Um jovem contou no programa da Antena 1 “Portugueses no Mundo”, como é a sua vida na China, dependente de um telemóvel. Na China, diz ele, é impossível viver sem telemóvel: ” se a bateria do telemóvel acaba, não dá para apanhar o metro para ir para casa, não dá para chamar um táxi, não dá para pagar a comida, não dá para fazer nada”.
O dinheiro como objecto praticamente desapareceu e se queremos um bilhete de metropolitano, temos uma aplicação; para um restaurante, outra aplicação; para o táxi, nova aplicação; para entrar no prédio há dependência de outra aplicação, ou de um registo biométrico. Somos controlados no tempo gasto, na presença nos espaços e na actividade de compras ou de ócio.
O telemóvel é agora um porta-moedas, um bilhete de identidade e uma chave. Na China passaram do dinheiro para as aplicações. Por acaso também regista fotos, permite filmes e jogos e também acesso à Internet e a telefonar. Tendo localizadores e mecanismos de orientação, o telefone é agora o que garante a nossa cidadania vigiada. Estamos protegidos pois indica quem se aproxima, e escolhe os encontros que desejamos ter. O telemóvel é uma rede de encontros, uma forma de negociar e sobretudo uma fonte de informação.
O jovem gostava, e achava que as aplicações, que só são disponibilizadas em chinês, são amigas do utilizador, fáceis de perceber, e de interiorizar, mesmo não conhecendo a língua. Nos restaurantes, por exemplo, nem sequer precisa de interagir com os empregados. Tudo se faz por um aplicativo.
Do ponto de vista conceptual estamos perante um telemóvel que nos ajuda a orientar, que nos garante não esquecer a medicação, que nos relaciona com sistemas de segurança, que nos identifica na relação institucional. Associado às pulseiras, que hoje parecem relógios, o telemóvel é um analista de saúde registando pulsações, glicemias, pO2. Os telemóveis estão, portanto, para além da privacidade, e convertem-se em nós mesmos. Eles interligam-se com os carros, com a televisão, com a luz de casa, e permitem abrir os estores e persianas, mesmo quando vamos de férias. A tecnologia invade o nosso quotidiano e começa a ser uma limitação da cidadania info-excluída.
Na China o poder lembrou-se de utilizar isto tudo para catalogar a cidadania e pontuar as pessoas em níveis de qualidade. Podemos ser multados, repreendidos, mudados de emprego se os pontos obtidos são inadequados. O protesto ou o desvio da norma paga-se em retirada de pontuação.
O Estado manda e tu obedeces. A sociedade caminha para uma mutação uniformizada, previsível, redutora de riscos, indutora de segurança, obsessiva de rotinas e normalização.
Como sempre, há coisas boas e más. Se a esta vigilância corresponder uma distribuição igualitária de bens e riqueza, se com ela houver igualdade de acesso à Saúde e à Educação, se forem induzidas para estilos de vida saudáveis, com endorfinas sempre em alta, sentem-se felizes – e são autómatos a quem se pode dar a droga da felicidade permanente. A Matrix é, pois, uma escolha à nossa frente.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Após os funestos acontecimentos da passada semana, soubesse eu tocar mais do que campainhas de porta – e já pouco treinado ando, que quase nenhumas há agora –, e tivesse eu guitarra, já a teria metido esta época no saco, e andava agora a banhos que agora está bom tempo para isso. Mas compromissos são compromissos, já nem sequer estou aqui como cronista comprometido (de águia ao peito desde que se conhece) e compenetrado (em ser de novo campeão, que uma vez mais nunca é demais), mas sim como ‘escravo’ de uma promessa. Assim não chego a político.
Estou assim, confesso-vos, tão entusiasmado esta noite quantos as dezenas de milhares de adeptos benfiquistas que deixaram, ali em baixo, excelentes cadeiras vazias em plena bancada central mesmo no enfiamento da linha do meio-campo.
(cheguei ligeiramente atrasado, já nem vi a águia Vitória, que deveria fazer gazeta sob protesto)
Em todo o caso, mantenho-me empedernidamente profissional, e mesmo se seduzido por amiga para assistir a estre jogo em camarote com pitéus suculentos e fartas viandas, mas acho que já estou viciado na baguete – hoje acompanhada por snacks de milho frito com sabor a queijo, uma maçã e a habitua água pH 9,5 – com que me banqueteio – estou a exagerar, embora ainda fosse pior se escrevesse “com que me lambuzo” – desde Agosto. Em todo o caso, envia-me ela uma fotografia de uma panacota de manga que me faz o gosto. Também havia pipis… e filetes de tilápia com molho de citrinos e cama de legumes e batata. Mais um peixe do qual nunca tinha ouvido sequer falar quanto mais provar.
(golooooooo… Kökçü numa boa jogada de contra-ataque em triangulação)
Reparo agora melhor na equipa do Benfica – grande cronista que saio, que venho ver um jogo de bola completamente impreparado (sem falar que estou para mudar de graduação há dois meses) – e noto que está mais de meia equipa não habitualmente titular, incluindo o guarda-redes Samuel Soares. Até o Morato e o João Mário estão a jogo, o que garantidamente dará uma crise de nervos ao nosso colunista (recém-regressado de férias) Tiago Franco.
Na verdade, e isso não é propriamente uma boa notícia, a equipa ali em baixo do Benfica – que não tem Otamendi nem Aursnes (que nem no banco estão; o segundo a cumprir castigo) nem Rafa nem Di Maria nem Florentino nem Tengstedt (e ainda bem) – nem se está a portar mal, apesar de um ou outro calafrio na defesa. Até mais solta, remata mais (bela ‘bomba’ de Arthur Cabral à barra, e um remate bem intencional em arco do lateral esquerdo Carreras). Claro, está o João Neves a jogar, o que vale meia equipa.
Entretanto, o intervalo aproxima-se e…
(goloooo… Tomás Araújo em insistência depois de mais um canto… esta quase não queria entrar)
E pronto, intervalo, vai tudo descansar. E eu também; aliás, deveria era estar a dormir, que hoje descansei pouco. Ando em processo de ‘trasladação’ da minha biblioteca pessoal para a nova redacção do PÁGINA UM, e entre escrita de artigos e outras burocracias, tem-me tomado tempo de sono.
Entretanto – e este ‘entretanto’ não vai ter golo –, começa a segunda parte, com três substituições de uma assentada, nem parece ‘coisa’ do alemão, incluindo Neres e João Neves, o que não me parece boa ideia. sobretudo por ser manter João Mário. Assegura-se assim uma segunda parte de contenção. Sonolenta, portanto. Barbitúrica, mesmo.
Acho que vou começar a paginar a crónica, fazer o upload das fotografias… Hoje, terei de me despachar que seguirei depois para a Worten, ali no Colombo, para reclamar de uma máquina de lavar loiça Indesit que, pela segunda vez no prazo de um ano, me dá um erro F1 e nicles… Nem água mete. Volto aqui se, com um entretanto, o Benfica por um milagre marcar um golo, havendo lugar a canonização se for da autoria do João Mário.
(olha… houve mesmo golo; marca um tipo que eu tenho de ir ver como se escreve para não me enganar: Rollheiser; isso)
E nisto vamos no minuto 80, e eu aqui em troca de mensagem com um lagarto que anda de peito feito por mor do iminente título sem qualquer eminência. Como já devem ter desconfiado, esta crónica hoje está em serviços mínimos. Mesmo assim deverá merecer as habituais críticas sobre a independência do PÁGINA UM por se meter na bola. Amanhã é outro dia, e o PÁGINA UM UM meter-se-á com a Santa Casa da Misericórdia de XXXXXX, e depois na terça-feira com a Câmara Municipal de YYYYYYY e seguir na quarta-feira com a ZZZZZZ ZZZZZ, e por fim… assim se mostra a nossa ‘dependência’…
Falta quatro minutos para terminar uma noite descansada. Jogo morninho. Insosso. Ou insonso, como queiram.
E terminou. E assim cessa esta crónica. Há dias melhores; e outros bem piores, como o do dia 6. Pelo menos que em Marselha o Schmidt, sempre à rasquinha, nos conceda alegrias semelhantes às da mão do Vata em 1990, sob batuta do grande Sven-Göran Eriksson.
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No livro 1984 de George Orwell, as crises e as guerras são elementos cruciais para manter o regime totalitário no poder. O governo do Estado fictício da Oceânia é habilmente manipulador, controlando a população através do medo, da vigilância e da manipulação da informação.
O regime totalitário da Oceânia mantém o seu poder ao manter a população num estado de medo constante, criando inimigos externos imaginários. O país está constantemente em guerra com uma entidade indefinida, conhecida como “Eurásia” ou “Lestásia”, e os cidadãos são ensinados a temê-la e a odiá-la. Esse inimigo externo serve de bode expiatório conveniente para desviar a atenção das falhas internas do regime e justificar o controlo rígido do governo sobre a vida dos cidadãos.
O governo controla a narrativa histórica e manipula os factos de acordo com os seus próprios interesses. O Ministério da Verdade é responsável por reescrever a história para a alinhar com os objectivos do regime. Isso inclui apagar ou distorcer eventos passados para a manutenção do poder. Crises e guerras são retratadas de maneira distorcida para justificar as políticas do governo e garantir a lealdade dos cidadãos.
As crises e as guerras contínuas justificam um estado de vigilância constante sobre os cidadãos. Os métodos de vigilância permitem ao governo observar e ouvir as actividades dos cidadãos nas suas próprias casas. São apresentados como necessários para proteger o país da ameaça externa. O medo do inimigo externo é explorado para manter a conformidade, a obnóxia e a obediência da população.
Os conflitos bélicos não justificam unicamente a vigilância da população, também servem para desviar recursos e energia da população. Os cidadãos são mantidos ocupados com o esforço de guerra e são incentivados a sacrificar as suas próprias necessidades em nome do suposto bem comum, ajudando, desta forma, a manter o controlo da população, ao mesmo tempo que se desencoraja qualquer forma de descontentamento ou rebelião.
Há 38 anos, Portugal aderiu à Comunidade Económica Europeia (CEE), que posteriormente se tornou a União Europeia (UE), criada pelo Tratado de Maastricht, assinado a 7 de Fevereiro de 1992. De um simples mercado comum, hoje temos uma União Política, semelhante a um Estado Federal.
Taxa de crescimento real (%) anualizada da Economia portuguesa para diferentes períodos desde 1954. Fonte: Banco de Portugal. Análise do autor
O Tratado de Maastricht estabeleceu a União Europeia como uma nova entidade política e económica, introduzindo a noção de cidadania da União. O aspecto mais relevante foi a criação da união monetária, nomeadamente a moeda única, o Euro, e o respectivo emissor único: o Banco Central Europeu (BCE).
Na sua aprovação, foi utilizado um dos métodos favoritos dos burocratas de Bruxelas: “votam até votarem bem”. A Dinamarca rejeitou o tratado num referendo realizado em 1992. No entanto, após algumas negociações e concessões por parte da União Europeia, um segundo referendo foi realizado em 1993, aprovando obviamente o tratado. Este método foi repetido com a Irlanda na aprovação do Tratado de Nice: votaram duas vezes até dar a votação certa. Também tivemos os franceses e holandeses a votarem contra o Tratado de Nice e a Constituição Europeia, mas, como sempre, a “Europa” avançava de forma inexorável.
Tivemos assim a soberania monetária dos Estados-Nação transferida para um gigantesco monopólio. Na verdade, uma impressora de dinheiro que serve exclusivamente os interesses da “casta parasitária”. O “dinheiro grátis, através de taxas de juro muito abaixo das que seriam estabelecidas num livre mercado, gerou uma sensação de riqueza às populações. Estas desatavam a comprar casas, a desfrutar de férias exóticas, enfim, a consumir desenfreadamente. Foi a era do “financiamos a sua casa, os sofás e as suas férias de sonho”.
.Evolução da dívida pública portuguesa desde 1954 a 2023 (Unidades: milhões de €; em % do PIB). Fonte: Banco de Portugal. Análise do autor
Para além do endividamento sem paralelo das populações, em lugar da promoção do aforro, a casta parasitária também retirou dividendos do “dinheiro grátis”: estádios sem espectadores, aeroportos sem passageiros, mais de uma auto-estrada a ligar o mesmo trajecto, parcerias público-privadas leoninas a favor dos privados, em que estes tinham retornos assegurados independentemente do sucesso da iniciativa, na verdade, um sem número de glórias que asseguravam vitórias eleitorais e o enriquecimento fácil.
A festa, obviamente, terminou em crise, sempre fundamental para o avanço do totalitarismo, onde se aplicava invariavelmente a fórmula: crise artificial, problema e solução; garantindo mais e mais poder ao escol que nos parasita. Foi a denominada crise da dívida soberana europeia, iniciada em 2009 com a bancarrota grega, depois da gloriosa jornada olímpica de Atenas. Em Portugal, em Abril de 2011, o Grande Engenheiro anunciava-nos a terceira bancarrota da “democracia”.
Foram logo necessários fundos para ajudar os países em apuros. Criado em Maio de 2010, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) foi estabelecido como um fundo temporário para fornecer assistência financeira aos países da Zona do Euro em “dificuldades” – tradução: tinham sido objecto de uma gigantesca roubalheira. Mais tarde, foi substituído pelo Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), agora com carácter permanente, que passou a poder “levantar fundos nos mercados financeiros”. Por outras palavras, os Estados-Membros capitalizavam o fundo com a emissão de dívida pública; seguidamente, o fundo emitia dívida para obter mais fundos nos mercados! Nem o Sr. Madoff apresentara tamanha criatividade.
O BCE também teve um prémio com a “crise”. Anunciada como resposta à crise da dívida soberana europeia e visando “fortalecer a supervisão financeira na zona do euro”, em 2014, o BCE passava a supervisionar directamente os maiores bancos da zona do euro, com o objectivo de “aumentar a transparência e a estabilidade” do sector bancário – vejam: mais poder, mas em nome de um bem maior: a segurança dos nossos bancos!
Em 2020, surgia uma nova crise, despoletada com o aparecimento de um novo inimigo, desta vez invisível: um “vírus”. A “guerra” foi travada pela constituição de um Fundo de Recuperação da União Europeia, também conhecido como NextGenerationEU – o nome é pomposo! Com um valor inicial de 750 mil milhões €, estabelecido com o intuito de dar “apoio financeiro” aos Estados-Membros mais afectados. Como foi financiado? A União Europeia passou a emitir dívida pública e não apenas os Estados-Membros.
Ou seja: os Estados-Membros decidiram arruinar as suas economias, decretando confinamentos ilegais e o encerramento de negócios e escolas, e, por isso, necessitavam de apoio! Como? Roubando uma vez mais as populações; desta vez, com a impressão massiva de dinheiro, anunciada oficialmente pelo BCE com o lançamento do Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP), um “mecanismo de estabilização” dos mercados de títulos, visando “manter baixas as taxas de juro”. Desta vez, foram uns juros 0% para a plebe correr a comprar casas.
Em paralelo, de forma coordenada, todos os Estados-Membros decidiram manter sobre as populações um clima de terror: fraldas faciais, distanciamento social, álcool-gel, idosos abandonados, alunas sem aulas presenciais, limitações ao direito de deslocação, prisões domiciliárias ilegais, um sem fim de tropelias. O clímax da coisa tinha um propósito: através da União Europeia, adquirir mais de 71 mil milhões de Euros em “vacinas” salvíficas, desenvolvidas numa questão de meses e consideradas desde logo “seguras e eficazes” e como a única arma para vencer o “vírus”.
Evolução do balanço do BCE, em biliões de euros) entre Março de 2020 e Março de 2024. Fonte: Banco de Portugal. Análise do autor
Para coagir a população a tomá-las, a União Europeia aprovou em Março de 2021 um instrumento de segregação: o certificado nazi, mais conhecido por Certificado Digital Covid-19, apesar de saberem, desde o início, que não impediam a transmissão do terrível “vírus”. O resultado de tudo isto tornou-se evidente nos preços internacionais das matérias-primas, que dispararam até ao início da guerra na Ucrânia, precisamente o contrário do que nos dizem os órgãos de propaganda.
Entre 11 de Março de 2020, data da declaração da “pandemia” pela OMS, ao dia 23 de Fevereiro de 2022, o dia anterior à invasão da Ucrânia pela Rússia, o Petróleo subiu de 29,1 € por barril para 81,3 € por barril, uma subia de 179%, a um ritmo anualizado de 69%. A partir dessa data, mudámos de inimigo: do terrível “vírus” para os tenebrosos russos; uma autêntica manobra de diversão para nos fazer esquecer a roubalheira e as tropelias da guerra ao “vírus”.
A putativa pandemia e a guerra na Ucrânia têm servido para maiores transferências de poder para a União Europeia, agora até se fala em enormes recursos para o exército europeu e no regresso do recrutamento obrigatório, a fazer dos jovens escravos do Estado. Para o absoluto totalitarismo já pouco falta; farão agora avançar: a Identidade Digital Europeia, o Euro Digital, a Censura às Redes Sociais e a “Crise Climática”.
Subida/descida anualizada (%) das principais matérias-primas entre 11 de Março de 2020 e 23 de Fevereiro de 2022 (véspera do início da Guerra na Ucrânia). Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.
A Identidade Digital será, como sempre, para o nosso bem. Servirá para nos proteger do terrorismo, que todos sabemos ser responsabilidade dos Estados, já que estes invadem países, destroem infra-estruturas milionários (quem não se lembra do gasoduto Nordstream) e assassinam milhões de pessoas inocentes, como foi o caso do Iraque e do Afeganistão, e agora, o caso da Ucrânia e da faixa de Gaza. Servirá para nos proteger da imigração ilegal: sem identidade digital, não entram. Também servirá para nos proteger numa nova “pandemia”: tem ou não as vacinas em dia? Não, então não pode viajar. Para melhorar, dizem-nos que várias zonas do globo vão criar tal sistema, por forma a assegurar a interoperabilidade entre os diferentes sistemas; que mundo maravilhoso, não é?
O Euro Digital será outra maravilha que se aproxima. Reparem, tal como a Identidade Digital, ninguém o pediu, ninguém o referendou, ninguém o aprovou. Dizem-nos que é para manter a competitividade do sector público face ao dinheiro digital privado. Que não será anónimo.
Vão saber o que consumimos, a hora do consumo, as nossas preferências, quanto consumimos, onde consumimos. As possibilidades são infinitas. Para agravar a coisa, o Euro Digital poderá ser programável. Assim, num novo confinamento ilegal, deixará de funcionar num raio superior a 500 metros de casa; ou quando excedamos a nossa quota de consumo de combustíveis fósseis. Será, como sempre, para o nosso bem. Tal como a Identidade Digital, também será interoperável com outras Moedas Digitais dos Bancos Centrais, por forma a não lograrmos fugir para lado nenhum!
O Ministério da Verdade de George Orwell já foi criado: chama-se Digital Services Act. Os burocratas de Bruxelas são agora a fonte da verdade. Dizem-nos que serve para combater a desinformação que pulula nas plataformas digitais, quando na verdade se trata da mais abjecta forma de censura.
Estranha-se tal preocupação, pois os governos e os seus órgãos de propaganda não fizeram outra coisa que disseminar desinformação e mentiras durante a putativa pandemia. Nada era verdade. O que na realidade pretendem é acabar de vez com a nossa liberdade de expressão. Um exemplo disto é a recente perseguição à rede X por parte do Juiz Alexandre Morais, em representação do Estado brasileiro, demonstrativo do incómodo que a nossa liberdade de expressão representa hoje para os Estados.
Por fim, as “alterações climáticas”, onde iremos todos morrer se não corrermos a salvar o planeta. Dizem-nos que é um problema – que na verdade não existe – “global”, que existe uma solução global. Tal como as “pandemias” exigem um tratado pandémico, em que o poder de decisão ficará nas mãos de um burocrata não eleito, aqui também se reunirão um conjunto de peritos, não sujeitos a qualquer escrutínio, que determinarão os impostos de carbono e outras patifarias, como os confinamentos climáticos.
Subida/Descida anualizada (%) das principais matérias-primas entre 23 de Fevereiro de 2022 (dia anterior ao início da Guerra na Ucrânia) e 5 de Abril de 2024. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.
De uma “crise climática”, teremos uma crise de saúde, derivada da “ansiedade climática”. Também teremos uma crise alimentar, em resultado da diminuição das áreas de pasto das vacas, por forma a eliminar o metano na atmosfera libertado pela flatulência das vacas. O Euro Digital também ajudará a combater a crise climática, condicionando comportamentos “inimigos do clima”. Podemos imaginar por onde a coisa caminha!
Nas próximas eleições europeias, os candidatos apresentar-nos-ão a União Europeia como a eterna vaca leiteira dos subsídios e dinheiro mágico, onde os nossos dirigentes se dobram à grande líder para obter os fundos que irão pagar os empregos dos seus amigos e clientelas; ou irão contar-nos a verdade? Que se trata de uma organização totalitária, inimiga das liberdades individuais, que importa colocar um fim rápido?
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Depois do famigerado logotipo, a polémica desta semana foi o lançamento do livro Identidade e Família, promovido pelo Movimento Acção Ética e apresentado esta segunda-feira pelo ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho. Todo este alvoroço serviu, entre outras coisas, para evidenciar as incoerências, contradições e acrobacias argumentativas de muitos críticos para quem, pelos vistos, só as opções de vida alinhadas com a agenda LGBT merecem ser promovidas e celebradas.
Tendo lido o livro, creio que poderá ser sumarizado, em poucas palavras, como um comovente tributo à família. Em particular, sim, à dita família tradicional ou natural. Quem alega não saber o que isso é, deverá ter as suas dúvidas dissipadas se tentar formar uma família biológica sem o recurso à ciência moderna. Muito provavelmente, não vai conseguir. Contudo, ao que parece, nos mui interessantes tempos que correm, os esclarecidos são aqueles que negam a biologia, e os “chalupas” são aqueles que aceitam os seus pressupostos.
A este respeito, as críticas à ideologia de género plasmadas no livro foram usadas para afirmar que esta obra se baseia no ódio e no preconceito. Não é o caso; pelo contrário. É, sim, uma obra assente no amor, que celebra e defende uma instituição que é a célula-base da sociedade, e que, por isso, se reveste da maior importância. Como seria de esperar, porém, serviu de fermento para o azedume e a hostilidade arraigadas contra aquilo que jornais de referência como o Expresso apelidam de direita ultraconservadora.
O elogio e a promoção dos laços familiares tradicionais constituem hoje um discurso extremista, reacionário, fascista; enfim, perigoso ao ponto de representar um retrocesso civilizacional até à Idade da Pedra. Por outro lado, os mesmos epítetos não foram aplicados à meia dúzia de activistas – assim os denomina a imprensa mainstream – que protestaram à porta da livraria Buchholz durante a apresentação do livro, de bandeiras LGBT em punho e entoando as palavras de ordem “Morte aos Fascistas”. Estes terríveis fascistas a quem se desejava a morte, seriam, claro, todos aqueles que subscrevem o conteúdo do livro – tanto os que se encontravam dentro da livraria, e os outros.
Vimos diversas críticas e reacções indignadas em relação ao livro. Alguns, querem convencer-nos de que a família é uma instituição ultrapassada, démodé, como se se tratasse de uma tendência sazonal que agora devemos descartar. Pretender que uma aspiração tão natural e visceral como a formação de família é algo datado é tão absurdo como dizer que necessidades básicas como comer e dormir também já estão gastas.
Muitos, dizem que a família natural não existe, e que qualquer conjunto de espécimes humanas e não-humanas pode configurar uma família, e que afirmar o contrário é retrógrado e bafiento. Eis o que já cheira a bafio: esta tentativa incessante de desfigurar a família e aniquilar os valores tradicionais. Uma intenção que não é de agora, mas que tem ganhado terreno através de uma profusão de ideias que levam ao extremo aquilo que o liberalismo tem de pior, resultando num individualismo e hedonismo doentios em que o homem e o seu desejo são a medida de todas as coisas.
Há quem considere disparatado o desígnio da obra, e troce de alegações de que há uma guerra aberta contra a família. Ironicamente, a urticária generalizada que o livro causou comprova, precisamente, a sua pertinência e necessidade. Afinal, por que carga de água este livro seria tão polémico, se não existisse uma aversão e desejo de repressão dos valores tradicionais e à dita família natural?
Os militantes woke asseguram-nos sempre, aliás, que não há razões para temer a defesa dos direitos da comunidade LGBT porque estes em nada prejudicam os demais membros da sociedade. Aplicando o mesmo raciocínio, porque se sentem tão incomodados com a mesma liberdade de todos os não-membros da comunidade LGBT para fazer apologia do seu modus vivendi? Parece que, afinal, só acham válido celebrar as suas próprias escolhas e estilos de vida – as pessoas conservadoras e tradicionais não têm direito a exibir orgulho pelas suas opções. Ensinar ideologia de género nas escolas não é doutrinar, dizem-nos, numa espécie de gaslighting. Mas é quem o diz, que agora entrou num pranto pela disseminação de ideias diferentes das suas, vistas como perigosas e prejudiciais.
Embora uma certa “direita” – ou, talvez, que se identifica como direita –, tentando pôr água na fervura, tenha logo vindo acautelar que o livro não tem como co-autores apenas pessoas de uma ala mais conservadora ou religiosa, este tipo de argumentos é ceder à ‘cultura de cancelamento’ vigente. O fundamental é admitir que, sim, o livro apresenta opiniões bastante zelosas dos laços familiares tradicionais, e que essas posições são mais do que legítimas e não devem ser censuradas ou conspurcadas do debate público.
Foi também divertido ver alguns críticos da obra a lembrar que hoje há muitas famílias monoparentais, fragmentadas, refeitas, e todos os obstáculos financeiros ou sociais que as famílias enfrentam. Mais uma vez, esta observação só reafirma a importância de se proteger e fomentar uma cultura mais amiga das famílias e propícia à criação de vínculos familiares fortes. O cenário actual em que se revela cada vez mais difícil manter uma família coesa é resultado, precisamente, da perda de valores que este livro tenta denunciar.
Por fim, são dignos de louvor todos os nomes que contribuíram para o livro, e que tiveram a coragem de se expor nestes tempos sombrios em que contrariar as convenções politicamente correctas torna o herege alvo de apedrejamento público. Ficou comprovadíssimo que estas iniciativas são necessárias e urgentes, como pão para a boca.
Maria Afonso Peixoto é jornalista
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Há um silêncio que embrulha aquele senhor, não é solene, é uma cautela, um cálculo, um sorriso de escarninho. Respostas curtas e a gotejar de desdém, esperteza, manha, diria diplomacia mas prefiro dizer ardil.
Este senhor tem a pele saudável, dentes devidamente monitorizados, perfume em aroma leve, elegante, roupa engomada e discreta. Uma aparente calma (devidamente monitorizada), senta-se de forma confortável na cadeira estofada, sem anseios ou devaneios. Boas noites de sono propiciam isto, saúde (calma).
Há uma trança de números que embrulha aquele senhor, moedas que geram moedas e quantos algarismos sobram para ele. Trata de assuntos. Tem três telemóveis hiperactivos e vários números importantes gravados na lista de todos. Os números são importantes, porque pertencem todos a outros senhores calmos e bem engomados, alguns eleitos, outros instituídos (ungidos), nunca encardidos ou puídos pela traça.
Defronte da cadeira estofada está a mesa redonda com centro de pedra marmoreada, de novo com um brilho elegante (leve), e em cima da mesa os meus bonecos, desenhos suados de um esforço vão de tentar brincar aos sistemas, onde as pessoas vão ser roubadas e compartimentadas em caixas indignas, casas fatiadas como pão de forma, farelo, para render uma medida política, para acenar com circo (e pão), nós de forca em pescoços tensos, nada de calma, nada de escárnio, só cabeça baixa (não baixa, vergada, vergada pela bota da ambição).
Há um silêncio conivente, que nos embrulha a todos perante um senhor assim, a mão estendida é sempre solene, a cautela já pouco importa. Primeiro direito. Depois esquerda e segue-se a vénia. Obra feita para encher a boca com bolo rei, e nós todos a rabear na orla da toalha, a ver se nos cai migalhas para encher a barriga, que a vida não é só rezar e sobra pouco a oeste da meseta em tempos de terceiras guerras disfarçadas de acidentes.
Há salas assim de cadeiras estofadas e mesas debruadas a mogno, dignas, onde ocasionalmente indignos entram de mão estendida a ver o que lhes toca, ou outros disfarçam o roncar de estômago com um pigarrear tímido, ou outros fazem peito de raposa segura das suas capacidades, ou outros entram com absoluto sentido de propriedade, cautela, cálculo, calma, ardil. E todos manobram rodas para que a coisa ande (avança, avança! Se viras as costas ao sistema, o sistema vira-te as costas a ti).
Ora pois então o senhor calmo, composto, sossegado trata de assuntos. Um gavião. Uma pedra filosofal. (Se não comes estás a ser comido, sabes, sabes?)
Escusemo-nos de juízos de valor, por favor, predadores fazem parte da lei natural (sabes, sabes?), eles seguem por aí a controlar a população de lebres, a restringir o crescimento dos patos bravos. Desde que as salas continuem com umbrais selectivos, desde que as pedras não se danifiquem por palmas suadas de ansiedade, os aromas permanecem sem a intensidade dos brutos, isto é importante!
Quando o senhor se levanta, alheio a contemplações desta natureza, alheio porque genuinamente desinteressado dos novelos, (para quê novelos se já as tranças levam tanto tempo e atenção a manter apertadas?) sabemos que a conversa está encerrada. O bólide não se paga sozinho. O retemperar forças em férias onde o sol se mantém a brilhar não se sustenta a mãos estendidas. Se insistimos em novelos estranhos sobre ética e deontologia vemos a calma a perturbar-se, a impaciência sacode-lhe a anca, de repente vemos os números dos seus olhos a ponderar o quão dispensável somos, como interlocutores tão impertinentes. Que as crianças não pagam nada, e as crianças é que acreditam em heróis e vilanias.
Convenhamos, de novo, não se atormentem a julgar o senhor. Entre o falcão e o bando de pombos são poucos os que escolhem os pestilentos gangrenados.
O senhor Ambição é um motor! Toda uma economia!
Isto no fim do dia é tudo um jogo.
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Feminista e LGBTQIA+ (mas só para o Ocidente, porque é multiculturalista)
Adora a Netflix, a Big Tech e a Big Pharma, mas odeia de morte o capitalismo
É contra a especulação financeira (excepto a do filantropo Soros)
Versões prováveis do Fábio Fausto
Valoriza muito o sentido de humor nas pessoas (mas somente o humor inclusivo)
Assim como há quem se benza com Pai, Filho e Espírito Santo, Fábio Fausto, sendo laico, benze-se com «Igualdade», «de» e «Género», mantra que repete cinquenta vezes por dia
Gosta de pronomes inclusivos e só vai a Manhattan quando se chamar Womanhattan
Está numa relação aberta (ainda não informou a parceira, mas apenas porque não tem nenhuma)
Pacifista
Progressista
Globalista
Decolonial
Pró-Ucrânia, mas anti-OTAN
Pró-Palestina, vai a manifestações com a bandeira do arco-íris e a bandeira da Palestina
Gosta de mulheres, mas afirma-se queer
Sente as trepidações dos ventos do tempo e está sempre do lado do vento que sopra, não por oportunismo, mas apenas por querer estar sempre do lado do progresso
Já viajou muito pelo mundo, pelas principais cidades cosmopolitas, vive na Lapa, gosta de viajar em executiva, de ir aos lugares mais finos do Príncipe Real e a hotéis de cinco estrelas, mas o seu coração está na Cova da Moura e no Bairro da Serafina, que são os seus destinos de sonho para uma viagem que ainda não realizou
Não foi a muitas manifestações pelo Bem (com excepção das mais mediáticas), mas põe gosto em todas
Sonha em linguagem inclusiva
Adora gatos e livros, especialmente livros escritos por pessoas racializadas, mulheres e trans
Apesar de não dispensar um bom bitoque na Portugália, sonha ser vegano
Obcecado com questões de género e ecologia (ainda que troque de iPhone todos os anos e viaje muito de avião)
Nunca faz generalizações nem tem preconceitos, excepto sobre a escumalha dos fogareiros (vulgo taxistas) e da bófia
Nunca discriminou ninguém com base na classe, na etnia, no género ou na orientação sexual, porque não paga estágios remunerados a todes por igual
Adora pessoas trans e a cultura africana, sobretudo nas redes sociais
Nunca fez uma rasteira a um cego
Gosta de ser fotografado com pessoas com perturbação do espectro do autismo e com trissomia 21, desde que haja legendas
Quando era pequeno, foi o primeiro a reciclar lixo no seu bairro
Nunca, ao contrário dos colegas, apalpou uma menina quando era pequeno e está muito arrependido de ter contado uma anedota sexista aos doze anos
Não é apologista da violência, mas já deu uns sopapos a uns fachos
Hiperconsciente do seu privilégio de homem branco hétero e cis
Principal qualidade: empatia (mas detesta e lincha pessoas tóxicas, tem de ser… não podemos ser tolerante com os intolerantes, já explicou Popper)
Defeitos: só tem dois — detesta a hipocrisia e é muito teimoso na defesa dos seus ideais!
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Sigo com particular interesse o trabalho que têm desenvolvido no PÁGINA UM, um projeto com um modelo de negócio muito diferente de outros, o que prova que há espaço para vários formatos de jornalismo e que respondem a formas muito diferentes de levar notícias aos leitores.
Considero, aliás, particularmente importante o trabalho jornalístico que têm desenvolvido em relação a temas como a covid-19 e as restrições à liberdade que nos foram impostas, também quanto a mim excessivas face às necessidades e longe de garantirem os resultados propagandeados. Assim como o escrutínio às contas dos grupos de comunicação social. Se o nosso papel é escrutinar os poderes, temos também de prestar contas e aceitar o escrutínio sobre o nosso próprio trabalho, e nas várias dimensões: A editorial e também a económica e financeira.
Li com atenção o texto que escreveu sobre a nomeação do novo secretário de Estado da Presidência, Rui Armindo Freitas, e as ilações que retira na sequência dos resultados económicos e financeiros da Swipe News. O texto não é bem uma notícia, tem factos, mas também opinião e processo de intenção que justificam esta minha mensagem — que está autorizado obviamente a usar, só lhe pedindo que, se o fizer, a publique na íntegra; e não, isto não é um direito de resposta ao abrigo da lei [da imprensa], é apenas um comentário construtivo e que tenta ajudar os leitores da PÁGINA UM com informação e enquadramento que estão ausentes da texto que fez. É também, ainda mais importante um direito de defesa do trabalho de uma redação e de todos os trabalhadores.
O Pedro cita factos indesmentíveis: Rui Armindo Freitas foi vogal e presidente do CA [conselho de administração] e é também um acionista absolutamente minoritário da Swipe News. Obviamente não respondo por um acionista que passou a governante, mas considerar “larga experiência” de media uma presença não executiva num conselho de um jornal que nasceu em 2016 não será exatamente o que poderíamos classificar de rigor jornalístico. Eu tenho 32 anos de profissão, o que será então esta experiência? Depois, os resultados da Swipe, editoriais e económico-financeiros, são devidos em particular aos promotores executivos, portanto, a mim próprio, e não aos administradores não-executivos e menos ainda a acionistas que se limitam a aprovar contas anuais e demais atos competência de assembleia geral. Devo acrescentar que os acionistas do ECO são conhecidos desde o primeiro dia, com total transparência.
Começo, de qualquer forma, pelo fim: o Pedro faz um processo de intenções sobre prejuízos e a conversa sobre ajudas públicas. Deveria saber, e isso, neste contexto, justificava uma evidente referência, que o ECO recusou os apoios públicos que foram dados aos meios no quadro da pandemia. Fomos um dos dois meios que recusou a ajuda. Por convicção, independentemente do valor. Os órgãos de comunicação social devem escrutinar o poder político e não receber fundos decididos por governos. Cria no mínimo um risco de perceção de independência, mas cada um sabe de si. O ECO recusou, e voltará a recusar se a ajuda não for dada diretamente ao leitor. Mas o Pedro faz um processo de intenção que não é, permita-me também o escrutínio do que escreve, intelectualmente honesto nem justo: Faz uma relação entre membros do Governo e a sua passagem pela Swipe News com “o debate para eventualmente salvar com dinheiros públicos (leia-se dinheiro dos contribuintes) modelos de negócio de empresas de comunicação social com resultados económicos desastrosos”. Como escrevi, não subscrevemos esse modelo de negócio (se é que o podemos chamar assim).
António Costa, director do ECO desde a sua fundação.
O ECO tem sete anos, um período de vida ainda curto para um meio de comunicação social. Não sei exatamente o que considera “resultados económicos desastrosos”, mas o nosso plano previa – e prevê – um equilíbrio operacional ao fim de sete anos. Na verdade, as contas de 2023, já fechadas mas a aguardar aprovação da AG [assembleia geral], ainda ditam um prejuízo operacional, mas muito menor do que em 2022, próximo do equilíbrio, como terá oportunidade de confirmar em breve. Não, não é, como tenta adivinhar (num texto que se apresenta como notícia), mais meio milhão de euros de prejuízo.
Além disso, obviamente, o consumo de capital acionista – 4,6 milhões como é publico – não é o mesmo que prejuízos acumulados, como refere. Será seguramente um lapso, admito. Mas qualquer euro de prejuízo é sempre muito. Enquanto acreditar no caminho a seguir, e enquanto os leitores quiserem ler o ECO, continuaremos a fazê-lo, com todas as dificuldades que se apresentem.
Uma coisa é certa: nestes primeiros sete anos, o negócio do ECO resultou de publicidade e financiamento acionista. Não temos dívidas ao Estado, não aceitamos fundos públicos, nem sequer fizemos lay-off no período da pandemia, como sucedeu noutros meios. E não, como escreve erradamente, o ECO não vive de financiamento bancário, simplesmente porque não o tem, apenas de acionistas. Volto a repetir: Não temos dívidas ao Estado nem à banca.
O ECO tem mais de 25 jornalistas, portanto um criador de emprego num setor reconhecidamente difícil do ponto de vista do negócio, mas que depende em primeiro lugar da qualidade do jornalismo que se faz. E continua a crescer em receita e audiência. A operação económica e financeira é difícil? Claro que é. O ECO está a fazer um caminho para a sustentabilidade económica e financeira. O recente aumento de capital foi mais um passo, e outros se seguirão. Para garantir um objetivo estratégico, a situação líquida positiva. E as condições para continuar a investir em pessoas, e para pagar melhores salários.
Ainda há dias um meio de comunicação social anunciava o seu fim por razões “exclusivamente financeiras”. Obviamente uma falácia, porque se não há receitas para pagar a estrutura – sejam elas comerciais, de subscritores ou de acionistas, ou tudo somado – é porque o meio não está a corresponder às necessidades de informação dos leitores a que se dirigirá. Mas também tenho curiosidade em saber quais são as receitas da PÁGINA UM e os seus custos (confesso que não fui ao portal da ERC para ver as contas) e quantos jornalistas tem a trabalhar em exclusivo. Paga-se? Tem prejuízos? Qual é o salário médio bruto no PÁGINA UM?
Última nota para a referência às várias marcas do ECO – devidamente registadas na ERC – como meios de brand content. Talvez não seja leitor regular das notícias publicadas por meios como a Advocatus, o Capital Verde ou o ECO Seguros. O ECO identifica de forma clara o que é branded. Estes meios são especializados nestas áreas, têm editores e procuram responder às necessidades de informação dos leitores que têm interesse nas respetivas notícias.
Prezo mesmo o trabalho da PÁGINA UM, sou leitor assíduo. Não preciso de concordar com tudo o que fazem para considerar que prestam um serviço aos leitores. Mas tenho de discordar de um tom – muitas vezes, demasiadas vezes – moralista, a pregar uma verdade. Já temos disso em demasia no espaço público. Cumprindo-se as regras éticas e deontológicas, não há melhores e piores, nem os bons nem os maus. Descredibiliza o papel da PÁGINA UM quando não resiste a comentários e especulações no meio de notícias – pelo menos são apresentadas como tal –, algumas delas contra outros jornalistas e redatores que não têm quaisquer responsabilidades editoriais de decisão. Isso é um leitor a falar.
A independência é um critério essencial do jornalismo, mas não é um fim em si mesmo se o trabalho jornalístico não for rigoroso e se não separar de forma clara a notícia da opinião. Tão importante como a independência é a verdade. Podemos, na verdade, ser dependentes dos nossos próprios preconceitos e preferências, pondo em causa a verdade.
Bom trabalho a toda a equipa do PÁGINA UM, continuarei a ser leitor assíduo e exigente.
António Costa
Diretor do ECO
Resposta de Pedro Almeida Vieira
Alguns dos pontos da carta do director do ECO, que agradeço pessoalmente, até pela postura dialogante necessária entre camaradas de profissão com pontos de vista distintos, merecem breves esclarecimentos. A crítica ao meu estilo de escrita jornalística – que não é único, e que tem ganho adeptos sobretudo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) – tem um claro intuito depreciativo, no sentido de falta de rigor. Estranho muito (ou talvez não) que tal suceda, porque o estilo que uso – e onde explicitamente se mostra o que são factos e o que é opinião (tanto assim que os visados facilmente distinguem) é muito similar ao que usava, por exemplo, na revista Grande Reportagem há já mais de 20 anos. Ficam agora chocados por o manter nesta década num jornal independente? Convenhamos: aquilo que no PÁGINA UM talvez incomode certos arautos é exactamente o rigor: raramente escrevo sem dados, sem números, sem documentos. Ora, detendo os factos, analiso e interpreto-os, contextualizo, e se considerar relevante oiço opiniões ou peço comentários.
No jornalismo começam a surgir ‘correntes’ (defendidas pela ERC, CCPJ e CD-SJ) de que, para tudo, se exige contraditório (mesmo quando existem documentos) e que só uma condenação em tribunal concede o direito de se fazer denúncias jornalísticas, não bastando apenas documentos nem fontes seguras. Quer-se fazer do jornalismo um mero ‘relator’ de opinião, um simples ‘pé de microfone’. Quer-se um jornalismo amorfo, irrelevante, inútil. Sou contra essa visão. Se o jornalismo não servir para denunciar casos anómalos, para interpretar documentos, para expor estratégias ou estratagemas que se podem tornar ‘daninhas’, então serve apenas como meio de comunicação social. Isso é muito pouco. O jornalismo é muito mais do que isso.
Portanto, a notícia sobre o desempenho empresarial do novel governante Rui Freitas na sua passagem pela Swipe News – que deverá ser relevante, até porque mereceu a sua ida para a administração da Media Capital, que teve um volume de negócios de 149 milhões de euros em 2022 – tem evidente interesse noticioso. E ademais usando os indicadores financeiros desta empresa disponíveis, incluindo as demonstrações financeiras de 2022. Sobre este aspecto, os ‘erros’ apontados por António Costa não fazem sentido, a menos que as contas da Swipe não revelem a realidade. Por um lado, na notícia falei sempre em capitais próprios (ou seja, naqueles que estão sob a alçada dos accionistas, e que não são meramente as acções subscritas) e quanto aos prejuízos acumulados constituem o somatório dos resultados transitados desde 2016.
Por outro lado, sobre a alegada ausência de dívidas bancárias, reiterada por António Costa, convém referir que na demonstração dos fluxos de caixa da Swipe News em 2022 surge o recebimento de 529.265,36 euros através de “financiamentos obtidos” e no balanço contabiliza-se um passivo de cerca de 1,58 milhões de euros na rubrica de “financiamentos obtidos”, que não empréstimos sequer dos accionistas. Pode haver, obviamente, outras modalidades de financiamento (que não passem por instituições bancárias), mas numa simplificação (e à falta de dados) estamos perante o equivalente a empréstimos bancários com pagamento de juros. Aliás, a Swipe News assume mesmo a existência de empréstimos bancários na sua demonstração de resultados de 2022, uma vez que suportou o pagamento de juros no valor de 29.167,51 euros, o que se coaduna, face às taxas de juro praticadas naquele ano, com empréstimos em curso na casa de um milhão de euros.
Além dessa análise financeira, enquadrei-a justificadamente no contexto político de profunda crise financeira da imprensa tradicional em Portugal. Praticamente todas as grandes e médias empresas de media estão com prejuízos inacreditáveis, e há duas soluções políticas: ou salvar tudo, ou deixar o mercado funcionar, aceitando que haja despedimentos, mas tornando os títulos que sobrevivem com maior capacidade de fazer bom jornalismo com um mercado publicitário sem se imiscuir na parte editorial. Neste contexto, é mais do que aceitável a especulação – que diabo!, nas secções de política fartam-se de fazer isso, e sem sequer uma fonte –, atendendo ao facto de a crise na Global Media (e em tantos outros grupos de media) terem levado diversos partidos a considerarem viável e aceitável uma intervenção do Estado para ‘salvar’ o jornalismo. Aceito que o António Costa tenha um conceito demasiado restrito do termo ‘especulação’; eu prefiro no jornalismo usar a acepção mais filosófica de especulação: indagação intelectual, feita de forma autónoma ou independente de fundamentos empíricos, mas com premissas em dados. Essa é também a função de um jornalista: dar ‘pistas’ para uma reflexão. Desde que se seja honesto na apresentação dos dados é mais do que legítimo.
Um outro ponto relevante na missiva de António Costa refere-se à questão dos branded contents. Como se sabe, sou visceralmente contra a promiscuidade entre jornalismo e conteúdos pagos ou eventos que empresas privadas e públicas pagam aos media e que têm a presença de ‘jornalistas da casa’. O ECO – mais as suas diversas marcas – é um dos órgãos de comunicação social que mais usa esse modelo de negócios, e pode António Costa garantir haver uma clara distinção. Eu acho que não há, porque alguém escreve aqueles textos e eu não vejo na ficha técnica do ECO uma lista de pessoas (não-jornalistas) responsáveis pela escrita dos tais branded contents. E mesmo nas diversas marcas do ECO, como, por exemplo, na Capital Verde, nem sequer tem a lista de jornalistas ou a identificação de quem escreve os textos de marketing. Aliás, o caso do ECO deve mesmo merecer uma profunda reflexão. Não me parece que seja bom para o jornalismo – e para o próprio António Costa, como jornalista – haver uma ‘secção’ no seu jornal, a Advocatus, e da qual ele é formalmente responsável editorial, mas que, na verdade, é detida por uma empresa, a Newsengage, da qual o dono (com 99%) é João Paixão Martins, actual dono da LPM (fundada pelo seu pai, Luís Paixão Martins), uma das mais influentes agências de comunicação do país. Haver agências de comunicação a deterem órgãos de imprensa parece-me um absurdo.
No dia em que os órgãos de comunicação social com branded contents passarem a exibir, na ficha técnica, a lista de redactores (sem carteira profissional de jornalista, mas devidamente identificados) que escrevem os conteúdos patrocinados, e os directores e ‘jornalistas da casa’ deixarem de participar em eventos de marketing das suas empresas, então aí muitas questões serão clarificadas e a confiança aumentará.
São estas as questões fundamentais a debater numa profissão onde a credibilidade vale muito, onde mais se aplica a máxima “a mulher de César tem de ser e parecer séria”.
Por fim, o PÁGINA UM não tem um modelo de negócio tradicional; aliás, desafia os princípios económicos, porque é de open access – ou seja não está restrito apenas aos assinantes – e não tem publicidade nem parcerias comerciais. Vive apenas de donativos dos leitores. O objectivo fundamental do PÁGINA UM, além de dar notícias (e sobretudo daquelas que os outros não dão), é demonstrar valor intrínseco do Jornalismo. Ora, como é óbvio, em Portugal esta modalidade não dará (ainda) para criar uma redacção digna com meios semelhantes aos outros. E por uma simples razão, o PÁGINA UM não se endivida, e por isso o seu passivo é virtualmente zero (no final de Dezembro fica apenas para pagar o remanescente de impostos à Autoridade Tributária e Aduaneira, que são saldados nos primeiros dias de Janeiro). Em dois anos, o PÁGINA UM teve receitas de um pouco menos de 100 mil euros; e poderíamos ter contratado cinco ou seis jornalistas, teríamos feito muito mais, mas provavelmente teríamos agora um prejuízo de 200 mil ou 300 mil euros. Estaríamos como o ECO e muitos outros. Ora, somos de opinião de que esse não é o caminho para o PÁGINA UM. Cresceremos se os nossos leitores assim o desejarem. São eles, na verdade, os nossos accionistas: valorizando o nosso trabalho com os seus donativos.
P.S. Esta resposta está longe de encerrar o debate. Pelo contrário. Penso que somente agora começa.
Pedro Almeida Vieira
Director do PÁGINA UM
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Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Num vídeo, que se tornou viral, um rapaz mostra-se a bater com o ombro numa porta e imita as reacções ao acidente conforme as diferentes gerações. No caso dos nascidos nos anos 70, depois de irem contra a porta, prosseguem indiferentes. Os nascidos na década de 80 entram em confronto verbal com porta. Os nascidos nos anos 90 levam a mão ao ombro com dor ligeira e reviram os olhos. Os nascidos depois dos 2000 fazem um drama, caem no chão e aproveitam para tirar uma selfie com muitos # de vitimização. Certamente que alguns fariam hoje um vídeo curto sobre o ‘acidente’ para o TikTok.
Mas este tipo de vídeos e memes, apesar de poderem ser engraçados, estão longe de representar a triste realidade: grande parte da corajosa malta nascida nos desafiantes anos 70 e 80 transformou-se, rendeu-se e traiu a sua geração (e as suas promessas).
Estas gerações que assistiram ao nascimento e infância da democracia em Portugal, no pós-25 de Abril, que assistiram à queda do Muro de Berlim e ao fim da Guerra Fria, estão, na sua maioria, em silêncio perante o regresso da cultura de censura e repressão. E estão em silêncio, na sua maioria, perante o regresso do poder dos senhores que promovem (e lucram) com as guerras.
Uns ter-se-ão esquecido quem são devido ao conforto do carro na garagem do condomínio, aos centros comerciais gigantescos, à era do consumo, do smartphone e da Netflix. Outros sentem-se derrotados por décadas de baixos salários, empregos precários e por não verem a luz ao fundo do túnel. E estes também esqueceram quem são.
Outros, estarão doentes, cansados, desanimados. Mas todos estão rendidos e renegaram, sem saber, às suas promessas de juventude.
Mas, quer estejam aburguesados, doentes, ou desanimados, assisto, triste, a muitos da minha geração parados, impávidos perante o assalto à democracia e à liberdade que estamos a sofrer na Europa. Em vez de lutarem contra os fortes ataques à democracia em Portugal e na Europa, entretêm-se a publicar quase só fotos de gatinhos, a pôr likes em posts de celebridades e influencers e a encher os seus bolsos pagos pela publicidade encapotada. Em vez de lutarem pela defesa da liberdade de expressão e liberdade de imprensa, apoiam aqueles mass media que estão em perseguição dos que estão a defender a liberdade de expressão, a democracia e a lutar contra a censura.
Muitos da minha geração pensam mesmo – imagine-se – que em Portugal se vai mesmo celebrar os 50 anos de Abril. E acreditam que os comentadores que nas TV falam sobre as cinco décadas da Revolução dos Cravos são mesmo, na sua maioria, defensores da democracia. Muitos da minha geração ignoram o que se está a passar. Ignoram que muitos dos comentadores são pró-censura e pró-leis tiranas. E pró-guerra e pró-condicionamento das liberdades civis e dos direitos humanos, ‘pelo bem de todos’.
Não entendo. Custa compreender.
Quando me perguntam, por exemplo, porque tantos jornalistas têm estado em silêncio e pactuado com a censura e a cultura de tirania pró-ditadura (reflectida em leis e políticas de governos ocidentais), respondo: “porque são jornalistas espertos”. São espertos porque defendem o seu ganha-pão, o seu sustento. Sabem que estamos a viver numa era em que regressaram as tendências pró-ditadura – agora disfarçadas sob capas de combate à desinformação e luta contra a ‘extrema-direita’.
Já nem falo das estrelas de cinema que tanto me desiludiram nos últimos anos, ao defenderem a censura, nomeadamente nos Estados Unidos, ou a violação da soberania sobre o próprio corpo. Já nem falo das estrelas do rock e da pop que deram concertos apenas a audiências segregadas, apoiando uma cultura ignóbil de discriminação entre seres humanos.
Falo aqui das pessoas comuns, as que, como eu, frequentaram os bailes ao ar livre nos anos 90, em Lisboa. As que iam ao cinema sempre que podiam. As que sabem de cor os diálogos de ‘The Breakfast Club’ ou do ‘Assalto ao Arranha Céus’. As que ouviram vezes sem conta ‘Get up, Stand up’, de Bob Marley. É para elas que escrevo este texto. Onde estão? O que vos aconteceu?
Na Europa, a antiga ministra da Defesa da Alemanha, a Sra. Von der Leyen, arrasta o nosso Continente para uma guerra sem fim. O anúncio de uma ‘Economia de Guerra’ na União Europeia não despertou a minha geração para a acção?
Onde estão os pacifistas da minha geração? Onde estão os pacifistas em geral, os que sabem que as guerras são monstros para alimentar lucros de multinacionais e os bolsos dos políticos (e dos seus filhos) que as promovem?
Onde estão os pacifistas portugueses? Onde estão os pacifistas europeus? Onde estão os pacifistas do Ocidente? Onde estão os pacifistas do Mundo? Estarão enfiados em shoppings a comprar o último iPhone ou a viajar pela América do Sul? Estarão entretidos a lavar o seu novo carro eléctrico ou a fazer like no seu influencer preferido? Estarão a assistir todo o fim-de-semana aos inúmeros jogos das diferentes Ligas? Estarão distraídos a ver (de novo) ‘aquela série’ da Netflix? Ou estão quebrados por doenças e a sentir-se vítimas de uma vida ‘que os tem maltratado’?
Onde estão os corajosos, lutadores e destemidos ‘jovens’ da geração de 70 e 80? Onde estão os jovens inspirados a fazer um bypass ao status quo depois de ver o ‘Clube dos Poetas Mortos’? Onde estão os apaixonados e utópicos ‘jovens’ que têm ainda a cassete VHS com o filme (que viram no cinema) sobre ‘Cyrano de Bergerac’?
E os jovens que gravavam as cassetes com as músicas das rádios pirata? Onde estão?
Não estranham que, ao fim de tantos anos, não se consiga acabar com os sem-abrigo, a fome e a pobreza, mas que haja sempre milhares de milhões para armas, bancos, ‘a economia’ e as guerras?
Não estranham que tenham sido aprovadas, nos últimos tempos, leis na Europa que condicionam a liberdade de imprensa e de expressão? E não estranham que haja em Portugal movimentos de grandes partidos no Parlamento para mutilar de forma impensável a nossa Constituição? Não estranham que esteja a ser desmembrado o conceito de direitos humanos nas alterações ao Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial da Saúde que estão a ser negociadas por países, incluindo Portugal?
Não estranham que políticos supostamente de esquerda sejam a favor da censura e da repressão e estejam a perseguir ‘opositores’? (É ler este artigo sobre a reacção de Musk à repressão em curso no Brasil).
Não estranham que haja censura em 2024 e que tudo o que seja ‘contra o regime’ é ‘desinformação’ e ‘extrema-direita’ (na pandemia eram negacionistas e anti-vacinas’)? Não estranham que muitos dos mass media apoiem a censura e sejam hoje máquinas de propaganda?
Malta: a torre Nakatomi está em chamas e a nossa geração anda a pôr likes em selfies?
Nós vimos John McClane descalço, ferido, sozinho, a dar cabo dos assassinos gananciosos e com ar sofisticado! E vimos centenas de filmes com heróis a defender a democracia, a liberdade, a lutar contra os maus!
(Foto: D.R.)
Alugámos dezenas de cassetes de vídeo de filmes em que se lutava contra corruptos e a ganância. Vimos ‘Erin Brockovich! Vimos ‘Alien’ e a pobre da Sigourney Weaver a matar ‘bichos viscosos e feios’ atrás de ‘bichos viscosos e feios’.
Vimos Mulder e Dana nos ‘X- Files’. No entanto, não estranhamos que nos dias de hoje cada vez mais se perseguem pessoas que fazem alguns alertas sobre as novas leis, chamando-os de ‘teóricos da conspiração’? Vimos ‘Matrix’ com o Neo. (E, se calhar, continuamos à espera desse ‘The One’ que nos virá salvar.)
Ouvimos Nirvana, U2, Queen, Metallica, Pink Floyd (e mais todos aqueles que não admitimos que ouvimos, como Def Leppard e Europe). Ouvimos música com sintetizadores. E também músicas com letras sobre liberdade, amor e paz.
Como é que aceitamos que se difamem e cancelem pessoas, acusando-as de ser da extrema-direita (ou outro nome pejorativo qualquer) porque defendem… a paz, a liberdade e a democracia? É isso que está a acontecer, hoje.
Nós somos a geração do Ferris Bueller! Vamos deixar que os que têm tiques de ‘bufos’, os censores e a repressão vençam? Que a nova tecno-ditadura se instale? Que o jornalismo seja substituído pela propaganda de mass media amigos do poder (que também lucram com políticas anti-democráticas e a com a tecno-censura)?
(Foto: D.R.)
Nós somos a geração de ‘The Breakfast Club’. Vamos deixar que as próximas gerações vivam sem liberdade de expressão e sob repressão constantes? Vamos permitir que a guerra avance e Von der Leyen, os donos da indústria de armamento, as grandes multinacionais e magnatas pró-censura das Big Techs vençam? Vamos deixar que os mass media pró-guerra e pró-ditadura vençam?
Vamos permitir que todos os que gritam ‘paz’, ‘liberdade’ e ‘democracia’ sejam perseguidos e difamados com acusações que se tornaram cliché, de tão comuns?
Vamos poder ser quem queremos ser, vamos poder viver em liberdade? Vamos poder expressar a nossa verdade? Vamos poder fugir aos ‘carimbos’, à segregação (por género, etnia, nome de família, conta bancária, ….) e procurar viver numa sociedade que se baseia em valores e princípios mais elevados?
Lembram-se da carta que Brian Johnson escreveu naquele Sábado de detenção n’ ‘O Clube’, num famoso dia 24 de Março? Começa com “Dear Mr. Vernon” e termina assim: “You see us as you want to see us: in the simplest terms, in the most convenient definitions. But what we found out is that each one of us is a brain, and an athlete, and a basket case, a princess, and a criminal. Does that answer your question? Sincerely yours, The Breakfast Club.”
Não interessa como (nos) vos vêem. Sabemos quem somos. E nós somos a geração de 70 e 80. E não sabemos apenas ‘quem’ somos. O mais importante é que sabemos o que podemos fazer. Juntos.
O que quero acreditar é que, apesar do conforto e do aburguesamento, apesar da doença ou da pobreza, ou dos shoppings, da Netflix e do carro-na-garagem, ainda há ‘jovens’ genuínos dos anos 70 e 80, por aí.
Não falo só da malta que andava com joelhos e os cotovelos feridos de jogar na rua e no asfalto. Não falo só da malta que não se detém perante o embate em portas. Falo da malta que tem a liberdade no sangue, a democracia nos genes e a rebeldia nas células. Falo da malta que tem a poesia da música na alma e no coração. Da malta que se inspirou em Gandhi, que leu Pessoa, que leu Espanca.
Acredito que muita dessa malta que tem estado adormecida, embalada com as selfies, o futebol, as férias no paraíso (a crédito, às vezes), o conforto do carro na garagem, ainda têm um pouco de rock em si e se lembram quem são.
Acredito que muita dessa malta que pode estar doente, sem dinheiro, triste, ainda tem muita garra e coragem para ‘dar e vender’.
São os da geração que viu Sarah Connor e John McClane. São vocês, aí. E estão a tempo de ser os heróis das gerações futuras, se lutarem contra os novos censores, os senhores (e senhoras) da guerra e a cultura pró-ditadura.
Podem até fazê-lo com selfies e com gatinhos. Ao som de rock ou de pop. Ao estilo de Ferris Bueller ou de Mulder. Mas façam-no. Porque não acredito que “quando se cresce, o nosso coração morre”, como disse Allyson. Pelo menos, espero que não.
Elisabete Tavares é jornalista
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Proponho-vos aqui toda uma série[1] que será um exercício de raciocínio livre, já que, até aterrar sem aviso nesta rubrica do PÁGINA UM, ainda não constou antes de nenhum romance, de nenhum livro de texto, nem de nenhum artigo científico. Mas vamos lá, que a ideia vale por si. Ainda ninguém pensou que há diversas semelhanças entre um ornitorrinco e um urso polar?
Entre um monotrémato oleoso com pés de pato e um caniforme desgrenhado de patas plantígradas?
Hm.
Toda a gente tem, pelo menos, a noção de que os ornitorrincos representam uma grande quantidade de bichos diferentes amalgamados num só. Mas como é no mínimo improvável que toda a gente saiba tudo no respeitante a esta amálgama, tenham santa paciência, mas vamos começar pela rememoração das principais características que eles partilham com vários outros grupos animais, todos muito distanciados entre si.
Antes de mais nada, a cor e a cauda do ornitorrinco são iguaizinhas à do castor[2]. Pensaríamos de início que esta ligação seria de grande importância, porque a cauda do ornitorrinco é extremamente importante para ele: é a sua única reserva de gordura, e quem diz gordura diz protecção e energia.
Mas não.
Falso alarme.
Por muito importante que seja a cauda de castor na vida de um ornitorrinco, e por absolutamente imprescindível que seja a ligação à água doce na vida de ambos os bichos, não há absolutamente mais nada que os aproxime. Mesmo a forma como o castor vive na água doce, formando grandes famílias e construindo diques que lhe dão imenso trabalho a montar e a manter, isto não se assemelha em nada à forma ensimesmada e preguiçosa característica da vida do ornitorrinco. Como toda a gente sabe, a América do Norte e a Austrália não correspondem a posturas filosóficas similares.
Ornitorrinco (em imagem gerada por inteligência artificial).
Seguidamente, e tal como o Urso Polar[3], estas criaturas estão de tal forma bem adaptadas à vida na água[4] que acabaram por ser classificadas como semi-aquáticas[5]. À semelhança de qualquer urso, quando se encontram em cativeiro mostram que podem perfeitamente ter um regime alimentar basicamente omnívoro. No entanto, as características particulares do seu habitat condicionaram-lhe desde há muito as preferências gastronómicas.
E então aqui vai uma boa história de selecção convergente[6].
Porque é que o Urso Polar, podendo ser omnívoro, se tornou carnívoro?
Ora, não gozem com o povo normal.
O Urso Polar é carnívoro porque, como é evidente, no Ártico há sempre focas, mas não existem plantas durante a enorme maioria do ano. Talvez o seu sistema digestivo se tivesse adaptado aos conteúdos dos caixotes de lixo das pessoas, como aconteceu com o de tantos outros ursos, especialmente nos que vivem perto dos parques naturais. Mas, para que tudo isto acontecesse, era preciso que vivessem mais pessoas nas condições extremas em que vive o Urso Polar. Estive duas vezes no Alasca, cruzei muitas estradas de terra completamente desertas, atravessaram-se-me três vezes uns ursos vagarosos à frente do carro, mas eram sempre ursos castanhos. Mesmo que um Urso Polar partilhe por breves instantes algum território com alguns Inouits, os povos do Ártico não têm minimamente o hábito de considerar que seja o que for é lixo, pelo que procuram reciclar tudo e não deitar nada fora[7]. E o habitat do Urso Polar não desce tão baixo que atinja as regiões onde a tundra se enche de mirtilos no pino do Verão[8]. Se comesse alguns gostava de certeza – mas de certeza que que nenhum Urso Polar fica alimentado só com umas boas razias nos mirtilos deliciosos da tundra.
Então e o Ornitorrinco?
Se já tem milhões de anos de existência em o registo fóssil nos diz que cobriu quase toda a Terra habitável, se é o mais antigo de todos os mamíferos dos nossos dias, não poderia ter recorrido a essa primazia para tirar proveito de todos os tipos de dietas antes de existirem sequer novos rivais? E se, ainda por cima, quando observado em cativeiro demonstra que pode mesmo ser omnívoro, porque é que decidiu dar ideias ao Urso Polar e ser carnívoro?
Ah, pois é.
A adivinha que se segue agora é que já não é para qualquer um.
Antes de mais nada, qual é a dieta deste carnívoro, e de onde é que ela vem?
O ornitorrinco revolve o fundo das águas onde mora à procura de camarões, ameijoas, peixinhos, larvas, vermes, cobras, ou outras delícias fáceis de engolir, juntamente com pedrinhas, lama, ou ainda raízes e caules aquáticos[9]. Não tem dentes, mas tem placas trituradoras nos maxilares, e é com elas que faz a primeira mistura de tudo isto, para depois a guardar de reserva nas bolsas das bochechas[10]. Quando essas bolsas estão cheias, vem até à superfície, tritura tudo até fazer uma papa, e só nessa altura é que a engole. Depois vai logo para o fundo buscar mais comida.
Porquê?
Porque os monotrématos não têm estômago.
Segue-se o grande sobressalto que seria de esperar.
Mas…mas…
Mas como não têm estômago?
E, se não têm,
porque é que não têm?
Olha que gaita, porque sim. Porque a evolução existe, a selecção natural também, e este grupo deu-se bem com o seu regime[11]. Para satisfazerem as exigências resultantes do sistema lunático em que se especializaram, os ornitorrincos passam doze horas por dia dentro de água à procura de alimentos.[12]. São óptimos nadadores, e estão altamente especializados nesse sentido. Numa performance que volta a recordar-nos o Urso Polar, conseguem mergulhar durante dois minutos blindando os olhos, os ouvidos, e as narinas.
Ai é?
Ah pois é.
Não desistam ainda, camaradas e amigos. A série continua. Dentro de mais um mês, talvez venhamos a saber como é que os ornitorrincos conseguem encontram o seu alimento debaixo de água com todos os órgãos dos sentidos blindados. E talvez este conhecimento os aproxime ainda mais dos ursos polares.
Algumas charadas progridem muito devagar.
Mas progridem.
E a sua lentidão permite-nos ir pensando.
Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora
N.B. O título é retirado de Tertuliano, padre do século II, nas primeiras fases do Cristianismo.
[1] Ficamo-nos por “série” porque o contéudo não estica para “telenovela”. Nem ninguém leria nada do que se segue depois de semelhante introdução. Espero eu, não sei. Vivemos tempos difíceis.
[2] Sabiam que, no século XVIII, quando já se conhecia praticamente toda a fauna do mundo e a Europa do Iluminismo foi a votos para escolher o Rei dos Animais, várias vozes se levantaram em defesa do CASTOR? Ah pois foi. Mas essa é toda uma outra história, que, por este andar, terá que ficar para bastante mais tarde.
[3] Ah-ah! Mais um regresso do URSO POLAR. Alguém quer apostar qual será o último? Façam concursos, façam. Quando derem pelo que aconteceu, acabaram de celebrar os vossos respeitáveis setenta anos e de contrair matrimónio com uma espécie qualquer de semideus que vos entrou à noite a voar pela janela. Será que este semideus é o Espírito Santo? Bem, isso ele nunca confirma nem desmente.
[4] Embora, no caso do Ornitorrinco, não se encontre qualquer evidência de que começaram por ser mamíferos absolutamente terrestres, como por exemplo os ursos. Daí a necessidade de uma classificação à parte também só para eles: não são terrestres nem aquáticos, são semi-aquáticos.
[5]Et voilà. Ou seja, “ora aí está”, mas a Autora não quer exta pequena exclamação traduzida do francês. Insiste em exibir-se culta até ao fim. NT.
[6] Duas espécias muito diferentes adquiriram características semelhantes ao longo do tempo devido às suas adaptações progressivas ao ambiente onde vivem.
[7] Refiro-me aos que continuam a viver naquele que é desde há milhares de anos o seu habitat natural, e onde, de facto, tudo serve para alguma coisa. Esqueçamos, por favor, todos aqueles que vieram instalare-se nas cidades, onde vivem maioritariamente de orçamentos governamentais. É uma tristeza ver uma esquimó obesa, de fato de treino cor-de-rosa e ténis pretos com luzres que acendem nas solas, o cabelo pintado de verde já com as raízes à mostra e com uma permanente que também já começou a perder o vigor, a deitar para o lixo a sua terceira lata de Coors enquanto acende um cigarro e fala ininterruptamente com um grupo de gente tão feio de ver como ela. Claro que é feio, mas enfim. A vida não é nenhum conto de fadas.
[8] Ou antes, está agora a começar a descer por escassez de comido mais a Norte – e a consequência imediata destas explorações desesperadas é que há cada vez mais ursos polares sumariamente abatidos a tiro.
[9] É aquilo a que se chama um bottom-dweller, ou seja, um explorador do fundo. As nossas tainhas, por exemplo, fazem exactamente a mesma coisa. E querem lá saber se estão a revolver o fundo mesmo ao lado de um esgoto. Fritam-se, temperam-se com algum sal e muito vinagre, e quando chegam à mesa estão absolutamente deliciosas.
[10] Aqui podemos, também, considerar que o ornitorrinco tem qualquer coisa de hamster.
[11] Tudo bem, claro – quando ainda não existiam outros grupos, era um regime tão bom como qualquer outro.
[12] Parte deste tempo passado na água deve-se ao facto de, muito embora sejam omnívoros, precisarem de ingerir todos os dias metade do seu peso em carbohidratos para manterem a energia e a capa subcutânea de gordura que os mantêm vivos e activos. Outra parte é porque precisam de procurar todos os dias alimento que chegue para ingerir todo esse peso alimentar. E, finalmente, uma última parte destas doze horas é preguiça: a água doce não tem tão pouca gravidade como a água salgada, mas sempre tem bastante menos gravidade que a terra firme.
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A grande força da imprensa sempre esteve nas pessoas que alcança, e com a credibilidade da informação que lhes transmite e as induz a reagir perante um evento. Pode esse evento ser político, e daí que tenha surgido, no século XIX, por Thomas Carlyle, o conceito de Quarto Poder, ou seja, o Jornalismo como entidade próxima do povo, que por ele vigia e controla os outros três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.
Em teoria, a grande virtude e vantagem do Quarto Poder – um poder de facto – é a sua independência perante os outros três poderes, que são de jure. Nestas circunstâncias, o Jornalismo só se justifica se for independente – e, por isso, um dos lemas do PÁGINA UM teria de soar a uma lapalissada ridícula se, efectivamente, não vivêssemos tempos de crise de valores na imprensa nacional e internacional.
Numa contínua fuga para o abismo, onde o próprio regulador se mostra complacente com as maiores tropelias das direcções editoriais e de marketing, o modelo de negócio da endividada e desnorteada imprensa portuguesa transformou meios de comunicação social tradicionalmente assente em jornalismo credível em máquinas de fabricação de branded contents – conteúdos para promoção de marcas, que podem ir até ao marketing político e pessoal. E, nessa linha, mais do que dar notícias favoráveis ou fofinhas – ou incisivas contra os ‘inimigos’ –, o Jornalismo de hoje também se ‘mede’ pelas notícias de que não dá.
Hoje, com honrosas excepções, não há quase nenhum jornalismo de investigação em Portugal, porque, por inerência, a investigação causa rupturas – e a pouca que há encontra-se enviesadamente direccionada para a dita extrema-direita, eleita em Portugal como o principal perigo para a democracia. Na verdade,se a extrema-direira cresce, mais pela via do populismo, deve-se ao fracasso das políticas dos partidos ditos democráticos. E sobretudo à esquerda.
Em resultado da pouquíssima investigação rareiam as notícias sobre casos de corrupção. E quando falo de corrupção não estou aqui a referir-me a ‘malas de dinheiro’ – isso já não se faz assim, ou quem faz assim é por ser tolo. Hoje, a corrupção é do jaez da que se revelou no caso das gémeas luso-brasileiras – que, hélas, surgiu de uma das poucas jornalistas de investigação em Portugal com ‘alguma’ liberdade, a Sandra Felgueiras. Quem diz que não há corrupção em Portugal é como garantir que não haveria transgressões do Código da Estrada se não houvesse fiscalização policial. E se não há mais ‘casos’ de corrupção detectados é exactamente por a Imprensa mainstream em Portugal, completamente dependente dos humores financeiros do Estado e do mundo dos negócios, achar agora por bem não inquietar o status quo. E o mal de uma sociedade democrático começa a ruir pelo Quarto Poder.
Nos últimos anos, apesar das evidências de corrupção na sociedade política e empresarial, a Imprensa mainstream aceitou os mais deboches antidemocráticos, a começar com as negociatas em redor da pandemia. Os acordos secretos da Comissão Europeia – que se transformou numa entidade antidemocrática e que nos está a impor uma Economia de Guerra – são um ultraje aos princípios que que herdámos dos pais da Comunidade Económica Europeia. A perda de valores em Portugal veio por arrasto: em duas décadas, a Administração Pública ficou completamente obscura, e hoje um jornalista pedir informação ou requerer documentos é visto como uma ofensa.
Recordem que é na perda de princípios éticos que reside a corrupção e aí cresce – e vejam como o bispo de Leiria veio ‘benzer’ os envolvidos no caso das gémeas luso-brasileiras, argumentando que “cunhas que salvam crianças não fazem mal a ninguém”, como se os quatro milhões de euros que se gastaram num caso absurdo (as crianças estavam em tratamento no Brasil com outro fármaco) não viessem a salvar outras vidas.
A corrupção de valores é a antecâmara de todas as corrupções. Da simpatia se passa para o favorzinho, do favorzinho se passa para o favorecimento, do favorecimento se passa para a camaradagem, da camaradagem se passa para o compadrio, do compadrio se passa para a compensação, sob a forma de prebendas, sinecuras ou vil metal, sempre a receber a prazo. Quem dá hoje, por estar no poder, recebe amanhã, de quem beneficiou. A Imprensa deve estar atenta para, algures, evitar que os elos para a corrupção se liguem. É essa uma das suas funções primordiais do Jornalismo – a mais nobre. O resto é Comunicação, função nobre, mas que pode ser feita por meros comunicadores.
A perda de valores éticos não grassa nem desgraça somente os três Poderes tradicionais – tem vindo a desgraçar o Quarto Poder. Hoje, a corrupção medra, ou tem condições de medrar, quase sem ‘policiamento’ jornalístico. Basta verificar como, com pouquíssimos meios, o PÁGINA UM já revelou um sem-número de casos suspeitos em contratos públicos. Não há mais jornalistas com capacidade de fazer o mesmo, ou até muito melhor, nem que seja por mais meios e potenciais fontes? Claro que há. E então como é possível que a pouca-vergonha da campanha solidária ‘Todos por Quem Cuida’, sobre os quais ontem recuperámos apresentando mais evidências, tenham um eco nulo na Imprensa mainstream.
Sou jornalista desde 1995, passei pelo Expresso e pela Grande Reportagem, e por outros periódicos sobretudo até ao final da primeira década deste século. Sei o que é jornalismo de investigação, sei o que são casos suficientemente graves para fazer cair um governante. Aliás, em dois ou três meses, na transição de 2022 para 2023, tendo querido, o Correio da Manhã causou uma ‘razia’ no Governo de António Costa.
Mas sei sobretudo, porque também já não caminho para novo, que o grau de exigência da Imprensa mainstream se modificou. Os timings, neste momento, são tudo. Há políticos que podem estar nas graças, porque sim; outros ficaram sempre nas desgraças, porque sim. Perdeu-se, repito, em muitos jornalistas a noção daquilo que são os seus deveres. E um deles, como watchdog, é estar atentento aos poderosos; nunca ser amigo, ou cultivar uma amizade, de alguém que está no Poder.
Por isso, como jornalista, sei quais deveriam ser, em circunstâncias normais, as implicações de pessoas como Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o agora deputado social-democrata Miguel Guimarães depois das evidências sobre o atropelamento de tantas normas éticas e legais a pretexto de uma suposta campanha de ‘bondade’ numa pandemia onde algo que nunca faltou foi dinheiro.
Nem quero aqui reflectior sobre a postura de líderes de duas ordens profissionais, como a dos Médicos e dos Farmacêuticos, que se predispuseram a receber mais de 1,3 milhões de euros da indústria farmacêutica para se promoverem como pessoas de bem durante uma desgraça. Mas, por tutatis, eles não receberam apenas dinheiro de farmacêuticas – um dos sectores que, com o beneplácito do Infarmed, mais tem financiado a Imprensa mainstream. A camoanha que eles orquestraram registou casos de evasão fiscal, de contabilidade paralela, de facturas falsas de quase um milhão de euros (entrada de facturas sem saída de dinheiro da Ordem dos Médicos) e ainda centenas de declarações falsas de IPSS, associações e até hospitais públicos para que as farmacêuticas tivessem indevidos benefícios fiscais. Porém, ninguém do Quarto Poder reagiu às notícias do PÁGINA UM. Porquê?
Bem sei que os directores (e muitos jornalistas) encontrarão argumentos, para descanso das suas consciências, que justifiquem ignorar a investigação do PÁGINA UM – uma investigação que já me obrigou a apresentar (e ganhar) duas intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, mas recebendo em troca ‘censuras’ absurdas de um ‘regulador fantoche’ (ERC), um processo disciplinar da CCPJ (cujos membros já deveriam ter-se demitido por ‘triste figura’) e processos judiciais (em curso), um dos quais do almirante Gouveia e Melo, cujo julgamento anseio para que se revele a verdade.
Mas também bem sei que, apesar dos incómodos que estas notícias do PÁGINA UM lhes causam, Ana Paula Martins e Miguel Guimarães estarão confiantes de que a Imprensa mainstream os continuará a proteger, não fazendo eco das suas tropelias passadas. Pedra no assunto. E tudo assim lhes parecerá bem, porque, neste momento, o Quarto Poder em Portugal mostra-se mais pelo que não escreve, pelo que não revela, do que pelo que escreve, pelo que denuncia.
Os tempos, contudo, são de mudança, mas não muito favoráveis para quem atraiçoou os princípios do Jornalismo. Já nas recentes eleições se confirmou a tendência de perda de influência da Imprensa mainstream; e se esta continuar a ignorar intencionalmente casos de patente corrupção e/ ou perda de valores éticos – e foi sobretudo isso que sucedeu na queda do Governo de António Costa, de má memória (oito anos de estagnação e compadrio) –, se esta continuar a intencionalmente desinvestir na investigação; e se esta continuar a ostracizar projectos de jornalismo independente, bem podem almejar pouco mais do que sobreviver à conta de branded contents e de endividamentos, incluindo ao Estado.
Continuando assim, como até agora, e pior ainda com soberba, o seu modelo de negócio se finará, porque até os promotores de branded contents se cansarão de dar dinheiro a quem nem sequer lhes dará retorno. E quanto ao Poder, sobre o qual a Imprensa mainstream deixou ser o watchdog ao serviço do povo, também fraco préstimo lhes dará à medida que constarem a perda de influência.
Por isso, talvez para consolo do PÁGINA UM – e meu também, que cada vez mais desiludido estou com a Imprensa mainstream, que eu julgava ter tido apenas uma ‘má fase’ durante a pandemia –, cada vez mais os canais alternativa de difusão de informação estão a dominar. A Imprensa mainstream está a tornar-se irrelevante. Aliás, nesta medida, basta verificar, por exemplo, o eco que a notícia do PÁGINA UM sobre o caso da ministra da Saúde, ignorada pela totalidade da imprensa nacional, teve na rede social X. Em apenas 24 horas contabiliza mais de 54 mil visualizações. Por exemplo, Expresso – que é o Expresso, que conta com 643.86 seguidores (o PÁGINA UM tem um pouco menos de 10 mil) – não conseguiu em qualquer uma das dezenas de notícias e artigos de opinião de hoje ultrapassar essa fasquia.
A fraqueza da Imprensa mastodôntica é pensar que a sua força será eterna, faça o que fizer. Não é. E já agora, por favor, quando as falências estiverem iminentes, não sigam o caminho mais fácil: não peçam dinheiro ao Estado, porque esse dinheiro é dos contribuintes, esses que, como leitores, vos abandonaram por fraca qualidade.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.