Categoria: Opinião

  • Deprimido me confesso

    Deprimido me confesso


    Prestes a chegar ao fim de mais um ano tentei recordar algumas das situações que me fizeram descrer, ainda mais, da capacidade dos nossos políticos.

    Lembro-me de criticar fortemente, há cerca de quarenta anos, quando tinha que escrever, diariamente, sobre a política portuguesa, os líderes de então: Mário Soares, Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Álvaro Cunhal.

    Hoje, olhando para as principais figuras dos diversos partidos, sinto que não teriam capacidade, sequer, para carregarem as pastas dos seus antecessores.

    Tento lembrar o que pensam, quais são as suas prioridades, os seus projectos, as suas ideias e… fico deprimido.

    Recordo algumas das suas posições públicas e… tremo.

    Vejamos:

    Rui Rocha (acredito que não saibam quem é), líder da Iniciativa Liberal, consegue dizer, sem se rir, que “os dados que temos é que a Iniciativa Liberal vai crescer. Para os 15% é difícil, mas somos liberais e ambiciosos.”

    Fiquei esclarecido.

    Passei para o outro extremo e dei de caras com um rapaz igualmente desconhecido, de seu nome Paulo Raimundo, que vinha com a originalidade de “apoiar as médias, pequenas e micro empresas”.

    Passei à frente.

    Do homem do Livre, Rui Tavares, lembrei-me do momento em que se dirigiu ao Presidente da Assembleia da República, informando que tinha de sair mais cedo e pedindo-lhe que autorizasse a entrega de um papel com a indicação de como queria votar todas as matérias que faltavam até ao fim da sessão.

    Sempre deu para rir.

    Rui Tavares, deputado do Livre.

    Uma proposta da senhora do PAN criou-me expectativas. Queria que “os animais de companhia não pudessem ser deixados sozinhos, sem companhia humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas, nem alojados em varandas, alpendres e espaços afins, sem prejuízo de presença ocasional nesses locais por tempo não superior a três horas diárias.”

    Aguardei que viesse com proposta idêntica para seres humanos idosos, ou sem abrigo, mas como se esqueceu…

    Confesso que tinha, por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda, uma enorme admiração e respeito pela coragem, frontalidade e conhecimento profundo dos dossiers e condução dos interrogatórios nas Comissões de Inquérito impedindo que os depoentes se refugiassem no esquecimento.

    Entretanto, também ela se esqueceu de que estava em regime de exclusividade, na Assembleia da República, e não podia receber dinheiro por comentários televisivos. Perdeu um pouco da sua credibilidade, mas…

    De André Ventura, o que dizer?

    O seu discurso é preocupante, mas a dimensão do ódio em todas as suas intervenções, e o acentuado egocentrismo, não convencerão a população portuguesa.

    André Ventura, líder do Chega.

    Aponta, como diferença em relação aos restantes partidos, que no seu não há indícios de corrupção ou fraude.

    Por acaso o Tribunal Constitucional já anulou um Congresso, por ilegalidades, e os seus estatutos foram rejeitados cinco vezes.

    Miguel Sousa Tavares deu a sua opinião: “O Chega não está envolvido em corrupção porque não tem poder. Deixem-no ter poder e vocês vão ver.”

    Nas próximas eleições, até pode ter um bom resultado, atendendo a que é um partido extremista, mas nem sequer os eventuais interessados em coligações estarão confortáveis com a companhia.

    Restam os representantes dos dois partidos que, habitualmente, disputam o Poder.

    Considero Luís Montenegro o mais fraco de quantos líderes (e já foram muitos, e alguns por curtíssimos períodos) passaram pelo PPD e pelo PSD.

    Foi o único político que ganhou com a queda do Governo, porque nunca disputaria as eleições se este durasse os quatro anos.

    As suas intervenções são de uma pobreza atroz.

    Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista.

    As suas tentativas de fazer humor levam às lágrimas de desespero os militantes do partido.

    Questionado sobre o Orçamento de Estado, um dos mais importantes documentos do nosso País, deu a sua opinião científica:

    “O Orçamento é pipi, bem apresentadinho e muito betinho que parece que faz, mas não faz.” 

    A análise política ao seu adversário directo:

    “Deus nos livre de ter um radical no Governo. Não se chama camarada Vasco, chama-se camarada Pedro e tem uma cinderela chamada camarada Mortágua.”

    Nunca explicados os contratos, por ajuste directo, que o seu escritório de advogados conseguiu com Câmaras Municipais lideradas pelo PSD.

    De Pedro Nuno Santos, lembro o caso do aeroporto, apresentado à revelia do Chefe do Governo, a indemnização à CEO da TAP, que desconhecia, mas tinha no seu telemóvel e a necessidade da sua demissão de Ministro.

    Tanto ele como Montenegro têm problemas de impostos com as suas casas.

    Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e Luís Montenegro, líder do PSD.

    Conclusão:

    Não é preciso ser exaustivo para temer o pior.

    Resta-me uma consolação: seja qual for a solução, que se vá encontrar nas próximas eleições, não será para durar.

    E as próximas terão (é impossível que não tenham) melhores líderes a concorrer.

    Ataquemos, então, as filhoses e esperemos por 2024.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • 500 mil cordeiros precisam-se

    500 mil cordeiros precisam-se


    Escrevo este texto na estrada; mais precisamente, nas Montanhas do País Basco. Espero ainda encontrar a repórter da TVI (ou da CMTV) na fronteira de Vilar Formoso para discutirmos receitas de bacalhau e todas aquelas perguntas interessantes em véspera de Natal.

    Um dos meus passatempos na estrada é descobrir a origem das matrículas e somar as parcelas que as constituem. De há dois anos para cá, vejo com muito maior frequência, na parte ocidental da Europa, veículos com registo ucraniano. Por princípio, parece-me boa ideia fugir do frio de Leste para a harmonia que só a Ibéria nos pode proporcionar. Se essa fuga acontecer no início de uma guerra, ainda acho a ideia melhor. Com os 60 mil milhões de dólares bloqueados no Senado norte-americano, e sem que a União Europeia consiga garantir igual financiamento ou armamento, Zelensky vê-se num aperto mais do que previsível. Tudo parece começar a faltar, inclusivamente homens no terreno. A Ucrânia decidiu, por isso, chamar mais 500.000 homens entre os 25 e os 60 anos para a frente da batalha.

    black and white chess piece

    Não sei se ainda se lembram do que foi escrito sobre o Putin, quando este andava pelo Daguestão a roubar jovens às famílias pobres para os mandar para Donbass. Zelensky e toda a ‘entourage’ ocidental diziam que a Rússia estava a mandar homens mal treinados para a sua própria morte.

    O que assistimos agora é exactamente o mesmo, mas feito do lado ucraniano. Homens que fugiram do país, sem qualquer treino militar, e até já perto da idade da reforma, são agora obrigados a regressar sob pena de sanções para enfrentarem a sua própria morte. Sem dinheiro, sem armamento, sem aviação, resta à Ucrânia utilizar a estratégia que os russos patentearam desde a Segunda Guerra Mundial: ter mais gente no campo de batalha do que o adversário.

    Esta atitude desesperada mostra os sucessivos falhanços da aliança que apoia a Ucrânia e dá razão a quem defende, há quase dois anos, que a solução do conflito nunca estaria no terreno, mas sim na diplomacia. As sanções à Rússia falharam redondamente. Somos nós, os Europeus, da Alemanha a Portugal, que pagamos a fatura da energia mais cara. Aquilo que a Rússia deixou de vender do lado europeu, passou a exportar para o lado asiático e, de igual forma, a suportar a economia de guerra.

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    Terão alguma possibilidade estes 500.000 homens, ou aqueles que não conseguirem fugir, perante uma máquina de guerra que produz e tem todos os apoios necessários para prolongar esta situação o tempo que for necessário? Terá alguma hipótese a Ucrânia, mesmo que meta toda a população na frente sem financiamento externo ou exércitos de outros países? Não. Já todos percebemos que não. Então, quem é que pode condenar estes homens que saíram do país e que não estão dispostos a morrer por guerras decididas por outros?

    Do lado americano, continuamos a ouvir palavras de apoio incondicional, mas já sem o dinheiro. Ou seja, aquela situação clássica que todas as administrações americanas fazem na diplomacia externa. Financiam o conflito enquanto isso servir os seus interesses, até que começam a ensaiar a saída deixando os inocentes expostos à sua sorte. Bastaria conhecer a história dos curdos para entender que destino teriam os Ucranianos.

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    Fico agora curioso para perceber como é que a União Europeia, que defende valores democráticos e já acenou com a bandeira da entrada no clube por parte da Ucrânia, vai agora pactuar com este recrutamento forçado de mais 500.000 cordeiros.

    Chegará o dia em que a Ucrânia gritará “traição”, por aquilo que vier dos Estados Unidos e da União Europeia. Provavelmente, muitos destes 500 mil homens não o verão.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Notícias como armas de arremesso político

    Notícias como armas de arremesso político

    A semana ainda só vai a meio, e já fomos brindados com várias “notícias” feitas à medida para servirem de armas de arremesso político. Algumas, a roçar a propaganda: fiéis à habitual fórmula das meias-verdades desprovidas do devido contexto ou de qualquer contraditório. Assim, encaixam como uma luva nos amplos consensos que, para quem se senta no poder, dá jeito que continuem a ser difundidos e alimentados.

    Refiro-me, por exemplo, ao estudo que retratou Portugal como um país de reduzidos impostos (comparando com a União Europeia), e tentou colar àqueles que clamam pela redução da carga fiscal uma imagem de egoístas que não querem mesmo é contribuir, de maneira nenhuma, para a sociedade.

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    Na introdução do estudo, somos esclarecidos sobre o seu intento: não é “um estudo aprofundado sobre a fiscalidade em Portugal. A tributação de um país é um tema demasiado vasto e complexo, que requer investigações focadas e detalhadas a respeito de cada (tipo de) imposto. Aqui pretende-se fazer uma primeira análise de alguns aspetos importantes, com o objetivo de contribuir para o debate público e político sobre impostos em Portugal.”

    Portanto, não é, assumidamente, um trabalho exaustivo; nem poderia ser, atendendo à sua dimensão de apenas 30 páginas. Mas é um facto que contribuiu para o “debate”. Neste caso, serviu para ‘ilibar’ os últimos Governos socialistas da sangria fiscal a que nos têm sujeitado.

    O autor do estudo, Alexandre Mergulhão, assume-se como conselheiro económico especialista em Orçamento e Finanças Públicas no Ministério das Finanças desde 2017, acabado de sair do mestrado, embora não conste na lista de nomeados por Medina. Um prodígio, portanto. Não surpreende, por isso, que este seu position paper intitulado A Fiscalidade em Portugal tenha sido promovido (“encomendado” também se adequa) pela Causa Pública, uma associação “dedicada à produção de proposta de políticas públicas na área do centro-esquerda”.

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    Aquilo que talvez fosse menos provável, num país decente, é o facto de a associação ter o antigo governante socialista Paulo Pedroso (desfiliado do PS desde 2020) como presidente da direcção. Em todo o caso, podemos, com certeza, ficar descansados quanto à isenção do dito estudo, certamente livre de motivações políticas.

    Outra notícia bastante politizada – tanto que foi logo aproveitada para vários artigos de opinião – dava conta do lucro de mais de 1.600 milhões de euros que os estrangeiros deram à Segurança Social em 2022, com base num relatório do Observatório das Migrações. Perfeita para sustentar a política imigratória de “portas escancaradas” seguida pelo Governo ainda em funções.

    Houve quem se apressasse a dizer que este saldo positivo de 1.600 milhões – que resulta da diferença entre o valor das contribuições, que foi de 1.861 milhões, e as prestações sociais recebidas, de “apenas” 257 milhões – era a prova de que os imigrantes não procuram o nosso país com o objectivo de beneficiar dos apoios sociais. Estou de acordo. Quase todos, acredito, vêem em busca de melhores condições de vida.

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    No entanto, o peso das contribuições dos estrangeiros para a Segurança Social, e os “recordes” de que se falam, são apenas uma consequência directa e natural de vários factores que todos conhecemos. Ou seja, é um reflexo de uma comunidade estrangeira que continua a crescer a um ritmo acelerado, composta sobretudo por pessoas em idade activa – incluindo muitos homens solteiros. De facto, apesar de o relatório contabilizar 750 mil estrangeiros, há notícias que apontam para 800 mil.

    Assim, falamos de 8% da população, com a esmagadora maioria no mercado laboral. Não será de espantar que a sua fatia de descontos para a Segurança Social seja significativa. Além disso, para explicar o saldo ‘astronómico’, há que ter também em conta outras variáveis, como a subida dos salários – tanto o mínimo como o médio – e o aumento das pessoas empregadas nos últimos anos.

    Saliente-se ainda que, por cada trabalhador, cerca de 34% da remuneração vai para este fundo social. Num salário bruto de 1.500, por exemplo, estamos a falar de 510 euros por mês. Não é coisa pouca.

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    Portanto, é evidente que ninguém mente se disser que “sem os imigrantes, alguns sectores económicos entrariam em colapso”. Afinal, estamos a falar de quase 10% da população. Mas afirmá-lo não serve, por si só, de argumento para coisa nenhuma; é a simples constatação de um facto observável. É a realidade actual, é certo; mas não é uma realidade imutável nem irreversível.

    Enfim, está a ser uma semana produtiva para alguns órgãos de comunicação social, sempre prontos a dar destaque a notícias que sedimentam as narrativas oficiais. O poder político agradece.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • PÁGINA UM: dois anos de jornalismo independente

    PÁGINA UM: dois anos de jornalismo independente


    Sem publicidade, sem parcerias comerciais, de acesso livre, apenas com o apoio dos leitores e com um jornalismo incisivo, incómodo e independente, com rigor, sem mesuras e reverências. Esta tem sido a linha condutora do PÁGINA UM desde o seu nascimento em 21 de Dezembro de 2021.

    Quase duas mil notícias, artigos de opinião, entrevistas e outros textos em apenas dois anos com um pequeno mas bom punhado de jornalistas e outros colaboradores. É obra, mas é obra porque ainda não finalizada, e por isso é para continuar. E continuaremos. Para os leitores, e pelos leitores.

    Farei ao final da tarde uma melhor avaliação daquilo que foram estes dois anos de PÁGINA UM, e aquilo que se perspectiva para os seguintes. Isto porque, entretanto, tenho outros afazeres neste dia, ossos do ofício, como o de ir ao Forte do Alto do Duque, à PSP, pela tarde, prestar declarações (ou nada acrescentar) a pretexto de uma queixa de Sua Excelência o Chefe de Estado Maior da Armada Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, que acha que o jornalismo, com base em documentos, não pode dizer que ‘mercadejou’ vacinas com a Ordem dos Médicos para se administrar em médicos não-prioritários, contra as normas em vigor e sem competências para tal, pouco depois de assumir o cargo de coordenador da task force, em Fevereiro de 2021.

    Mais do que parabéns ao PÁGINA UM, estão de parabéns os leitores que valorizam o jornalismo independente.

  • O futuro primeiro-ministro e o (nosso) segundo aniversário

    O futuro primeiro-ministro e o (nosso) segundo aniversário


    1.

    Pedro Nuno Santos (PNS) venceu, sem surpresa, a corrida a secretário-geral do Partido Socialista. Esta é uma boa notícia para o PSD e para a esquerda em geral. José Luís Carneiro representa a versão Montenegro do PS. É o chamado “não chove, nem molha”, para não utilizar uma metáfora à Bocage.

    Noto, desde já, alguma crítica fácil por parte dos analistas de direita residentes na televisão portuguesa. Impetuosidade é a primeira fraqueza apontada a PNS. Falam, criticam o gasto público, enquanto ministro das Infraestruturas, na CP e na TAP. Referem, vezes sem conta, a gaffe da localização do aeroporto de Lisboa. Dizem ainda que tem um discurso infantil e pouco preparado, como por exemplo, aquele do calote aos banqueiros alemães.

    Ora, meus amigos, isto para mim são qualidades. Alguém que compreende que a ferrovia e o transporte aéreo são essenciais para o país, está a um passo à frente dos habituais ministros do betão que vivem para o lobby das construtoras.

    Pensemos, em contraponto, no comportamento de Montenegro em relação ao novo aeroporto de Lisboa. Se bem se lembram, António Costa exigiu o compromisso do PSD antes de avançar com a comissão técnica que colocaria um ponto final na discussão sobre a localização do aeroporto. Montenegro aceitou. Ao fim de mais um ano de estudos e análises, a dita comissão deliberou que o Montijo seria a melhor solução para um problema que se arrasta há 50 anos. Montenegro, como seria de esperar em qualquer fantoche do capital, ignorou a palavra dada e disse que criaria um novo grupo de trabalho com o intuito de validar o estudo da comissão técnica. Nesse grupo de trabalho estão, como se sabe, apoiantes da solução “Alcochete”.

    Por outro lado, a Vinci já se manifestou contra a solução Alcochete, embora Montijo não tenha capacidade para receber voos de longo curso. Visto assim, parece que Montenegro, para além de ter muita dificuldade em honrar a palavra dada, tem ainda mais dificuldade em fugir aos interesses instalados que controlam o Centrão. O interesse nacional e o fim de uma vergonhosa novela com cinco décadas parecem ser detalhes na agenda dos donos do PSD.

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    Como compreenderão, eu prefiro alguém que tome decisões, como foi o caso de PNS, mesmo durante uma gaffe, do que ter um governante como Montenegro que se limita a proteger os grandes grupos económicos.

    Apesar de tudo, a vitória de PNS é uma boa notícia para o PSD porque permitirá a Montenegro ter alguma hipótese nas eleições. Há uma diferença de estilo, de discurso e até de propostas. As diferenças entre os candidatos permitirão ao PSD recolher alguns votos ao centro, por parte daqueles eleitores que acharão o jovem turco um pouco mais radical. Já se o candidato fosse José Luís Carneiro, a escolha seria entre uma versão má e outra menos má de Montenegro.

    Os partidos de esquerda mais clássicos como PCP, Bloco e até o Livre, poderão beneficiar desta conjuntura e voltar a entrar no arco de governação e/ou acordo parlamentar. PNS continua a referir-se ao período da Geringonça como uma época de estabilidade no país. E tem razão. Não há nada que venha de bom de uma maioria parlamentar do PS ou do PSD, mas há importantes conquistas sociais que só serão possíveis com PCP e Bloco de Esquerda na negociação do programa do próximo governo.

    O meu voto não vai na direção do PS, mas admito alguma esperança quando vejo um secretário-geral socialista com tiques de esquerda. Algo me diz que ainda recordaremos Costa com saudade, mas a sucessão, convenhamos, poderia ter sido pior.

    2.

    O PÁGINA UM faz esta quinta-feira dois anos. Confesso que quando começámos não imaginei que nos aguentássemos mais do que três meses “no ar”. Não é fácil manter um jornal totalmente independente, de opinião livre, sem amarras ou encomendas próprias de quem depende de acordos de publicidade. Pessoalmente, tem sido um prazer e um orgulho contribuir para este projecto onde, desde o primeiro dia, me foi pedido apenas para escrever o que pensava. Há um número considerável de pessoas, a quem devo agradecer, ao fim de dois anos por ainda aqui estarmos. Refiro-me obviamente aos leitores que, concordando ou não com o que aqui vou escrevendo, não deixam de apoiar o nosso jornal. Enquanto for essa a vossa vontade, da minha parte por cá continuarei. Muitos Parabéns PÁGINA UM!

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Sedação terminal: uma reflexão

    Sedação terminal: uma reflexão


    A sedação terminal (ST) é uma espécie de coma induzido, em doentes terminais, para lidar com sintomas intratáveis, como dispneia (falta de ar), delírio e ansiedade extrema.

    Uma vez iniciada a sedação terminal, o doente deixa de poder comunicar e não se consegue alimentar nem hidratar. O desfecho torna-se, portanto, inevitável num prazo de tempo que raramente ultrapassa os sete dias.

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    É muito importante explicar estas circunstâncias à família e obter o respectivo consentimento informado, uma vez que se trata de uma abordagem próxima da eutanásia.

    Os sintomas do doente devem ser refractários, ou seja, não responderem a qualquer outro tipo de terapêutica. A dor, só por si, raramente constitui uma indicação para a ST, uma vez que pode ser tratada com eficácia por outros meios.

    No caso de a sedação não obliterar completamente a consciência do doente, permitindo vagas intermitências de comunicação, a interrupção de alimentos e fluídos torna-se perversa por induzir uma desidratação extrema (com secura e sede) que pode aumentar o sofrimento.

    Nesses casos, parece-me mais humana a administração liberal de estupefacientes, mesmo que possam ter o efeito de abreviar a vida, do que suspender o apoio hídrico e nutricional.

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    O momento chega em que a morte se aproxima e se torna inevitável. As intervenções médicas, porém, devem suavizar essa fase, aliviando sintomas que não são refractários e permitindo um nível de consciência que não elimine a comunicação com os entes queridos.

    É muito importante, como disse, obter o consentimento informado da família, explicando que a ST põe fim à capacidade de o doente comunicar, algo de extrema relevância nos últimos dias de vida. Os médicos não têm legitimidade para desencadear uma ST sem esse consentimento e expõem-se a procedimentos criminais.

    No caso de a ST ser prescrita em doentes terminais sem sintomas refractários, entramos no território da má prática. O exemplo mais evidente seria o de um doente terminal com dores moderadas.

    Durante a pandemia da covid-19 (2020 -2021), foi administrada ST a muitos idosos que apenas apresentavam dispneia moderada. Foi uma catástrofe incentivada pelas autoridades sanitárias que encurtou a vida de muitos residentes em lares da terceira idade (NY destacou-se nesta actuação).

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    Um aspecto que não deve ser descurado é uma possível predisposição do pessoal de saúde para recorrer à ST por esta diminuir drasticamente a necessidade de assistência 24/7. Um doente inconsciente e com a “certidão de óbito assinada” é um doente que não dá problemas, não dá trabalho.

    Em conclusão: a ST é uma solução que deve ficar reservada para doentes com sintomas refractários, depois do caso ser discutido com a família, com toda a transparência e cumpridas as formalidades legais e princípios da Legis Artis.

    A Medicina deve conjugar a Ciência com a Caridade.

    Joaquim Sá Couto é médico


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  • Cinco propostas (eleitorais) para os partidos

    Cinco propostas (eleitorais) para os partidos


    Com as eleições legislativas anunciadas para Março do próximo ano, as propostas não devem sair apenas dos partidos, mas também dos cidadãos. Aqui seguem as minhas cinco propostas que insisto em apresentar:

    1 – Mudança da Lei Eleitoral

    A sensação de partilha obriga a construir soluções sem desperdício. Cada voto dos portugueses deve servir nas contas eleitorais. É inadmissível que certos votos sejam atirados para o caixote do lixo ou para estratégias de custo da oportunidade. “Não voto em quem gosto para escolher um que desacredito menos.” Esta realidade acontece nos círculos que elegem poucos deputados no sistema eleitoral vigente, como em Portalegre, Beja, Évora, Guarda, Bragança ou Vila Real. Foi assim que cem mil portugueses escolheram o CDS e ele não elegeu ninguém. Foi desse modo que o PS se afirmou absoluto. A criação de um círculo nacional para onde transitam os votos que não conseguem eleger ninguém nos pequenos círculos é essencial.

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    2- Um automóvel português

    Temos uma indústria monumental de serviços e de peças na grande complexidade da construção automóvel. Somos dependentes das decisões estrangeiras e dos encerramentos prováveis na chantagem da subsidiação. O projecto de construir um carro moderno, eléctrico, com versatilidade, com multiplicidade de formas, com adaptação a militar é uma oportunidade perdida para fixar este conhecimento e experiência. Um carro que em cidade se encosta a outros carros iguais e se move para este, oeste, norte e sul a partir de parado. O “Luso Múltipla” tem de sair de uma ideia e ajudar Portugal.

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    3 – Remodelar a política de saúde.

    São inúmeras coisas a fazer. Corrigir o paradigma contra os consultórios, incentivando o método da escolha do doente ir à frente do pagamento. O doente vai a quem quer, perto de casa, e esse escolhido referencia, estuda, pede exames ou trata. Deixa de ser necessário haver tantas urgências abertas.  O pequeno é a solução para os próximos três anos enquanto se redefinem estratégias. Reduzir o número de Centros de Responsabilidade Integrados (CRI). Pagar melhor os gestos que integram no sistema, como as consultas, e reduzir a avalanche de horas extraordinárias. Aplicar Inteligência Artificial na imagiologia. Reverter os dois percursos ideológicos: concentração (os centros hospitalares e as unidades de saúde e cuidados continuados) e desperdício (não carecemos de três serviços de transplante, não carecemos de protocolos ineficientes e que só servem para defesa do sistema, etc). Apostar na saúde oral. Apostar na prevenção das doenças.

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    4 – Reorganizar o futebol e outras modalidades

    Incentivar o desporto escolar e o desporto em geral. Acabar com as claques dos clubes que afastam os cidadãos dos estádios. Negociar com Espanha que o primeiro classificado dos nossos campeonatos de modalidades, competia no ano seguinte, no campeonato do país vizinho. Dava-se dimensão competitiva aos clubes de forma rotativa. Incentivar um jornal equilibrado de notícias sobre o desporto, e não apenas futebol.  

    man playing soccer game on field

    5 – Construir a rede nacional de edifícios devolutos há mais de 15 anos

    Para acabar com o flagelo da falta de casas e do seu preço excessivo, o Estado garantirá que os donos das propriedades em abandono cheguem a acordo, ou então expropria com fins beneméritos. Uma entidade pública garante a construção, reconstrução, remodelação de antigos mosteiros, castelos, quarteis, prédios e coloca pessoas a utilizar sob contrato de responsabilidade e colaboração na manutenção. A recolocação de pessoas no interior seria privilegiada em parceria com os industriais dessas regiões. Mover pessoas obriga a dar-lhes funções ou trabalho.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O até já do ‘Poucochinho Vermelho’

    O até já do ‘Poucochinho Vermelho’


    Há nove anos escrevi uma crónica, posteriormente publicada no terceiro volume da Saga “Frasco de Veneno”, onde criticava António Costa pelo modo como tinha conseguido afastar António José Seguro da liderança do Partido Socialista, acusando-o de ter ganho, “por poucochinho”, a Passos Coelho, sendo que, meses depois, tendo perdido com este, e por margem maior do que a vitória de Seguro, conseguia chegar a Primeiro Ministro.

    Chamei-lhe, então, “Poucochinho Vermelho”.

    Tenho que confessar que, por causa da minha costela de “português malandro”, este “título” carregava alguma admiração.

    Nos tempos do antigamente, que é como quem diz “antes do 25 de Abril”, os políticos que se iam mantendo à tona, mesmo nas tempestades mais violentas, eram chamados de “políticos rolha”.

    Viam, calmamente, parceiros e amigos, alguns de longa data, a afogarem-se ao seu lado, mas mantinham o ar sereno de quem sabia que “ainda não é desta que se veem livres de mim”.

    Alguns destes náufragos, certamente por descuido, até eram ligeiramente empurrados para o fundo pelos mais expeditos.

    Não estou a dizer que será esse o exacto caso de António Costa, mas as principais características estão no seu ADN.

    Ele mesmo o reconheceu quando disse, publicamente, que “um Primeiro-Ministro não pode ter amigos”!

    E disse-o num momento em que NUNCA o deveria ter feito.

    Negar a amizade de, e por, alguém a quem apresentou, dezenas de vezes, como o seu maior amigo, que até escolheu para seu Padrinho de Casamento, é demasiado mau para ser aceite.

    Tanto mais que o fez por este estar acusado de um crime não se preocupando, aqui, com a “presunção de inocência” que tantas vezes (e bem!) lembra, até no seu próprio caso (e, de novo, bem!).

    Pior do que qualquer delito que se venha a descobrir, e que motivou o célebre último parágrafo do Comunicado da Procuradoria-Geral de República, estão estas facadas nas costas de “amigos”.

    E não, não é verdade, que um Primeiro-Ministro não possa ter Amigos.

    A grande figura do Partido Socialista, Mário Soares, mostrou isso à saciedade.

    Todos nos lembraremos das críticas que recebeu quando foi visitar, à cadeia, José Sócrates e Bettino Craxi.

    Sobre aquele escreveu um texto intitulado “O meu amigo Sócrates”, onde considerou “inaceitável e infame” não haver “uma única prova contra um homem que tantos serviços prestou a Portugal”.

    E desafiou Cavaco Silva a falar sobre o caso, escrevendo: “Infelizmente o Presidente da República, que devia ser responsável por Portugal, nunca disse uma palavra sobre Sócrates. Nem pela flagrante violação do segredo de Justiça”.

    Este exemplo de Cavaco foi seguido por António Costa que, repetindo a frase “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça” nunca comentou o caso Sócrates de quem foi o “número dois”.

    Em relação a Bettino Craxi, que visitou durante uma visita de Estado à Tunísia, quando era Presidente da República, disse ter sido um “encontro fraterno”.

    O que ia causando uma apoplexia a Pacheco Pereira, na altura líder parlamentar do PSD, que definiu essa visita como “uma atitude ilegítima e injustificada”.

    Foi para o lado que Mário Soares dormiu melhor…

    Como serenamente dormiu depois de, em Outubro de 2014, ir a Oeiras dar um abraço a Isaltino Morais e dizer, alto e bom som, para quem o quis ouvir, que “Isaltino Morais foi injustiçado”.

    Claro que estas atitudes, que deveriam ser normais, afectam os “pequeninos”, os “poucochinhos”. Os que não pensam além do próprio umbigo.

    Dos que se convencem de que há profissões, ou cargos, que impedem alguém de ter amigos.

    Além do mais, quem pensa assim corre o sério risco de, quando olhar com atenção à sua volta, se ver rodeado de inimigos.

    Infelizmente, no nosso país, pelo menos, isso não inibe ninguém de conseguir os seus objectivos, mesmo políticos, mesmo necessitando de votos.

    Há quem aceite votar em inimigos se sonhar que isso lhe pode trazer alguns proveitos.

    E traz, muitas vezes.

    Basta ler Nicolau Maquiavel, ou Sun Tzu.

    Por tudo isto o título da crónica tem um “até já”, quando a maioria diz “adeus”.

    António Costa vai continuar a andar por aí, podem estar certos, e em lugares importantes.

    Pode continuar “poucochinho” mas menos, muito menos, “vermelho”.

    Essa cor só continua em moda (felizmente) no futebol.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Global Media e a ameaça de extinção dos jornalistas (aka ‘uns tipos de uns sites’)

    Global Media e a ameaça de extinção dos jornalistas (aka ‘uns tipos de uns sites’)


    Cá em casa, gostamos de ver o ‘velhinho’ filme Jurassic Park e as suas sequelas. Num dos filmes da saga, a fuga acidental de um dinossauro cheio de garras e armado de dentes afiados lança o caos num moderno parque temático, quando este se encontra apinhado, com milhares de visitantes.

    Um grupo de vilões com más intenções, que tinha já ‘um pé’ dentro da organização que geria o parque, vê naquela situação de crise uma oportunidade para tirar lucros e assume o poder. Nessa altura, vê-se então que o parque servia não só para entreter multidões de visitantes mas também servia interesses privados obscuros ligados à indústria de armamento. O principal cientista – que criava os dinossauros – estava comprado pelos ‘maus’ e era parceiro dos vilões.

    Este enredo faz-me lembrar o que se passa com a Global Media e com o estado dos grupos de comunicação social, em geral. Os ‘vilões’ já lá tinham um pé e apenas agarraram a oportunidade para assumir o controlo. Os interesses comerciais e também políticos, ou ideológicos, comandam.

    Imagem de uma cena do filme Jurassic World.

    A crise criou a oportunidade. Em geral, hoje não se faz Jornalismo nos media mainstream – ou os grandes órgãos de comunicação social que distribuem notícias para as massas. Eles são híbridos: produzem muitas notícias, reportagens e entrevistas que foram encomendadas, ‘conteúdos’ que são feitos no âmbito de contratos de parceria comercial, sem que os leitores/ telespectadores/ ouvintes percebam bem isso. Tudo nas barbas dos reguladores e do sindicato.

    Os interesses comerciais tomaram de assalto as redacções. Os directores de hoje são marketeers a moderar conferências e talks e estão demasiado próximos do poder político, económico e financeiro. Depois, os media mainstream têm uma agenda de cobertura de acontecimentos e temas que é dominada pela agenda política e agenda financeira e de empresas. Ou seja, a maior parte da agenda dos media é feita por … gabinetes de comunicação e spin doctors que trabalham para políticos e para empresas.

    Acresce a isso a praga do churnalism (sobre a qual já aqui escrevi aqui, no PÁGINA UM), o ‘corta e cola’ de notícias da Lusa, dos outros meios de comunicação social e de comunicados de imprensa e sobra pouco para fazer Jornalismo. Poucos jornalistas disponíveis, poucas páginas nos jornais, pouco tempo nos espaços informativos das TV’s e das rádios.

    sheep, flock of sheep, row

    Outro fenómeno é o facto de os grandes meios de comunicação social operarem segundo uma lógica de ‘manada’, ou de ‘matilha’, consoante as circunstâncias.

    Em ‘manada’, quando vão uns atrás dos outros na cobertura noticiosa. Onde vai um, vão todos. Se um cobre ‘assim’, o outro cobre ou não cobre ‘assado’ nem ‘cozido’. Todos parecem mais ou menos iguais.

    Em ‘matilha’, quando todos atacam um alvo em simultâneo. Estes ataques, na forma de blitz, são executados pelos media, mas muitas vezes não são meros acasos, mas ataques pensados e orquestrados por gabinetes de comunicação que trabalham para governos, organizações ou empresas e visam abater um concorrente, um adversário ou algo ou alguém que consideram ser uma ameaça aos seus lucros e interesses.

    Veja-se o que aconteceu quando nasceu o PÁGINA UM e publicou investigações na área da saúde, tendo de imediato sido alvo de uma campanha de difamação, com notícias falsas a serem divulgadas quase em simultâneo por muitos dos media mainstream nacionais.

    Hyenas in Savannah

    Este ‘hibridismo’ e modus operandi, além de trair o Jornalismo, tem sido extremamente nefasto para os jornalistas e para a Imprensa. E para os consumidores de informação. (Já sobre a actuação em ‘matilha’, obviamente que é condenável e abjecta a todos os níveis.)

    Tanto no caso da actuação em ‘manada’, como na actuação em ‘matilha’, falta algo importante: racionalidade; pensamento crítico; ética; e Jornalismo. A bestialidade tem vindo a tomar conta das redacções, engolindo jornalistas e o Jornalismo quase por inteiro. O histórico jornalista Fernando Dacosta falou, num debate recente, sobre o fenómeno do ‘jornalismo’ acéfalo. Esta postura acrítica de se estar nas redacções, longe dos tempos em que intelectuais enchiam os quadros de pessoal dos jornais.

    É neste cenário e contexto que chegamos então à grave crise na Global Media, dona de títulos como o histórico Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a TSF, o Jogo e o Dinheiro Vivo. (E aqui deixo uma declaração de interesses, pois fui jornalista neste grupo entre meados de 2017 e o final de 2021, assinando no DN, no JN, no DV e fazendo entrevistas na TSF.)

    selective focus photography of people sitting on chairs while writing on notebooks

    Podemos falar, claro, na sucessão de accionistas que por lá foram passando, que, além de ligações políticas, também foram deixando um rasto de cortes e decisões ‘estratégicas’ destrutivas – como retirar o DN de banca. Podemos e devemos analisar a forma como a diminuição das redacções tem tido um forte impacto na qualidade do trabalho lá produzido. Não se fazem omoletas sem ovos. Ou na contratação, ao logo dos anos, a peso de ouro, de ‘estrelas’, jornalistas e comentadores ‘amigos’, que são, sobretudo, despesa. Este último ‘mal’, é comum em muitos meios mainstream nacionais.

    A explosão das redes sociais e do consumo de informação (e publicidade) no meio digital não explica toda a crise que afecta os grandes grupos de comunicação social. Há falta de dinheiro mas os grandes media nacionais também têm esbanjado dinheiro em ‘projectos’ e em ‘amigos’ e estão demasiado colados aos poderes instalados, tanto políticos como financeiros e empresariais. E isso nota-se.

    Para quê comprar uma subscrição num jornal que representa mais os poderosos do que os leitores? Para quê subscrever jornais que escrevem praticamente as mesmas coisas e publicam os mesmos ‘takes‘ da Lusa?

    egg, hammer, hit

    No meio do caos, os ‘vilões’ aproveitaram a oportunidade: corrompendo o trabalho das redacções; pondo de parte o Jornalismo; colocando na liderança directores que estão alinhados e até podem ganhar prémios por desempenho comercial. O Jornalismo sai derrotado. Os jornalistas que não são despedidos, saem desmoralizados, cansados.

    Na maioria dos grupos de comunicação social, os jornalistas não são respeitados. Os leitores não são respeitados. Prevalecem os interesses comerciais.

    José Paulo Fafe, presidente-executivo da Global Media, traiu-se a si próprio numa entrevista recente, ao mostrar o que pensa realmente dos jornalistas e dos jornais, ao referir-se a Pedro Almeida Vieira – jornalista, fundador e director do PÁGINA UM –, como ‘um tipo de um site’. O PÁGINA UM é um jornal digital, com notícias online, como também são as edições online do DN e do JN. Pedro Almeida Vieira já trabalhou no Expresso, na Grande Reportagem e no DN.

    pile of newspapers

    Para este tipo de CEOs de grupos de media, para muitos directores do departamento comercial, para políticos e banqueiros, os jornalistas são hoje uns meros ‘tipos de um site’ que eles usam a seu favor. Só os jornalistas ainda não perceberam isso.

    No filme Jurassic World, o ‘vilão’ mais perigoso não era, afinal, o dinossauro cheio de garras e dentes mas a rede de interesses militares e comerciais. Nos media, o ‘vilão’ mais perigoso não é o ‘dinossauro’ gigante que é o Google ou o Facebook – em relação aos quais existem ‘armas’ e soluções.

    Nos media, o maior ‘vilão’ é a rede de oportunistas que assaltou as redacções e colocou na liderança de jornais, rádios e TVs funcionários ‘alinhados’ para usar os meios de comunicação social em seu benefício, fazendo cobertura enviesada de temas e implantando assuntos e entrevistas sugeridas. Na pandemia, isso foi mais do que evidente.

    white and black typewriter on table

    Destruir o Jornalismo interessa a todos os que queiram ter mais poder e mais lucros. E isso tem estado a ser feito de forma sistemática nas redacções.

    No filme (alerta de spoiler), morre muita gente, entre trabalhadores do parque e visitantes. Morrem muitos dinossauros ‘bons’. Morrem também ‘vilões’, mas não todos. O cientista escapa num helicóptero topo de gama, junto com muitos ‘activos’ que roubou do laboratório. O parque fica destruído para sempre, sem qualquer réstia de credibilidade.

    No sector dos media, directores podem escapar para novos cargos dentro ou fora do sector, levando indemnizações simpáticas, depois de terem conseguido pagar casas novas e piscinas e alcançado a fama nas TVs. Jornalistas e comentadores ‘estrela’ também se ‘safam’ com outros ‘amigos’. Activos que ainda existam, são vendidos. Os jornalistas, esses ficam sem emprego. É o pagamento que recebem por terem fechado os olhos e ficado em silêncio durante anos, perante o subverter do Jornalismo e os assaltos às redacções pelos interesses comerciais e políticos. É o pagamento pelo facto de os jornalistas permitirem que os tratem anos a fio como ‘uns tipos de uns sites’.

    Person Holding Canon Dslr Camera Close-up Photo

    No sector dos media, o assalto último ainda pode estar a ser preparado, se, aproveitando a profunda crise, uma voz sussurrar que o Estado deve ‘salvar’ grupos de media. Então, o poder político anunciará a criação de uma criativa ‘bondosa’ e ‘generosa’ solução que ‘alguém’ propôs, que passa pelo contribuintes injectarem mais dinheiro em grupos de media, depois das injecções já feitas durante a pandemia, do financiamento via publicidade estatal e ‘parcerias comerciais’ pagas por entidades públicas.

    Tudo isto para ‘o bem comum’, para o ‘bem’ do ‘jornalismo’, o qual será feito por ‘uns tipos’ desesperados quaisquer que, no final, acabarão, na mesma, por ser engolidos pelo dinossauro gigante e mau.

    Elisabete Tavares é jornalista


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Neste caso, o director subscreve até as gralhas.

  • Global Media & José Paulo Fafe, ou o pedantismo da caloteira imprensa

    Global Media & José Paulo Fafe, ou o pedantismo da caloteira imprensa


    O ex-jornalista José Paulo Fafe, alcandorado a “testa de platina” de um fundo das Bahamas – do qual o único rosto conhecido, sob a forma de “beneficiário efectivo”, é um francês que vive da especulação financeira – que controla a Global Media, mimoseou-me numa entrevista de ontem no Eco, identificando-me como “um tipo de um site”, apenas porque, enfim, fui o primeiro jornalista a identificar que a proprietária do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias deve 10 milhões de euros ao Estado, a escalpelizar o World Opportunity Fund e o senhor Clement Ducasse, a relevar os calotes à Lusa, a destacar os estranhos movimentos financeiros da Páginas Civilizadas, e a falar até das relações entre o antigo director do jornal Tal & Qual e a Páginas Civilizadas.

    Enfim, para Fafe, eu sou “um tipo de um site” – ou melhor, diz ele que “há aí um tipo de um site” –, porque destaco, incomodo e atrapalho negócios obscuros que, ao longo dos anos, inexoravelmente tornaram dois centenários jornais em decrépitas publicações, que obrigam os trabalhadores até a irem pedinchar não sei bem já o quê ao gabinete do ministro da Cultura de um governo demissionário.

    José Paulo Fafe, CEO da Global Media e ex-gerente da Parem as Máquinas.

    Enfim, para Fafe, eu sou “um tipo de um site”, porque sou um jornalista independente.

    Tem Fafe mais oito anos do que eu, o que lhe dará mais vida e um certo estatuto, podendo isso dar-lhe o benefício da arrogância. E, por regra, a arrogância vem com a petulância, mais grave ainda se acompanhada de calotes.

    Ora, José Paulo Fafe deveria ser o último dos administradores de uma empresa de media, e ainda mais sendo ele antigo jornalista, a desrespeitar um jornalista chamando-o “um tipo de um site”. Se um jornalista como eu – que esteve em órgãos de comunicação social onde ele até também passou (e.g. Grande Reportagem e Expresso) – pode ser por ele tratado por “um tipo de um site”, como podem os seus agora ‘subordinados’ da Global Media, muitos dos quais jornalistas, esperar respeito?

    Eu até compreendo – se bem que a coloque ao nível dos crápulas – a postura de José Paulo Fafe, e a sua estratégia de descredibilizar o PÁGINA UM, para assim minimizar ‘estragos’. Afinal, o PÁGINA UM é ‘apenas’ um jornal digital que se assumiu independente, e por isso não faz fretes, não tem publicidade nem parcerias comerciais… nem dívidas. Vive da qualidade que os leitores lhe atribuem, ainda mais sabendo-se que o acesso é livre.

    Trecho da entrevista ao ECO onde José Paulo Fafe se refere a mim como “há aí um tipo de um site”

    O PÁGINA UM vai terminar o seu segundo ano de existência com zero dívidas e sem prejuízo, porque a ideia sempre foi ser apenas aquilo que os leitores acharem que pode ou deve ser este projecto jornalístico. Costumo, aliás, dizer que, tendo ambas as empresas o mesmo capital social (10 mil euros), aquilo que mais se diferencia entre o Página Um Lda. (empresa gestora do PÁGINA UM) e a Trust in News Unipessoal (a dona da Visão e de outros 16 títulos) é um passivo de 27,2 milhões de euros.

    Seria apenas risível, se não fosse grave, ver um projecto editorial da natureza do PÁGINA UM ser desprezado por um ex-jornalista agora CEO de uma empresa que acumulou dívidas de 42 milhões de euros entre 2017 e 2022, que tinha no final do ano passado um passivo de quase 55 milhões de euros, dos quais 10 milhões ao Estado, e que ‘vampirizou’ os seus activos, ao ponto de aquele que contabilisticamente aparenta ter mais valor (um goodwill de quase 30,6 milhões de euros) ser afinal ‘fumo’, é nada.

    Mas Fafe nem sequer sabe olhar para o umbigo, ou então conseguiu ‘vender-se’ muito bem ao especulador Ducasse. Com efeito, José Paulo Fafe, antes da sua ‘aventura’ – que temo venha a ser desventura – na Global Media, estava a dirigir o jornal Tal & Qual (que é um título registado pela Global Media), através da empresa Parem as Máquinas, Edições e Jornalismo, Lda.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Até à sua saída em Outubro do Tal & Qual, Fafe detinha 80% do capital desta empresa de apenas 5.000 euros, quer a título pessoal (70%) quer através de uma empresa por si detida denominada Pressco (10%). Corrijo: na verdade, a Pressco é detida pela Fernandes Fafe Consultoria Estratégica Unipessoal, mas para quem pense que Fafe é um Citizen Kane escondido, desengane-se.

    Na verdade, tanto uma como outra das suas empresas tem um capital social de 1.000 euros. E acrescento também, para justificar a pesquisa, que a Pressco já tem capitais próprios negativos (-4.136,03 euros) e passivo de quase 55 mil euros, enquanto a sua empresa unipessoal sempre tem capital próprio positivo (pouco mais de sete mil euros), mas segue já com um passivo de 67.415,69 euros.

    Mas vejamos se José Paulo Fafe – o CEO da Global Media, que quer endireitar uma empresa de media ‘limpando’ mais 200 trabalhadores, enquanto menospreza um jornalista com um jornal independente sem dívidas titulando-o de “um tipo de um site” – é ou não um ‘Mourinho dos Media’, com direito e autoridade para chamar nomes a jornalistas.

    Parem então já as máquinas para verem a performance da empresa Parem as Máquinas Lda, em 2022, quando José Paulo Fafe era não apenas seu gerente mas também director do periódico Tal & Qual, antes da sua entrada arrogante e pedante na Global Media com direito a tratar-me por “um tipo de um site”. Pois bem: resultado líquido negativo – leia-se, prejuízo – de 147.008,32 euros, um capital próprio negativo de 134.027,32 euros (falência técnica), dívidas aos fornecedores de 121.121,78 euros, mais dívidas de financiamentos de 130.569,61 euros, que compunham um passivo total de 334.283,10 euros.

    O francês Clement Ducasse é o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media, mas não se sabe quem são os financiadores.

    Nada mau, Fafe, para uma empresa onde investiste 4.000 euros…

    E és tu que tens nas mãos, ou na testa, os destinos de um grupo de media… Desgraçados pela ‘amostra’ de pedantismo.

    E depois “há aí um tipo de um site”… a dizer verdades inconvenientes, não é?

    Pedantismo e água benta cada um toma a que quer. Mas água benta eu até suporto; pedantismo é que não; e ainda mais se vier com calotes.


    P.S. E já agora, convinha à empresa Parem as Máquinas Lda. fazer a declaração das demonstrações financeiras no Portal da Transparência dos Media, da ERC, que estão em falta desde sempre. Se calhar é para esconder a vergonha.