Categoria: Opinião

  • Este Papa não merecia tanto!

    Este Papa não merecia tanto!


    A visita do Papa Francisco a Portugal criou enormes expectativas e teve, como sempre acontece neste nosso país, defensores acérrimos, críticos acirrados, polémicas várias e custos extraordinários.

    Eu, que estou longe de poder ser considerado um católico, na verdadeira acepção da palavra, tinha esperança de que a vinda de Francisco fosse uma festa.

    Tenho uma extraordinária admiração pelo Papa.

    E pelo Homem.

    Já escrevi, várias vezes, que o vejo como um Avô bem-disposto, com sentido de humor, simples, simpático e de uma inteligência fulgurante.

    Poderia ficar a ouvi-lo, e a tentar aprender, durante horas.

    As suas análises, as suas metáforas, os seus conhecimentos sobre tantas matérias, tornam-no naquele Mestre que todos gostaríamos de ter tido.

    O modo como encara a Juventude, razão principal da sua vinda a Portugal, deveria servir de exemplo aos nossos políticos.

    Dar lições como se falasse de igual para igual, responder a questões complicadas como se estivesse a perguntar, ou a tentar descobrir a resposta em comunhão com quem questiona, são sinais de uma superioridade intelectual que não pretende exibir, mas que surge naturalmente.

    O aceitar das diferenças, nos mais pequenos pormenores, por vezes com uma frase irónica é, também, uma característica do Papa.

    Como exemplo, a frase com que, numa escola, se despediu de alunos de muitas religiões:

    “Rezem por mim ou, se não souberem, ou quiserem rezar, pelo menos mandem uma boa onda!”

    Plateia conquistada.

    Depois, as muitas horas em que, apesar da idade e das maleitas, andou de lado para lado, sempre no meio de multidões querendo tocá-lo, cumprimentá-lo, abraçá-lo, sempre com um sorriso tranquilo e olhos nos olhos com quem pronunciava o seu nome.

    As centenas de milhares de jovens que encheram Lisboa de alegria, expressaram bem a sua admiração com a frase que gritavam aos quatro ventos:

    “Esta é a juventude do Papa!”

    O Papa mereceu tudo isto, mas… não merecia muitas outras coisas que a sua viagem deu a conhecer.

    Não merecia que um Presidente quisesse parte da atenção que toda a população, e em especial os jovens, queria dar, exclusivamente, ao seu Convidado.

    A presença constante, a tentativa absurda de se fazer notar, o modo, mais que efusivo, absolutamente desadequado, com que o cumprimentava, a tentativa exagerada de se mostrar “próximo” de Francisco tornou-se deprimente. 

    Não merecia, também, que o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa escondesse os sem-abrigo da cidade.

    Disse que foi uma operação planeada, há muitos meses, e que todos aqueles pobres tinham sido abrigados em locais decentes.

    Veremos, na semana seguinte ao regresso do Papa, a Roma, se à Baixa de Lisboa não regressam as camas de cartão, as barracas e os pedintes.

    Não merecia que uma Associação, que ninguém conhece, espalhasse cartazes a falar do número de crimes cometidos por padres já condenados, veementemente, por este Papa.

    Ninguém, muito menos um grupo de anónimos justiceiros, terá legitimidade para apontar o dedo a Francisco, nesta matéria.

    Os cinco minutos de fama que todos os idiotas procuram, não podem justificar tudo.

    Não merecia o Papa que, em todos as Cerimónias da Quaresma, lava os pés a doze presos (“todos podemos ser reclusos um dia”, já o repetiu várias vezes), e não a doze políticos, a doze padres, a doze empresários, que – para além de ficar a conhecer a vergonha da Lei de Amnistia aprovado sob o pretexto da sua vinda – não tivesse, no seu programa, a visita a uma cadeia.

    Sendo as Jornadas da Juventude poderia ir, e gostaria de ter ido, por exemplo, à Prisão Escola de Leiria, ou ao Estabelecimento Prisional do Linhó. Dois locais repletos de jovens.

    Esse gesto seria mais eficaz, na luta pela reabilitação, do que todo o trabalho que pudesse ser feito por psicólogos, durante meses.

    Não merecia, finalmente, este Papa, que o padre da Igreja de São João de Brito, na Praça de Londres, em Lisboa, expulsasse de um espaço dessa igreja, desde há muito usado por centenas de sem-abrigo, que ali tomavam banho, comiam graças ao apoio de Associações como a “Vida e Paz” e dormiam, para ali alojar dois mil peregrinos.

    Um gesto que, estou certo, causaria uma enorme tristeza ao Papa Francisco.

    Não fosse a vaidade de alguns, a subserviência de outros, a ignorância de muitos, no que concerne aos verdadeiros valores que o Papa defende, e a viagem teria sido ainda mais extraordinária.

    É difícil ter a grandeza de Francisco, há que reconhecer.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Madeira: crónica dos materiais

    Madeira: crónica dos materiais

    Todos nós temos caixas, certo? Alguma espécie de caixa, de algum tipo de forma, com algum tipo de conteúdo, mesmo que seja o vazio. (Meu coração é uma caixa de madeira.)

    Numa caixa de madeira, os sulcos acumulam-se, num cheiro de tempo que passou, que se agarra às coisas, agarra-se aos tecidos desde quando ainda lá guardávamos o enxoval, algodão com cheiro de floresta cortada. (E já dizia o poeta que era como um cofre que não se pode fechar de cheio.)

    photo of brown wood slab

    Numa caixa de música, pequenos mecanismos rodam em dentes, suavemente percorrendo uma fita (de tempo), a mordiscar vazios para produzir melodias (pequeninas), muitas notas de música a reverberar desde os primeiros dedos que as marcaram na História do Mundo. (Meu coração é uma caixa cheia de gente.)

    Numa caixa de cordas esticadas, uma guitarra nasce, ou nasce um piano (e têm gente dentro), ou mais instrumentos ainda, que sopram cores dentro dos nossos ouvidos, e as moléculas de água sacudindo-se. (E já dizia alguém que nós somos as nossas coisas, e diria eu, ou as pessoas, que trazemos coladas à pele dentro de nós.)

    Numa caixa com portas e janelas nasce a casa, e se nos encostamos à madeira sentimos a temperatura que temos no corpo, encolhemos e esticamos com ela, rangemos à medida que o dia nos comprime, e dilata, berramos num estalido, abanamos com o vento, agarramo-nos à terra. (Eu sou as pessoas que me tocam, vocês todos, minhas palavras são vossas e em nada mais me fico sendo, do que uma criança sentada de pernas cruzadas e o livro aberto sobre a cabeça como um telhado que se faz chapéu e também é feito de árvores.)

    brown tree log on green grass field near lake during daytime

    Madeira e tempo são árvores, são muletas, são cajados, são martelos, são música, são a tua casa e a minha, timidamente a penetrar o céu e sentadas de pernas cruzadas com um livro a fazer de telhado. São mortos vivos de pé, na nossa vida e na seguinte, desejosos de repousar os ossos na terra para sentir as raízes, tanto em cima como em baixo.

    O boneco de madeira, de nariz em crescendo, porque conta mentiras, porque o fizeram viver numa fábula. Quantas vezes a criança o viu apertar os olhos e contar muitas patranhas para tocar com a ponta do nariz na ponta mais alta de uma árvore. E que mal tinha isso? Tudo na busca da fada azul.

    Quando o carpinteiro, essa espécie em vias de extinção, apadrinhou e esculpiu a mesa e a cadeira (para que nos sentássemos), acarinhou e oleou o armário (para que nos guardássemos), saberia ele, porventura, que o tempo e a arte seriam servidos enlatados (“lavados com champô”)?

    brown wooden table with white printer papers

    Esfreguem pauzinhos para fazer fogo; se o vento estiver de feição, poderemos lamber montes em braseiro desmedido. Ou deixem submersa a madeira, a inchar e a chupar a água que nos deixa verdes. Quando o musgo crescer, saberemos então onde fica o norte. E já não nos perdemos na mata.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Estou a virar à direita?

    Estou a virar à direita?


    Estou a virar à direita? Talvez, com a idade.

    Talvez pela mudança do lugar da esquerda woke.

    Não porque seja racista – o meu sangue está carregado de mistura e diáspora sobretudo indiano e chinês;

    ou fascista – sou pelos direitos humanos, gastei muito do que ganhei a apoiar quem precisava, a potenciar talentos, a defender causas, a montar associações de cidadania;

    Brown Wooden Arrow Signed

    não porque seja machista – envio ao Ministério Público todas as suspeições de violência doméstica, agressores envergonhados que acompanham vítimas que são atendidas numa urgência onde tenha estado;

    não porque não goste de animais – já dei comigo a enviar dinheiro ao IRA em dias em que me revolto com maus tratos;

    não porque seja ignorante – apesar da noção que tenho da imensidão do que não sei!;

    mas porque estou farto da idolatria esquerdista, da estúpida ideia de que a direita é sempre má, que não há violência inútil na esquerda, que os terroristas vermelhos são melhores que os da ultra-direita, que os ciganos têm mais direitos que deveres, que aos comportamentos gravemente danosos possa permitir-se prescrição, que a lei não se aplique a todos de modo coerente, que a legalização de imigrantes esteja fora de qualquer controlo, e Portugal se esteja a tornar uma plataforma de entrar na Europa, sejamos uma maternidade de converter o Mundo em europeus, que os impostos sejam os maiores de que há memória e os subservientes da esquerda não falem nisso, que o controlo da linguagem se esteja a fazer como uma medida progressista, que a impunidade comodamente se instale em Portugal, que a autoridade tenha perdido sentido com a colocação de uma manada de incompetentes em todos os cargos do estado.

    Close-Up Photo of Left Hand

    Sim, por estas razões estou a endireitar.

    Sim, por perceber como o PSD tem vergonha do seu lugar político no centro direita, a sua colocação clara na oposição a esta tomada de assalto ao estado democrático, estou a endireitar.

    Com pena, mas com sentido revolucionário de perceber que essas esquerdas e direitas já acabaram, e hoje há novas fronteiras que nos separam!

    Não esqueço como o PSD permitiu esta maioria absoluta ao deitar fora 100 mil votos do CDS para não manter a coligação.

    Não esqueço como gastam mais cartuchos uns com os outros, que a fazer luta política, os do CDS, PSD e até Chega e IL.

    Situado entre algumas liberalidades e uma imensa noção da importância do estado no equilíbrio da distribuição e da equidade, sou completamente contra águas privadas, EDP privada, educação e conhecimento oferecido para cumprir Estatísticas, Saúde e Justiça que não funcionam. Também sou a favor de colocar taxas sobre o enriquecimento escandaloso ou o inexplicável.

    red and blue arrow sign surrounded by brown trees

    Não tenho tabus sobre a utilização privada para o bem comum. A garantia pública de segurança e justiça veloz e eficiente, medida em resultados incontestados. Sou anti-woke. Leio atento Peter Singer, José Carlos Ruiz, Daniel Innerarity, Giorgio Agamben e muitos outros, vivos que se debatem na intensidade do que é o pensamento contemporâneo, à espera de outros rumos, longe dos estereótipos do passado. A sociedade aberta luta contra os velhos inimigos!

    Enfim, onde fico? Ando perdido entre estribilhos de esquerda e alguns gritos da direita.

    Diogo Cabrita é médico


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  • O Estado: essa ficção onde, na realidade, uns poucos roubam os demais

    O Estado: essa ficção onde, na realidade, uns poucos roubam os demais


    Muitos consideram Frédéric Bastiat, um destacado economista francês do século XIX, como aquele que mais brilhantemente definiu o Estado: “A grande ficção através da qual todos se esforçam para viver às custas de todos os outros”.

    Apesar de praticamente não ver televisão, recentemente deparei-me com um programa sobre Economia na RTP3. O programa contava com a presença do Ministro das Finanças, Fernando Medina, e mais dois excelsos economistas. Embora tenha assistido apenas a três minutos, uma pergunta do moderador chamou a minha atenção. Era mais ou menos assim: “Sr. Ministro!, que medidas irá tomar para ajudar os portugueses, nomeadamente os mais débeis?”

    Close-Up Shot of a Person Wearing a Robber Mask

    Essas palavras deixam qualquer pessoa incrédula; é como se um bandido, após assaltar a vítima, com a máxima violência e extorquindo-lhe quase tudo, lhe dissesse: “Diz-me o que necessitas, eu sou teu amigo, estou aqui para ajudar-te!”.

    É hilariante: um Estado que confiscou 106 mil milhões de Euros à população portuguesa em 2022, algo em torno de 10 mil euros por português, incluindo idosos e crianças, tem o seu principal canal de propaganda a questionar o organizador do assalto sobre como irá “ajudar” as vítimas!

    Como chegámos até aqui? Ao longo da História, o número de parasitas no período feudal e na Monarquia Absoluta era relativamente pequeno; no entanto, não hesitavam em extorquir todo o rendimento da vítima, deixando-a, na maioria das vezes, com recursos insuficientes até para a própria sobrevivência.

    A Revolução Francesa e o advento das “democracias liberais” e do “Estado Social” mudaram por completo esta realidade. Agora, qualquer um aspira a fazer parte do grupo que parasita os demais. Hoje, esse grupo é muito alargado e vasto; inclui políticos, supervisores, bancos , integrando-se aqui os Bancos Centrais, funcionários públicos, artistas do regime, empresários amigos e muitos mais. A lista é infindável. Para alimentar tantas bocas, as vítimas têm agora de produzir muito mais do que no tempo dos regimes feudais.

    Woman on Rock Formation Holding a Flag

    Nada escapa à voracidade desta moderna casta parasitária: seja o fruto do trabalho, com o pesado e progressivo IRS – assaltar os “ricos” proporciona um maior butim –, seja a propriedade afectada pelos impostos IMI, IMT e imposto de selo, ou até o consumo sobrecarregado pelo IVA; ou ainda os ganhos de capital (mais-valias), os lucros tributados em sede de IRC, e, até mesmo, os donativos sujeitos ao imposto de selo. Mesmo na morte, não escapamos aos salteadores.

    Os consumos quotidianos também não escapam ao pesado fardo tributário. Seja o consumo de electricidade, combustíveis – sob o pretexto das “alterações climáticas” –, água ou comunicações, tudo é taxado e tributado sem qualquer pudor.

    Neste contexto, importa ter presente o que hoje passa um empresário para construir uma casa, um verdadeiro calvário burocrático. Primeiro, é necessário consultar o PDM (Plano Director Municipal), elaborado pela principal casta parasitária: os políticos. Em seguida, vem o pedido do PIP (Pedido de Informação Prévia) à Câmara; esse processo envolve o pagamento de taxas e uma longa espera pela resposta.

    assorted files

    Após obter o deferimento, deve submeter um projecto de arquitectura, mais uma vez pagando taxas e aguardando a aprovação. Se tudo correr bem, deve seguir com um projecto de especialidade, que, novamente, envolve pagamentos e espera por aprovação. Somente após esse passo, a obra pode finalmente começar, mas não sem antes ter de solicitar um alvará de construção, sujeito, obviamente, a mais taxas e espera.

    Durante a execução da obra, ainda há uma série de obstáculos a enfrentar. O empresário necessita de obter certificados, como o energético, o acústico e passar por inspecções das instalações de água, luz e gás. Novamente, cada etapa exige mais pagamentos e tempo de espera na aprovação.

    Quando a obra está concluída, devem ser solicitadas as telas finais, um conjunto de fotografias que comprovam que tudo foi realizado de acordo com o plano enviado aos parasitas burocráticos; contudo, ainda falta obter a licença de utilização, mais uma vez sujeita a taxas e longa espera. E, para completar o processo, é necessária uma certidão de infra-estruturas, resultando em mais pagamentos e espera.

    Todo o processo implica milhares e milhares de euros, tornando-se uma verdadeira roubalheira para aqueles que desejam apenas produzir algo. Essa excessiva burocracia e carga tributária são o exemplo dos tempos que vivemos, onde se passam horas a discutir o perigo da “extrema-direita”.

    Woman standing in room with unfinished walls

    O processo de licenciamento kafkiano, anteriormente descrito, não ocorre apenas para a construção; tem lugar em todos os sectores de actividade económica, servindo exclusivamente para eliminar qualquer concorrente, mas também, e principalmente, para encher os bolsos dos parasitas. No fundo, a hiper-regulação funciona como uma contrapartida às ofertas dos empresários estabelecidos, garantindo que qualquer aspirante a empreendedor seja sufocado desde o início.

    Para dar a aparência de um “combate” incansável aos gigantes do mercado, são aplicadas multas multimilionárias, perfeitamente pagáveis por estes, mas que apenas servem para promover a propaganda de que o Estado está “atento” em relação aos infractores. Todavia, é importante notar que essas acções são, muitas vezes, um simulacro de perseguição aos grandes nomes, já que a verdadeira intenção é sufocar a concorrência e favorecer os interesses dos empresários já estabelecidos.

    Se o concorrente não é eliminado logo à partida, assegura-se que seja sufocado posteriormente. Nada como uma regulação impraticável, por forma a criar um cenário em que os supervisores conduzem inspecções, processos de instrução, julgamentos e aplicam as respectivas multas. É um três em um: investigadores, julgadores e aplicadores de coimas.

    Man Holding Chess Piece

    O recurso aos tribunais acaba apenas por servir para confirmar a sentença, pois os juízes, na maioria das vezes, simplesmente não compreendem a complexa legislação; para eles, os companheiros de Estado devem ter toda a razão!

    O exemplo disto é a legislação ESG (Environmental, Social & Governance), que se aproxima, e que visa garantir que a maioria dos pequenos negócios seja destruída. Não tem painéis solares? Não tem suficientes homossexuais nos quadros? Não tem órgãos sociais paritários (homens vs. mulheres)? Não tem suficientes relatórios demonstrativos da sua transparência? Então, aqui vai a multa para colocar-se no seu lugar ou fechar de vez as portas.

    Neste futuro grandioso, a propriedade privada deixará de ter qualquer significado. Quem lá põe o dinheiro não manda; no seu lugar, terá a directora de cumprimento normativo ou os múltiplos inspectores, que nunca lá colocaram um tostão ou têm quaisquer responsabilidades.

    Neste Estado parasitário em grande escala, as eleições vencem-se sempre a prometer assaltar uma minoria para “dar” à maioria. Não consegue pagar a renda da casa? Não se preocupe: vamos assaltar os “ricos” e dar-lhe-emos uma “esmola”, obviamente com uma lista infindável de requisitos por forma a gerar muita propaganda e pouca despesa.

    Mosquito Biting on Skin

    Desta forma, garante-se que o saque tem poucas fugas. O alvo é sempre a minoria produtiva, tornada escrava e a pagar os milhões de subvencionados e dependentes do Estado – os que garantem as vitórias eleitorais dos parasitas. Este futuro será um misto dos regimes fascistas dos anos 30 do século transacto e do feudalismo, onde a propriedade privada apenas existe no papel.

    Este plano deverá ter em conta que no passado o assalto fiscal foi sempre insuficiente, os parasitas tiveram sempre de recorrer ao roubo mais silencioso de todos: a inflação. Durante décadas, mas em especial durante a putativa pandemia, os Bancos Centrais dedicaram-se a imprimir dinheiro sem fim, multiplicado várias vezes pela prática de reservas fraccionadas. Reparem: nenhum político discute esta fraude, que não é mais que um atentado à propriedade privada, limitando-se a insultos e umas tiradas grandiloquentes, mas sempre ocultando a origem do problema: a prática de reservas fraccionadas e o Banco Central.

    Anos a fio, o Banco Central Europeu manteve os juros em níveis baixos, chegando até mesmo a taxas negativas, gerando-se quase exclusivamente crédito por meio da emissão de dinheiro. Esse processo, naturalmente, gerou uma bolha sem precedentes nos activos imobiliários e financeiros. Desta forma, é notável que ninguém questione a subida exponencial dos preços das casas – nunca pensaram que é o dinheiro que vale menos e não as casas que valem mais?

    Curiosamente, os políticos culpam agora a Sra. Lagarde por essa situação, ignorando hipocritamente que esta garantiu as suas vitórias eleitorais durante a putativa pandemia, onde o dinheiro impresso para aquisição de dívida pública foi usado para comprar a submissão da população à tirania. Presentemente, a simples elevação dos juros para 5% ou 6% poderá significar a ruína daqueles que compraram casa há dois anos, enganados pelas políticas monetárias da Sra. Lagarde, que os levará a entregar as casas ao Estado com a corda ao pescoço.

    Durante este período, os desmandos da casta parasitária não tiveram limite; os privilegiados e próximos do poder encheram os bolsos com esta inflação canalizada para a compra de dívida pública, como é caso das farmacêuticas – milhares de milhões de vacinas inúteis –, das farmácias, dos laboratórios de análises clínicas e dos médicos oportunistas, como são os nossos conhecidos Dr. Froes e Dr. Guimarães.

    Até tivemos a bancarroteira nacional a assaltar-nos em 3,5 mil milhões de Euros, em nome do interesse estratégico nacional, que não foi mais que um pretexto para perpetuar sinecuras douradas dos apaniguados do regime e para proporcionar negócios fantásticos a empresários “patriotas”.

    Euro Pound Banknote Lot

    Qual será o futuro deste grandioso esquema de assalto? A maioria dos estados ocidentais irá entregar a sua soberania a instituições globalistas, centralizando-se todo o poder num governo mundial. Deixarão de existir lugares na Terra onde será possível a fuga à tirania; todos irão assaltar de forma concertada e até à última gota do nosso sangue.

    Podemos destacar a FATF, que servirá para garantir que qualquer Estado dissidente não permita qualquer fuga ou concorrência fiscal, o acordo internacional de assalto mínimo às empresas, a identidade digital, onde cada cidadão terá os seus dados biométricos numa base de dados acessível por este governo mundial. A cereja no topo do bolo deste radiante futuro serão as Moedas Digitais dos Bancos Centrais. Estas últimas são o perfeito instrumento de repressão e controlo sonhado há séculos por qualquer tirano.

    Enfim, nos tempos que correm, a definição do Estado de Frédéric Bastiat deveria merecer apenas um pequeno ajuste: “A grande ficção através da qual todos se esforçam para viver às custas de todos os outros recorrendo à tirania”.

    Lus Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Bordalo II, o bordel dos ajustes directos e o papel do Estado no apoio à Arte

    Bordalo II, o bordel dos ajustes directos e o papel do Estado no apoio à Arte

    Na passada sexta-feira, a pretexto do protesto de Bordalo II no altar da Jornada Mundial da Juventude, o PÁGINA UM decidiu analisar com melhor detalhe o desempenho deste artista no fascinante mundo das adjudicações por ajuste directo de artistas. O tema, aliás, já tinha sido abordado, de forma mais superficial, num artigo aquando da polémica da escultura em homenagem a António Guterres pela autarquia de Vizela. Nessa altura, em Março passado, consultando o Portal Base, constatámos a existência de contratos por ajuste directos associados a esculturas na ordem dos 1,3 milhões de euros por todo o país.

    Bem sei que Bordalo II tem uma legião de fãs, e que a sua intervenção de protesto lhe granjeou elogios da imprensa e dos seus admiradores. E, por isso, como reacção ao artigo do PÁGINA UM sobre os 27 contratos por ajuste directos e uma facturação de 3,4 milhões de euros no último triénio, choveram algumas críticas ao nosso trabalho. São bem-vindas, mas falharam o alvo. O objectivo foi destacar sobretudo a questão sensível dos ajustes directos e como podem minar a própria credibilidade e independência de um artista, quando esta é uma forma sistemática de financiamento.

    assorted-color paintbrushes

    Mas para falar deste tema recuemos para o ano de 2019 e para um caso paradigmático. Nesse ano, a autarquia da Póvoa do Varzim decidiu adjudicar a Siza Vieira por 550.000 euros o projecto de arquitectura do Fórum Cultural Eça de Queirós. Tudo por ajuste directo, claro. Mas o Tribunal de Contas, após uma legítima queixa, decidiu considerar nulo esse contrato, obrigando o município a abrir um concurso público.

    Ninguém, em seu perfeito juízo, põe em causa o talento de Siza Vieira – que além-fronteiras expande o nome de Portugal na Arte da Arquitectura –, mas também ninguém deveria duvidar sobre qual papel do Estado e da Administração Pública. Na Arte, presumo, não será por certo aquilo que a Câmara Municipal desejava.

    Nunca se deveria confundir preferências circunstanciais de responsáveis políticos e da Administração Pública com as funções do Estado na gestão de dinheiros públicos, sobretudo no que respeita à Arte, e ainda mais em relação à Arte não-efémera. Os apoios à Arte e aos artistas jamais deveriam privilegiar alguém em particular, independentemente do seu valor intrínseco ou potencial. O Estado ao apoiar quase em exclusivo alguém que já é bom, através de ajustes directos, está a desapoiar em simultâneo alguém que poderia também ser bom, ou até melhor.

    a woman sitting on top of a stone statue

    Pode-se dizer que os artistas “famosos” já não precisam do Estado para nada; e que, por vezes, é o contrário; quantas vezes não vemos políticos colarem-se e desejarem ver os artistas colarem-se à sua ideologia e às suas campanhas eleitoriais. Pelam-se por isso. E sabemos também que há artistas que aceitam as contínuas benesses do Estado, acabando por se tornarem reféns (por vezes com fama e proveito) de uma concepção de “Arte do Regime”. Mas aí, terminado o efeito, será a própria qualidade das suas Artes que, mais tarde ou mais cedo (mesmo depois das suas existências), será posta em causa. Será que era bom ou foi bom por causa dos amparos políticos? – eis a magna questão.

    Voltemos ainda ao caso de Siza Vieira, para depois seguirmos para Bordalo II. Como então bem se escreveu em 2019 no acórdão do Tribunal de Contas, na base da ilegalidade do ajuste directo em benefício ao mais famoso arquitecto português vivo, para a concepção estética de um edifício público, não estava apenas uma questão de restrição da concorrência – o que não deve jamais suceder, ainda mais em Arte –, mas também “um outro efeito nefasto na fixação do preço base do procedimento, uma vez que este foi determinado ‘tout court’ pelo único concorrente convidado”. E isto, acrescentam os juízes, “é censurável por representar a total ausência de espírito crítico” da autarquia.

    Na verdade, a Arte constitui um elemento vital da nossa identidade e da expressão cultural, que nos conecta, nos inspira e nos desafia a olhar o Mundo sob diferentes perspectivas. Por isso, a criatividade deve ser, assim, fomentada e encorajada para que novos talentos, que queiram quebrar barreiras, possam emergir e contribuir para a riqueza artística de um país. Daí o problema das escolhas imediatas e directas. Toda a Arte escolhida por uma entidade pública sem critérios, nem abertura absoluta a candidatos, não é Arte; é Frete.

    woman in black pants and orange jacket standing beside wall with graffiti

    Se há função mais fundamental de um Estado moderno e democrático na sua afirmação é no apoio à Arte – muito depois da força das Armas, porque esta, além de violenta, pertence a Governos que são efémeros. Ao longo dos séculos, os Estados (ou poderosos das Cortes) escolheram os seus ungidos, por vezes por inegável mérito, mas agora, em sociedades modernas, democráticas, exige-se mais do que deixar ao livre-arbítrio de responsáveis políticos ou de burocratas a escolha de quem deve receber apoios para a Arte, seja a Escultura, a Arquitectura ou a Literatura.

    A prática de escolhas individuais e a imposição de uma linha estética pelo Estado ou por entidades públicas seguem caminhos perigosos, e não apenas pela parte financeira. A Arte é plural e multifacetada, reflecte a diversidade da nossa sociedade – e, portanto, impor uma estética de regime restringe a liberdade criativa e sufoca outras vozes artísticas. Por isso, convenhamos, que ver um artista como Bordalo II – que deseja impor-se como uma voz dissidente e com concepções diferentes no uso de materiais como discurso estético e social – a beneficiar de 27 contratos por ajuste directo não se “ajusta” bem à sua mensagem. Não cola. Não há cola consistente para segurar as suas críticas ao sistema. Soam a falso.

    Sempre se pode dizer que a disruptiva Arte de Bordalo II – como sucedeu com Joana Vasconcelos há uns anos, e como ocorre com alguns artistas mais “regionais”, que coleccionam esculturas encomendadas amiúde para provincianas rotundas – se diferencia e que se autonomizou. E que se valorizou muito acima dos apoios financeiros do Estado e entes públicos. Pode mesmo defender-se, no caso concreto de Bordalo II, que, vendo a evolução da facturação da sua Mundofrenético, ele não precisaria dos contratos por ajuste directo para singrar. Pura falácia.

    Os 27 contratos por ajuste directo – obtidos todos sem concorrência – consagraram-no e constituíram um cartão-de-visita para encomendas privadas. Quantos mais artistas plásticos da sua escola conseguem ostentar tamanho portfolio público financiado com dinheiros públicos? Os contratos por ajuste directo continuam, para ele, a ser um excelente portfólio.

    Mas, dir-se-á também, em sua defesa, que se não houvesse qualidade, não haveria privados que lhe pegassem e pagassem – e, portanto, não estaria ele a facturar agora mais de um milhão de euros por ano. Concedo, mas tenho outra pergunta, então: quantos outros Bordalos, daqueles que poderiam mostrar-se, mostrar a sua Arte, não conseguiram o seu milhão em encomendas privadas apenas porque, podendo haver 27 concursos públicos, se optou sempre por ajustes directos em benefício exclusivo do Bordalo II?   

    Os contratos por ajuste directo, quaisquer que sejam, deviam ser uma excepção. Ainda mais na Arte, cuja concepção deve ter em conta a estética. Não se compreende assim como uma concentração de recursos e de favorecimentos em contratos por ajuste direto possam garantir que todos os artistas, independentemente de sua origem ou conexões, tenham espaço para se expressar e criar.

    empty tunnel pathway with graffiti walls

    Um Estado moderno e democrático, na sua função de promoção da Arte e dos artistas, deveria “apenas”, e já é muito, defender e praticar o apoio à diversidade, sem limites de participação, sem agendas ideológicas, sem possibilidades sequer de beneficiar quem lança tapetes críticos num altar ou prejudicar alguém que lança tapetes críticos num altar. E isso conseguir-se-ia somente com a obrigatoriedade de concursos públicos, sem contratos por ajuste directo. E até para benefício dos próprios artistas, como Bordalo II.

    Mas isto sou eu, que tenho uma costela esteta, a falar, que consideraria mais enriquecedor perder alguns 27 contratos por causa da “concorrência” do que ganhá-los todos por falta de comparência imposta pelo “árbitro”, ou seja, pelo Estado e entes públicos que assim procedem quando decidem afastar a “concorrência”.

  • Trust in News: a angelical impunidade da soberba e desavergonha

    Trust in News: a angelical impunidade da soberba e desavergonha

    Talvez possam alguns leitores julgar excessivo tamanha cobertura. Esta semana, o PÁGINA UM dedicou quatro artigos (aqui, aqui, aqui e aqui) de investigação jornalística em redor da Trust in News – a empresa de media criada em finais de 2017 pelo antigo jornalista Luís Delgado. Não há nada aqui excessivo; e pelo contrário.

    Esta cobertura tem um alcance superior ao de denunciar simples negócios pouco claros e situações financeiras escabrosas de uma empresa que detém mais de dezena e meia de títulos, incluindo neste portfólio as revistas Visão, Exame, Caras e Activa e ainda o Jornal de Letras.

    Um jornalismo – que se arroga sempre de independente – não pode estar assente numa empresa com um capital social de 10 mil euros (como a Trust in News) e que, depois, inexplicavelmente, mantém um passivo de 5 milhões de euros com instituições bancárias, que continua a dever 4 milhões de euros à empresa de media (de maior dimensão, a Impresa) a quem comprou os títulos (os quais lhe eram um “cancro” financeiro) e vai somando calotes públicos que atingem agora 10,4 milhões de euros.

    Qualquer outra empresa teria, neste quadro, fechado já as portas.

    Estar isto a suceder numa empresa de media – e não é caso único, como o PÁGINA UM revelará na próxima semana –, perante o geral silêncio cúmplice da (outra) comunicação social, dos reguladores (Entidade Reguladora para a Comunicação Social e Comissão da Carteira Profissional de Jornalista), do Ministério das Finanças e do próprio Sindicato dos Jornalistas (e demais estruturas associados à imprensa) é intolerável.

    Este é um silêncio intolerável. Parece ser uma espécie de omertà.

    Vivemos um dos períodos mais dramáticos das democracias europeias, onde entidades supranacionais (como a Comissão Europeia) ou multinacionais de comunicação (como a Meta ou o Twitter) determinam, consoante os “caprichos” e interesses dos seus accionistas e influenciadores, o que deve ser conhecido (publicado) e o que deve ser ignorado (e censurado).

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    Por esses motivos, mais do que nunca se esperaria que a Imprensa – a nobre função dos jornalistas com o seu código de ética – fosse um bastião da Democracia, denunciando desvarios.

    Isso desvaneceu-se nas últimas décadas, e mais ainda nos últimos três anos, durante a pandemia, onde a generalidade da imprensa não apenas seguiu acrítica e cegamente a “narrativa oficial” como usou os seus poderes para silenciar, censurar e ostracizar vozes críticas. Tudo isto sob o conluio de muitos responsáveis editoriais, travestidos de jornalistas (já repararam como se perpetuam, aburguesando-se, muitos dos directores de informação dos principais órgãos de comunicação social?), e perante o acobardamento da generalidade dos jornalistas receosos de perder o emprego (podem não o perder, é certo, mas perdem o respeito e até de si mesmos).

    A Trust in News – e foi também esse o desiderato desta investigação do PÁGINA UM – é sobretudo um paradigma dos tempos modernos. Um oportunista – no sentido de sentir uma oportunidade de negócios – vê na aquisição de um portfólio de revistas (sobrevalorizadas), uma possibilidade de solucionar um problema financeiro à Impresa, tendo como garantia empréstimos bancários e a conivência do Governo para meter calotes públicos que, até ao final do ano passado, atingem os 10,4 milhões de euros, num passivo de 27,2 milhões de euros.

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    Chega a dar vontade de rir quando se relê uma entrevista que Luís Delgado à actual directora do Diário de Notícias, Rosália Amorim, em Janeiro de 2018, aquando da formalização da compra da Trust in News das revistas da Impresa por supostos 10,2 milhões euros (estão ainda por pagar 4 milhões,). Delgado recusava, de forma veemente, o rótulo de “testa-de-ferro” neste negócio, e garantia que “a compra foi feita sem nenhuma dívida, por isso, e desse ponto de vista, é muito interessante. Não fiz nenhum financiamento, não procurei nenhum banco. E para além dos EBITDAS positivos também não podia ser transferida nenhuma dívida”.

    Chegaria a ser cómico tudo isto, se não fosse trágico. Hoje, Luís Delgado, com a sua Trust in News, tem um capital próprio (que inclui o capital social de 10 mil euros, o seu único investimento pessoal) de 33.448,29 euros. Isto num passivo total de 27.189.314,16 euros, que inclui os tais 10,4 milhões de euros de dívidas ao Estado. Na verdade, o Estado controla 42% da Trust in News sob a forma de Espada de Damôcles: uma execução fiscal se não se portar bem.

    Na verdade, vejam que tipo de independência revistas como a Visão podem ter, quando o seu único proprietário controla (somando capital próprio e passivo), na verdadeira acepção do termo, uns míseros 0,12%. Na verdade, de jure, Delgado pode apresentar-se como o único responsável por um conjunto de revistas independentes. Mas, de facto, ele manda nada, e, quando muito, apenas manda fazer aquilo que os detentores da dívida querem.

    Luís Delgado nunca cumpriu o acordo supostamente estabelecido com a Impresa, mas continua a ser convidado para falar na SIC.

    Mas como o silêncio é total, perante estas investigações do PÁGINA UM, esta semana até correu bastante bem a Luís Delgado. Não teve, sobranceiramente, que justificar-se perante um jornal independente, confirmou que os seus parceiros da comunicação social seguem um omertà sobre a sua deplorável situação financeira, e assegura que, apesar das dívidas ao Estado se terem tornado públicas nada lhe sucedeu. Nem Ministério das Finanças o incomodaram, nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social se manifestou perante as sucessivas mentiras no Portal da Transparência dos Media.

    Na verdade, as únicas pessoas que parece terem ficado incomodadas durante esta semana foram a directora da Visão, Mafalda Anjos, e a directora da Activa, Natalina de Almeida – que dirigem publicações da Trust in News – que ameaçaram o PÁGINA UM de processo judicial… por se terem usado fotografias que colocaram nas redes sociais, por alegadas violações dos direitos autoriais.

    Mafalda Anjos até rotulou os artigos do PÁGINA UM como “fantasiosos”. A impunidade e a desavergonha em todo o esplendor. Até quando? Até acabar o Jornalismo? Até acabar a Democracia?

  • Um dia, numa realidade paralela

    Um dia, numa realidade paralela


    Já por aqui contei que grande parte da minha  vida em território português acontece na Margem Sul (do Tejo). Fui ali criado e boa parte da minha família continua por lá, a viver. É ponto de paragem obrigatória e, mesmo sem querer, dou por mim a analisar a transformação dos subúrbios a sul de Lisboa nas últimas duas décadas.

    É particularmente mais trabalhoso nesta altura, com o regresso dos emigrantes e a enchente de gente naqueles espaços que já são, por definição, sobrelotados. Foi para isso que se construiu o subúrbio. Para encher de gente da classe trabalhadora, que não consegue viver nos grandes centros, mas que para lá se desloca diariamente para trabalhar. Ou era este o objectivo. Hoje, toda a classe média foi empurrada para os subúrbios, porque já ninguém consegue pagar uma renda ou comprar uma casa no centro de Lisboa.

    A mudança é, daquilo que me lembro, ainda assim evidente. Por exemplo, nas praias. Quando eu era miúdo, a praia da Fonte da Telha era uma zona de péssimos acessos, casas ilegais e barracas que faziam as vezes dos restaurantes. Um pouco como a Costa da Caparica, mas sem os parques de campismo e aqueles horrorosos prédios de 10 andares. Eram as praias dos pobres, da classe trabalhadora, daqueles que nem ao Algarve conseguiam chegar. Era onde eu passava o meu tempo nas férias da escola e, julgo, onde aprendi a nadar, entre um ou outro susto em dias de ondas mais destemidas .

    Hoje, a mesma Fonte da Telha, continua a ser uma praia com péssimos acessos e um caos indescritível para estacionar, as casas ilegais por lá continuam, mas as barracas, que serviam os petiscos, levaram umas madeiras melhores e mais polidas, e passaram a incluir nos menus palavras como sunset, lounge e espumante.  Nada contra o melhoramento de espaços e a “fusão de sabores”. Mas já sangria de espumante questiono-me sempre porquê…

    Ouvir uma bossa nova enquanto se come um bom peixe grelhado, uma nasigorada (uau), um tom yum (como?) ou um arroz com coisas do mar e aromas, parece-me sempre boa ideia. Mesmo que acompanhado por sangrias cheias de gasosa, gelo e mirtilos. Mas, no fim, quando a conta chega e a festa fica em 60, 70 ou 80 euros por pessoa, eu começo a olhar em redor. Não para fugir, note-se, mas para perceber se entre uma framboesa e um acorde do Tom Jobim, fui teletransportado da Fonte da Telha ou de São João da Caparica para Nice, Miami ou Veneza.

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    O carro continua estacionado num monte de entulho, de onde não sei se sairá, os buracos para aqui chegar ainda não foram tapados, o simpático funcionário, que foi partir gelo para encher aquele jarro, recebe o mesmo salário mínimo há três anos. Que sentido faz cobrar ao cliente um valor como se estivesse noutras paragens? Por onde se distribui esse lucro? É na envolvente que os meus olhos encravam sempre.

    Pior ainda foi perceber que começa a ser normal e corriqueiro, em contas astronomicamente altas, acrescentar uma sugestão de gorjeta na casa dos 10, 15 ou 20%. Ou seja, a introduzir o modelo liberal americano onde os contratos de trabalho na restauração incluem a expectativa da gorjeta definida como “recomendável”. Portanto, não bastam os preços completamente desfasados da realidade portuguesa, em especial da classe trabalhadora que vive nos subúrbios, e ainda começamos a contribuir para a normalização da precariedade do pessoal que trabalha na restauração.

    Uma amiga disse-me que tínhamos que ir cedo, as filas eram enormes para arranjar mesa. E assim é. Há que reservar, há que aparecer cedo, há que correr para conseguir beber sangria a 35 euros o jarro. Ou as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE) andam a falhar e a média salarial subiu muito, ou então aquela minoria que ganha bem descobriu apenas recentemente as “praias dos pobres”. Era pelo menos isto que eu pensava arriscando um raciocínio simples de contabilista.

    Saí dali a cantarolar a Garota de Ipanema e a arrotar o excesso de 7up da sangria e fui ter com o meu irmão, que me pedira ajuda para procurar casa. Enquanto conduzia, ouvia a notícia das bombas de fragmentação cedidas pelos Estados Unidos à Ucrânia e gostei particularmente da justificação dada. Na guerra contra a Rússia, a Ucrânia já esgotou a capacidade de produção de munições de todos os países da NATO, de modo que agora tem de se recorrer a uma bomba que mata mais civis do que militares.

    Está bem visto. Não sei se se lembram, mas antes de nos pedirem para pagar e empobrecer a favor desta guerra, garantiram-nos que os russos só tinham balas para mais um mês. Continuar a meter dinheiro na Ucrânia, agora que a contra-ofensiva parece estar a falhar, é como tirar a água do mar com uma colher de chá. Já não há paciência, nem orçamento, para moralismos bacocos. A realidade é o que é, e não vale a pena camuflar. Ou se sentam a dividir terreno ou a coisa só se resolve com a NATO a meter as botas no terreno.  

    Desligo o rádio, porque já avisto a baía do Seixal lá ao fundo, onde o meu irmão me aguarda. Estamos na parte velha e mais decrépita que há anos está a ser recuperada, e, por isso, se passou a designar por “Seixal Histórico”, em frente à baía. Nos meus tempos de escola, aquela baía tinha um nome, ligeiramente desagradável para escrever num jornal, hoje designa-se por “maravilhosa” e com “as melhores vistas de Lisboa”. Isto convertido em euros ao metro quadrado é um pequeno mimo.

    Falámos com um promotor, homem simpático e ágil no argumento, que nos disse: “Este T0 agora custa 80.000 euros. Assim, todo partido. Depois de renovado fica em 180.000 euros”. Eu sorri e perguntei-lhe se, no fim da obra, estaria a olhar para o Sena ou ainda se veria o Tejo. Fomos embora com destino a algo mais modesto, sem água por perto, para alugar. Era tão modesto, mas tão modesto, que era um anexo a uma casa. Quase sem janelas e num estado pouco mais do que lastimável, numa das piores zonas da Margem Sul. O senhorio achava que 850 euros mensais era o valor apropriado para aquela barraca. Isto, no tal país, onde 70% das pessoas não ganham sequer isso por mês.

    Aqui já me deitei a pensar um pouco mais, sem no entanto aborrecer o meu irmão com as indignações. Alguém me convencerá que os mercados se ajustam? Ou que a habitação não pode ter limites nos preços? Ou que este escândalo de especulação acontece pela falta de oferta? Não, são argumentos que não colhem.

    Como é que se pode falar em falta de oferta quando o Estado não consegue sequer contar os imóveis devolutos e desocupados que possuí? Como é que assistimos, de braços cruzados, nós e o Governo, ao aumento das taxas de juro que transportam os créditos à habitação para valores superiores aos salários e, mesmo no arrendamento, à normalização de preços completamente desfasados da realidade?

    Nada pode ser feito? Claro que pode.

    A começar pelo Governo, que deve fornecer mais habitação a baixo custo, construindo ou reabilitando o que já existe e é seu. E no aluguer feito por privados, pode obviamente impor-se um tecto nas rendas abusivas. Deixam os senhorios de alugar? Pois, que deixem. Ao preços de hoje também não servem a ninguém.   

    Aquilo que não pode ser é o contribuinte anónimo ficar preso entre a espada e a parede. Ou tem de suportar juros definidos por um BCE, que não elegeu, até perder a sua casa, ou tem de deixar 80% do salário para alugar uma barraca num subúrbio. Não me digam que a culpa é de quem trabalha e paga impostos. E não me digam que é a maioria que sofre com isto, que tem de se adaptar ou mudar. Mudar para onde?

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    Estas pessoas, que se vão deslocando para a Margem Sul por já não conseguirem viver em Lisboa, são as que, como se percebe, além de contribuírem para mais trânsito no acesso a Lisboa (um problema com décadas), correm o risco de, a este ritmo de empobrecimento, daqui a uns anos, já nem na Margem Sul conseguirem viver. Pelo andar da carruagem, ainda vamos conseguir repovoar o Alentejo.

    No fim do dia fico com a impressão que estou a viver numa realidade paralela. Ainda estou ali, no mesmo subúrbio, sem perceber bem como é que tudo aquilo cola. Algumas zonas melhoradas, é verdade;  outras particularmente feias, muitas cheias de erros arquitectónicos e calamidades de betão. Nem a recolha de lixo, problema básico das sociedades desenvolvidas, está resolvido ou sequer os acessos têm condições. Há engarrafamentos por todo o lado e estradas esburacadas a perder de vista. Há barracas de chapa, de madeira, de tijolos que vão sobrando. Mas pedem, a quem ali vive, por vezes em condições que dão vergonha só de olhar, que aceitem custos dignos de uma qualquer capital europeia.

    Na casa, nos impostos, nos combustíveis, na electricidade, na restauração, até no simples acesso a uma praia onde se paga para entrar. Propriedade pública controlada e gerida por privados onde pobres não passam.

    A Margem Sul, um pouco como o resto do país, vive de cosmética para disfarçar os problemas reais. Vende lounges, sunsets e coisas gourmet, para quem lá fica umas horas, mas esquece-se de tirar o lixo amontoado da frente dos prédios, de tapar as crateras do alcatrão ou de acabar com o inferno do acesso à ponte. Faz-me lembrar uma pessoa que conheci em tempos, pouco fã de banho e que disfarçava a terra das unhas com verniz.

    Ainda assim, como um homem sofre a ver a desorganização do país onde nasceu, mas gosta mais dele do que de batata frita, também eu me vou esticar e esperar por dias melhores.

    Desejo umas óptimas férias aos leitores do PÁGINA UM e se vos tocar uma dessas sangrias de espumante, coragem.

    Até breve!

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vidro: crónica dos materiais

    Vidro: crónica dos materiais

    Os primeiros sinais de magia dos homens (ouves os sinais?) aconteceram com uma fogueira (claro, o fogo, sempre o fogo) na praia, muitos mil anos antes de nós (eu hoje sou eu) sermos nós próprios, quando porventura éramos até outras pessoas noutros sítios ou, simplesmente, éter ou átomos à deriva noutra galáxia (o que é a alma?).

    Acendendo uma fogueira na areia, com conchas que o mar nos trouxe (ouviste o mar dentro delas?), com o calor enorme e exactamente necessário a exercer a pressão desejada, nasceu a transparência. Nasceu o vidro (que magia!)

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    Não está lá mas está. Deixa ver mas impede de passar. Que fortuna! (Será?)

    Com o tempo as nossas cavernas, construídas, puderam abrir os olhos (são o espelho da tua alma?), arregalar o horizonte, sem risco de tanto frio gélido, ou que a tempestade nos engolisse as coisas (somos as nossas coisas?). Janelas nasceram com o vidro, onde antes apenas existiam vigias. O rosto fortificado das pedras que envolviam os nossos abrigos deixaram de ser esquimós e puderam engolir o mundo (mas quem está a ver também pode ser visto…)

    – Isto não tem luz nenhuma! Eu quero mais janelas! E maiores! Quero muitas janelas! Era assim que eu faria a minha casa!

    Mulheres e crianças, presas dentro de casas gaiola, querem muitas janelas. E muito grandes (podes ver mas não podes passar). As paredes escancararam-se ao longo do tempo. Em vez de olhos, passaram a ter bocarras abertas, penduradas entre vomitar a privacidade de quem as habita e o engolir um mundo de luzes que as rodeia.

    (Miquido…)

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    Montras. E janelas (e postigos). Passamos de pássaros em gaiolas a peixes em aquários.

    A minha casa é o Porto e tem ombros de granito, as janelas vão do chão ao tecto à medida da minha anca com a tua, para eu poder passar por elas e fugir sem ter de abrir a porta. Que estais a fazer à minha casa? O fogo vem aí?

    Os vidros estilhaçaram assim as nossas vidas. Deram-nos vãos com película de água do mar cristalizada. Deram-nos lentes de óculos, binóculos, telescópios, máquinas fotográficas. Deram-nos ecrãs. Todos os ecrãs deste mundo para onde fomos agora viver, a habitar o reino de vidro frio onde encosto a cabeça para respirar melhor se o pânico me avassalar (deixa ver mas não deixa passar).

    Deram-nos copos, garrafas (um resguardo de chuveiro que desliza). Faróis. Lâmpadas (para encontrar o caminho e espantar os demónios). A luz! A luz! (Lusitânia.)

    Já viste tudo onde encontras vidro? Mas cuidado com a repetida dor crónica: do plástico que finge ser vidro como finge ser metal, também anda por aí!

    (Miquida…)

    Podemos escrever mensagens no vidro. Ou pelo menos enrolar pergaminhos numa garrafa que baloiça nas ondas do mar, meu queridominha querida, roubar palavras aqui e ali, transparentes a borbulhar na água.

    E, se eu me quiser enroscar ao teu lado e sentir aquele arrepio que une o pescoço ao ombro, quando se sente lá a respiração, prometo que o bafo vai ficar na janela para te deixar mensagens de amor que se apaguem num segundo.

    Um do lado de fora, outro do lado de dentro, o vidro deixa ver mas não deixa passar.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Eu, jornalista e político, me confesso

    Eu, jornalista e político, me confesso

    A jornalista do Público, Bárbara Reis, levantou a suspeita de que não sou um jornalista independente porque tive participação na vida política. Vamos lá então ver isso. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


    A mensagem chegou-me como uma provocação. Os meus amigos gostam de me provocar e este dizia assim: “Então afinal é contigo que a Bárbara Reis se mete hoje”? E lá vinha uma cópia do texto da newsletter de 19 de Julho da jornalista do Público, com o título “Tal&Qual e accionistas na política”.

    A newsletter, que se chama genericamente “Livre de Estilo” e versa “sobre o outro lado do jornalismo e dos media”, resolveu ir ver o nome dos accionistas do semanário “Tal&Qual” e fez uma relação entre eles e a vida política. Estou lá, como proprietário de 2,5%, mas também como tendo sido candidato, filiado e dirigente de partidos como PPM e MPT.

    Bárbara Reis é actual redactora principal do Público e foi directora entre 2009 e 2016.

    Devido a isso, fui comparado a ilustres figuras que têm o mesmo percurso de vida, como os magnatas Francisco Pinto Balsemão e Silvio Berlusconi, tendo sido lançada a suspeita de que, tal como eles, também tenho a minha independência jornalística comprometida pelo facto de ter assumido uma posição pública que vai para lá do compromisso profissional como jornalista.

    Tive de sorrir quando reparei como é que a Bárbara fez a sua investigação jornalística aprofundada para descobrir esse segredo sobre a minha pessoa: bastou-lhe googlar o meu nome completo (Frederico Duarte Cavacas Teixeira de Carvalho) para ficar a saber que, por exemplo, fui candidato do PPM à Câmara de Lisboa nas eleições autárquicas de 2007.

    Já nem me lembrava disso. Mas que nostalgia me trouxe essa referência da jornalista do Público. Lembram-se da eleição intercalar para a presidência da câmara de Lisboa, quando Carmona Rodrigues foi afastado e o PSD apresentou Fernando Negrão como candidato, mas quem ganhou foi António Costa, o actual primeiro-ministro, que assim aproveitou para se afastar do governo do José Sócrates?

    A Bárbara acrescenta, entre parentesis, que fui candidato suplente, mas não diz que era o último suplente da lista e ela, como jornalista, poderia ainda ter acrescentado aos seus leitores que o PPM foi o partido menos votado (era só ler). Lembro-me de brincar então com os companheiros no PPM que o meu futuro político estava garantido, pois nas eleições intercalares para a câmara de Lisboa de 2007, o nome mais votado (com 56.751 votos) era o de António Costa, enquanto o último nome da lista do último partido (com 726 votos) era o meu! E, como sabem, os extremos, tocam-se!

    Bárbara descobriu ainda que fui o cabeça-de-lista do PPM ao Parlamento Europeu, dois anos mais tarde, em 2009. Mas isso era apenas o que o Google lhe disse através dos resultados que mostravam a lista do meu nome completo. Um nome que, no início da minha vida profissional, em 1992, como estagiário de “O Primeiro de Janeiro”, no Porto, tive de analisar em detalhe quando me disseram que não podia assinar apenas Frederico Carvalho, pois havia um outro jornalista com a mesma assinatura profissional (no Expresso).

    Pensei num curto e eficaz Frederico Cavacas, em homenagem ao nome materno e ao meu avô, o senhor Cavacas, barbeiro da Rua António Enes. Considerei o Teixeira de Carvalho, da família do meu pai, mas ficaria demasiado comprido na assinatura dos textos. Acabei por usar os nomes próprios, escolhidos pela minha mãe e pelo meu pai, acrescentado pelo Carvalho da família. E as iniciais seriam FDC – ditas com a pronúncia do Norte.

    Se a Bárbara tivesse feito uma pesquisa dentro do arquivo do seu próprio jornal, encontraria uma notícia do Público de 4 de Junho de 2009, onde, na sequência da visita que fiz à Mesquita de Lisboa, como candidato do PPM ao Parlamento Europeu, ficaram registadas coisas politicamente irresponsáveis como: “Ser português é respeitar e integrar as diferentes culturas religiosas” e “o desconhecimento é que leva ao medo”. Devo dizer que isto não é propriamente meu, mas vem no livro “A Utopia”, de Thomas Moore.

    A candidatura do PPM, por mim encabeçada, obteve 14.414 votos, o que correspondeu a 0,40 por cento. O partido perdeu votos, pois alcançara 15.466 em 2004, correspondendo a 0,46 por cento. O actual cronista do diário onde Bárbara trabalha, Miguel Esteves Cardoso, quando também foi candidato ao Parlamento Europeu pelo mesmo PPM, conseguiu muitos mais votos – 155.990, em 1987 (2,77 %) e 84.272 (2,03%) em 1989.

    Está visto que a minha carreira política em partidos como PPM e MPT não seria de sucesso – já agora, Bárbara, não conseguiste descobrir que, em 2013, fui um dos fundadores do Livre, juntamente com o ex-cronista do Público, Rui Tavares? Isso até provocou depois uma polémica interna no partido e há uma notícia sobre o caso no arquivo do teu jornal, quando tive de deixar de ser livre por ter “assumido posições anti-imigração” no tempo do PPM. Sim, quando a minha posição sempre fora por uma imigração com qualidade e direitos. É um texto assinado pela Rita Brandão Guerra, pessoa que nunca falou comigo para fazer aquele artigo, mas que, mais tarde, saiu do Público e foi trabalhar como assessora da ministra da Cultura.

    Enfim, sou eu este perigoso jornalista, que vende a sua independência à porca da política. Na realidade, quem me conhece, sabe que eu já era jornalista e político antes de o ser. A leitura das aventuras do Tintin foram a minha escola cívica. Decidi entrar na política activa por saber que havia demasiada política encapotada no jornalismo e pouca missão jornalística na política.

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    Não fui longe, mas sei que continuo a fazer jornalismo e, como cidadão, política. Aliás, já agora, Bárbara, tu que estiveste nos EUA, fazias bem em ler uma crónica sobre Camarate que há uns tempos publiquei no teu Público. É um exemplo de como estou na vida.

    P.S. A Bárbara não sabe (porque não falou comigo), mas o documento que consultou sobre os accionistas do “Tal&Qual” está algo desactualizado: deixei de ter os 2,5 por cento do “Tal&Qual” desde Outubro do ano passado. Actualmente, não sou proprietário de nada e não estou filiado em qualquer partido. Fora isso, continuo a ser o que sempre fui: jornalista e cidadão.

    Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


    N.D. Como habitualmente, os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das minhas análises, pensamentos e avaliações. Em todo o caso, e longe de pretender defender o nosso colaborador Frederico Duarte Carvalho (não desejo nem devo) e muito menos o (estilo do) Tal & Qual, e até concordando em algumas linhas com um primeiro texto de Bárbara Reis (excepto na parte sobre a reduzida ficha técnica, porque nem todos os jornais têm sócios-mecenas que injectam para aí uns dois milhões de euros por ano para aparar contínuos prejuízos, como faz a Sonae no Público), estou particularmente interessados em ler, em próxima oportunidade, a sua opinião sobre um certo jornal em que o director editorial é casado com uma deputada socialista e onde os contratos comerciais envolvendo jornalista são o pão-nosso-de-cada-dia. PAV

  • O (alegado) gamanço de Armando e a justiça poética sobre Drahi

    O (alegado) gamanço de Armando e a justiça poética sobre Drahi


    Quanto mais leio sobre Armando Pereira, o co-fundador da Altice, mais aprecio este magnífico enredo. Começo pelo fim, pelo extraordinário Bugatti Centodieci. Um carro de luxo, raríssimo, avaliado em oito milhões de euros e com apenas 10 exemplares produzidos. Três deles pertencentes a portugueses. Um pertence ao Cristiano Ronaldo, um rapaz que ganha anualmente o suficiente para comprar a produção inteira; e os outros dois estão à guarda de Armando Pereira e do seu braço direito, Hernâni Vaz Antunes. Estão não – estavam. Agora foram fazer a rodagem para a garagem da Polícia Judiciária.

    Qual é a probabilidade de num dos países mais pobres da Europa se encontrarem 30% dos proprietários de um dos carros mais exclusivos do Mundo? Pequena, obviamente. A não ser que esse país seja Portugal, claro.

    Se o país for Portugal, nesse caso chamaremos de “herói nacional” a alguém que compra uma empresa pública, reduz salários dos trabalhadores e aumenta a própria fortuna. Armando Pereira e o sócio fundador da Altice francesa, o franco-israelita Patrick Drahi, ficaram conhecidos por comprar empresas e de imediato reduzirem custos. Numa conferência de imprensa em 2015, disse Drahi: “Eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder“.

    Drahi é, portanto, um empresário que tem, pelo menos, a virtude de assumir ao que vem: maximizar o lucro explorando os trabalhadores. Ou, como lhe chamariam os liberais, um visionário. Já Armando Pereira era conhecido como cost killer (mata-custos) e entrou na antiga PT a ceifar tudo o que conseguiu.

    Em 2015, António Pires de Lima, então ministro da Economia, apelidou Armando Pereira de “herói de Vieira do Minho e até nacional” durante o discurso de inauguração de um call center da Altice naquela vila nortenha. Um herói naqueles sítios onde pagaria pouco mais do que o salário mínimo nacional a cada um dos desgraçados que ali passaria, horas, a responder às queixas dos clientes.

    Armando Pereira garantia então, também em 2015, que não iria mexer nos salários, mas que renegociaria os contratos com os fornecedores. Sabe-se hoje que parte do esquema que resultou no desvio de mais de 250 milhões da Altice passava exactamente pelos fornecedores que, alegadamente, alinhavam em pagar luvas ao empresário e à rede de comparsas, ou então saltavam fora do negócio. Sabe-se hoje que também aos funcionários foram cortadas regalias deixando-os apenas com o salário-base.

    Armando Pereira, co-fundador da Altice.

    Eis mais uma história de um self-made man lusitano, que foi trilhando o caminho do sucesso à custa da exploração alheia e do crime financeiro. Segundo suspeita o Ministério Público, o plano de desvio de dinheiro tinha duas áreas de actuação: a primeira seria comprar imóveis da antiga Portugal Telecom (PT) em Lisboa, nas zonas nobres, e revender com lucros fabulosos, deixando a especulação fazer a maior parte do trabalho; a segunda, seria a chantagem sobre fornecedores para continuarem a fazer parte do negócio.

    Um esquema simples, dir-se-ia, tendo uma rede de pessoas certas nos locais certos, como era o caso.

    Há uma parte comum em todas as novelas dos self-made man à qual Armando Pereira também não foge. A circulação de dinheiro sem deixar rasto pelas famosas offshores. Era aqui que entrava o empresário e amigo de Braga, Hernâni Vaz Antunes, que criava empresas fictícias na Zona Franca da Madeira e no Dubai, que depois faziam as transferências do dinheiro desviado.

    O crime financeiro existe porque os governos permitem – é bom que nos vamos lembrando disto. As Zonas Francas, as offshores, o que lhes quiserem chamar, não aparecem por auto-determinacão de meia-dúzia de malucos como o Reino do Pineal (também é uma história boa para outro dia). Aparecem de forma legal e autorizada por praticamente todos os países do planeta.

    A Suíça, por exemplo, faz vida a guardar dinheiro sujo desde que existe, e ninguém se parece preocupar com isso. Os Panama Papers mostraram esquemas gigantescos com lavagens de dinheiro nas Caraíbas e, no essencial, nada mudou. Vivemos num mundo onde os mais ricos criam leis que os protegem. É factual.

    Patrick Drahi, co-fundador e presidente do Grupo Altice.

    O duo Armando e Hernâni formaram assim uma dupla de respeito na arte de roubar. O primeiro criava as condições e o segundo executava, Um exemplo disso foi a empresa de mobiliário criada por Hernâni Antunes, em Braga, que viria a ser a fornecedora escolhida para a remodelação das lojas MEO. O dinheiro depois, como já adivinhou o caro leitor, ia dar aquela voltinha pelo Dubai até ser transformado num Bugatti, num heliporto ou num campo de ténis de uma moradia qualquer em Vieira do Minho. Certo, certo, é que jamais apareceu no recibo de vencimento dos trabalhadores da MEO.

    Desconfia-se que os amigos de Braga tenham ficado com uma comissão do que a Altice pagou a Cristiano Ronaldo pelos contratos de publicidade e que outros 20 milhões de euros tenham sido desviados do pagamento de direitos televisivos ao Futebol Clube do Porto, e a verba posteriormente dividida por homens da confiança de Hernâni Vaz Antunes e de Pinto da Costa.

    Por esta altura do enredo imagino o que andará pela cabeça de Patrick Drahi. O CEO do Grupo Altice, que detesta pagar salários, mas que é roubado dentro de portas por altos quadros. Justiça poética meus amigos, daquela que nos faz sorrir.

    Pergunto-me o que moverá alguém, que já é milionário, a optar por crimes desta magnitude correndo o risco de perder tudo? Alguém que se desloca de avião privado ou de helicóptero, que abre a garagem e vê 50 carros, que tem casas em Nova Iorque, Paris e Ilhas Caimão e… não consegue segurar a ganância? Sente que precisa de mais e que tem de meter todos em risco? Sim, todos. Trabalhadores incluídos.

    As aquisições da Altice são, por norma, feitas a crédito, e portanto, escândalos destes podem criar incumprimento e instabilidade na banca. Como todos sabemos, a cada derrocada empresarial são os trabalhadores que ficam sem sustento. Os Armandos Pereiras têm as fortunas escondidas algures, num sítio onde o Fisco não chega, e por isso, entre fugas, advogados de elite e recursos em tribunal, vão sempre seguir a sua vida.

    É aliás curioso que o Estado português, sempre aflito por receitas, ande atrás de simples emigrantes para lhes taxar o salário, quando já pagam impostos no país de acolhimento, mas veja sinais evidentes de extrema riqueza em pessoas com fortunas escondidas e nada faça. Hernâni Antunes é, na verdade, um fantasma para o Fisco lusitano, uma vez que há muitos anos é residente oficial no Dubai e Armando Pereira, com boa parte da fortuna gerida por uma offshore no mesmo sítio (pela mão do pai do genro), nem permite que se saiba a totalidade do seu património.

    Ninguém se muda de armas e bagagens para uma offshore se não tiver algo para esconder. Essa é uma lição que todos já aprendemos e é exactamente para isso que esses instrumentos financeiros existem. Legais e consentidos pelo poder, relembremos.

    Finalmente, e antes que se chegue a qualquer lado na investigação (se é que alguma vez chegaremos), pergunto: o que ganhou o país com a venda da PT pública para uma entidade privada? Nada. Absolutamente nada. Reduzimos a massa salarial dos trabalhadores, colocámos em risco os seus postos de trabalho, aumentámos a fortuna de vários milionários e ainda corremos o risco de ter nova corrida aos fundos de desemprego. Já nem falo no detalhe de o Estado Português deixar de controlar uma área vital como as telecomunicações…

    Este escândalo, mais um, serve também para acabar com um dos dogmas liberais a propósito da gestão pública (em teoria despesista e má) e a gestão privada (em teoria mais rigorosa e eficaz). Não é o ser público ou privado que decide se a gestão de uma empresa é boa. Espero que pelo menos essa parte do assunto fique hoje fechada. No fim, tudo se resume a competência e honestidade, e aqui, como em tantos outros casos portugueses, estamos perante mais um self-made man que veio de baixo e “subiu a pulso”: só que foi a roubar, estão a ver?

    Foi, de novo, a roubar. Colocando em risco os trabalhadores e usando bens (imóveis) que tinham sido adquiridos ao património público português. Foi uma coisa à oligarca russo nos tempos de Yeltsin. Armando Pereira não é um herói nacional. Nem de Vieira do Minho. Nem sequer da sua aldeia natal onde levou o Tony Carreira para alegrar uma festa, oferecida por ele, aos habitantes. Armando Pereira é apenas mais um milionário que roubou, e muito, para ali chegar. E que piorou a vida de quem para ele trabalhou para que o seu lucro fosse maior. Num país decente não voltaria a sair da prisão; em Portugal, provavelmente, vai “repor a honra” nos tribunais.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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