Categoria: Opinião

  • Filipe Froes: um charlatão vendilhão a tocar rabecão

    Filipe Froes: um charlatão vendilhão a tocar rabecão


    Apresentemos, brevemente, o Doutor Filipe Froes como cientista: no Scopus – uma base de dados que avalia o impacte científico – tem um h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações. É, temos de admitir, um desempenho bastante aceitável, embora a pandemia o tenha ajudado bastante: 31 artigos e 707 citações são posteriores a 2019.

    Apresentemos, brevemente, o Doutor Filipe Froes como marketeer: desde 2013 prestou-se, mesmo com exclusividade no SNS – e aproveitando-se de um regime especial dos médicos sindicalizados –, a fazer 342 serviços a farmacêuticas para lhes “vender o peixe” ou fazer lobby ou participar em brainstormings com o intuito de obter autorizações e negócios com o Estado. Ganhou, oficialmente, pelo menos, 475.519 euros [valores actualizados, a partir daqui, e tendo como fonte a pouco escrutinada plataforma do Infarmed). As suas relações com as farmacêuticas, depois de um inquérito a brincar da IGAS, estão agora a ser investigadas pelo Infarmed, conforme confirmação do respectivo Conselho Directivo ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado, embora, enfim, a probabilidade de se querer apurar responsabilidades deverá ser inversamente proporcional ao aumento dos seus rendimentos provenientes das farmacêuticas.

    a pile of money with a stethoscope on top of it

    Posto isto, o Dr. Filipe Froes veio ‘denunciar’, por estes dias – e curiosamente depois de o PÁGINA UM ter revelado que um “artigo científico com ‘peer review’ concluía que as vacinas contra a covid-19 matam 14 vezes mais do que salvam” –, e do alto da sua habitual petulância e prosápia, em tom gozão, de que “anda[va] a circular nas redes sociais um texto recentemente publicado na ‘famosíssima’ [escrito entre aspas para ironizar] revista Cureus (“COVID-19 mRNA Vaccines: Lessons Learned from the Registrational Trials and Global Vaccination Campaign” […] sobre o suposto excesso de mortalidade associado à vacina RNA mensageiro contra a COVID-19”. Titulou o seu post com o sugestivo título: “Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?

    E vai daí, para contrariar um artigo científico – tratando-o por “texto” – lança-se logo aos autores, ao velho estilo do ataque ao mensageiro face à incapacidade de atacar a mensagem, reputando-os de “um dos grupos habituais de negacionistas”. Esta estratégia do Dr. Filipe Froes pode ter dado frutos nos idos de 2020, 2021 e até 2022, mas já não colhe em 2024. Não pode colher. Não pode ele dizer barbaridades e sair airoso, como naquela ocasião em que ‘explicou’ à Júlia Pinheiro que a fase endémica assim se chamava porque era o fim (END, em inglês) da pandemia. O seu tempo de vendilhão tem de terminar. A sua ‘Ciência’ tem os dias contados, mas exige-se, se não decência (que nunca a teve), pelo menos humildade.

    Por isso, aqui vamos tratar do Doutor Filipe Froes.

    Texto do Doutor Filipe Froes na rede social Facebook.

    O Doutor Filipe Froes lança-se particularmente a Peter A. McCullough, dizendo ser “sobejamente conhecido por ter vários artigos despublicados por erros metodológicos e conclusões não fundamentados”. Pesquisa-se e somente se encontra um seu artigo retirado (Withdrawn), sem ser apresentada a justificação, na revista na Current in Cardiology em Outubro de 2021, quando falar de efeitos adversos (neste caso, miocardites) era um ‘crime de lesa majestade’.

    No mês passado, Janeiro de 2024, sendo outros os tempos, um artigo de Peter A. McCullough (com Jessica Rose e  Nicolas Hulscher), intitulado “Determinants of COVID-19 vaccine-induced myocarditis“, sensivelmente similar ao outro, foi publicado na revista científica Therapeutic Advances in Drug Safety. E aí concluiu que o número de notificações de miocardite após a vacinação contra a covid-19 em 2021 foi 223 vezes superior à média de todas as vacinas combinadas nos últimos 30 anos. Isto representou um aumento de 2500% no número absoluto de notificações no primeiro ano da campanha quando se comparam os valores históricos anteriores a 2021.

    Enfim, mas vejamos: que tipo de “negacionista anti-ciência” será então este Peter A. McCullough, tão ostracizado, desprezado e espezinhado pelo Doutor Filipe Froes? Pois bem, é um médico cardiologista bastante conceituado antes da pandemia, com um h-index de 107, fruto de 750 artigos científicos e 48.756 citações.

    Recordemos o status do Dr. Filipe Froes: um h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações.

    Estamos conversados.

    Registo actual do Scopus de Peter A. McCullough, um dos co-autores do artigo da Cureus.

    Ou não.

    Porque o Doutor Filipe Froes não fica só atrás de Peter A. McCullough no que concerne à credibilidade e desempenho científico. Dois outros dos co-autores do artigo científico, que ele quis menosprezar, têm valores bem mais elevados no Scopus: Stephanie Seneff, uma investigadora do MIT (Cambridge), contabiliza um h-index de 36, fruto de 191 artigos e 4.837 citações, enquanto Kris Denhaerynck, um investigador da Universidade de Basel apresenta um h-index de 35, fruto de 127 artigos e 4.229 citações.

    Vamos lá recordar a performance do Dr. Flipe Froes: h-index de 17, fruto de 62 artigos e 899 citações.

    Portanto, estamos triplamente conversados.

    Mas há mais.

    O Doutor Filipe Froes usa o triste ‘argumento da maioria’ para concluir a ‘narrativa imposta’ de que as vacinas contra a covid-19 são seguras e eficazes, enquanto, por um lado, o Infarmed continua a esconder os dados do Portal RAM com os registos dos efeitos adversos (questão que se encontra em recurso no Tribunal), e quer ignorar diversos outros estudos que colocam em causa a estratégia de vacinação. Veja-se, aliás, o recente estudo científico desenvolvido na Áustria e com participação do norte-americano John Ioannidis, o mais prestigiado e citado epidemiologista mundial, que questiona a estratégia de se vacinar sucessivamente a população, em geral, com novos reforços.

    Registo actual do Scopus do Doutor Filipe Froes.

    Como co-autor, Ioannidis publicou no European Journal of Clinical Investigation, esse estudo que analisou epidemiologicamente a população daquele país europeu em função do estatuto vacinal e da ocorrência de infecção prévia por SARS-CoV-2, tendo concluído que a eficácia de uma quarta dose para prevenir a morte por covid-19 era fraca. E também já escrevera em finais de 2022 sobre a necessidade de rever a estratégia de vacinação.

    Convém dizer que John Ionnidis tem um h-index de 188, completamente estratosférico face ao h-index de 17 do Doutor Filipe Froes.

    Aliás, e ainda convém dizer também que o Doutor Filipe Froes foi um dos ‘peritos’ que andou a endeusar o molnupiravir, da sua ‘querida’ MSD, em Novembro de 2021, que veio a ser retirado do mercado nacional em Julho de 2023, sabendo-se pouco depois,  em dois artigos da Nature, em Setembro e ainda em Outubro, que causava e acelerava mutações no SARS-CoV-2. Pior a emenda do que o soneto.

    E o Doutor Filipe Froes, consultor e marketeer da MSD (e da Pfizer e da AstraZeneca e de mais duas dezenas de farmacêuticas) caladinho que nem um fuso.

    Aliás, além de promotor de vacinas contra a covid-19 para todas as idades (e quantas mais melhor, ignorando até a eficaz imunidade natural), o Doutor Filipe Froes fartou-se também de ser o marketeer de anticorpos monoclonais e antivirais (Evusheld, Paxlovid, etc.) que, ou foram sendo abandonados por ineficazes, ou passaram a ser um mero negócio mesmo perante a evidência dos seus fraquíssimos resultados a partir da Omicron.

    E o Doutor Filipe Froes caladinho que nem um fuso.

    O antiviral elogiado pelo Doutor Filipe Froes acabou por ser retirado do mercado, e mais tarde concluiu-se que criava e acelerava mutações no SARS-CoV-2.

    Mas o Doutor Filipe Froes, julgando-se ainda um ‘protegido’ da imprensa mainstream – que saudades terá ele desses nefastos tempos de inquisição –, acha que pode dizer todas as alarvidades em modo impune.

    Diz ele, para desancar, que a Cureus “divulga no seu site que demora em média 1,5 dias para a primeira decisão e 33 dias para publicar um artigo”, e que isso são “prazos irreais no mundo das verdadeiras publicações científicas”.

    Então, se assim é, que tal incluir nesse lote o famoso protocolo Corman-Drosten que validou a metodologia dos polémicos testes de detecção do SARS-CoV-2? O artigo que o consagrou foi submetido à revista Eurosurveillance em 21 de Janeiro de 2020, foi aceite em 22 de Janeiro de 2020 e publicado no dia 23 de Janeiro de 2020. Entre a submissão e a publicação passaram três dias. Portanto, isto já não são “prazos irreais no mundo das verdadeiras publicações científicas”, pois não, Doutor Filipe Froes?

    Fanfarronices à Froes para papalvos.

    Mas vamos lá ver o que é, efectivamente, a revista Cureus, tão desprezada pelo Doutor Filipe Froes.

    A Cureus foi fundada em 2009 em Silicon Valley como uma plataforma líder no movimento editorial de Acesso Aberto (Open Acess) com uma filosofia que enfatizava a credibilidade científica em detrimento do impacto percebido. Com uma gestão de peer review expedito publicou cerca de 32 mil artigos até ser adquirida pela Springer Nature, o grupo editorial responsável por dezenas de revistas científicas, entre as quais a Nature. E manteve a filosofia.

    Em Novembro de 2022, a ‘ciência’ de Filipe Froes garantiu uma “pandemia tripla”, um mix de covid-19, gripe e VSR. Nada sucedeu de anormal.

    Sobre a credibilidade da Cureus – que o Doutor Filipe Froes cataloga como uma das “revistas de ‘vão de escada’ que vivem destes expedientes para ter visibilidade” –, citemos as palavras de Joachim Krieger, director administrativo da Springer Nature Health quando a adquiriu em Dezembro de 2022:

    Estamos muito satisfeitos em receber Cureus na família Springer Nature. Com a sua abordagem à publicação centrada na comunidade e o novo pensamento e cultura inovadores que trarão, estou ansioso por trabalhar em conjunto para criar um repositório dinâmico e aberto de conhecimento médico acessível a todo o Mundo”.

    O ‘caixote de lixo’ no “vão de escada” do Doutor Filipe Froes não parece afinal cheirar assim tão mal ao executivo da Springer Nature. Pelo contrário.

    Mas, já agora, convém acrescentar que o fundador da Cureus, e ainda seu co-editor-chefe, de seu nome John R. Adler, é, enfim, um catedrático emérito da, enfim, Universidade de Stanford. No Scopus tem ele um h-index de 64. Que tal?

    Lembram-se do h-index do Doutor Filipe Froes? Exacto: apenas 17 (e nem é mau de todo). Falta-lhe é humildade. Pelo menos…

    Já agora, só para chatear mais: o outro co-editor-chefe da Cureus, o alemão Alexander Muacevic, tem um h-index de 37.

    Página de John R. Adler, professor da Universidade de Stanford, fundador da Cureus e actual co-editor-chefe, mesmo depois da sua aquisição pela Springer Nature.

    Portanto, vejam a bazófia do Doutor Filipe Froes no ataque a um artigo científico que não lhe dá jeito. Lança lama a quem muitíssimos melhores atributos detém.

    Mas voltemos ao artigo da Cureus sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, que terão causado 14 vezes mais mortes do que as vidas por si salvas. Será que teve uma revisão assim tão apressada?

    Vejamos: a revisão começou em 11 de Agosto de 2023 e terminou em 23 de Janeiro de 2024, e o artigo foi publicado no dia seguinte. Portanto, o peer review demorou afinal 173 dias, ou seja, mais de cinco vezes o tempo médio criticado pelo Doutor Filipe Froes (e que ele quis fazer crer que fora o tempo da revisão do artigo sobre os efeitos adversos das vacinas).

    Mas mesmo assim: 173 dias, será pouco ou muito tempo?

    O tempo é uma medida sempre relativa (e até subjectiva), por isso nada melhor do que ver na perspectiva dos tempos de revisão dos próprios artigos científicos do Doutor Filipe Froes…

    Vamos a isso.

    O seu mais recente artigo, como nono co-autor, publicado na BMC Infectious Diseases, teve um tempo de revisão de… 173 dias. Acreditem, igualzinho: foi recebido pela revista em 19 de Abril do ano passado e acabou aceite em 9 de Outubro.

    Caramba: terá sido bem revisto pelos pares? Será a BMC Infectious Diseases também uma revista de ‘vão de escadas’? Claro que não! A BMC Infectious Diseases é uma revista da Springer Nature… tal como a Cureus.

    Primeira página do artigo da Cureus, onde surge a data do início da revisão (11 de Agosto de 2023) e do fim da revisão (23 de Janeiro de 2024).

    Vamos então ao segundo mais recente artigo científico do Doutor Filipe Froes – onde ele surge como 33º de entre 37 autores (estas ‘molhadas’ em Ciência são muitos normais para melhorar o CV) – publicado na Intensive Care Medicine. Oh, diabo! Também é do grupo Springer Nature, a mesma da Cureus. Vamos a contas: foi recebido em 21 de Abril de 2023 e, depois de revista pelos pares, acabou aceite em 22 de Agosto do mesmo ano. Isto dá 123 dias. Ora bolas! Menos tempo do que o tal artigo da ‘péssima’ Cureus.

    Mas vamos agora escrutinar onde também o Doutor Filipe Froes, avesso a revistas de “vão de escada”, aprecia publicar. Um dos seus últimos artigos científicos saiu ainda no ano passado sob o título “COVID-19 Vaccination in the Portuguese Medical Community: An Unprecedented Campaign Coordinated by the Portuguese Medical Association”. Na verdade, é uma pura descrição da polémica campanha de vacinação de médicos não-prioritários contra a norma da DGS. Trata-se de um artigo de grande simplicidade, nas suas cinco páginas, mas o elemento mais interessante é publicação: Acta Médica Portuguesa, que, para quem não sabe, é a revista científica da Ordem dos Médicos.

    Ora, nem por acaso, o primeiro autor deste artigo (supostamente) científico é o Doutor Miguel Guimarães, então ainda bastonário da Ordem dos Médicos. Estava tudo em casa, portanto.

    E assim, por artes mágicas, este fabuloso artigo científico do Doutor Filipe Froes – o mesmo homem que chamou revista de ‘vão de escadas’ a uma revista da Springer Nature por se gastar ‘apenas’ 173 dias a aceitar um artigo – demorou cinco dias apenas a ser aceite na extraordinária Acta Médica Portuguesa. Cinco dias, atenção, que incluíram um fim-de-semana: o dia 4 de Fevereiro de 2023 foi sábado e 5 foi domingo. Portanto , uma ‘revisão’ em três dias úteis.

    Isto já é Ciência para o Doutor Filipe Froes.

    Referências aos prazos de recepção de um artigo que tem Filipe Froes e o ex-bastonário Miguel Guimarães que saiu publicado na própria revista científica da Ordem dos Médicos. A revisão demorou cinco dias.

    E se formos para os artigos da Pulmonology, a revista da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, onde o Doutor Filipe Froes também publica muito, a coisa não é muito melhor. Por exemplo, um recente artigo dele – que tem como co-autor o próprio presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais (os currículos científicos também se fazem assim, sem grandes preocupações de conflito de interesse) – foi recebido a 10 de Outubro do ano passado e aceite logo a 14 de Novembro, ou seja, 35 dias.

    Isto já é Ciência para o Doutor Filipe Froes.

    Mas vamos ser claros. Os tempos de ‘revisão’ são um falacioso indicador de qualidade [veja-se esta resposta de John Adler]. Em todo o caso, se algo de mal traz então abrangeu sobretudo a profusa publicação de artigos científicos em redor do uso de certos medicamentos contra a covid-19 com Ciência de duvidosa qualidade, e que muitas vezes contribuíram para calar vozes dissonantes. A eficácia dos lockdowns e das restrições, a implementação dos passaportes sanitários, a administração da vacinação em crianças e jovens, bem como a decisão de gastar milhões e milhões de euros em medicamentos patenteados, vieram de muitos artigos científicos ‘turbinados’ com ‘peer reviews’ à la carte.

    Uma interessante análise comparativa sobre a duração do processo de aceitação de artigos científicos durante a pandemia – e há muitas mais sobre o mesmo tema – comprova que diversas conceituadas revistas reduziram consideravelmente os prazos do processo de publicação. Por exemplo, a Eurosurveillance – onde foi publicado o polémico famoso protocolo Corman-Drosten – demorava cerca de 168 dias no processo de publicação e 106 dias na fase de revisão no período anterior à pandemia, mas durante a pandemia os prazos foram encurtados para 10 e 8 dias, respectivamente.

    woman in black tank top covering her face with her hands

    Das 14 conceituadas revistas científicas alvo dessa análise, fica-se a saber que, antes da pandemia, o tempo médio para todo o processo de publicação era de 117,4 dias e o de revisão de 95,9 dias, mas passou, durante a pandemia, para 60,3 e 51 dias, respectivamente. Além da Eurosurveillance, o Journal of Hospital Infection (10 dias), o Journal of Medical Virology (10,3 dias), o Travel Medicine and Infection Disease (12,6 dias) passaram a demorar menos de 20 dias no processo de revisão.

    E depois a Cureus é que é uma revista de ‘vão de escada’, Doutor Filipe Froes?

    Atine, homem!


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  • Negrita: take 2

    Negrita: take 2

    De vez em quando vou a Lisboa. Tenho o privilégio de não ter hora marcada para chegar, o que me faz desfrutar do percurso de 35 quilómetros que faço na minha Honda NC750 azul pérola. Entre a minha aldeia e a entrada da auto-estrada na Malveira, o caminho é sinuoso, com curvas e contracurvas junto à Tapada de Mafra. A neblina matinal impregna o ar com uma frescura revigorante, especialmente para quem não está habituado a acordar antes das 10 da manhã.

    Como vou juntamente com a Sara, que para quem não sabe, é a Sara, conectamos nossos intercomunicadores de capacete, que, na minha opinião, são o melhor sistema de comunicação Bluetooth do mundo. Com conexão dupla via Freecom, esses intercomunicadores proporcionam uma comunicação em tempo real equipada com som da JBL e a mais recente tecnologia para re-conexão automática, garantindo, sobretudo, uma qualidade sonora primorosa. Com uma capacidade ultra de emissão/recepção, por vezes, no meio das nossas conversas sobre fertilizantes orgânicos ou activos tóxicos, surgem-nos sons codificados e complexos que, sem dúvida, são de origem extraterrestre ou então dos camionistas da A8.

    Ilustração de Ruy Otero

    Como houve um acidente em Frielas, reduzi a velocidade e fui passando no meio dos carros parados, enquanto comentávamos a postura de quem desesperava de tanto esperar. Senti-me superior a essas pessoas que coçavam o nariz ou iam vendo numa qualquer rede anti-social as notícias do dia.
    Um casal assistia atentamente a um vídeo do conhecido seguidor de Julian Assange, o youtuber Nicolás Moras, que discutia as redes obscuras do Papa Francisco na Argentina. Enquanto isso, uma rapariga, pintando os lábios ao espelho, ouvia o podcast de Joe Rogan sobre o Big Foot. Sem querer parecer conspiracionista chalupa, juro-vos que já o vi no Estádio do Dragão com megafone em punho!

     Facilmente desembaracei-me do trânsito e cheguei a Sacavém, que é premiada com uma vista deslumbrante sobre o rio que confunde muitos turistas, pensando que é mar tal é a sua extensão. Até aqueles blocos uniformes dos prédios da Portela exercem em mim um encanto semelhante ao Tetris numa Arcade do salão de jogos Monumental da Avenida Álvares Cabral.

    Como a Sara trabalha na zona de Santa Apolónia, passámos junto aos quarteirões flutuantes que por lá proliferam. Apesar da estação fluvial ser novinha em folha, os seus motores têm de ficar ligados para poderem ter a energia eléctrica necessária para os ares condicionados e frigoríficos. Pelo facto de usarem um combustível barato chamado Bunker Oil, os gases emitidos parecem equivaler a um milhão de carros, embora a precisão dessa estimativa permaneça incerta para mim. Mas é pouco sustentável, disso não tenho dúvidas. Ao passar de moto, acabo por rir daqueles/as/x/@/#/& atletas amadores/as/x/@/#/& que se pavoneiam como se estivessem na Promenade des Anglais na Côte d’Azur. Com a poluição produzida pelos cruzeiros com bandeira de Malta ou do Panamá, os seus pulmões devem estar mais negros que os meus com trinta anos de Davidoff Classic no bucho!

    Ilustração de Ruy Otero e Nuno Bettencourt

    Ao chegar ao Campo de Santa Clara, um vislumbre de Sérgio Godinho. É terça-feira e a feira da ladra quase transborda de abarrotada. Lá arranjei um cantinho ilegal para estacionar com a complacência do Polícia Municipal, que assobiou para o lado, tal como o Luís Godinho fingiu que não viu aquele penálti descarado a favor do Sporting. Senti-me o Bernard Tapie do Codeçal.

    Desmontámos entre bonecas decapitadas e plumas roxas a cheirar a naftalina, e sou logo abordado por um mitra a cravar-me um cigarro. Com uma altivez meio ressabiada, digo: “Desculpa, mas não fumo.” A inveja que senti daquele mano. Agora, dou por mim a parar em frente aos restaurantes para levar com umas valentes baforadas de nicotina dos cigarros dos outros. Cada vez se torna mais difícil fumar desta forma, de graça e sem culpa. As geringonças electrónicas estão a substituir a fabulosa combustão de alcatrão. A dependência agora não é apenas da nicotina, mas também das pilhas MPV 18650 20A 3500mAh Master Pro Vape.

    Apetecia-me um café. A escolha entre o lote de feijão queimado Delta do Panteão e o lote Marfim Negrita da Focaccia in Giro parecia-me óbvia. Apesar de agora me sentir um pouco saloio e turista na minha própria cidade, não vou pagar 1€ por cada café. Siga para o que tem o Correio da Manhã para eu ter mais pormenores do Macaco das Antas. A Sara recordou-me que devia aproveitar para escrever outro artigo sobre os cafés Negrita e lá me convenceu a ir àquele sítio moderninho com um simples “deixa estar, eu pago!” Meti as minhas garras de fora e preparei-me para destilar ódio.

    Ilustração de Ruy Otero

    Entro na esplanada com cadeiras de tecido vermelhas patrocinadas pela cerveja Estrella Damm e vejo-me cercado de clientes que se chamam Björn, Astrid ou Henrik. Pareceu-me evidente que aquele estabelecimento foi concebido para atrair turistas, não para satisfazer as necessidades de residentes locais. Quem sou eu para dar conselhos, mas é sempre perigoso tornar-se dependente de um tipo de clientes. Basta um abanão no turismo lisboeta e muitas canoas vão ao fundo.

    Bem sei que é tentador ter o mobiliário dado gratuitamente por alguma marca, porém a estética da cidade fica fortemente comprometida com esta opção, e já agora a do próprio estabelecimento. Espreito para o interior e vejo o mobiliário reciclado e candeeiros vintage. Uma proposta estética meio nórdica, meio marroquina. Se o exterior é oportunisticamente “brandizado” sem qualquer sofisticação, apesar de ser uma esplanada generosa que beneficia do arvoredo do Jardim Botto Machado, o interior deste café-restaurante é singular, cuidadosamente decorado com serigrafias e cartazes de cinema, onde se destaca o “Vertigo” de Alfred Hitchcock dos anos 50, espelhos ovais que reflectem a luz. No aparador, vemos uma colecção de objectos diversos que vão desde uma ventoinha, candeeiros de bolbos coloridos, vasos em cerâmica com figuras humanas, criando um ambiente doméstico bem confortável, onde até encontramos uma foto de família com a avó do proprietário, cujo talento na cozinha é a inspiração das famosas focaccias.

    O destaque é dado pela Piaggio laranja que deu origem ao projecto inicialmente móvel, rodeada de mesas de vários tamanhos, algumas feitas com portas de prédios centenários recicladas em tampos, cadeiras de todos os feitios.

    Vou ficar uma hora a resmungar e a afirmar convictamente que tinha razão nos meus preconceitos. Poderia fazê-lo à vontade que ninguém me entenderia.

    Esplanada Foccacia in Giro, Campo Santa Clara, Lisboa. Foto: ©Bruno Cecílio

    Sentámo-nos na esplanada mesmo junto à entrada do restaurante, enquanto os restantes clientes iam brunchando, nós apenas queríamos dois cafés em meia chávena. Tudo o que era servido tinha óptimo aspecto, todavia eu não queria vender um rim para o poder pagar. Ainda pedi o menu para saber o que propunham, mas não havia em papel. Durante doze minutos tentei visualizá-lo em vão através do QR code no meu Nokia 3310. Ainda estão nessa fase de propostas assépticas e desmaterializadas. Bom, pelo menos agora já me é permitido o consumo sem apresentar qualquer tipo de certificado digital.

    Primeiro café: RAL 8014

    Segundo café: RAL 8011

    A Sara chamou o seu conhecido Enrico, co-proprietário para solicitar que fosse ver o que se passava, já que os cafés não estavam a sair bem. Felizmente, como não tínhamos pressa, fomos desfrutando de um lindo sol de Fevereiro e demos graças a Deus pelo aquecimento global. Se fosse eu a mandar, cristalizava a temperatura de Lisboa nos 21 graus. Por entre a algazarra da feira e o magnífico “Dirty Boots” dos Sonic Youth que entretanto um feirante tinha posto a tocar, o Enrico lá apareceu com um café na mão. Olhei para aquela espuma de quatro milímetros, cor avelã, fruto desta perfeita alquimia entre água, temperatura, pressão e café. Não há outra bebida no mundo que seja capaz de me proporcionar as mesmas sensações gustativas e olfactivas. Este sim é a Uma Thurman, que agarra em mim, atira-me para o chão, vaza-me um olho e no fim, beija-me a boca com um aroma intenso, poderoso, elegante, nobre e sensual. Grazie Enrico pela tua sabedoria em reconhecer e resolver um claro problema que estava a acontecer. Como o fizeste, nem me interessa. Esse não é o meu papel. Quero tão somente os sabores bem misturados, a sensação amarga, clara e as suas notas de chocolate, flores e frutas.

    Ilustração de Ruy Otero a partir do cartaz do filme Vertigo de Alfred Hitchcock

    Um apontamento importante: sentir algumas borras na boca foi desagradável.

    Dei por mim com um pequeno poder que me incomodou sobremaneira. Entrei naquele restaurante preparado para arranhar qual gato aquele negócio familiar e saí, agradecendo a sua existência. Sim, sou humano e tenho preconceitos, e você? Tendo sido amplamente citada a frase de Lili Caneças: “Estar vivo é o contrário de estar morto”, é porque de facto ela caracteriza na perfeição o aroma necessário ao perfume da vida.

    Bruno Cecílio é artista


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  • … e extinguiram-se

    … e extinguiram-se


    A Breve História do Mundo deveria dizer: os humanos modificam o ambiente, transformam paisagens. Os humanos alteram os cursos dos rios e aplainam montanhas. A Breve História do Mundo deveria referir: os homens matam-se, mas não o suficiente pois reproduzem-se como poucos.

    Então, os humanos são uma praga? Um infortúnio?

    A Breve História do Mundo só podia ter sido escrita por pessoas. A História só existe porque há pessoas. A Humanidade canta a beleza da Terra, descreve-a em livros e pinta-a. O Mundo diria que os humanos o endeusam! Os humanos carregam características tremendas, sendo difíceis de amar.

    view of Earth and satellite

    Mas, se não fossem assim, não eram pessoas. Refilam, protestam, discordam, fogem dos carreiros, inventam e criam coisas novas. O legado dos homens é incomparavelmente mais importante para o Mundo do que o dos cães. Não haveria nenhum destes cães se não os inventassem os humanos.

    A detalhada história da Humanidade diria que um caniche ou um chihuahua não sobreviveriam em selva alguma. Já dos gatos, a realidade é bem diferente. Predadores natos, eles se reproduziriam, matariam tudo o que mexe e tem menos de dez centímetros, e acabariam por se adaptar.

    Aos homens se deve o toiro das corridas de toiros. Aos humanos temos de atribuir as galinhas brancas dos aviários. A espécie, para sobreviver sem fome, percebeu que tinha de evoluir num sentido de uma ferocidade inovadora. A História do Mundo falará das varas, manadas, cardumes, aviários que os humanos produziram para criar seus excessos alimentares.

    Uma coisa feroz e violenta que permite a alimentação de quase oito mil milhões de criaturas, pensadores, e religiosos habitantes da terra. Porque se viram para Deus estas criaturas criadoras que cumprem uma missão divina?

    person holding black and brown globe ball while standing on grass land golden hour photography

    Eles mudam a paisagem, constroem prédios até às nuvens, habitam desertos e gelos que deviam ser inóspitos. Eles voam, navegam, comunicam sem carecer de se ver ou tocar. Eles arquivam informação e escrevem sonhos e fantasias. São tenebrosos e apocalípticos, fizeram desaparecer centenas de outros habitantes da Terra, desmataram florestas, abriram canais e misturaram águas antes intocadas.

    A detalhada História do Mundo falará das bombas e das guerras, dos morticínios e das chacinas.  Haverá um capítulo que explicará como toda a inteligência era intolerante e como todas as ideologias eram evangélicas. Todos desejavam convencer os restantes das suas certezas.

    Assim, um dia, a Breve História do Mundo dirá que os humanos que habitaram na época de um dos aquecimentos da Terra seriam extintos como os dinossauros. Eram inteligentes, criativos, intolerantes e mataram-se. A Terra recuperou nos milhares de anos seguintes.   

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Uma foto, ou um fundo no fundo

    Uma foto, ou um fundo no fundo

    Se há uma coisa que me fascina são as cores, outra são os insetos, mas  desses invertebrados pouco amigáveis nada direi neste texto.

    Fascinante também, é o mundo atual e as suas incongruências.,

    Diz a ciência que cada um vê a sua cor. Cada um tem a cor que merece, acrescento, não querendo ser profundo. Saiu-me assim de rompante, da massa cinzenta, sem mais nem menos. Sei também que para uns, mais é menos, mas não quero entrar por essa porta fonética, cheia de pregos ferrugentos quando mal aberta, ou fechada, que para esta coluna, quer dizer o mesmo. 

    No mundo das cores só sei que, se aquilo para mim é verde-eucalipto, pode não ser para o outro(a). Se aquela jarra é violeta para o João, pode perfeitamente ser rosa para a Carla. Se aquele carro elétrico a lítio é azul céu para o E. Musk, não quer dizer que para o B. Clinton o seja, nem mesmo para a H. Clinton, já agora. Aliás, ‘adoro’ mesmo muito este casal muito democrático e muito colorido, se me é permitida a redundância… Poderia até ser vermelho, para eles, e serem um caso grave de daltonismo, mas isso será sempre especulativo (conspirativo) e também não interessa aqui para este espaço que pretende, apesar de tudo, ser pouco monocromático e não político.

    Até neste tema das cores, haverá sempre argumentos para os seres humanos discordarem uns dos outros e arranjarem confusão. 

    Se até por causa de um verde alface podem pessoas andar à porrada e acabarem a enfiarem uma garrafa partida pela goela abaixo de um(a) desgraçado(a), que apenas proferiu uma banalidade, por exemplo, sobre o arco-íris. Imaginemos então, o que não poderia suceder, numa discussão sobre identidade de género, mais acalorada, ou numa em que se usassem terminologias políticas, tipo capitalismo ou liberalismo.

    Mas ainda assim, eu quero falar de cores e de um recente episódio que me aconteceu, que até me quis fazer mudar aquilo que estão a ver aí em cima deste texto, bem redondinho que é… A minha cara. 

    Sim, hoje deveria constar uma bola preta, sem qualquer tipo de interesse para a maioria das pessoas. Para mim, continuaria a ter interesse, porque essa não-cor mesmo que seja discutível, ainda, é uma cor, ou não? E remete para a arte conceptual. Arte simplória e complexa, dependendo sempre de quem a faz e olha.

    Mas não.

    A programação do site não o permite, mudaria para sempre a minha face aí dentro da bolinha, Daí a necessidade deste texto. 

    Terei todo o cuidado na abordagem deste assunto, e peço que não abandonem já a leitura – primeiro porque não vou entrar, nem por questões polémicas e fracturantes, de raça ou de género, tipo se as cores são masculinas ou femininas, como já vi a matemática ser tratada. Aí não me apanham. Sou completamente normal e pela igualdade de tudo.  Ponto final. E segundo… não há segundo.

    Gostaria mesmo de referir-me a duas cores, o azul e o amarelo, duas cores que estão no meu top-colour. 

    Se estiverem atentos a pormenores, e fizerem zoom à minha cara, para verem o que quiserem nela, percebem certamente que o fundo é uma publicidade, cujo amarelo e o azul são predominantes. 

    Ou não…

    Ilustração de Rita Belchior

    Tenho um amigo que percebe bastante de fundos e também da mente humana. Depois do meu primeiro texto publicado aqui, ele ligou-me no dia seguinte à publicação. 

    Disse-me:

    – Tu agora és daqueles que estão a favor da Ucrânia?

    Entrou logo a matar. 

    – Não. Nem a favor nem contra. Não percebo nada desta guerra. Mas não gosto de invasões, é claro. Não estou a perceber! Não é preciso entrares assim a matar só porque estás a falar de guerras. 

    Disse eu, deveras intrigado, porque vindo dele era estranha a entrada à bruta e sem subtileza.  

    – Não estás?

    – Não. Mas já agora, tu é que sempre foste deliberadamente a favor da Ucrânia e naturalmente contra a Rússia, embora até sejas do PCP. 

    – Não estás mesmo a perceber? E calma, já não sou do PCP. E era dos Verdes, já que estamos na atmosfera das cores. 

    Respondeu com aquele tom irónico que lhe é característico. 

    – Não. Até me estás a chatear. Diz lá. 

    – A tua fotografia que acompanha o texto anterior, vista assim e à primeira, parece que tem a bandeira da Ucrânia atrás.

    – O quê? Aquilo é uma publicidade à Fidelidade, ou lá o que é. 

    Respondi de rajada. Jamais gostaria de estar conotado com bandeiras. A minha costela de esquerda nunca o permitiria. Para a esquerda não há pátrias, há a Internacional Socialista. 

    – Mas visto assim não parece e pode gerar equívocos. 

    – Quais equívocos?

    – Não é bom para o teu tipo de textos, que te associem a movimentos e tendências e até a países. É um conselho que te dou, depois é contigo. Aposta na ambiguidade, é amiga do tempo.

    – Então se eu tiver uma parede vermelha atrás, vão associar-me imediatamente ao Benfica?

    – Não. Mas aqui trata-se de outra coisa. Muita gente vestiu a camisola da Ucrânia para protestar contra o que está a acontecer, inclusivamente eu, e essas cores tornaram-se icónicas de um tempo. Por isso… Está dito. Não imponho nada. Tu é que sabes… .

    – Estou aqui a ver a foto no meu iPhone, e realmente tem as mesmas cores da Ucrânia, e até tem aqui uma risca que parece de uma bandeira. 

    Mas, e fazendo zoom, isto mesmo assim, só tem para aí uns 8mm de azul por exemplo, ou de amarelo. Não sei se é assim tão evidente. Pelo menos no telemóvel. 

    -Tu é que sabes. 

    Disse, peremptório e com algum enigma à mistura. 

    -Mas eu é que sei, o quê?

    -Não digo mais nada. Tenho de ir à piscina nadar crawl

    E desligou. 

    Ilustração de Rita Belchior.

    Fiquei a pensar. Normalmente, o Filipe fazia-me pensar nas coisas, encontrava sempre uns ângulos interessantes sob os quais olhar, mas desta vez surpreendeu-me deveras. Andaria a ver coisas novas na Net? A verdade é que já não falávamos há algum tempo. 

    A alternativa seria meter um fundo de uma só cor, mas também, no caso de alguém ter reparado no pormenor, também seria estranho agora alterar o fundo. 

    Ainda pensei em arranjar outra fotografia, tenho muitas, mas inequivocamente aquela era de longe a melhor.

    O programa tiraria esta foto do texto anterior, e assim este texto perderia o sentido. E ainda para mais, naquela eu reconhecia-me totalmente. É raro encontrar uma fotografia justa em relação às pessoas. Ou fazem muitas poses, ou usam os programas de edição em demasia, ou não têm cuidado algum e vai a que for, mesmo que o efeito da grande angular lhes meta o nariz do tamanho de um porta aviões. Tenho um amigo que tem tão pouco cuidado com a sua imagem que já chegou a dar para o bilhete de identidade a fotografia de outro, por engano, ainda por cima, muito mais gordo e com cara de vilão da Disney. 

    Odeio quando conheço ao vivo uma pessoa e já vi a fotografia dela, normalmente é uma desilusão, embora já me tenha habituado ao fenómeno. 

    Encontrar a fotografia justa, não é óbvio nem comum. A luz, o ângulo, as olheiras anormais desse dia, a expressão tensa, enfim, imensas variáveis em que não é fácil ajustarem-se todas à mesma hora para uma boa “flashada”.  Mas aquela fotografia era perfeita. Quem me visse ao vivo, iria automaticamente reconhecer-me. E isso é reconfortante. Não haveria cá tangas… Mesmo que ao vivo tenha olheiras, ou a barba feita, ou o cabelo mais curto, ou mesmo um olho negro por ter tido uma discussão sobre… Cores. 

    Será bem assim? Às vezes  claro que tenho dúvidas. Quando uma pessoa se olha ao espelho, ou se vê numa foto, tende a deformar-se, tende a não gostar.

    Quando uns olhos olham outros, que são os mesmos, não vêm nada. Este é um dos dramas do mundo. O outro é a raiva que me mete aquelas pessoas que no Inverno, mal aparece um bocadinho de sol e calor, calçam logo os chinelos e põem manga curta.

    Como é que um pouco de azul ou de amarelo, tem a capacidade de quase me estragar o dia. 

    Estarei a exagerar?

    Aquilo é tão pequeno, e duvido que as pessoas façam zoom para ver caras. Por dia já vêm, sem querer, um milhão. Quem é que procura caras?.. Os do tinder ainda percebo. Será que aí faria mal, ou bem, ter a bandeira da Ucrânia por trás da carantonha? Nunca se sabe.

    Mas também quem está no tinder não está bem à procura de grandes debates sobre geopolítica. Digo eu. Bem, mas também há todo o tipo de fantasias…

    Tentei fazer uma foto novamente da minha cara, da qual me orgulhasse, e que não fosse mais uma corriqueira. A primeira selfie saiu logo mal, demasiada pose, a segunda desfocou demais, a terceira queimou, na quarta, eu por estar tão irritado com o falhanço das anteriores, tinha uma cara de chateado. Não estava a resultar de forma nenhuma. A única vantagem em relação à “ucraniana” era o fundo que realmente escolhi bem. Era branco e neutro. Sei que há apps no telemóvel que já põem o fundo que quisermos, mas não gosto de usar apps, a minha costela de direita conservadora está sempre a fazer soar o alarme. 

    Ilustração de Nuno Bettencourt

    À quinta, fiz uma cara nojenta que, de certeza não é a minha, e se for, mete nojo.

    Delete.

    Espero que tenha sido da lente, estes iPhones às vezes…

    Não é a minha cara que está deformada, é a lente. Reconforta-me este tipo de pensamentos. À vigésima desisti, e pensei ir a um programa de IA para dar uns retoques na original, e manter a alma. Mas pensei melhor, e arrependi-me. O algoritmo de alma não percebe um caracol. 

    Também, qual é o problema se uma parte dos leitores me associarem eventualmente à defesa desse país, ostracizado pelos russos?

    Até podia ser justo. Claro que seria sempre sem querer, dessa guerra não tenho grande conhecimento. Uma vez até, tentei ver aquele programa com o José Milhazes e o Nuno Rogeiro, para adquirir alguma informação relevante, mas não consegui. Parecia que estava a ver um sketch dos Malucos do Riso. 

    Nunca gostei do Putin, que já anda aí ao tempo, do Zelensky nada sabia, até ter estoirado a guerra, mas, e tenho esse direito, odeio as t-shirts que ele usa, e soa-me a falso demais. Fez umas fotos para a Vogue que não me caíram lá muito bem, e a voz irrita-me, mas daí a saber se tem razão ou não…

    Ainda para mais, não sei nada desse país que uns dizem que tem imensos Neonazis lá metidos ao barulho. Dizem, não sei. Nunca gastei o dedo a pesquisar.

    Claro que os ucranianos não têm culpa disso, e poderia perfeitamente estar a dar o meu contributo desta forma imagetica à causa, sem que venha daí mal ao mundo.  Não será por oportunismo, tratou-se de um acaso, já está, mas não, por outro lado… Ficaria mal, sem dúvida. Poderia efetivamente ser visto como oportunismo digital, um oportunismo bastante na moda. 

    Sei, no entanto, que até cairia bem a muita gente, hoje as guerrilhas são feitas assim no sofá, mas os leitores do PÁGINA UM, parecem diferentes. 

    No entanto, sei lá eu quem são. 

    O mundo é hoje muito pequeno, mas o desconhecimento geral é muito grande, como o meu por exemplo, em relação a esta guerra da qual não sei nada. Uma vez um amigo perguntou-me por quem estava, e respondi aquilo que me pareceu evidente – pelos mais fracos. Mas pensando hoje sobre o assunto, será que é uma questão de fortes e fracos, tipo, Benfica contra o Arouca!.. . Não será tudo mais complexo?

    É confuso.

    Ilustração de Rita Belchior

    Seria até simplista demais da minha parte, depois do meu texto sobre Davos, ver a coisa sem o mínimo de complexidade, mas a verdade é que me parece difícil saber realmente o que está a acontecer naquela zona. É deplorável um país invadir outro, disso estou seguro.

    Até depois de uma pesquisa rápida na Net, percebi que até agora, morreram várias centenas de milhares de soldados russos, o que também é estranho, uma vez que são pintados como uma potência militar. Sei que na Rússia, quem não estiver com o presidente acaba invariavelmente na prisão. E eu cá não quero ter nada a ver com isso. Mas, e se estiver, ainda que sem querer, do lado dos ucranianos, será que não estou a ser injusto com outros ucranianos que até se sentem russos? Mas porque é que uma pessoa tem de estar sempre do lado de alguma coisa? Já me chegam as dificuldades que por vezes acarreta ter de apoiar os amigos. 

    Perguntei a uma amiga se a fotografia lhe remetia para a Ucrânia. Disse que não, que isso já era coisa do passado, que agora devia era dar apoio à Palestina. Mas desse assunto também sei pouco, senti-me até culpado depois. Já tenho tanta coisa em que pensar, e mesmo julgando ter informação sobre outros acontecimentos do mundo político, não me é fácil relacionar as coisas. Ela insinuou até, que eu, agora, era sionista. Vi logo onde é que o prolongamento daquela conversa iria dar e fui nadar crawl.  

    Umas horas depois, perguntei à minha mãe se a fotografia de facto me conotava com a Ucrânia, e ela disse que sim. Acontece, que ela é uma fervorosa apoiante do Putin. Ficou chateada e não me deu a mais pequena chance de contrariá-la. Disse-me ainda, quando saía, que eu era facilmente manipulável pela televisão. Já nem respondi. 

    Se virem bem, a coisa está negra, ou será só um exagero da minha parte?

    Há uns anos, esta questão não se teria posto. Era amarelo e azul, e então?

    A maior parte das pessoas que reparasse nisso, iria achar que eu era apoiante e adepto do Estoril Praia, quando muito, e seria motivo de gozo. Mas hoje as coisas não se passam bem assim. 

    Hoje, por um lado, até é melhor, se virmos bem e pelo ângulo certo. Hoje podemos escrever um texto sobre essa ficção em que a realidade não só se confunde, como facilmente a penetra, ao ponto de sermos nós próprios a linguagem. 

    E isso, lamento, mas é bom. 

    Não sei nada sobre a Ucrânia, ok, qual é o problema!

    Ilustração de Rita Belchior

    A maior parte das pessoas também tenho dúvidas que saibam, mesmo os que andaram a carregar com as cores da bandeira às costas. Então, mas a guerra continua e já não se vê grandes apoios nas janelas e nos computadores, que são outras janelas, mas onde é que andam hoje as bandeiras?

    Não sou contra, evidentemente, que se apoie seja o que for, sobretudo se  parecer justo, mas convém saber do que se fala. Eu, nesse caso, estarei sempre à vontade, porque em todo o tempo, fui contra todas as guerras. Nem a tropa fiz. 

    Já saber as regras do trânsito é um problema, ou escrever sem erros ortográficos, quanto mais ter de reconhecer Dombass no mapa político, ou ter de saber se o Shaktar Donetsk ainda joga à bola. A vida não pode ser a metáfora da entrada num supermercado.

    Não. Deixo ficar a foto e pronto, não se fala mais nisso. Se calhar também ninguém repara, nem mesmo depois da leitura do texto.

    Acho que o mundo precisa mais de cor, anda tudo muito a preto e branco. Estamos quase dentro de um filme mudo, em que todos gritam ao mesmo tempo mas ninguém consegue ouvir o realizador. 

    Ruy Otero é artista media


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  • Antes de mais nada, R-E-S-P-E-C-T

    Antes de mais nada, R-E-S-P-E-C-T

    Deus dá-nos as nozes mas não é Ele quem as parte.

    Provérbio transmontano


    Homenagem a Maria Antónia Fiadeiro,

    Onde se contam as histórias

    Ocultas até hoje


    Convocámos este título inconfundível porque, já que aqui chegámos, aproveitamos a embalagem e, de caminho, homenageamos também a Grande Arietta Franklin. Pode não ter queimado um único sutiã, mas exigiu respeito a vida inteira. Tinha a voz perfeita para isso, e a legitimidade de um passado em que os avós eram escravos. Nunca militou por causas especificamente feministas, mas – ah. Que grande sobressalto causava a sua presença enorme em palco. Era o tipo de presença que nenhum homem poderia alguma vez vir a ter. Era o tipo de presença que ensinou à nossa geração umas lições muito sérias que nós, felizes e estouvadas, bem precisávamos de aprender. Porque era o tipo de presença que só podem ter aquelas que, como Arietta Franklin, ergueram o queixo e, muito naturalmente e muito assumidamente, foram m-u-l-h-e-res muito grandes. And hey, now you deal with it[1].


    Quem muda seja o que for no mundo racista, chauvinista, paternalista e sexista da música soul está evidentemente a mudar alguma coisa no mundo. Sendo assim, claro que o mundo foi mudado por esta mulher enorme que entra em palco de visom comprido, seguida por um coro de Gospel. Vai sentar-se ao piano, solta de lá aquela voz rouca de timbre assombroso que já tinha aos catorze anos, canta até chegar ao clímax final, começa a subir com o coro por trás e vamos lá, “you make me feel like a natural woman – a woman – a woman – a woman – a wo-o-o-o-man!” – e, na batida em crescendo da música, franze as sobrancelhas, salta do piano, agiganta-se de pé no palco, levanta os braços, e – ó momento! – despe e atira para o chão o seu casaco de vison, enquanto o coro explode em harmonias atrás da sua voz sempre firme. No camarote presidencial, Carole King[2] vai ter um AVC a qualquer momento. Michelle, nessa noite linda de morrer, levanta-se sobre o voo do casaco e desata a aplaudir como quem dança. O Primeiro Presidente Negro dos Estados Unidos encostou a cabeça ao espaldar do cadeirão e secou uma lágrima[3].

    Arietta foi aqui chamada como termo de comparação para a portuguesa Maria Antónia Fiadeiro, que eu ouvi cantar várias vezes quando ela se juntava ao meu bando nas nossas noitadas ocasionais de aventura pós-laboral conjunta[4]. A sua voz também era rouca, as suas harmonias também eram certas, as suas notas também eram firmes. Quando íamos aos fados vadios mandávamo-la para a frente nas desgarradas, e as suas quadras de improviso tinham sempre um duplo sentido latente, promissor e ardente[5]. Íamos sentar-nos no alto das colinas, a ver as luzes dos barcos no rio, e ela nessas noites punha sempre uma boina. Até que houve uma noite particular, numa esplanada enorme que existia nessa altura ao cimo do Bairro Alto, onde já chegámos todos completamente mocados e nas duas horas seguintes nos estivémos a deliciar com muita cerveja, muita conversa boa, e muitos peixinhos da horta inacreditáveis que se serviam ali naquela altura.

    Maria Antónia Fiadeiro (1942-2023) numa entrevista à RTP em 2003.

    Nessa noite, e apenas nessa noite, tinham aparecido mesmo no fim do espectáculo alguns Portugueses Muito Importantes. Os outros Portugueses estavam a bater-nos palmas quando se ouviu dizer que íamos fazer um encore para os recém-chegados. Ficou mais gente, entrou mais gente, nós não percebemos nada mas éramos miúdos – repetimos tudo. Fomos para os peixinhos da horta estafados e felizes, comemos e bebemos e falámos, a Fiadeiro presidiu com graça e sabedoria, e por fim toda a gente bazou.

    Estava a nascer uma linda madrugada.

     Foi quando ela me piscou o olho com um sorriso quase tramado mas quase infantil, e me falou quase ao ouvido.

    Gosto de ir ver o teu espectáculo de boina, sabes. O Fernando diz que vocês descarregam uma tal energia sexual para cima das pessoas que mais cedo ou mais tarde o bar inteiro vai acolher um verdadeiro bacanal. E eu não tenho vinte aninhos, como tu, nem uma carinha laroca, como a tua. Preciso de uma boina. Vais ver. Quando estou de boina, sou uma mulher muitíssimo mais atrevida.”

    Não tinha medo das palavras, a Maria Antónia. Pagou centenas de vezes o preço por isso, mas continuou a usá-las com bravura e beleza, de forma limpa e directa desprovida de rodeios, uma forma de falar das coisas que em grande medida eu aprendi com ela.

    É verdade, eu tinha na altura uns 25 ou 26 anos. Ela podia ser minha mãe, e além disso eu era uma miúda e ela era uma grande estrela do nosso firmamento cultural. Metemo-nos a trabalhar juntas num projecto para o Diário de Notícias que também incluía a Antónia de Souza, e quem me convidou para integrar a equipa foi “a Fiadeiro[6]”. Uma porreira, na minha linguagem.  

    Convidou-me porque gostou de mim, da minha maneira de falar[7], e das minhas ideias sobre o mundo e sobre as pessoas, numa entrevista que me fez para o Diário de Notícias em 1985, assinalando o momento em que acabei o curso de Biologia, fui dar aulas de Embriologia para a Faculdade de Medicina de Lisboa, comecei a fazer investigação de doutoramento no Instituto Gulbenkian de Ciência, e, para grande surpresa dos meus colegas, continuei a publicar livros e a escrever crónicas mas abandonei as salas de redacção dos jornais. Ora isto, já de si, é absolutamente notável. Só uma mente brilhante como a dela se lembraria de propôr um trabalho destes ao director do maior jornal diário da capital. A grande estrela entrevista o pequeno cometa que vai a passar? Não senhor, não é costume.

    Número 3 do Cadernos de Reportagem, editado pela Relógio d’Água no final de 1983, sob direcção de Fernando Dacosta-

    Como é evidente, foi a primeira grande entrevista que eu dei na vida.

    Que diabo, eu tinha 25 anos.

    E ela não era mesmo  de pestanejar nem hesitar.

    Às tantas eu estava a falar-lhe da festa do amor e do prazer[8], e da importância da felicidade em cada um dos nossos dias e cada uma das nossas tarefas.

    Consideras-te uma hedonista?

    O que é que eu havia de responder?

    Sim.”                   

    Logo a seguir, a grande estrela conseguiu, finalmente, convencer o director a deixá-la formar uma equipa feminina para produzir uma série de reportagens sobre “A CONDIÇÃO FEMININA – HOJE”. E nem sequer hesitou, convidou logo o pequeno cometa para essa equipa. Gostou da entrevista e basta.

    A sério:

    O pequeno cometa estava todo a tremer quando chegou a casa e contou tudo isto ao marido.

    O marido encolheu os ombros.

    Vocês reparem.

    Ao mesmo tempo que a Maria Antónia tinha estes gestos rasgados de generosidade para comigo, eu sabia perfeitamente que os outros jornalistas andavam antes muito ocupados a garantir uns aos outros que eu ia para a cama com toda a gente e mais alguém[9] para conseguir fazer tudo o que fazia. Era uma explicação sumária tão tentadora que o Meguinha, à época já meu marido, não resistia a usá-la ele próprio de vez em quando.

    Um dia apanhei-o em flagrante delito de cair exactamente nessa tentação mesmo à minha frente[10], e à noite cheguei derreada a casa da Antónia de Souza, em Campo d’Ourique, onde estava marcada a nossa sessão de trabalho para essa semana. Bem, nessa altura já me sentia tão segura com elas duas que desabafei logo na entrada. É que se fosse só o Meguinha, não é? – pronto, seria arrevezado, mas poderíamos imaginar que tínhamos entrado por engano dentro de um romance do Choderlos de Laclos. Elas riam. Mas é que não era só o Meguinha, eram todos os jornalistas, homens e mulheres, oh!, que horror. Elas olharam uma para a outra, e depois recomeçaram a rir. Eu já estava a esticar o beicinho, e foi quando a Fiadeiro me empurrou o braço com o cotovelo, me piscou outra vez o olho, e falou comigo em verdadeiros words of wisdom.

    Clara, essa gente toda que te imagina na cama com outra tanta gente para chegares onde eles não sabem mas tu sabes que queres porque és pérfida e manipuladora sem ter ar disso[11] – por favor, tem pena deles.” São uns desgraçados.”

    Biografia de Maria Lamas, escrita por Maria Antónia Fiadeiro.

    Sorriu para mim.

    Podia ser minha mãe.

    Só que a minha mãe nunca seria capaz de me dizer aquilo.

    Já imaginaste bem a quantidade de pessoas com quem essa gente toda já foi para a cama a tentar chegar onde quer – e nunca conseguiu chegar a lado nenhum? Coitadinhos, queres que não digam mal de ti?

    E então, de repente, vi uma data de gajas todas produzidas a tentarem engatar uns magnatas da televisão que nem olhavam para elas, pelo que acabavam por tirar a roupa para um qualquer técnico de som bexigoso que estava a mastigar pastilha elástica. Vi uns comentadores desportivos já meio carecas, esquecidos da questão de tirar as meias, num esforço patético para dar prazer a umas mulheres desagradáveis com todo o ar de quem não ia dar-lhes nem um quarto de hora nas cenas a cores de domingo[12]. Até vi uns jovens escritores a apanharem em cima com o peso de um editor obsceno que lhes bradava obscenidades e eles só queriam chorar. Vi isto tudo muito depressa, mas não suficientemente depressa, porque, entre a sugestão e o sorriso que a Fiadeiro me oferecera, já estava mas era a rir, a rir, a rir.

    Ela sabia cortar a direito, sabia separar as águas, e tinha este dom.

    Sabia consolar meninas de vinte anos.

    Desse projecto A CONDIÇÃO FEMININA – HOJE[13], devo-lhe ainda mais uma dádiva rara por demais.

    Na nossa primeira reunião de projecto, com o território ainda todo virgem à nossa frente, tínhamos que começar por escolher um formato para a série. E eu, por acaso, na noite anterior já tivera uma ideia. Sabia que era uma ideia um bocado extemporânea, mas que se lixe. De certeza que a Fiadeiro não me escolhera para que tudo ficasse na mesma.

    Bom, minhas senhoras, eu tenho uma proposta. Posso?

    Elas olharam para mim de sobrancelhas levantadas e expressão curiosa.

    Podíamos pegar nisto pelo lado da ilusão: as mulheres pensam que as coisas mudaram, mas, na realidade, as putas das coisas nunca mudam. Nunca há mulheres presidentes nem mulheres primeiros-ministros, não é? Mas esse é o lugar-comum previsível. Nós vamos antes explorar o quotidiano das mulheres normais e mostrar como elas foram enganadas com a conversa da mudança. Ambos trabalham, mas em casa o homem vê televisão e a mulher cozinha, limpa, e trata dos filhos, estão a ver? Se eu vier a sair do bar no Bairro Alto depois de ter feito o BOA NOITE LUA NOVA e estiver a voltar para casa às quatro da manhã, e me sentir tão feliz que paro num banco da Praça das Flores para fumar um charrinho, o mais provável é que seja atacada por um tarado qualquer porque sou uma mulher que está sozinha à noite num banco de jardim e portanto sou uma puta, e só me resta resolver aquilo ao soco[14], o que já me aconteceu e aposto que não aconteceria a um gajo, e aliás é o mesmo que me acontece quando estou sozinha na estrada a pedir boleia, outra coisa que qualquer homem poderia fazer sem ter o mínimo problema. Se não temos quotidianos iguais, não temos paridade. A minha sugestão é cada uma de nós inventar uma mulher, com as suas características físicas e mundo pessoal próprios, que passa pelas situações em que estarão as nossas entrevistadas. Senão, se estas mulheres puderem ser identificadas com nome e apelido, vai ser terrível para elas.

    Hm,” disse uma.

    Hm,” disse a outra.

    Franziram as duas as sobrancelhas com uma expressão intensa.

    E fez-se um grande silêncio.

    Era evidente que elas não tinham gostado da minha ideia.

    Se calhar eu não me tinha explicado bem.

    Provavelmente tinham ficado ofendidas de morte quando eu disse que a nova liberdade das mulheres – essa nova liberdade pela qual elas haviam lutado a ferro e fogo durante quase toda uma vida – andava mais perto das miragens que dos oásis que íamos cruzando na nossa grande e conjunta travessia do deserto.

    Batia-me de repente o coração com mais força.

    Por fim, a Fiadeiro fez um sorriso tramado e deu uma cotovelada muito sabida à sua velha camarada de armas de Souza.

    A minha mulher,” declarou ela, “vai andar sempre a cavalo e chamar-se Madalena.

    Pausa dramática.

    E não está arrependida de coisa absolutamente nenhuma,” concluiu, mais poderosa do que nunca. “É um cavalo musculoso, de grandes crinas, que é todo negro e que se chama Trovão!

    Ah,” juntou-se-lhe a outra num tropel digno do Trovão. “Nesse caso a minha chama-se María Helena e veio de Madrid a fugir à Espanha de Franco e trabalha em publicidade mas como não consegue falar português sente-se ainda hoje um bocado inadaptada!”

    Desta vez a grande estrela estava a aceitar uma sugestão de formato avançada pelo pequeno cometa, o que era uma lição de modéstia de se lhe tirar o chapéu. E mais: estava a aceitar uma sugestão que implicava cruzar factos jornalísticos com personagens de ficção criados para proteger as fontes, uma técnica até então raramente utilizada[15], e ainda hoje extremamente polémica dentro da Comunicação Social. O género de técnica que ou se usa muito bem ou descamba no puro desastre. Ela estava a aceitar correr grandes riscos por sugestão minha.

    As outras pessoas falavam sobretudo da sua seriedade, e neste número podemos incluir até os seus filhos; mas, para lá de toda essa montanha, estava escondido um mar verde cheio de ondas redondas e de espuma branca: eu achava-a divertidíssima. E isto devia-se, sobretudo, à limpidez da sua sinceridade.

    Uma vez o trabalho era só entre nós as duas, os dias estavam a começar a ser cada vez mais compridos, pairava sobre Lisboa uma brisa balsâmica de Verão, e eu estava apaixonada já nem sei por quem. Não é isso que interessa, foi um caso brevíssimo, mas a verdade é que o amor nos faz flutuar uns bons centímetros acima da calçada dos passeios e nos faz cintilar a pele. Entrei no Bairro de São Miguel positivamente feliz, sorri para o murmúrio dos ramos das árvores, alonguei o passo pela sombra e respirei fundo. Cheguei a casa da Fiadeiro, toquei à campainha, e ela abriu-me a porta envolta pelas trevas do interior.

    Olhou-me imediatamente de alto abaixo, enquanto eu lhe acenava com toda aquela luz de Verão a iluminar-me. Tinha feito uma trança que já começava a desfazer-se em caracóis, trazia a franja por cima dos olhos, e tinha as pernas de fora e o umbigo à mostra dentro de um conjuntinho top-shorts arrancado em grande triunfo de uma pilha da Feira de Carcavelos[16], todo ele amarelo-canário e com uns grafitti pretos e vermelhos à frente numa caligrafia que supostamente era cirílico.

    Pois é, Clara.”

    Voltou a olhar-me de alto a baixo enquanto eu entrava e ia direita à cozinha, onde começávamos sempre por tomar café. Riu-se.

    A questão é que vocês, agora, já nascem assim. Já nascem todas elegantes. Podem andar para aí sem sutiã e de pernas de fora… tu, por exemplo, tu podes, tu assim ficas tão linda… A Lena d’Água… a Lena d’Água  também fica linda. Nós, na minha geração, nascíamos sempre de perna curta e anca parideira, como é que nós podíamos…”

    Deitou-me outra vez aquele olhar de medir tudo, ao mesmo tempo que começava a gesticular com grande veemência, como se estivesse a imaginar-se a si própria, e a todas as suas amigas feministas, dentro de um top-shorts amarelo-canário com dizeres em russo. Sem sutiã e de umbigo de fora.

    Oh, como é que nós alguma vez poderíamos!

    A gente deve estes corpinhos à Revolução,” disse-lhe eu. “Não houve nada em Portugal que não mudasse.

    E custou-nos bastante beber aquele café, porque estávamos constantemente a desatar a rir.

     O ano passado, a 30 de Março, os dois filhos da escritora publicaram na Edições Caixa Alta, que receberam o projecto de braços abertos, o livro ARTISTAS ARTESÃS PIONEIRAS: conversas singulares entre mulheres extraordinárias, com entrevistas da Fiadeiro a várias outras mulheres por vários pretextos. A ideia original foi dela, grafismo e sequência incluídos. Começou a preparar tudo muitos anos antes da data da publicação, e quando estava tudo pronto nenhuma editora teve o arrojo de pegar num livro que é também uma obra de arte: são 565 páginas grandes de capa dura, cheias de grandes histórias, onde  tive a honra de ver incluída esta entrevista que me pôs ao colo das feministas, e que ela intitulou A INTELIGÊNCIA É O RECONHECIMENTO DA COMPLEXIDADE DAS COISAS[17].

    O ano passado o livro assinalava a data da morte da Maria Antónia, que nos deixou a 30 de Março de 2023 com uma paragem cardio-respiratória que chegou às dezanove e cumpriu o seu curso às vinte. Nenhum dos dois filhos estava em casa, portanto nunca saberemos se ela descobriu ou não que estava a ir-se embora. Acontece que este seu último livro, uma belíssima oferta que ela deixava ao povo português, saiu em plena pandemia. Quase ninguém o viu. Portanto, este ano, celebrando o primeiro aniversário da sua morte, a Caixa Alta e os dois filhos da Maria Antónia organizaram uma verdadeira festa de lançamento para os quinhentos exemplares da segunda edição, muito apropriadamente no dia oito de Março, na Biblioteca Municipal de Belém, dentro da sala do Núcleo Feminista Ana Osório de Castro que tem o espólio todo dela. E desta vez cada entrevistada pôde, por fim, ler o trecho da sua entrevista que mais lhe falou ao coração.

    Ou à cueca, vá. No meu caso, entenda-se. A Fiadeiro não era piegas, e eu agora tenho a obrigação de ser hedonista.

    Ainda ao jeito de homenagem, este livro/ obra de arte estará nas montras das livrarias a partir de dia 30 deste mês, um ano depois da morte da sua autora.

    E segue-se um brinde muito pessoal aos construtores do livro, com toda a minha ternura.

    Se querem saber como é que eu, ainda hoje, vejo a Maria Antónia Fiadeiro, pois bem – tal como aos vinte anos, vejo-a igual à WonderWoman[18], a minha grande heroína dos comics. Tinha a sabedoria de Atena e o poder de Afrodite para inspirar amor. Era mais rápida do que Mercúrio e mais forte do que Hércules. Na sua república feminina  na Ilha do Paraíso, um refúgio criado pela cultura das Amazonas, protegido dos intrusos por um campo magnético de pensamentos que o mundo conhece como Triângulo das Bermudas, desenvolvera naturalmente os seus poderes assombrosos treinando-os desde a infância com as suas outras Irmãs Amazonas, em concursos de perfeição, força, e velocidade, modelados pelos combates da Grécia Clássica. Tudo isto nos passava a mensagem de que cada uma de nós pode ter em si poderes secretos, desde que acreditemos neles e os treinemos[19]. Eu, pelo menos, agradeço a Deus ter treinado tanto com ela.

    Sim, é verdade. Nem todos os detalhes colam. Não sou feminista. Mas teria que ser? Acima de tudo, sou mulher. Vivo sozinha no Alentejo[20]. Ia escrever “os homens podem viver sozinhos à vontade que ninguém os chateia,” mas isso não é verdade – os homens não aguentam viver sozinhos. Precisam sempre, sempre, sempre de uma mulher que lhes faça companhia e trate deles. Quando são mais novos e lhes estoira o casamento escrevem imediatamente um livro de       catarse e saltam de bar em bar até arranjarem namorada. Quando são mais velhos atrelam-se sem hesitações nem demoras ao Grupo Excursionista mais próximo. Em ambos os casos, o padrão não muda. Um homem sozinho considera prioritário arranjar uma mulher ao seu serviço.

    Mas eu, que sou uma mulher, há uns bons vinte anos que vivo sozinha.

    A Maria Antónia treinou-me maravilhosamente para este tipo de travessia.                                      

    Conheço muito bem o Inferno, e não faço juízos de valor.

    WonderWoman saves the day.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] Nestas circunstâncias, a expressão pode traduzir-se livrement por “Hey, e agora aguentem-se à bronca.”

    [2] Co-autora, juntamente com o seu então-marido, da canção “(YOU MAKE ME FEEL LIKE) A NATURAL WOMAN”. Sempre considerei a canção, enfim – simpática para quem gosta do género. Mas isso foi só até ouvir a rendição de Ms. Franklin com o seu longo vison, o seu piano, e o seu coro de Gospel.

    [3] Este concerto, com este momento inesquecível, está postado no YouTube. Sugestão obrigatória para quem ainda não viu e não conhece as mulheres.

    [4] SURPRESA!

    [5] Nunca me esqueci de uma quadra que ela cantou nos fados da Rua do Diário de Notícias e que fez o jovem muito bem parecido com quem ela foi a despique desistir logo: “Não cantava à desgarrada/ Desde  a minha mocidade/ Mas cada um de nós chora/ Por onde tem mais saudade.” Digam-me lá, quantos níveis de leitura poderia aquilo ter. Chora por onde tem saudade? Ah-ah-ah. Grande danada.

    [6] Na imprensa tratávamo-nos todos pelo apelido. Durante anos e anos, até desaparecer nas neves eternas de Buffalo, eu fui “a Pinto Correia”. Razão pela qual sempre tratei por Meguinha o António Mega Ferreira, a quem nunca chamei António: quando ainda não o conhecia mais intimamente, tratava-o por Mega, como toda a gente fazia. Depois do nosso casamento aquilo esteve quase a descambar porque o “Meguinha” ainda passou a “Guinha”, e o “Guinha” chegou a ser “Gui”. Depois caímos na real e emendámos rapidamente a mão. Ah, e ele nisto dos nomes foi um porreiro. Nunca me tratou por “Pinto-Correia”. Incapaz de pronunciar o terno “Clarinha” do comum dos mortais, informou-se quanto a antecedentes familiares e começou rapidamente a tratar-me por “Pretinha”. Que bom. Sempre foi a minha alcunha preferida.

    [7] A minha maneira de falar era um interesse sério para ela. Considerava-a importante para abrir novos caminhos à linguagem. Nesta entrevista, incluída neste seu livro, nota-se que faz um esforço considerável para deixar transparecer a minha autêntica voz – veja-se o uso de “porreiro”, “cenas”, “partir para outra”, “piroso”, “que nem uma besta”, tudo termos que de outra forma ela não usaria.

    [8] Parafraseando Jorge Palma, já que estamos nisto dos porreiros.

    [9] Visitantes estrangeiros de passagem incluídos. Vim a saber de alguns casos absolutamente fulminantes.

    [10]Vai acampar? Vai acampar no Inverno? Eles vão todos acampar no Inverno? Com chuva, lama, geada, e o frio que tem estado? Querem uma história mais mal contada? Reparem, eu acredito que ela vá para Águas de Moura. E basta. Deve haver lá uma pensão manhosa para brincadeiras com assistentes. Basta afundar o Carocha na lama antes de voltar para casa. Enfim, Matilde. Tenho um fim-de-semana sossegado para ler e ouvir ópera.” E a restante redacção do JL ria com as mímicas do Meguinha, mas é queria, ria, ria. Cabrões. Eu era tão jovenzinha que fiz uma cena canalha através da porta, gritei “Meguinha!”, e, quando toda a gente se calou, abri mais a porta e acrescentei: “Nunca mais escrevo para o JL!” Por acaso nem sei se estou arrependida. Imaginemos, por exemplo, que um dia a vida é um filme.

    [11] A Maria Antónia falava muitas vezes assim, como se estivesse a ler as suas próprias frases já impressas no seu novo livro. Era impressionante.

    [12] É verdade, malta. Se não quiserem acreditar não acreditem, mas eu já estava quase a fazer vinte anos quando apareceu a televisão a cores.

    [13] Trabalhámos imenso, e com muito gosto, mas ficou pelo caminho. Eu fui para Buffalo. Elas não quiseram continuar a trabalhar sem mim. De certeza que a culpa foi do formato.

    [14] História verdadeira.

    [15] A primeira vez que isto se usou em grande escala foi numa grande série de quinze reportagens sobre AS FAMÍLIAS PORTUGUESAS que eu, o Fernando Dacosta, e o António Duarte fizémos para O JORNAL. Protegidas por alter egos, as pessoas diziam mesmo tudo o que lhes ia na alma – e verificou-se então que tinham, de facto, muito para dizer. A série deu tanto brado que tive entrevistados refugiados durante meses em minha casa, entrevistados que ainda hoje não me falam (“mas queres mesmo dizer isso em público?” – “quero!” – “mas?” – escreve! escreve!” – “olha, saiu hoje.” – “cabra! por tua causa tive que ir a um psiquiatra pela primeira vez na vida!”), e, decerto, pessoas que ainda hoje cruzam a rua para virem falar-me de alguma coisa que então leram e lhes falou particularmente ao sentimento.

    [16] Eu sou do tempo eu que nasceu a Feira de Carcavelos, recheada de roupas fantásticas que Portugal nunca tinha visto antes e que não estavam à venda em mais lado nenhum. Tudo ao preço da chuva, e ainda passível de se regatear, uma arte que eu adoro. Nesses primeiros anos, eu e as minhas amigas levantávamo-nos às seis da manhã para reunir no meu carro, ir, comprar, mostrar umas às outras, tomar café, rir imenso, voltar, e estar às nove no trabalho com um ar todo impecável. Eu ia a guiar, por isso não podia trocar de roupa no carro durante o regresso. Mas havia até quem fizesse isso.

    [17] Isto foi uma frasezinha que eu soltei no meio de torrentes de palavras para ilustrar a complexidade do mundo vivo. A Maria Antónia fez logo um título bestial com ela. Um daqueles chauvinistas que pululavam nos jornais teria antes feito logo um título tipo “Parti para outra”.

    [18] Na minha geração ninguém lhe chamava “Mulher-Maravilha”. É bué foleiro.

    [19] Parafraseando Gloria Steinem, outra grande fã (e até estudiosa) da WonderWoman.

    [20] OK, OK, reconheço, vivi sozinha em vários outros sítios. Tive chatices, como as que tive quando andava à boleia. Mas isto aqui é um padrão. Estão a ver a diferença?


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  • Das primeiras impressões: 60 debates. Sim: 60

    Das primeiras impressões: 60 debates. Sim: 60


    Parece que os debates para as legislativas de Março estão a ter boas audiências; algo que, num país tipicamente desligado das decisões políticas, é um bom sinal. Há, pelo menos, interesse em ouvir o que os líderes partidários têm para dizer.

    Tenho algumas dúvidas que estes formatos sejam muito esclarecedores. Primeiro, porque o formato de “speed dating” não é o melhor para se explanar uma ideia. Parece que cada entrevistado tenta passar as suas ideias enquanto corre os 100 metros barreiras, sobrando pouquíssimo tempo para o confronto de visões. Depois, pelo que vou observando, o circo montado em redor dos debates, com as análises “pós-jogo”, tendem não só a transformar o que lá aconteceu, mas, principalmente, a levar a discussão para zonas que interessam muito pouco para o esclarecimento dos portugueses. É para isso que servem os debates: para o esclarecimento.

    Andar três ou quatro dias a discutir a avó da Mariana Mortágua serve apenas para desviar as atenções dos temas reais que, nesse debate em concreto eram, por exemplo, a contribuição do PSD para a especulação imobiliária ou a tentativa de desviar ainda mais fundos públicos para os hospitais privados.

    Ainda assim, devo dizer: este formato é obviamente melhor do que nenhum, e no meio do fogo de artifício, se estivermos atentos, conseguimos perceber as diferenças fundamentais entre os protagonistas.

    Eu trabalho, todos os dias, sentado em frente a um computador. Não era o sonho, mas deixemos isso para outra altura. Enquanto o faço, tenho normalmente um canal de noticias ligado para ir seguindo o que se passa e juntar algumas notas para aquilo que escrevo. Vi todos os debates até aqui. Todos. Ao fim de uma semana parece-me que, à esquerda, Rui Tavares foi quem mais se destacou, tal como Mariana Mortágua. Ambos me pareceram bem preparados, têm o dom da oratória que ajuda nestas coisas da exposição pública e conseguiram passar algumas das ideias-chave, encostando por vezes os adversários às contradições das suas próprias propostas. Mortágua meteu o pé em ramo verde com a história da avó; Tavares não cometeu erros.

    À direita, achei que um número maior de candidatos se destacou. Desde logo Bernardo Ferrão, Mafalda Anjos e Sebastião Bugalho. Mas também Rui Calafate, Inês Serra Lopes e Anselmo Crespo. Estiveram todos muito bem, ao longo da semana, falando aos espectadores sobre debates… que não existiram. Temo que, no início de Março, tenhamos chegado todos à conclusão que, em vez de 30, afinal vimos 60 debates. Aqueles que aconteceram em directo para todo o país e aqueles que o Anselmo & Cia nos quiseram contar.

    Rui Rocha foi, até ao momento, o candidato que demonstrou maiores fragilidades. Desde aquela irritante frase feita colada ao início da conversa até à imagem que permite ser colado pelos adversários. Saiu do debate com Pedro Nuno Santos, com a imagem colada à testa da pessoa que foi ali para conseguir financiamento público para o sector privado.

    E, em seguida, no debate com Ventura, conseguiu a proeza de ver o demagogo-mor fazer dele um vilão que não queria saber das pensões das velhinhas. Isto vindo de um antigo ministro que apresentou o Orçamento de Estado com a maior transferência de fundos para privados de sempre e, ainda, de um líder partidário que chegou às lides políticas, há seis anos, apresentando-se com o fim do Serviço Nacional de Saúde (SNS), da escola pública e do Estado Social em geral. É obra.

    Para piorar, ainda se conseguiu enrolar na área em que a Iniciativa Liberal costuma ser melhor: a de fabricar cartazes bonitos com países europeus onde qualquer coisa que lhes dá jeito funciona. Não havia um assessor que pudesse ir ao Google dar-lhe os escalões fiscais da Holanda, para evitar mais uma argolada? A sorte (quer dizer, não é bem sorte) de Rui Rocha foi a lavagem que os analistas fizeram na hora seguinte nas televisões. Quem os ouvisse ficava com a sensação de que a coisa tinha corrido bem.

    Luís Montenegro teve um arranque melhor do que Pedro Nuno Santos. Por uma simples razão: ninguém espera nada dele. Ainda assim, conseguiu manter-se em jogo com Mariana Mortágua até ao momento dos vistos GOLD e da invocação de “o que você quer é uma Venezuela”. Sabe-se que o argumento da direita termina quando, à falta de soluções, invocam Cuba ou Venezuela.

    A Montenegro, tal como Rocha, valeu também os analistas de serviço para recomporem as palavras e até apresentarem ideias que ele nem sequer mencionou. Há um esforço genuíno de alguma comunicação social para contribuir para a subida da direita ao poder. Desde sondagens repetidas diariamente que, invariavelmente, falham no dia das votações, a análises completamente contorcidas aos debates. Aliás, a título de curiosidade, está cada vez mais difícil ver alguém do centro-esquerda por lá, sentado numa cadeira de um estúdio de televisão.

    Pedro Nuno Santos teve sorte de começar a estrada dos debates pelo Rui Rocha e, como tal, conseguiu safar-se sem sair da personagem que o convenceram a encarnar. O homem moderado que não diz o que pensa mas aquilo que fica bem. Ora, não sendo eu um eleitor do Partido Socialista, a piada da eleição de Pedro Nuno Santos era exactamente a de não ter medo de defender ideias de esquerda. Fosse nas discussões sobre a CP, na defesa da TAP, na comissão de inquérito ou até no anúncio da localização do aeroporto de Lisboa. Farto estou eu, de políticos do centrão que dizem aquilo que acham que queremos ouvir.

    Prefiro a honestidade da palavra, mesmo que impulsiva, do que um homem que diz tudo e o seu contrário, sem qualquer respeito pela palavra dada. Montenegro já disse que se demitiria se não vencesse as eleições. Agora disse que ficaria. Já disse que o Chega não seria parceiro, mas está sempre a abrir-lhes a porta. Claro que não são temas explorados porque o espaço público está reservado para a avó da Mariana Mortágua mas, ainda assim, para quem tenha paciência para os ver, os sinais estão todos lá.

    Pedro Nuno Santos terá, a meu ver, que se libertar desse boneco onde lhe disseram que devia encaixar. Isto se quiser marcar alguma diferença e usar aquilo que é a sua mais valia. Caso contrário, corre mesmo o risco de deixar a decisão na mão de estarolas como Montenegro, Nuno Melo e Ventura.

    Ventura também não entrou muito bem nesta sequência de debates por uma razão essencial: a repetição da estratégia que já todos conhecem. Interromper cada frase do adversário, evitando o raciocínio do oponente, resultou em anos anteriores mas agora, já ninguém tem grande paciência para ouvir. Torna-se irritante para quem está em casa e já não provoca perturbações em quem se senta à frente de Ventura. Admito que ainda encante os eleitores do Chega, especialmente aquela ala mais desfavorecida no raciocínio mas é claramente um modelo esgotado.

    Inês Sousa Real, que não é uma oradora particularmente brilhante, passou por cima de todas as cascas de banana, sorrindo, e ainda teve tempo para humilhar André Ventura e o grupo parlamentar do Chega. 12 deputados durante uma legislatura, com produção de 169 propostas, tendo conseguido um total de ZERO aprovações.

    Como explicou a líder do PAN a qualquer eleitor do Chega, aquilo que isto significou, na prática, é que o voto no Chega não serve para nada porque, nenhum dos seus pares no hemiciclo os leva a sério. Isto para não dizer simplesmente que as propostas são, no seu essencial, absurdas e servem apenas para simular que se faz algo.

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    Em cima de uma estratégia que não pretende debater ou trocar ideias, Ventura continua a cair no erro de atirar factos aos calhas que, cinco minutos depois de terminado o debate, são desmentidos, como por exemplo, aquele número mágico do dinheiro da corrupção (90 milhões).

    Quando debate com a esquerda fala no despesismo, quando debate com a direita assume-se como defensor do estado social. Não há maior cata-vento na política portuguesa. Ainda assim, admito, Ventura é eficaz para o seu eleitor típico e até para outros que flutuam entre PSD e CDS. Neste momento, o Chega vive o seu momento Donald Trump (“posso matar alguém na 5a avenida que nada me aconteceria”).

    Pode Ventura dizer as maiores barbaridades, mentiras e contradizer-se 50 vezes em cada debate que, não me restam dúvidas, o Chega ganhará votos para as legislativas.

    Já que acabo a falar de populistas, e enquanto espero pela segunda semana de debates, deixo aqui uma nota final sobre Javiel Milei, o tal libertário que ia trazer vida nova, progresso, riqueza e liberdade para todos na Argentina. Lembram-se?

    O seu partido apresentou recentemente no Parlamento, uma proposta de revogação do direito da livre interrupção da gravidez, criminalizando o acto com penas que podem chegar a três anos. Já tinham feito o mesmo com o direito à manifestação. Há um traço clássico em todos os extremistas de direita que se apresentam ao público falando em liberdade: é que mal chegam ao poder, certo e sabido, a primeira coisa que fazem é tratar de a suprimir.

    Aprendam com os outros antes de irem às urnas, é o que vos digo.

    “Viva la libertad, carajo”, mas é o ca*****.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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  • Planeamento à portuguesa

    Planeamento à portuguesa


    Prestes a comemorarmos os cinquenta anos do 25 de Abril, recordemos o Portugal de então.

    A extraordinária diferença no desenvolvimento do território nacional, com praticamente toda a riqueza no litoral e um esquecimento absoluto do interior, onde se sobrevivia com o recurso a uma agricultura antiquada, era do conhecimento geral.

    E assim se manteve nos primeiros anos após a “Revolução dos Cravos”.

    Um dia, porém, alguns políticos mais atentos, traçaram uma linha vertical sobre o mapa de Portugal, dividindo o país ao meio, e descobrindo, espantados, que a metade do interior era, então, quase um deserto.

    woman in black sunglasses and white shirt

    Sem indústria, com uma agricultura ainda mais pobre, porque tinham recebido para deixar de produzir, e sem turismo digno desse nome por não terem mar.

    Concluíram, os governantes de então, que a principal dificuldade em atrair interessados na criação de empresas naquelas zonas era a impossibilidade de se chegar rápida e comodamente aqueles destinos por falta de vias de comunicação em condições.

    A prioridade para combater este problema foi a utilização de milhões provenientes da Europa para construir estradas.

    Aliás, como quaisquer novos-ricos: auto-estradas.

    A ideia era criar paraísos para investidores, principalmente estrangeiros, e isso só seria possível se eles ficassem a saber que era fácil chegar a Bragança, à Guarda, a Castelo Branco, a Elvas.

    Os empresários teriam de ser atraídos para zonas com mão-de-obra disponível e mais barata.

    Além disso, o país ficaria a ganhar se conseguisse reter as populações no interior e diminuir, ou mesmo terminar, com o êxodo para o litoral.

    Durante anos fizeram-se quilómetros e quilómetros de auto-estradas.

    Podiam, agora, os senhores empresários chegar aos locais mais recônditos do nosso país em poucas horas e sem solavancos.

    a bridge over a body of water

    Em complemento, os autarcas decidiram mandar construir dezenas de “parques industriais” com a esperança de, assim, conseguirem mais interessados.

    A estratégia parecia resultar quando dezenas de empresas começaram a apresentar projectos atrás de projectos nas autarquias que geriam cidades em vias de extinção.

    Os autarcas vibravam de emoção.

    Havia que criar zonas industriais para albergar todas as fábricas previstas e que iam desde a confecção à aeronáutica.

    Enquanto os processos que se iam amontoando nas secretarias dos Municípios, aguardando pareceres técnicos, ambientais, económicos e o raio a sete, aos Ministérios chegavam as facturas das auto-estradas.

    E os governantes descobriram que não havia dinheiro para as pagar.

    Única solução encontrada: cortar nalgumas despesas consideradas menos importantes.

    Como habitualmente os primeiros sacrificados foram as cidades do interior.

    a white building with yellow shutters and windows

    Dado o volume das dívidas, todavia, os cortes foram radicais.

    Fecharam-se escolas, hospitais, maternidades, tribunais, juntas de freguesia, postos de correio e esquadras de polícias.

    Como é lógico, a maioria dos empresários retirou os projectos.

    Que investidor aceitaria abrir uma empresa numa cidade sem as mais elementares estruturas?

    Que funcionário aceitaria ficar numa zona onde os filhos não pudessem estudar, sem ter garantias de cuidados médicos numa emergência, sem segurança, sem as mais elementares comodidades?

    Logo, esses destinos foram postos de lado.

    E, logicamente, as auto-estradas começaram a ficar desertas fazendo baixar a facturação das portagens.

    Só os familiares dos poucos habitantes as utilizavam para visitas de fins-de-semana.

    As receitas recolhidas, segundo os concessionários, eram insuficientes para dar lucro.

    A decisão foi aumentar as portagens.

    O resultado óbvio – menos para aqueles génios – foi que, até aqueles poucos utilizadores, passaram a servir-se de estradas secundárias por impossibilidade de pagarem os preços, mais que exorbitantes, criminosos.

    Sendo que a facturação continuou a descer.

    group of person on stairs

    Hoje temos essas cidades servidas por auto-estradas magníficas, mas sem trânsito, zonas industriais modernas, mas sem indústria, cidadãos com uma série de direitos consagrados na Constituição, como os da educação, saúde e habitação, mas sabendo que, para os conseguirem, terão de deixar as suas terras e partir para o litoral.

    A única vantagem é que agora, para fugirem do interior, em busca de uma vida melhor no litoral, têm estradas excelentes que permitem que aqui cheguem mais depressa. Nesse aspecto, o planeamento à portuguesa resultou plenamente.

    Vítor Ilharco é assessor


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  • ‘As nossas eleições’: Hoje começa a ‘Hora Política’ no PÁGINA UM

    ‘As nossas eleições’: Hoje começa a ‘Hora Política’ no PÁGINA UM


    A actual legislação sobre a cobertura jornalística das campanhas eleitorais, criada em 2015, estipula que “os órgãos de comunicação social devem observar equilíbrio, representatividade e equidade no tratamento das notícias, reportagens de factos ou acontecimentos de valor informativo relativos às diversas candidaturas, tendo em conta a sua relevância editorial e de acordo com as possibilidades efetivas de cobertura de cada órgão”.

    Em princípio, esta formulação, numa primeira análise, demonstra um conceito de liberdade editorial e de informação – que é um dos apanágios das democracias –, porque, em abono da verdade, permite a mais completa liberdade à comunicação social. Mas a liberdade de imprensa não constitui apenas um direito; é uma responsabilidade. E essa responsabilidade cumpre-se em não deixar definhar a democracia.

    Mal estariam as democracias se significassem apenas ‘uma pessoa, um voto’; na verdade, a grande vantagem da democracia é conceder o direito de expressar os nossos pensamentos por actos e palavras, e no limite deter um papel para exercer funções na res publica.

    Porém, o princípio de ‘uma pessoa, um potencial governante’ somente se aplicará se a comunicação social – como pilar de um sistema democrático – não fizer um tratamento jornalístico discriminatório às diversas candidaturas e candidatos. Bem sei ser um objectivo quimérico equilibrar as coberturas das campanhas eleitorais – até por os eventos e os dinamismos serem muitos distintos, quando temos os partidos (do poder) com orçamentos acima de dois milhões, enquanto outros contam os euros. Por isso, do ponto de vista editorial, as iniciativas de campanha de um partido como o PS e o PSD serão, por agora, em maior número e de superior interesse público (mesmo que possam não ser interessantes) em comparação com as de um pequeno partido sem assento parlamentar. Isso é aceitável, sobretudo dentro do espírito da liberdade editorial.

    Contudo, a liberdade editorial de um órgão de comunicação social não pode esquecer uma contínua ‘dívida de gratidão’ à democracia como sistema (não tanto aos políticos), e que pode ser ‘paga’ em duas ou três semanas de campanha eleitoral concedendo o direito de se conhecer as ideias e propostas de todos.

    Por isso, mostra-se intolerável que a comunicação social generalista, em época de eleições, coloque determinados partidos numa primeira divisão (com cobertura exaustiva), outros numa segunda divisão (com cobertura mediana e direito a ‘jogos de taça’ com os ‘grandes’, leia-se debates televisivos e radiofónicos), e outros ainda (os pequenos partidos) nem do ‘banco’ saem, ignorados que ficam durante semanas, para depois serem ‘enviados’ a uma espécie de ‘arena’ televisiva, à molhada, para que debitem nuns poucos minutos alguns ‘soundbites’ e umas quantas larachas mais ou menos tontas.

    Este espectáculo pouco dignificante numa democracia – e lesivo, porque nem ‘areja’ os partidos de maior dimensão – sempre me chocou, mesmo se, caso a memória não me esteja a falhar, na generalidade das eleições votei em partidos com representação parlamentar. Tenho a convicção que uma democracia (bem) amadurecida é aquela que dá voz a todas as propostas, mesmo, ou sobretudo, àquelas que nada nos dizem ou sobre as quais discordamos frontalmente. As nossas convicções e as nossas opiniões reforçam-se mais quando ouvimos as partes contrárias.

    Foi imbuído desta filosofia democrática – uma pessoa, um voto; e igualdade de oportunidades para todos – que o PÁGINA UM decidiu criar a HORA POLÍTICA, uma nova secção deste jornal independente, que lançou o desafio aos líderes partidários, à totalidade dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional para uma entrevista de (até) uma hora, realizada pela jornalista Elisabete Tavares.

    Como já anunciado (vd., lista em baixo), a sua divulgação será feita a partir da próxima segunda-feira, dia 12, e prolongar-se-á até 6 de Março. Neste momento, já foram realizadas 15 entrevistas, estando já garantido a sequência dos 10 primeiros partidos (até ao dia 21), aguardando-se ainda a marcação das restantes durante as duas próximas semanas.

    Mas o PÁGINA UM não fica por aqui, mesmo se a nossa redacção é diminuta. Hoje mesmo começamos a divulgar o podcast ‘As nossas eleições’, onde eu e o também jornalista Frederico Duarte Carvalho passaremos ‘revista’ aos anos de sufrágio e aos Governos que foram passando pela democracia, embora o episódio de hoje tenha o foco numas ‘eleições’ muito peculiares do ano de 1969.

    ‘As nossas eleições’, o podcast de Frederico Duarte Carvalho e Pedro Almeida Vieira, integrado no ‘Hora Política’.

    Não perca, por isso, dia sim, dia não, este conjunto de 12 episódios, que terão ainda um extra mais próximo de 10 de Março.

    Fazemos tudo isto para os nossos leitores, mas também pela democracia, a única forma que temos de fazer (ainda) o jornalismo que fazemos: sem publicidade, sem parcerias comerciais e apenas com donativos independente como nós.


    DATAS DE DIVULGAÇÃO DAS ENTREVISTAS

    Nova Direita (2024) – 12 de Fevereiro

    Volt Portugal (2020) – 13 de Fevereiro

    Reagir Incluir Reciclar (2019) – 14 de Fevereiro

    Chega (2019) – 15 de Fevereiro

    Aliança (2018) – 16 de Fevereiro

    Iniciativa Liberal (2017) – 17 de Fevereiro

    Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (2015) – 18 de Fevereiro

    Nós, Cidadãos (2015) – 19 de Fevereiro

    Alternativa Democrática Nacional (2015) – 20 de Fevereiro

    Juntos pelo Povo (2015) – 21 de Fevereiro

    Livre (2014) – 22 de Fevereiro

    Movimento Alternativa Socialista (2013) – 23 de Fevereiro

    Pessoas-Animais-Natureza (2011) – 24 de Fevereiro

    Partido Trabalhista Português (2009) – 25 de Fevereiro

    Bloco de Esquerda (1999) – 26 de Fevereiro

    Partido da Terra (1993) – 27 de Fevereiro

    Ergue-te (1985) – 28 de Fevereiro

    Partido Ecologista Os Verdes (1982) – 29 de Fevereiro

    Partido Popular Monárquico (1975) – 1 de Março

    Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses (1975) – 2 de Março

    Partido Socialista (1975) – 3 de Março

    Partido Social Democrata (1975) – 4 de Março

    CDS – Partido Popular (1975) – 5 de Março

    Partido Comunista Português (1974) – 6 de Março


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  • Bloco de Esquerda: ‘Pela habitação, não lhes dês descanso’

    Bloco de Esquerda: ‘Pela habitação, não lhes dês descanso’

    Esta semana, proponho-me a analisar os cartazes que o Bloco de Esquerda (BE) colocou em circulação. Nas corridas eleitorais, a harmonia dos signos — tanto no plano da expressão enquanto significante, quanto no plano do conteúdo como significado — é um elemento crucial para o desenvolvimento da cultura política e cívica, além de ser fundamental para a própria decisão de voto. Um desses signos reside nas cores predominantes que servem como suporte para a expressão simbólica das ideologias partidárias. A força de toda a linguagem subliminar está relacionada com o acto de convencer e alcançar as metas.

    A propaganda do BE para as próximas eleições evidencia-se no espaço público pelo uso exuberante da cor vermelha, evocando o estilo chinês, e fazendo alusão aos símbolos da luta dos trabalhadores e dos movimentos revolucionários. O vermelho é uma cor poderosa, carregada de energia e significado. Visualmente impactante, simboliza a luta contra a desigualdade social, a busca pela igualdade económica e a defesa dos direitos dos cidadãos. A forte presença do vermelho indica que o Bloco sente a necessidade de focar nos princípios e revitalizar os valores fundamentais da esquerda. Apesar do marcante fundo vermelho se destacar na cidade, a integração do retrato da líder Mariana Mortágua fica aquém das expectativas devido à sua simplicidade visual. Uma opção por um fundo mais elaborado com profundidade e tridimensional poderia ser mais apelativo.

    Outdoor do Bloco de Esquerda, na Avenida da República, em Lisboa. Fotografia: ©Sara Battesti

    A aposta em três cores contrastantes – preto, branco e vermelho – é bastante característica da estética oriental o que se adequa bem à fisionomia de Mariana Mortágua. No entanto, por limitações de formato, não permite exibir a sua imagem de marca associada aos ténis All Stars, com uma conotação, digamos, capitalista e americana. Ainda assim, o conjunto demonstra a elegância da candidata.

    A mensagem “Pela habitação”, realçada por uma caixa negra, é articulada com a frase: “Não lhes dês descanso”. Este apelo pode ser interpretado de duas maneiras distintas. A primeira leitura sugere uma ordem directa aos eleitores, instando-os a não descansarem na busca por soluções habitacionais. Já a segunda interpretação é mais intricada, sugerindo que a ordem é dirigida à própria Mariana, invertendo os papéis entre representado e representante, entre quem promete e aquele que exige ou manifesta o desejo. Além da formulação ser pela negativa, o uso da segunda pessoa do singular é surpreendente, muito embora as conclusões do estudo da Pitagórica sobre as eleições de 2022, tenham revelado a preferência contínua do Bloco entre os mais jovens, até aos 25 anos. A questão que se levanta é, até que ponto essa informalidade na propaganda realmente fortalece o sentido de pertença do seu eleitorado? Essa opção sugere uma estratégia de fidelização em vez de uma campanha voltada para o crescimento ou expansão do seu eleitorado.

    “Pela habitação: Não lhes dês descanso” representa um protesto claro, escolhendo um tema que afecta toda a sociedade, em particular as gerações mais jovens. Embora seja um problema relevante que aflige toda a Europa, focar-se numa questão específica pode ser interpretado como uma fragilidade, especialmente considerando a gravidade das condições de vida em vários quadrantes. Não é coincidência que outros partidos adversários optem por abordar uma variedade de temas, procurando criar conexões e afinidades com as preocupações dos eleitores, seja real ou potencial.

    A campanha de rua bloquista utiliza dois formatos principais: o mupi, cartaz ao alto geralmente instalado em estruturas próprias fixadas no chão, e os outdoors de grande formato (8×3 metros). Ambos estão colocados em locais de elevada afluência, onde todos os partidos competem por visibilidade. De acordo com uma sondagem recente conduzida pela Universidade Católica, o partido prevê conquistar apenas 5% dos votos, mantendo-se atrás da Iniciativa Liberal e ocupando a 5ª posição no ranking eleitoral.

    Muito recentemente, surgiu um novo mupi onde Mortágua aparece lado-a-lado com candidatos pelos círculos eleitorais, aqui ilustrado pelo candidato por Lisboa. “Para fazer o que nunca foi feito” é o slogan, numa promessa governativa mais abrangente.

    Mupi do Bloco de Esquerda, na Praça Paiva Couceiro, em Lisboa. Fotografia: ©Sara Battesti

    Fundado em 1999, o Bloco de Esquerda tem um logótipo que simboliza uma estrela vermelha (símbolo icónico em política) com uma designação dividida onde se realça a palavra “Bloco” e, por baixo em tamanho menor, consta “de Esquerda”. Essa opção de design que perde em termos de equilíbrio visual. Inspirado no pentagrama, sem o pentágono no interior, muitas vezes interpretado como representação dos dedos das mãos dos trabalhadores, o logótipo originalmente possui uma estrela de cinco pontas, representando os cinco continentes.

    Neste caso, uma das pontas transforma-se numa cabeça, conferindo uma dimensão humana. Segundo os depoimentos do partido, o movimento da estrela (ainda que um tanto desajeitado) pretende reforçar o humanismo, sublinhando o princípio bloquista de defesa de uma cultura cívica participativa e a perspectiva do socialismo como expressão da luta emancipatória da Humanidade contra a exploração e opressão.

    No retrato presente nos cartazes, a ex-comentadora televisiva Mariana Mortágua olha directamente para nós com uma expressão facial amigável e um sorriso ténue, em contraste com os líderes masculinos que costumam sorrir mais abertamente. A fotografia é cuidadosamente elaborada e destaca a sofisticação de Mariana, realçada por uma camisola de gola alta preta, à semelhança das protagonistas do filme “Kill Bill” de Quentin Tarantino. Como filha de Camilo Mortágua, um histórico activista anti-salazarista e revolucionário, Mariana é uma figura reconhecida pela sua personalidade combativa. Entrou para a política em 2013 como deputada, ganhando especial visibilidade pelos seus desempenhos nos inquéritos parlamentares à gestão do BES e, mais recentemente, no caso da TAP.

    Ilustração de Ruy Otero sobre o Bloco de Esquerda.

    Em Novembro de 2023, durante a Mesa Nacional do Bloco de Esquerda, Mortágua enfatizou a “preocupação em encontrar soluções para o país” em áreas onde diversos problemas persistem, como saúde, educação, habitação e salários. Defensora dos estados de emergência, optou por concentrar a narrativa de sua campanha na crise habitacional, que descreve como uma “pandemia social” e uma prioridade imediata para a acção do partido.

    Esta estratégia mono-temática tem limitado a atenção dos meios de comunicação e, consequentemente, tem falhado em manter o apoio público de forma consistente, excepto talvez durante manifestações em prol da habitação, cuja adesão tem declinado em 2024. Os meios de comunicação, por meio de sua função de agenda-setting, determinam os temas que ocupam a mente das pessoas e a importância lhes é atribuída, o que reforça a importância de considerar a capacidade de atrair a atenção dos meios de comunicação ao definir a estratégia da campanha.

    Apesar de Paixão Martins observar que, fora dos períodos eleitorais, “os partidos mais moderados geralmente têm menos intenções de voto, por não representarem causas específicas”, de acordo com a pesquisa de Mughan (1978), os efeitos da campanha tendem a reforçar as predisposições de voto existentes, em vez de transformá-las significativamente.

    Há uma clara intenção do BE em voltar a posicionar-se como partido de protesto, tentando desviar a atenção de suas responsabilidades como um dos partidos que apoiou o governo anterior, liderado por António Costa, durante cerca de seis anos. O que começou como um partido com inclinações libertárias tem demonstrado ser, na verdade, bastante regulamentar, evidenciando um desejo de fiscalizar diversos aspectos da vida dos cidadãos. Alguns até brincam com essa inclinação, chamando-os de “Bloco de Chega”.

    Sara Battesti é estratega e especialista em Comunicação


    Avaliação do cartaz

    Design: 3/5

    Impacto: 3/5

    Eficácia: 2/5

    Média: 2,7/5


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Quem semeia ventos, talvez colha tempestades

    Quem semeia ventos, talvez colha tempestades

    O ainda ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, parecia ser uma das maçãs menos ‘podres’ deste Governo e deste Partido Socialista. Conciliador e diplomático, sempre aparentou, pelo menos, respeitar as classes profissionais sob sua tutela; contrastando, por exemplo, com as figuras do ministro da Educação, João Costa, e da ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que, se não ‘desprezam’ os ‘seus’ professores e os ‘seus’ agricultores, então disfarçam muito bem.

    Infelizmente, José Luís Carneiro manchou essa imagem, e é agora protagonista de uma guerra (aberta) entre as forças de segurança e o Governo. Depois das supostas baixas médicas ‘fraudulentas’ apresentadas por alguns polícias, que levaram ao cancelamento do jogo Sporting-Famalicão no sábado, o ministro da Administração Interna tornou-se mais papista que o Papa.

    Para além de lhes dar um valente ‘raspanete’, acusou as forças de segurança de “insubordinação” e anunciou a abertura de um inquérito pela Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI). Contudo, antes de o ministro se pronunciar publicamente no domingo, já o Governo havia qualificado a situação como uma “insubordinação gravíssima”.

    Esta resposta do Governo – uma óbvia demonstração de força e autoridade – foi aplaudida; sobretudo, depois de o presidente do Sindicato Nacional da Polícia (SINAPOL), Armando Ferreira, ter dito, na SIC Notícias, que as legislativas de 10 de Março poderiam estar em risco se as forças de segurança repetissem o feito. Vozes preocupadas se levantaram, com alguns a verem neste alerta uma ameaça de “golpe de estado” e uma insurreição.

    Toda esta tensão começou (e escalou bastante) em Novembro passado, sobretudo depois de o Governo ter aprovado um suplemento de missão às carreiras da Polícia Judiciária, discriminando a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana. Agora, embora se valide o descontentamento das polícias, diz-se que os seus protestos têm de manter-se dentro da legalidade. Ou, por outras palavras: ‘podem espernear à vontade, desde que não incomodem’. Ou seja, desde que as manifestações de descontentamento sejam inócuas e não sirvam para nada – tal como, de resto, têm sido quase todas, nesta encenação de democracia.  

    Temos o direito a descer à Avenida da Liberdade ao sábado à tarde, de cartaz em punho; tudo o resto é ‘extravasar’ os limites da legalidade.

    Sobre a possibilidade de um ‘boicote’ às eleições legislativas, António Costa, que nos lembra um daqueles companheiros tóxicos e manipuladores que nos acusa daquilo que faz, logo disse acreditar que “jamais as forças de segurança perpetrariam um ato tão grave de traição à nossa democracia”.

    Porventura, o mesmo não está garantido para o caso do nosso (ainda) primeiro-ministro. Depois destes últimos oito anos de governação, António Costa só poderá ficar para a História como um líder que deixou o país de joelhos e escorraçou a democracia.

    A revolta e a contestação que se inflamam e alastram a várias classes profissionais são prova de que os protestos das forças de segurança não são a ameaça à democracia que nos deveria preocupar. Se há alguém que tem faltado ao país, e que por isso poderia ser acusado de ‘insubordinação’, é este Governo socialista. Pois se é verdade que as forças de segurança devem estar ao serviço da Nação, não é menos verdade que o chefe de Governo foi eleito para servir e defender o povo. E, nesta tarefa, falhou reiteradamente.

    Concorde-se ou não com os protestos da polícia, há um crédito a ser-lhes dado: fizeram tremer o poder, ao contrário de outras formas de luta inúteis, que muitas vezes prejudicam mais os cidadãos do que os governantes. As polícias atingiram o poder onde dói, pondo seriamente em causa a autoridade do Governo. Mostraram, assim, que o seu poder é frágil e pode ruir como um castelo de cartas, num ápice e pela acção de apenas uma dúzia de pessoas.

    E esta é a razão para a resposta tão ‘musculada’ do Ministério da Administração Interna, com ameaças de processos disciplinares e até mesmo criminais.

    Entretanto, alguns agentes da Unidade Especial de Polícia que também apresentaram baixa médica no fim-de-semana (porém, sem o mesmo desfecho do jogo Sporting-Famalicão) já começaram a sofrer represálias, e correm agora o risco de não terem os seus contratos renovados.

    A reacção do primeiro-ministro e do ministro da Administração Interna não só expôs a sua prepotência, como evidenciou uma falha de julgamento e de entendimento da História. Indiferentes à revolta que se avoluma, optaram por ter mão firme, quando deviam ter-se redimido. Em vez disso, atiraram mais achas para a fogueira, esquecendo-se que quem semeia ventos, colhe tempestades.

    Maria Afonso Peixoto é jornalista


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