Categoria: Opinião

  • “Fascismo nunca mais”. Será mesmo?

    “Fascismo nunca mais”. Será mesmo?


    Recentemente, o ministro da Administração Interna manifestou-se preocupado com os protestos que estão a ser organizados por agricultores em várias estradas do país, e apelou a que não se pusesse em causa o direito de mobilidade. Segundo as suas palavras: “Tomámos conhecimento de que há a intenção de bloqueios de algumas estradas e condições de mobilidade no país. O meu apelo é que todos procurem cumprir e garantir o cumprimento desse dever”. Afinal, o direito ao protesto deve submeter-se à primazia dos direitos fundamentais. Como as coisas mudam num espaço tão curto de tempo!

    Há dias, um cartaz de propaganda política de um partido de “extrema-direita” foi queimado por um grupo “anarquista”, autodenominado “Federação Anarquista”, que afirmou que “o fascismo continua vivo. Os partidos e a democracia parlamentar são cúmplices desse crescimento, validando-o e alimentando-o com cada medida que torna as nossas vidas cada vez mais precárias. Não é deles que esperamos qualquer tipo de solução”. Fica claro o recurso à violência para silenciar quem não está de acordo com a sua ideologia.

    Estes que agora gritam “fascismo nunca mais”, são os mesmos que nos impuseram ou aceitaram sem resistência um Estado totalitário que se iniciou em Março de 2020 e terminou em Junho de 2023, com o fim das máscaras obrigatórias em hospitais e lares. Talvez por isso, nenhum dos partidos políticos com assento parlamentar esteja hoje disponível para discutir este período de verdadeiro fascismo, onde os mortos se continuam a acumular com o silêncio conivente de todos.

    Na Roma Antiga, os fasces lictorii eram a arma transportada pelos lictores, que consistia num feixe de varas de bétula brancas, amarradas com tiras de couro em torno de um machado. Tornou-se o símbolo do fascismo de Benito Mussolini nos anos 20 e 30 do século transacto. Nesse mesmo espaço temporal, na Alemanha, tínhamos o movimento Nacional-Socialista, mais conhecido pelo partido Nazi, que adoptou como seu símbolo a suástica. O uso destes símbolos era uma forma de demonstrar conformidade com a ideologia oficial.

    O mesmo aconteceu com as máscaras durante a putativa pandemia: nada mais que um símbolo de conformidade à tirania, que visava unicamente despersonalizar o indivíduo, tornando-o mais um membro de uma massa de gente anónima e sem vontade própria, que apenas seguia ordens de um Estado Fascista.

    Para clarificarmos conceitos, o que é o Fascismo? É um sistema de governo que carteliza o sector privado, planeia centralmente a economia, tal como o comunismo, subsidia os seus empresários favoritos, exalta o estado policial como fonte de ordem, nega os direitos e liberdades fundamentais dos indivíduos e faz do Estado o senhor ilimitado da sociedade. Há cerca de quatro anos, foi precisamente o que tivemos, aparentemente invisível aos olhos dos que agora gritam “fascismo nunca mais”.

    Incentivar e promover o ódio a minorias que não acatam ordens e não aceitam a ideologia oficial, cancelando-as com insultos, como “negacionista” e “chalupa”, é fascismo. Quem não se recorda dos discursos de ódio nos órgãos de propaganda: “E agora, o que fazer com os chalupas?”. O que dizer do recente aviso proferido por um líder político que nesse período realizava missas dominicais enxameadas de propaganda e mentiras: “tomem cuidado” com os negacionistas!

    Segregar pessoas, através de decretos governamentais e subvertendo por completo a ordem constitucional, impedindo-as de entrar num café, num restaurante, num ginásio, num cinema e até, pasme-se, num supermercado, nada mais é que fascismo.

    Restringir a liberdade de circulação de pessoas, seja dentro do país, de ou com destino ao exterior de um país, é um atentado a um direito fundamental de qualquer ser humano, próprio de uma tirania fascista.

    Subsidiar os órgãos de propaganda com o “nosso dinheiro”, para que estes aterrorizem a população, espalhem mentiras, difundam propaganda, cancelem qualquer contraditório, é fascismo.

    Subsidiar o negócio das empresas de análises clínicas, das farmacêuticas e das farmácias com o “nosso dinheiro”, garantindo-lhes lucros fabulosos, é fascismo.

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    Adquirir milhares de milhões de Euros de vacinas experimentais com o “nosso dinheiro”, que hoje ninguém quer ou deseja, proporcionando lucros pornográficos a farmacêuticas, em total conluio com o poder, é fascismo.

    Funcionários estatais, em lugar de juízes, a decretar a prisão domiciliária de milhões de pessoas, em nome da “luta contra o “vírus”, é fascismo.

    Espalhar a mentira de que as inoculações experimentais impediam as pessoas de infectar ou serem infectadas pelo “vírus”, incutindo o medo e o pânico a empregadores, para que estes intimidassem os seus colaboradores a tomá-las, com a ameaça de despedimento, é fascismo.

    Encerrar negócios para deliberadamente arruinar os seus proprietários, levando-os ao completo desespero, desgraçando-lhes as relações familiares (divórcios, violência familiar, insucesso escolar…) e tornando-os mendigos de um Estado totalitário, é fascismo.

    Estimular a bufaria das populações, promovendo a denúncia do próximo às autoridades, por forma a intimidar, cancelar e penalizar economicamente dissidentes; ou quando nos solicitam para subirmos facturas no portal das finanças, uma chibaria em larga escala, por forma a sermos assaltados igualmente em larga escala por um Estado vampiro, isso é fascismo.

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    Vender dívida pública de forma massiva, fazendo-a subir aproximadamente 30 mil milhões de Euros, entre o final de 2019 e Junho de 2023, a um único comprador – precisamente aquele que pode imprimir dinheiro de forma infinita: o Banco Central Europeu –, provocando uma subida brutal dos preços e confiscando, desta forma, as populações, é fascismo.

    Espalhar o medo de morte provocado por algo contra o qual não se pode fazer nada – a doença provocada pelo “vírus” – é um excelente dispositivo de controlo. É preciso confiar nas autoridades médicas. O problema é que todos eles seguem ordens, pelo menos se quiserem manter as suas licenças do regime fascista.

    Proibir as pessoas de assistir aos funerais dos seus familiares; obrigá-las a abandonar os seus avós em lares transformados em prisões; forçar os seus filhos a usar uma fralda facial todos dias, durante mais de oito horas; retirar-lhe os direitos constitucionais; coagi-las a inocularem-se com uma substância experimental, tal como as experiências do nazi Josef Mengele, é simplesmente fascismo.

    Hoje, temos um Estado enorme, violento e pesado, que drena o nosso capital e a nossa produtividade como um parasita mortal num hospedeiro, subtraindo-nos anualmente 125 mil milhões de Euros – 12.500 Euros por português, incluindo idosos e crianças. É por isso que a economia de um Estado fascista denomina-se por vampira: suga a vida económica e provoca a morte lenta da prosperidade.

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    Os vampiros deste Estado fascista pedem-nos agora o envio de armas e dinheiro para uma guerra que não nos diz respeito, e que serviu para ocultar a impressão massiva de dinheiro e justificar os brutais impostos associados à “transição verde”. Um dia destes, em lugar dos ucranianos, enviarão os nossos jovens para lá para a defesa da “liberdade e democracia”! Quem se lhes opõe será insultado de “putinista”, ou usando o nome de algum líder iraniano.

    Recordemo-nos das palavras do nazi Hermann Göring:

    “É claro que as pessoas não querem a guerra. Por que razão haveria um pobre coitado de uma quinta de querer arriscar a vida numa guerra, quando o melhor que pode conseguir é regressar inteiro à sua quinta? É claro que o povo não quer a guerra, nem na Rússia, nem em Inglaterra, nem na Alemanha. Isso compreende-se. Mas, afinal de contas, são os dirigentes do país que determinam a política e é sempre fácil arrastar o povo, quer se trate de uma democracia, de uma ditadura fascista, de um regime parlamentar ou de uma ditadura comunista. Com voz ou sem voz, o povo pode sempre ser posto ao serviço dos governantes. Isso é fácil. Basta dizer-lhes que estão a ser atacados e denunciar os pacifistas por falta de patriotismo e por exporem o país ao perigo. Funciona da mesma forma em qualquer país”.

    “Fascismo nunca mais”, dizem agora os idiotas úteis que andam por aí a manifestar-se. Dá vontade de perguntar: por onde andou esta gente?

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • A Velha Esquerda e a Nova Esquerda: de qual gosta mais?

    A Velha Esquerda e a Nova Esquerda: de qual gosta mais?


    A Velha Esquerda queria habitação e saúde para todos. A Nova Esquerda quer habitação e saúde para todes.

    A Velha Esquerda considerava a Disney um instrumento do imperialismo que promovia os valores do capitalismo e das classes dominantes. A Nova Esquerda acha a Disney fofinha e inclusiva, vendo nela uma aliada (ou aliade) dos grupos discriminados (ou grupes discriminades).

    A Velha Esquerda defendia as fábricas e quem nelas trabalhava. Para a Nova Esquerda, as fábricas são um grave problema quanto às alterações climáticas e constituem antros de repulsivos homens brancos heterossexuais cis que são racistas, misóginos, xenófobos, homofóbicos, transfóbicos, islamofóbicos e gordofóbicos.

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    A Velha Esquerda falava de operários e proletários. A Nova Esquerda fala em nome de conglomerados de minorias como se fossem monolíticas e como se lhe houvessem outorgado mandatos para as representar, excepto quando se trata da Palestina, porque nesse território não há mulheres nem homossexuais nem não-binários — há até os Queers for Palestine (não é piada), pelo que qualquer dia ainda veremos os Toureiros Veganos.

    Antes do apedrejamento: o autor destas linhas foi sempre favorável ao casamento homossexual e até é vegetariano.

    A Velha Esquerda queria que os trabalhadores tomassem conta dos meios de produção. A Nova Esquerda quer que haja diversidade de toda a espécie, mas apenas nos cargos mais remunerados, poderosos e mediáticos, porque os demais cargos estão cheios de «deploráveis», parafraseando a expressão («cesto de deploráveis») de Hillary Clinton.

    A Velha Esquerda era soberanista, antiglobalização e anti-EUA. A Nova Esquerda é anti-EUA, mas importa, sem traduzir para as realidades de cada país, todas as lutas e todos os conceitos do país que alegadamente detesta. Acresce que a Nova Esquerda é globalista.

    A Velha Esquerda lutava contra a existência de escravos no presente. A Nova Esquerda está mais preocupada com os escravos do passado, tendo até trocado o vocábulo «escravos» por «escravizados», e luta pela censura de palavras ofensivas em livros de autores mortos, por reparações históricas e pelo derrube de estátuas dos que pactuaram há séculos (na imaginação ou na realidade) com a escravatura, enquanto se aproveita dos escravizados dos TVDE para viagens de curta distância em que esses escravizados ganham cêntimos.

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    A Velha Esquerda falava de exploração. A Nova Esquerda fala de inclusão, empatia e discriminação.

    A Velha Esquerda chegou a ser acusada de homofobia em 2015 (concretamente: de agressões verbais e físicas por pura homofobia) na sua maior festa anual. A Velha Esquerda afirmou ser a homossexualidade uma «coisa mesmo muito triste» (aspas de citação, ouça-se a entrevista de Carlos Cruz, de 1991, ao então secretário-geral Álvaro Cunhal). A Nova Esquerda, felizmente! (zero ironia), não fala assim (fala até em «orgulho gay» e em «género atribuído à nascença», algo bem diferente da orientação sexual, e que muitos insistem em confundir) nem agride ninguém LGBTQIA+ — excepto quando estão em causa Israel e a Palestina, como se viu no Finalmente, em que houve conflitos entre membros LGBTQIA+ e activistas pró-Palestina.

    A Velha Esquerda via um homem de unhas pintadas e chamava-lhe depreciativamente «burguês» (entre outros impropérios hoje impronunciáveis num texto jornalístico), preferindo representar os homens de unhas sujas do trabalho. A Nova Esquerda não aprecia unhas sujas e, quando vê um homem de unhas pintadas, chama-lhe «minoria discriminada», «grupo oprimido». Algumas franjas da Nova Esquerda vêem até nisto o motor do progresso, como a Velha Esquerda via na luta de classes o progresso da humanidade.

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    Antes do linchamento: quem escreve estas linhas já foi, bastas vezes, com a cara e os lábios pintados a concertos dos The Cure, entre outros exemplos que poderia invocar (a vida privada não tem de ser transportada para os jornais), pelo que é inútil acusarem este escriba de perpetuar «papéis de género». Sim, os «papéis de género» podem ser castradores para muitos, designadamente para os homens, que foram mais limitados na sua socialização quanto à expressão de afectos e emoções (as mulheres são menos julgadas socialmente se se abraçarem, beijarem, chorarem na rua, se disserem que outra mulher é bonita, ainda que isto esteja a mudar), na indumentária, na maquilhagem, no que estupidamente se considera «roupa e coisas de mulher» (as mulheres usam calças e saias, pintam-se, e não são olhadas de lado por isso), no vasto rol de «profissões de mulher» (sim, também há quem entenda haver profissões de homem), etc., etc.

    É precisamente sobre a desconstrução de «comportamentos e emoções de mulher», ironicamente anunciada no título, que os supracitados The Cure se ocupam na música com que terminam muitos concertos: Boys don´t cry, canção que pretendia desmanchar a abstrusa ideia de que os homens a sério não deveriam chorar nem ter uma série de pensamentos e comportamentos considerados femininos.

    A Velha Esquerda queria agregar todos os que via como explorados. A Nova Esquerda quer segmentá-los e encontrar novas categorias identitárias até ao infinito, ou seja, até ao superlativo individualismo.

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    A Velha Esquerda falava de luta de classes, acidentes laborais e salários em atraso. A Nova Esquerda fala de escolher os espaços públicos em função do género com que cada um/e se identifica, de masculinidade tóxica, de descolonizar o pensamento (ela diz: «decolonizar», porque é colonizada pelo inglês, que suprema ironia) e da necessidade de novos pronomes para acomodar novos géneros.

    De quando em quando, a Nova Esquerda, tal como a Velha Esquerda, gosta de usar métodos fascistas para combater aqueles a quem chama «fascistas», seja queimar cartazes ou livros. Haja alguma similitude em tanta diferença.

    Manuel Matos Monteiro é escritor e director da Escola da Língua


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  • PS e as surpresas eleitorais

    PS e as surpresas eleitorais


    E se até a flor perfuma a mão que a esmaga, a estratégia que destrói ou reduz nem sempre vence. Fica o aroma das pétalas contorcidas, fica a potência da vítima caída aos pés do carcereiro. Nem sempre as estratégias contundentes, e que lançam medos, ofuscam. O executor que vai derramando seu poder nos incautos, ou nos atrevidos, se exagera, enaltece-os.

    Este é o mistério da política. Uma frase bem usada catapulta uma decisão. Uma vaidade, ou uma resposta confusa, despertam a dúvida que se insinua na eleição.

    Pode-se ganhar porque se colocou o oponente num pedestal: que vem ele para aqui fazer? Ele é bom onde está! Pode lançar-se uma farpa dura – esse não é daqui! Pode erguer-se a bandeira independentista para manchar uma boa intenção. Na Madeira está lançada a ideia do invasor que chegou de avião para vingar o PS.

    Eles, os colonialistas, chegaram aos molhos para cumprir a Justiça, apoucando os de lá. A Madeira prepara-se, com este jeitinho bem urdido, para uma vitória esmagadora do PSD. A pesporrência de um director da PJ, que todos sabem ser próximo do PS, levar 300 funcionários, e acabar na prisão inglória de apenas três pessoas, que imediatamente a seguir ficam sem ser ouvidas demasiado tempo, ajuda ao estribilho. A canção já se trauteia por lá. Presumo que teremos outro bailinho da Madeira.

    A PJ decidiu ser protagonista após a queda do Governo, e agora a PSP foi para o Porto destapar o que todos sabem, falar daquilo que se sabe à boca cheia. Faz-se bem em atacar o enriquecimento ilícito? Claro. Faz-se bem em intervir sobre a violência? Claro. O tempo destas acções sobre a reflexão e o protagonismo eleitoral é que parece estranho.

    Portugal vive um tempo de enorme importância, pois é a primeira vez na democracia que ficámos com todos os Governos demitidos e temos tantas eleições sequenciais. Tudo isto porque o PS não honrou com sabedoria e inteligência a sua maioria. Enquistou-se, lavrou as sentenças da vaidade e da arrogância, esqueceu que era necessário corrigir a Lei Eleitoral. Passar a ter um circulo de compensação, como sucede nos Açores, é o mínimo que já se exige. O PS colocou os seus acólitos em todos os púlpitos e esmoreceu os combates que careciam ser feitos. Há inúmeras imaturidades e indecências que conduziram à revolta das polícias, à revolução dos agricultores, à zanga da geração melhor preparada de sempre.

    A isto, o PS respondeu com ataques constantes, com ausência de humor, com falta de sensibilidade política e fez crescer a vítima das marradas! Como o marido cornudo que levanta a mão e perde a razão. Todos os canais insultando a voz contra. Todos os cronistas a despejarem insanidades e calunias sem perceber que a vítima estava a perfumar a mão que lhe batia.

    Foi assim na Suécia, na Holanda, na Argentina, e a cegueira ideológica não percebia que era mais importante corrigir a imagem do poder. Aquilo que está a conduzir ao mal-estar provém de quem governa, e não da sua oposição. Se há turismo a mais, fuga aos impostos em barda, desperdício financeiro a rodos, pobres e más figuras na governação, a culpa não é da oposição.

    Foi deste modo que chegámos ao crescimento para o dobro do Chega e à redução anacrónica da esquerda além do PS. Aqui estão também os resultados evidentes no dia a dia que são afinal o que importa ao cidadão. Não nos toca directamente o banqueiro anarquista e ladrão, mas afecta o quotidiano a rua coberta de pedintes e sem abrigo, o preço das rendas, a enormidade Lagarde de duplicar os encargos com as rendas.

    É mais importante para o voto de 10 de Março a mudança no apartamento do lado do que o banco que faliu. Dói mais a insensibilidade com as casas de banho onde irão os filhos, as certezas das minorias vitimizadas e exigentes e acusadoras do que a ineficácia em escolher um lugar para o aeroporto.

    A proximidade é o importante. O país zangado detesta que culpem quem nunca governou. Não esqueceu o caso do Impostos Único de Circulação (IUC), não esqueceu a nacionalização da TAP, e depois a sua venda em curso, não esqueceu milhares de prédios devolutos do estado, e uma lei que metia as mãos nos bolsos dos herdeiros, e nas posses de cada um. Individualmente, escandaliza mais o ruído, legitimado pelas Câmaras, de um bar frente à porta, que a morte do banqueiro na África do Sul.  

    E assim chegámos à surpresa eleitoral dos Açores – surpresa para os meus amigos do PS. Este é – e será – o novo normal!    

    Diogo Cabrita é médico


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  • Gil Vicente 3.0

    Gil Vicente 3.0


    Já sabia, pela ‘meteorologista’ Filomena Martins, directora-adjunta do Observador, que hoje não teríamos o danado “rio atmosférico” a pairar pela Luz – só chega pela quinta-feira –, mas vi-me obrigado a consultar o ‘boletim da saúde policial’ para confirmar se alguma indisposição colectiva impedia o jogo, acrescido de uma pesquisa pelas ‘má-afamadas’ redes sociais, de sorte a perceber a probabilidade de ocorrência de uma saraivada de cadeiras e pedras pelos ares.

    Tudo bem. Segui seguro, qual Leonor pela verdura, para a Luz, ainda a tempo de um cafézinho, no Columbia, paredes-meias com o Alto dos Moinhos, que por estas horas vende mais cerveja que cafés.

    E cá estou a tempo ainda de recepcionar o farnel do Benfica (embora hoje esteja um bocado cheio, por causa de um almoço tardio), e de subir as cada vez mais íngremes escadas para esta Varanda da Luz antes do apito inicial, por via de um tempo extra por se fazer um minuto de silêncio não sei pela alma de quem… vou daqui a nada ver…

    (golooooooo… isto hoje nem me deram tempo de descansar um pouco, ligar o computador e escrever uns parágrafos iniciais… Arthur Cabral, a tornar-se um ‘matador’ num canto ‘teleguiado’ do Di Maria; e na verdade, podia ser o segundo golo de cabeça, porque o brasileiro já mandara uma bola ao poste logo aos 5 minutos)

    Entretanto, já fui ver: o minuto de silêncio foi uma homenagem a Palmeiro Antunes, um antigo jogador do Benfica da segunda metade dos anos 50, que conquistou um campeonato e duas Taças de Portugal. Tinha 87 anos.

    E por falar em glórias de outros tempos, e estas ainda maiores do que os futebolistas, deu-me finalmente para, após tantos anos de ‘primeira divisão’, ver o motivo pelo qual o Gil Vicente, sendo Barcelos tão famosa pelo milagre de Santiago que fez cantar o galo assado para salvar o(s) inocente(s) peregrino(s) – não se sabe se foi um ou dois; e nem é certo ter havido milagre algum –, se chama Gil Vicente e não Santiago, e os gilistas não são afinal conhecidos por ‘galistas’.    

    (entretanto, com o jogo ‘morninho’, ligam-se no estádio uma série de ecrans com o nome do malogrado Miklos Feher, acompanhada da mensagem “20 anos de saudade”. Hoje estamos ‘numa’ de homenagens)

    Até porque, continuando, que eu soubesse nada na vida do verdadeiro Gil Vicente, do dramaturgo, esteve associado a Barcelos, descontando um tal Frei Pedro de Poiares que para ali lhe atribui o berço, mas nestas ‘coisas’ até o Padre Rei, o pároco da terra da minha adolescência (Moita, no concelho de Anadia), garantia que o Camões estava enterrado na ‘sua igreja.

    (goloooooo… oportuníssimo, o miúdo João Neves, sagaz na insistência, embora com alguma sorte… isto hoje, desconfio, tornar-se uma Barca do Inferno para este Gil Vicente)

    Enfim, há quem diga que foi em Guimarães o berço de Gil Vicente, outros asseguram que afinal foi em Lisboa, mas muitos estudiosos garantem ainda que ele terá sido nado e criado nas Beiras, não se sabe se no interior ou litoral, por causa de alguns personagens dos seus autos. Mas também pouco importa. Não estou aqui para compor uma crónica biográfica, que na Varanda da Luz estou, nem me apetece andar em conjecturas que me levariam a pendengas como aquela entre Camilo Castelo Branco e Teófilo de Braga sobre se o Gil Vicente dramaturgo era ou não o Gil Vicente ourives que compôs a Custódia de Belém.

    (entretanto, nisto se meteu o intervalo, e o início da segunda parte)

    Passaram, portanto, 45 minutos e eu ainda não revelei aos leitores – e presumo que, dos muitos que não sabem, haja poucos que estejam interessados – a causa de o Gil Vicente, que acabaria os seus dias na cidade de Évora, dar o nome ao Gil Vicente. Ao clube, claro, porque o outro, o verdadeiro, se chamou assim por escolha dos pais e apelido do pai.

    (golooooo… 3-0, o habitual golito do Rafa. Acho que o Gil Vicente vai sair daqui de Lisboa como a Maria Parda, em pranto, vergado por uma goleada)

    Bom, despachemos isto, vista está a garantia da vitória – o Gil, o de Barcelos, mostra-se inofensivo –, e o topo da Liga está já alcançado, mesmo se de forma virtual, por obra e graça da PSP e de uns arruaceiros. O Gil Vicente chama-se Gil Vicente porque, enfim, lá pelos anos 20 do século passado uns barcelenses jogavam à bola em frente do teatro começado a construir umas décadas pela Empresa Teatral Gil Vicente.

    (depois do terceiro golo do Benfica, tudo muito lento, quebrado por uma série de substituições; nada a anotar excepto as palmas dos adeptos e uma boa estirada do Trubin para manter ‘invioladas as suas redes’… estes jargões futebolísticos são mesmo engraçados)

    Chegado aqui, perguntem-me: então, e qual a razão para a Empresa Teatral Gil Vicente se chamar Empresa Teatral Gil Vicente? E aqui não respondo porque não sei, mas se soubesse receio que entrássemos numa espiral de descobertas e inquirições que nos levariam ao início dos tempos. Em todo o caso, presumo que no final do século XIX, o tempo áureo do teatro português, não haveria ainda muitos dramaturgos clássicos, daí que Gil Vicente fosse o mais óbvio, talvez apenas seguido pelo Almeida Garrett, que faleceu em 1854. Talvez por um triz o Varzim, que já militou em tempos na primeira divisão, não se chama Almeida Garrett, visto que tem um cineteatro em sua homenagem.

    (e o jogo, neste rame rame, lá acabou, e ainda bem, que eu tenho de despachar a crónica; uma vitória simples, sem sobressaltos desta vez, tudo limpinho limpinho)

    E desvendado que fica a razão para se ter dado o nome do Gil Vicente ao Gil Vicente, apenas um último apontamento, tendo em conta a raridade de um clube usar personalidades da Cultura: que raio deu aos dirigentes do histórico Desportivo Francisco de Holanda – fundado na cidade de Guimarães, em 1943, por alunos da escola secundária com o nome deste humanista do século XVI (e que me ‘serviu’ de narrador para o meu romance Nove Mil Passos) – para cederem os direitos desportivos a um clube com a obtusa denominação Clube Desportivo Xico Andebol? O Francisco de Holanda agora é o Xico Andebol?! Ensandeceram?! Incultos!

    Daqui a nada ainda vamos ver o Gil Vicente transformar-se em Gigi Futebol Clube, é?

    Aliás, a propósito de incultura, e como não consegui encaixar com aisance, aproveito para contar algo sobre Almada Negreiros, artista multifacetado e que até teatro compôs, que deixo ao critério do Polígrafo averiguar da veracidade.

    Certa vez, num inquérito para auscultar os conhecimentos culturais do povo, e numa altura em que era muito popular o programa televisivo de apostas desportivas “Vamos Jogar no Totobola”, perguntaram a alguém: “Então, o que acha do Almada Negreiros?”. Resposta: “Bom, Almada Negreiros… Almada Negreiros… acho que vou pelo X”.

    Até à próxima. Por uns dias, mesmo se na ‘secretaria’, o Benfica vê finalmente o Sporting pelo espelho retrovisor. Alegremo-nos, benfiquistas!


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  • Justiça à portuguesa

    Justiça à portuguesa


    Marinho Pinto afirmava que alguns estudantes com vocação para o Direito se inscreviam, depois de licenciados, no CEJ – Centro de Estudos Judiciários, com a intenção de virem a ser Magistrados, mas saíam de lá “Majestades”.

    A frase foi criticada por muitos, outros censuravam-lhe a truculência, mas poucos eram os que não lhe davam alguma razão.

    Há que reconhecer que Procuradores e Juízes são detentores de um extraordinário Poder, que conseguem sem terem passado por qualquer tipo de eleição, e apenas julgados, em caso de qualquer erro, pelos seus pares.

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    O resultado só podia ser mau e os números demonstram isso à saciedade.

    O jornalista J. Plácido Júnior publicou, há uns anos, na revista “Visão”, um artigo onde escrevia:

    “As percentagens de absolvição por ‘carência de prova’, em processos-crime findos em julgamento de 1ª instância, em Portugal, oscilam entre 40,4% e 48% do total de arguidos não condenados – estes, na sua maioria, por desistência de queixas em crime semipúblicos ou particulares, segundo os últimos números oficiais disponíveis. Um “desastre” que, em sete anos, atingiu 154.569 cidadãos, universo superior ao da terceira cidade mais populosa do País, Braga, com 138.000 habitantes.”

    Houve casos em que o arguido chegou ao Tribunal “depois de dez juízes diferentes terem validado a sua prisão preventiva, até a tese da acusação desmoronar em Julgamento, como um castelo de cartas.”

    Vendo por outro prisma:

    Em média, em todos os dias desses sete anos, incluindo sábados, domingos e feriados, houve 65 cidadãos que foram acusados, e muitos deles presos preventivamente, para serem, passados anos, absolvidos.

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    Estas absolvições chegam a representar 48% do total de arguidos (praticamente metade dos acusados) quando o máximo admitido por peritos europeus é de 12%.

    A parceria existente entre alguns elementos do Ministério Público e alguma Comunicação Social – que muitos entendem como uma troca de informações em primeira mão por promoção em jornais e televisões de alguns magistrados – é, também ela, um problema que devia exigir toda a atenção dos Órgãos Superiores da Magistratura.

    As fugas de informação são indesmentíveis.

    Há inúmeras provas: jornalistas que chegam aos locais das buscas judiciais ao mesmo tempo que os agentes policiais e os magistrados (já houve casos em que chegaram antes), conseguirem documentação, que deveria ser confidencial, antes dos advogados dos arguidos, e terem acesso às gravações, por vezes com imagem e som, dos interrogatórios destes, na fase de instrução, que divulgam nos seus canais.

    Depois há toda uma encenação que é preparada, ao pormenor, para tornar os casos mais apetecíveis para a imprensa:

    Buscas aparatosas com dezenas de operacionais equipados como se fossem para uma guerra, incluindo com o rosto tapado, detenção de arguidos – que todos sabem “não perigosos” nem interessados em fugir à Justiça – para primeiro interrogatório, mantendo-os presos muito para lá das 48 horas que a Lei indica como o correcto.

    O autêntico circo montado para as buscas no Funchal, com dois aviões militares a levarem centena e meia de inspectores da Polícia Judiciária, mais Magistrados, até ao Arquipélago, é só mais um exemplo.

    person showing handcuff

    O mais grave de tudo, contudo, é percebermos que todo este aparato, que dá uma primeira impressão de grande eficiência na investigação e, logo, na Justiça, acaba inúmeras vezes em absolvições, ou num arrastar dos processos durante anos, com enorme prejuízo para os acusados e total descrédito para quem acusa.

    Todos nos lembramos de Ministros que tiveram de deixar os seus cargos da pior maneira, com a suspeita de serem criminosos, viverem largos meses, por vezes anos, com os dedos apontados pelos seus vizinhos, para depois serem absolvidos.

    Mas com a vida destruída.

    E também conhecemos cidadãos constituídos arguidos, com a informação de terem cometido delitos gravíssimos, principalmente na área económica, mas que nunca, jamais, em tempo algum, passarão um dia dentro de uma cadeia.

    O que não impede que, anualmente, se multipliquem os discursos do “combate à corrupção”.

    Na última década as intervenções na Cerimónia da Abertura do Ano Judicial são repetidas “ipsis verbis”.

    woman in dress holding sword figurine

    Presidente da República, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Ministro da Justiça, Procuradora-Geral da República leem, há anos, o mesmíssimo discurso onde prometem um combate feroz à corrupção.

    Já os sei de cor.

    O balanço é simples, dezenas e dezenas de cidadãos prejudicadíssimos por erros perfeitamente identificados, ou por atrasos inexplicáveis nos seus processos, sem haver um único Magistrado punido por tal.

    Pelo contrário, subindo calmamente nas carreiras.

    É a Justiça à portuguesa!

    Vítor Ilharco é assessor


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  • Macaco: a incrível história de um beneficiário do RSI

    Macaco: a incrível história de um beneficiário do RSI


    Há dois dias que só ouvimos falar de Fernando Madureira, ou do Macaco, como ele prefere ser chamado – o líder de um gangue criminoso que, por acaso, também vai à bola.

    Vi Miguel Sousa Tavares (MST) indignado com o estado em que a polícia deixou a casa de Madureira, e até a filha do visado a queixar-se da violência e agressividade com que a polícia por ali entrou. Percebo MST, percebo mesmo. Ainda é do tempo em que os polícias telefonavam a avisar antes das rusgas, dando tempo aos visados de fugirem para Vigo. Bons tempos que parecem não querer voltar.

    Já o espanto da miúda, tenho alguma dificuldade em entender. A não ser que o casal Madureira tenha proibido a filha de ir ao Youtube, há por lá boa documentação, do pai e da mãe, bem como dos amigos de ambos, em preparos bem mais violentos e agressivos do que a PSP a entrar pela porta da frente sem tocar à campainha. Para ela, aquilo deveria ter sido uma simples terça-feira de trabalho.

    Aquilo que realmente acho interessante neste caso é, uma vez mais, o tempo em que tudo acontece.

    Há pelo menos 20 anos que toda a gente sabe quem é Fernando Madureira. Até porque, convenhamos, ele não gosta de fazer um grande segredo das suas actividades. Tal como boa parte dos seus compatriotas, Madureira vive, diz, com o salário mínimo. A dura realidade de um país pobre, segundo a declaração que, anualmente, entrega em sede de IRS. Contudo, ao contrário de boa parte dos sobreviventes do salário mínimo, Madureira consegue esticar os parcos recursos declarados e viver, digamos, confortavelmente. Construiu uma moradia de luxo com dois pisos e piscina numa zona nobre de Gaia. Conduz um Porsche e um BMW topo de gama. Viaja frequentemente para sítios paradisíacos, onde o bilhete de avião e a estadia custam vários salários mínimos.

    Dir-nos-ia a Iniciativa Liberal que estamos perante um empreendedor, um homem que não se resignou à sua condição de pobre e que procurou investir em si mesmo. Um homem que faz a multiplicação dos pães ou, neste caso, dos salários mínimos.

    Desconfia-se, há muitos anos, que Madureira e vários membros dos Super Dragões estão envolvidos em actos ilícitos e, dessa forma, conseguem suportar os custos de uma vida de luxo sem que se conheça, aparentemente, um emprego fora da claque.

    Pergunto-me: como é que as autoridades terão desconfiado disto?

    Durante duas décadas, vimos Madureira e membros dos Super Dragões a vender bilhetes para jogos (libertados pelo próprio clube), ficando provavelmente com os lucros e oferecendo, em troca, todo o tipo de serviços ao clube, dentro da gama de recursos que uma guarda pretoriana pode oferecer.

    Vimos Pinto da Costa escoltado pelo gangue a caminho do tribunal, vimos visitas filmadas a árbitros no seu centro de treinos, soubemos de passagens por estabelecimentos de árbitros ou seus familiares na véspera de jogos. Há relatos de jogadores ameaçados pela claque quando não quiseram renovar contrato. Agressões a jornalistas, adeptos, adversários. O clima de terror e coacção vem de trás e trouxe, para além de alegados proveitos desportivos, aparentes proveitos económicos.

    Fernando Madureira mexe-se bem na alta roda dos interesses. Tanto aparece aos abraços com Pedro Proença, o dirigente máximo da Liga Portuguesa de Futebol, antigo árbitro amigo; como é visto com o apoio da Federação Portuguesa de Futebol, a liderar uma claque patrocinada para a nossa Selecção. Isto apenas por ter revelado, em livro, uma série de assaltos feitos nessas mesmas deslocações com a claque.

    Deve ser um dos poucos casos em Portugal onde o autor confessa os seus crimes pela via escrita ou filmada e, mesmo assim, nada lhe acontece.

    Há 20 anos que sabemos desta promiscuidade e, obviamente, a passagem do tempo aumentou a sensação de impunidade. Madureira faz o que quer, como quer, e quando quer. Em Gaia, expulsa de um restaurante um antigo funcionário do Benfica. Filma-se em combates ilegais de rua. Vende bilhetes em directo, afirmando que tem todos os bandidos do Porto ali por perto. Relata, detalhadamente, como roubam pessoas ou estações de serviço a caminho dos jogos. A única coisa que falta colocar em livro são os pontos de recolha e entrega de droga, outro dos negócios alegadamente ligado ao gangue liderado por Madureira.

    Pelo meio desta vida atarefada de gestão do salário mínimo nacional, Madureira ainda teve tempo para gozar com o sistema de ensino português. Conseguiu entregar uma tese de mestrado numa universidade privada e obter o grau de mestre com 17 valores.

    A revista Visão, em 2017, num artigo de Miguel Carvalho, relatava o seguinte sobre este tese:

    “Quando leu o documento, Maria Alzira Seixo, professora catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, ia tendo um susto. Ou pior. A tese de Fernando Madureira é um insulto à Língua Portuguesa e ao desporto nacional. Manuel Sérgio [catedrático da Faculdade de Motricidade Humana] pode ter um ataque cardíaco se a ler!”, ironiza, sem se deter, citando um dos académicos mais prestigiados nesta área. “É escrita num Português iletrado, analfabeto e ridículo. Inacreditável que uma instituição do ensino superior aceite tal coisa”, reforça Maria Alzira Seixo.

    Porquê agora? Numa vida cheia de história mal contadas e com provas repetidas de crimes cometido, o que mudou? Porque acordou o mundo para a realidade de Fernando Madureira, Sandra Madureira e o gangue criminoso por eles liderado? Por causa de uma assembleia geral onde as ameaças e coacção, normalmente usadas para adversários, foram aplicadas à oposição interna com aquele vergonhoso condicionamento dos trabalhos? Não, não foi por isso.

    Pinto da Costa reina tranquilo há 40 anos sem que alguém tenha sequer coragem para o criticar. Durante muito tempo, a claque garantiu que ninguém se aproximava sequer do poder. Aliás, a vida que Madureira tem só será possível enquanto Pinto da Costa for o presidente do Futebol Clube do Porto. E o contrário também é verdade. Direccão e claque precisam um do outro para manter as rotinas das últimas duas décadas.

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    Não foram os desacatos da assembleia geral que deram o alerta nas forcas de segurança. Não há nada de novo na violência e métodos do gangue. A novidade é que, desta vez, a oposição parece ter alguma força e, aos poucos, começa a cheirar a fim de ciclo e à queda do poder vigente. Ora, em Portugal, todos sabemos, a impunidade dos mais poderosos acaba quando a cadeira do poder se parte.

    Pinto da Costa está de facto ameaçado por André Villas Boas e sabe que, se não sair da administração do Futebol Clube do Porto num caixão, será ele o próximo a ir responder à Judiciária ou à PSP. O mesmo para o gangue de Madureira. A vida de luxo à custa do clube e o constante olhar para o lado das autoridades mantém-se, enquanto o poder instituído for o mesmo. Quando o sistema se começar a desmoronar, Madureira será a sua primeira vítima.

    A história de Madureira não diz nada sobre ele que já não fosse público. Diz, e muito, de como funciona esta República das Bananas a que vamos chamando Portugal.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • OBRIGADO aos nossos leitores. MUITO OBRIGADO aos 541 leitores que nos financiam

    OBRIGADO aos nossos leitores. MUITO OBRIGADO aos 541 leitores que nos financiam


    Para o PÁGINA UM todos os meses são cruciais. Ainda há dias fizemos 25 meses de existência, e sentimos que temos uma obrigação moral de dizer OBRIGADO aos nossos leitores que nos acompanham e estimulam a fazer um jornal de acesso livre. E também um MUITO OBRIGADO aquele grupo (crescente) dos leitores que, contrariando a falaciosa ideia de o trabalho jornalístico necessitar de promíscuas parcerias comerciais para sobreviver, nos têm apoiado financeiramente.

    Em Dezembro do ano passado, o PÁGINA UM foi ‘escrito’ (leia-se, apoiado) por 478 leitores. No mês passado, em Janeiro, com novo apelo, chegámos aos 541 leitores a conceder-nos apoio financeiro.

    black video camera

    O crescimento do PÁGINA UM faz-se através dos leitores, mas também sabemos que o ‘incentivo’ tem de partir de nós, que necessitamos de ‘provar’ que fazemos um jornalismo independente, e que merecemos a confiança dos leitores. Queremos, em cada dia, que nos vejam como uma suficientemente credível para nos concederem recursos para fazer mais.

    E se no mês passado já fizemos mais, este mês faremos ainda mais.

    Em Janeiro, passámos a contar com mais colunistas, que se juntaram aos que já tínhamos. Destaco aqui o Manuel Matos Monteiro, a Sara Battesti (com as suas análises semanais aos cartazes políticos), o Ruy Otero e o Bruno Cecílio. Daqui também sairá em breve mais novidades com ‘movimento’ e muita crítica.

    Mas este mês vamos dedicar uma especial atenção às eleições e à actividade política. Como anunciámos no passado dia 22, estamos a preparar a Hora Política. Pela primeira vez, pelo menos nos últimos 30 anos, o PÁGINA UM será o primeiro órgão de comunicação social português a querer ouvir, em é de igualdade, os líderes dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional. As entrevistas – daqueles que aceitarem (sendo que este será também um teste ao nível de ‘democraticidade’ dos partidos) –, conduzidas sempre pela jornalista Elisabete Tavares, começarão a ser divulgadas, por ordem crescente de antiguidade, a partir do dia 12 de Fevereiro, com a Nova Direita, e estender-se-ão até 6 de Março, com o Partido Comunista Português.

    Silver and Black Dynamic Metal Microphone

    Neste momento, já foram gravadas sete entrevistas, duas das quais com partidos com actual assento parlamentar, estando já agendadas outras para as próximas semanas.

    Em paralelo, a Hora Política terá ainda uma rubrica em podcast com a participação do jornalista Frederico Duarte Carvalho, onde se conversará sobre as eleições passadas em regime democrático, desde a primeira em 25 de Abril de 1975, para formar a Assembleia Constituinte. Ainda estamos em fase de gravação, mas contem com pelo menos uma dezena e meia de boas conversas que vamos colocando ao longo deste mês.

    E de resto, continuaremos a ser o mesmo jornal que temos habituado os nossos leitores, fazendo investigações incómodas e abordando temas que os outros se esquecessem ou se fazem esquecidos.

    Uma coisa posso garantir aos nossos leitores: gostávamos de fazer ainda muito mais. Mesmo muito mais. Mas para isso precisamos de dar mais passos, com os nossos leitores, garantindo a nossa sustentabilidade financeira. Para formar uma equipa com mais jornalistas independentes em condições salariais adequadas. Desejamos chegar, ainda este ano, aos 1.000 leitores apoiantes, e seguir em frente. No mês passado tivemos um crescimento de 63 apoiantes, embora estejamos ainda a pouco mais de meio caminho. E, por isso, o mês de Fevereiro, como todos, será para o PÁGINA UM o continuar de uma viagem desafiante.


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  • Ironia do destino: os acríticos aprenderam a criticar os media

    Ironia do destino: os acríticos aprenderam a criticar os media

    Muitos jornalistas e activistas ‘antifascistas’ parecem ter sido subitamente assaltados por um aguçado espírito crítico em relação à imprensa mainstream. E quem é o responsável por este milagroso despertar do torpor em que estavam mergulhados? O Chega.

    Por estes dias, temos assistido a uma indignação galopante contra alguns canais de media, acusados de indirectamente ‘levar ao colo’ o partido de André Ventura já que lhe dedicaram uma desmesurada atenção e espaço. Mesmo que, confesso, não seja eu uma telespectadora suficientemente assídua para confirmar a justeza deste argumento, até dou de barato que haja razão. De qualquer modo, esse aspecto não me parece ser relevante para uma discussão séria.

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    O ponto a salientar é outro, e bastante simples: aqueles que não disseram uma palavra sobre a vergonhosa cobertura mediática feita em torno da pandemia, agora já põem em causa os critérios daquilo que se revela ou não como uma notícia. De repente, parece que os críticos perceberam como o gatekeeping, a selecção das matérias tratadas pelos media, pode ser duvidosa e obscura.

    Por isso, é legítimo perguntar: em que mundo têm vivido estas pessoas para não se terem apercebido de que 70% ou 80% – estou a especular nos números, mas entendam a ordem de grandeza – daquilo que sai nos media serve para encher chouriços e esvaziar cabeças?

    Acordaram agora para a realidade do ‘soundbite’ e do fútil? E o que se segue para estes novos combatentes do populismo noticioso: vão aderir às tais “teorias da conspiração” propaladas pelos supostos “chalupas” de que, afinal, sempre é verdade que os media estão comprados, que é tudo propaganda? Há quem lhe chame ironia do destino.

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    A hipocrisia destes novos ‘questionadores’ é gritante. Recordemos, por exemplo, o período da pandemia. Muitos revoltados com a miserável e nada isenta cobertura jornalística, lançaram ataques ferozes sobre a imprensa – alguns até físicos, como aconteceu nos Estados Unidos e no Reino Unido, com protestos junto das instalações de canais como a CNN e a BBC. Os próprios media, nacionais e internacionais, claro, retribuíam os ‘mimos’, acusando estes grupos de atentarem contra a democracia e de serem de “extrema-direita” ou anti-sistema.

    Em Portugal, o conhecido cantor de hip-hop ‘Estraca’ lançou, em Dezembro de 2021, “Jornalixo”, que denunciava a podridão e corrupção dos órgãos de comunicação social. Tornou-se ‘viral’ nas redes sociais, mas o rapper foi ridicularizado por muitos daqueles que agora vociferam contra os media.

    Há ainda um exemplo paradigmático e particularmente revelador da duplicidade de critérios de quem hoje culpa a comunicação social pelo crescimento (mediático) do Chega. Donald Trump, inegavelmente detestado por muitos jornalistas, foi sempre alvo de um escrutínio feroz e desigual em comparação com os candidatos do Partido Democrata. O tratamento que recebia era, sem qualquer dúvida, tendencioso e negativo.

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    Nesse contexto, o ex-presidente norte-americano chegou a dizer que “os media são o inimigo do povo”. Esta entrada a pé juntos fez os supostos defensores da democracia rasgar as vestes. Os ‘antipopulistas’, contudo, pouco se importavam que se deitasse para o lixo a isenção e o rigor jornalísticos quando o protagonista das notícias era Trump. Valia tudo, até mentir ou distorcer os factos para denegrir a sua imagem. Na altura, essa cobertura mediática afagava o seu viés ideológico.

    Agora, dá-se um plot twist. Os acríticos foram picados pelo bichinho do espírito crítico e já aprenderam a desconfiar dos media. Estamos perto de ver essas pessoas, que aplaudem a comunicação social quando se ‘porta bem’ – e promove os actores políticos que lhes agradam – e a condenam quando, aos seus olhos, se ‘porta mal’, dizerem que os media são o inimigo do povo. Só agora, porque o Chega continua a subir nas sondagens. Santa hipocrisia. Santa paciência.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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  • Iniciativa Liberal: cartazes para dar que falar

    Iniciativa Liberal: cartazes para dar que falar

    Nos meios políticos portugueses, a campanha exterior da Iniciativa Liberal (IL) têm sido alvo de considerável atenção pública. Num contexto em que o entretenimento e a política se encontram num ponto de convergência, as fronteiras entre ambos tornam-se cada vez mais difusas. Essa convergência tem resultado numa abordagem centrada na espectacularização da realidade, conforme destacado pelos investigadores em ciência política, Farnsworth & Lichter, e sintetizado nas palavras do filósofo e teórico marxista Guy Debord: “O espectáculo, como tendência a fazer ver (por diferentes mediações especializadas) o mundo que já não se pode tocar directamente, serve-se da visão como sentido privilegiado da pessoa humana.”

    A ascensão da Iniciativa Liberal, como partido político em Portugal reconhecido pelo Tribunal Constitucional a 13 de Dezembro de 2017, marcou uma mudança no panorama político nacional. O seu programa “Menos Estado, Mais Liberdade” revelou as linhas mestres da abordagem política deste novo partido, liberal em toda a linha. Logo nas eleições legislativas antecipadas de 2022, o partido conseguiu captar simpatizantes e consolidar-se como a quarta maior força política, obtendo uns surpreendentes oito assentos na Assembleia da República. Um estudo realizado por João Cancela e Pedro Magalhães revelou que, grande parte do seu eleitorado foi composto por jovens adultos, especialmente aqueles com menos de 25 anos, e é predominantemente do sexo masculino (58%) e com formação superior (61%).

    Cartaz 8x3m, situado na rotunda do Saldanha em Lisboa em montagem ©DR

    Além da presença assídua nas redes sociais, a Iniciativa Liberal investiu numa campanha publicitária marcada pela ironia, encomendada a Manuel Soares de Oliveira, fundador da agência de publicidade Mosca. Essa abordagem estratégica, rara na política portuguesa, destacou-se pela sua originalidade e eficácia, utilizando uma diversidade de mensagens críticas e humorísticas. E assumiu-se como partido de oposição, posicionando-se como alternativa governativa, que propõe uma profunda transformação política e social. Talvez a maior de todos os partidos que se apresentam a eleições. Segundo este criativo licenciado em Ciência Política, “o marketing político em Portugal é quase inexistente. Normalmente, são as empresas de comunicação que trabalham com os políticos e não há um trabalho de longo prazo.”

    Com uma abordagem disruptiva, os cartazes da IL conquistaram desde cedo a atenção do público em geral, mas também dos meios de comunicação e conseguiram desencadear efeitos multiplicadores noutros canais de divulgação. Representantes políticos proeminentes da nossa praça são caricaturados de maneira satírica, acompanhando a actualidade. Com design cuidado, esta táctica confere uma pertinência que convoca naturalmente à discussão pública, em família ou entre amigos. Resultado de um trabalho conjunto entre um publicitário, o responsável de comunicação do partido e o então líder Carlos Guimarães Pinto, a estratégia alicerça-se num conceito forte, facilmente declinável ao longo do tempo, o que lhe confere consistência. Atrevida e irreverente, é facilmente reconhecida por composição estável que conjuga dois tons de azul, um intermédio que lembra o antigo pássaro do twitter e o azul escuro onde recai o logo IL com uma boa dimensão para garantir a sua leitura, e por conseguinte identificação. A mensagem é escrita em maiúsculas de cor amarela em caixa de com vermelha para bem se evidenciar.

    Na 2ª Circular em Lisboa (embora já tenha estado noutros paradeiros desde 2020) um outdoor onde António Costa é representado como piloto da TAP com uma miniatura de Rui Rio no bolso, que clama “Senhores contribuintes, apertem mais o cinto” em letras bem legíveis. Noutro motivo, colocado em várias localidades designadamente em Maia, vemos a caricatura de Pedro Nuno Santos como criança, vestido de calções com um avião no bolso e uma t-shirt com o revolucionário Che Guevara estampado e com um livro de Marx ao peito, a gritar: “Esses liberais são uns fanáticos na defesa do contribuinte.” Estas mensagens são complementadas por uma segunda frase, igualmente provocativa: “Socialistas: a fazer voar o dinheiro do contribuinte desde sempre.”

    Cartaz 8x3m com ilustração da Caldeirada, Praça do Saldanha, em Lisboa.

    Na Praça do Saldanha, em Lisboa, o cartaz actual retrata a icónica lata de sopa de tomate (Campbell’s Soup), imortalizada pelo artista norte-americano Andy Warhol. Esta nova versão da lata “Caldeirada”, com líderes partidários, sugere que sob tais lideranças, podemos apenas esperar soluções padronizadas e uma governança moldada pela luta pelo poder. A frase “A lata socialista está fora de prazo” é emblemática, conjuntamente com a assinatura “Prefere as ideias frescas”, insinuam que as políticas do PS são insípidas e que esta caldeirada industrial é intragável. É curioso observar que este cartaz se inspira na figura de um artista que liderou o movimento da pop art, conhecido por seus valores ultraliberais e comportamentos controversos. Outro tema retratado nos cartazes da Iniciativa Liberal é a celebração do 25 de Novembro, como alusão ao dia em que a democracia liberal triunfou sobre a ditadura totalitária de Esquerda em Portugal. Carregada de simbolismo, a mensagem simples pretende motivar e credibilizar a mudança, apelando ao voto à direita.

    Introduzindo a espectacularização na política, a comunicação da IL critica os modelos antiquados e questiona a lógica da subsidiodependência. Usando composições criativas e formatos originais, esta irreverência é eficaz, ao responder aos anseios dos jovens adultos, enquanto o seu principal eleitorado. Embora a produção de outdoors recortados seja mais dispendiosa, o investimento compensa na medida em que consegue interpelar os transeuntes, ampliar o seu impacto e garantir o retorno de visibilidade.

    A campanha de outdoors alia também o formato convencional (sem recortes ou avançados que ultrapassam a moldura) para poder chegar a outras localidades, não ficando assim limitada aos grandes centros urbanos. É exemplo disso a versão de menor formato que replica um sinal de nomes da rua criado em azulejos com a inscrição: Largo dos 75.800 € em pleno largo do Rato, onde mora a sede do PS em Lisboa.

    Cartaz afixado no tapume do Largo do Rato, em Lisboa, onde se localiza a sede do Partido Socialista.

    Surpreendente é verificar que a sua execução varia no tom das caixas de texto, que tanto estão vermelhas como rosa choque. Conforme defendido pelo publicitário Manuel Soares de Oliveira, “No mundo do zapping em que vivemos, os cartazes são das poucas coisas que temos mesmo de ver, e com poucos outdoors consegue-se um efeito óptimo”, apesar do crescente poder do marketing digital, principalmente entre o público abaixo dos 50 anos.

    O logótipo da Iniciativa Liberal é bem desenhado e de fácil identificação. O branco, simbolizando paz e limpeza, é a cor principal, enquanto o lettering escolhido é contemporâneo escrito em minúsculas o que contrasta com as imponentes maiúsculas dos headlines. Destaca a letra I em maiúscula, sobressaindo um ponto vermelho que sublinha a forma fálica deste símbolo.

    Diferenciando-se dos partidos do arco governativo que optam por integrar grandes retratos de seus líderes, os cartazes da IL não seguem essa fórmula clássica. Será por Rui Rocha, formado em Direito pela Católica, ser um líder novo demais para o gosto do eleitorado português ou simplesmente por alguma falta de carisma? Ou talvez hajam razões bem mais prosaicas como o facto da sua imagem estar em transformação (no X vemo-lo agora sem óculos)? Não poderia concordar mais com o seu coach nesta mudança, de facto, os óculos de massa davam-lhe um ar de programador websites ou de informático.

    O foco desta presença no espaço público está em problemas concretos para se posicionar como um partido convicto e com ideias precisas que respondem às necessidades reais da vida em Portugal. Adoptando um estilo despretensioso, usa a caricatura para estimular uma pré-disposição positiva no eleitorado. Cada motivo é único mas decorre de um conceito-base maleável que promove reacções e um efeito multiplicador escalável para cativar diferentes comunidades. Os cartazes de rua da Iniciativa Liberal representam assim mais do que simples propaganda política: são uma manifestação de coragem e criatividade que desafia as convenções estabelecidas como ainda promovem o reequacionar do rumo da política contemporânea em Portugal.

    Colagem de cartaz. Fotografia de Ruy Otero

    Em última análise, o conteúdo desta campanha é bastante suave em comparação com a proposta programática deste partido que propõe um corte radical, colocando uma gestão privada no serviço público da Educação à Saúde.
    Num país onde a pobreza ou exclusão social ameaçam agora 2,1 milhões de portugueses e onde a taxa de risco de pobreza, antes de qualquer transferência social, atinge 41,8%, conforme indicado pelo estudo do Observatório das Desigualdades divulgado em Novembro de 2023, os princípios da IL parecem ser bem mais disruptivos do que a sua campanha de comunicação.

    Sara Battesti é estratega e especialista em Comunicação


    Avaliação do cartaz

    Design: 4/5

    Impacto: 4/5

    Eficácia: 5/5

    Média: 4,33/5


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  • Caminha: crónica dos lugares

    Caminha: crónica dos lugares

    A cor não sobrevive ao tempo.

    Não é que tudo tivesse aquele tom empastelado de areia compactada (naquele tempo). Não é que penas de tinta sépia esbatessem as nuvens, e a chuva estivesse sempre próxima, a enublar as vidas, enquanto carvão gasto, e espalhasse cinza pelos caminhos (daquele tempo).

    É que os anos amarelecem as coisas, como o ar oxida a maçã mordida. Então, a cor, não sobrevive ao tempo. E no fundo, cá dentro, ficamos a cismar que as pessoas viviam assim, sem azuis, verdes, laranjas, rosas, vermelhos.

    Quando toquei as cartas do território desde Vila Praia de Âncora até Caminha, passei logo as mãos pelo corpo da Serra d’Arga. Como quem acaricia. Quando fatiei aquela mancha, curva a curva, para empilhar cada camada como quem constrói um mundo (sobre o mundo, dentro do mundo), ganhei-lhe carinho.

    Enamoro-me profundamente por tudo o que conheço. Até do feio. Sinto-lhe o suor, o esforço, o anseio, e não o respeitar é uma desonra. Minto: será desonra? Traição? Violência, talvez, pelo menos.

    Por isso não sei se vos digo a verdade, mas em tudo, pelo caminho a Caminha, encontro beleza. Com carinho. Surgem casas, pendendo a cabeça ou os braços, de forma torta, desengonçada (têm as casas um rosto? Têm as casas mãos?). No fundo, se vivas e habitadas, até me aquecem a alma. Ali há gente, aquela casa é lar de alguém.

    Passei curvas apertadas e cruzei aldeias. Por exemplo, Argas, onde um carneiro me olhou com ar inquisidor (avisando). Passei dias no Mosteiro, perdida entre ribeiros, um bosque implantado por força de vontade e escadarias transformadas em monte.

    Passei noites num canto da Mata do Camarido, a ver se assim sabia o que era ser de Caminha, a raia, a irmandade silenciosa com Galiza, a Ínsua, Camposancos na saída do ferryboat.

    Sabem, Camposancos foi muitas coisas. Um edifício, só que tanto foi colégio jesuíta, como armazém de cereais, como campo de concentração de Franco, ali, de olhos postos em Portugal. Casas que podem ser assim, cascas de vários espíritos. Manoel de Oliveira ainda estudou ali, há umas vidas atrás.

    Venci a barra na mudança de maré a bordo de uma Gamela timonada por um senhor alcunhado de Garrafão. Fiz-me de forte, não sabia nadar, naquela altura, mas seria certamente imortal e, mais a mais, o Minho ali é nosso e brandura lusa não me ia encurtar a sentença.

    Mas a cor não sobrevive ao tempo.

    Talvez assim as memórias fiquem todas a preto e branco. E sépia (depende de lentes, papéis, químicos?).

    De Caminha ficaram-me meses de ondulação nas vagas, matas auspiciosas, a energia de então, os pastéis de lá, o Mosteiro, a Arga de São João, a água, a neblina (a água, em névoa), Santa Tecla (a água, ainda), as pedras (com água), uma ruína a caminho de Vilar de Mouros, as azenhas (moendo água), os caminhos encharcados.

    Sempre água.

    A cada volta.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


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