Abril, intitulada “Ursula é a maior”, escrevi que havia uma maneira de resolver o assunto e isso passaria por, e agora, cito-me: “que Jens Stoltenberg ficasse mais uns meses no cargo, indo para além de Outubro, dando assim tempo a Von der Leyen de terminar o mandato e poder depois manter-se em Bruxelas, agora na cadeira da NATO”.

    Isto foi escrito um mês antes da reunião do Grupo Bilderberg em Lisboa, onde, entre os dias 18 e 21 de Maio, Jens Stoltenberg foi um dos membros presentes para as discussões políticas, económicas e militares, de algumas das mais influentes personalidades dos países membros da NATO. Nessa altura, António Costa, como primeiro-ministro do país anfitrião, esteve presente num almoço no Hotel Pestana Palace, na Ajuda. E o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ofereceu depois um jantar no Palácio da Ajuda.

    Não sei até que ponto isso ajudou ao que aconteceu depois do encontro Bilderberg, mas sei que a notícia prevista em Abril, concretizou-se há dias: Jens Stoltenberg aceitou prolongar o seu mandato por mais uns meses até que se chegasse a um acordo para o seu sucessor. Sendo assim, Ursula von der Leyen tem a porta aberta para sair do cargo no fim do primeiro mandato, mas teria de renunciar a um prolongamento de mais cinco anos. Será que a alemã aceita abdicar disso? Talvez. Se o fizer, então vamos ter de escolher um novo presidente para a Comissão Europeia e, nesse caso, duvido que António Costa possa ser escolhido, já que seria o segundo português ao fim de dez anos.

    É difícil, mas não impossível que Costa vá para o lugar de Leyen. Outro cargo que lhe estará apalavrado é o de presidente do Conselho Europeu, actualmente ocupado pelo ex-ministro belga, Charles Michel, e que termina o seu último mandato, de apenas dois anos e meio cada, em finais de 2024.

    Após o anúncio do prolongamento de Jens Stoltenberg como Secretário-Geral da NATO, o calendário político tornou-se óbvio: está tudo à espera das eleições europeias de Junho de 2024 e da distribuição das cadeiras nos meses seguintes. E é isso que cria a instabilidade em Portugal, pois Costa está há muito a olhar para isto.

    Pelo meio, vamos ter as eleições legislativas em Espanha, já no dia 23 deste mês, onde o socialista Pedro Sanchéz, a julgar pelas sondagens mais recentes, poderá não ser eleito. Dizem que ele é que poderia ser o próximo chefe da NATO. Duvido, pois já houve um espanhol, Javier Solana, que esteve à frente da organização entre 1995 e 1999.

    Faz sentido que Portugal, um país que até é membro fundador da NATO – quando até éramos uma potência colonial e fascista (como alguns gostam de dizer, mas que a NATO, pelos vistos, entendeu de forma diferente) –, possa liderar a aliança militar. Sim, como dirão alguns amigos, nós não damos dois por cento do nosso orçamento para Defesa, pelo que seria impossível haver um português no cargo. Mas, agora contraponho, não seria esta a melhor maneira de dar um sinal a Moscovo, com a ideia da Europa unida de Lisboa a Vladivostoque?

    Conclusão desta minha irresponsável especulação: Vamos a eleições em Junho de 2024 e o PS ganha por “poucochinho”. Costa treme, mas diz que não sai e garante a estabilidade. Marcelo não convoca eleições antecipadas. Depois, Ursula não aceita sair da Comissão Europeia e Costa reitera que não vai fazer como Barroso e também não aceita o Conselho Europeu.

    Mas depois, há um apelo. Um apelo internacional e o Secretário-Geral da NATO vem a Portugal e vai a Belém falar com Marcelo, onde lhe explica a necessidade para o mundo de ter um português, em Bruxelas, a liderar a NATO.

    Perante o “desígnio nacional”, Costa sai, mas o País não pode ter eleições antecipadas. Marcelo diz que sim, mas depois convoca eleições para Novembro de 2024. Só vou especular mais quando Costa disser, três vezes, que não é um político nato.

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Como se apaga a dignidade: dos professores aos jornalistas

    Como se apaga a dignidade: dos professores aos jornalistas


    O ano escolar terminou e chegou a hora da devolução à escola dos manuais escolares usados para serem reutilizados. Em escolas públicas do ensino básico, professores receberam uma tarefa de última hora, uma espécie de prémio de final de ano: apagar com borracha os milhares de páginas de todos os manuais que os seus alunos usaram ao longo do ano.

    A justificação para esta “prenda” é de que não há auxiliares de educação nem administrativos disponíveis para “limpar” os livros e apagar os exercícios feitos a lápis pelos alunos.

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    Assim, depois de um ano lectivo, ainda sem férias, há professores a rever uma a uma mais de 18.000 páginas de manuais escolares usados para apagar com borracha cada palavra, frase, gatafunho ou desenho feitos pelos alunos.

    Isto é normal? É. Mas não devia ser.

    Quando se ordena um professor a executar esta tarefa está-se, sobretudo, a desmotivar e a afastar cada vez mais os professores da escola pública. Se calhar é esse o objectivo. Está-se a abusar do professor, das suas competências, talento e experiência. Da sua função.

    Para os professores, este tipo de ordens soma-se à crescente burocracia e tarefas fora da sala de aula que são obrigados a cumprir.

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    Sempre que ouço professores e assisto a reuniões com directores de turma fico a pensar como ainda aguentam trabalhar assim, nas condições que hoje em dia enfrentam. O desgaste. Os fins-de-semana a trabalhar para pôr tarefas em dia.

    E os alunos é que pagam também, por esta relação tóxica que muitas escolas (e a tutela) assumem com professores.

    Sabe-se que em muitas escolas os meios são escassos. As escolas fazem o que podem para manter tudo a funcionar. Diz-se que “o país é pobre”, que “não há recursos”. Mas há. Para a TAP. Para o Novo Banco. Aquela obra pública cujo custo sai o triplo do orçamento previsto. Para os amigos de políticos e gestores públicos que ganham concursos e contratos de consultadoria. Para familiares de governantes. Para os amigos de autarcas.

    Só não há dinheiro para as escolas. Ou para centros de saúde. Para hospitais. Maternidades. Ainda se fossem companhias aéreas, bancos falidos, empresas desfalcadas…

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    Olho para este caso dos professores a apagar manuais usados, e penso nos jornalistas, nos polícias, e em todos os profissionais que acabam a ter de cumprir tarefas que não era suposto estarem a executar. Penso no abuso que sofrem muitos profissionais, apenas para manterem o salário e o emprego.

    No caso dos jornalistas, a desmotivação é grande. Hoje, os mais “antigos” nas redacções estão resignados e a contar os dias para a reforma ou saída antecipada. Entre os mais novos, muitos nem sabem o que é jornalismo porque começam logo a fazer “notícias” e cobrir conferências que são pagas por empresas ou organismos públicos, autarquias, etc.

    Muitos jornalistas hoje, quando escrevem notícias ou fazem entrevistas, fazem-no no âmbito de uma qualquer “parceria comercial” contratada. São encomendas que estão previstas em cadernos de encargos obscuros e secretos porque não são do domínio público.

    Isto é normal? É. Normalizou-se e hoje é o dia-a-dia das redacções nos grandes órgãos de comunicação social no país.

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    Deveria o regulador dos media exigir a divulgação de todos os contratos das chamadas “parcerias comerciais” feitas com grupos e órgãos de comunicação social? Obviamente. Mas não. Ficam no segredo dos deuses.

    Conhecem-se apenas os contratos com entidades do Estado e que obrigatoriamente são divulgados no Portal Base. E mesmo esses são publicados sem a respectiva e obrigatória divulgação dos cadernos de encargos. É lá que está descriminado o que é encomendado: quantas entrevistas e notícias o órgão de comunicação terá de publicar no âmbito daquela encomenda.

    Para quem não sabe, é proibido jornalistas executarem encomendas. Mas é isso que vemos todos os dias. É só ir à rede social LinkedIn e ver que a cada meia-hora há uma conferência em directo do Público, do Expresso e de outros jornais, rádios e TVs.

    Cada uma dessas conferências tem directores, editores ou jornalistas a executar encomendas previstas num caderno de encargos. Cada uma dessas conferências tem contratos assinados com entidades que pagam para que ali estejam jornalistas, editores, directores. Cada uma dessas conferências tem jornalistas a escrever sobre o que lá se está a passar e a fazer entrevistas com os “convidados”. É só ler os textos e as entrevistas, assistir a algumas dessas conferências para perceber que alguém – um autarca, um gestor, uma empresa, um produto, um sector – está a ser promovido. Uma “mensagem”, várias “mensagens” de marketing estão a passar para o público, para os leitores, os ouvintes, os telespectadores.

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    Há cadernos de encargos que são um autêntico filme de terror para quem ama o jornalismo. Mas mesmo os contratos mais “suaves” são de fugir. Porque são uma violação da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.

    Dizem que “o país é pequeno”, “não há leitores”, que os jornais “estão em crise”. Dizem que são as parcerias comerciais que pagam os salários das redações. Podem até ser. Mas o que as redações fazem hoje, muitas vezes, não é jornalismo. Portanto, essas parcerias comerciais pagam para que os meios de comunicação social se transformem em máquinas de marketing e promoção, usando de forma abusiva a profissão, os jornalistas, o jornalismo.

    Se não há dinheiro para se fazer jornalismo, fazer notícias e entrevistas pagas não é a solução. Porque notícias pagas e entrevistas encomendadas é o oposto de jornalismo. É o anti-jornalismo. Mais vale assumir e fechar. Ou trabalhar a sério para se encontrar uma solução “para a crise”. Como desbastar os milhares de euros pagos a colunistas amigos e políticos. Como cortar salários e prémios na direcção. Como cortar em carros de empresa, cartões de crédito. Como debater de forma séria formas de financiar de forma sustentável um sector que é crucial para a democracia e o país. Terá de envolver financiamento público? Debata-se isso! Mas publicar notícias pagas travestidas de jornalismo é que não. Mais vale fechar.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Mas terá de passar por directores de jornais e TVs deixarem de querer ser “gestores”, “administradores” e ter futuros cargos políticos ou em grandes empresas. Terá de começar por haver directores que amem o jornalismo e queiram ser… jornalistas. Queiram fazer e honrar o jornalismo. Sem o vender ao desbarato, arruinando-o. Sem o usar para fins comerciais ou políticos.

    Mas terá de começar pelos jornalistas dizerem “não” e recusarem serem usados para “vender” bens e serviços, fazer marketing e executar cadernos de encargos de publicidade e comunicação.

    No caso dos jornalistas, como no dos professores, enquanto ninguém der um murro na mesa e disser “não”, a relação de abuso, o desgaste e o ambiente tóxico vão continuar.

    Até lá, perde o jornalismo e o ensino. Perdem os leitores. Os alunos. Perdemos todos.