Uma realidade que se muda sem haver avaliações das vantagens, nem perspectivação de consequências, é sempre uma evolução, mas que pode encontrar um abismo.
A verdade é assim que nas últimas décadas se decide e organiza em matérias de Saúde Pública.
Há umas mentes iluminadas que decidem juntar serviços médicos.
Outras mentes decidem criar centros hospitalares. Gente mais inteligente ainda encerra serviços com ocupação de 90%.
Fecham-se camas hospitalares para construir cuidados sem o mesmo nível de assistência ou de apoio. Fecham-se hospitais, que, por vezes, se reabrem para suprir falhas que eram óbvias antes do fecho.
Criam-se corredores de centros hospitalares com 40 quilómetros de distância. Transitam ambulâncias num insano negócio que parece compensar o Estado, ou servir bem os acólitos das decisões.
Para melhorar a ideia deste esquema demente, ninguém avalia as medidas postas em prática e as consequências das decisões tomadas. Já careciam de medir os dados antes de tomar decisões; que já eram tomadas em gabinetes carregados de funcionários sem exposição no terreno, sem conhecimento algum da situação da saúde nacional.
Os directores de serviço não têm poder, não podem interferir com outros profissionais, não gozam da capacidade de afastar gente problemática, não se lhes paga pelo incómodo, mas “exige-se-lhes” resultados de produção. Também se perpetuam directores com péssimos resultados, como se excluem os que atingiram objetivos, sempre sem critérios coerentes.
Vem um iluminado e fecha uma enfermaria. Vem outra lâmpada e encerra uma urgência. Depois vem uma gambiarra e constrói uma necessidade: registos de hora a hora impossibilitando qualquer atividade com os doentes. Burocracia substituindo gestos terapêuticos e de contacto com os doentes. Muito computador, muito registo que seria lógico se houvesse estudos nascidos deles.
Infelizmente, é como nas inspeções militares, que durante décadas inscreveram milhões de registos em papel que nunca serviram para editar qualquer trabalho ou tomar qualquer decisão. Jazem algures nos quartéis, onde elas se faziam, ocupando quilómetros de estantes, isto se um candeeiro não os mandou queimar.
Trabalhamos assim desde há 20 anos. Eu estava na Cirurgia 2 que integrou a cirurgia do Hospital Geral (HG) de Coimbra, que depois se converteu em Cirurgia C que integrou as compactadas do Hospital da Universidade de Coimbra (HUC) e agora somos a Cirurgia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) única, com corredores de oito quilómetros e uma produção coletiva que não sei se é melhor que a dos cinco serviços unidos, não sei se tem melhores resultados que a dos cinco separados e não sei se tem menor lista de espera. Aliás, ninguém parece saber!
Esses argumentos nunca aparecem nas decisões tomadas. Sei que em urgência os doentes do distrito estão pior, sei que em resposta à disponibilidade de camas os doentes estão muito piores. Cheira-me que em matéria de custos esta solução é mais cara que as dos cinco em separado. Também não há nenhuma prova, nenhum trabalho científico, que prove que a dedicação plena ou a exclusividade médica tragam benefícios onde a liderança tem dificuldade na exigência.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Acredito que não haja um único cidadão, com um nível de cultura médio, que não esteja de acordo com a necessidade da defesa do ambiente.
O problema é que, de igual modo, mesmo entre estes, uma grande maioria pensa que o simples facto da mudança individual de hábitos, em prol deste objectivo, tenha resultados significativos a nível global.
Que importância terá que eu compre um carro de que gosto embora saiba que é mais poluidor do que o habitual?
Que mal vem ao mundo se eu estiver quinze minutos, diariamente, debaixo do chuveiro para um duche retemperador?
Separar o lixo, em casa, é importante mesmo sabendo que, depois, em muitos concelhos, a recolha é feita misturando tudo por falta de viaturas apropriadas para levar o processo até ao fim?
Porque é que eu não poderei comprar computadores, ou telemóveis, de última geração, mesmo tendo outros em bom estado e com todas as condições para todos os meus trabalhos?
Regressar aos sacos de pano, para evitar, numa ida às compras, o gasto de alguns sacos de plástico, que importância pode ter a nível global?
As respostas a estas, e a tantas outras perguntas acerca do despesismo desenfreado em água, material plástico, produtos petrolíferos, transportes, seria extraordinariamente surpreendente.
A consciência colectiva só pode existir, obviamente, com o apoio de todos e cada um dos cidadãos.
É fácil culpar as grandes empresas e os governos dos países mais poluidores.
Evidentemente que são eles os culpados. Mas só porque há milhões de “eus” a optar pelos seus produtos.
Os radicalistas começaram a explicar tudo isto de modo simples e sentido.
Quase sempre com o apoio de uma juventude cada vez mais culta e interventiva.
A mensagem começou a passar e a ganhar força.
Começou, até, a ser moda.
Às manifestações públicas aderiam dezenas de milhares de cidadãos.
As televisões divulgavam.
Os políticos começaram a prestar atenção (e um apoio envergonhado) ao Movimento.
Os partidos Verdes começaram a ganhar força e militantes.
Como seria de esperar as grandes empresas industriais, para quem o lucro é o essencial, reagiram.
E fizeram-no com profissionalismo e grandes investimentos, tentando pôr em causa as informações de cientistas de diversos países.
Chegou-se ao ponto de um Vice-Presidente dos Estados Unidos, se apresentar como candidato à Presidência usando o combate contra a política ambiental como bandeira na campanha eleitoral.
Al Gore em debate contra George Bush nas eleições presidenciais norte-americanas de 2000.
Este, Al Gore, Vice-Presidente de Bill Clinton, perdeu contra George W. Bush por uma percentagem de 0,009 dos votos.
A ecologia acabou, de novo, derrotada pelo apoio da indústria petrolífera e de todas aquelas que sentiam poder perder lucros fabulosos se fossem criadas as restrições que se impunham em prol da conservação ambiental.
Campanhas fortíssimas de publicidade, denegrindo os esforços de ecologistas, pondo em causa todas as suas informações e teorias, muitas vezes sem permitir contraditório, começaram a fazer com que estes perdessem algum do seu protagonismo e espaço na comunicação social.
Contra isso, iniciaram uma luta que se mostrou desastrosa porque baseada num radicalismo que uma grande franja dos seus apoiantes não entendia e considerava exagerada e, mesmo, ilegal.
Acções como as da Greenpeace e da Just Stop Oil, atacando petroleiros, ou, noutra proporção, invadindo e destruindo, propriedades privadas, como aconteceu em Portugal, num campo de milho transgénico de uma herdade de Silves, fizeram milhares de pessoas descrer destes activistas e, por arrastamento, deixarem de apoiar a sua luta.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o FBI considera alguns movimentos ecológicos como “terroristas” acusando-os de envolvimento em incêndios criminosos, em empresas revendedoras de veículos desportivos de vários estados americanos, de ataques contra laboratórios que usam animais em pesquisas e contra a indústria farmacêutica e cosmética. Os ataques não terão causado mortos, mas, de acordo com o FBI, esses atentados têm-se tornado maiores e mais frequentes nos últimos tempos.
A ânsia de dar nas vistas leva alguns activistas à tomada de medidas que a população critica e que, muitas vezes, fazem passar uma imagem de infantilidade e má-educação que acaba por se virar contra eles.
A última cena, com um grupo de imbecis atirando ovos com tinta verde ao Ministro do Ambiente, em Portugal, é disso um exemplo.
Para mais, este nem sequer apresentou queixa fazendo passar a ideia que considerava os agressores uns desmiolados inimputáveis.
O radicalismo é, sempre, uma prova de menoridade.
Os ecologistas terão, para defesa de todos, de regressar à actividade com base num trabalho de esclarecimento credível, porque assente em estudo, seguindo os conselhos dos cientistas e estudiosos do tema, e sem facilitarem nos seus posicionamentos pessoais.
O seu comportamento, no dia-a-dia, tem de ser condizente com o que dizem defender.
Um ecologista “Frei Tomás, faz o que ele diz e não faças o que ele faz” não só não merece qualquer crédito como é o principal inimigo da comunidade científica.
E isso, aqueles que querem um Planeta melhor, não lhes podem perdoar.
Vítor Ilharco é assessor
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Vislumbro – melhor dizendo, até diviso – relevantes vantagens de se ser cronista. De futebol ou de outra qualquer coisa, mas neste caso falo nas belas-artes de matraquear bitaites sobre bola, que ademais nem sequer têm de ser sobre tácticas e incidências, sobre os quais agora me agarro por desfastio, descontração e descompressão.
Por exemplo, por uma crónica futebolística, se eu meter o Lagardère (não é a Lagarde) no meio do título, para caracterizar uma forma destemida e irresponsável de gestão do jogo pelo árbitro, certamente não terei uma queixa na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nem outra a ser tratada pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, que por uma daquelas circunstâncias infelizes preside também ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) e, como a vida é feita de engulhos, há jovens que ainda o têm como professor.
Por outro lado, presumo que, mesmo vindo a escrever de forma desfavorável sobre um qualquer agente desportivo, e venha ele a ser alvo de um inquérito disciplinar, não fará certamente como o Dr. Filipe Froes que por ter sido visado num inquérito disciplinar pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), no decurso de notícias em outros jornais, veio aos autos acusar-me de ser eu um dos “jornalistas negacionistas difamadores”, e daí difama-me, a despropósito, incluindo no seu processo uma queixa contra mim na ERC, estúpida e ridiculamente apresentada por ele próprio, e ainda, não satisfeito, um vergonhoso parecer do CD-SJ que vale tanto como quem o pariu: nada. Nem chegou a ser um aborto; saiu de lá o produto de uma gravidez histérica… Isto está tudo ligado – sou eu a dizer, que nem sequer sou de teorias da conspiração.
Falemos de bola.
(entretanto, lá começou o jogo; ambiente fantástico, mas o estádio não está lotado, pelo menos vislumbro, ou diviso, umas clareiras, sobretudo atrás da baliza do lado sul)
Mas, já agora, a grandíssima vantagem de se ser cronista é aqui poder prescindir de certos princípios de isenção e eliminar exigências de credulidade, e daí, mesmo num escrito que será apenas publicado ao fim de 90 minutos – mais os 20 prováveis minutos de acréscimo que o Futebol Clube do Porto necessitar se lhe estiver a correr mal a vida –, poder usar, e até abusar, de uma certa linguagem mais criativa. E também me socorrerei de fontes anónimas, das mais suspeitas, como convém a uma crónica pouco objectiva e mais recreativa.
(os very lights já estão a fazer das suas, e daqui da Varanda da Luz, uma fumaça das diabos enevoa o relvado; lá em baixo, jogo repartido, mas ainda não tive grande tempo para olhar o gramado)
Portanto, tenho desde já que antecipar que, por fontes anónimas mas conhecedoras dos meandros mais esotéricos, me foi garantido que isto hoje vai dar para o torto.
(não vão acreditar em mim, mas estava a escrever a palavra “torto” e o Fábio Cardoso dá uma sarrafada no David Neres, que se escapulia pela ala esquerda: directo para o balneário. O Cardoso, não o Neres, porque este recuperou. Estranho que em quatro minutos de sururu o Sérgio Conceição se mantenha no banco… O Porto já está a ganhar 1-0 em cartões vermelhos… Entretanto, livre sem perigo)
Mas qual a razão de eu antecipar, por via das minhas fontes esotéricas, que isto – leia-se, jogo – vai dar para o torto, quando nem sequer terminou o primeiro quarto do jogo (ou o primeiro quinto, se estimarmos já os prováveis descontos à Porto)? E mais ainda: sem estar o Pepe a jogar?
Por ser Lua cheia. Ainda mais uma super-Lua cheia, a última do ano, como bem avisa o sempre atento Público, mais rigoroso em assuntos astrológicos – ou astrais ou astronómicos, eu sei lá, para eles deve ser o mesmo – do que a quantificar verdadeiramente os desperdícios financeiros dos negócios das vacinas.
Bem sei não ser conveniente a um jornal sério, e defensor da Ciência, como se arroga o PÁGINA UM, alegar agora com questões astronómicas, às quais estão também associadas assuntos da Astrologia – embora, hélas, o nosso Galileu Galilei até foi, além de tudo aquilo que se sabe, um profundo estudioso dessas matérias ditas esotéricas, sendo famosas as cartas astrológicas que delineou para as suas filhas e muitos poderosos.
(ui, isto está mesmo a ficar lindo… Rafa a meter o turbo, pelo lado direito, uma alegada sarrafada de David Carmo, que corta um possível isolamento. O árbitro dá apenas amarelo; é chamado pelo VAR para possível vermelho. João Pinheiro mantém a decisão, mas dá outro amarelo a Taremi por protestos; temos assunto para a semana nas tertúlias futebolísticas)
Enfim, já nem vale a pena estar a fazer previsões sobre o caldo entornado, porque agora já só falta o Benfica marcar um golo…
(e ia sendo um, chuto em esforço de David Neres ao lado, com Rafa a estorvar)
… para que tudo fique num pandemónio.
Neste momento, em abono da verdade, já só espero que não se comprove as “previsões” do cronista do PÁGINA UM, Diogo Cabrita, que no Facebook ainda agora vaticinou: “O meu sonho agora era: jogo quezílento, três vermelhos, estádio da Luz interdito por very lights, Sérgio Conceição três jogos de suspensão, resultado final dois a dois, adeptos dos dois lados tristes, frango do ucraniano…”
(intervalo… ah, entretanto, lembram-se da última crónica sobre o fresquinho de Setembro, que convidava a trazer um casaquinho da próxima vez? Assim fiz: está um calor de ananases!)
Entretanto, entre descer esta Varanda da Luz, de onde vos escrevo e o reabastecimento de água, passa-se o intervalo, Então ‘amlá ver‘ – como o nosso cronista Tiago Franco, indefectível benfiquista diz que o António Costa fala – esta segunda parte… Ou isto anima ou vou ter de encontrar tema paralelo para dissertar… Vou dar uns minutos, entre pôr o olho no relvado, onde o Benfica porfia poucochinho, e as fotos que vou seleccionar, entre as quais um muro das lamentações em redor da estação de metropolitano do Alto dos Moinhos, onde um montão de benfiquistas se foi lamentar, fisiologicamente falando, de ser humano. Em pé, claro…
(já agora, sobre os meus colegas de varanda de hoje, isto é, os da bancada de imprensa, tudo muito calmo e contido. E o Benfica a começar a perder oportunidades, agora mesmo foi o Otamendi a rematar para fora sem oposição, às tantas a recordar-se dos cortes defensivos quando estava no Porto; e antes disso, o Diogo Costa a fazer uma excelente mancha a remate subtil de Neres)
Enfim, ou isto melhora, ou vai haver noite desagradável, e não é por ser eu benfiquista, que somente satisfeito se fica com uma vitória, ainda mais sobre o grande rival. Digo isto porque, enfim, vivendo um benfiquista com uma portista, mesmo se ma non troppo…
(e pronto: goloooooo! Di Maria! Grande regresso. O homem está a fazer aquele percurso do bom filho à casa retorna…. Agora é que isto vai aquecer. Imaginemos a cabeça do Sérgio Conceição… Ouve-se pirotecnia; o que significa que a Liga esfrega as mãos com a multa a aplicar ao Benfica; talvez devesse ser como noutros países para haver mais controlo de entradas)
Esta crónica está a ficar mesmo gira, pelo menos para mim, porquanto se começo a dissertar sobre um tema, sucede algo que muda o rumo.
(entretanto, mais uma “boa” intervenção do Otamendi: remate isolado na grande área, depois de uma jogada de canto estudada, mas para cima. Com o Otamendi, como há uns anos, a baliza do Porto fica segura!)
Queria eu dizer que, coabitando benfiquista com portista – um escândalo o wokismo não defender que eu seja benfiquistO e um homem como o Luís Gomes não seja um portistO; a sociedade tem muito a evoluir… – nunca um empate, parecendo um dividir o mal pelas aldeias, é um bom desfecho. Um empate vale sempre como derrota, pelo que haja sempre um vencedor, e fé em Deus para não irritar em demasia o perdedor…
(entretanto, três substituições em simultâneo do Benfica ao minuto 84, incluindo Di Maria para a ovação, e Roger Schmidt a congeminar estratégia de contenção para os últimos 30 minutos de jogo…)
Veremos entretanto como será a minha recepção caseira depois dos 96 minutos (deram só seis minutos… mais um escândalo que alimentará debates pela semana), se janto, na verdade, porquanto a porção do farnel do Benfica aos jornalistas se esfumou sem se perder a esfaima.
(e pronto, antes de acabar, o Francisco Conceição dá uma cuzada em pleno ar contra o Otamendi… foi cómico, porque o filho do Sérgio Conceição tem um metro e setenta, enquanto o brutamontes do Otamendi, que lhe mandou beijinhos em troca, um metro e oitenta e três. Serenou tudo; afinal não se confirmaram os prognósticos da super-Lua cheia)
E pronto: סליתא וסליתא – está consumado. Giro: o WordPress aceita caracteres de aramaico.
(e a equipa do Futebol Clube do Porto lá foi fazer o seu número de provocação, com gritos de união, junto às claques do Benfica; coro normal de assobios e vaias dos adeptos benfiquistas, muito teatro, mas eu até compreendo os jogadores e equipa técnica do FCP: os assobios dos nossos antagonistas, mesmo quando parecemos derrotados, são o que nos dá força para continuar… portanto, força, Porto: queremos ganhar-vos na segunda volta, convosco fortes, mas, claro, atrás de nós na classificação. Como agora justamente estão…)
Tenham todos uma boa noite. Mesmo os portistas. E sobretudo os portistas. E sobretudo um aviso: isto é só um jogo; coisas a sério é aquilo que vou escrevendo durante os dias da semana… Não levem tão a sério o futebol.
Não tinha pensado voltar a este tema tão depressa, mas o Luís Gomes, meu colega aqui no Página Um, fez aquele truque habitual dos liberais quando procuram arranjar argumentos para uma discussão perdida à partida. Leu metade do que eu aqui escrevi na semana passada e deduziu a outra metade, acrescentando intenções que não eram as minhas. Pior do que isso, não percebeu que em parte até defendiamos a mesma protecção da propriedade privada. Mas também não sou eu que lhe vou dizer…
Quando o programa “Mais Habitação” foi anunciado, num daqueles PowerPoints que o Costa nos mostra, aqui e ali, para parecer que faz coisas, eu critiquei de imediato o arrendamento forçado. Disse até que, com a enormidade de propriedades que o Estado tem (nem as conseguiu ainda contar), não fazia sentido obrigar os privados a terem o papel social que competia ao Estado.
A única excepção, na minha opinião, e também o escrevi, eram as propriedades devolutas. Se ao fim de uma década, ou algo do género, os donos continuam a deixar as paredes no chão, então a propriedade deve passar para o Estado para que a possa recuperar e evitar o desastre arquitectónico. Bastaria ao Luís dar uma volta pelas freguesias adjacentes da minha para ver casas abandonadas por emigrantes para perceber o que quero dizer.
Reduz o meu raciocínio, o estimado colega, ao bondoso emigrante que contraiu empréstimo e que aluga a casa, reflectindo as subidas na renda do inquilino e ao malvado residente local, que também contraiu empréstimo mas que já é um especulador que procura lucro fácil.
Percebo a necessidade de criar um paralelo entre bonecos para encaixar a narrativa que se segue, mas, amigo Luís, não foi isso que eu escrevi. É só ler com mais atenção.
Eu dei dois exemplos: um emigrante com crédito à habitação e um senhorio que recebeu uma herança. Não falei em residentes que vão contrair empréstimos e depois alugam nem em pessoas que investiram poupanças no imobiliário. Misturar isto tudo e dar a entender que era esse o meu argumento é logo partir com uma perna meio coxa para esta corrida.
Mas eu vou dar uma ajuda ao Luís. Só porque ainda estou com pena do que aconteceu na Madeira, e não quero liberais confusos. O Luís agora está a escrever que não é liberal porque a versão portuguesa é suave demais e, apesar de tudo, ainda não defende o “Estado Zero” em que ele se parece rever. Há que dar tempo ao Rui Rocha para ele acertar duas frases. O resto vem por acréscimo…
Se um residente contrair um empréstimo e comprar uma casa que acaba por alugar, a situação é idêntica à do emigrante, não é? A questão aqui não é onde vive o senhorio, mas sim os custos que tem com a casa. Se tem um empréstimo e sofre com as taxas de juro, é normal que não queira estar a pagar para que vivam na sua casa. Ou seja, é natural que as alucinações da Lagarde acabem na renda dos inquilinos. Viva o senhorio em Copenhaga, Maputo ou na Madragoa. Não há para mim qualquer conotação de especulação ou ganância num senhorio que tem que cobrir um empréstimo com o aluguer da casa.
Podíamos discutir se deveria ser permitido ou não viver do aluguer de casas, como escrevi também, na “liberal Suécia”, essa situação não é permitida em cooperativas de apartamentos. Já sei, a Suécia só é liberal às terças e quintas. Nestas coisas mais socialistas fingimos que não vemos. Contudo, não sendo essa uma questão em Portugal, não tenho qualquer problema ideológico em se contrair empréstimos para compra de casas e consequente aluguer de forma a cobrir as despesas. E já agora, para que fique ainda mais claro, também não percebo a absurda quantidade de impostos sobre a habitação. Se bem que o meu problema com os governos portugueses não é tanto o que cobram mas sim como o gastam.
Como costuma dizer um colega meu quando não o percebem à primeira, espero ter-me feito entender agora quanto às situações de crédito bancário.
Já a conversa do investidor que compra coisas com as poupanças, enfim, estamos a falar de quem, Luís? Quem é que compra casas com poupanças em Portugal em 2023? Ou vá, nos últimos cinco anos? Qual dos contribuintes que pertence aos 75% que vive com menos de 900 euros líquidos por mês é que poupa para comprar casas de investimento? Já tem sorte ele se o banco lhe fizer um crédito para não ter de depender da vontade de um senhorio.
Qual das famílias nos 90% que vivem com menos de 2.000 euros, por agregado, é que anda a meter algum de lado para um T0 na Lapa? Essas poupanças chegam de algum lado, não é? Uma herança aqui, uma oferta ali… aí já percebo. Mas nesse caso, lamento, estamos no ponto de partida. Não, não entendo que um senhorio nestas condições venha pedir aumentos de renda iguais à inflação e muito menos com argumentos como os usados pelo Luís de que, “agora as poupanças do investidor valem menos”.
Ora, meu caro… mas não é esse o efeito perverso do famigerado mercado?
Claro que as poupanças valem menos. Mas os salários também valem menos porque os aumentos são inferiores à inflação, logo, há uma perda real, tal como nas poupanças. Os senhorios sofrem um bocadinho, os inquilinos também, e pena, mesmo muita pena, é que os bancos não sofram também. Era aí que o impacto se deveria fazer sentir e não nos orçamentos das famílias que, em Portugal, são cada vez mais pobres.
Quando se repete a conversa de “os mais prósperos protegem a propriedade privada” não é simplesmente verdade. A carga fiscal na Suécia é elevadíssima, em particular para o lucro. E não é sequer possível viver alugando apartamentos. Espero que a Suécia ainda conte como país próspero.
Muito antes da crise que agora vivemos, da inflação, da guerra e do aumento do custo de vida com a desculpa da Ucrânia, já algumas cidades portuguesas praticavam preços proibitivos na habitação, desde quartos de estudantes até a casas familiares. Foram tempos de pura especulação e ganância. Proteger isso, que foi exactamente o que se fez, a tal liberdade, deixou-nos em parte neste beco sem saída.
Foi assim com a habitação, com a grande distribuição e com a banca. Compensaram-se as perdas com dinheiro público e, em altura de jackpot, como este que agora se vive com a inflação, a factura fica do lado do costume, dos contribuintes. Nunca o impacto económico fica do lado dos privados. Se o negócio cai, o Estado paga layoffs ou injecta dinheiro; se a inflação cria lucros fabulosos e inesperados, o Estado não pode falar em tectos porque lá vem a conversa da liberdade e da Venezuela.
Liberdade não é permitir que o lucro se sobreponha a condições de vida com dignidade. E certamente não é ter uma maioria, neste caso de 5, 5 milhões de trabalhadores, a viverem para pagar contas encherem os bolsos de uma minoria. Seja esta minoria um banco, um supermercado, uma PPP de uma estrada, a Lagarde, a quota dos 2% da NATO ou o senhorio que poupou a herança que a avó lhe deixou.
Liberdade, meu caro, é sair de casa para ir trabalhar, e poder ir jantar um bife com a família, sem fazer contas ao que sobra para a renda. É preciso levantar a cabeça, deixar de focar na árvore e perceber que estamos, sim, numa floresta.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Há pequenas coisas, como, por exemplo, sentir areia nos dentes enquanto comemos fruta na praia, que sabe à ferrugem que avistamos ao longe numa escultura imensa, maciça, de ferro a oxidar ao longe, lacrau áspero de rabo eriçado na nossa direcção (vou picar, vou picar!)
Podemos exasperar-nos. Tentar cuspir, selectivamente. Ou podemos tentar continuar a mastigar, o mínimo de movimentos, até a engolir quase assim, como está. Engolir a praia suja, a bem da paz de espírito.
Explicarmos a alguém como vemos, as coisas, exige articulação suave, candura, um refinar a areia até ser pó dourado entrando pelas narinas, bem dentro, até respirarem a nossa verdade, e nada verem mais, e o deserto ficará nos seus olhos, ondulado e amarelo.
Palavras.
Falarmos com paredes é exercício de lamento, duro, emparelhado e sólido. Cego. Surdo também. Mais fácil o murmúrio, sempre, entre dentes (talvez o mínimo de movimentos para engolir a areia com sumo da fruta), o sol queimando as vistas e o horizonte a bater-nos o cabelo, na cara. Aguentar a nortada e continuar, se as mãos tremerem esforçamo-nos para que não notem, que não acudam.
Mas o corpo diz mais, mais do que a boca.
Então, assim, fácil é enredar-nos. Descobrimos, se calhar, que não conhecemos os nossos pensamentos (como não conheço os teus), e divagamos, e viajamos, e papagueamos frases curtas, que nos deram embrulhadas e torcidas nas pontas (rebuçados), caramelo sem gosto, a gosto.
Oh Deus! (deuses!), quantos caramelos a derreter ao sol, a colar a areia ao céu da boca!
Sacode! Sacudamos! Que se o corpo ainda tiver força para sacudir, talvez se espantem então para longe os magros demónios que se penduram nas nossas costas. Como sombras de mãos que, dançando sozinhas, povoam o tecto, enormes, para distrair a birra.
E se tropeçarmos, porventura, temos de nos agarrar, cada vez mais a algo terno, que nos ampare, que a idade não perdoa, e perdura.
Mariana Santos Martins é arquitecta
P.S.A autora pede humildemente aos seus esforçados leitores que se deleitem com a hiperligação no início do texto em pleno, ouvindo, mas também vendo. Porque o Belo é urgente.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Um dos grandes temas da actualidade é a crise na habitação. Efectivamente, obter um tecto a preços acessíveis tornou-se missão impossível para a grande maioria dos portugueses. Por um lado, as prestações do crédito à habitação duplicaram num espaço de um ano; por outro, registaram-se fortes subidas nos preços dos novos contratos de arrendamento nos últimos meses, que não é mais do que uma defesa dos proprietários às medidas governamentais que se anunciaram.
Nos últimos meses, o Governo propôs uma legislação que designou por “Mais Habitação”. Prevê várias alterações: congelamento de rendas para os novos contratos, com base no último contrato de arrendamento dos últimos cinco anos, arrendamento forçado, fortes restrições ao licenciamento e novos tributos sobre o negócio de Alojamento Local.
Para acrescentar mais um “problema” à crise, recentemente o Instituto Nacional de Estatística (INE) publicou o indexante para actualização das rendas no próximo ano (2024): 6,9%. De imediato, os órgãos de propaganda lançaram reptos ao Governo no sentido de uma intervenção, tal como sucedeu no ano passado: apesar de uma inflação de 7,8% em 2022, os senhorios apenas puderam actualizar as rendas em 2%, ou sejam, uma perda de 5,4 pontos percentuais em termos reais.
O ambiente para os proprietários não é famoso. Até já se lhes lançou um odioso à expressão: “cada um mete o preço que quer na sua propriedade”.
Ora, isso simplesmente não é verdade, pois cada um pede o preço que entender pela sua propriedade; mas, para que haja negócio, terá de haver alguém disposto a pagar o preço pedido.
É um princípio sobejamente conhecido: quando a liberdade é respeitada, as transacções entre pessoas são voluntárias e livres. Até hoje, não se conhecem proprietários, em busca de “lucro fácil”, que tenham sacado de uma pistola, apontando-a à cabeça do inquilino, a exigir a assinatura do contrato de arrendamento. Aliás, quando se assina um contrato livremente, as regras são claras para ambas partes, incluindo a actualização da renda.
Neste contexto de crise, surgem todos os dias propostas mirabolantes para a debelar, como, por exemplo, esta saída da pena do Tiago Franco, também cronista do PÁGINA UM: quem tenha emigrado e estava a pagar um crédito à habitação em Portugal, pode reflectir as subidas da prestação sobre o inquilino. Certamente, que tal liberalidade já não se aplica ao famigerado “especulador” que arrenda uma casa adquirida através de um crédito à habitação, nem tão pouco ao que decidiu investir as poupanças de uma vida no mercado de arrendamento, por forma a fugir à repressão financeira do Banco Central Europeu (BCE), onde o aforro é, há mais de uma década, remunerado a 0%.
No primeiro caso, segundo a proposta, o inquilino paga o empréstimo ao emigrante que, ao final de umas décadas e sem sobressaltos de maior – pode enviar o aumento das prestações ao inquilino! – tem mais património, está mais rico. No caso do segundo e do terceiro, já não é bem assim, pois estão sujeitos ao “tenebroso” mercado e ao terrorismo de Estado, onde o respeito pela propriedade privada começa a ser inexistente.
Mas vamos então supor que o Emigrante do Tiago Franco comprou uma casa no Lumiar, em Lisboa, em Julho de 2019 por 327 mil euros: um T2 de 90 metros quadrados (m2), a 3.632 euros o m2. Para isso, contraiu um empréstimo bancário com as seguintes condições: 40 anos, Euribor a 12 meses + 1% de spread, financiamento a 100%.
Como a Euribor a 12 meses naquele momento se encontrava em -0,3%/ano, a prestação mensal ao banco seria de 780 euros. A este custo, acrescia o condomínio (75 euros/mês) e os seguros da casa (75 euros), totalizando 930 euros. O mercado de arrendamento aplicava 13,3 euros por m2, uma renda mensal de 1.200 euros, obtendo, desta forma, uma margem de 270 euros por mês.
Em Julho de 2023, em resultado da subida da taxa Euribor a 12 meses, as prestações mensais do empréstimo à habitação “saltaram” de 780 euros para 1.610 euros, um incremento de 830 euros. Segundo a proposta, o inquilino passaria a pagar 2.030 euros por mês, em lugar de 1200 euros, garantido o mesmo lucro ao Emigrante do Tiago Franco.
Aplicando a mesma situação para o “malvado Especulador”, que não emigrou, e assumindo contratos anuais com novos valores de renda em cada ano, estaria a receber 1.460 euros (16,2 euros por m2) de rendas mensais em Julho de 2023. Como seriam os seus custos? Pagaria agora 1.610 euros de prestação mensal, acrescido das despesas de condomínio e seguros, o que seria um encargo mensal de 300 euros por mês, em lugar de um rendimento!
Por fim, o “malvado Especulador” que adquiriu a mesma casa, mas, neste caso, com as suas poupanças, por forma a fugir dos juros 0% no banco. Em Julho de 2019, a rendibilidade anual seria de 4,4% (1.200 × 12 ÷ 327.000), em termos reais praticamente o mesmo, já que nessa altura a “inflação oficial” estava em torno de 0%. Em Julho de 2023, a situação, aparentemente, seria mais favorável: uma rendibilidade de 5,36% (1.460 × 12 ÷ 327.000). Acontece que a inflação situa-se em 7,8%, representando uma remuneração real negativa da poupança: -2,3%. As suas poupanças valem menos!
Não incluímos nesta equação o Ladrão-Mor, que nos assalta os rendimentos prediais em 28% (ainda há quem peça o englobamento, talvez para ajudar um pouco mais o mercado de arrendamento) e aplica o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) sobre a compra. Não se considera o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), já que este tributo – roubo – é deduzível em sede de IRS para os rendimentos prediais, ao contrário dos juros do empréstimo bancário!
Podemos então imaginar a presente situação dos “Especuladores” que decidiram meter-se no mercado de arrendamento através de um empréstimo bancário. Mas já no caso do Emigrante, é todo um mundo especial, pois “está ao fresco” das subidas da taxa de juro da Sra. Lagarde.
Aquilo que me deixa perplexo em toda esta crise acaba por ser o desrespeito total pela propriedade privada, um dos nossos principais direitos naturais: a vida, a liberdade e a propriedade privada. As sociedades que mais protegem estes direitos são as mais prósperas, e não o contrário.
Reparem, em toda esta discussão, tende-se sempre a culpar a suposta ganância do proprietário e nunca a do Ladrão-Mor: o Estado.
Foi o Estado, através do BCE, que imprimiu mais de 4 biliões de Euros (atenção: 12 zeros) desde o início da putativa pandemia, a verdadeira causa da inflação que hoje vivemos. Com este dinheiro, vindo do “ar”, em que o BCE imprimia enquanto o Governo emitia dívida pública, pagou-se fornecedores de testes, farmácias, fabricantes de inoculações experimentais e fornecedores de fraldas faciais. Foi também com este dinheiro que se pagou a profissionais de saúde, enquanto os hospitais afinal estavam como nunca estiveram, ou seja, nunca estiveram tão vazios.
Assistimos, nos últimos anos, ao maior processo de redistribuição de riqueza da História da Humanidade, onde, através da inflação, os pobres e a classe média foram assaltados a favor da casta parasitária e de multimilionários próximos do poder. Para o proprietário e inquilino foi uma roubalheira sem fim, mas a culpa nunca se assacou ao Ladrão-Mor.
O roubo deste nunca é suficiente. É sempre preciso mais. Não satisfeito, prepara-se agora para evitar uma actualização das rendas de acordo com a inflação, roubando uma vez mais os proprietários. Prepara-se também para congelar as rendas, uma medida que destruiu as principais cidades portuguesas. Ainda se recordam como eram, há uns anos os principais centros urbanos do país, com edifícios devolutos e ruas desertas à noite?
As pessoas investem apenas onde existam garantias de que os seus direitos de propriedade sejam respeitados; caso contrário, não acontece. A oferta só aumenta assim. Ter mais casas no mercado exigirá liberdade negocial da renda e liberdade de actualização da renda, e sobretudo o fim do roubo e das restrições ao licenciamento de novas construções e alojamento local.
Mas isso não será suficiente; também será necessário abolir o BCE, evitando que se criem bolhas imobiliárias à conta de juros 0% durante anos a fim e o roubo a favor da casta próxima da fonte do dinheiro.
Uma coisa é clara: não é roubando uns para dar a outros que se irá resolver um problema que nos atormenta a todos.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
João Porfírio, de apelido Oliveira, é um matemático. Ainda mais das Matemáticas Aplicadas. E tanto se aplicou que está, há muitos anos, neste mundo dos números que são os hospitais. Está no lugar certo.
Bem sei que houve um certo engenheiro que, em tempos, nos quis fazer acreditar que as pessoas não são números, mas um hospital enche-se sempre de números, sobretudo na hora de pagar facturas com dinheiros públicos a empresas privadas. Ou nas camas em falta. Ou nos médicos e outros profissionais de saúde em falta. Os nas horas de espera nas urgências. Ou nos dias a aguardar por consulta, diagnóstico ou operação.
Ora, o nosso matemático João Porfírio sabe da poda no que diz respeito a contratos:, que mete sempre muitos números, porque há saída de fundos públicos para empresas privadas: como presidente da administração do Hospital de Braga já “despachou”, desde o início de 2022, qualquer coisa como 175.842.431,68 euros dos nossos impostos para fazer cumprir 4.162 compras.
Mas o nosso matemático João Porfírio também deverá saber, ou deveria saber, que há uns números, com aptidão burocrática – essa coisa chata mas funcional de que nos falou Max Weber –, que visam transmitir ao povo, que paga a factura, e até lhe paga os salários, quando e como ele gasta o nosso dinheiro.
Por exemplo, o nosso matemático João Porfírio deve saber que, na contratação pública, o 20 é um número fundamental: é o prazo máximo em dias úteis para se introduzir o relatório de formação de um contrato após a sua celebração ou início da sua execução no Portal Base.
Para um matemático, o 20 não é um número nada próximo de 900 nem de 1140 nem de 840 nem de 744 nem de 958 nem de 845 nem de 831 nem de 1133 nem de 851 nem de 956 nem de 926 nem de 857 nem de 733 nem de 882 nem de 810 nem de 1000 nem de 839 nem de 930 nem de 868 nem de 1127 nem de 999 nem de 763 nem de 858 nem de 875.
Esses números gordos, de três dígitos, representam o tempo, em dias, que a administração do matemático João Porfírio – leia-se, o Hospital de Braga – demorou a colocar no Portal Base diversos contratos superiores a 100 mil euros (mais um número), um total de 32 (mais um número) para ser preciso, estabelecidos entre 2020 e os primeiros meses de 2021 (até Maio) para a compra sobretudo de máscaras, luvas de nitrilo e outros equipamentos de protecção individual, bem como de zaragatoas e testes.
Só estes 32 contratos totalizaram 7.013.105 euros (mais um número). Compras, na sua generalidade, relacionadas com materiais e equipamentos para a nobre luta contra a covid-19: um regabofe de ajustes directos sem contrato reduzido a escrito e sem controlo prévio. Aliás, nos elementos colocados no Portal Base dois e três anos depois não há forma sequer de se saber quantidades compradas nem outros detalhes relevantes. Foi um gasto “para o bem”, logo pode-se gerir o dinheiro mal.
[presume-se que um matemático como o João Porfírio só aprecie ver a forma de letras em equações, fórmulas, funções, expressões algébricas e generalizações; de resto terá ele, porventura, ou má ventura nossa, comichão quando as vê em folhas com cláusulas, deveres e obrigações do adjudicante e da adjudicatória em prol do interesse público e da transparência na gestão de dinheiros dos contribuintes]
O matemático João Porfírio também não aprecia, aliás, que um jornalista se incomode, e o incomode, por ser revelado que a sua administração no Hospital de Braga publicou no Portal Base, entre os dias 1 e 13 deste mês, um total de 393 contratos todos por ajuste directo, e com um valor global de 10.933.025,57 euros. Tudo, portanto, por ajuste directo, que é a melhor forma de fazer negócios privados mas o pior quando se trata de dinheiros públicos.
O matemático João Porfírio aprecia contratos por ajuste directo, e basta olhar para os números do Hospital de Braga, e por isso se abespinha por um jornalista sugerir que um contrato por ajuste directo é uma janela que se abre à corrupção. É – ponto. Por esse motivo há regras para que não se passe pela janela, e isso consegue-se reduzindo ao mínimo o recurso ao ajuste directo. Ponto.
Vai daí – e como ainda por cima porque um jornalista tem o descaramento de revelar como se combina um ajuste directo (“pega-se no telefone ou envia-se um e-mail, e está feito”; não sei outra forma de serem preparados; talvez haja um outro método, porventura matemático –, o matemático João Porfírio também não gostou de ver tantos números numa tabela estatística compilada pelo PÁGINA UM usando dados oficiais do Portal Base com os gastos do Hospital de Braga em contratos de mão-beijada, que é mesmo disso que se trata quando se usa este procedimento como regra na gestão de dinheiros públicos – à Lagardère, como coloquei num título.
E atrevimento à Lagardère, como o do personagem do romance oitocentista de Paul Féval, não faltará, confesso, ao matemático João Porfírio. Depois das revelações do PÁGINA UM, ao invés de fazer contas à vida, e corrigir os seus procedimentos de gestor da res publica, e de um hospital onde os recursos são sempre escassos, desviou um funcionário público (porque deduzo que não tenha gastado o seu precioso tempo a escrevinhar, até porque, lá está, “ele é mais números”), para que fossem exaradas duas queixas contra mim na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ).
[talvez ainda tenha seguido uma queixa para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, porque agora passou a ser norma atacar-me pelas três frentes]
Questionou-me, aliás, se o funcionário, talvez um jurista – porque até dá doutas sugestões à ERC sobre a tipologia de “castigos” e de “abjurações” que me deveriam aplicar – não deveria antes estar a introduzir contratos no Portal Base ou a elaborar documentos preparatórios de concursos públicos, reduzindo assim a quantidade de ajustes directos do Hospital de Braga.
Por agora, neste lamentável episódio – porque as denúncias feitas pelo PÁGINA UM deveria, num país decente levar um gestor público do quilate do matemático João Porfírio a ser investigado ou a ser demitido; a envergonhar-se, e não a queixar-se –, há também um outro facto simultaneamente lamentável mas com uma nota anedótica do ponto de vista das probabilidades matemáticas.
A parte lastimável mas esperada é que a ERC e o CD-SJ foram a correr abrir-me processos sob a queixa do matemático João Porfírio, não porque apontem algum erro ou inexactidão, mas pelo estilo de escrita. Hoje, aprecia-se um jornalismo comedido, brando, compreensivo, colaborativo, um jornalismo não-jornalismo.
A parte anedótica – que até ao matemático João Porfírio causaria espanto – advém das circunstâncias do processamento da notificação da queixa: talvez na corrida para ver quem me acusava primeiro, mesmo com procedimentos distintos e recursos diferentes, os e-mails da ERC e do CD-SJ chegaram-me exactamente no mesmo dia, na mesma hora e no mesmo minuto.
A probabilidade estatística disto suceder, de forma aleatória – assumindo que não foi combinado – será, presumo, próxima do acerto no Euromilhões. Por outro lado, a probabilidade destas duas entidades não me censurarem é – visto o historial e o pântano institucional instalado, onde um jornalista que denuncia acaba por ser linchado por entidades falsamente criadas para proteger a liberdade de imprensa – é próxima de zero.
Em todo o caso, uma promessa: deixarei de escrever sobre a gestão do matemático João Porfírio, de apelido Oliveira, e de outros, quando este e os outros cumprirem com escrúpulo as regras legais e de transparência da contratação pública e não usarem a excepção do ajuste directo como se fosse a regra.
É um objectivo aparentemente utópico, até porque, ainda ontem a administração do matemático João Porfírio fez publicar no Portal Base mais, pelo menos, mais quatro mui suspeitos contratos, todos por ajuste directo. Três desses contratos são por prestação de serviços de segurança das instalações hospitalares, entregues de mão-beijada (não há outro termo) à Securitas.
O primeiro contrato foi assinado no dia 31 de Março, portanto, em vez de ser divulgado ao fim de 20 dias úteis, o matemático João Porfírio acha que quem diz 20 também pode dizer 150. Mas curiosamente a cláusula da vigência tem a particularidade de dizer que “o contrato entra em vigor na data da sua assinatura e será válido até 31 de março de 2023, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato”. Ou seja, pela leitura deste contrato, aparentemente, o contrato termina no próprio dia da assinatura, embora depois a informação de registo aponte para os 90 dias. Como o matemático João Porfírio acha que, contrariando a lei não tem sequer de mostrar o caderno de encargos de um ajuste directo, temos assim um exemplar caso de um ajuste directo que se faz assim por 147.646,86 euros, argumentando “urgência”.
Aliás, da mesma ambiguidade (e atraso no prazo de publicação) sofre o segundo contrato com a Securitas assinado a 15 de Junho, mais um por ajuste directo e com o mesmo valor do anterior. Sabe-se que terminou no dia 30 de Junho mas não se sabe ao certo quando começou. Presume-se que terá sido no dia 1 de Abril, mas num contrato público não deve haver presunções. Nem sucessivos ajustes directos em prestações de serviços que podem e devem ser programados.
E que dizer então de novo contrato de prestação de serviços com a Securitas assinado pela administração do matemático João Porfírio, agora em 24 de Agosto, pelo habitual ajuste directo e preço costumeiro (147.646,86 euros)? Dizer apenas que, na verdade, nem sequer foi assinado; há contrato, é certo, mas estamos agora perante um ajuste directo sem honras sequer de redução a escrito, abusando-se de mais uma excepção legal, que escancara portas à corrupção. Não há já nada em papel. Tudo legal, mas tudo imoral. Mas, em abono da verdade, ao matemático João Porfírio que interesse têm essas futilidades (contratos escritos claros) com letras, compromissos, resultado da livre concorrência e formação adequada de preço?
Nada. Zero, que é também um número.
O matemático João Porfírio Oliveira assinou no dia 4 de Abril de 2023 um contrato que entrou “em vigor na data da sua assinatura” e que seria “válido até 31 de Março de 2023“. No registo do Portal Base está indicado que vigora por 91 dias…
E, por fim, ironicamente, o quarto contrato diz respeito a mais um ajuste directo à ITAU, a empresa de fornecimento de refeições que assinou 11 contratos por ajuste directo com o Hospital de Santo António, conforme ontem o PÁGINA UM revelou. Mas no caso do contrato no valor de 645.191,67 euros (não são trocos) com o seu hospital, o matemático João Porfírio conseguiu uma impossibilidade “física”: assinou ele próprio (com a sua colega da administração Sónia Duarte) no dia 4 de Abril de 2023 um contrato que, na cláusula terceira, diz tão-só o seguinte: “O contrato entra em vigor na data da sua assinatura [portanto, 4 de Abril de 2023] e será válido até 31 de março de 2023, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato“.
Já temos, portanto, contratos com duração de tempo negativo…
É este o senhor matemático que fez queixa contra mim na ERC e no CD-SJ. É este senhor matemático que continua a ser presidente do Conselho de Administração do Hospital de Braga. É este senhor matemático que vive no melhor dos mundos, neste Portugal decrépito e sem valores, porque pode tudo fazer com a maior das desfaçatezas e até, em simultâneo, fazer-se de vítima.
Imagino que vos tenha escapado, ontem que ali, entre o primeiro remate certeiro de Bah e a confirmação final de David Neres em Portimão, aconteceram, em simultâneo, eleições regionais na Madeira. Ou, como disse Maria João Avillez, o caso de estudo da democracia portuguesa.
As eleições para a Assembleia Regional da Madeira são, de longe, o momento mais soporífero da jovem democracia portuguesa, e resumem-se, desde que me lembro de existir e saber ligar uma televisão, a discutir o tamanho da vitória do PSD. Nos tempos de Alberto João íamos de maioria absoluta em maioria absoluta. Hoje, já nem tanto, mas a região continua um bastião da direita, em particular do PSD.
Alberto João Jardim deixou um legado difícil de seguir nos dias que correm, é um facto. Era um homem que às segundas, às quartas e às sextas gritava “independência” da República Portuguesa em frente aos jornalistas, e que nos restantes dias da semana, em conversas privadas, lá tentava que o primeiro-ministro em funções fosse perdoando a dívida da Madeira.
Dizia-me um madeirense, saudoso do seu Alberto, aqui há uns dois anos em Câmara de Lobos, enquanto bebericava uma poncha: “O hospital aqui está uma vergonha. Temos todos de ir para o Funchal para não morrer. Se o Alberto João ainda lá estivesse, faziam um hospital novo e depois logo se via quem pagava! Agora este Miguel Albuquerque, não sabe como enrolar os cubanos…”
Portanto, não tem tarefa fácil o amigo Miguel. E muito menos a piada do seu antecessor. Era essa, aliás, a única razão pela qual se acompanhavam as eleições na Madeira. Perceber que bordoada diria Alberto João desta vez, por norma, depois do jantar.
Ainda assim, Miguel Albuquerque fez o possível para trazer algum “salero” para esta contenda e disse, em alto e bom som, que se não tivesse maioria absoluta, então não entraria em negociações e trataria de se fazer à estrada.
Pois o bom do Miguel ficou a um deputado da maioria absoluta e, muito bem, adivinharam, não se fez à estrada. Confesso que até ficaria ofendido se um político resolvesse honrar a palavra dada, poder-se-ia abrir um precedente perigoso. Escusado será dizer que Luís Montenegro, o líder nacional do PSD, fez destas eleições um momento de triunfo tal que chegou a ser deprimente. Não só apareceu mais do que o próprio líder regional como ainda tentou, naquele erro clássico das eleições insulares, transpor aquela situação muito particular para a realidade nacional.
É também perceptível, diria. Montenegro luta pela vida, enquanto Passos se vai aproximando e tenta mostrar que serve para algo mais do que guiar um autocarro desgovernado pelo meio do deserto. O PSD da Madeira, em coligação com o CDS, conseguirá uma maioria absoluta se se juntar à Iniciativa Liberal, o que, a fazer fé nas palavras do deputado eleito pela IL, já deve estar mais ou menos arranjado. Montenegro deverá estar a tomar notas de como é que é possível fazer uma coligação de Governo sem o Chega, embora, a nível nacional, todos saibamos que isso não é possível.
A entrada do Chega no Parlamento regional da Madeira também é uma notícia que merece destaque. Os 12.000 votos e quatro deputados eleitos mostram que o problema do abandono escolar não se resume ao território continental. O partido continua a crescer e esse é um dado inegável e preocupante. Boa parte do eleitorado português não está contente com os problemas que a democracia já tem e vai optando por um partido que, simplesmente, não gosta da democracia na sua base. Elucidativo.
A esquerda teve, como é hábito, um mau resultado por aquelas paragens e António Costa nem deu sinal de vida. O líder regional, que ninguém conhecia, pouco mais do que exigir a demissão de Miguel Albuquerque fez, e em Lisboa, a reação ficou a cargo de um senhor chamado João Torres, que possui o cargo de secretário-geral adjunto no PS. Cargo que, até ontem, eu não sabia que existia e hoje percebo que serve, essencialmente, para aparecer quando o secretário-geral tem coisas importantes para fazer. Visto de fora, parece que o PS aceitou de bom grado oferecer a Madeira, e as restantes forças (BE e PCP) pouco mais conseguem do que manter ou recuperar o seu deputado.
A terceira força mais votada foi o “Juntos Pelo Povo” (JPP), um movimento que não se define por ser de esquerda ou direita. Portanto, uma espécie de PAN sem animais ou de IL sem “flat rate”.
O meu momento favorito da noite aconteceu quando o deputado eleito pela IL começou a gritar “liberdade”, num assomo tardio da Revolução dos Cravos. Aos poucos, eles vão percebendo o que aconteceu, o que é bom.
No contorcionismo lamentável de Miguel Albuquerque, a propósito da sua demissão, garantiu-nos que teria maioria sem o Chega e esse seria o ponto de honra que lhe lavaria a cara. Achei essa parte interessante porque mostra, no fundo, o que significa a politiquice de bastidores. E também os líderes que vamos escolhendo ao longo das décadas.
Ninguém lhe pediu que se demitisse ou não fizesse coligações. Foi ele que adoptou essa estratégia de dar um tiro no pé. Ontem, como se a moral para nada contasse, lá veio dizer que bastaria arranjar uma maioria para governar (contrariando o que o próprio tinha dito) e traçando, ali, um novo compromisso: “atenção que com o Chega nem pensar!”
Ora… isso acontece porque, como percebemos, precisava apenas o PSD de mais um deputado para a maioria absoluta e a IL servia para esse propósito. Caso contrário, teriam feito o mesmo que Bolieiro fez nos Açores: durante a campanha “Chega, nunca!”; depois dos votos contados, “o Chega até já sabe comer de garfo e faca”.
Conta o poder, a forma de o conseguir e manter. O resto, nomeadamente a palavra dada ou as expectativas criadas nos eleitores, são duas mãos cheias de nada. E já nem falo na simples e contundente honestidade, porque essa já ninguém a exige ou cobra a político algum.
A IL terá três ou quatro PPPs na mão para negociar a troco da maioria e, neste caso, não é nada que seja estranho ao PSD Madeira. Tirar ao público para entregar a diversos privados é quase um modus operandi por aqueles lados. A IL vai descobrir uma nova meca.
Daqui a 4 anos voltamos a falar. Se nos lembrarmos das eleições, claro.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Clara Ferreira Alves partiu a loiça toda numa recente presença na televisão: criticou o Portugal da balbúrdia dedicado ao Governo de António Costa. Uma fã da opção socialista, uma certificada defensora do voto à esquerda, percebe agora, de modo retumbante, a ineficácia de uma governação que nada constrói além de um jeito sexual de produzir lei.
Eles são o mete e tira, o faz e desfaz. Ontem, a TAP era um hub e uma necessidade pública, uma certeza que nos custou mais de três mil milhões. Hoje, a TAP é um presente para a privatização a 100%, mas que não renderá os investidos. Ou seja, a TAP é uma cerâmica concertada que se vende sem pagar a quem o concertou. Ou estamos perante a maior das mentiras: pagámos para concertar e ficou igual ao que estava- uma jarra quebrada, a vender na feira da ladra.
Sim, Clara, eu apercebi-me do mesmo há vários anos, e por isso me afastei do PS, que aposta nas franjas das minorias, nas decisões sem alicerces e assim cria problemas vindouros em tudo o que toca. São como leis sem regulamentos: não se aplicam apesar de existirem. A nova loucura é a questão da “mais habitação”. O Estado ladrão, dono de milhões de casas devolutas – entre os legados da CP, EDP, barragens, quartéis, hospitais, centros de saúde, escolas primárias, abandonos sem conhecimento de proprietário, muitos no centro nevrálgico de cidades – prepara-se para “obrigar” os proprietários a colocarem no mercado aquilo que herdaram ou compraram com planos bem elaborados, com organização familiar fundamentada. O ladrão invade, como sempre, a cidadania exemplar.
Mas este é o António que nos deixa com milhares de problemas para regulamentar e resolver.
Eis as matilhas que sobram das leis de proteção de animais.
Eis o roubo aos que acreditaram na mobilidade elétrica e que são vítimas do assalto dos carregadores sem ordem e sem lei.
Eis a enormidade do IVA não pago na venda de barragens.
Eis a demência do custo energético depois de se fecharem as centrais de carvão.
Eis o estado a que chegou a saúde pública, o sistema judicial e penal, o Ensino, os transportes.
Eis o ataque das minorias à língua, aos costumes, à proteção da família.
[Sim, há uma quantidade de estupidez que vai do acordo ortográfico em curso até à exigência de desnecessidades construídas para nos entreter em vez de lutarmos por salários dignos e um Estado menos Godzilla, menos King Kong.]
Este Estado tem um estômago voraz e um cu de benesses que produziu da fortuna de impostos de quem trabalha. Um regador de dádivas para os votos dos simples, dos que, por razões várias, não emigram, dos que se refugiam encostados à sombra do rendimento mínimo, dos que recebem complementos para sobreviver depois dos salários (isto é, em si mesmo, uma enormidade).
Portugal criou uma Sicília de grupos que protegem suas benesses sem controlo, sem fiscalização e, desse modo, perpétua uma Universidade maioritariamente medíocre, um sistema de Saúde cada dia mais torpe, uma justiça por onde escoam os mega-processos, onde as acusações mal fundamentadas e instruídas esbarram com a lei.
Sim, Clara, esta balbúrdia é possível porque a liberdade de imprensa e de informação acabou e se presenteiam os seguidores, os camaradas do regime. Recorde-se como um beijo em Espanha foi mais importante que seis mil milhões de impostos gastos a comprar eletricidade de centrais de carvão, mas espanholas!
Também tu, Clara, tens dito nada sobre isto, sobre o que se passa com as decisões do PAN levadas a cabo pelo PS, sobre os dados que comprovam que não morreu ninguém abaixo de 30 anos em Portugal na tal epidemia que te assustava tanto.
Também tu, Clara, não queres saber nem te queres informar. Talvez agora, quando te mandarem sair da TV, te retirarem as crónicas do jornal… recorda-te: quem se mete com o PS, leva!
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
As últimas notícias, sobre o aumento em produtos essenciais, têm feito com que a minha tensão arterial suba, os nervos fiquem descontrolados e a raiva me invada.
Sempre que algum Governo anuncia um aumento de três, ou quatro, por cento, nos salários ou nas reformas, logo aparecem responsáveis pela produção e venda de produtos de primeira necessidade a apontar para subidas vertiginosas nos produtos essenciais à nossa vida.
Hoje, a notícia é a de que o azeite deve chegar, em breve, aos dez euros por litro. Talvez mais.
Em Espanha já optaram por assaltar um armazém para roubar azeite no valor de 420.000 €.
Conseguiram mais do que se tivessem levado todo o conteúdo de um cofre bancário.
Sou um português idoso e, para aqueles que dizem que a vida, hoje, está difícil, quero garantir que este é o estado normal de Portugal desde que me conheço.
Lembro bem o saudoso Raul Solnado a queixar-se do custo de vida, em relação ao seu ordenado, que estaria longe de ser dos mais baixos:
– “Com este meu salário, e o aumento do custo de vida, passo grandes dificuldades nos últimos dias de cada mês. Principalmente nos últimos vinte e nove!”
A vida melhorou imenso nestas últimas décadas, há que reconhecer, mas é nossa sina nunca conseguirmos apanhar os países mais desenvolvidos.
E sem que consigamos estar de acordo quanto às verdadeiras razões desse falhanço.
A dimensão do país?
Mas há países muito mais pequenos e muito mais evoluídos.
As riquezas naturais?
Há países com muito menos que nós e onde os habitantes têm uma vida melhor.
Será pela capacidade intelectual dos portugueses?
Mas como, se em todos os países de referência, há portugueses em lugares de destaque e tornando os países para onde imigraram mais ricos e poderosos?
A explicação mais coerente, pelo menos para mim, é que Portugal tem sido, ao longo de séculos, mal governado.
Os portugueses consideraram, sempre, os políticos como indivíduos à procura de “tachos” e dos proveitos que poderão ter, depois de saírem do Governo (“a posta, depois da pasta”, dizia-se no tempo de Salazar).
E têm alguma razão.
Não querem é entender o porquê desta situação.
E a resposta é simples se formos analisando, friamente, o que se passa.
Portugal tem gente competente para constituir um muito bom Governo?
Resposta: “Sim, sem dúvida!”
Essas pessoas seguem essa carreira?
Resposta: “A imensa maioria, não!”
Sabemos porquê?
Resposta: “Sim. Porque consideram que os cargos de ministros, secretários de Estado, deputados, autarcas, são mal pagos e conseguem ordenados muito superiores nas empresas privadas.”
Devíamos pensar nisto.
Não pagar, a um putativo Ministro – capaz de apresentar obra, com aptidão para fazer evoluir o país, que seja competente, culto e com provas dadas na sua área – um ordenado equiparado ao que as empresas privadas lhe oferecem, optando pela solução mais barata, que é o escolher jovens acabados de sair das faculdades ou das “juventudes partidárias”, sem experiência de vida, sem cultura, sem curriculum, não pode dar bom resultado.
Apostamos na poupança imediata e perdemos, pela incompetência dos escolhidos, milhões de euros e anos de progresso a médio e longo prazo.
E o pior é que tudo isto acontece, de igual modo, nas diversas oposições.
Salvo raríssimas excepções, os líderes dos partidos fora do Governo são igualmente maus, pelo que os eleitores não têm qualquer esperança numa mudança radical, a curto prazo.
Os discursos destes são, de um modo geral, de uma pobreza atroz.
Alguém lhes terá dito que uma frase com sentido de humor é eficaz, esquecendo-se de os informar que o humor é irmão siamês da inteligência.
O resultado, muitas vezes, é catastrófico.
Montenegro, por exemplo, considerou hilariante dizer que o actual Primeiro-Ministro e o líder do Chega “são namorados e andam aos beijinhos”.
Não deu vontade de rir mas, sim, de lhe calçar uns patins a jacto que o levassem até Boliqueime para sabermos se Cavaco Silva repetiria que o rapaz está mais preparado para ser Primeiro-Ministro do que ele estava quando assumiu esse cargo pela primeira vez?
Para mim seria um empate técnico, mas espero não ter que vir a descobrir se estou certo porque isso seria sinal de que o povo português tinha ensandecido no momento da votação.
Os últimos dias têm sido penosos.
Tivemos que acompanhar o debate da Moção de Censura ao Governo, que resultou nas oposições a censurarem-se entre elas, para gáudio dos militantes do PS, ouvir a intervenção de Marcelo, dizendo que “we are bacalhau, we are caldo verde, we are cozido à portuguesa, we are vira, we are corridinho e fandango”, esquecendo-se de acrescentar “we are os idiotas da Europa” e ficámos a saber que Cavaco Silva escreveu um livro intitulado O Primeiro-Ministro e a arte de governar.
Fiquei convencido de que este país não tem cura.
Desculpem o meu desalento, mas, como sabem, eu costumo andar em contramão e, hoje, estou com os azeites.
Vítor Ilharco é assessor
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