Categoria: Opinião

  • Mas, afinal, qual é o problema da ‘cunha’? 

    Mas, afinal, qual é o problema da ‘cunha’? 


    Em tempos que já lá vão, apaixonei-me por uma gémea. Percebi logo que ia ter problemas porque nunca sabia se estava a falar com a pessoa certa. Aos 7 anos ainda não estamos despertos para os detalhes e aquelas duas irmãs pareciam, ao longe e ao perto, a mesma pessoa.

    Cheguei a escrever uma carta de amor, que não sei a quem entreguei. Só descobri 30 anos mais tarde, quando a minha avó me disse que a tinha guardado para ela. Faz algum sentido. Por um lado, era ela o meu grande amor da altura e, como é óbvio, já sabia que nada de bom chegaria com aquelas gémeas.

    Ora… Marcelo não tem uma avó como a minha e não lhe cheirou a perigo quando a versão portuguesa do The Shining lhe bateu à porta. Já poucas dúvidas restam sobre a ‘cunha’ e agora a discussão ascende a novos patamares de surrealidade. A ‘cunha’ é do Marcelo ou do Dr. Nuno Filho? Ou é do secretário de Estado que não se lembra que marcou a consulta? Ou é do médico que escreveu a nota que a consulta tinha sido a pedido? 

    O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. (Foto: Presidência da República)

    Ouvi ‘n’ discursos durante a semana tentando, sem grande sucesso, normalizar a ‘cunha’ como uma instituição portuguesa. Um deles dizia que a ‘cunha’ é tão normal e até aceitável que não devemos discutir se o Marcelo fez um jeito ao filho e se um filho fez um jeito aos pacientes. O que importa é saber, dizia este analista, se alguma criança tinha ficado para trás na lista de espera. Isto porque, sendo uma doença tão rara, até era provável não haver lista de espera.  

    Não é bem assim. Apesar de tudo, há ‘cunhas’ e ‘cunhas’. 

    Nos meus tempos de emigrante pela Escandinávia habituei-me a ouvir a seguinte frase em ambiente laboral: “vens da parte de quem?”. É normal quem contrata aceitar como boa a palavra de um amigo sobre um novo trabalhador. A ‘cunha’ é oficial. Tão oficial que empregadores futuros telefonam a empregadores anteriores para terem uma ‘prova dos nove’ sobre o trabalhador que estão a contratar. 

    Sempre achei piada a isso. Infelizmente, nunca me tocou porque fui lá parar sem conhecer ninguém, o que dá muito mais trabalho, mas ao fim de alguns anos também juntei umas ‘palavrinhas’ por pessoas que conhecia. Sempre emigrantes, sempre malta que, de facto, precisava de ajuda. Nunca ‘calões’ ou incompetentes. 

    No fundo, se um trabalhador for aprovado nas suas funções, ganha estatuto para recomendar outros. É uma ‘cunha’, de facto. Mas não prejudica ou deixa alguém para trás. Quanto muito, poupa tempo às partes interessadas. E se correr mal… pois, segue-se o despedimento e não há custos para outros que não os envolvidos.

    O mesmo com o ‘camarada’ que pede licença a 50 pessoas para passar à frente na fila do Raio-X para não perder o avião. Ou o mecânico que arranja a correia de distribuição do carro ao amigo, mas cobra como se fossem umas pastilhas de travões. O dono do restaurante que deixa o primo comer de borla ou até o rapaz das Finanças que faz um ‘jeitinho’ à vizinha do 3º esquerdo. Todos esses “desenrasca aí” do quotidiano não me chocam numa sociedade que está sempre ‘entalada’ com qualquer coisa.

    Não é bem o caso, aqui. A história das gémeas é o Visa Gold das ‘cunhas’: alguém que adquire a nacionalidade portuguesa em tempo recorde e é despachado do serviço de saúde privado – que, obviamente, não paga a factura – e aparece no Serviço Nacional de Saúde (SNS), sem qualquer espera, para receber um tratamento de 2 milhões de euros do erário público. Este caso está, um pouco, num mundo à parte.

    doctor holding red stethoscope

    Não quero saber se existiam mais pessoas na lista ou sequer se existia lista. Quero saber é se qualquer português, um daqueles que espera até morrer por uma consulta, pode ligar para a ‘Linha 24 Marcelo’ e pedir um ‘jeitinho’ para ser atendido por um médico.

    As ‘cunhas’ de 4 milhões de euros e os passaportes em 15 dias estão disponíveis para todos ou é preciso ser amigo do “Dr. Nuno, meu filho”? 

    Com o escândalo cuspido em frente aos nossos olhos, chegou o inquérito que foi nada mais do que um balão de oxigénio para Marcelo e demais envolvidos. Como sabeis, estando em investigação, eles não se podem pronunciar em público e, portanto, a coisa vai caindo no esquecimento. O mesmíssimo esquecimento que todos alegam a cada nova questão. Marcelo não se lembra do e-mail do filho, o secretário de Estado não se lembra de marcar a consulta e, por esta altura, imagino, o Dr. Nuno nem se deve lembrar quem é o pai.

    Depois, também gostava que me explicassem, de preferência vindo daqueles que defendem a “liberdade de escolha” na saúde, como é que se resolvem casos destes num mundo onde o atendimento depende da qualidade do seguro. Digam lá, ó defensores de um mundo só com saúde privada, quem é que pagaria uma factura destas? Eu digo-vos: os pais das miúdas enquanto as viam morrer. Era esse o resultado num mundo sem SNS. Mesmo para gente com ‘cunhas’ destas, agora imaginem para aqueles que não chegam ao Dr. Nuno.

    clear medical hose

    Bem podem, pois, tentar credibilizar uma ‘cunha’ escandalosa que não conseguirão. Marcelo não vai cair e até já começa a tentar lavar as mãos do caso mas, por mais que tente, levará este lastro com ele.

    Por fim, uma nota para quem defende que os mercados tudo regulam sem intervenção dos Estados. Como é que um medicamento pode custar 2 milhões de euros? Como é que governos deixam farmacêuticas vender, seja o que for, por um preço destes? Isto não é o mercado, meus amigos. É um assalto organizado e validado pelos lobbies dos mais ricos. É, na minha modesta opinião, um convite a bater à porta das farmacêuticas com o exército e entregar-lhes o novo caderno de encargos.

    Há um limite para a obtenção de capital à custa da doença e, num mundo decente, esse limite aparece vários zeros antes dos milhões.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O “quarto poder” deixou de ser poderoso. Adivinhem de quem é a culpa…

    O “quarto poder” deixou de ser poderoso. Adivinhem de quem é a culpa…

    É lamentável o estado a que chegou a imprensa em Portugal. Jornais centenários correm um risco real de desaparecer, com títulos emblemáticos, como o Jornal de Notícias, a sofrer mais um golpe brutal com o despedimento anunciado de 200 funcionários.

    Supostas peças do “quarto poder”, os principais órgãos de comunicação social do país são cada vez menos poderosos. Mas a situação crítica ainda tem margem para piorar e não se vislumbra qualquer sinal que prenuncie uma inversão da actual tendência de queda de vendas e de circulação.

    Business newspaper article

    Nada disto é assim tão surpreendente. Quando olhamos para os jornais, o que vemos? Salvo poucas (e honrosas) excepções, aquilo que o vulgo chama palha e mais palha. “Notícias” que apenas fazem eco da propaganda política, meras transcrições de discursos que, na melhor das hipóteses, são vazios e irrelevantes, quando não puramente desonestos. Por vezes, “notícias” com tons de press release de agências de comunicação. Sobre a crise política, jornais de referência titulam agora, por exemplo, que “Costa está “magoado” e questiona se hoje procuradora e Presidente “fariam o mesmo””. O primeiro-ministro coloca-se agora habilmente no papel de vítima, acolhida pela imprensa, quando na verdade apenas aproveitou o famigerado “parágrafo” para se demitir e abandonar o barco depois de o ter levado ao fundo. E a imprensa mainstream, em vez de chamar António Costa à pedra pelo lastro de destruição deixado, vê “valor-notícia” nos seus alegados sentimentos e colabora nestas tácticas de manipulação. Valerá a pena pagar por este material jornalístico?

    Já a entrevista de Costa à CNN, na segunda-feira, dispensa grandes comentários. Quando uma das questões colocadas ao principal responsável pelo estado do país é “sabe quem faz anos amanhã?” (referindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa), sabemos que o circo está montado e os palhaços somos nós. Bem que podiam ter trocado o excelso jornalista Nuno Santos pelo apresentador do ‘Alta Definição’, Daniel Oliveira, já que a tónica da conversa se coadunou muito mais com este último programa do que com uma entrevista séria e incisiva ao primeiro-ministro cessante.

    Com mais de quatro milhões de portugueses que seriam pobres sem apoios sociais, a imprensa embarca no jogo do “fáctico poder” e põe-nos a discutir minudências, enquanto somos levados para o abismo, qual Orquestra do Titanic. O debate público resume-se ao superficial e acessório, como as sondagens e o “carisma” dos líderes ou a sua falta, em vez de se centrar nas políticas de cada partido, nas suas propostas e visões para o país.

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    Nesta perspectiva, se a classe jornalística atravessa um momento difícil, parece-me evidente que os seus profissionais também fizeram a cama na qual agora se deitam – algo que ficou, aliás, bem patente na semana passada. Descendo mais um degrau na sua credibilidade, vários jornalistas consideraram de interesse público os ‘desabafos’ de Facebook do director de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria, António Levy Gomes. O médico que, recorde-se, veio a público no âmbito da investigação da TVI sobre a alegada cunha presidencial no tratamento milionário das gémeas luso-brasileiras, e assegurou que a situação não tinha sido “normal”.  

    No entanto, talvez procurando descredibilizar o seu testemunho, vários jornalistas – um triste ramalhete onde se inclui a directora da Visão, Mafalda Anjos, Rita Marrafa de Carvalho ou Fernando Esteves (que já não escrevia no “insuspeito” Polígrafo desde Janeiro passado, onde supostamente é de novo director) – divulgaram publicações feitas pelo neuropediatra na sua página pessoal, onde o médico lançava críticas inflamadas (mas legítimas numa sociedade democrática) ao Presidente da República, a António Costa e o director-executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo.

    É consternador ver outros jornalistas, numa espécie de tentativa de assassinato de carácter, a difundir as opiniões políticas de um médico que denunciou uma situação irregular e grave que envolve o Supremo Magistrado da Nação. Mas é este o calibre dos profissionais que hoje fazem a ‘nata’ da classe.

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    Domesticados e acomodados, pouco mais fazem do que reproduzir comunicados e narrativas oficiais sem qualquer contraditório, desde a covid-19 até às alterações climáticas e pregações woke, e ainda fazem tábula rasa do direito à liberdade de expressão, tentando desacreditar um delator que – escândalo dos escândalos – não simpatiza com o actual Governo e atreve-se a criticá-lo de uma forma menos “polida”, sem medir palavras.

    Enfim, diria que a catástrofe que se tem abatido sobre a imprensa mainstream é indissociável da crise de regime em que nos encontramos. É, em simultâneo, causa e sintoma da falência das instituições. E é esta convergência de factores que torna urgente uma reflexão profunda e, em última análise, uma mudança estrutural no modo como se faz jornalismo.

    Mesmo neste cenário negro, mantenho a esperança de que o jornalismo português consiga renascer das cinzas, pela mão de uns poucos que ainda são dignos de serem chamados “jornalistas”.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • PISA, covid e incompetência para dar e vender 

    PISA, covid e incompetência para dar e vender 


    Talvez seja impressão minha, mas vejo pouca discussão sobre os resultados dos testes do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) na comunicação social portuguesa. Bem sei que não temos o hábito de discutir a Educação em horário nobre, mas este tema, parecendo que não, é um pouco mais importante do que os penalties que se debatem em todos os canais informativos, três ou quatro horas por dia.

    Os testes do PISA são a medida utilizada para comparar os diferentes sistemas de educação nos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e alguns convidados, num total de 81 participantes. 

    Alunos de 15 anos são avaliados em temas como leitura e compreensão, Matemática e Ciência.  

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    O recente relatório publicado, referente aos resultados de 2022, é particularmente preocupante porque mostra um tombo enorme em quase todos os países. No caso de Portugal, há uma queda de mais de 20 pontos na Matemática, uma pequena hecatombe.

    Uma das conclusões do relatório é que a pandemia e o encerramento das escolas contribuíram para piorar os resultados. É uma consequência lógica, diria. Alunos em casa, escolas fechadas, países confinados, programas que ficaram por dar ou que foram despejados por aulas remotas. No fim, as notas mostram que há um equilíbrio nos conhecimentos entre os estudantes de 15 anos, em 2022, e os de 14, em 2018. Ou seja, em termos práticos, perderam um ano do seu percurso escolar.

    Esta é uma parte da factura da criminosa política que maior parte dos países europeus adoptaram durante a pandemia. A outra, como percebem em cada mês, é a quantidade absurda de impostos que pagam para compensar o endividamento que foi necessário para pagar salários enquanto se parava parte do sector produtivo. Ou até a destruição do SNS (Serviço Nacional de Saúde) enquanto se desviaram milhões para farmacêuticas que nunca abriram as patentes das vacinas e para laboratórios que cobravam fortunas por testes obrigatórios, ao abrigo de leis idiotas que nos condicionaram os movimentos.

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    Não sei se já estaremos no momento certo de analisar o que foram os anos da pandemia. Não sei se já podemos discutir o escândalo que foi o desvio de dinheiro dos impostos para vacinas. Não discuto a sua necessidade, discuto o financiamento a farmacêuticas pelos Estados para criar uma vacina e perceber que, durante o processo, estas nunca foram obrigadas a abrir mão das patentes. Foi nesse momento que ficou claro que a questão não era salvar vidas, mas sim rentabilizar um negócio.

    E isso foi válido para os hospitais privados que cobravam um preço absurdo por cada doente, deixando o SNS a rebentar pelas costuras.  Vimos leis que nos proibiam o mais básico dos movimentos e que geraram fortunas para laboratórios, a troco de um teste para sair de casa.

    Uma amiga, que trabalhava na indústria farmacêutica, num fabricante de álcool-gel, dizia-me que foram anos de jackpot e loucura total. Escorria dinheiro pelas paredes com a obrigatoriedade de usarmos aquela “baba” em cada sítio público onde entrávamos. No fim da pandemia e das obrigatoriedades, despediram pessoas e guardaram os lucros nos bolsos dos accionistas. Se há algo que nunca perde rumo em pandemias, guerras ou catástrofes, é o capital e os capitalistas.

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    No meio desta loucura toda, andámos a bater palmas aos enfermeiros enquanto ficávamos em casa sem pensar como é que chegava aquele salário. Ninguém quis saber do endividamento do país para ir mantendo as contas. Diziam “o que é preciso é salvar vidas, logo se vê quem paga”.

    Ora, não só não era necessário estar em casa para “salvar vidas”, isso hoje está mais do que provado (a não ser que julguem que a covid-19 foi erradicada como a lepra), como, de facto, não havia condições para pagar por isso depois. Batemos palmas ao que seria o nosso próprio empobrecimento e, hoje, é essa a realidade. Somos, de facto, mais pobres.

    Perdemos empregos, perdemos casas, perdemos poder de compra. E pior do que aquilo que fizemos aos adultos, ainda conseguimos prejudicar gravemente o percurso escolar das nossas crianças. 

    Será alguma vez julgada esta elite política absolutamente incompetente que governou a Europa nestes últimos anos?

    O primeiro-ministro, António Costa, e Ursula von der Leyen. A presidente da Comissão Europeia tem estado sob suspeita devido ao alegado desaparecimento das mensagens trocadas via telemóvel com o presidente da Pfizer, Albert Bourla, no âmbito do mega-negócio de compra das vacinas. A polémica envolve ainda o secretismo em torno dos contratos assinados com as farmacêuticas na pandemia.

    Contudo, a pandemia não justifica tudo. Há conclusões do relatório para o caso português que, não sendo novidade, deviam ser tema de debate e reflexão.

    Em Portugal, segundo os resultados do PISA, a escola ainda não atenua as diferenças entre pobres e ricos.  É mais provável que uma criança de classe média tenha melhores notas do que uma que venha de um estrato social mais pobre. 

    A isto podemos juntar um sistema de ensino onde os melhores e mais ricos são escolhidos pelas escolas privadas, deixando no regime público quem não tem outra hipótese. Acrescentem à receita alguns professores que se reformaram sem serem substituídos e uma classe – inteira, assumo – desmotivada por 10 anos de congelamento das carreiras e salários miseráveis.

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    Significa, pois, que Portugal já vinha, há anos, a desmantelar a escola pública. Tal como o Serviço Nacional de Saúde. A pandemia deu apenas a estocada final num processo que já era óbvio e perceptível há muitos anos.

    E a prova de que nada aprendemos com o caminho que nos levou ao trambolhão nos resultados do PISA está no Orçamento apresentado pelo PS, um Orçamento que alguns ainda insistem ser de esquerda. Por lá podem ver a maior transferência de sempre de dinheiro público para privados na saúde e a Educação com um dos menores aumentos, quando comparado com o Orçamento de 2023.

    Portanto, não há aqui coincidências, azares ou pandemias. Há decisões, normalmente erradas, antes, durante e depois da pandemia.

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    Por outro lado, o que é que importa, para Portugal, os resultados do PISA, a falta de conhecimento adquirido pelos nossos alunos ou até a assustadora degradação da escola pública? Grave seria se esses cérebros, no fim do seu percurso, ficassem a trabalhar em Portugal. Agora, como cortiça, vinho, azeite e miúdos com formação universitária, são produtos para despachar para o primeiro mundo, eles que resolvam o problema caso apareçam por lá dois ou três com deficiências na tabuada.

    Com tantas ofertas de mão de obra que fazemos aos países ricos, ninguém leva a mal se a produção tiver um soluço ou outro. É evitar o modelo de 2020 e esperar pela fornada seguinte. Com PISA ou sem PISA, continuaremos a educar para todos vós, enquanto esperamos a vossa visita com um moscatel e um pastel de bacalhau recheado com queijo da serra. 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Quatro exemplos de luta

    Quatro exemplos de luta


    Recentemente, numa reunião do Ministério da Justiça, ouvi o professor de Psiquiatria Miguel Xavier, coordenador nacional das políticas da Saúde Mental, a zurzir as decisões e procrastinação de Marta Temido a propósito da ineficiência e desleixo neste sector. Foi dito o que Maomé não contava dos toucinhos. “Demitam-me se estou errado”, assim protestava a gestão técnica sobre a governação. Um homem com obra conhecida na matéria, insurgiu-se diante do público de modo categórico.

    Entretanto, ouvi na televisão esta semana, António Levy Gomes, diretor de Neuropediatria do Hospital de Santa Maria – que denunciou o caso das gémeas luso-brasileiras –, a distribuir pancada em Marcelo, no filho dele e em António Costa. Para Levy Gomes, esta ‘santíssima trindade’ era toda corrida por utilização indevida, por usurpação de funções demonstrada por e neste caso.

    Acresce a isto ter-me chegado numa publicação o depoimento de Carlos Matias Ramos, ex-presidente do LNEC e antigo bastonário da Ordem dos Engenheiros, que considera que os valores apresentados pelo presidente da ANA, José Luís Arnaut, para a construção do aeroporto em Alcochete, não são verdadeiros. Homem da sociedade civil, como os descritos anteriormente, ele demonstra desde há vários anos como Alcochete é a melhor solução.

    Recordo ainda de memória os depoimentos de instituições da sociedade civil sobre criações aberrantes do Estado onde ficava patente a deriva na gestão dos problemas e as oportunidades perdidas de fazer melhor. O bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas chamava a Entidade Reguladora da Saúde a entidade de cobranças coercivas.

    Por sua vez, Santana Castilho tem escrito no Público dezenas de críticas pertinentes às políticas de Educação e demonstrado como o harmónio de decisões transporta uma ineficiência e uma incapacidade de gerir o problema.

    Enfim, há um incontável número de artigos de opinião espalhados pelos jornais que revelam a frustração dos que trabalham, e por esse método guindam a cargos de direcção, com o poder ao centro.

    As reformas estão por fazer e os protagonistas têm sido o PS e o PSD, que se intercalam na governação desde o 25 de Abril. Produzimos necessidades que nos distraem, discursos que nos retiram do essencial e que projectam obras ineficientes, mas o primordial está sempre a patinar. A verba de correcção das ineficiências nunca chega ao poder próximo e, desse modo, os que podiam fazer porque sabem, os que podiam decidir porque estão na essência do conhecimento, nunca encontram afinal respaldo na política para a execução.

    A sociedade civil não está morta, como o demonstram estes quatro seres superiores, mas está revoltada e cansada.   

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Pressentimentos

    Pressentimentos

    Acordar com um pressentimento dói nos músculos, talvez pelas corridas pela noite (assim deitados), e cada movimento que se segue anuncia-nos esses apertões, espalmados, doridos.

    Agora, ao acordar, o dia será atravessado por gestos, parece que veremos os nós orientando os nossos membros em vectores, penosos, (pre)sentimentos pesando na vontade, e transformar-nos-ão não em massa mas em mero contorno, pequena bolha articulada em diagonais e tangentes vazias.

    Person Lying on Bed Covering White Blanket

    Até o som entra como um desenho por dentro (de nós) e ficamos em pausa, (pre)sentimentos que se suspendem numa dúvida, numa hesitação sobre a realidade (acordaste verdadeiramente?), e se calhar é melhor ir já comprar velas, pois entre o gás russo, a tempestade solar e o apagão estratégico (do poder), pouco falta para uma consoada cozinhada em fogareiro; e entre isso e a sensação sobre a irrealidade dos últimos anos, das compotas trocadas na porta de entrada e da prisão domiciliária (ainda a falar nisto?). E tudo parece possível neste declínio inexorável de tudo o que se ergueu, até a reencarnação do Kissinger.

    Pressentimentos.

    Assim, como aquilo que se sinta antes de sentir, a onda de choque do soco antes do punho rasgar o caminho (vectores) em direcção ao nosso estômago. Pôr em causa tudo. Antes mesmo de acontecer.

    Consentimentos.

    Quando mesmo a nossa mente subconsciente lê os padrões em volta, os contornos, as linhas que orientam o pulsar ténue dos cubos de granito na calçada, os ritmos, as rotinas, temos uma última oportunidade para dar ou retirar o consentimento.

    Low-angle Photography of Building Showing Airplane on Skies

    O consentimento de agirem sobre nós, de coagirem contra nós, de reagirem contra (nós).

    Basta dizer baixinho lá no fundo do nosso ser, onde na verdade nunca mais ninguém chega, às vezes nem a nossa visão chega lá, mas o som chega: não consinto. E com este singelo passe de mágica, o muro fica erguido. E com este singelo reconhecimento, desse fundo do nosso ser, vai ser difícil apanharem-nos de novo; como poderiam, se agora conseguimos ver melhor, e mesmo que não saibamos sequer o que se vê, certamente sabemos que está lá.

    As palavras são a força mais poderosa em cima deste planeta. Têm mais peso que a locomotiva, mais amplitude que as asas do avião, deixam mais pegadas que todas as botas de tropa a dizimar pedras (e carne) em poeira.

    E as palavras são nossas, sempre nossas, mesmo que se escondam lá no fundo do nosso ser, e mesmo que nos embrulhem e atem os pulsos com palavras alheias, nesse fundo nós sabemos que a diferença, as nossas e as dos outros, nunca se misturam.

    Os chavões e a propaganda são contornos de diagonais e tangentes vazias, bonitinhas, rápidas de comer, mas vazias, sem digestão, sem transmutação em pedra, em sólido, em valor.

    letter wood stamp lot

    Eu, que não sou escritora, gosto muito de escritores, dizem palavras que são minhas e não lhes emprestei, mas eles pressentiram-nas por aí, em ti, em mim, em tantos de nós. Se lhes mastigo parágrafos e versos, consigo digerir, e a transmutação (em pedra, em sólido, em valor) acontece, porque lhas ouvi como som dentro de mim, aquele som que chega ao fundo do nosso ser, onde a visão não alcança, porque a luz não acontece, tarda, demora, e o tempo (sempre o tempo) atrasa-se a acontecer.

    Mas o som, invisível, que ouço e pressinto dentro da minha cabeça, quando vos leio, esse chega sempre a todo o lado, não está dependente de velocidade ou distância. Existe. Apenas.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A ‘cunha’ como instituição: “fico a dever-te uma!”

    A ‘cunha’ como instituição: “fico a dever-te uma!”


    Embora tente ser uma pessoa “moderna” tenho de confessar que o facto de ser um genuíno português, por vezes, me leva a seguir tradições que alguns estrangeiros consideram condenáveis.

    Uma delas, que me tem merecido várias críticas, é ser aficionado. Gostar de touradas.

    Outra, que agora muitos criticam, é condescender com a “cunha”.

    Tem havido algumas tentativas para acabar com a primeira, com pouco sucesso, felizmente.

    Quanto à segunda, estou tranquilo.

    two hands

    A “cunha”, mais do que uma tradição, é uma instituição no meu País.

    Não há um único português que não a use com frequência.

    A “cunha” não é, aos nossos olhos, um acto de corrupção.

    É um pedido de amigo, um “amiguismo”, uma troca de favores.

    A maioria das “cunhas” não se paga. Troca-se.

    Ninguém diz, quando consegue a “cunha”, muito obrigado.

    Diz: “Fico a dever-te uma!”.

    Isto porque, é sabido, entre amigos “uma mão lava a outra!”. Ou, de outro modo, hoje tu por mim e, amanhã, eu por ti.

    Os estrangeiros, que são pouco solidários e nada habituados a favores que não sejam pagos e de imediato, não compreendem este nosso costume.

    Claro que há diversas formas de “cunha”, desde o pedido de emprego para o filho “que acabou de se licenciar, é uma inteligência e está numa caixa de um supermercado”, à tentativa de conseguir uma “casa da Câmara”.

    Ninguém pensa pagar, com dinheiro, ao amigo que o ajude a alcançar esses objectivos.

    Fica em dívida e pronto a retribuir à primeira necessidade daquele.

    A “cunha” é, por isso, uma troca de favores.

    Por tudo o acima dito, considero muito exagerado o alarido que se tem feito ao caso das gémeas.

    De início pensei que toda a revolta vinha do facto das crianças não serem portuguesas. Depois que soube que as mesmas estavam naturalizadas, ainda que à custa de “cunhas”, fiquei do lado delas e dos pais.

    Por duas crianças doentes os pais devem fazer tudo. Mas, aqui, tudo é mesmo TUDO.

    Se há situação onde a “cunha” se justifique é esta.

    woman wearing blue V-neck short-sleeved top

    De tal modo que, no lugar deles, tentaria que esta fosse o mais forte possível.

    Foi, segundo parece, o que aconteceu.

    E, há que reconhecer, os pais foram inteligentíssimos, no percurso que seguiram.

    Falaram com uma Senhora (as mulheres nunca negam uma ajuda a uma criança doente), com Poder, nora do Presidente da República de Portugal, no sentido de conseguirem um medicamento que podia ser a solução para a cura.

    O facto deste ser caríssimo (quatro milhões de euros) não podia ser obstáculo atendendo que podia representar a sobrevivência de duas crianças.

    A Senhora falou com o marido e, todos os portugueses sabem, este só tem que obedecer aquilo que, por simpatia, chamamos “pedido”.

    O filho falou com o pai.

    O pedido de um filho raramente é recusado (principalmente se não traz custos financeiros avultados para aquele).

    As gémeas luso-brasileiras Lorena e Maitê, agora com quatro anos, receberam terapia genética em 2019 num processo polémico. Contratos de aquisição não foram sequer registados no Portal Base. Foto retirada do Instagram dos pais, denominado ameemdobro.

    Acresce que o filho é, para mais, “doutor”. Esta palavra, em Portugal, impõe respeito. Obriga a vénia. Impede o não.

    Obviamente que a “cunha” do casal brasileiro, felizmente, resultou e as crianças tiveram o seu medicamento.

    E mais umas cadeiras de rodas, e uns andarilhos.

    Tivessem pedido o Hospital e, hoje, este estaria em seu nome.

    Só que, como está provado, os pais das meninas são inteligentes e não cairiam nesse disparate.

    E não se pense que esta hipótese é inverosímil porque não seria a primeira vez que um Presidente da República meteria uma “cunha” pela entrega de um edifício público. Basta lembrar o então Pavilhão Atlântico…

    Estou, por isso, ao lado do Presidente, do Sr. Dr. Nuno Rebelo de Sousa, da Esposa deste e de todos os que permitiram a entrega dos medicamentos desde a Ministra ao médico que os administrou.

    Mais, critico veementemente todos os que, agora, para mais em época de eleições, se armam em defensores do erário público.

    Aquele que nunca meteu uma “cunha”, ou dela beneficiou, que atire a primeira pedra.

    Sei que todo este alarido não vai dar em nada.

    Se chegar a Tribunal, o que duvido, alguém meterá uma “cunha” para que seja arquivado.

    Mas incomoda, e isso é que não se resolve com qualquer “cunha”.

    A única dúvida que me fica é: que tipo de “cunha” é que o Sr. Dr. Nuno irá meter ao pai das crianças para “ficarem pagos”?

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Farense 1.1

    Farense 1.1


    Isto de ser um jornal independente, logo de parca capacidade de endividamento – o que, por norma, significa depois ter de se pagar em juros ou em ‘serviços’ –, traz como consequência problemas de agenda quando a Liga, o Glorioso e o… deixa-me ver com está ali no relvado… Farense, decidem marcar um jogo para as 18 horas, mesmo se num feriado, mesmo se santo, mesmo se em honra de Nossa Senhora de Fátima (também conhecida por Imaculada Conceição). Não dá para tudo, mesmo se o percurso entre o PÁGINA UM se faz célere em modo ‘sardinha em lata’ nas carruagens do metropolitano.

    Entre análises, leituras, edições de artigos de opinião, e um prazenteiro almoço com um dos mais consagrados ‘jornalistas de guerra’ (e outras coisas mais) da nossa praça – e sobre o qual teremos novidades em breve aqui no PÁGINA UM –, não consegui acabar o artigo sobre a Global Media, as rescisões e a desastrosa evolução das vendas dos ‘seus’ Diário de Notícias e Jornal de Notícias. Esteve quase pronto, mas ainda sem edição. Teve de ficar para este sábado.

    Lamento-me à Elisabete que não aprecio manter uma manchete no PÁGINA UM por mais de um dia. “Metes a tua crónica do Benfica”, sugere-me. “Não me parece”, respondo: “Só se suceder algo anormal, um 15 a zero; isso sim”. E aqui estou agora, portanto, esperançoso em assistir ao quimérico 15 a zero, aqui da varanda da Luz, embora milagres sejam milagres por raros serem, e por aqui já tivemos um há quase um mês com os dois golos nos descontos contra o Sporting. Melhor será que corram em vez de confiarem na Virgem.

    (além disso, entre ir buscar o ‘farnel’, subir as escadarias, passar por um colega mais ‘avantajado’ na tribuna, assentar arrais, incluindo ligar o computador à corrente, dar umas mordidas na ‘sandocha’, desta vez de paio e queijo, e escrever os três primeiros parágrafos da crónica, já se passaram 27 minutos, e o ‘melhor’ que veio foi um golo anulado por evidente fora-de-jogo do Tengstedt, mais uns habituais falhanços do Rafa)

    Deixemos a utopia, e desçamos à triste e actual realidade que é ambicionar ganhar apenas, apenas ganhar, sendo que agora, neste nosso Benfica, nem com três golos nos primeiros 45 minutos as coisas estão garantidas – o que até se mostra mais emocionante… e irritante.

    Enquanto ali em baixo se continua num rame-rame – que ‘anunciam’ os 15 golos do Benfica somente para a segunda parte –, quero deixar aqui um registo que muito me apraz, e que talvez me tenha passado desapercebido nos outros jogos: muita criançada veio à bola. Temo, porém, que a jogarmos assim, e com os tempos agrestes que se avizinham do ponto de vista financeiro – com a fraquíssima receita da Liga dos Campeões e um grande punhado de jogadores que nem à Imaculada Conceição e ao seu filho interessam –, não tenham muitas alegrias na adolescência, isto para não irmos já para umas décadas mais avançadas.

    (portanto, vamos então ter necessidade de marcar um golo em cada três minutos para os 15 a zero, já que não se conseguiu nenhum em quarenta e cinco)

    Entretanto, como o jogo esteve mesmo uma porcaria, em 17 remates nem um golo, e eu não sei quem foi o mais desastrado – se o Tengstedt, se o Rafa, se o João Mário, se o Kökçü, se o Di Maria, ou se o árbitro ou o VAR –, vou ali ao Facebook ver em quem está o nosso colunista e benfiquista Tiago Franco a desancar.

    Ora bolas! Acabou ele de escrever um post mas apenas para divulgar a sua crónica de hoje no PÁGINA UM. Sobre a Ucrânia. Vale a pena ler

    (raios!, começa a segunda parte com um falhanço incrível do Rafa; ainda ali houve uma carambola, e a bola não entra porque vai parar às mãos do guarda-redes caído… e entretanto, mais uma grande defesa do guarda-redes do Farense… isto nos primeiros três minutos da segunda parte)

    Vou pedir uma opinião por Messenger ao Tiago sobre as ‘incidências’ do jogo…

    (não sei se vale a pena… deve estar agora furibundo com o golo do Farense, por ironia marcado por um Falcão…não é o Radamel, aquele que foi do Porto e agora se arrasta pelo Rayo Vallecano, na segunda metade da tabela classificativa da La Liga)

    Enquanto aguardo pelo comentário do Tiago, e sabendo já que o mais próximo possível da utopia será ganhar agora por 15 a um, convenhamos, os meus fracos conhecimentos de bola me permitem garantir que começa a ser confrangedor assistir à ineficácia atacante deste Benfica, tudo aos repelões, passes mal medidos, centros esquizofrénicos, uma total ausência de um ponta de lança de jeito, ninguém sabe cabecear…

    (assobiadela monumental com as substituições engendradas pelo Robert Schmidt, que manda o João Neves para o banco, além do Tengstedt, por troca com Musa e Gonçalo Guedes… acho que o alemão se está a candidatar à indemnização por despedimento)

    O Tiago, entretanto, assegura-me que o João Mário e o Morato fazem uma ala esquerda que não entrava sequer na equipa do Carcavelinhos, que convém dizer ganhou o Campeonato de Portugal na época de 1927/28 e foi extinto em 1942. E diz-me também que o Tengstedt nos marcou o golo mais caro – o 2-1 contra o Sporting –, presumo que por assim ir jogar muitas mais vezes e falhar ainda mais.

    (goloooooooooooooooooo!!! Rafa!!! Ao décimo remate marca… grita-se Glorioso SLB, julgo que os mesmo que vaiaram o Schmidt há minutos)

    Só faltam agora 14 para o 15 a um… Ou mais um para vencermos à rasca. Pergunto ao Tiago, por Messenger, se está esperançoso. Diz que sim: “Golo do Guedes”, que posso ir escrevendo isso mesmo, e mais se lamenta pelas perdas de tempo.

    (por agora estamos com 88 minutos de jogo, mas com tantas perdas de tempo, os descontos só podem ser uns 10 minutos)

    Portanto, aqui temos mais uma crónica atípica, com o Benfica a deixar o escriba nervoso, e a querer assistir a mais um milagre… Assim, deixo desta vez a sorte ou a desdita do Glorioso nas mãos da Imaculada Conceição nestes… sete minutos de desconto concedidos pelo árbitro. ‘Hora’ para me concentrar, ou pior, minutos para me concentrar. Ou rezar.

    (um desperdício do Musa incrível!!!)

    (e mais outro falhanço, desta vez no fim da festa, nem sei bem de quem; apenas sei de alguém com falta de jeito)

    E pronto: não houve milagre. O Tiago manda entretanto dizer que “este alemão dá-me vontade de partir coisas”. Fica dito. E eu mal visto, porque meti-me em ‘caganças’ com o 15 a zero, e sai-me um empate destes, com o Benfica a rematar 14 bolas à baliza e outras tantas para fora…

    E aquilo que me custa mais é saber que isto não é azar: é aselhice. Mas como o masoquismo faz parte da vida de um adepto, e eu quis armar-me em cronista da bola, levo com estes miseráveis jogos, e ainda tenho de escrever sobre eles. Bem feito… para aprender a dedicar-me, aqui no PÁGINA UM, apenas àquilo que sei: o jornalismo.

    Portanto, até daqui a três semanas, quando voltar a escrever nova crónica que, assim espero, venha a titular Famalicão 15.0… Haja esperança! De milagres, claro.

  • Ucrânia: o final anunciado

    Ucrânia: o final anunciado


    Um dos enormes problemas de ouvir especialistas cegamente é o risco de desligarmos o cérebro e deixarmos que outros pensem por nós. Alguns desses especialistas dizem-nos, há dois anos, que o conflito na Ucrânia se resolveria dentro do campo de batalha, assim os Estados Unidos e a Europa não cessassem com as remessas de dinheiro e armas.

    A minoria que defendia o contrário, que a diplomacia era a única solução, foi apelidada de “putinista”. Não sei se se lembram, eram os “negacionistas” deste tempo.

    Não era importante olhar para a História dos últimos 100 anos e dos conflitos onde a Rússia participou. Não era importante compreender a capacidade militar da Rússia e a sua produção própria. O que realmente interessava era vender uma narrativa que, com o apoio certo, os ucranianos conseguiriam vencer esta guerra.

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    Membro das forças especiais ucranianas. (Foto: D.R.)

    Lembram-se dos “game changers“? Eram os leopard, as armas de longo alcance, os F16, as antiaéreas. E mais dinheiro. Rios de dinheiro que fossem aguentando os serviços e mantendo a economia de guerra a funcionar.

    Depois, apareceram as sanções, a Rússia isolada, o mundo do lado da Ucrânia. Ao fim de algum tempo percebemos que a Índia comprava o petróleo que a Europa não queria, o Irão fornecia armas, a China escolheu o parceiro de sempre. Por África ninguém queria saber da Ucrânia e, mesmo no seio da União Europeia o apoio nunca foi unânime. Mas diziam-nos que os russos estavam sós.

    Depois, foi a história da indisciplina no exército russo. Criaram-se heróis ucranianos que abatiam pelotões inteiros, pilotos que arrasavam os adversários. Os russos tombavam como patos, de mal preparados e equipados que estavam. Numa das chamadas russas de novos soldados, Zelensky disse: “podem vir para a vossa morte certa”.

    Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia

    No terreno, contudo, a realidade mostrava outra coisa. Os russos não arredavam pé nem perdiam posições. A carnificina era grande, de um lado e de outro, mas quilómetro para a frente, metro para trás, a situação ficou num impasse.

    As vozes dos falcões da guerra disseram-nos que a contraofensiva do Verão é que ia resolver tudo. Veio mais uma injecção de dinheiro, mais armas e esperaram que o terreno ficasse seco, para os carros de combate passarem a lama.

    Começou a contraofensiva e, aos poucos… nada aconteceu. Mais uns milhares de mortes, que já ninguém conta, e, no essencial, os russos acabaram a recuperar terreno. Portanto, tal como no início, ninguém os tirou do Donbass ou da Crimeia. Aquilo que os “putinistas” dizem há dois anos para justificar a necessidade de negociar. Já não sei quanto textos escrevi sobre este tema aqui, no PÁGINA UM.

    peace, ukraine, peace sign

    Hoje, perante o fracasso óbvio das investidas ucranianas, as vozes vão-se reduzindo. Uns desviam o foco para Gaza e trocam a pele de defensores dos invadidos para passarem a defender o invasor. Enquanto outros, como Isidro Pereira, Helena Ferro Gouveia e José Milhazes, vão gritando que ninguém se pode esquecer da Ucrânia e, já agora, dos empregos que isso lhes garante há dois anos.

    O problema é que o dinheiro acabou. E as armas também. Nos Estados Unidos, 60.000 milhões de euros foram barrados pelos republicanos no Senado americano e, na União Europeia, vários Estados-membros recusam-se a enviar mais armas. Ou seja, a cortina está a fechar e não vai haver “encore“.

    Entre 50% e 60% da opinião pública norte-americana não concorda com apoio a guerras (Taiwan, Israel e Ucrânia), portanto, a política interna ganha sempre às promessas externas. Há umas eleições para ganhar.

    Dice with Letters on a Map

    Assim sendo, 250.000 mortes depois, com um país arrasado e o mesmo território ocupado, os ucranianos começam a ficar por sua conta. O papel de desgaste das forças russas, que lhes fora confiado pelos aliados, está cumprido e agora, enfim, que comecem as negociações quando quiserem porque, tal como todos já sabíamos desde 2022, os russos por norma não regressam de um cenário de guerra com as mãos a abanar. Julgo que também escrevi isto aqui há mais de um ano.

    Esta é uma história em que todo o Ocidente escreveu o final poucos minutos depois de ter começado. Todos sabíamos. Todos não, os ucranianos acreditaram mesmo que alguém quis saber da sua integridade territorial.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Farmacêuticas: um negócio corrompido

    Farmacêuticas: um negócio corrompido


    Nas últimas décadas, temos assistido a um crescente poder da indústria farmacêutica. Há cinquenta anos, éramos provavelmente inoculados à nascença com três ou quatro vacinas (poliomielite, difteria, tétano…), enquanto hoje seguramente as nossas crianças são vacinadas com mais de dez (Tosse Convulsa, Haemophilus Influenzae b, D. Pneumocócica, Sarampo, Rubéola, Parotidite Epidémica, Rotavírus, Varíola, Difteria, hepatite b, Tétano, Poliomielite…), com tendência a serem cada vez mais.

    Até à putativa pandemia, ninguém contestara o processo de aprovação de muitas das vacinas, em particular o facto de a maioria dos ensaios clínicos realizados para a sua aprovação utilizar um grupo vacinado com uma substância activa, em lugar de um placebo; a este respeito, pode ser consultado o livro “Turtles All The Way Down: Vaccine Science and Myth”, onde constam milhares de ligações aos documentos de aprovação pelos reguladores.

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    O agora candidato à presidência dos Estados Unidos, Robert F. Kennedy Jr., e sobrinho do antigo presidente John Kennedy, também tem alertado o público a este respeito, exigindo que os ensaios clínicos que suportam as aprovações das vacinas sejam realizados com a utilização de um grupo placebo.

    Mas o verdadeiro poder desta indústria foi-nos dado a conhecer a partir de 2020. Veja-se o que aconteceu com a aprovação da vacina da Pfizer para a covid-19, suportada em ensaios clínicos com a participação de 44.047 pessoas, em que 22.026 foram inoculadas com a substância activa e 22.021 com um placebo (ver página 43 do documento).

    No grupo dos vacinados ocorreu uma morte por covid-19, enquanto no grupo placebo ocorreram dois óbitos covid-19 (ver página 219 do documento). Conclusão: são necessárias 22 mil inoculações com a substância activa para salvar uma pessoa de falecer de covid-19.

    Na mesma página 219, também podemos constatar que faleceram 15 pessoas no grupo vacinado e 14 no grupo placebo, bem revelador de uma eficácia e segurança medíocres; no entanto, passados alguns meses, os resultados foram ainda piores, pois o regulador norte-americano, a FDA, informou-nos do seguinte: “Desde a Dose 1 até a data de corte, 13 de março de 2021, houve um total de 38 mortes, sendo 21 no grupo vacinado e 17 no grupo placebo”. A diferença passou de uma morte para quatro mortes desfavorável à vacina da Pfizer. É assim incompreensível que tal vacina tenha sido aprovada.

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    Este crime contra a humanidade ainda se tornou mais gritante com as últimas notícias. Recentemente, o regulador europeu, a EMA, ‘congénere’ europeia do Infarmed, numa carta-resposta a perguntas dirigidas por membros do Parlamento Europeu, informava-nos do seguinte:

    • “…as vacinas contra a covid-19 não foram autorizadas para prevenir a transmissão de uma pessoa para outra.”;
    • “Uma vez que uma grande percentagem da população em geral tomou as vacinas, é de esperar que haja muitas notificações [efeitos adversos] ocorridas durante ou logo após a vacinação.”
    • “Chama-se a nossa atenção para os riscos de miocardite e pericardite, que a EMA avaliou e descreveu na informação do produto. Todas as informações de segurança devem ser consideradas cuidadosamente antes de administrar ou recomendar a vacinação.

    Em primeiro lugar, ficámos a saber que a classe política europeia, apesar de ter sido informada pelo regulador de que as vacinas contra a covid-19 não tinham sido autorizadas para prevenir a transmissão, decidiu criar duas classes de cidadãos: vacinados e não vacinados. Para tal, decidiu emitir um ‘passaporte nazi’, mais conhecido pelo Certificado Digital Covid. Milhões de pessoas foram discriminadas e impedidas de entrar em locais de lazer (cafés, restaurantes, ginásios), de viajar, de se deslocar, violando-se os seus mais básicos direitos; tudo perpetrado com a perfeita consciência de que eram medidas suportadas na mais despudorada mentira, por forma a coagir milhões de pessoas à toma de uma substância experimental, com a promessa de uma vida normal.

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    Em segundo lugar, venderam-nos a ideia que uma pessoa apenas estava vacinada 14 dias após a inoculação, não seguindo a recomendação do regulador, isto é, de que os efeitos adversos devem ser monitorizados no momento da inoculação e imediatamente a seguir. Desta forma, tivemos muitos óbitos de falsos “não vacinados” e estatísticas distorcidas, num acto consciente de manipulação da opinião pública.

    Em terceiro lugar, o atropelo de um direito fundamental: o consentimento informado. Qualquer cidadão deve ter poder de decisão sobre o seu corpo. Deve ser previamente informado das consequências para o seu corpo de um eventual diagnóstico, tratamento, cirurgia ou inoculação, podendo-se recusar e não ser prejudicado por isso.

    Não foi o que aconteceu: as autoridades não nos alertaram, por exemplo, para as miocardites e pericardites causadas pelas vacinas covid, tal como indicado pelo regulador. Mais criminoso se tratou quando nos sujeitaram à propaganda mais abjecta, com um único propósito: forçar a vacinação de crianças para uma doença que não representava qualquer risco para este grupo etário.

    Todo este ambiente de terror, pavor, medo e discriminação a que assistimos nos últimos anos teve um único objectivo: proporcionar um negócio gigantesco de milhares de milhões de euros. Apenas no caso da Pfizer, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, negociou um contrato de 35 mil milhões de euros por 1.800 milhões de doses (cerca de quatro doses por cidadão europeu a 19,4€ por dose)!

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    A indústria farmacêutica até tem o nosso melhor traficante de influências, agora mais conhecido por lobista, à frente da GAVI (Aliança Global de Vacinas e Imunização), a dizer-nos que: “a preparação para uma pandemia não pode esperar”! O último negócio foi tão suculento que temos de partir para outra rapidamente.

    Neste contexto, aos nossos olhos, parece que toda a classe política, autoridades e reguladores parecem estar “comprados” pela indústria farmacêutica. Pior: atropelos à nossa lei fundamental, pessoas impedidas de ir trabalhar, pequenos negócios arruinados, crianças impedidas de ir à escola – os recentes resultados PISA espelham bem este descalabro –, idosos abandonados e sem visitas dos seus familiares, efeitos adversos das vacinas, mentiras escabrosas com o intuito de manipular, excesso de mortalidade, parecem não preocupar ninguém, não há vontade de qualquer discussão pública.

    Esta crise teve a sua origem, uma vez mais, na organização mais perversa criada pelo homem: o Estado. A criação artificial de direitos de propriedade foi a responsável por este embuste que vivemos nos últimos anos.

    Antes de mais, importa definir o que é um bem: (i) tem de existir uma necessidade humana; (ii) as propriedades do bem permitem a satisfação da necessidade; (iii) os humanos devem ser conhecedores dessa relação causal; (iv) tem de existir capacidade de comandar esse bem para a satisfação dessa necessidade.

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    Por outro lado, existem duas categorias de bens: (i) económicos e (ii) não económicos. No caso dos primeiros, a procura é sistematicamente superior à oferta; no caso dos segundos, ocorre precisamente o contrário. A título de exemplo, o petróleo é um bem económico, enquanto o ar é um bem não económico, pois existe em abundância, a razão de não ter preço, ou seja, não temos necessidade de o economizar na satisfação das nossas necessidades.

    No caso do petróleo, há séculos não era um bem económico; por exemplo, muitas áreas ricas em petróleo na Venezuela não tinham qualquer valor agrícola; por outro lado, não havia a associação entre a sua queima e a produção de energia, nem tão pouco tecnologia para o extrair (comandar). O aparecimento do motor a combustão veio alterar por completo esta realidade.

    Vamos agora ao caso das ideias e tecnologia. A ideia de como produzir uma roda pode ser utilizada infinitas vezes, ou seja, não é escassa. O mesmo acontece com a fórmula para produzir uma vacina, trata-se de um conjunto de instruções de como realizar um processo de fabricação. Não se trata, como anteriormente explicado, de um bem económico.

    Tornar uma ideia ou tecnologia escassa pode acontecer de duas formas. O seu detentor pode-a “esconder”, criando, desta forma, um mercado para esse bem; isso é o que por exemplo acontece com os documentos de research da banca de investimento: apenas logro descarregar esse documento mediante uma subscrição mensal. A segunda forma, é utilizar o poder coercivo do Estado, os tribunais e os registos de propriedade industrial. É o caso das patentes, dos direitos de autor e dos monopólios durante um período após a aprovação de uma vacina.

    man in blue jacket wearing blue mask

    Reparem: trata-se de uma agressão do Estado à propriedade privada. Vejamos o exemplo dos direitos de autor: significa que alguém está a condicionar como uma editora, que não comprou os direitos de autor, pode utilizar de determinada forma a sua “tinta” e o seu “papel”. No caso de uma farmacêutica que não tenha a sua fórmula aprovada pelo Estado para produzir uma vacina covid-19, não pode utilizar as suas fábricas e os seus técnicos para a produção de acordo com essa patente.

    Os promotores desta nova agressão à propriedade privada dizem-nos que a criação artificial de direitos de propriedade sobre uma ideia ou tecnologia, que não são bens económicos, incentiva a inovação, pois os detentores da aprovação sabem que podem estar anos sem nenhum concorrente a incomodá-los, extraindo todo o lucro possível da sua invenção durante um dado período.

    Todavia, estudos realizados demonstram isto ser uma completa falácia (The Case Against Patents): “O argumento contra as patentes pode ser resumido brevemente: não há provas empíricas de que sirvam para aumentar a inovação e a produtividade, a menos que a produtividade seja identificada com o número de patentes concedidas – o que, como mostram as evidências, não tem correlação com a produtividade medida.” Na mesma obra, explica-se que em 1983, existiam mais de 59 mil patentes nos EUA, enquanto em 2010 existiam mais de 244 mil patentes, ou seja, quadruplicaram, enquanto a produtividade cresceu pouco mais de 20% para o mesmo período.

    a pair of scissors and a roll of money on a table

    Além disso, a humanidade viveu séculos sem leis de propriedade sobre ideias e tecnologia, sempre criando invenções, obras de arte, literatura sem paralelo. Muitos saltos tecnológicos foram dados a partir de aperfeiçoamentos de novas invenções, agora impedidos por este tipo de leis. Os promotores deste intervencionismo estatal esquecem-se dos aspectos negativos desta legislação: a completa corrupção da indústria abrangida.

    A indústria farmacêutica, ao saber que pode eliminar qualquer concorrência com as autorizações estatais, apenas tem uma única preocupação: contratar advogados e lobistas, influenciar ordens profissionais, políticos, reguladores, comprar “boa imprensa”, etc. O consumidor passou a ser relegado para segundo plano.

    Tomem nota: em quatro décadas lograram criar uma máquina de extorsão de recursos públicos, através da inclusão de mais e mais inoculações nos planos vacinais. Basta um selo estatal para garantir a venda; por essa razão, não existe qualquer preocupação com o consumidor. A qualidade e a segurança do produto ficam para depois. O importante é comprar os órgãos de propaganda, os políticos e os médicos. Vimos o que se passou durante o embuste dos últimos três anos.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O pai do Doutor Nuno

    O pai do Doutor Nuno


    Não sei se vocês ainda param para ouvir declarações de políticos à hora do telejornal. Para mim tornou-se um relato noticioso de assunto corriqueiro, quase um rodapé daqueles que hoje se reserva para o Donbass e, daqui a poucos meses, para Gaza. 

    Dito isto, aqueles trinta minutos em que ontem Marcelo tentou transformar uma cunha num momento de Provedor dos Doentes foi ligeiramente deprimente.

    Marcelo, o prodígio que lia 20 livros por semana para os apresentar ao domingo na TVI, que nunca dormia, que nadava no Tejo, que aparecia em qualquer cenário de crise antes de lá chegar a CMTV, que escrevia com as duas mãos, passou ontem a ser um velhinho frágil, confuso, sem memória.

    Quem é que se lembra de um e-mail, entre milhares, de há quatro anos a esta parte? Ninguém. A não ser que seja um pedido de cunha de um filho para um tratamento de milhões. Nesse caso, não só uma pessoa se lembra como até mete o e-mail naquela pasta do “não esquecer de limpar o rasto”.

    Há momentos desta jovem democracia portuguesa em que não percebo como estes actores políticos, com muita tarimba (até porque são sempre os mesmo década após década) e mais rodagem, se submetem ao ridículo das explicações públicas e imaginando que, simplesmente com isso, limpam a imagem.

    Havia algumas dúvidas no caso das gémeas; julgo que todos concordaremos nisto. Mas, depois de Marcelo abrir a boca ontem, ficámos todos mais ou menos esclarecidos que, afinal, presidente ou não presidente, ele é um português comum e, obviamente, não foge a umas cunhas de quando em vez.

    Que atire a primeira pedra o pai que nunca tentou desenrascar um filho.

    Nada contra a demonstração de pureza lusa do nosso Marcelo na execução do habitual “jeitinho”. Está-nos nos sangue.

    Mas tentar depois fazer-me de parvo é que já me aborrece.

    Recebeu ele um e-mail do Doutor Nuno, “filho” para os mais próximos, que direccionou para quem de direito e fez perguntas, do género: “o que é que se faz num caso destes?”. Em seguida leu as respostas marteladas onde lhe explicavam, como se tivesse aterrado em Portugal naquele dia, que as pessoas devem procurar assistência médica no países onde pagam impostos.

    Na visão de Marcelo, ele limitou-se a dar conhecimento a outras entidades de um e-mail que lhe tinha chegado, com um pedido para usar uma pequena fortuna do erário público. Faria o mesmo se fosse do doutor filho ou de outro doutor qualquer. Explicou-nos até que ele, o Presidente, deve comportar-se como um Provedor do Povo, tentando ajudar sempre que possível.

    Não sei se estão a ver o cenário, mas eu posso tentar ajudar. Uma pessoa que apareceu ao lado do Marcelo, a chorar numa fotografia que correu o país, depois de ver a sua casa consumida pelo fogo, morreu sem voltar a ter um tecto seu, mas ajudou Marcelo a criar a aura do Presidente dos Afectos. Já o filho de Marcelo, com um simples e-mail, conseguiu aceder a uma fatia gigantesca de dinheiro público. Isto de ser Provedor do Povo prova-se, empiricamente, que é um campo onde há filhos e enteados. E doutores. 

    Espero que por esta altura seja claro que o meu problema não é com o tratamento e com a assistência prestada às meninas. O meu problema é quando percebo que a diferença entre a vida e a morte, casa ou rua, desemprego ou emprego, se prendem com a nossa agenda de contactos.

    Marcelo tentou passar-nos um atestado de estupidez e embrulhou-se todo em explicações absolutamente dúbias, contraditórias e pouco credíveis. Vem numa linhagem, já longa, de políticos que recebem ou dão benefícios pela sua posição de poder e, quando chamados à pedra, invocam uma seriedade que simplesmente não lhes assiste para se manterem na vida pública.

    Foi assim com Relvas e o curso feito com quatro disciplinas. Foi assim com Cavaco e os lucros no BPN, enquanto os comuns portugueses sofriam o calote generalizado. Foi com José Sócrates e o dinheiro da mãe. Foi com Passos Coelho e a Tecnoforma. Foi com Portas e os submarinos. Foi com o Galamba e o lítio. Foi com Isaltino e o primo da Suíça mais as contas. Foi com autarcas do PS e PSD nas intermináveis histórias de tutti-frutti. Enfim, todo um rol de artistas que vão passando pela vida pública, e usando o dinheiro dos impostos a seu belo prazer, mantendo, incrivelmente, as suas posições e a cabeça erguida na rua.

    Notem a cara de surpresa de Marcelo quando lhe perguntaram se era razão para se despedir. Ele nem a cunha assumiu, quanto mais ver ali um motivo para se despedir. E compreendo-o, devo dizer. Com a quantidade escabrosa de roubos que os políticos nos fazem semanalmente, a começar em ajudas de custo com moradas falsas, passando na distribuição de negócios públicos para empresas amigas e acabando no resgate da banca (esse sim, um roubo colectivo), como é que uma simples cunha daria direito a queda do presidente?

    Esta malta não está boa da cabeça, Marcelo. Era só o que faltava. Já um pai não pode ajudar um filho, ainda por cima doutor? 

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.