Categoria: Opinião

  • Joana Marques & Cia., Lda: DesConfia de comediantes vendidos  

    Joana Marques & Cia., Lda: DesConfia de comediantes vendidos  


    Desdobram-se em campanhas publicitárias a marcas. Mercantilizam a sátira, o humor e os seus nomes. Beliscam poderosos, mas pouco e preferem atacar a Cristina Ferreira, o Ronaldo e o Luís Goucha. Fogem de temas tabu como o diabo da cruz.

    “DesConfiam” de “histórias inspiradoras” e de “gurus” da auto-ajuda – o mote de um espectáculo da autoria da comediante da Rádio Renascença Joana Marques. Mas não “DesConfiam” nada, nadinha, das políticas anti-democráticas em marcha, de medidas que aumentam a pobreza, financiam guerras, nem desconfiam da ganância de empresas que incentivam o consumo desenfreado. Aliás, alguns comediantes trabalham para essas empresas, como Joana Marques, que protagoniza a recente campanha sobre a Black Friday da Fnac.

    São comediantes pop, famosos e “fofinhos”, ambientados a um status quo decadente, em que a democracia definha, o jornalismo com J grande está praticamente às moscas, os músicos e artistas são facilmente comprados e a cultura de cancelamento e a censura são o normal.

    Joana Marques, humorista e guionista da Rádio Renascença em anúncios publicitários à seguradora Logo, do Grupo Generali.

    Com honrosas excepções em Portugal, como é o caso de Herman José que, ainda assim, vai “mexendo” com personalidades “intocáveis” – e que já foi censurado pela estatal RTP no passado –, a maioria dos comediantes famosos portugueses não passam hoje de bobos da corte para fazer circo e distrair as massas, “elevados” a estrelas das revistas Caras e Flash!.

    Ninguém no poder os teme realmente. Nenhuma grande indústria os ameaça com processos. Pelo contrário. Tanto entidades públicas como empresas e bancos os contratam para venderem o seu “peixe”.

    Vamos ser claros. Se és comediante e grandes empresas que vendem produtos de consumo te contratam para vender os seus produtos, então estás a falhar no teu trabalho.

    Se és comediante e uma direcção-geral te contrata para um anúncio, então não estás a ser bom no teu trabalho.

    Se és comediante e ainda não foste cancelado por ninguém, então estás a fazer um mau trabalho.

    Se ainda não tiveste um vídeo ou um podcast censurado numa das grandes redes sociais, então estás a falhar como comediante ou guionista.

    Ricardo Araújo Pereira, do programa “Isto é gozar com quem trabalha”, da SIC, é o rosto da Worten.

    Se te tratam como uma estrela pop e recebes prémios ao estilo da revista Caras, do género ‘Globo de Ouro’, então és um comediante falhado.  

    Se receberes, por fim, alguma medalha, honra ou comenda de Marcelo, então o insucesso será total, mesmo se a tua conta bancária disser o contrário.

    Pior. Se não tens sucesso como comediante (verdadeiro), e apenas és um comediante “bonzinho” e vendido a empresas, a entidades públicas, e ao establishment – que promove guerras, o consumo e a divisão –, então isso quer dizer outra coisa: fazes parte do status quo. E do problema.

    As democracias nos países ocidentais têm vindo a ser enfraquecidas pelos governos, sobretudo desde 2020, com sérios ataques às leis fundamentais. Reforçaram-se alianças entre governos e gigantes empresariais e criaram-se novas formas de censura, nomeadamente recorrendo às últimas ferramentas tecnológicas e ao acelerado mundo digital, onde motores de busca e redes sociais globais dominam o espaço de acesso a informação.

    Joana Marques, humorista/guionista do programa “As três da manhã” e “Extremamente Desagradável”, da Rádio Renascença, anunciou um espectáculo que tem segunda data agendada.

    Passou a ser normal, no mundo da Internet, se considerados não se sabe bem por que ‘forças’, a censura de desalinhados comediantes, jornalistas, académicos, cientistas, médicos, professores e artistas. Por exemplo, na pandemia foram eliminadas no YouTube imitações de ir às lágrimas de personalidades como Anthony Fauci – estratega da política covid nos Estados Unidos, que está hoje sob suspeita de ter autorizado (e tentado ocultar) o financiamento irregular de uma empresa norte-americana que conduziu investigação controversa (gain-of-function) com o vírus do coronavírus no laboratório em Wuhan, na China.

    A censura e eliminação de notícias verdadeiras e sketchs cómicos “não autorizados” pela tecno-ditadura prossegue, hoje. Já para não falar de que se tem vindo a instalar uma cultura de cancelamento, em que todos os que não alinham com o establishment são postos de lado e deixam de ter trabalho ou de ser entrevistados pelos media.

    Hoje, comediantes a sério em Portugal são avis raras. Há humoristas muito engraçados, mas limitam-se a fazer uma comédia soft, comercial, fácil e levezinha e enterram a cabeça na areia no que toca a assuntos urgentes para a democracia e o país. Brincam com coisas sérias, mas só um bocadinho. Atacam estrelas e famosos e beliscam um bocadinho alguns poderosos, mas só um bocadinho. Ah! E claro, seguem a regra número um dos comediantes que se venderam (renderam) à era do capitalismo sem alma e das políticas anti-democráticas: não se metem com temas tabu.

    Joana Marques, Nilton e Nuno Markl no Palácio de São Bento numa amena conversa com o primeiro-ministro António Costa, promovida pela Rádio Renascença em 2019. Um exemplo simbólico de como hoje, os comediantes já se sentam à mesa do poder. E riem-se com eles.

    Alguns dos famosos comediantes portugueses têm-se desdobrado, nos últimos anos, em anúncios e campanhas publicitárias. Isso nada tem de mal, se não fosse uma consequência do seu insucesso como comediantes a sério, daqueles que agitam democracias em decadência e em acelerada transição para ditaduras, como é o caso de Portugal.

    Não tem nada mal, mas se ainda não foram cancelados, nem censurados pelo status quo decadente dominante, então andam a fazer o quê? Já sei: andam a brincar. E a fazer pela vida, isto é, a ganhar dinheiro. E a entreter as massas sem beliscar o poder. São os comediantes do Regime.

    Andar a brincar não tem mal. Nem todos os comediantes têm de ficar na História como profissionais corajosos e admirados décadas a fio. Há espaço para humoristas fofinhos e amigos do poder e das grandes empresas. Mas tinham de ser tantos? Quase todos?

    No caso da humorista Joana Marques, angariou recentemente uma campanha publicitária para promover a FNAC. “Calma, jovem! A Black Friday FNAC está a chegar, mas até lá treina com os Black Deals”, diz um dos slogans com uma foto ao lado da humorista. Traz-lhe dinheiro e ajuda a espalhar a sua “marca” e imagem.

    “Só víamos a Joana Marques como cara desta campanha. Ninguém melhor do que uma das melhores humoristas do País para, de forma simples e eficaz, passar a mensagem de que na Black Friday FNAC é possível encontrar os melhores produtos aos melhores preços e sem stress”, revelou, em comunicado, Inês Condeço, diretora de marketing e comunicação da FNAC, citada pela Marketeer.

    Só esta frase da responsável da FNAC deveria deixar uma humorista como Joana Marques com vergonha.

    Além dos diferentes anúncios, incluindo vídeos, a FNAC desenvolveu, citada na Marketeer, “uma campanha essencialmente digital, utilizando canais como o Instagram e o Spotify, e ainda uma breve presença no programa As Três da Manhã, da rádio Renascença, junto ao podcast Extremamente Desagradável”.

    É uma pena. A humorista “Extremista Desagradável” – por se ter tornado conhecida pelos ataques agrestes e contundentes que lança a personalidades famosas – deita pela sanita abaixo “o menino junto com a água do banho”. Vende-se e isso nota-se. Além da campanha da FNAC, tem sido também o rosto da seguradora Logo, do Grupo Generali, Logo, que aliás patrocina o seu novo espectáculo anunciado para o Altice Arena.

    Sem surpresas, o povo inebriado, anestesiado – como numa Roma em chamas –, bate palmas a este tipo de circo amigo de Nero, e esgotou a primeira data daquele espectáculo de Joana Marques. Vai haver mais circo.

    Bruno Nogueira foi o rosto nesta campanha do Banco Montepio.

    Não surpreende que, como membro do establishment, Joana Marques tenha sido um dos ‘famosos’ que fez campanha com a DGS. “Sou adepta de futebol mas sou também agente de saúde pública”, disse num dos vídeos de “várias figuras do futebol e da sociedade [que estiveram] unidos em campanha para garantir o regresso do futebol e da Liga NOS em segurança”.

    Eis no ponto em que estamos: uma comediante a dizer que é um “agente [de qualquer coisa] pública”… A mim, nascida em Abril de 1974, ver alguém dizer “sou um agente de saúde pública” ou “sou um agente”, simplesmente, traz-me arrepios e remete-nos aos negros tempos de ditadura. Qualquer um que tenha tido aulas de História conseguiria ver os sinais. Mas muitos comediantes, incluindo Joana Marques, não viram. Não vêem. Não “DesConfiam”. Não lhes dá jeito, também. Por isso, alguns comediantes lusos alinharam com a tendência de chamar “negacionista” ou anti-vacinas” a todas as vozes consideradas “dissidentes”, não alinhadas com os comunicados de imprensa do governo na pandemia.

    Quando os portugueses mais precisaram de comediantes a sério, em geral, eles acobardaram-se (como de resto, também jornalistas, artistas, músicos) e meteram o rabinho entre as pernas. Num país pequeno como Portugal, que vive à custa da distribuição de dinheiros do Estado e das autarquias, os comediantes apenas beliscam poderosos, mas não incomodam. Nunca mordem, e sequer ladram; dão latidos. Agora nunca se metem em temas tabu que lhes possam afectar as audiências. E as receitas.

    Herman José tem sido um caso raro de humor português que não receia quebrar tabus.

    Atacar Jesus e Maomé? Na boa! Atacar celebridades, como a Cristina Ferreira? Maravilha! Jogadores de bola como o Cristiano Ronaldo? Obviamente! Agora, mexer com as políticas que de facto interessam? Mexer com a forte ameaça que os governos têm sido para a democracia? Mexer no facto de os grupos de comunicação social estarem corrompidos e o jornalismo ter sido reduzido a pó? Mexer na mortalidade em excesso e a morte inexplicada de cada vez mais jovens? Mexer na desastrosa gestão da pandemia? Mexer nas farmacêuticas, como aliás Herman José fez brilhantemente há umas décadas (a partir do 1,30 minutos)? Não! Isso não tinha piada nenhuma… para a sua conta bancária.

    Infelizmente, este cenário não é único em Portugal. Por exemplo, no caso de temas tabu da pandemia e das políticas covid, em Portugal restaram-nos alguns sketchs de Herman José, meio a medo. Lá fora, a maioria acobardou-se. O deserto de pensamento crítico de comediantes desde 2020 era tal que Charlie Chaplin ‘ressuscitou’ com o seu brilhante monólogo no final do filme “O Grande Ditador” para preencher o espaço deixado em branco pelos humoristas do século XXI em plena descida aos infernos de políticas anti-democráticas, de censura e apartheid.

    No estrangeiro, ainda assistimos a exemplos de comediantes corajosos, que abordaram temas “proibidos” durante a pandemia. Mas mesmo assim a custo. E com custos. Por exemplo, o humorista norte-americano, Jimmy Dore, só quando sofreu reacções adversas à vacina contra a covid-19, fez um stand-up elegante e brilhante sobre este tema, que então viralizou. (Curiosamente, fui rever este vídeo no YouTube para este texto e surgiu o anúncio sobre Black Friday da FNAC…)

    Charlie Chaplin no seu famoso monólogo de “O Grande Ditador”, que protagonizou o filme, estreado em 1940, antes dos Estados Unidos se envolverem na II Guerra Mundial. A película foi censurada em diversos países com regimes fascistas e levou a que os Estados Unidos, mais tarde, perseguissem o génio da comédia, acusando-o de ser comunista.

    Também o actor Woody Harrelson demonstrou ter mais coragem do que todos os Ricky Gervais deste Mundo. Num monólogo no programa Saturday Night Live, há cerca de nove meses, em apenas um minuto, obliterou o tabu em torno de fazer comédia e sátira com temas proibidos da pandemia [a partir dos 5,44 minutos], num sketch agora famoso.

    Aliás, desde 2020 deu para concluir que os comediantes dos nossos dias são “fofinhos”, porque não são nada burros. Falar de determinados temas fá-los perder mais do que ganhar. Sempre que criam uma piada têm de pensar se perdem o programa na rádio ou na TV. Se perdem o patrocínio. Se perdem o cachet para encher aquela grande sala. Se perdem as campanhas de publicidade à seguradora, à empresa de electrodomésticos, à distribuidora de café, ao detergente, àquela bebida de Verão. Se perdem a possibilidade de sair em revistas, de ser nomeados para os “Globos de Ouro”, de ficarem esquecidos por talkshows onde ‘famosos’ se auto-convidam.

    Enfim, para quê perder aquela campanha milionária da companhia de seguros só por causa de uma piada?

    Para quê perder o cachet e a oportunidade de vender electrodomésticos na Worten só para “brincar” com aquelas medidas que vão destruir para sempre a nossa Constituição e a nossa democracia? Para quê “brincar” com aqueles telejornais e jornalistas que vendem marcas de empresas e autarcas e ministros em directo na TV em espaços de informação? Para quê?

    Nuno Markl numa campanha publicitária aos detergentes Surf.

    Eles, cá em Portugal, seguem a bitola internacional. A esmagadora maioria dos comediantes fazem parte do status quo de um Ocidente em decadência, que vende por um prato de lentilhas os seus princípios democráticos, os direitos humanos, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.

    E isto porque se deixou, e eles (os comediantes) deixaram, que o cancelamento se instalasse (e houve muitos que colaboraram). E a malta tem filhas a estudar no estrangeiro. E piscinas para construir. E a cozinha para remodelar, que não é só jornalistas que precisam de remodelar cozinhas. Não há cá pão para malucos. Fazer piadas expondo as democracias a ir ao fundo? Não senhor! Os comediantes vão continuar a actuar junto com a orquestra até o Titanic afundar.

    Sem jornalistas – porque hoje a maioria faz parte do establishment. Sem humoristas dissidentes, sem artistas revolucionários, sem músicos fora do ritmo, sem cantores irreverentes, sem defensores da democracia e da liberdade de ser e de se expressar. Estamos assim com muitas ausências, e com demasiados defensores e propagandistas dos cânones das religiões da moda, cheias de crentes no wokismo mas simultaneamente fãs da uma Economia de consumo e do supérfluo… É assim que estamos.

    “A ganância envenenou as almas dos homens, barricou o Mundo em ódio, lançou-nos na miséria e no derramamento de sangue. Desenvolvemos velocidade, mas fechámo-nos em nós próprios. Máquinas que nos dão abundância e nos deixam em falta”, disse Chaplin em 1940. Disse-o num filme, com uma acutilância naquela época de horror em que um comediante, brilhante como ele, achou que um comediante tem o dever também de ir mais além em tempos perigosos.

    Ricardo Araújo Pereira num anúncio da Worten alusivo ao Natal.

    E hoje parecem-nos já tão longínquos os tempos em que comediantes colocavam os dedos nas feridas. Hoje temos comediantes que bebem no mesmo banquete daqueles que promovem políticas anti-democráticas e ambicionam a instalação de ditaduras com mãos tecnológicas e que compram facilmente os media com “parcerias comerciais”.

    Hoje, os comediantes refastelam-se no status quo para seu favor financeiro. Comem dinheiros públicos e privados à grande e à francesa, banqueteiam-se numa festa onde o motivo para a risota não é só a Cristina Ferreira ou o Ronaldo ou os tiques do Marcelo ou a voz do Moedas ou a articulação do Costa, ou as esquisitices e extravagâncias mais ou menos esotéricas de personagens das redes sociais. A piada, somos, afinal, todos nós. E eles continuam, alarvemente, como Comediantes do Regime para a risota (e descanso) do poder. Há uns séculos, nas monarquias, eram chamados de Bobos da Corte.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • TVDE: Todo o veneno desta estupidez

    TVDE: Todo o veneno desta estupidez


    O problema dos demagogos e dos “levezinhos” está num ditado popular: gato escondido com rabo de fora. Em Março, levamos às urnas a avaliação de oito anos de Partido Socialista (PS). Não está em causa o Estado democrático garantido pelas suas instituições. O Estado não é o governo de António Costa ou de Passos Coelho. O Estado é muito mais e sobrevive a todos estes actores.

    Portugal leva a votos a avaliação de oito anos de medidas realizadas pelo PS, e o exemplo dos TVDE é importante. Faz uns dias que foram fiscalizados 1.500 veículos pela GNR e PSP e encontraram-se todos os crimes expectáveis numa actividade dominada pelos erros múltiplos das políticas socialistas.

    Políticas erradas de vistos de imigração. Gente sem contratos, plataformas sem leis, gestores a roubar, carros sem fiscalização. Migrantes arrebanhados sem critério para funções para as quais são inadequados. Patrões inapresentáveis, como os de Odemira, presenças de máfias de maltratar. Todos os cogumelos brotam das decisões húmidas e pouco reflectidas, e sempre sem respaldo transversal numa maioria ao centro.

    Tudo isto seria impossível de imputar ao Governo se, em 2018, o PS não tivesse mudado a lei de 2014 de Passos Coelho, e depois se esquecesse de a corrigir e regulamentar.

    Um Governo que não ouve ninguém, como o conjunto de reflexões da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que é o regulador económico independente do Ecossistema da Mobilidade e dos Transportes – um relato exaustivo e ponderado do que se passava com a nova lei à PS.

    Depois, decidiu que a DECO também não teria razão. As declarações que aconselhavam mudanças na lei e no regime jurídico aplicável ao transporte individual de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma electrónica, bem como destas plataformas, foram para a gaveta da História.

    Ou seja, todos os que observavam e recomendavam, ou reflectiam, sobre as decisões e alterações eram contra-revolucionários, negacionistas, vindos da direita.

    António Costa

    A rusga das autoridades demonstra o que se passa em Portugal com os TVDE desde que António Costa governa. É uma recorrência nas políticas de reciclagem, nas opções da energia, nas telecomunicações, no triste SIRESP, na inominável Televisão Digital Terrestre de invenção socialista.

    Este é o pacote do PS de onde me afastei. Não é um partido conciliador, um grupo de encontro de consensos e de boas práticas, mas sim um instrumento ideológico da globalização feroz.

    Pedro Nuno Santos é ainda mais evidente como arauto desta fantasia que destruiu as Parcerias Público Privadas e assim conseguiu “fechamentos” em Loures, Vila Franca e Braga, sem arrependimento. É músico no funeral de 4 mil milhões na TAP. É o “cantautor” da balada da EFACEC. É adjunto dos 6 mil milhões derramados na energia por fechar o Pego e Sines. É um defensor acérrimo das políticas contra as forças de segurança e a favor das indemnizações milionárias de um cidadão violento no aeroporto, e de um tipo que levava o filho na carrinha dos crimes.

    O problema não está em condenar a violência e indemnizar as vítimas: está em que as mulheres de polícias mortos às mãos de assassinos, em nossa defesa, nunca viram tanto dinheiro nas suas vidas. Dois pesos e duas medidas.

    Pedro Nuno Santos

    Foi a mesma Lucília Gago que deu origem a estas indemnizações fora da caixa, que pôs agora em causa o primeiro-ministro e o Governo. Agora é uma “bruxa má” que atacou o PS. Estes demagogos perigosos devem ir para casa e aprender o que custa pagar o rendimento sobre o trabalho, o IUC, o IMI, o IRC, etc.

    No caso da operação ‘TVDE Seguro’, entre segunda e sexta-feira passadas, as autoridades fiscalizaram quase 1.500 condutores de TVDE, tendo sido detectadas, entre as diversas irregularidades, a inexistência de contratos laborais escritos, desrespeito pelos períodos de descanso e falta de licença. No total, foram registados, pela PSP e pela GNR, 569 autos de contraordenação.

    Diogo Cabrita é médico


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  • Os dias 25 da nossa vida

    Os dias 25 da nossa vida


    Vários partidos pretendem comemorar o aniversário do golpe de 25 Novembro de 1975 debaixo de enorme contestação de outros.

    Há quem diga que os ideais do 25 de Abril só foram atingidos com o 25 de Novembro e quem garanta que festejar essa data tem como único objectivo menorizar o papel histórico do Dia da Liberdade.

    Ramalho Eanes, uma das principais figuras do golpe que, a 25 de Novembro de 1975, pôs fim ao PREC (Processo Revolucionário em Curso), como ficou conhecido o período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974, que acabou com a ditadura do Estado Novo, que durou meio século, garante que esta polémica não passa de uma “trica sem interesse”.

    E acrescenta, segundo o “Público”: “O 25 de Novembro foi um momento fracturante e eu entendo que os momentos fracturantes não se comemoram, recordam-se e recordam-se apenas para reflectir sobre eles. No caso do 25 de Novembro, devíamos reflectir por que é que nós portugueses, com séculos e séculos de história, com uma unidade nacional feita de uma cultura distintiva profunda, por que é que chegámos àquela situação, por que é que chegámos à beira da guerra civil”.

    Recordemos então:

    Depois do 25 de Abril de 1974 houve uma deserção generalizada dos políticos do Regime.

    Às primeiras eleições livres concorreram vários partidos sendo que nem um se apresentava como sendo “de direita”.

    Aparecia o CDS com a definição de centrista, algo que já exigia alguma coragem, reconheça-se, mas todos os outros, PPD incluído, defendiam o “socialismo”.

    Obviamente que aqueles que se sentiam prejudicados com a perda de bens materiais (autênticas fortunas, em muitos casos) e influência política, não ficaram parados e as manifestações de desagrado, pelo caminho político que se seguia, começaram a ganhar alguma força até que, a partir de Julho de 1975, principalmente no norte e centro do país, a situação se agravou com bombas a destruírem as sedes do Partido Comunista.

    A esquerda não ficou parada e preparou-se para se defender e retaliar.

    Muitos dos seus militantes receberam milhares de armas do exército, criando autênticas milícias.

    O País vivia à beira de uma guerra civil.

    Era o “Verão Quente”.

    Os golpes sucediam-se e as Forças Armadas dividiram-se com alguns militares a apoiar a extrema-esquerda.

    A 20 de Novembro o Governo, na altura chefiado pelo Almirante Pinheiro de Azevedo, depois de ter sido “sequestrado” por trabalhadores da construção civil, na Assembleia da República, entra em greve.

    A 25 de Novembro os paraquedistas ocupam as bases de Tancos, Monte Real, Montijo e o Comando da Região Aérea, no Monsanto, em Lisboa.

    Esta revolta serviu para justificar o avanço do grupo militar dos “moderados” que, há meses, preparava um plano militar, com o total apoio do Partido Socialista que foi, sem dúvida, o grande vencedor nesse dia, para responder a um eventual golpe da esquerda radical.

    O que fez com sucesso.

    É verdade que a democracia ficou mais forte depois desse dia, mas tentar diabolizar a esquerda, mesmo a extrema-esquerda, esquecendo os ataques bombistas, os assassinatos, o terror espalhado pelos energúmenos da extrema-direita, ou por esbirros à ordem destes, é um ultraje.

    Igualmente estranho é ver, hoje, a extrema-direita a tentar chamar, para si, os louros dessa vitória sob o silêncio, envergonhado do Partido Socialista.

    Mesmo políticos pequeninos, como Carlos Moedas (espero que seja bom bailarino para não cair no desagrado dos portugueses adeptos de provérbios), colocam-se em bicos de pés em busca de protagonismo e tentando ajudar um líder antecipadamente condenado ao fracasso.

    A escolha da data foi infeliz e com intenções diferentes das anunciadas.

    Na verdade, durante 49 anos ninguém notou a falta de tal comemoração.

    Sim, graças aos acontecimentos desse dia evitou-se, provavelmente, uma tragédia.

    Só que, quem a pretende comemorar não estava, na altura, do lado de quem o conseguiu, mas bem ao contrário de quem levou ao país à beira de um confronto sangrento.

    O 25 de Novembro é uma data a recordar, sem dúvida.

    Mais com alívio do que com alegria.

    Já o 25 de Abril é diferente.

    É uma data que só os grandes podem explicar.

    Como, por exemplo, Sophia de Mello Breyner,

    “Esta é a madrugada que eu esperava

    O dia inicial inteiro e limpo

    Onde emergimos da noite e do silêncio

    E livres habitamos a substância do tempo”

    25 de Abril, SEMPRE!

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A atracção pelo ódio da extrema-direita

    A atracção pelo ódio da extrema-direita


    O PÁGINA UM achou boa ideia colocar-me frente-a-frente com um libertário, o Luís Gomes, todas as semanas, para discutirmos a actualidade em formato de podcast, O Estrago da Nação. Saiu ontem o segundo episódio dessa experiência, e um dos temas em debate, as eleições na Argentina, fez-me pensar um pouco para lá da gritaria do momento.

    Há uma regra simples para uma análise política ter o mínimo de consistência: se Trump e Bolsonaro apoiam alguém, então, em princípio, vem aí problema.

    Não é que a presidência argentina influencie o Mundo ou as nossas vidas como, por exemplo, o inquilino da Casa Branca, mas o fenómeno da subida da extrema-direita, um pouco por toda a parte, é digno de debate.

    blue and white striped flag

    Há um denominador comum na ascensão do extremismo: o descontentamento da população. Os motivos podem ser diferentes – suecos, portugueses e argentinos não se queixarão certamente do mesmo. Mas a forma populista como os políticos apresentam as suas soluções é, essencialmente, a mesma. Radical, de corte, surfando a onda das queixas daquela semana. Raramente há um plano a longo prazo ou sequer algo exequível no futuro imediato, mas a exacerbação do ódio é uma excelente forma de dividir a sociedade e de nos colocar a apontar culpados. Seja qual for o tema fracturante, entenda-se.

    Quando o Chega apareceu em Portugal, confesso, fiquei um pouco espantado com o sucesso da receita. Um homem que é a personificação do sistema (André Ventura) gritava com tudo e todos, dizendo que ia acabar com a corrupção, a pobreza, o despesismo, a pesada máquina pública. Ele, cuja função no sector privado era ajudar capitais a desaparecerem para paraísos fiscais, atropelava toda a gente com um misto de populismo, demagogia e racismo que agradou a pelo menos 1 milhão de portugueses. É obra.

    Quando o Chega apresentou o seu programa eleitoral, a primeira versão, falava em acabar com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e a escola pública, transferindo essa responsabilidade para os privados. Ao mesmo tempo que sugeriam uma taxa única de 15% de impostos, ou seja, acabando com várias prestações sociais, numa população onde 40% está no limiar da pobreza antes destas ajudas.

    Curiosamente, a esmagadora maioria dos eleitores do Chega são tipicamente pessoas da classe trabalhadora, que dependem do SNS e colocam os filhos na escola pública. Há qualquer coisa nesta relação que nunca percebi. Por mais racista que se seja, e se acabe a votar num partido sem quadros e com ideias profundamente anti-democráticas, como é que não se tiram cinco minutos neste processo para perceber que estamos a dar tiros nos pés?

    A lógica é simples: se não sou rico, não posso votar em partidos que defendem os ricos e advogam uma selva para os pobres. Boa parte da população portuguesa é pobre. Diria mais: por comparação com os países civilizados e de primeiro mundo, quase toda a população portuguesa é pobre.

    Sendo assim, como é que a extrema-direita tem tanto sucesso? Por mais que gritem contra os imigrantes ou a corrupção do actual poder, não conseguimos todos ver que o único interesse da extrema-direita é o mesmíssimo poder e a possibilidade de daí retirar os mesmos dividendos?

    Para lá chegar farão o que for necessário consoante as queixas da população. Em Portugal, durante anos, andou André Ventura a pregar contra o Rendimento Social de Inserção (RSI), uma miséria de cento e poucos euros que abrange uma franja mínima da população. Uma gota num oceano do erário público com os ciganos como chamariz. Zero impacto nas nossas vidas, mas óptimo para o grito nos comícios e nos 20 segundos da ChegaTV.

    Na Argentina, a corrupção também é um problema gigante, a inflação ultrapassa os 140%, as filas de espera nos hospitais são enormes, a taxa de desemprego é elevada e o risco de pobreza apanha 40% dos argentinos.

    E o que propõe Javier Milei? Fechar o Banco Central, reduzir o Governo, acabar com as prestações sociais, pedir dólares emprestados para deixar de usar o peso, permitir a venda de armas, legalizar a venda de órgãos, passar a escola e saúde públicas para as mãos dos privados. Em poucas palavras, pretende deixar uma população pobre à sua mercê. Sem solidariedade social e sem perspectivas de estabilidade e segurança no emprego. Um salve-se quem puder que, na visão dos argentinos, era um risco aceitável, considerando as desilusões dos Governos anteriores.

    Um pouco por toda a Europa, vamos vendo isto. Finlândia, Suécia, Rússia, Hungria, Holanda, Polónia, Itália, entre outros, converteram o descontentamento da população em assentos parlamentares para partidos xenófobos e racistas. Os líderes não são todos iguais, reconheço isso: Jimmie Åkesson (Suécia), André Ventura, Javier Milei ou Putin, são homens inteligentes. Bolsonaro e Trump são exemplos de populistas com uma ignorância confrangedora. Mas a mensagem repete-se, o sucesso é o mesmo.

    Na Escandinávia, ao contrário do sul da Europa, a discussão não se centra na corrupção ou na inflação. Muito menos no tamanho do Estado, impostos ou falta de emprego. A todos chega tudo, eu diria. O campo fértil para o crescimento da extrema-direita foram os refugiados e as ondas de migrantes. A insegurança, os problemas de integração, as guerras de gangs.

    Mesmo que a maioria desses imigrantes sejam trabalhadores e contribuam, também com impostos, para o desenvolvimento do país, pouco importam estatísticas quando existem casos pontuais que possam ser apontados. Foi assim que o SD (o Chega da Suécia) chegou ao ponto de ser a segunda força mais votada do país, com interferência directa nas decisões do Governo. A população fartou-se de quem vinha de fora e o racismo, habitualmente envergonhado e mais reservado, passou a ser assumido.

    Tal como os portugueses que dependem do SNS ou da escola pública e votam no Chega, um em cada cinco suecos, que imagino apreciem a economia do país, vota no SD (sverigedemokraterna), um partido que pede aos imigrantes que se vão embora.

    Gostava de ver os eleitores do Chega a viverem num país sem SNS e sem escola pública e, já agora, queria ver a Economia da Suécia sem a contribuição dos 20% de imigrantes que por aqui se vão esfolando ao frio. Neste edifício de 14 andares onde trabalho, julgo que ficariam pessoas suficientes para uma partida de Monopólio. Da recepção aos escritórios de engenharia, das limpezas à cozinha, vejo poucos louros. E depois das 16:00, só vejo mesmo peles mais curtidas pelo sol.

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    Entendo as queixas nos diferentes países e os problemas em realidades opostas. A saturação com a pobreza e corrupção nos países do sul ou as pinceladas de racismo nos países do norte. O que não entendo é que alguém imagine que a alternativa a partidos do Centrão (sejam mais inclinados para a esquerda ou para a direita), sejam hordas de populistas; demagogos mais preocupados em saber como assaltar o sistema do que propriamente com o bem-estar da população e o crescimento da qualidade de vida nos respectivos países.

    Há vida para lá do Centrão e da extrema-direita. Está nos livros. Esperar que as diferentes versões do Chega melhorem a vida das populações, é como beber piripiri para matar a sede. Também está nos livros, do século passado.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Gasómetro

    Gasómetro

    Algures, em incerto ano do passado século, foi-me oferecido um gasómetro dourado em miniatura. Era a Casa da Malta a querer brindar as visitas com uma homenagem aos mineiros, aqueles seres alumiando-se em modo periclitante, passo a passo, terra preta, buraco, carvão, antracite.

    Se uma luz é ajustada, diminuída, tão levemente, tão compassadamente, descendo e ensombrando a realidade, quem tenta ler letras mais pequenas, por entre o escuro, começa a duvidar da sua própria sanidade. Se uma luz é questionada, tão simplesmente, tão timidamente, por quem tenta perscrutar através da noite, o maquiavélico que manipula o gasómetro sorri, escarnece, desdenha da percepção.

    E ai ai ai – se quem duvida do gasómetro se exalta! Tremores abalarão a mina, poeiras soltam-se contra os olhos, podendo até ficar soterrado o corpo no buraco (terra preta, carvão, antracite).

    O gasómetro dourado foi viver para uma prateleira de madeira. Como lembrança de luz ajustável. Como lembrança da pouca luz que existe nos buracos mais fundos.

    É uma arte.

    Os maquiavélicos dominam essa arte.

    Reduzem muito ligeiramente a luz nos dias pares. Aumentam-na nos dias ímpares.

    E ai ai ai – se questionarmos que algo se passa com a luz; seremos loucos. Loucos! Desvairados.

    De quando em vez a alucinação é colectiva – muito embora não seja alucinação, e muito embora até possa não ser colectiva (como pode tal, não, como pode, eu sozinha pensei assim!)

    Conformem-se.

    Está toda a gente a ver. Conformem-se.

    Está toda a gente a ouvir. Conformem-se.

    Calem-se!

    Shhhhhhhu…

    Nada mais sufocante do que descer o buraco da mina (terra preta), o gasómetro a finar-se, e toda a gente a respirar no nosso pescoço. Decide, decide depressa. Não há qualquer direito a desobediência. O menino é malcriado, o menino é pequeno-burguês, o menino pertence a uma classe sem futuro histórico…

    Eu sou parvo ou quê? Quero ser feliz porra!

    O mundo envolto em redes onde todos estamos embrulhados em fios de seda invisíveis é a teia perfeita para apanhar todos os insectos que ousem nela pousar. Um pequeno vibrar no fio e a aranha desenha a geometria perfeita para enredar a nossa sanidade.

    Palavras, bonecos, regurgitações de spin doctors, factos elegantemente embrulhados em fita de cetim azul, prontinhos a partilhar, divulgar, informar. E todos correm a imitar o comportamento “declaro que não aceito que o Facebook utilize as minhas informações”, e entram na listinha algorítmica dos meigos, às vezes até dos meigos que, por momentos, duvidaram, pois que “um advogado recomendou na televisão que eu declare que não aceito que o Facebook utilize as minhas informações”, outros até que levantam sobrolho e fincam pé enquanto cofiam o bigode e entram na listinha algorítmica dos narcisos resistentes, pétalas amarelas (como o gasómetro).

    brown rocks

    Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos céus; bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados; bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra; bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos; bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia; bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus; bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus.

    Darwin ainda não existia quando os pastores proferiram estas palavras. A Natureza ainda não nos era clara ou acessível. Entretanto, de pastores e lobos o mundo ficou cheio, e as ovelhas têm de decidir, de novo, se aceitam sepultar esperanças em urnas, ou se arriscam sair do cercado.

    O mundo é um circo, um palco, um lugar comum.

    Entretanto as silhuetas de casas velhas cortam o horizonte e ocultam a fuga. Melhor esquecer o gasómetro e tactear às escuras. Seguir com o faro, com o instinto que os nossos olhos nos impedem de ver.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Javier Milei: a requentada ameaça do fascismo

    Javier Milei: a requentada ameaça do fascismo

    A Argentina está no centro da agenda mediática por causa de Javier Milei, o novo (excêntrico) presidente. Com a sua eleição neste domingo, a imprensa mainstream nacional mostrou-se mais comedida se comparamos com o retrato que lhe fizera quando candidato à primeira volta (algo que não agradou a alguma esquerda), mas vimos, ainda assim, uma tentativa de o colar à extrema-direita e de o apresentar como um perigo para aquele país sul-americano. Um pouco à semelhança do que aconteceu com Donald Trump ou Bolsonaro, nas redes sociais e nos jornais portugueses muitos reciclaram o fantasma do “fascismo” que se abateria sobre os argentinos com o resultado da eleição.

    Ora, este receio é um déjà vu; vimos levantar-se medos similares por diversas vezes no passado até se mostraram falsos. Muitas críticas poderemos apontar àqueles ex-presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, mas hoje é mais do que claro que nunca houve qualquer fundamento sólido para os receios da imposição de regimes autoritários e repressivos, com usurpação do poder. E, ainda assim, hoje há quem insista muito num mito exasperante de que alegados “fascistas” chegarão ao poder e quando tal suceder será o fim dos tempos.

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    Agora que Milei surge como uma realidade política, porque foi mesmo eleito Presidente da Argentina, ecoam vozes de ele vir a ser ‘pior’ do que Trump e Bolsonaro. E juntos! E anunciam que pior que um pavoroso fascista, é virmos assim a ter um fascista elevado ao quadrado…

    Vejamos como Milei surge no contexto político da Argentina, e como se posicionam os seus críticos. Então, por um lado, temos um país enterrado numa crise económica e social, com taxa de inflação acima dos 140% e cerca de 40% do povo vive abaixo da linha da pobreza, mas afinal será com a vitória de um assumido anarco-capitalista liberal que os argentinos está condenados? Ou seja, com o lastro de destruição deixado por políticos de esquerda – embora, já sabemos, “não era esquerda de verdade” –, há quem consiga pintar um monstro sobre quem ainda não governou.

    Não querendo defender os Governos de Trump, de Bolsonaro e, mais recentemente, de Georgia Meloni, é um facto que todos eles contrariaram a tese de que estas figuras de direita são o diabo em forma humana, o horror e desgraça das populações. Aliás, convém recordar que durante a psicose pandémica, vários políticos proeminentes da dita “extrema-direita” estiveram entre a minoria de vozes a insurgir-se contra medidas anti-covid que passaram por restrições de liberdades individuais e mesmo pela suspensão de direitos constitucionais.

    Mas os exemplos que desmontam esta oca narrativa do “fascismo” não acabam aqui.

    Ainda antes da pandemia, temia-se, entre outros cenários, que o destravado antecessor de Joe Biden começasse uma Terceira Guerra Mundial. Não deixa de ser irónico que, afinal, tenha sido com a Administração Biden – sempre vendido como sendo a todos os títulos melhor do que Trump –, que se iniciaram duas terríveis guerras ainda sem fim à vista. Contudo, incapazes de dar a mão à palmatória e não se deixando demover pelos factos, muitos ainda não alteraram em nada as suas ideias iniciais acerca de ambos os presidentes.

    Quanto ao Brasil, aqueles que dizem defender a liberdade artística e de expressão não se indignaram com a censura levada a cabo pelo Governo de Lula da Silva, e que inclui o silenciamento, por meios legais, de comediantes adeptos de humor negro, como Leo Lins. Talvez porque a liberdade que tanto preconizam apenas se aplica a certas ideias e pensamentos, sendo por isso muito condicional.

    É certo que não ser um temeroso fascista não basta para que um político mereça a nossa aprovação, mas aqueles que catalogam qualquer posição à direita do ‘nosso’ PSD como fascista deveriam repensar a sua argumentação – porque é enganosa, incoerente, e já roça mesmo a infantilidade.

    Seria mais proveitoso discutirem-se os evidentes sinais que indiciam uma democracia frágil, e tentar combatê-los. Sinais que, nos últimos tempos, crescem de forma alarmante com os partidos supostamente moderados, cujos Governos somos levados a apoiar precisamente pela sua moderação. Como se, nas suas mãos, as liberdades estivessem eternamente asseguradas, e só houvesse necessidade de despertar quando surge o papão da ‘extrema-direita’.  

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    As políticas “moderadas” trouxeram-nos ao ponto onde nos encontramos, e dizê-lo não serve para fazer apologia de políticas “imoderadas”, mas para apelar a um espírito crítico independente de rótulos superficiais e de facciosismo ideológico.

    Condenar um acto perpetrado por um político do lado adversário, e assobiar para o lado perante igual acto do nosso campo político, demonstra um tribalismo e um fanatismo que, na verdade, contamina o debate e corrói a democracia. Deixamos de falar em políticas e propostas concretas, e passamos só a trocar galhardetes clubísticos, recorrendo aos epítetos habituais como armas de arremesso.

    Posto isto, não sei se Javier Milei logrará algo de bom para a Argentina – tenho até sérias dúvidas, mesmo fazendo votos para que esta mudança radical acabe bem. Mas gostava, confesso, de ver algum decoro por parte de quem olha para um país a braços com uma inflação acima dos 140% e apenas consegue indignar-se com a hipotética ameaça da “extrema-direita”.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O câmbio de uma vida

    O câmbio de uma vida


    Perdi a conta a quantas centenas de móveis já montei, nesta vida itinerante que teimo em perseguir. O IKEA é o LEGO dos adultos. Num desses dias, recentemente, enquanto acabava um desses armários pintados à pressa, ouvia um pastor que ensaiava um discurso sobre Gaza.

    Não era um pastor daqueles que guia uma rebanho de ovelhas, e que contribui para a sociedade com uns queijitos e um ou outro ensopado. Era um pastor de pessoas. E de pessoas norte-americanas, ainda por cima. Um daqueles que grita para a congregação e os enche de pensamentos únicos, brilhantes, inovadores.

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    Parei com os parafusos e fui fazer um gin. É como aprecio melhor o disparate. Aos gritos, anunciava o ancião, representante de um deus menor, a solução para Gaza. Se os Estados Unidos estão a pressionar Israel para que se façam pausas humanitárias e se os vizinhos árabes estão tão preocupados com a vida dos irmãos da Palestina, porque não aproveitam a misericórdia israelita e, de uma assentada, trazem o maior número possível de aviões e evacuam os civis de Gaza? “Hallelujah brother!”, gritam os fiéis “rednecks” que assistiam à descoberta da pólvora. De facto, que ideia absolutamente genial.

    O que fazer em caso de invasão e genocídio? Ir embora, desocupar a terra e ir viver como refugiado para o resto da vida. Nem percebo como é que as Nações Unidas não pensaram em adoptar esta resolução de forma permanente. De uma vez, resolvia-se Gaza, o Donbass, Caxemira, Nagorno-Karabakh, Kosovo e todos os pedaços de terra disputados ou invadidos.

    Claro que a congregação de caucasianos que vibrou com o brilhantismo do pastor não acharia esta uma boa ideia se, por exemplo, os mexicanos invadissem o Texas. Mas se for lá longe, ainda por cima com árabes, enfim, toda a lógica é permitida.

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    Como os palestinianos não parecem gostar da ideia de abandonar a terra, nem os vizinhos estão interessados em engrossar o número de refugiados que por lá vive há 50 anos, vão avisando Israel que a solução passa pelos dois estados. Ou seja, a solução do problema terá de ser encontrada dentro do actual território que Israel invadiu. E enquanto se vão entretendo nestes debates, em Gaza vai-se morrendo todos os dias. 

    Passaram cinco semanas e os mortos chegam aos 14.000 do lado palestiniano. Diana Soler, uma comentadora que por norma gosto de ouvir, mesmo quando não concordo, dizia que o seu lado de humanista não permitia comparar mortos, afinal, “cada vida é única”. É uma afirmação que pretende meter no mesmo prato os 1.200 mortos israelitas e as cerca de 5.000 crianças que já foram bombardeadas em Gaza. Percebe-se o intuito, mas como sabemos, o mundo não funciona assim. As vidas não valem todas o mesmo.

    Se for um milionário num submarino a caminho do Titanic, essa vida vale, em tempo de antena nas televisões e recursos para a salvar, mais do que 500 migrantes que estejam a naufragar no Mediterrâneo. Se forem 50 palestinianos na Cisjordânia, valerão menos do que um israelita cuja casa ficou com a marquise suja com fumo de rocket. Aliás, não estaríamos há um mês a discutir a terraplanagem de Gaza se não existissem umas centenas de mortes do lado israelita, porque essa é que é a novidade. Tudo o resto é repetido. Portanto, não, as vidas não valem o mesmo. Aliás, basta pensar como seria esta dívida eterna que o Ocidente tem com Israel se os nazis tivessem mandado quatro ou cinco judeus para Auschwitz. Provavelmente, há muito que deixariam de ter apoio para invadir fosse quem fosse. Mas como Hitler aprovou a “solução final” que chegou a seis milhões de pessoas… O mundo passou a ficar com uma dívida eterna. Portanto, sim, os números contam.

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    Depois de vários dias a ver morrerem crianças que foram retiradas das incubadoras, durante o ataque ao hospital Al-Shifa, em Gaza, as IDF fizeram questão de transmitir vídeos onde mostravam mochilas de “grab & go”, com munições e armas, escondidas atrás de equipamento hospitalar.

    Não faço ideia se é propaganda ou não, mas para alguns comentadores da nossa praça, isso transformava aquele hospital num alvo militar segundo as convenções das Nações Unidas. Os mortos que por ali vão tombando, enfim, são danos colaterais. O que importa é ver se as alíneas das Nações Unidas estão a ser respeitadas. Encontraram uma mochila com uma pistola? Então toca a arrasar com mais umas centenas de crianças. Está lá no papelinho a dizer que é legal.

    O Hamas é o culpado por usar casas civis. O Hamas é culpado por ter túneis. O Hamas é culpado por não estar exposto, com néons na testa, a fazer de alvo. O Hamas, aparentemente, só não é culpado de a sua criação ter sido ajudada por Israel.

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    Faz-me alguma confusão esta discussão diária sobre a guerra em Gaza, como se dois exércitos se enfrentassem. Há tanques, aviação, porta-aviões, maquinaria pesada e todo o tipo de tecnologia de um lado. Há guerrilha, metralhadoras com mais de 40 anos e rockets do outro lado. Não é uma guerra. 

    Os mesmos que há dois anos criticam a invasão russa, são aqueles que hoje procuram leis, lógica e razões, que justifiquem o genocídio.

    Não é preciso muito para compreender. Basta, de facto, ser humanista.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os portugueses concordam: o Sebastião é um cabrão

    Os portugueses concordam: o Sebastião é um cabrão

    No mais espesso do mato, na borda de uma clareira redonda, numa espécie de buraco dos ramos entreaberto como uma alcova, estava sentada no musgo uma mulher, tendo ao seio uma criança a mamar e no regaço as cabeças loiras de outras duas a dormir. Era essa a emboscada.

    Victor Hugo

    NOVENTA E TRÊS 1873


    É mesmo um grandessíssimo cabrão, é. Quando era mais ingénua e jovenzinha já tinha incorrido no erro de meter em casa outros cabrões, mas nunca nenhum outro com uma cara de pau tamanha. Os protectores de cabrões como o meu[1] que se deixem estar sossegado. O Sebastião não se importa minimamente com os nomes que eu lhe chamo, porque nisso é tão bom estratega como o André Ventura[2]. O Sebastião sabe que o importante é todos os dias ter muita atenção, o que requer tê-la com bastante imaginação – e, nisso, o meu ganha de longe na competição ao vosso, uma vez que o meu, ao contrário do vosso, possui uma imaginação positivamente desalmada. É uma das razões pelas quais é tão bom termos cães, não é? Podemos chamar-lhes todos os nomes feios que nos apetecerem, até podemos fazer isso na praça pública, e aliás até podemos fazer isso na praça pública PARA MILHARES DE DESCONHECIDOS. Grande coisa. Os nossos cães amam-nos incondicionalmente à mesma.


    Ainda ontem, depois de um castigo verbal e metafórico horroroso, quando finalmente o deixei deitar-se ao pé de mim o Sebastião foi extremamente discreto e deixou-me ler à vontade, mas isso foi só até sentir-me ceder, ver-me apagar a luz, e já estar devidamente posicionado para o ataque[3]. Depois virou a sua barriguinha branca toda para o ar, encolheu a parte branca das patinhas o mais que pôde, suspirou, e deitou-me aquele seu olhar meigo de quem desejaria deveras algumas festinhas no peitinho branquinho de rola. Claro que é um cabrão. Eu fiz-lhe as festinhas que ele queria, disse-lhe imensas palavrinhas meigas, ele suspirou ainda mais, andou muito de bicicleta, e eu ainda fiquei a rir-me. Palavras levas o vento. E, para as nossas palavras de insulto, estão-se os cães bem a cagar. Verbo escolhido adequadamente.

    Para quem ainda não foi obrigado a saber deste pequeno detalhe nada despiciendo para a história que se segue, o Sebastião é um galhardo exemplar daquela nossa raça muito única de proporções colossais e polivalência desconcertante que faz tudo desde pastorear ovelhas a assumir a guarda de montes inteiros, o Rafeiro Alentejano[4].

    Talvez também já saibam que o Sebastião me entrou em casa com dois meses, como prenda de Natal. Ao fim da tarde de dia 24 tocaram-me à porta já noite fechada, fui abrir de pantufas e roupão, e era o meu amigo Bruno, ali do Zé Russo[5], com um ar muito sério e uma caixinha de vinho na mão.

    O gajo é taberneiro, é normal que ofereça destilados aos amigos pelo Natal, mas quando puxei a ráfia para trás o que realmente lá estava dentro era uma coisinha minúscula, absolutamente amorosa, que dormia a sono solto mas acordou logo e se mostrou prontamente muito festiva, e ainda teve quatro dias para andar por ali a arrastar a barriguinha branca pelo chão, a fazer-me rir às gargalhadas com as suas manifestações precoces de personalidade endemoninhada, e a chamar-se Maria Alice, até eu conseguir, finalmente, aterrar com ela no Veterinário, deixando para trás em total desalinho a minha pobre cama juncada de pulgas ferozes armadas até aos dentes.

    E foi assim que nasceu o Sebastião.

    Ah, defendeu-se logo o Bruno com a audiência toda a rir. No monte, no palheiro, a chover como na rua, a cadela a dormir e oito cãezinhos aos berros? Eh pá – isto agora já era uma história para a geral – vocês estão a ver o Este, e mais o Aquele, daquela vez em que Não Sei Quê? Nessas condições até os criadores os confundem. A audiência, pelos vistos toda ela conhecedora destas questões delicadas do sexo dos cãezinhos, desatou a partilhar informação com grande primor.

    Só depois de todo este circunlóquio, que aliás é uma das razões pelas quais eu gosto tanto de conversas com alentejanos, é que o Bruno ligou de repente à terra e me gritou, como se a culpa fosse minha,

    E a Menina Clarinha está a fazer o quê aqui dentro com um cão? Não viu o sinal ali na entrada? Quer o quê, que aqui o Senhor Parente vá dar parte de mim à ASAE?”

    Eu vim só mostrar-lhe o seu menino Sebastião, que o Bruno ainda nem conhecia.”

    Vá mas é chamar pai a outro e tire-me isso daqui.”

    “Isso tem nome.”

    “Isso nunca mais cá entra.”

    A verdade é que eu na altura tinha mais que fazer do que ensinar a um cãozinho que ainda precisava de andar dentro da mochila com a cabecinha de fora fosse o que fosse a respeito de nunca mais voltar a entrar no Zé Russo, mas, a partir daí, bastou sempre o Bruno bater uma vez a bota no chão e fazer um “ssssta” que eu mal ouvia para a carinha preta do Sebastião, com as duas orelhas irrequietas e a manchinha branca na ponta do focinho curioso, desaparecer imediatamente do canto da porta.

    Podia ter sido um acaso.

    Pois, não era.

    Este raio deste cão é demasiado inteligente para seu próprio bem.

    Aos três meses, depois de passar horas infindas a observar-me, presenteou-me uma manhã com o espectáculo de ir às lágrimas da sua própria conchinha. Estava deitado de lado, como eu durmo sempre, muito bem enroscado no lugar vazio à minha frente, com a cabeça na almofada livre e a parte branca das patas de frente muito bem arrumada diante dela. Espiou-me pelo canto do olho, e, como eu me estava a rir e a fazer-lhe festinhas, sem vontade nenhuma de me levantar, foi-se encostando a mim com muita diplomacia, até nos deixarmos ficar ali os dois numa grande preguiça que infelizmente não pôde durar muito. Mas ainda hoje, muito grande e já mais que castrado ou ninguém continha aquela força toda, com uma preferência nítida por se esticar todo e me recostar a cabeça por cima dos pés, ainda tem noites em que vem procurar uma horinha de conchinha. Ou este novo truque que aprendeu entretanto de pôr a barriguinha branca para cima a pedir festinhas.

    Achei que um cão que já fazia conchinhas bem podia aprender a fazer coisas mais úteis, mas ele aprendeu o quieto, sentado, e deitado tão depressa que eu entrei numa de circo e o ensinei a dar a pata, e depois a outra pata, e já agora as duas patas. Aos quatro meses era hábil em partilhar devagarinho a banana da noite comigo, dentada da dona, dentada do cão, e assim por diante – e sabia perfeitamente que a festa não começava enquanto ele não estivesse deitadinho e todo sossegadinho. Já quase a fazer cinco meses, aprendeu finalmente, de uma vez por todas, a respeitar as regras da Grande Batalha Naval que andava a dar-me cabo da paciência e a ir, sem falta, todos os dias pelas seis da manhã, fazer cocó e xixi ao terraço.

    Como o tempo passa, pessoal.

    green tree on brown field under white clouds and blue sky during daytime

    O Sebastião fez agora um ano. Como toda a gente lhe acha muita gracinha, eu, mesmo só pela gracinha, deixei-me ir na conversa fiada do dito olhar de mel e fiz-lhe uma festinha de aniversário cá em casa. Das 18 às 21 as pessoas que foram entrando e saindo cantaram-lhe os parabéns e bateram-lhe palmas, os com mais consideração trouxeram-lhe saquinhos de biscoitos para cão[6], o animal andou ali durante três horas com a minha linda écharpe vermelha a fazer-lhe um grande laçarote ao pescoço, e estava tão vaidoso que nunca a desmanchou, levou festas de toda a gente sem precisar de pedi-las, fez uma malha tão grande num dos meus melhores collants que passei grande parte da festividade personificando com grande pose a saudosa Natália Correia…

    … e, no dia seguinte, logo pela manhã, caiu-me a alma aos pés quando descobri que o meu cãozinho encantador, afinal, é igual aos outros.

    Bastou-lhe uma festinha de anos[7] para o convencer que tinha adquirido aqueles direitos que só assistem àqueles que atingem posições especiais.

    Percebeu, sem qualquer sombra de dúvida, que a partir de agora tinha a faca e o queijo na mão.

    E fez cocó dentro de casa.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] É o que há mais, como se sabe.

    [2] O que, nas actuais circunstâncias, ainda é mais arrepiante do que já o era em dias vagamente menos calamitosos mas de alertas vermelhos já previsíveis em todo o País.

    [3] Ele sabe que eu nunca resisto à posição de ataque, embora deva pensar que quem goste daquilo só pode não bater bem: todo encostadinho a mim, aquele mastodonte peludo é um saco de água quente fantástico. Em troca, deixei de ligar o aquecimento. E ele dorme por cima da colcha, como é evidente. Enfim, uma mão lava a outra. E poupa-se ne energia. Os nossos antepassados já deviam conhecer estes expedientes.

    [4] A raça, que se distingue bem ao longe pela sua lindíssima cauda toda encaracolada, tem outras características mais perturbantes como estabelecer com os donos uma amizade de autêntica parceria, que parece absolutamente incompreensível em animais que foram seleccionados para uma rotina constante de todos os trabalhos pesados que se executam ao longo de áreas enormes conservadas por meses junto ao zeno do Inverno e a seguir levadas ao forno junto ao quarenta do Verão. Já várias pessoas de muitos géneros diferentes pararam ao meu lado quando me sentei onde pude, saturada de passear o Sebastião (a inversa nunca foi verdadeira), e desataram a falar do seu recém-desaparecido bicho igual a ele[4]; e eu acredito em tudo o que oiço porque o Sebastião tem sido a prova viva de tudo o que me contam. E uma coisa que as pessoas dizem muito, com muita intensidade, é que o Rafeiro Alentejano “é um cão de um só dono.” Não adianta nada levarem-no para um monte muito verde cheio de pessoas muito amigas, com muito espaço, muita comida gordurosa, muita água, e muita coisa séria para fazer, onde ele possa ser muito feliz: se o dono morre, ou desaparece sem ninguém saber como nem para onde, o bicho transforma-se na ilustração por excelência do antigo livro infantil inglês onde o animal fiel se deita em cima da campa do falecido e se deixa morrer sem verter uma lágrima. Claro que o gosto extremamente discutível dessas ilustrações era obra humana, e não canina; o que as pessoas me dizem é que “eles ainda esperam, mas eles já sabem, já nem são os mesmos, eles em pouco tempo lá arranjam a sua maneira de ir também.”

    [5] O famoso tasco das melhores sandes de carne assada de todo o País.

    [6] Os outros tiveram outro tipo de consideração e trouxeram comes e bebes para pessoas.

    [7] Que, para um humano, seriam sete anos.

  • Nós somos os ratos do Partido Socialista

    Nós somos os ratos do Partido Socialista


    Em 1957, o fisiologista e cientista norte-americano Curt Richter realizou uma série de experiências com ratos. O seu objectivo era descobrir os efeitos do desespero e falta de esperança sobre a taxa de sobrevivência.

    No início, Curt Richter colocou os ratos em baldes de água e começou a cronometrar a sua natação frenética, pois pressentiam que se iam afogar a qualquer momento. E tinham razão: efectivamente, encontravam a morte ao final de 15 minutos de delírio coribântico.

    Na ronda seguinte, tiveram mais sorte. Quando se aproximavam dos fatais 15 minutos, eram retirados da água pelo munificente Curt Richter. Para desgraça dos ratos, após um descanso, eram atirados de novo para os seus baldes, morrendo após 60 horas, em lugar dos “breves” 15 minutos!

    Como é que os ratos conseguiram prolongar a sua energia por forma a manterem-se vivos durante tanto tempo?

    Esperança!

    Já tinham sido salvos antes e acreditavam que certamente seriam resgatados novamente por Curt Richter no último minuto. A esperança prolongava-lhes a vida!

    A História de Portugal nos últimos 27 anos assemelha-se à experiência dos ratos: de um lado, temos o Partido Socialista (PS), no papel de Curt Richter; do outro, o incerne pagador líquido de impostos português, há décadas a nadar incansavelmente, enquanto o PS lhe incute a eterna esperança: de que não porá fim ao “Estado Social”, que ele paga!, ou mesmo que o resgatará dos perigos da “extrema-direita”. A esperança serve apenas para assaltá-lo com maior violência, ao contrário de Curt Richter que assassinava pobres ratos.

    Tudo começou em 1995, com o homem do diálogo e eterno candidato a Miss Universo – agora já é possível! –, actual Secretário-Geral das Nações Unidas. Naquela altura, Portugal encontrava-se na décima quinta posição entre os actuais 27 países da União Europeia. Atrás, excepto Malta, encontravam-se todos os países que tinham saído do pesadelo comunista.

    Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 1995 medido pela Paridade do Poder de Compra (PPP) para os 27 países da União Europeia (Unidade: EUR; preços de 2020). Fonte: Eurostat. Análise do autor.

    Em 1999, o PS “ofereceu-nos” a sua primeira glória: a adesão de Portugal ao Euro. Finalmente, iria colocar-se um ponto final no regabofe das finanças públicas portuguesas. Em 27 anos, à excepção de 2019, as contas públicas estiveram sempre no vermelho, enquanto a dívida pública subiu de 55,4 mil milhões de Euros, em 1995, para 276,6 mil milhões de Euros em 2023. Em conclusão: cada cidadão, incluindo crianças e idosos, em nome do Estado, viu acrescer a sua dívida em 800 Euros todos os anos entre 1995 e 2023, num total de 21,6 mil Euros!

    No final de 2001, o homem do diálogo e eterno candidato a Miss Universo, numa reacção de “fundo moral”, abandonou-nos, dizendo-nos que vivíamos num pântano, num insuportável clima pestilento de corrupção.

    Uns meses depois, o PS oferecia-nos uma nova façanha, desta vez um escândalo relacionado com crimes de pedofilia, o que levou à prisão preventiva do Ex-Ministro do PS, Paulo Pedroso. Tivemos então dois altos dirigentes do PS, o actual primeiro-ministro – aparentemente não sairá até Março de 2024 – e Ferro Rodrigues, apanhados numa escuta que continha uma expressão grandiloquente: “…tou-me cagando para o segredo de justiça”.

    No final de 2005, o PS salvou outra vez o povo português, pela mão do Engenheiro Sócrates, que sucedeu ao homem da noite de Lisboa. Era um homem de visão e de rasgo. Tinha uma coisa maravilhosa para nos oferecer: um Plano Tecnológico. Visava “responder de vez aos problemas estruturais que têm afectado o crescimento económico de Portugal”.

    Como ficaram resolvidos tais problemas? O conspícuo engenheiro perdeu uma fulgurante carreira como vendedor itinerante de computadores Magalhães e deu-nos, em 2011, a terceira bancarrota da “democracia”. Três anos e uns meses depois, novamente no fatídico mês de Novembro, era detido preventivamente na manga de um avião no aeroporto de Lisboa a regressar de Paris. Ficámos depois a saber que tinha um amigo milionário, a quem dava instruções sobre a decoração do seu apartamento no melhor bairro de Paris, de que a sua mãe possuía um cofre com um milhão de contos e que gostava muito de livros e estantes – parece que o Vítor Escária, então seu assessor, também gosta. Até hoje, perpassa-nos uma eterna dúvida na cabeça: como converteu o milhão de contos em Euros?

    Para gerir a “recuperação” da terceira bancarrota da “democracia”, tivemos ao leme do estado o Partido Socialista 2, liderado pelo actual D. Sebastião da “direita”. O seu então ministro das finanças, em 2012, ficou celebérrimo pela expressão um “enorme aumento de impostos”. Mais um roubo bíblico em forma de castigo colectivo, com o propósito de pagar a roubalheira da casta parasitária durante os anos anteriores à falência: auto-estradas sem carros, duas auto-estradas para o mesmo trajecto, aeroportos sem passageiros, estádios sem espectadores, parcerias público-privadas ruinosas, um enxame de funcionários públicos, enfim, um sem fim de ignomínias ao nosso bolso.

    Entre 1995 e 2015, o regime “democrático” dos dois partidos socialistas lograra a perda de três lugares na ordenação de riqueza per capita dos 27 países que constituem a actual União Europeia.

    Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 2015 medido pela Paridade do Poder de Compra (PPP) para os 27 países da União Europeia (Unidade: EUR; preços de 2020). Fonte: Eurostat. Análise do autor.

    Eis que, em 2015, os ratos voltaram a ser salvos pelo PS; tivemos então o regresso dos discípulos do homem do diálogo e eterno candidato a Miss Universo; desta vez com a filha, o filho, amigos e segundas linhas do seu governo de 1995. Estava tudo preparado para um novo sucesso, mas, desta vez, atrelado a dois partidos que defendem ideologias totalitárias e regimes sanguinários. Tinha tudo para correr bem, pelo menos os órgãos de propaganda, a seu mando e pago por nós, assim nos asseguravam.

    Para não ficar atrás do nosso engenheiro, em 2017, o actual primeiro-ministro ofereceu também um plano ao país: a Economia Circular. O documento continha eloquentes linhas de orientação: “A economia circular…é uma componente da mudança necessária do actual paradigma económico (linear), cujo uso pouco eficiente e produtivo dos recursos extraídos conduz a prejuízos económicos e ambientais significativos”. Aparentemente, o objectivo era passar de linear a circular, assumindo que linear é mau e circular é bom! Até debates foram organizados a respeito, com os ratos a serem sempre assaltados para pagar a propaganda.

    Não foram apenas planos, também tivemos milhares de milhões de Euros desviados do “nosso dinheiro” para o seu bolso. Quem não se lembra dos 5 mil milhões de Euros para o banco do ex-DDT, os 3,2 mil milhões de Euros para a bancarroteira nacional, os 3 mil milhões para a CP, os 511 milhões para as inoculações experimentais que “encurralavam” o “vírus”, os 400 milhões de Euros para a Efacec, ou mesmo os milhões de subvenções para farmácias e laboratórios de análises clínicas, com o propósito de prover a população com fraldas faciais e testes inúteis durante a putativa pandemia?

    Reparem: tudo dinheiro roubado aos ratos e que nunca regressa ao seu bolso. Estas “aventuras empresariais” e “emergências pandémicas” apenas são um pretexto para desviar “o nosso dinheiro” – é assim que chamam ao roubo – directamente para os bolsos destes bandidos, nada mais.

    Além disso, os ratos também são assaltados pela impressora do Banco Central Europeu, em forma de inflação, pois a grande maioria da dívida pública é adquirida com notas de monopólio. Foi assim que o governo do PS fez o recente brilharete nas contas públicas. Em 2022, assaltou cada português em 10 mil Euros (numa família de 4 pessoas: 40 mil Euros); em 2023 serão 11 mil euros e no orçamento que o Meijengro da República deseja aprovado serão 12 mil Euros!

    Qual foi o resultado do governo liderado pelo homem que tem recebido inúmeros panegíricos pelos órgãos de propaganda, com muitos a porem as mãos na fogueira pela sua honestidade? Estamos agora na vigésima posição no conjunto dos 27 países da União Europeia, voltando a perder duas posições entre 2015 e 2022. Atenção, para a posição do carro vassoura já não falta muito. A Roménia e a Hungria estão à porta.

    Produto Interno Bruto (PIB) per capita em 2022 medido pela Paridade do Poder de Compra (PPP) para os 27 países da União Europeia (Unidade: EUR; preços de 2020). Fonte: Eurostat. Análise do autor.

    Como disse em artigo anterior, a democracia atrai sempre os piores: os mais mentirosos, os mais demagogos, os mais vigaristas, os mais manipuladores, pois apenas os indivíduos sem escrúpulos e sem currículo profissional desejam ardentemente aceder ao pote da instituição parasitária mais perversa criada pelo homem, o Estado. Assim, até podemos concluir pelo enorme sucesso português neste aspecto: elegemos há 27 anos os melhores profissionais para gerir o Estado.

    Reparem: no roubo são absolutamente imbatíveis, dado que estamos na décima segunda posição no grupo dos 27 países da União Europeia no que respeita a “receitas” do Estado (43,8% do PIB; fonte: Eurostat), enquanto em riqueza per capita estamos na vigésima posição!

    Na manipulação e na mentira são igualmente mestres. Até nos fizeram crer que o crescimento acumulado desde o final de 2015 a 2022 (100 = 2015) era fantástico, quando na verdade é medíocre; atrás de nós, praticamente apenas países muito mais ricos. Para além dos órgãos de propaganda comprados com o dinheiro do assalto aos ratos, também dispõem de avençados a lançar encómios a toda a hora.

    Crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) acumulado entre 2015 e 2022 (Unidade: 2015=100). Fonte: Eurostat. Análise do autor.

    Parece que agora o cientista será substituído, desta vez teremos um neto de um sapateiro que anda de Porsche e Maserati, que em tempos o Engenheiro do cofre do milhão de contos elogiava desta maneira: “Quero felicitar o Pedro, um grande político, ex-líder da JS…um dos melhores quadros políticos que o PS tem”.

    Vejam: está tudo garantido para que os ratos voltem a nadar de forma frenética, desta vez o Pedro irá salvar-nos da “extrema-direita”. É continuar a esbracejar e a dar às pernas!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Ministério (para o) Público

    Ministério (para o) Público


    As investigações criminais em Portugal, feitas sob a supervisão do Ministério Público, têm sido arrasadas, nos últimos anos, por dois motivos fundamentais:

    1. Perante a suspeita de um crime, os investigadores partem do pressuposto que a primeira opinião que têm é a correcta e, a partir daí, tentam que os indícios que possam encontrar se encaixem na sua teoria descurando uma busca mais racional e lógica da verdade dos factos e chegando a omitir alguns indícios que possam conduzir a “outra” versão;
    2. Para conseguirem um apoio à sua narrativa, vão passando informações a alguma comunicação social que, com grandes parangonas, a defendem e apoiam. São inúmeros os casos em que jornalistas têm acesso às buscas em escritórios e residências, operação que deveria ser secreta, chegando ao ponto de haver alguns que conseguem a proeza de aparecerem nos locais antes mesmo dos agentes e magistrados. 

    Os arguidos e os seus advogados, nestes casos, são notificados pela primeira vez já depois de terem lido nos jornais, ouvido na rádio e vendo nas televisões toda a história criada pelo Ministério (para o) Público.

    As acusações seguem o mesmo caminho, chegando à comunicação social antes de os arguidos e seus advogados a conhecerem.

    Muitas delas delirantes e facilmente desmontáveis em Tribunal.

    Mas, e os custos desta distorção da Lei?

    Os arguidos entram nos Tribunais já com o rótulo de culpados, com a obrigação de provarem a sua inocência, numa distorção absoluta do espírito da Lei que defende exactamente o oposto.

    Muitos chegam a aparecer, no dia do Julgamento, algemados, entre guardas prisionais, por estarem em prisão preventiva.

    brown wooden stand with black background

    Nada que preocupe os cidadãos que se regem pela velha máxima “se está preso algo fez porque não há fumo sem fogo”.

    Infelizmente, há.  

    Isto porque, para além da péssima qualidade de algumas investigações, os Tribunais de Instrução tendem a acreditar nelas e também são pródigos nas acusações mal fundamentadas, ou suportadas em indícios frágeis, que muitas vezes acabam por se mostrar insuficientes em julgamento, levando a absolvições.

    Muitos dirão que acaba por se fazer Justiça já que, constatando-se que os arguidos são inocentes, os tribunais os absolvem.

    Conclusão precipitada e errada já que esquecem as parangonas nos jornais, e as reportagens nas televisões, com os rostos dos acusados em grande plano, motivos mais do que suficientes para destruírem a credibilidade, o carácter e a honra dos implicados que, ainda que posteriormente sejam inocentados, serão sempre observados de soslaio já que, para os portugueses, nunca deixarão de ser culpados, “mas com a sorte de terem sido beneficiados pela brandura dos juízes”.

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    Assustador é saber que, segundo um estudo que a Direcção-Geral da Política de Justiça tornou público (foi publicado na revista “Visão” de 12 de Novembro de 2015 nas páginas 64 a 72), depois de ter analisado os Processos-Crime findos em Julgamento de 1ª Instância, entre 2007 e 2013, se concluiu que, nesses sete anos, foram acusados pelo Ministério Público, e muitos deles enviados para as cadeias em prisão preventiva, e depois absolvidos – segundo as estatísticas, “154.569, cidadãos, universo superior ao da terceira cidade mais populosa do País, Braga, com 138.000 habitantes.”

    Escreve-se naquele estudo: “As percentagens de absolvição por “carência de prova”, em processos-crime findos em julgamento de 1ª instância, em Portugal, oscilam entre 40,4% e 48% do total de arguidos não condenados, estes, na sua maioria, por desistência de queixas em crime semipúblicos ou particulares.”

    E acrescenta que houve casos em que o arguido chegou ao Tribunal “depois de dez juízes diferentes terem validado a sua prisão preventiva, até a tese da acusação desmoronar em Julgamento, como um castelo de cartas.”

    Em média, em todos os dias desses sete anos, incluindo sábados, domingos e feriados, houve 65 cidadãos que foram acusados, e muitos deles presos, para serem, passados anos, absolvidos.

    a long hallway with a bunch of lockers in it

    Como escreve o autor do texto da “Visão”, o jornalista J. Plácido Júnior estas acusações: “chegam a representar 48% do total de arguidos não condenados, quando o máximo admitido por peritos europeus é de 12%.”

    Para cúmulo, a 4 de Agosto de 2018, o Jornal “Expresso” apresentou um estudo, sobre presos preventivos, que prova que, em Portugal, em dez anos, houve 562 detidos preventivamente e que foram absolvidos em Tribunal.

    Ou seja, que houve um cidadão, por semana, durante dez anos, a ficar preso (porque os juízes consideraram não só que havia indícios fortes para o considerar culpado como, também, que nenhuma outra medida de coacção seria suficiente para que pudesse aguardar o julgamento em liberdade) e, depois, ser absolvido por não se conseguir qualquer prova da sua culpabilidade.

    Além do mais, o estudo garante que este número não inclui os cidadãos que estiveram presos preventivamente e, depois, nem sequer foram acusados.

    Provado que está, e por um Departamento do próprio Ministério da Justiça, que houve 154.569 cidadãos acusados, muitos deles presos, por erros grosseiros, ou mesmo com bases em ilegalidades, quantos dos magistrados que solicitaram e decretaram as prisões preventivas, ou redigiram as acusações, foram punidos?

    Não sei porquê, mas acho que o número deve andar próximo do… zero.

    E esta impunidade dói quase tanto como a injustiça de ver alguém com a vida destruída sem qualquer motivo para além da incompetência ou perseguição de quem o acusou de modo leviano.

    Temos um Ministério que trabalha na criação de histórias para o Público.

    Histórias que provocam ondas de indignação numa população inculta, invejosa, desejosa de criticar quem tem algum poder ou vida mais desafogada que a sua.

    Falta-nos um Ministério Público rigoroso, isento, conhecedor da Lei.

    Mas… como estão acima desta, e com o Poder de castigar quem se lhes opõe, ficarão impunes.

    Temidos, mas não respeitados. Nada que os incomode, segundo parece.

    Vítor Ilharco é secetário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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